Intermitência

20

description

Trabalho realizado para a disciplina de Fotografia, pela Universidade Federal de Pelotas

Transcript of Intermitência

André Darsie de Oliveira; Gabriela Z. Martins; Tiago RibeiroFotografia; Pelotas, 2013

Prof. Wagner Ivan da Rosa PirezUniversidade Federal de Pelotas

‘ ‘ Contos fantásticos não ensinam às crianças que monstros existem. Elas sabem que eles existem. O que esses contos fazem é ensinar às crianças que

monstros podem ser derrotados.Neil Gaiman,

parafraseando Chesterton

Quando eu era criança, ouvi muitas histórias em que um herói destemido era obrigado a enfrentar as mais terríveis criaturas. Nesses contos de batalhas épicas e objetivos grandiosos, os mon-stros saíam sempre derrotados. Mas Intermitência não é uma dessas histórias.

Por mais estranho que pareça, acho que quando criança nunca acreditei tanto em monstros quanto acredito agora. E a consciência de que certos pesadelos extrapolam o limite do imaginário é o que os torna tão assustadores; em noites solitárias e madrugadas sem fim, se torna difícil lutar contra eles. Nessas noites, percebemos o quão poderosos eles são. Nessas noites percebemos que, vez por outra, os monstros ganham.

Quem nunca recebeu a visita de fantasmas de arrependimentos do passado, demônios inquietos do presente ou outras criaturas misteriosas e inomináveis que prenunciam o futuro, certamente não é alguém de confiança.

Só confie em pessoas que sabem o poder de purificação de um café ou um chá durante as horas mais sombrias. Em pessoas que conhecem o poder de palavras escritas com fúria às quatro da manhã.

Só confie em pessoas que usam as madrugadas para produzir histórias de pessoas que enlouquecem durante a madrugada.

COM A PALAVRA OsCriadores

Existe uma coisa linda na animação que é o fato de você poder criar a mais bela fabula de amor em um reino distante, sem na verdade você ter saído do seu quarto ou conversado com qualquer outro ser vivo nos últimos três meses. Não que a experiência de ter trab-alhado em equipe presente e com atores não tenha sido satisfatória, mas é muito mais tranqüilo pensar “será que estou com fome agora na minha casa?” do que “será que a atriz está com fome? troux-emos comida suficiente para todos? como vamos levar todo mundo pra casa assim que acabarem as gravações?”

Claro, há muito planejamento e cuidado necessários na feitura de uma animação. Mas, caso ocorra algum prob-

André DIREÇÃO DE ARTE

DIREÇÃO DE FOTOGRAFIAOPERADOR DE CÂMERA

MONTAGEMEDIÇÃO

EFEITOS ESPECIAIS

lema, você tem tempo para corrigir os erros. Quando você tem uma equipe do lado, é tudo muito imediato, os erros precisam ser solucionados pra ontem, todos os presentes têm uma opinião, uma dúvida, uma anedota. E, se a gravação for se estendendo noite adentro, pode ser bastante exaustivo.

Mas foi uma experiência divertida, há uma sensação leve de brincadeira durante a produção do vídeo que não existe na animação na maior parte do tempo. Cada animador fica sentado em seu canto, cenho franzido, tentando imaginar como um príncipe elefante correria em direção a um pássaro roxo.

Apesar das limitações, do nervosismo

e do compromisso com a agenda da equipe, foi uma das experiências mais interessantes desse semestre.

Colocando de lado descobrir, às 2h horas da manhã em uma semana de con-clusão de trabalhos, que seu estoque de café está completamente esgotado, uma das sensações mais desesperadoras que um estudante de cinema pode vivenciar é se dar conta de que o projeto ao qual ele tem se dedicado com tanto afinco não chega nem à metade das suas expectati-vas. Pior, é perceber sem conseguir reme-diar qualquer coisa porque, mais do que escassez de tempo, carece de conheci-mento nesse terreno estranho e expan-sivo que é o audiovisual.

Animador é bicho de se trancar em um quarto escuro por madrugadas sem fim, sozinho e curvado sobre papéis, bonecos ou computadores. Se por um

GabrielaROTEIRODIREÇÃO

EFEITOS ESPECIAISEDIÇÃO DE SOM

EDIÇÃOMONTAGEM

lado criar um universo inteiro, detalhe por detalhe, é exaustivo e trabalhoso, por outro nos rende o privilégio de conceber com pouca ou nenhuma limitação teórica, lógica ou biofísica. Com alguma habili-dade, até o mais estrambólico dos cenários se torna possível.

Mas em audiovisual nada se cria no vácuo. Cada elemento presente tem que ser obtido em algum lugar, com alguém, de alguma forma. Existe uma demanda material que se torna difícil de ignorar – e que é mais difícil ainda de lidar. Se anima-dores são essas criaturas compulsórias com os detalhes, obsessivas no planeja-mento para otimizar o tempo que é tão precioso, cineastas são seres constituí-dos por listas e listas - de objetos

necessários, equipamentos, pessoas, horários e eventos que, na maior parte das vezes, fogem completamente à qualquer controle.

E mesmo assim essa, como a nossa loucura animada, é viciante.

Enquanto isso, no estranho planeta dos audiovisuais, tem crianças do incansável e vizinho não muito distante Planeta da anima-ção achando que quem tem uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, é rei. Ledo engano.

De fato, desenhos e mais desenhos deixaram de ser nossa base de governo imoral e absoluto, mas foram substituídos por uma parafernália de equipamentos pesa-dos e sensíveis, transportados ora debaixo de sol, ora debaixo de lua, (e olha que ironia!)pelos próprios monarcas.

Além do mais, uma figura até então inex-istente se faz presente e de extrema importância. Chamaremos aqui de clero. Quase sempre figurantes, esses danadinhos se fizeram necessidade vital. Seja para emprestar algumas canecas, a própria

TiagoDIREÇÃO DE ARTE

ILUMINAÇÃOANIMAÇÃO

imagem, uma câmera, um quarto bagunçado ou o duplex do irmão. Nossos profundos agradecimentos à sempre disposta Paula Back, à paciência e confiança de Hirina Renner, ao incansável aprendiz de designer (e agora, alguém que jamais se atreveria a cineasta/animador) Patrick Fernandes, à bagunceira Luíza Funck Tessele e à Juliana Pinto, nossa coleguinha despachada e ao irmão que n’ao deve nem saber porque está sendo agradecido.

Depois de descobrir que o tal negócio não era brincadeira, chega a hora de cair na real. A gente precisa de muito mais gente, muito mais apetrechos e quase tanta paciên-cia quanto pra fingir que é animador. Foram duas noites fotografando, em duas locações diferentes. Centenas de fotos (e como é bom não ter que criar do branco cada uma delas). Medir centímetros de luz, ajeitar cuidadosa-

mente um quarto bagunçado para que esse fique lindamente bagunçado, preocupar-se com a bendita continuidade, retirar da atriz não mais que o suficiente, e, quem sabe a gente faz esse enquadramento aqui também?

E olha que isso é apenas a produção. Mas o que ainda estava por vim já é meio solo dominado. Meio. A pós-produção é tão com-plicada, tão massante, tão... tão... sei lá! Que agora, entendo por que é que milhares de filmes são feitos e não são lançados.

O fato é que foi uma experiência enriquecedora e um tanto extravagante, e bem, não conseguimos nos desligar tanto assim da animação. O desafio foi cumprido, obviamente não da melhor forma que pode-ria ser, por que essa monarquia tá mais pra democracia de país em desenvolvimento.

REALIZANDO OProjeto

É uma madruga insone para Pan, mais uma de várias. Não há nada para fazer nessas horas mortas a não ser encontrar uma forma de matar o tempo. Ela tenta escrever, mas não consegue colocar nem uma linha no papel. Escrever é seu modo de lidar com os problemas e, se não con-segue, ela enlouquece.

Ela busca outros pequenos confortos

temporários: uma xícara de café, um cigarro, alguma coisa qualquer na TV, mas sua mente vai aos poucos se perdendo conforme ela se encontra com estranhas criaturas que se escondem nos cantos de seu apartamento, do qual ela não sai a um tempo já preocupante.

Estudos de iluminação

Conforme seus meios de escape vão se esgotando, Pan se vê presa em um sofrimento de uma madrugada que parece de eterna solidão e desespero.