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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – São Paulo - SP – 05 a 09/09/2016 1 Silas Malafaia e os Direitos LGBT: Uma Análise das Interações na Página do Pastor no Facebook 1 Márcia FELICIANI 2 Aline DALMOLIN 3 Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS Resumo Silas Malafaia, líder evangélico da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é conhecido por seus discursos críticos a respeito de temas polêmicos. No presente artigo, pretende-se observar a circulação desses discursos em sua página oficial no Facebook nos anos de 2011 e 2012 com relação ao PLC/122 (mais conhecido como Lei Anti-Homofobia), visto que nesse período as discussões sobre o projeto e o tema da homossexualidade intensificaram-se. Buscaremos, assim, entender a atuação de Silas nos campos religioso, político e midiático, segundo Bourdieu (2008), bem como seu papel de empreendedor moral (BECKER, 2008) com relação à formação de opinião de seus fiéis. Palavras-chave: Silas Malafaia; homossexualidade; Facebook; campos; empreendedorismo moral. 1. Introdução Os embates entre a Igreja Católica Apostólica Romana e a ciência começaram há muito tempo e são marcados por acusações, punições por heresia e perseguição da Santa Inquisição. Mesmo com o nascimento da Igreja Protestante, que criticava muitos dos posicionamentos católicos, a religião continuou se sobrepondo ao conhecimento científico e ao Estado como um todo. No Brasil, a própria colonização portuguesa não teria sido possível sem o apoio da Igreja Católica, que também acabou por contribuir com a criação da legislação do país, mesclando o direito dos homens com o direito divino. Hoje, o Brasil é um país oficialmente laico, mas embora não tenha uma religião oficial, ainda é o país com maior número de católicos no mundo 4 . Além disso, também temos uma bancada religiosa composta por líderes evangélicos e católicos de vários partidos, em grande parte adeptos da direita conservadora brasileira. Isso motiva a tensão 1 Trabalho apresentado na Divisão Temática de Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior XII Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Acadêmica do 4º semestre do curso de Comunicação Social Produção Editorial da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). E-mail: [email protected]. 3 Professora do Departamento em Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: [email protected]. 4 Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/07/brasil-ainda-e-o-maior-pais-catolico-do-mundo- mesmo-com-reducao-de-fieis.html>.

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Silas Malafaia e os Direitos LGBT: Uma Análise das Interações na Página do Pastor

no Facebook1

Márcia FELICIANI2

Aline DALMOLIN3

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

Resumo

Silas Malafaia, líder evangélico da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, é

conhecido por seus discursos críticos a respeito de temas polêmicos. No presente artigo,

pretende-se observar a circulação desses discursos em sua página oficial no Facebook nos

anos de 2011 e 2012 com relação ao PLC/122 (mais conhecido como Lei Anti-Homofobia),

visto que nesse período as discussões sobre o projeto e o tema da homossexualidade

intensificaram-se. Buscaremos, assim, entender a atuação de Silas nos campos religioso,

político e midiático, segundo Bourdieu (2008), bem como seu papel de empreendedor

moral (BECKER, 2008) com relação à formação de opinião de seus fiéis.

Palavras-chave: Silas Malafaia; homossexualidade; Facebook; campos;

empreendedorismo moral.

1. Introdução

Os embates entre a Igreja Católica Apostólica Romana e a ciência começaram há

muito tempo e são marcados por acusações, punições por heresia e perseguição da Santa

Inquisição. Mesmo com o nascimento da Igreja Protestante, que criticava muitos dos

posicionamentos católicos, a religião continuou se sobrepondo ao conhecimento científico e

ao Estado como um todo. No Brasil, a própria colonização portuguesa não teria sido

possível sem o apoio da Igreja Católica, que também acabou por contribuir com a criação

da legislação do país, mesclando o direito dos homens com o direito divino.

Hoje, o Brasil é um país oficialmente laico, mas embora não tenha uma religião

oficial, ainda é o país com maior número de católicos no mundo4. Além disso, também

temos uma bancada religiosa composta por líderes evangélicos e católicos de vários

partidos, em grande parte adeptos da direita conservadora brasileira. Isso motiva a tensão

1 Trabalho apresentado na Divisão Temática de Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior – XII Jornada de

Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 2 Acadêmica do 4º semestre do curso de Comunicação Social – Produção Editorial da Universidade Federal de Santa

Maria (UFSM). E-mail: [email protected]. 3 Professora do Departamento em Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria, doutora e mestre em

Ciências da Comunicação pela Unisinos. E-mail: [email protected]. 4 Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2013/07/brasil-ainda-e-o-maior-pais-catolico-do-mundo-

mesmo-com-reducao-de-fieis.html>.

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contínua entre religião e Estado. Ou seja, ainda que não seja autorizado, pela lei, que

ninguém imponha sua crença aos demais e que nenhum grupo possa tornar suas leis

religiosas parte integrante das leis civis, na prática não é bem o que se vê. Segundo o artigo

18 da Declaração dos Direitos Humanos:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este

direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar

essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância,

isolada ou coletivamente, em público ou em particular. (ONU, 1948)

Infelizmente, a prescrição não parece bem clara para alguns religiosos, que

confundem a livre manifestação da religião com uma liberdade de expressão sem limites.

Por conta disso, muitos temas que mobilizam a opinião pública e que, inicialmente,

deveriam ser pautados no campo político, acabam sendo discutidos, e muitas vezes

definidos, pelo campo religioso, como as pesquisas com células-tronco, a eutanásia, os

direitos sexuais e reprodutivos e, claro, as questões ligadas à homossexualidade. Com

relação à última, muitos atores religiosos manifestam no espaço público sua contrariedade à

livre expressão da orientação sexual, muitas vezes fazendo uso de discursos de ódio.

No Brasil, a lei 7.716/89 tipifica criminalmente a prática de discriminação devido à

raça, cor, etnia, procedência nacional ou religião, especificando condenação mais dura

quando ligada à divulgação do nazismo. Contudo, a legislação não prevê punição específica

a vários tipos de discurso de ódio – como é o caso de preconceito em função do gênero e

orientação sexual –, nem mesmo prescreve penas mais duras em casos de violência física ou

mesmo homicídio derivado de intolerância. Nesses casos, a saída legalmente encontrada no

judiciário vem sendo enquadrar criminalmente os casos de discriminação como “abuso de

direito”, pela falta de uma regulamentação específica para esses crimes.

O PLC/122, também conhecido como Lei Anti-Homofobia, foi proposto em 2006

pela deputada Iara Bernardi no sentido de suprir essa lacuna. Uma das principais

justificativas para a aprovação da lei, além do próprio combate à violência homofóbica,

seria o de incluir na legislação brasileira uma tipificação para a punição da violência

simbólica contra a população LGTBQIA, ampliando a abrangência das leis já existentes.

Apesar de proposto em 2006, as discussões acerca do projeto intensificaram-se entre 2011 e

2012, período em que houve audiências públicas para discussão do tema. O Pastor Silas

Malafaia, líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi convidado a participar

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dos debates como representante evangélico da população brasileira e manifestou fortemente

suas opiniões a respeito, promovendo campanhas e manifestações contrárias à aprovação do

projeto.

Presença constante nas mídias digitais, contando com os sites da Associação Vitória

em Cristo e do Portal Verdade Gospel, ambos de seu ministério, um canal no Youtube e

perfis no Facebook e no Twitter, Malafaia usou e abusou das plataformas disponíveis para

discutir questões referentes a direitos (ou privilégios, como ele afirma) dos homossexuais e

liberdade de expressão.

Como bem colocam Campos, Gusmão & Mauricio Jr. (2015), foram esses embates a

respeito do PLC/122 que fizeram de Silas “ator político e maior representante dos grupos

evangélicos conservadores” no contexto atual. A este estudo, cabe identificar a

movimentação midiática do Pastor e de seus seguidores em sua página no Facebook,

compreendendo seu papel de empreendedor moral em tal caso. Para tanto, percebe-se

necessária uma explanação a respeito do campo religioso, bem como de sua intersecção

com os campos político e midiático.

2. Campo religioso e sua intersecção com os campos político e midiático na

contemporaneidade

Campo, segundo Bourdieu (1983), refere-se a um espaço estruturado por posições

sociais e responsável por estruturá-las. Resumidamente, trata-se de um jogo, no qual os

agentes lutam entre si pelo domínio do respectivo capital – que é específico em cada

campo.

No caso do campo religioso, a movimentação do capital está ligada tanto a fatores

internos quanto externos. É perceptível a relação existente entre as crenças e seu contexto

social: os próprios desenvolvimento e institucionalização do campo religioso como tal estão

ligados ao crescimento das cidades (BOURDIEU, 1983).

É importante destacar que o campo religioso não é homogêneo, sendo composto por

uma infinidade de crenças com diferentes denominações, procedências e objetivos. Só no

Brasil, através do censo realizado pelo IBGE em 2000, constatou-se o surgimento de mil e

duzentas novas denominações religiosas em comparação à pesquisa anterior, de 1991

(CAMPOS, 2004). Segundo Bourdieu (2008), isso seria um reflexo da principal

característica de tal campo: a concorrência.

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Dentro das instituições religiosas também não há homogeneidade: existem

diferentes perfis de membros. Há os leigos (ou simples adeptos), de conhecimento mais

básico, e os dominantes, detentores de parte do capital simbólico em circulação no campo.

São esses que, através de seus discursos e do uso do carisma, são capazes de mobilizar os

demais em benefício das causas de seu interesse, despertando neles a necessidade de aliar-

se a elas (BOURDIEU, 2008).

Tal mobilização é perceptível na relação dos evangélicos com a política, que, como

aponta Maia (2006), encontra-se em constante crescimento. A influência exercida pelas

lideranças nos membros de congregações evangélicas é maior por vários fatores, dentre eles

a baixa renda e escolaridade de boa parte dos fiéis e, principalmente, a grande exposição

argumentativa a que estes são submetidos, visto que a maior parte deles pratica atividades

religiosas frequentemente. (MAIA, 2006).

Com a entrada das personalidades religiosas na política, a influência passou a se dar

no sentido de conquistar, além de fiéis, eleitores. Para isso, são dois os tipos de discursos

utilizados pelas lideranças: os considerados laicos, que apelam para valores e

conservadorismo (como no caso de Malafaia, que nega interesse religioso em seus

argumentos), e os efetivamente religiosos, que consideram os problemas políticos como

uma guerra espiritual e acreditam que só a presença de homens de Deus naquele meio pode

ser uma solução (MAIA, 2006).

Além do poder político adquirido pelas personalidades protestantes, há ainda a

ampliação do capital econômico de suas instituições. A concentração desse capital, por

consequência, permite a “invasão evangélica da mídia” (CAMPOS, 2004), multiplicando o

alcance dos discursos religiosos e fulminando a discussão acerca dos circuitos entre os

campos religioso e político (BRAGA, 2012). Esse contexto de intensa disputa pelos fiéis,

não raro é articulado a partir de estratégias de marketing, publicização e segmentação

características do campo midiático, sobretudo por parte das igrejas neopentecostais, de

modo que não é estranho ao contexto atual observarmos no Brasil o fracionamento de

igrejas não por cismas doutrinários, como ocorria no passado, mas sobretudo na orientação

por atingir um determinado público-alvo.

Percebe-se, então, que a reverberação de tais embates se dá, principalmente, pelo

processo de midiatização (BRAGA, 2012). O tema tem sido motivo de forte discussão entre

as alas mais conservadoras dos grupos religiosos, não só evangélicos (o Padre Paulo

Ricardo, representante católico da direita ultraconservadora, também é conhecido por seus

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discursos opressivos de forte oposição ao PLC/122). Malafaia destaca-se pelo vigor com

que discute a questão e, principalmente, por negar influência religiosa em seus argumentos.

Foi capaz de mobilizar (e ainda mobiliza) uma grande massa de fiéis a agir em

contrariedade à causa LGBTQIA, sendo os debates e manifestações relacionados ao PLC o

maior reflexo disso. A pergunta é: como ele desempenha tal papel? Uma resposta pode estar

no conceito de empreendedor moral, de Howard Becker (2008).

3. Silas Malafaia e o empreendedorismo moral

A lógica da concorrência não se verifica apenas dentro do campo religioso, mas

pauta a atuação dos diferentes atores religiosos para adentrar nas lógicas do campo

midiático. No contexto atual do campo evangélico brasileiro, observamos uma verdadeira

“guerra” por visibilidade (CUNHA, 2013), tanto por parte dos leigos quanto dos

dominantes – usando a terminologia bourdiana –, nas quais se enquadram disputas

simbólicas travadas com estratégias advindas de ambos os campos. Nessa guerra,

salientam-se as disputas em torno de questões referentes à ingerência sobre a vida humana e

a sexualidade.

Nesse contexto belicoso, muitos líderes religiosos evangélicos, qualificados de

considerável capital simbólico nas trincheiras de suas denominações religiosas, lançam-se

no campo midiático atuando como “profetas” (BOURDIEU, 2008), tendo que conquistar

simpatizantes pela manipulação simbólica. Nessa categoria poderíamos enquadrar

lideranças religiosas como Edir Macedo, Marco Feliciano e o próprio Silas Malafaia, que

aqui compreendemos em seu papel de empreendedor moral no debate público

contemporâneo.

Empreendedores morais, segundo Becker (2008), são, resumidamente, líderes de

opinião – com a diferença de que suas ações se dão no sentido de discutir regras e questões

referentes à moralidade social. Conforme o autor, os empreendedores dividem-se em

criadores e impositores de regras.

Os primeiros, como o próprio nome sugere, são responsáveis pela criação de regras

a partir do que consideram correto. Fazem de sua missão uma coisa quase sagrada,

acreditando que o mal do mundo só pode ser exterminado com a criação de regras. Por

preocuparem-se mais com o conteúdo, deixam a disseminação de suas leis para os

impositores: estes dedicam-se integralmente à persuasão dos demais, assegurando que as

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regras criadas sejam cumpridas, justificando sua posição e conquistando respeito. No

campo jurídico, a leitura dessas duas categorias pode ser exemplificada através das imagens

do jurista e do policial: o primeiro responsabiliza-se como criador, enquanto o segundo atua

como impositor de regras.

A partir da leitura de Becker (2008), podemos questionar-nos em qual dessas

categorias Malafaia classificar-se-ia. À primeira vista, podemos compreendê-lo como

impositor de regras, visto que ele sustenta seu discurso sobre homossexualidade como

“baseado na Bíblia” (quando cita trechos das escrituras que supostamente condenariam tal

prática) e justificado pelas garantias da Constituição (quando lança mão do conceito de

liberdade de expressão para defender seu direito a posicionar-se publicamente contra a

homossexualidade).

Contudo, Malafaia se atém a uma leitura fundamentalista da Bíblia, que ignora

interpretações que relativizam o contexto histórico da época na qual os textos foram

escritos, bem como postula a liberdade de expressão e de culto como direitos absolutos, que

se sobreporiam ao respeito às liberdades individuais como a livre expressão do amor e da

sexualidade. A partir dessa leitura, podemos alinhar a percepção de Malafaia como um

criador de regras, pois muitas das regras por ele preconizadas derivam de uma releitura da

tradição religiosa com base em uma moral conservadora. Também encontramos aí uma das

características dos indivíduos dominantes no campo religioso, segundo Bourdieu (2008): a

tendência à recepção seletiva e à reinterpretação das mensagens tradicionais.

Outra alternativa para interpretarmos a atuação de Silas Malafaia à luz da discussão

trazida por Becker (2008) seria propor uma terceira categoria ainda inspirada no autor,

contudo mais apropriada ao contexto da midiatização. Esta seria compreender a atuação de

empreendedores morais religiosos como Silas Malafaia enquanto reformuladores de regras:

a base dos regramentos que eles impõem já está criada, mas a leitura por eles realizada gera

divergências, por permitir mais de uma interpretação.

Essas diferentes articulações podem ser percebidas ao observarmos as atitudes do

Pastor de forma separada, nos campos religioso e político. Dentro de sua Igreja, Malafaia

atuaria mais como um impositor de regras, pois pelo fato de seus fiéis encontrarem-se em

um domínio simbólico próximo ao dele, Silas pode fazer uso das palavras da Bíblia para

embasar seus argumentos. Já quando se trata de uma discussão de nível público, no

contexto das redes sociais, por exemplo, Malafaia procura evitar referências religiosas,

utilizando a Constituição e estudos da psicologia para defender sua posição – reformulando,

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assim, as regras já existentes no sentido de dirimir as divergências e apontar sua visão como

correta. Na sequência, analisaremos com detalhe como Malafaia e os interagentes de sua

página no Facebook se posicionam com relação a esse debate.

4. Resultados da análise

Através da coleta das postagens realizadas na página do Facebook de Malafaia no

período de junho de 2011 a junho de 20125, obtivemos um total de 156 postagens dos mais

diferentes tipos - frases bíblicas, divulgação de eventos e produtos, chamadas para

programas, etc. Dessas, 11 diziam respeito aos embates entre o Pastor e seus fiéis e

homossexuais.

Apesar de serem, em sua maioria, frases curtas que levam a outros veículos (4 levam

ao programa de TV do Pastor, 1 leva a um vídeo no Youtube, 1 a uma matéria no site da

Folha de S. Paulo e 5 ao da Revista Veja, que contém matérias e notas relacionadas a Silas,

bem como uma entrevista), são bastante sugestivas da visão de Malafaia sobre a

homossexualidade e o PLC/122.

O Pastor alega amar os homossexuais, mas critica duramente suas práticas – que,

segundo ele, são condenadas por Deus. Como psicólogo, ainda defende a ideia de que a

homossexualidade é um fator comportamental e pode ser “revertida” com tratamento (foi

um dos grandes apoiadores do PDC/234 de 2011, projeto que ficou conhecido como “cura

gay”). Por fim, com relação ao PLC, seu argumento é de que fere um dos princípios básicos

da Constituição: o de liberdade de expressão. No caso da homossexualidade, Malafaia

difere opinião de discriminação, criticando fato de que, com a aprovação do projeto, ele e

os demais membros do campo religioso que compartilham de seu pensamento não poderiam

opinar a respeito do tema sem ser condenados.

Já com relação aos comentários, a coleta foi bem mais satisfatória: foram 1294

comentários recolhidos, onde se notou a divisão de opiniões entre os usuários. Realizamos

uma categorização das principais recorrências, selecionando os comentários mais

5 Faz-se importante destacar que os dados podem apresentar variações, devido a dois problemas na realização da pesquisa:

o primeiro refere-se ao fato de que, na primeira observação feita da página de Silas no Facebook, a rede social

disponibilizava o recurso de retorno aos anos anteriores; na segunda, quando fomos em busca das interações relacionadas

a cada postagem, essa opção já não se encontrava disponível. Tivemos, então, que procurar manualmente pelas postagens

que já havíamos coletado. Isso levou-nos ao segundo problema, que foi a perda de uma das postagens originais (não

conseguimos encontrá-la por tratar-se de imagem sem descrição) e o encontro de outras de que não tínhamos

conhecimento, o que sugere que a plataforma, na primeira observação, não nos apresentou todas as postagens do período.

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significativos e percebendo, assim, a presença de indivíduos apoiadores e contrários ao

Pastor.

Dentre os apoiadores, há a) os que utilizam o discurso religioso propriamente dito,

b) os que utilizam argumentos laicos e c) não-evangélicos com vinculação religiosa

explícita que apoiam o Pastor. Já quanto aos críticos das ações de Malafaia, há d)

indivíduos dotados de fé religiosa que não concordam com as ideias do Pastor, e) os que se

afirmam como homossexuais e defendem sua causa e f) os que não expressam ligação com

a causa LGBT, mas discordam do pensamento de Silas. Faremos, a seguir, uma explanação

a respeito de cada uma das categorias, apresentando exemplos dos comentários recolhidos.

a) Indivíduos que utilizam discursos religiosos: uso de argumentos que colocam a

homossexualidade como pecado, sendo, por isso, condenada por Deus. Na Figura 1, por

exemplo, percebe-se a crença no fato de que basear-se na Bíblia Sagrada isenta qualquer

indivíduo da acusação de discriminação; na Figura 2, o interagente faz uso de um versículo

da Bíblia para justificar o combate à homossexualidade; na Figura 3, por fim, o usuário faz

referência ao episódio bíblico da destruição da cidade de Sodoma (considerada

pecaminosa), comparando o destino de seus moradores ao dos homossexuais.

Figura 1: Comentário do interagente 1.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 2: Comentário do interagente 2.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 3: Comentário do interagente 3.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

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b) Indivíduos que utilizam argumentos laicos: reforçam os argumentos de que os

movimentos homossexuais têm o objetivo de impedir que os cristãos usufruam de sua

liberdade de expressão, usando expressões como “mordaça” e “censura”. Na Figura 4, o

interagente alega que a prioridade não são os direitos homossexuais, mas o exercício da

liberdade de expressão de quem não concorda com tal prática; o interagente da Figura 5

menospreza o movimento homossexual; na Figura 6, percebe-se referência à música

“Cálice (cale-se)”, de Chico Buarque, utilizada como forma de protesto à repressão durante

o Regime Militar. Coloca, assim, o PLC/122 como sendo uma forma de censura.

Figura 4: Comentário do interagente 4.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 5: Comentário do interagente 5.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 6: Comentário do interagente 6.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

c) Indivíduos com fé religiosa que discordam de Malafaia: argumentos de religiosos

que defendem a disseminação do amor de Cristo e o fim da perseguição aos homossexuais

promovida por Malafaia. O interagente da Figura 7 critica a postura de Silas e dos demais

líderes religiosos envolvidos na causa, alertando os demais fiéis com relação a tais atitudes.

Já na Figura 8, há uma crítica direta ao Pastor: para o interagente em questão, ele devia

preocupar-se em pregar a Palavra de Deus ao invés de promover tal comoção.

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Figura 7: Comentário do interagente 7.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 8: Comentário do interagente 8.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

d) Não-evangélicos que apoiam Silas: casos em que indivíduos de outras vinculações

religiosas manifestaram-se a favor do Pastor e alegaram concordância com seus

argumentos. Na Figura 9, um seguidor católico expressa admiração pelo Pastor. Ainda, faz

referência aos “católicos convertidos de verdade”, ou seja: declara-se membro da ala mais

conservadora do catolicismo. No caso da Figura 10, Malafaia e seus fiéis receberam apoio

de um ateu, que apresenta concordância no argumento referente à liberdade de expressão.

Figura 9: Comentário do interagente 9.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 10: Comentário do interagente 10.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

e) Homossexuais que defendem sua causa: alegam preconceito e discriminação por

motivos religiosos, e defendem que a crença de um grupo não deve afetar a sociedade em

geral. O interagente da Figura 11 não vê motivo para tal comoção, afirmando que os

homossexuais “se amam igual a todos”; na Figura 12, há uma crítica à discriminação

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promovida contra os homossexuais; a interagente da Figura 13 alega sentir-se discriminada

e critica pessoalmente as atitudes de Malafaia.

Figura 11: Comentário do interagente 11.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 12: Comentário do interagente 12.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 13: Comentário do interagente 13.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

f) Indivíduos que não se afirmam como homossexuais, mas defendem a causa LGBT:

acreditam que os homossexuais devem ser tratados com respeito, principalmente pelo fato

de o Estado ser laico. Na Figura 14, há menção a fatos históricos de perseguição religiosa,

comparando-os com o contexto atual; na Figura 15 há reforço do argumento de que a crença

de um grupo não deve aplicar-se à sociedade em geral – argumento fortalecido pelo

comentário da Figura 16, que apela para o princípio de laicidade do Estado.

Figura 14: Comentário do interagente 14.

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Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 15: Comentário do interagente 15.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Figura 16: Comentário do interagente 16.

Fonte: Página de Silas Malafaia, Facebook.

Há, ainda, casos em que os comentários são apenas de apoio a Malafaia (sem

participação efetiva no debate) e, também, inúmeros de baixo calão. É perceptível que o

debate entre os grupos é acirrado, com ambos os lados tentando defender e justificar sua

posição. Também nota-se a repetição de elementos nas falas dos interagentes e, inclusive,

deles próprios, que estendem sua participação em discussões acaloradas e provocativas,

evidenciando a tensão existente entre os campos religioso e político.

5. Considerações finais

A página no Facebook trata-se de apenas uma ponta no iceberg da rede de ação do

Pastor. Sua igreja apresenta níveis de crescimento impressionantes no que se refere a

número de membros e concentração de capital econômico, ação que ultrapassa os limites do

campo religioso e atinge os demais setores da sociedade.

Apesar de as postagens não apresentarem conteúdo satisfatório com relação aos

argumentos de Malafaia em específico, é possível perceber a circulação (BRAGA, 2012)

que ocorre a partir de seus discursos. O Pastor mostra-se cada vez mais capaz de mobilizar

uma grande massa nas causas de seu interesse, agindo como um verdadeiro líder do campo

religioso (BOURDIEU, 2008) e, por fim, como um empreendedor moral (BECKER, 2008)

dentro do espaço público social.

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Referências

BECKER, Howard S. Empreendedores morais. In: _____. Outsiders: estudos de sociologia do

desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p 153-167.

Biografia do Pastor Silas Malafaia, Amigo de Cristo. Disponível em:

<http://www.amigodecristo.com/2012/09/biografia-do-pastor-silas-malafaia.html>. Acesso em 4 de

julho de 2016.

Biografia de Silas Malafaia, Mensagens com Amor. Disponível em:

<http://www.mensagenscomamor.com/biografia-de-silas-malafaia>. Acesso em 4 de julho de 2016.

BOURDIEU, Pierre. Gênese e estrutura do campo religioso. In: _____. A economia das trocas

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CAMPOS, Leonildo. Protestantismo brasileiro e mudança social. In: SOUZA, Beatriz; MARTINO,

Luís Mauro (Orgs.). Sociologia da religião e mudança social: católicos, protestantes e novos

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