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Internacionalização das Micro e Pequenas Empresas Casos sobre internacionalização de empresas SÉRIE MERCADO

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Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)

Presidente do Conselho Deliberativo Nacional

Adelmir Santana

Diretor Presidente

Paulo Tarciso Okamotto

Diretor Técnico

Luiz Carlos Barboza

Diretor de Administração e Finanças

Carlos Alberto dos Santos

Gerente da Unidade de Acesso a Mercados

Raissa Rossiter

Coordenação Técnica – Unidade de Acesso a Mercados

Luis Augusto PachecoJohann Schneider

Apoio

Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex)

Diretor Geral

Ricardo Andrés Markwald

Equipe Técnica

Eduardo Augusto GuimarãesGaleno FerrazAngela da RochaRenato Cotta de MelloJoana MonteiroAlexandre DarzeCarlos Assunção

Projeto Gráfi co

Ribamar Fonseca [Supernova Design]

Montagem

Cristina Guimarães [Supernova Design]

Revisão

Valdinea Pereira da Silva

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Internacionalização das Micro e Pequenas EmpresasCasos sobre internacionalização de empresas

Um projeto realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Internacionalização de Empresas (NuPIn)

do Instituto Coppead de Administração da UFRJ para Funcex/Sebrae

Rio de Janeiro – Outubro de 2006

Coordenadores:

Profa. Angela da Rocha

Prof. Renato Cotta de Mello

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Sumário

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1 INTRODUÇÃO 8

2 SOBRE O MÉTODO DO CASO EM ADMINISTRAÇÃO 122.1 Sugestões para Enquadramento dos Casos em cursos sobre gestão

internacional e empreendedorismo internacional 19

3 CASO CONSTANÇA BASTO 203.1 A indústria brasileira de calçados 213.2 O mercado internacional 253.3 Antecedentes 283.4 Os produtos 303.5 A concorrência 343.6 As operações no mercado americano 353.7 Perspectivas futuras 413.8 Orientação para Uso do Caso Constança Basto 46

4 CASO TRIKKE 544.1 Antecedentes 554.2 O mercado americano para produtos recreativos 574.3 O produto 594.4 A estratégia de entrada no mercado americano 614.5 A expansão no mercado americano 634.6 Novos produtos 644.7 Novos mercados 644.8 Perspectivas 654.9 Orientação para Uso do Caso Trikke 73

5 CASO CHAMMA DA AMAZÔNIA 805.1 A indústria de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal 815.2 O mercado 875.3 A empresa 875.4 Franquia 925.5 Atuação internacional 955.6 Orientação para Uso do Caso Chamma da Amazônia 108

6 CASO IVIA 1166.1 A indústria brasileira de software 1176.2 A empresa 1226.3 Produtos 1236.4 O processo de internacionalização 1246.5 Aprendizado internacional 1326.6 Apoio institucional 1336.7 Perspectivas futuras 1346.8 Orientação para Uso do Caso Ivia 139

7 BIBLIOGRAFIA ADICIONAL PARA CONSULTA 148

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1 Introdução

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Objetivo do trabalho

Esse trabalho teve por objetivo o desenvolvimento de quatro casos sobre proces-

sos de internacionalização de micros, pequenas e médias empresas brasileiras,

de interesse para o Sebrae, de acordo com o projeto de pesquisa desenvolvido sob

a coordenação da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex).

Metodologia adotada

O método de pesquisa utilizado foi o de estudo de casos. Esse método é utilizado

quando se deseja relatar uma experiência empresarial em profundidade, com o

propósito de:

• Utilizá-la como instrumento de ensino de gestão;

• Extrair lições que possam ser úteis a outras organizações que tenham de

enfrentar problemas ou situações similares.

A elaboração dos casos passou pelas seguintes etapas:

• Seleção dos casos estudados, de comum acordo com o Sebrae e a Funcex;

• Coleta de material publicado, até mesmo proveniente de fontes secundá-

rias, sites, artigos em jornal e revistas, associados aos casos estudados, de

modo a ampliar o entendimento do problema em estudo;

• Elaboração de roteiro de entrevistas com os dirigentes da empresa ou orga-

nização estudada;

• Realização de entrevistas com os dirigentes das organizações e executivos

principais, tendo sido feitas sempre que possível sua gravação e obtenção

de materiais internos da própria organização estudada;

• Transcrição das entrevistas;

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• Elaboração do relatório do caso seguindo a ordem cronológica dos fatos,

organizando-se as informações por grandes temas;

• Análise do caso, elaborando-se notas para seu uso acadêmico em progra-

mas de formação de empreendedores e treinamento de executivos.

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2 Sobre o método do caso em AdministraçãoAngela da Rocha

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O método do caso vem sendo usado, no país, desde a década

de 1960,1 pelas principais escolas de negócios, como a Fundação Getúlio Vargas

(FGV) de São Paulo, pioneira em seu uso, o Instituto Coppead de Administração

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Faculdade de Economia e

Administração da Universidade de são Paulo (USP). Essas escolas têm liderado,

desde então, a produção de casos de ensino no Brasil.

A premissa básica de que parte o método do caso é de que Administração de

Empresas não pode ser ensinada unicamente por meio de teorias, mas que é ne-

cessário proporcionar ao estudante, seja ele um executivo experimentado ou não,

a oportunidade de discutir situações reais de negócios e a elas aplicar as teorias

e conhecimentos adquiridos. Desenvolvido pela Harvard Business School, dos

EUA, o método do caso difundiu-se em todos os importantes centros de ensino

em Administração no mundo.

O Que é um Caso

O caso é uma situação real de negócios, vivida por uma empresa em determinado

momento. O objetivo de um caso não é, então, dar exemplos, ou ilustrar práticas

administrativas menos ou mais bem-sucedidas. O caso é um veículo para a dis-

cussão de idéias, conceitos e práticas gerenciais, com vistas, fundamentalmente,

ao desenvolvimento de habilidades analíticas e decisórias.

Trata-se, portanto, de um relato, mais ou menos detalhado, de determinada situ-

ação empresarial. Em que difere, então, um caso de um artigo de jornal? Em pri-

meiro lugar, uma reportagem sobre uma empresa expressa a opinião do jornalista,

ou do jornal, sobre aquela empresa. Um caso, no entanto, não traz a opinião de

seus autores sobre o que fez a empresa. O caso é apresentado sob a perspectiva

da empresa, ou de observadores externos à ela, não da perspectiva de quem o

escreveu. Em segundo lugar, o caso atende a objetivos educacionais específi cos.

A seleção de temas é, então, resultante desse aspecto. A própria forma de redigir

é determinada pela discussão que o caso deverá proporcionar em sala de aula.

1 Esse texto foi originalmente publicado em: ROCHA, A.; MELLO, R. Marketing de serviços. São Paulo. Atlas, 2000. Algumas modifi cações foram introduzidas em relação ao texto original.

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O caso tem base em uma situação real. Isso signifi ca que os casos inventados

são desconsiderados pelos adeptos do método. Parte-se do pressuposto de que

difi cilmente o autor de um caso inventado teria sufi ciente imaginação para lidar

com todas as peculiaridades, toda a riqueza de detalhes, toda a variedade de as-

pectos que existem na vida real. Um caso inventado seria, assim, um substituto

pobre da realidade.

Um caso contém diferentes tipos de informação. Normalmente, apresenta dados

relativos aos antecedentes da situação a ser analisada, tais como características

da empresa e do setor, histórico da empresa e do problema a ser analisado. Em

seguida, apresenta as questões específi cas que levaram ao desenvolvimento do

caso e que devem ser objeto de análise, avaliação ou decisão. Alguns casos infor-

mam os resultados obtidos com determinadas decisões, enquanto outros apenas

colocam as decisões a serem tomadas.

As fontes que permitem a elaboração de um caso são múltiplas. O pesquisador,

ao elaborar um caso, pode levar em conta informações de caráter documental,

tais como aquelas obtidas em relatórios da empresa, notícias de jornal, artigos de

revistas, relatórios setoriais etc. Pode, também, realizar entrevistas com executi-

vos da empresa que tenham participado dos problemas e decisões relatados no

caso, ou com outras testemunhas da situação, ainda que externas à empresa, tais

como analistas fi nanceiros, estudiosos do setor etc.

Um caso deve guardar a magia inerente aos processos decisórios administrativos.

Deve, na medida do possível, passar ao leitor os aspectos humanos envolvidos

em tais processos. As decisões empresariais não ocorrem no vazio, mas no con-

texto das emoções e das motivações humanas.

Como se aprende por meio de casos

O método do caso vem sendo utilizado há centenas de anos pelas áreas do

conhecimento humano em que as habilidades de diagnóstico e prescrição são

importantes, como o Direito e a Medicina. A Administração de Empresas, saber

ainda jovem, tratou de desenvolver um método similar aos dessas disciplinas

já estabelecidas.

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A Administração de Empresas é, em sua essência, um saber prático. O idioma inglês

cunhou um termo, practitioner, para designar aqueles que praticam esses saberes,

ou seja, médicos, advogados, administradores. A característica principal desse tipo de

conhecimento é que os problemas de que trata não podem ser resolvidos pela aplica-

ção direta de soluções pré-existentes. Nenhuma seqüência de passos preestabelecida

pode ser aplicada de forma a resolver cada problema que se apresenta. Isso se deve

ao fato de que cada problema é, essencialmente, único, cada caso é um caso.

O practitioner dispõe, então, de um conjunto de princípios, conceitos, teorias e prá-

ticas aceitas em seu campo, que nunca se aplicam perfeitamente a um problema.

De certa maneira, seu arsenal teórico pode ser comparado às coleções de dentaduras

dos dentistas populares de Marrakech que as exibem em tendas, geralmente situadas

em praças públicas. Ao cliente que aparece, mandam abrir a boca e experimentar

as dentaduras. Quando uma dentadura se encaixa perfeitamente, o povo nas ruas

aplaude. O melhor dentista é aquele que mais rapidamente identifi ca a dentadura

adequada a seu cliente. Isso, certamente, é resultado, ao menos em parte, de sua

maior experiência. (Admite-se que o talento pessoal também esteja em jogo).

Bem, o método do caso faz um pouco isso. Uma vez que se trata de um saber

prático, a experiência é fundamental. E experiência adquire-se por meio da ex-

posição repetida a situações que, pela própria natureza, são, cada uma, distintas

das demais. O método do caso propõe-se a ser um acelerador da experiência que

seria normalmente adquirida na vida real.

O método do caso faz isso de várias formas. Em primeiro lugar, ele concentra um

grande número de experiências em curto período de tempo.

Segundo, ao analisar, digamos, dezenas ou até centenas de casos, o aprendiz

expõe-se a grande variedade de situações, em empresas e setores diferentes. De

modo algum poderia ele, em sua carreira, expor-se a tal amplitude de experiên-

cias como as que lhe são proporcionadas pelo uso intensivo do método do caso

em um programa de formação de gestores de longa duração.

Terceiro, o método do caso permite testar o raciocínio analítico e a tomada de

decisões em ambiente controlado. Na vida real, as decisões tomadas pelos execu-

tivos implicam riscos, tanto para a empresa, quanto para o próprio executivo. Do

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lado da empresa, decisões equivocadas podem signifi car perda de participação

no mercado, perda de recursos ou até mesmo o fi m da própria empresa. Do lado

do executivo, erros podem signifi car o comprometimento de sua carreira na em-

presa ou até mesmo fora dela. Assim, ao possibilitar o treinamento em tomada de

decisão em ambiente de laboratório (a sala de aula), o método do caso elimina o

risco próprio dos processos de aprendizagem experienciais.

Quarto, o método do caso permite ao executivo aprendiz treinar suas habili-

dades com a ajuda de outros. Não só dispõe ele do professor, que conduz a

discussão, como de seus colegas, com os quais tem a oportunidade de trocar

idéias, debater e testar seus pontos de vista previamente. Embora essa troca

possa ocorrer também na vida real das empresas, ela é mais livre, menos

competitiva e mais rica no ambiente do método do caso. Isso deve-se ao des-

compromisso com resultados que caracteriza o método, ao maior número de

pessoas com que o executivo aprendiz interage em um programa de formação

de executivos e ao fato de essas pessoas terem, normalmente, experiências e

formação bastante diversifi cadas.

O método do caso treina, basicamente, o raciocínio indutivo, trabalhando do parti-

cular para o geral. Expondo-se a grande quantidade de casos práticos, o executivo

aprendiz cria as próprias generalizações, desenvolve sua capacidade associativa,

aprende a trabalhar por contraste e comparação, tudo isso de acordo com um

processo de descoberta caracterizado pelo rigor analítico.

A preparação e análise do caso

Preparar um novo caso é sempre um desafi o. De certa maneira, o estudante olha

para aquele caso e se pergunta: o que ele me traz de novo? Serei capaz de encon-

trar as “pistas” necessárias para a análise do caso?

As decisões empresariais são permeadas por ruídos, interferências e distrações,

que impedem uma visão clara e serena das circunstâncias. A convivência diária

com a situação analisada, no entanto, difi culta ao executivo examinar a situação

com o distanciamento necessário. Tudo isso pode estar retratado no caso, e o

analista deverá saber separar o joio do trigo, as pistas verdadeiras das falsas.

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Há, portanto, na análise do caso, certo trabalho de detetive, no melhor estilo Sherlock

Holmes. Saber separar o que é relevante do que não é, essa é uma das habilidades

necessárias a um bom executivo. Muitas informações contidas no caso são desneces-

sárias ou apenas de caráter ilustrativo. Porém, algumas dessas informações são fun-

damentais para o entendimento da questão, para o diagnóstico e para o prognóstico.

Todo caso contém dois tipos de elementos: os fatos e os juízos de valor. No estudo

de um caso, deve-se ter sempre em mente que, como na realidade das empresas,

determinadas informações são fatos reais, enquanto outras são julgamentos que

os executivos fazem a partir dos próprios viéses, de suas percepções, de seu en-

tendimento da realidade. Tais julgamentos podem ser mais ou menos acurados.

Esses juízos de valor são, porém, muito importantes, e têm, normalmente, papel

decisivo nos processos gerenciais. É necessário, entretanto, identifi cá-los pelo que

são. Isso signifi ca reconhecer seu caráter subjetivo, adotando uma postura crítica

quanto a sua validade ou não.

Recomenda-se, em geral, que se façam várias leituras de um caso. A primeira lei-

tura teria como objetivo tomar conhecimento do assunto que está sendo tratado.

Na segunda leitura, procura-se identifi car quais os fatos relevantes, assinalando-os

no texto. Finalmente, em uma terceira leitura, já se realiza a análise do caso, que

pode consistir de uma ou várias das seguintes etapas:

• Análise da situação e identifi cação do(s) problema(s);

• Determinação dos critérios a serem utilizados na análise do problema;

• Levantamento das alternativas existentes;

• Identifi cação dos aspectos positivos e negativos de cada alternativa;

• Recomendação de um curso de ação.

Após a preparação individual do caso, é aconselhável que os participantes se

reúnam em pequenos grupos, de seis a sete pessoas, para discussão prévia à que

será feita em sala de aula. Essa etapa tem por objetivo permitir a cada um testar

seus pontos de vista antes de participar da discussão em plenário.

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A discussão de casos

O participante vai para a sessão em que o caso será discutido como um executivo

vai para uma reunião gerencial. O caso é um dossiê, que apresenta as informa-

ções existentes na empresa em determinado momento, consideradas relevantes

para a tomada de decisões sobre certo tema. Como quando vai para a reunião,

o participante deve preparar-se cuidadosamente, dominar os fatos contidos no

dossiê, preparar sua argumentação e suas sugestões.

A reunião, vivida no ambiente da sala de aula, assemelha-se, em muitos aspec-

tos, ao que ocorre na vida real das empresas. Todos os participantes devem estar

devidamente preparados e devem ter a oportunidade de expressar seus pontos de

vista, que serão, pelo menos em alguns aspectos, confl itantes. É feita uma revisão

das ações já empreendidas pela empresa e avalia-se o acerto, coerência e con-

sistência dessas decisões. Desenham-se, no decorrer da discussão, vários cursos

de ação, que devem ser examinados cuidadosamente, avaliando-se seus pontos

positivos e negativos. Ao fi m da reunião, se possível, chega-se a uma decisão, que

pode ser, ou não, de consenso.

O professor, no método do caso, atua como moderador da discussão em sala

de aula. Cabe-lhe organizar o debate de tal forma que todos os que o dese-

jarem tenham a oportunidade de expressar seus pontos de vista, dar suas

opiniões, colocar questões relevantes para discussão. Deve, ainda, ter em

mente os objetivos educacionais a serem atingidos por meio do caso, de modo

a não permitir que debates excessivos ou sobre temas periféricos tomem a

maior parte do tempo reservado para a discussão em sala de aula. Para po-

der conduzir uma discussão de casos com efi cácia, o professor deve conhe-

cer profundamente o caso e haver dominado os fatos e dados nele contidos.

Como bom condutor de reuniões, deve manter o debate aceso, mas conduzi-lo

com fi rmeza, mantendo-o produtivo. Suas opiniões não devem, em momento

algum, dominar. Muito ao contrário, deve evitar infl uenciar, a partir de sua

posição, as dos participantes.

Em certos aspectos, o professor exerce papel semelhante ao de Sócrates, nos

famosos Diálogos de Platão. O professor deve conduzir os participantes por meio

de perguntas bem formuladas, que convidem ao raciocínio analítico e guiem a

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discussão, mas não restrinjam o pensamento especulativo. Tais perguntas devem

ser provocativas e não autoritárias.

De volta à magia dos casos

O método do caso é, então, o método por excelência da disciplina da Adminis-

tração. Ele permite recriar em sala de aula o ambiente em que ocorrem as de-

cisões nas empresas. Sua plasticidade é enorme, por ser capaz de lidar com as

mais variadas situações de aprendizagem. Por ser um método de aprendizado

que trabalha por meio da descoberta, é capaz de criar um clima de motivação e

excitação entre os participantes, tornando extremamente prazeirosa a aventura

de aprender. Quando adequadamente conduzido pelo professor e devidamente

preparado pelos participantes, um bom caso pode ser uma experiência memo-

rável em sala de aula.

2.1 Sugestão para enquadramento dos casos em cursos sobre gestão internacional e empreendedorismo internacional

Os casos desenvolvidos para esse trabalho podem ser utilizados em programas de

treinamento de diferentes formas. As sugestões seguintes referem-se à inserção

que consideramos mais adequada em programas dessa natureza.

Temas Caso

Início da ação internacionalExportações vs franquiasFoco no mercado doméstico vs mercado internacional

Chamma da Amazônia

Estratégia de atuação no mercado americanoLoja vs showroomFoco no mercado doméstico vs mercado internacionalSegmentos globais

Constança Basto

Expansão internacional em serviçosParceriasEstratégia para o mercado doméstico vs mercado internacionalBorn global

Ivia

Estratégia para criar uma empresa globalDistribuidores vs escritórios própriosSegmentos globaisCiclo de vida do produtoBorn global

Trikke

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3 Caso Constança Basto

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Em dezembro de 2002, Constança Basto,2 jovem empresária brasileira, abriu sua primeira loja no exterior no West Village, em Nova Iorque e,

logo em seguida, uma boutique na famosa loja de departamentos Henri Bendel,

localizada na Fifth Avenue, na mesma cidade. Constança, comercializando cal-

çados de luxo fabricados no Brasil sob sua marca, iniciava uma trajetória inter-

nacional que a faria se tornar uma estilista de calçados bem-sucedida no difícil e

exigente mercado americano. Seu sucesso nos Estados Unidos pode ser medido

pelas lojas que vendiam seus calçados em 2006 e que se encontravam espalha-

das pelos estados de Washington, Califórnia, Texas, Geórgia, Flórida, Illinois, New

Jersey, além de Nova Iorque.

Esse caso relata a saga de Constança Basto para levar ao mercado americano

calçados brasileiros de luxo, vendidos sob sua marca.

3.1 A indústria brasileira de calçados

A indústria brasileira de calçados era constituída, em 2006, por mais de 8.400

empresas, empregando cerca de 313 mil trabalhadores, com uma produção em

2005 estimada em 725 milhões de pares ao ano, dos quais, aproximadamente,

190 milhões eram exportados. Os dois principais pólos produtivos eram o do Vale

dos Sinos, no Estado do Rio Grande do Sul, especializado em calçados femininos,

e o de Franca, no Estado de São Paulo, cuja produção era voltada predominan-

temente para calçados masculinos, mas novos pólos vinham apresentando forte

crescimento no Nordeste (Ceará, Bahia e Pernambuco) e nos Estados de São

Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais.

Uma ampla e desenvolvida cadeia de suprimentos atendia o setor, sendo cons-

tituída por mais de 1.500 fabricantes de componentes, mais de 400 empresas

especializadas em curtimento e acabamento do couro e mais de 100 fabricantes

de máquinas e equipamentos para a indústria.

2 Esse caso foi preparado por Angela da Rocha e Renato Cotta de Mello, do Instituto Coppead de Adminis-tração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discussão em sala de aula.

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Em 2004, o Brasil era o terceiro produtor mundial, o quinto maior exportador e

o quinto maior mercado consumidor de calçados no mundo, enquanto a China

ocupava o primeiro lugar nas três categorias.

Evolução da indústria

As origens da indústria calçadista no Brasil remontam à vinda de imigrantes

europeus, principalmente alemães, que trouxeram consigo técnicas artesanais

de produção de calçados. A primeira indústria de calçados foi fundada no Vale

do Rio dos Sinos, no Rio Grande do Sul, por descendentes de imigrantes. Regis-

tram-se os primeiros avanços tecnológicos ainda ao fi m do século XIX, quando

novas tecnologias oriundas da Europa permitem a passagem de um sistema

artesanal para um sistema industrial de produção. Embora a principal forma de

organização da indústria tenha sido por meio de clusters produtivos, salientan-

do-se, em particular, o do Vale dos Sinos (RS) e o de Franca (SP), produtores

independentes estabeleceram-se em diversas regiões do Brasil, atendendo a

demandas locais.

A indústria expandiu-se nas décadas de 1960 e 1970, graças, em grande parte,

às exportações. As exportações brasileiras haviam sido estimuladas por difi culda-

des no atendimento à demanda internacional por parte de grandes produtores in-

ternacionais, como a França e a Alemanha, fazendo com que agentes de compra

de grandes atacadistas e varejistas dos EUA buscassem o Brasil como alternativa

para suprir o mercado americano. Esses compradores trouxeram consigo know-

how de produção, que foi absorvido pela cadeia produtiva doméstica. Trouxeram

ainda as especifi cações do mercado americano, estilos, modelos e características

desejadas nos calçados a serem exportados. Acompanhavam os pedidos e rea-

lizavam inspeções de qualidade nas fábricas, e eram, ainda, responsáveis pelo

despacho físico das mercadorias e pela colocação dos produtos em pontos de

venda no mercado americano.

A expansão das exportações foi acompanhada pelo crescimento do mercado in-

terno, possibilitando ao setor atingir novos patamares de produção. Novas tecno-

logias foram incorporadas, tais como aquelas necessárias à produção de calçados

para a prática de esportes e de calçados de plástico.

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Na década de 1990, as empresas do setor passaram a enfrentar a concorrência de

produtos provenientes de países asiáticos, em particular a China. O mesmo proces-

so de transferência de tecnologia realizado por agentes de compra internacionais no

Brasil ocorreu nesses países, possibilitando a produtores locais adquirirem rapida-

mente o know-how necessário à produção de calçados de padrão compatível com

as exigências do grande mercado americano. A atratividade do suprimento asiático,

para os grandes compradores internacionais, derivava do baixo custo da mão-de-

obra, bastante inferior ao do Brasil. Inicialmente, os calçados asiáticos competiam

na faixa mais baixa de preço e qualidade, atendendo ao mercado popular, mas já

era clara a tendência de ascensão para o segmento médio do mercado.

A competitividade chinesa explicava-se pela disponibilidade de imensa reserva de

trabalhadores dispostos a trabalhar por salários mais baixos que aqueles pagos

pela indústria calçadista em qualquer outra parte do mundo, até mesmo o Bra-

sil, além de incentivos e subsídios governamentais sob várias formas, e câmbio

favorável. Além disso, a China vinha se esforçando para adquirir tecnologia e

know-how necessários à melhoria da qualidade de seus produtos. Por exemplo,

estimava-se que mais de mil técnicos brasileiros provenientes da indústria cal-

çadista houvessem ido trabalhar na China, com salários em dólares três vezes

superiores aos que recebiam no Brasil.3

Em resposta ao desafi o chinês, a indústria brasileira procurou reduzir seus custos

de produção, iniciando-se um movimento de migração da produção para o Nor-

deste do Brasil, em busca de mão-de-obra mais barata, benefi ciando-se ainda de

incentivos oferecidos por governos locais. Além disso, a proximidade do Nordeste

em relação ao mercado americano permitia redução signifi cativa dos custos de

transporte. Como resultado desse deslocamento geográfi co da indústria, novos

pólos produtivos signifi cativos desenvolveram-se nos Estados de Ceará, Bahia

e Pernambuco. Apesar da concorrência internacional, a indústria aumentou sua

produção em 38% entre 1993 e 2005.4

Os Anexos 1, 2 e 3 apresentam dados selecionados relativos à evolução da indús-

tria calçadista brasileira.

3 Informe Setorial BNDES, no 1, julho de 2006.4 Ibidem.

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Situação atual

A partir de 2005, a apreciação da moeda brasileira em relação ao dólar, associada

à concorrência dos países asiáticos, particularmente da China, teve impacto bas-

tante negativo sobre o setor, levando a uma redução em 5% da produção, como

resultado de um declínio de 11% no volume exportado, equivalendo a menos 23

milhões de pares em relação a 2004. No entanto, apesar da queda signifi cativa

no volume exportado, houve um aumento de 4% no valor exportado naquele

ano, o que pode ser interpretado como uma mudança no mix de produtos, pri-

vilegiando produtos de maior valor agregado. Uma interpretação menos otimista

seria a de que as empresas que produziam produtos mais baratos tivessem tido

difi culdades para exportar, sendo alijadas do comércio exterior, ou simplesmente

forçadas a encerrar suas atividades.

As estratégias utilizadas pelas empresas no setor calçadista brasileiro para enfren-

tar a crise gerada pela competição chinesa combinada à valorização do real foram

diversas. Algumas grandes empresas deslocaram sua produção para o Nordeste

do Brasil, em busca de salários mais baixos. Ao fazê-lo, foram seguidas por outros

componentes da cadeia produtiva, de tal forma que novos pólos se formaram, ou

se desenvolveram, atraindo empresas menores que não disporiam de recursos

para se deslocar caso já não houvesse uma infra-estrutura disponível. Outras

grandes empresas como a Azaléia, que produzia calçados esportivos sob a marca

Olympikus, passaram a terceirizar parte de sua produção a empresas chinesas

para a fabricação de produtos a serem exportados,5 utilizando estratégia similar à

da Nike, uma das principais marcas de calçados esportivos do mundo.

Além de melhorias de competitividade originárias da racionalização da produção e

de avanços tecnológicos, deu-se início a esforços para desenvolvimento de design

próprio. Um relatório do governo do Estado de São Paulo indicava os investimen-

tos em design como fundamentais para a diferenciação do produto brasileiro,

afi rmando que “o futuro da inserção internacional da indústria calçadista brasi-

leira está em grande parte vinculado à capacidade dos produtores de diferenciar

produto, o que exige investimentos em desenvolvimento de produto e design”.6

5 Ibidem.6 Disponível em: <http://www.spdesign.sp.gov.br/couro/couro.htm>. Acesso em out. 2006.

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O relatório indicava ainda que a instalação de agentes de compra nos dois princi-

pais pólos calçadistas – ao criar um importante canal de comercialização, princi-

palmente para as empresas de pequeno e médio porte – gerara fortes dependên-

cias desse canal para a exportação de seus produtos. Essa presença teria gerado

“um forte entrave” para o desenvolvimento das atividades de marketing, criando

uma “situação de total dependência”, uma vez que esses agentes impunham aos

fabricantes os próprios modelos. Em razão disso, prosseguia o relatório, ocorria

uma redução das margens de comercialização obtidas pelos fabricantes, uma

vez que os agentes se apropriavam dos lucros obtidos no mercado internacional,

sobre os quais os produtores não exerciam qualquer infl uência.

No entanto, alguns esforços de marketing vinham sendo realizados no exterior.

Os fabricantes brasileiros aumentaram sua participação em feiras internacionais

do setor, principalmente a GDS, na Alemanha, a MICAM, na Itália, e a de Las

Vegas, nos EUA. Na América Latina foram promovidos showrooms nos principais

mercados consumidores, tais como Argentina, Venezuela, Chile e Colômbia.7

3.2 O mercado internacional

Em 2005, os calçados brasileiros eram exportados para mais de 100 países.

Os principais mercados de destino das exportações brasileiras em 2005 foram

os EUA, com 50,2% do total exportado, seguidos pelo Reino Unido (9,5%), Ar-

gentina (6%), México (3,1%), Espanha (2,8%), Canadá (2,7%) e Itália (2,1%).

Apesar de a parcela dominante das exportações brasileiras se dirigir aos EUA,

esse percentual vinha decrescendo (Tabela 1).

7 Resenha estatística. Abicalçados, 2006.

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Tabela 1 Exportações brasileiras de calçados para os EUA – 1998-2005

AnoVolume

(em milhões de pares)Valor

(em US$ milhões)% das exportações

brasileiras de calçadosPreço médio

US$

1998 82 914 68,8 11,10

1999 86 876 68,6 10,20

2000 99 1079 69,7 10,89

2001 98 1104 68,3 11,26

2002 103 1023 70,6 9,98

2003 104 995 64,2 9,58

2004 98 1025 56,6 10,50

2005 75 946 50,2 12,60

Fonte: Abicalçados.

O mercado americano

Os EUA eram o segundo maior mercado mundial para calçados, excedidos ape-

nas pela China. No entanto, dado que a China supria o próprio consumo, os

EUA constituíam-se no maior importador mundial do produto, com um mercado

estimado em 2.130 milhões de pares em 2004, dos quais 2.124 milhões foram

importados naquele mesmo ano. A China era o principal exportador para os EUA,

seguindo-se o Brasil, em milhões de pares. No entanto, a Itália havia-se mantido

como o segundo maior exportador para os EUA por valor exportado (Anexo 4). Em

torno de 90% dos calçados exportados para os EUA eram de couro, enquanto os

outros 10% eram de tecido ou borracha.

O preço médio dos calçados exportados pela Itália vinha crescendo acentuada-

mente nos últimos anos, dando a esse país a liderança no segmento de calçados

de preço superior, enquanto a China liderava no segmento de baixo preço (Anexo

5). Por sua vez, a Espanha situava-se na faixa de preços altos, um pouco abaixo

da Itália, seguindo-se o Brasil, na faixa de preços intermediários, acompanhado

de perto por Vietnam, Indonésia e Tailândia. Os preços médios das exportações de

calçados brasileiros também vinham apresentando uma tendência ascendente:

de US$7,89 em 1980, haviam subido para $8,34 em 1990 e atingido $10,92

em 2004 e $13,66 em 2005.

No segmento de preços mais elevados, em que liderava a Itália, preço não era um

fator importante na escolha do consumidor, sendo mais importantes qualidade,

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estilo e design. A marca também assumia importância nesse segmento, mas com

duas vertentes: de um lado, a marca do estilista, ou a marca de um varejista so-

fi sticado; de outro, o made in, ou seja, a marca do país de origem. As empresas

que atuavam nesse segmento procuravam manter em seus países de origem o

desenvolvimento de novos produtos e o design, além de se preocuparem com o

controle do marketing internacional de seus produtos. Em muitos casos, terceiri-

zavam parte de sua produção a empresas de países menos desenvolvidos, como,

por exemplo, Tailândia e Indonésia.

No segmento de preços intermediários, a marca não desempenhava papel rele-

vante no processo de escolha do consumidor. Nesse caso, o produto era ofere-

cido pelo varejo especializado ou por lojas de departamento sob marca própria,

ou mesmo quando a marca do fabricante era mantida, essa era desconhecida

para o consumidor, não exercendo infl uência sobre seu processo decisório de

compra. Era a reputação da empresa varejista que garantia a qualidade do pro-

duto. Além desse fator, os consumidores escolhiam o produto por seus atributos

tangíveis, como qualidade percebida, ajuste, estilo e preço. Nesse segmento

disputavam empresas de países como Brasil, Tailândia, Vietnã, Indonésia e

Portugal, embora alguns fabricantes de calçados chineses também atuassem

no segmento.

Finalmente, no segmento de preços mais baixos, o preço era um fator funda-

mental no processo decisório do consumidor. Tais produtos eram tipicamente

vendidos por varejistas de massa e atingiam o grande mercado consumidor.

O segmento era dominado pelos calçados chineses, com a presença de produtos

de Taiwan e Hong Kong.

O segmento de luxo

O segmento para produtos de luxo apresentava algumas características peculia-

res. A principal delas era o fato de ser formado por consumidores cosmopolitas.

Os gostos e preferências desses consumidores tendiam a ser homogêneos, de tal

modo que as mesmas marcas eram usadas pelos consumidores de alta renda em

diferentes países do mundo. A distribuição de produtos de luxo se fazia por meio

de canais restritos. A marca assumia papel fundamental na decisão de compra,

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sendo símbolo de status e distinguindo seu portador. Sua desejabilidade era, em

grande parte, resultado da exclusividade e da escassez.

O consumo sistemático de produtos de luxo era realizado pela classe de renda

mais alta da população, o chamado “topo da pirâmide”. Segundo estimativas,

havia 2,5 milhões de pessoas com investimentos fi nanceiros superiores a um

milhão de dólares nos Estados Unidos, 760 mil na Alemanha, 300 mil na China

e 98 mil no Brasil,8 em 2005. Nos EUA, ainda era possível segmentar o topo

da pirâmide, dividindo esse grupo entre ricos e muito ricos. O último grupo foi

descrito como tendo idade média de 55 anos e sendo parte da geração dos baby

boomers.9 Havia maior fi delidade à marca nos segmentos de luxo que nos demais

segmentos do mercado.

As marcas mais importantes nesse segmento, em 2006, eram Louis Vuitton,

Richemont, Prada e Gucci. Essas marcas lideravam o mercado de produtos de

luxo, e eram, na verdade, grandes grupos multimarcas. A Gucci, por exemplo,

era proprietária das marcas Yves Saint Laurent, Boucheron, Alexander McQueen,

Bottega Veneta, Di Modolo e Balenciaga, entre outras. Assistia-se a um processo

de consolidação das marcas de luxo sob a égide de grandes holdings mundiais.

Essas marcas eram aplicadas a produtos os mais diversos, a que transmitiam o

fascínio do luxo.

3.3 Antecedentes

Nascida em outubro de 1977, na cidade do Rio de Janeiro, Constança Basto

percebeu a importância da moda, da arte e do estilo pessoal por meio dos ensi-

namentos de seus familiares, principalmente de sua mãe e de sua avó. De família

abastada, Constança foi educada na Escola Suíça, e alfabetizada em alemão.

Além desses idiomas, aprendeu ainda inglês, francês e italiano em cursos realiza-

dos no exterior durante as férias escolares.

8 Estima-se que o mercado de luxo no Brasil movimente cerca de 2,5 bilhões de reais, com um crescimento de 35% nos últimos sete anos.9 BLECHER, H. Em busca da verdadeira classe A. Exame, 15.02.2006, p. 90-91.

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Seu interesse por calçados, em particular, começou quando tinha 15 anos. Fre-

qüentando o armário de sua mãe, Constança começou a criar os próprios modelos

de sapatos, utilizando os materiais que estavam à sua disposição no momento.

Uma de suas principais motivações foi não se adaptar bem aos calçados exis-

tentes no mercado, que a incomodavam, por ter os pés chatos e muito sensíveis.

Ela desenhava os modelos e pedia a um sapateiro que atendia à família que os

executasse. Com o passar do tempo, Constança começou a desenhar e mandar

executar calçados femininos para seus familiares e pessoas amigas.10

Sua ligação com a moda teve outras manifestações. Quando freqüentava a Escola

de Comunicação na Universidade, ela foi produtora de um programa de moda,

veiculado no canal a cabo GNT, intitulado GNT Fashion, e criou uma coluna em

um site direcionado para moda.

Constança conheceu Marcos Lima, estudante de Direito, na mesma Universidade

em que realizou seus estudos. A partir daí, surgiu o projeto de criar uma grife de rou-

pas, e os dois se tornaram sócios na empreitada, vendendo seus produtos na Babi-

lônia Feira Hype, uma feira de roupas e acessórios na Zona Sul do Rio de Janeiro.

A partir de 1997, já casados, criaram a Imelda Calçados.11 A primeira coleção

lançada, composta de 76 pares de oito modelos, foi terceirizada a uma empresa

do pólo calçadista do Vale dos Sinos, no Rio Grande do Sul. Para vendê-la, Cons-

tança recorreu a contatos e amizades de sua mãe, que freqüentava a sociedade

carioca. Seus modelos começaram a aparecer então nos pés das socialites bra-

sileiras. Os sapatos vendidos eram modelos para festas, algo que não existia no

Brasil até então. As consumidoras de alta renda eram forçadas a mandar fazer os

produtos sob medida, comprar fora do Brasil, ou comprar produtos importados

vendidos em butiques de luxo. Constança Basto inovou ao produzir no Brasil cal-

çados para festas que atendiam às exigências do gosto mais requintado.

O processo de venda inicialmente era feito diretamente por Constança, que leva-

va as caixas de sapatos em seu carro até a casa de suas clientes. Já em 1998,

10 Disponível em: <http://www.constancabasto.com.br/cbasto.html>. Acesso em: out.2006.11 Segundo declarações de Constança Basto em uma entrevista, o nome Imelda era uma brincadeira com a mulher do ex-ditador fi lipino Ferdinando Marcos, conhecida por sua grande coleção de sapatos Disponível em: <http://www.globalresearch.com.br/novo/conteudo=147.html>. Acesso em set.2006.

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Constança abriu a primeira loja própria, localizada no bairro de Ipanema, no Rio

de Janeiro, sob a marca Constança Basto. A loja era muito pequena, com apenas

seis metros quadrados e situava-se em uma galeria. O pai de Constança, Paulino

Basto, foi o responsável pela decoração da loja, cujo resultado fi nal foi descrito

como “um romântico clima de boudoir, com um lustre de cristal, espelhos e um

tecido de listras, que virou marca da grife”.12

A Imelda Calçados era uma empresa familiar. Enquanto Constança dedicava-se

à criação dos produtos, seu marido, Marcos Lima, era o diretor executivo da

empresa, concentrando as atividades de operações, marketing, fi nanças e pla-

nejamento estratégico. Trabalhavam ainda na empresa a mãe de Constança,

Fernanda Basto, como Relações Públicas, e sua irmã, Georgiana, como super-

visora das lojas da grife.

Constança e Marcos viajavam, contando, em 2006, com a colaboração de cerca

de 60 funcionários13 no Brasil que conduziam o dia-a-dia de suas empresas,

em média, cinco vezes por ano para o exterior, tendo como destino prioritário os

Estados Unidos e, em segundo lugar, a Itália, em uma proporção de 3 para 1.

Em sua grande maioria, as viagens do casal eram a negócios, para observar as

tendências de mercado.

3.4 Os produtos

Os produtos comercializados pela empresa dirigiam-se aos segmentos mais no-

bres do mercado. No Brasil, a empresa comercializava duas marcas: Constança

Basto e Peach by Constança Basto.

A marca Constança Basto estava dirigida ao segmento de luxo, sendo vendida a

preços premium. A segunda marca surgiu a partir da constatação de que haveria

pouco espaço para o crescimento da marca Constança Basto no Brasil, por serem

seus produtos voltados para o segmento de classe A da população: o preço mé-

12 Disponível em: <http://vej.abrl.com.br/vejarj/270405/capa.html>. Acesso em set. 2006.13 Os colaboradores estavam assim distribuídos: 32 nas lojas, 13 na administração, 5 em estilo e design, 1 no controle da produção, 3 no setor de atacado e 3 na área de franquia.

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dio de um par de sapatos feminino situava-se em torno de R$ 660,00, mas os

modelos mais sofi sticados aproximavam-se de R$ 2.000,00. Já os produtos com

a marca Peach foram lançados a um preço médio de R$ 220,00, planejando-se

reduzir esse valor para R$ 198,00 até março de 2007.

A marca Constança Basto lançava duas coleções de calçados por ano e mais

uma coleção Alto Verão, com cinco linhas de produtos em cada coleção, o que

representava um total de 15 novas linhas de calçados por ano. Já a marca Peach

oferecia 25 novas linhas lançadas em cinco coleções por ano. A linha incluía

vários tipos de calçados, como os scarpins, chanéis, sandálias, espadrilles, fl ats,

sapatilhas e chinelos, além de bolsas e acessórios. A linha Peach foi concebida

tendo como alvo principal as jovens de classe A e B, para uso no trabalho e em

ocasiões informais.

Em setembro de 2006 os produtos da Peach eram vendidos em duas lojas pró-

prias na cidade do Rio de Janeiro. A estratégia de expansão era por meio de

franquia, contrariamente à adotada para a linha Constança Basto, que utilizava

apenas lojas próprias. A perspectiva da Marcos Lima era abrir mais uma loja

ainda em 2006, estando em negociações para abrir franquias em São Paulo, Flo-

rianópolis e Cuiabá. Marcos Lima, referindo-se ao posicionamento da linha Peach

no mercado brasileiro, observou:

A Peach é um projeto nosso de 60 lojas14 no Brasil. Ela continua sendo uma

marca de calçados sofi sticada. Esse preço médio de R$ 220,00 continua sendo

um passinho à frente dos nossos concorrentes hoje.

A empresa exportava os produtos de ambas as marcas para o mercado america-

no, sendo vendidos a preços que variavam entre 195 e 600 dólares. Exatamente

os mesmos modelos eram vendidos no mercado brasileiro e no mercado inter-

nacional. Segundo Marcos Lima, quase nenhuma adaptação dos produtos se

havia feito necessária para que os mesmos fossem comercializados no exterior.

Dado o perfi l cosmopolita das consumidoras desse segmento de calçados, só foi

necessário adicionar o ½ ponto na numeração dos calçados, seguindo a nume-

14 O número de 60 lojas franqueadas era considerado o ideal, tendo em vista o posicionamento desejado e os interesses de franqueador e franqueado. O investimento previsto para cada loja franqueada era de R$ 350 mil.

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ração européia:“Nesse segmento de calçados só se utiliza a numeração européia.

Desconsidera-se a numeração americana”.

Característica do estilo Constança Basto eram a leveza, a feminilidade e a sensua-

lidade. Eram executados em couros nobres como os de cobra, jacaré e lagarto, em

camurça e em tecidos como o cetim de seda, levando freqüentemente adereços,

como os cristais Swarovski. Em artigo na revista de moda W, em abril de 2004, a

editora de moda Carmem Borgonovo assim se referiu aos sapatos de Constança:

“Seus sapatos combinam a sofi sticação com a típica sensualidade brasileira”.

A revista Footwear News afi rmou: “São as formas mais sexy importadas do Brasil

desde Gisele Bündchen”. E a revista Bazzar observou, em julho de 2004: “Tudo

nessa estação diz respeito a texturas, adornos brilhantes e muita classe. É por isso

que amamos os sapatos de Constança”.15

No entanto, para a estilista, a característica principal de suas criações era o con-

forto, motivo que a levara a se iniciar na confecção de calçados. Essa obsessão,

resultante da experiência derivada de sua própria sensibilidade nos pés, fazia com

que ela mesma testasse os protótipos dos produtos que desenvolvia: “Mais que

ninguém, sei identifi car um sapato que pode machucar”, declarou Constança em

uma entrevista.16

O sucesso de Constança Basto no mercado americano também pode ser avaliado

pelo fato de ter sido a única estilista brasileira indicada como fi nalista do prêmio

Melhores Saltos, promovido pelo guia Time Out New York, juntamente com o

renomado estilista espanhol Manolo Blahnik e outros nomes famosos como Giu-

seppe Zanotti e Christian Louboutin.17

Para a produção dos calçados para as suas duas marcas, a empresa desenvolveu

cerca de dez fabricantes localizados na região do Vale dos Sinos, no Rio Grande

do Sul e pretendia chegar a 15 fornecedores até março de 2007. Os empresários

consideravam que no Vale dos Sinos se encontrava a mão-de-obra mais qualifi ca-

da no Brasil para a produção de calçados femininos de luxo. Quanto à produção

no exterior, ainda era pouco viável, em razão do pequeno tamanho dos lotes pro-

15 Disponível em: <http://vej.abrl.com.br/vejarj/270405/capa.html>. Acesso em: set. 2006.16 Ibidem.17 Conforme reportagem, disponível em: <http://revistaquem.globo.com/Quem>. Acesso em: ago. 2006.

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duzidos e ao fato de ser impossível importar calçados no Brasil, em decorrência

da elevada tributação aplicada ao produto.

O Anexo 6 apresenta alguns produtos desenvolvidos por Constança Basto, vendi-

dos no mercado americano.

Desenvolvimento e lançamento de produtos

Todo o processo de desenvolvimento e produção dos calçados tinha início com

um briefi ng de tendências da moda mundial, quando Constança Basto pesquisa-

va cores e materiais e, em seguida, escolhia o tema da coleção, em um misto de

inspiração e possibilidades de produção.

Sem nunca ter estudado desenho, não era ela mesma quem executava o desenho

fi nal dos modelos. Constança criava o modelo, desenhando muitas vezes em seus

próprios pés, para que o assistente de design entendesse o que desejava, fi cando

a cargo desse último passar as idéias e indicações de Constança para o papel.

Ela então revisava e aprimorava até chegar à fi nalização da concepção do modelo

desejado. Por esse processo, criava sozinha suas coleções, contando com a ajuda

de desenhistas para levá-las ao papel.

Em seguida, era feito um desmembramento por categoria de produto para defi nir

o recorte das peças e os aviamentos. Uma vez preparados os esquetes e as fi chas

técnicas, esse material era enviado para a gerente de atacado, nos EUA, e para as

gerentes de loja no Brasil, que deveriam opinar sobre a aceitação dos modelos em

seus respectivos mercados. Essa opinião era fundamental porque essas pessoas

estavam em contato direto com o mercado, tendo desenvolvido uma sensibilidade

para os gostos e preferências das consumidoras.

Uma vez coletadas as opiniões, todo o material era enviado para uma revisora, fun-

cionária da empresa, que trabalhava na supervisão da produção e no controle de

qualidade no Vale do Rio dos Sinos e que distribuía as encomendas entre as fábricas

de calçados da região. A partir dos desenhos, eram produzidos protótipos, que eram

submetidos a teste para verifi car a aderência aos desenhos, além do ajuste e conforto.

As amostras iniciais eram então ajustadas, em um prazo que poderia variar de três

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semanas a três meses, até serem consideradas perfeitas. Uma vez feitos os devidos

ajustes, os fabricantes começavam a colocar em linha de produção as encomendas

da empresa. A produção mensal da empresa era estimada em 3 mil pares.

A empresa dispunha de alguns fornecedores específi cos para couros especiais e

de alta qualidade. Para peles exóticas, como couro de raia, coelho, cobra, utiliza-

va o curtume Tre Anytry, que tinha autorização do Ibama, agência governamental

devotada à proteção do meio ambiente, e seguia as regras da convenção interna-

cional sobre comercialização de peles exóticas. A Tre AnyTry monitorava a origem

das peças que, uma vez benefi ciadas, eram lacradas e numeradas.

Uma parte fundamental no processo de lançamento de novos produtos era o pla-

nejamento estratégico das coleções. Marcos Lima observou, em entrevista a um

dos autores do caso:

... o planejamento estratégico pega um pouco a parte de estilo, de coleção, de

lançamento. Temos que prestar muita atenção nesses aspectos porque as datas

fora do Brasil – de exportação, de shows, de feiras – são muito rígidas. Antes [de

a empresa ter atividades no exterior] era um processo mais orgânico. As coisas

iam fi cando prontas, você ia comprando, ia colocando na loja, mas não tinha

uma data certa.

Uma vez colocados os produtos no mercado, ainda eram necessários mudanças

nos lotes produzidos, em razão da própria aceitação pelo mercado dos modelos

e cores das coleções.

3.5 A concorrência

No mercado brasileiro, várias estilistas de calçados competiam pelo segmento mais

nobre do mercado de calçados femininos. Entre essas, destacavam-se as estilistas

Francesca Giobbi, Franziska Hübener, Paula Ferber, Sandra Silveira e as irmãs Lear-

di, responsáveis pela grife ViBi Leardi. No entanto, Constança Basto era a mais fa-

mosa. As estilistas tinham normalmente uma ou poucas lojas sob a própria marca,

mas algumas vendiam seus produtos por meio de butiques de luxo.

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Poucas exportavam seus produtos de forma regular para os Estados Unidos. Uma

exceção era Francesca Giobbi, formada em arquitetura na Itália, que havia traba-

lhado para marcas como Versace e Gucci naquele país. Francesca atuara também

como consultora de empresas de calçados brasileiras, aprendendo os segredos do

negócio. Em 2003, iniciou o próprio negócio, exportando para a Itália, França e

Inglaterra, além de atender o mercado doméstico.

Sem se constituir em concorrência direta com as estilistas, mas abordando o

segmento de calçados de qualidade, porém acessíveis, encontravam-se ainda

cadeias de lojas como a Arezzo, com aproximadamente 200 lojas no Brasil e um

faturamento estimado em R$ 400 milhões, produzindo calçados voltados para

a classe média a preços mais acessíveis, freqüentemente utilizando cópias dos

materiais nobres usados pelas estilistas.

No mercado americano, no entanto, a concorrência era internacional. Nele

competiam as grandes marcas européias, como Louis Vuitton, Manolo Blahnik,

Gucci, Prada, Channel. As marcas mais famosas eram as italianas e as fran-

cesas, mas os calçados espanhóis também vinham buscando o segmento de

luxo, por meio de uma política de valorização do calçado implementada pela

indústria espanhola nas últimas décadas. Apesar de o preço não ser importante

nesse segmento, ocorria um certo posicionamento das marcas a partir do made

in. As marcas italianas e francesas mais renomadas encontravam-se no topo da

pirâmide de preços. Abaixo delas, vinham-se situando os diversos estilistas se-

gundo seu país de origem, mas respeitando os limites de preço impostos pelas

grandes marcas de luxo.

3.6 As operações no mercado americano

A abertura da loja nos Estados Unidos

Desde 2000, Marcos Lima e Constança Basto planejavam abrir uma loja nos Es-

tados Unidos, mas o negócio exigia um capital ainda não disponível para o casal

na época, como explica Marcos Lima:

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O produto tinha design, tinha valor agregado e os Estados Unidos eram o maior

importador de calçados brasileiros. A marca tinha que entrar nos Estados Unidos

e pertencer aos Estados Unidos. Além disso, sabemos que os Estados Unidos

são o país mais aberto para produtos internacionais. Nós não poderíamos, por

exemplo, começar pela Europa sem fazer sapato na Itália. Pois sapato brasileiro,

made in Brasil, vendendo a 300 euros, seria uma coisa prepotente, na visão dos

europeus. Já nos Estados Unidos não tem isso. Eles não estão preocupados com

o made in. Eles querem é consumir.

Em 2002, esses planos concretizaram-se pela adesão de um sócio investidor,

que injetou os recursos necessários. A operação em Nova Iorque foi cercada de

cuidados, desde a escolha da localização do ponto de venda até sua divulgação.

Marcos Lima observou:

Porque uma coisa é muito importante para nós quando se fala de posicionamento,

de lançamento de marca: é que nós não temos orçamento para fazer lançamentos

de marketing, eventos e comprar páginas de revistas. Então, quando entramos

em uma praça, tentamos entrar de maneira suave, básica, para as pessoas irem

se acostumando conosco e virarmos um hábito. Porque, de outro modo, você é

um intruso.

De acordo com essa estratégia, a loja de Nova Iorque foi instalada na região

conhecida como West Village. Esse era um dos poucos bairros de Manhattan

ainda predominantemente residencial e em que residiam astros e estrelas de

cinema, além de celebridades de outras áreas do mundo das artes. Nessa área,

os aluguéis dos espaços comerciais eram mais acessíveis que nas regiões tra-

dicionais de compras, tal como a Madison Avenue. Marcos Lima explicou a

escolha da localização da loja da seguinte forma:

A Madison é um circuito de compras. É roteiro de compras internacional. Não

tem ninguém descobrindo endereço ali. Então nós escolhemos lá embaixo...

Era uma coisa que nós já vínhamos fazendo no Brasil, com a loja de seis

metros quadrados do segundo andar de uma galeria em Ipanema... uma coisa

meio escondida, para as pessoas descobrirem ...

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A loja ocupava 90 metros quadrados do andar térreo de um prédio tombado (Anexo

7). A decoração da loja foi concebida e executada de forma a remeter a um am-

biente cosmopolita e sofi sticado, sem qualquer referência específi ca ao Brasil ou à

América Latina. Para a execução desses passos, a empresa contratou uma consul-

tora americana, especialista em varejo, que apresentou diferentes alternativas de

posicionamento para a entrada da marca Constança Basto em Nova Iorque. O guia

Time Out New York indicou a loja como um dos dez endereços imperdíveis da cida-

de, afi rmando: “É o melhor lugar para se sentir como uma criança em uma loja de

doces. Mesmo as mulheres que não são fascinadas por sapatos se apaixonam”.18

Além disso, o investidor americano que estava injetando os recursos fi nanceiros

para viabilizar o lançamento montou uma pequena reunião para a qual convidou

cerca de seis especialistas de moda que trabalhavam em empresas como Prada

e Gucci, para avaliarem a coleção de calçados que seria comercializada na loja.

O retorno desses especialistas foi muito positivo. A partir dessa reunião, fi cou de-

cidido que o preço de venda médio dos calçados seria de 300 dólares e não mais

198 dólares, como pensado inicialmente.

A produção destinada ao mercado dos Estados Unidos era importada diretamente

pela empresa norte-americana formada pelos sócios Constança Basto, Marcos

Lima e o investidor americano. Para a operação da loja em Nova Iorque foram

contratados um gerente e duas vendedoras, com larga experiência em operação

de lojas voltadas para o público de classe A. Em meados de 2006, a empresa

contava com um total de cinco funcionários nos EUA.

A experiência na loja de Nova Iorque mostrou diferenças acentuadas de compor-

tamento entre as consumidoras brasileiras e as americanas, conforme observa

Marcos Lima:

As clientes americanas sabem muito mais o que querem do que as brasileiras.

A brasileira tem um perfi l diferente de consumo: você consegue envolve-la

mais na venda. A americana não. Você não consegue envolve-la na venda, ela

é que se envolve na venda. Ela é muito mais autônoma.

18 Edição de abril de 2004. Disponível em: <http://vej.abrl.com.br/vejarj/270405/capa.html>. Acesso em: set. 2006.

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Os esforços promocionais

A loja de Nova Iorque estava planejada para ser inaugurada em outubro de 2002,

mas as obras sofreram algum atraso e só foi possível abri-la no fi m de novembro

daquele ano. De acordo com o cronograma original, o lançamento da marca no

mercado novaiorquino foi estabelecido para junho de 2002. Os empresários con-

trataram uma assessoria de imprensa em abril, considerando serem necessários

três meses para preparar o lançamento. Marcos Lima comentou:

Eu acho que nós tivemos muita sorte. Pois nosso lançamento se dava em uma

época em que a cidade estava ainda muito combalida com os atentados de 11 de

setembro do ano anterior. Aquilo era um fato muito recente. Eles [os nova-iorqui-

nos] estavam querendo reerguer os ânimos e nós entramos como uma novidade

no “menu” deles.

O lançamento da marca Constança Basto foi feito na cobertura do Hudson Hotel, para

convidados selecionados, onde foi servido um coquetel. Impressionou sobremaneira

aos empreendedores o trabalho da assessoria de imprensa e o comportamento dos

especialistas em moda de calçados convidados para o evento. Da parte da assessoria

de imprensa, Marcos Lima destacou o profi ssionalismo no desempenho de suas tare-

fas, que envolviam desde a escolha do local que melhor contribuísse para o reforço do

posicionamento desejado, passando pela sugestão do cardápio a ser servido no even-

to, pela escolha dos convidados e pelo acompanhamento dos convites enviados:

Depois de enviados os convites, a assessoria passou a nos enviar diariamente uma

relação de quem foi que respondeu e confi rmou que iria, quem foi que respondeu

informando que não iria e porque não compareceria, quem não respondeu e porque

não respondeu ou não confi rmou ...

Da parte dos convidados, todos aqueles que confi rmaram sua ida ao evento efeti-

vamente se fi zeram presentes. Como resultado, na semana seguinte começaram

a ser divulgadas notícias sobre o lançamento e algumas entrevistas exclusivas

foram concedidas por Constança Basto para revistas de moda. O ponto alto do

esforço promocional foi indicado como tendo sido uma entrevista concedida à

editora da revista de moda W, que foi publicada na edição do mês de outubro de

2002, ocupando uma página inteira do periódico.

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A divulgação gratuita obtida em revistas de moda, por ocasião da abertura da loja

e nos anos subseqüentes, foi um elemento importante para a divulgação da mar-

ca nos Estados Unidos. Isso deveu-se, em parte, ao esforço promocional realizado

e, em parte, à adoção dos produtos de Constança Basto por estrelas de cinema

como Nicole Kidman, Cameron Diaz e Charlize Theron, ou cantoras como Britney

Spears. A loja em Nova Iorque também teria tido uma infl uência, ao posicionar a

marca em um ambiente requintado.

Além do esforço de lançamento específi co em Nova Iorque, a empresa costumava

participar de feiras e eventos no exterior e, para isso, utilizava-se de apoio fi nanceiro

da Abicalçados e da Apex, a agência governamental de apoio ao comércio exterior.

Aprendizado no exterior

A experiência adquirida nas operações no exterior trouxe aprendizado em vários

aspectos das operações da empresa. Inicialmente, as diferenças culturais foram

recebidas com surpresa, como relatou Marcos Lima:

Houve alguns pequenos choques culturais, que me fi zeram entender que fazer ne-

gócios nos Estados Unidos é de fato diferente de fazer no Brasil. Porque eu sou um

pouco cabeça dura: eu achava que era muito parecido.

Entre as diferenças culturais positivas estava o fato de que as promessas se cum-

priam, fossem relativas à participação em eventos, entrevistas com a imprensa,

ou outros aspectos dos negócios. A operação nos Estados Unidos acarretou ainda

algumas mudanças nos sistemas administrativos. Marcos Lima observou:

Eu mudei a linguagem no escritório. Tanto que a maior parte de nossos relatórios

hoje é em inglês. Mesmo para o mercado interno, porque como os funcionários

daqui teriam que se comunicar com eles, era melhor que já começassem a apren-

der a fazer em inglês.

Algumas experiências adquiridas no mercado americano foram, no entanto, ne-

gativas. A loja encontrava-se em um prédio tombado pelo patrimônio histórico da

cidade de Nova Iorque, o que trazia uma série de limitações operacionais. Além

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disso, o sistema cooperativo fazia com que os moradores do prédio pudessem tomar

decisões que afetavam o funcionamento da loja, como, por exemplo, desligar o ar

refrigerado em horários comerciais. Finalmente, a loja fora assaltada três vezes, como

disse Marcos Lima:

Nunca tivemos loja assaltada no Brasil. Em Manhattan, três vezes. Roubaram lap-

top, mochila. Entraram na loja de madrugada, forçaram uma janela e roubaram seis

bolsas. Um viciado em crack. E outra vez furtaram algumas coisas de dentro da loja.

É engraçado. Você está em Manhattan e pensa que está na Disneylândia.

A mudança para um showroom

Em setembro de 2006, a operação da loja Constança Basto em Nova Iorque foi

fechada e a empresa abriu um showroom no bairro do Soho, no mesmo prédio

em que, no térreo, funcionava uma loja da grife Prada. Com essa mudança, a

operação nos EUA foi reduzida para dois empregados. Marcos Lima observou:

Saí do varejo e vou fi car no atacado. Não tem como manter uma loja com essa

situação cambial. E a loja já fez o que tinha que fazer ...

De acordo com o empresário, os resultados positivos dessa mudança já se fa-

ziam sentir:

Foi uma coisa muito boa porque conseguimos aumentar a base de clientes, não

perdendo o prestígio da marca. Acabamos de sair de uma estação de atacado e

podemos dizer que, pela primeira vez, vendemos bem nos Estados Unidos. E as

lojas localizadas ao redor da nossa em Manhattan compraram nossos produtos.

Deixamos de ser concorrentes para sermos fornecedores.

O fato de realizar a exportação diretamente para seus clientes era visto como uma

grande vantagem para a empresa:

Porque todo mundo que exporta calçados no Brasil, exporta por meio de trading,

agência de exportação, ou escritório de exportação. E esses intermediários ganham de

5% a 15%. Quem perde mesmo é o fabricante. Mas nós exportamos diretamente.

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Em termos relativos, o faturamento da empresa no exterior representou, em 2005,

30% do faturamento total daquele ano, e a expectativa era de que em 2006 esse

percentual aumentasse em razão de uma estação de vendas nos Estados Unidos

considerada excelente. A empresa tinha 50 clientes de atacado nos EUA. Além

disso, exportava para Japão, França e Coréia.

3.7 Perspectivas futuras

Os sócios esperavam abrir novos pontos de venda nos Estados Unidos em futuro

próximo: “Imaginamos voltar para o varejo em dois anos. Quando tivermos uma

base mais forte”. Para isso pretendiam operar com lojas tipo store-in-store, tanto

com operação própria como por meio de sistema de franquia.

Além disso, a empresa planejava entrar no segmento de calçados masculinos

sofi sticados no Brasil, por meio de linha específi ca, que disporia de lojas próprias.

Esperava-se, também, que as franquias da marca Peach by Constança Basto se

expandissem rapidamente em 2007.

Um dos grandes problemas enfrentados pela empresa era o fi nanciamento dispo-

nível para crescer. Os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômi-

co e Social (BNDS) eram vistos como inacessíveis para uma empresa de pequeno

porte, como a Imelda Calçados. A solução encontrada até então tinha sido o

aporte de capital por sócios, como no caso da operação americana, mas isso era

difícil. A empresa ressentia-se da falta de apoio governamental, como desabafou

Marcos Lima:

Estamos aqui há oito anos fazendo negócio, pagando tudo, colocando a imagem

do Brasil fora do país, sem nenhuma garantia, com todas as chances contra. Ris-

co e risco. Temos 12 anos de negócio e já tivemos dez sócios. Gente que entrou,

saiu. Cansou de brincar. Desistiu. Quando eu falo, as pessoas não acreditam. Está

achando que é fácil ser empreendedor no Brasil?

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ANEXO 1 Produção, exportações e consumo aparente de calçados Brasil (1997 – 2005)

0

100

200

300

400

500

600

700

800

Consumo aparenteExportaçãoProdução

200520042003200220012000199919981997

Fonte: Abicalçados.

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ANEXO 2 Consumo per capita de calçados – Brasil (1997-2005)

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Fonte: Abicalçados.

ANEXO 3 Evolução das Exportações Brasileiras de Calçados

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

1970

1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2006

2004

Fonte: Abicalçados.

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ANEXO 4 Principais países exportadores para o mercado americano (2005)

País exportadorExportações em

US$ milhões%

Exportações em milhões de pares

% Preço médio em US$

China 12.285 71 1.800 6,82

Brasil 1.009 6 74 13,66

Vietnã 715 4 64 11,19

Indonésia 510 3 46 11,11

Itália 1.128 7 28 40,88

Tailândia 291 2 24 11,94

Hong Kong 50 0 10 5,21

Taiwan 55 0 8 6,83

Rep. Dominicana 83 0 8 9,98

Espanha 192 1 6 30,10

Outros 934 5 44 21,02

Total 17.251 100 2.113 8,16

Fonte: Abicalçados.

ANEXO 5 Evolução dos preços médios de exportação para os EUA – países selecionados

US$

0

5

10

15

20

25

30

35

40

45

2000 2001 2002 2003 2004 2005

China Brasil Itália

Fonte: Abicalçados.

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ANEXO 6 Criações de Constança Basto

Fonte: Disponível em: <http://vej.abrl.com.br/vejarj/270405/capa.html>. Acesso em: set. 2006.

ANEXO 7 Loja Constança Basto em Nova Iorque

Fonte: Disponível em: <http://vej.abrl.com.br/vejarj/270405/capa.html>. Acesso em: set. 2006.

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3.8 Orientação para uso do caso Constança Basto

Introdução

O caso da internacionalização da empresa Imelda Calçados – razão social da

empresa que produz os calçados sob a marca Constança Basto – descreve o

crescimento e expansão internacional de uma pequena empresa brasileira que

desenvolve suas atividades em um segmento industrial exportador, tradicional

no Brasil, mas que adotou uma estratégia de crescimento no exterior que a

distingue da grande maioria dos players desse setor. Enquanto a maior parte

dos exportadores brasileiros de calçados disputa, no exterior, o segmento de

produtos de baixo preço, a Imelda Calçados optou por se lançar no segmento

de calçados de luxo.

Esse caso é um instrumento de ensino que encontra aplicação em cursos de em-

preendedorismo, empreendedorismo internacional e gestão internacional, tanto

em cursos de graduação e pós-graduação, como de formação de empreendedores

e treinamento de executivos. Pode ser ainda utilizado por instituições públicas e

privadas de apoio a empresários e empreendedores, em workshops de discussões

internas sobre as difi culdades e soluções encontradas por empresas brasileiras

em seu processo de internacionalização.

O caso permite o estudo das características gerais e particulares do processo de

internacionalização de pequenas empresas em geral e pertencentes ao setor cal-

çadista especifi camente.

Por meio da análise e da discussão do caso é possível o exercício da prática dos

instrumentos de gestão e desafi os específi cos dos empreendedores, principal-

mente por meio da análise interna da empresa, da análise do setor no contexto

do processo de internacionalização e das decisões da empresa em sua evolução

no exterior.

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Estrutura do caso

• A indústria brasileira de calçados;

• Evolução da indústria;

• Situação atual;

• O mercado internacional;

• O mercado americano;

• O segmento de luxo;

• Antecedentes;

• Os produtos;

• Desenvolvimento e lançamento de produtos;

• A concorrência;

• As operações nos Estados Unidos;

• A abertura da loja nos Estados Unidos;

• Os esforços promocionais;

• Aprendizado no exterior;

• A mudança para um showroom;

• Perspectivas futuras;

• Anexos.

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Objetivos de ensino

Pretende-se que os alunos sejam capazes de avaliar, dadas as condições apresen-

tadas no caso, de que maneira se desenvolveu o processo de internacionalização

da marca Constança Basto, utilizando os instrumentos de análise fornecidos pela

literatura sobre empreendedorismo internacional, marketing internacional, negó-

cios internacionais e/ou gestão de exportação.

Dentre as perguntas mais relevantes que poderiam ser formuladas aos alunos,

sugerem-se:

1. Quais foram os fatores que contribuíram, de forma signifi cativa, para a

decisão de ingresso da empresa no mercado externo?

2. Quais foram os fatores que contribuíram para o sucesso da empresa em

solo norte-americano?

3. Qual a avaliação que se pode fazer sobre o fechamento da loja de Nova

Iorque e a abertura do showroom da empresa?

4. Como resolver o problema de competitividade em termos de preço, dada a

valorização do real? A empresa deverá produzir no exterior?

5. A empresa poderá continuar seu processo de internacionalização, com o

posicionamento desejado, sem ter presença na Europa?

6. O modo de entrada da marca nos Estados Unidos poderá ser replicado em

outros mercados no exterior?

7. Como os gestores da empresa devem proceder para garantir o crescimento

continuado da empresa no longo prazo?

8. Com o crescimento, haverá necessidade de se alterar o processo de produ-

ção da empresa?

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9. Quais são as recomendações estratégicas para a empresa seguir nos próxi-

mos cinco anos?

Problemas enfrentados pela empresa no momento do caso

A empresa enfrenta diversos problemas, externos e internos, que podem repre-

sentar ameaças para o futuro:

• Redução de margens no exterior em razão de aumento do custo de produ-

ção em decorrência de valorização do real;

• Falta de recursos para o crescimento;

• Baixo investimento em marketing;

• Operação nos EUA controlada à distância;

• Mercado brasileiro absorvendo atenção gerencial;

• Posicionamento da linha Peach;

• Necessidade de expansão para outros mercados.

Análise dos problemas e alternativas disponíveis

O primeiro problema, a redução das margens no produto vendido nos EUA, pode

ser conjuntural, mas merece atenção. A valorização do real é resultante da maior

força das exportações brasileiras em razão, em grande parte, da forte demanda

chinesa por produtos agropecuários provenientes do Brasil. Enquanto a China

continuar a comprar tais produtos, não há grandes perspectivas de desvalorização

do real em relação ao dólar. Uma alternativa seria, como mencionado no caso,

produzir em outros países, como na própria China. No entanto, o próprio caso

indica que não seria fácil em decorrência do pequeno volume da empresa nos

EUA. Isso porque não seria viável produzir na China e exportar para o Brasil, pelas

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elevadas alíquotas de importação. Além disso, a complexidade logística aumen-

taria enormemente. Seria necessário dispor de um funcionário permanentemente

na China para acompanhar a produção, da mesma forma como existe hoje uma

funcionária sediada no Vale dos Sinos. Os empresários necessitariam viajar tam-

bém para a China, para contatos e acompanhamento. Dada a pequena dimensão

do negócio, isso poderia inviabilizar o empreendimento, se não do ponto de vista

de recursos fi nanceiros, certamente no que se refere a recursos gerenciais. Uma

observação quanto a preço: é que preço só é relevante nesse caso em compara-

ção com os concorrentes no segmento. Os limites superiores de preço são demar-

cados pelo posicionamento das marcas. A marca Constança Basto posiciona-se

abaixo das principais marcas francesas e italianas, portanto seu preço não pode

exceder aquele de modelos similares das mesmas marcas.

Crescimento é um imperativo do posicionamento adotado por Constança Basto.

Ela está competindo com grandes empresas internacionais em um mercado ex-

tremamente sofi sticado. Crescer, obter escala, trata-se de um imperativo para a

continuidade da empresa. Contudo, a leitura do caso sugere que um dos princi-

pais problemas enfrentados por seus gestores é a falta de capacidade fi nanceira

para a expansão da empresa. Embora essa questão esteja sendo contornada pela

admissão de sócios capitalistas, a alta rotatividade dos mesmos indica que o pro-

blema deveria ser encaminhado de outra maneira, para que seja defi nitivamente

solucionado. É possível que seja interessante admitir um sócio americano com

experiência no setor, disposto a entrar não apenas como sócio capitalista, mas

como gestor do negócio nos EUA.

Isso remete ao problema seguinte, que é o baixo investimento em marketing.

A empresa tem bons produtos, bem aceitos, com uma proposta diferenciada que

claramente mostrou ter um apelo no exigente mercado americano. Conseguiu uma

inserção extremamente positiva nesse mercado, mas precisa desesperadamente

de mais visibilidade, o que se traduz em maiores investimentos em marketing.

Nesse sentido, o fechamento da loja em Nova Iorque é um passo para trás, pois a

loja funcionava como fl agship da empresa. O showroom não resolve, porque é um

lugar para atacadistas e distribuidores conhecerem o produto. Além disso, fi ca loca-

lizado em um andar de um prédio, sem vitrines para que o público veja o produto

e sem a marca da empresa exposta na loja. A loja era um verdadeiro outdoor para

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a marca e essa divulgação está sendo perdida. O fechamento da loja pode vir a ter

impacto negativo na imagem da marca Constança Basto a longo prazo. Os sócios

pretendem abrir uma nova loja: quanto mais rápido, melhor. A ação da assessoria

de imprensa foi extremamente positiva no lançamento, mas uma assessoria de

imprensa precisa de “fatos novos”, como foi o lançamento da marca em Nova

Iorque. Quais os fatos novos que a marca tem a oferecer para chamar a atenção,

além das mudanças regulares de coleções? Uma possibilidade seria participar mais

em desfi les, shows de moda etc., mas isso também é caro. Anúncios em revistas

femininas de moda seriam altamente desejáveis, mas só fazem sentido com certa

regularidade. Dados os recursos limitados da empresa, não parece factível.

Observe-se, ainda, que Constança Basto é a responsável pela criação e desenvol-

vimento de produtos, enquanto Marcos Lima cuida da administração da empre-

sa. Falta, claramente, alguém para assumir o marketing da empresa. A entrada

de um sócio com competência em marketing de moda, preferencialmente em

calçados, seria interessante nesse estágio de desenvolvimento da empresa. Em

síntese, faltam uma mentalidade de marketing, competências de marketing e

investimentos em marketing.

Uma questão correlata é a ausência física dos sócios controladores no mercado ame-

ricano. Segundo eles declararam, as viagens para os EUA são de três a quatro por

ano, o que é claramente insufi ciente para o andamento do negócio. Em uma empresa

pequena, esse problema é fundamental, porque a operação nascente em um merca-

do com as exigências e o tamanho do americano não é trivial. Falta atenção gerencial

a esse mercado. Como as limitações orçamentárias não permitem a contratação de

um gerente altamente qualifi cado, a solução seria um dos controladores passar a atu-

ar parte do ano nos EUA, o que fi ca complicado pelo fato de os dois serem casados.

Isso sugere, mais uma vez, a necessidade de um sócio-gerente americano, preferen-

cialmente apto a tratar dos aspectos de marketing e comerciais do negócio, uma vez

que a criação e a administração podem, de fato, ser realizadas à distância.

A não-presença dos sócios na operação americana tem outro lado, que é o fato

de a empresa dispor hoje de maiores oportunidades de crescimento no mercado

brasileiro que no americano. Claramente, a empresa prioriza o mercado brasileiro,

o que faz sentido, porque é aí que hoje ela ganha dinheiro. No entanto, essa prio-

rização pode levar a uma limitação na expansão internacional da empresa.

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O lançamento da linha Peach parece adequado, por permitir à empresa ampliar

os segmentos de atuação no mercado brasileiro. Contudo, muito cuidado deve ser

tomado para não produzir uma popularização excessiva da marca. Os problemas

de posicionamento de marca são muito delicados, quando se trabalha com produ-

tos de luxo. Há um balanceamento delicado entre criar uma segunda marca que

apele para um segmento um pouco mais amplo do mercado, e torná-la popular,

como, por exemplo, uma Arezzo. Há uma categoria denominada “o novo luxo”,

que é formada por consumidores com renda elevada, mas sem riqueza acumula-

da ou patrimônio expressivo, particularmente jovens e solteiros, dispostos a gastar

muito dinheiro com produtos dessa natureza, e é a esse segmento que deve se

dirigir a linha Peach, enquanto a linha Constança Basto deve permanecer voltada

para o segmento mais elevado do mercado.

Outro problema que merece ser enfrentado é a não presença da marca Constança

Basto no mercado europeu. Se o posicionamento desejado é o de uma marca

mundial de luxo, o aval dos exigentes consumidores europeus – principalmente

italianos, franceses e ingleses – é fundamental, para que a empresa possa almejar

outros mercados consumidores desse tipo de produto, dispersos em todo o mun-

do. Mais uma vez, tal possibilidade colide com a falta de recursos fi nanceiros e

gerenciais da empresa para a expansão. É bom lembrar que já ter uma loja em

Nova Iorque é um passaporte de entrada em outros mercados sofi sticados. Estar

no circuito New York – Paris – London é necessário à inserção internacional.

Constança Basto tem a oportunidade de se tornar uma marca de luxo global, mas

o caminho a ser percorrido ainda é longo.

Além desses problemas, percebe-se que a empresa possui uma infra-estrutura

de desenvolvimento e de controle de produção que, caso aconteça o crescimento

desejado por seus gestores, tanto no mercado interno quanto no externo, poder

demonstrar ser insufi ciente. O modelo de terceirização da produção é interessante

e faz sentido, pois os volumes da empresa são pequenos e isso lhe dá fl exibilidade

para contratar diferentes empresas, substituir fornecedores e até, eventualmente,

utilizar fornecedores de vários países, quando o volume permitir. Esse procedi-

mento é comum na indústria de calçados. No entanto, os problemas de controle

de qualidade e de prazos de entrega devem ser considerados, exigindo acompa-

nhamento próximo. Isso já vem sendo feito no Vale dos Sinos, mas uma escala

maior poderá exigir novos instrumentos gerenciais.

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Outras análises passíveis de serem realizadas

Os alunos, tendo como referência a literatura sobre a internacionalização de em-

presas, poderiam analisar o modo de entrada da Imelda Calçados no mercado

dos EUA.

Outro exercício refere-se ao processo de entrada. À luz do modelo da escola de

Uppsala – que prega o gradualismo do envolvimento das empresas com os mer-

cados no exterior de acordo com a proximidade cultural dos gestores com esses

mercados – pode ser interessante solicitar aos alunos que comparem a trajetória

da Imelda Calçados com o modelo de Uppsala e verifi quem a aderência do mes-

mo à realidade dessa empresa.

Além disso, o conceito de born global poderia também servir como pano de fundo

para uma discussão com os alunos, uma vez que a Imelda Calçados pode ser

classifi cada como tal, visto que entre a data de sua criação, 1997, e a abertura

de sua loja em Nova Iorque, 2002, passaram-se apenas cinco anos.

Em um curso que envolva aspectos de planejamento estratégico, esse caso po-

deria ser aplicado solicitando-se aos alunos que projetem os passos futuros da

empresa no mercado internacional, explicitando de forma justifi cada os países a

serem conquistados, a forma de atuar nos mesmos e os controles que a empresa

deveria estabelecer para gerir a organização que estaria, então, atuando em múl-

tiplos mercados.

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4 Caso Trikke

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Trikke19

No fi m da década de 1980, três jovens de classe média, formados em Física, pro-

duziram o protótipo de um pequeno veículo de propulsão humana muito parecido

com um patinete, dotado de três rodas e impulsionado a partir de um sistema de

eixos intercambiáveis, ou de tripla cambagem (3CV). Batizado de Trikke,20 utili-

zava o princípio da física da conservação do momento angular, podendo atingir

velocidades de até 30 km/h sem a necessidade de se por o pé no solo para pro-

pulsão, mesmo em subidas. Além disso, por manter as três rodas em contato com

o solo todo o tempo, possuía grande estabilidade. Entusiasmados com a idéia,

fundaram um pequeno empreendimento em Curitiba, no Estado do Paraná, com

o intuito de produzir o veículo. Após algumas tentativas, a empresa foi fechada,

mas os sócios continuaram acreditando no potencial da idéia. Alguns anos de-

pois, a empresa foi reaberta no Brasil e um dos sócios, Gildo Beleski, mudou-se

para os EUA, para abrir o mercado americano para o produto.

Em fevereiro de 2000, foi fundada a Trikke Tech Inc., nos EUA, com sócios brasi-

leiros e americanos para comercializar o produto naquele país. A empresa adotou

uma estratégia de parcerias, que lhe permitiu rapidamente levar seu produto aos

mercados internacionais de lazer e entretenimento. Em 2006, a Trikke era uma

empresa de atuação global, fabricando seus produtos na China e comercializando

na América do Norte, América Latina, Europa, Ásia e Oceania. Esse caso descreve

os passos iniciais da empresa e sua estratégia de inserção global.

4.1 Antecedentes

Originalmente, a idéia comercial do grupo de empreendedores era produzir e

vender o Trikke no mercado interno brasileiro. Apesar dos esforços iniciais de

venda, a consecução do empreendimento acabou frustrada em pouco tempo em

virtude das restrições monetárias ocasionadas pelo Plano Collor. Diante da impos-

19 Esse caso foi preparado por Rene Seifert Junior e Bruno Henrique Rocha Fernandes do Centro Universitário Positivo (UnicenP), e por Angela da Rocha, do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discussão em sala de aula.20 Pronuncia-se “traique”.

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sibilidade de receber o pagamento das vendas iniciais efetuadas e da escassez

de recursos fi nanceiros e fl uxo de caixa, em pouco tempo ocorreu a dissolução

do negócio. Os três sócios abandonaram a iniciativa e foram buscar colocação

profi ssional em outras empresas.

Apesar da frustração inicial, o grupo acreditava na idéia e nas potencialidades do

produto. No começo de 1999, Gildo Beleski, um dos criadores do Trikke, mudou-se

para Los Angeles, nos EUA, levando na bagagem um protótipo. O intuito era, com

o apoio dos amigos e sócios que permaneceriam no Brasil, reiniciar e desenvolver

o projeto do Trikke em solo americano. A idéia era produzi-lo no Brasil e comerciali-

zá-lo nos EUA. Acreditava-se que, nos EUA, as pessoas veriam o produto e logo se

interessariam por comprá-lo, dado o maior poder aquisitivo dos americanos.

As poucas economias que tinham foram dedicadas a abrir uma nova empresa no

Brasil e a registrar a patente do produto nos EUA. Nos primeiros meses, Guido Be-

leski trabalhou de noite como entregador de pizza e jornais, sempre utilizando o

veículo. Durante o dia passeava de Trikke e fazia contatos para divulgar o produto.

Nos seus contatos, conheceu alguns americanos que decidiram investir na idéia.

Um deles, John Simpson, afi rmou em uma entrevista que fi cara perplexo ao ver

Gildo Beleski no Trikke pela primeira vez, mas que rapidamente percebera como o

triciclo podia ser facilmente manobrável: “Comecei a correr atrás dele”, observou

Simpson.21 John Simpson era um ex-distribuidor dos patinetes da marca Razor,

bastante populares nos EUA.

Fundou-se então, em fevereiro de 2000, a Trikke Tech Inc, nos Estados Unidos.

No controle da empresa fi caram oito sócios, quatro americanos e quatro brasi-

leiros. Esse desdobramento não havia sido planejado pelos sócios brasileiros.

“Queríamos aproveitar a oportunidade de vender nos EUA, não pensávamos em

montar uma empresa global”, disse um dos sócios em entrevista a um dos autores

do caso.

Em pouco tempo os sócios perceberam que as difi culdades eram maiores que as

inicialmente previstas. Apesar do maior poder aquisitivo do consumidor america-

no, por se tratar de um produto novo, de uma empresa desconhecida, as vendas

21 Disponível em: <http://www.picarelli.com/clip16062004a.htm>. Acesso em: set. 2006.

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não aconteciam. Os americanos andavam muito de carro e não atentavam para o

produto. Além disso, as restrições fi nanceiras enfrentadas e a ausência de investi-

mento limitavam a capacidade de produzir e enviar o produto aos EUA. A situação

tornou-se pior ante o fato de que a primeira exportação de produtos fabricados no

Brasil, na qual fora investida a maior parte das economias do grupo, extraviou-se

nos EUA, levando consigo os esforços e as reservas fi nanceiras do negócio.

A carga foi encontrada apenas seis meses depois de seu despacho, sendo então

entregue na casa de Beleski. A entrega da carga trouxe novo ânimo, levando os

empresários a buscarem uma estratégia que viabilizasse o empreendimento.

A partir dessa estratégia, a empresa vendeu 200 mil unidades até 2004. Em

2006, a empresa atuava por meio de parcerias e terceirização de revenda e distri-

buição em mais de 17 países espalhados em cinco continentes, além de realizar

vendas diretamente pela internet. Possuía patentes aplicadas em 35 paí ses. Seis

anos após a fundação da empresa nos EUA por brasileiros e americanos, essa

era composta por apenas 13 pessoas. A produção estava concentrada em uma

única fábrica terceirizada na China. A pesquisa e o desenvolvimento de produto

eram realizados no Brasil, e o marketing e a comercialização concentravam-se

nos EUA. O presidente do Conselho da empresa em 2006 era Gildo Beleski, que

também ocupava a direção técnica. O presidente executivo era John Simpson.

4.2 O mercado americano para produtos recreativos

O mercado norte-americano para produtos recreativos cresceu rapidamente nos

anos 1990, a uma taxa média de 4% ao ano, entre 1989 e 1999. O crescimento

foi maior entre 1989 e 1994, quando o setor atingiu taxas médias anuais de 6%.

A redução no crescimento anual da indústria é atribuída ao fato de a geração de

baby boomers, responsável pelo crescimento anterior, ter atingido a faixa de 50

anos, e preferir atividades recreativas de menor esforço, que requeriam menos

equipamento.22 Outra tendência era o fato de os adolescentes e jovens estarem

22 National Technical Information Service, US Department of Commerce. Recreational Equiment. Disponível em: <http://ntis.gov>.

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cada vez mais envolvidos com videogames e atividades na internet, tornando

menor o tempo disponível para atividades esportivas.

A inovação fora um dos propulsores do crescimento da indústria, oferecendo uma

variedade de novos equipamentos e acessórios para a prática de esportes e de exer-

cícios físicos. Algumas inovações introduzidas no decorrer das últimas décadas foram

mountain bikes, skates e snowboards. A comercialização de equipamentos recreati-

vos foi fortemente afetado pela internet, que permitiu aos fabricantes fazerem propa-

ganda, promoção e venda de seus produtos diretamente ao consumidor fi nal.

O Trikke competia em duas indústrias: a de equipamentos esportivos e a de

bicicletas.

A indústria de equipamentos esportivos incluía vários segmentos, tais como equi-

pamentos de golfe, pesca, esqui, windsurf, baseball e equipamentos de ginás-

tica. O Trikke competia indiretamente com os produtos nesse último segmento.

O mercado para equipamentos de ginástica era estimado em aproximadamente

1,6 bilhão de dólares em 2004. Na década de 1990, assistiu-se à substancial

incremento na prática de exercícios físicos em academias de ginástica, mais que

dobrando o número de adeptos dessa modalidade de exercícios. Uma série de

novos produtos foi desenvolvida para atender ao crescimento da demanda.

A indústria de bicicletas dos EUA estava passando por um período de mudanças,

com a transferência de boa parte da produção para fábricas em outros países,

particularmente China, Taiwan e México, utilizando outsourcing. Como resultado

dessas mudanças, a produção nacional de bicicletas caiu substancialmente, sen-

do a maior parte do mercado servida por produtos importados. Manteve-se nos

EUA a fabricação de produtos de alta qualidade e alto desempenho, em que a

decisão de compra não era tão afetada pelo preço.

O mercado de bicicletas era maduro e nenhum novo produto havia sido lançado

por um período de cinco anos. O consumo aparente de bicicletas era estimado

em 1,8 bilhão de dólares no início dos anos 2000. Os dois segmentos com

maior crescimento foram as bicicletas híbridas, que combinavam a leveza de

bicicletas de corrida com o conforto das mountain bikes, e as bicicletas BMX,

para uso em terreno não pavimentado. O uso de bicicletas para percursos maio-

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res havia se reduzido em cerca de 20% no decorrer da década de 1990. No

mesmo período, o uso de bicicletas por crianças de 7 a 11 anos declinara em

15% e o uso por adolescentes entre 12 e 17 anos em 13%. Acreditava-se que

a explicação para essas mudanças no mercado era a concorrência de outras ati-

vidades recreativas, esportivas e não esportivas. Em apoio às reivindicações da

indústria, o Congresso havia destinado $ 3 bilhões no início dos anos 2000 a

apoio à expansão de transporte por veículos não motorizados. A expectativa era

de que o mercado de bicicletas apresentasse um crescimento médio nos anos

seguintes não superior a 1%.23

O objetivo de longo prazo da Trikke era criar uma nova categoria de produtos

na indústria de equipamentos de recreação. Referindo-se ao mercado ameri-

cano de bicicletas, com vendas de 18 milhões de unidades ao ano, observou

John Simpson: “Se conseguirmos cinco por cento do setor de bicicletas, o que

é um objetivo viável, nós podemos seguir com nossos planos de negócio”.24

Especialistas da indústria indicavam, porém, que apesar de o Trikke poder

capturar uma parcela signifi cativa do mercado, teria de enfrentar dura compe-

tição dos novos patinetes motorizados, cuja popularidade crescia rapidamente

nos EUA.

4.3 O produto

A intenção inicial dos inventores, ao desenvolver o Trikke, era proporcionar aos

usuários o uso do produto em descidas de morros ou ladeiras, em que os mesmos

tinham o controle do triciclo. Surpreenderam-se, porém, ao verifi car que o veículo

continuava em movimento em terreno plano, se o condutor continuasse a fazer os

movimentos com o corpo. Em 1990, foi testada a primeira versão do Trikke, que

seria posteriormente refi nada. Centenas de melhorias no design e engenharia fo-

ram introduzidas até se chegar à versão fi nal do produto, que reunia estabilidade,

efi ciência e capacidade de manobra.25

23 Ibidem.24 Disponível em: <http://www.picarelli.com/clip16062004a.htm>. Acesso em: set. 2006.25 Informações no site da empresa (www.trikke.com).

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O Trikke era efetivamente um produto original, com base em princípios distintos

daqueles que eram utilizados em patinetes, bicicletas ou motonetas, seus primos

mais próximos (Anexo 1). O produto não tinha motor, cadeias e pedais, nem

precisava de pedaladas ou empurrões. Utilizava um princípio semelhante ao dos

patins, em que movimentos laterais com o corpo, feitos pelo usuário, impulsiona-

vam o triciclo. O Trikke tinha freio no guidão, à semelhança das bicicletas, e podia

atingir velocidades de até aproximadamente 30 quilômetros por hora. O produto

unia a dinâmica da suspensão de um carro a um veículo de três rodas em que o

usuário dirigia em pé.

Para operar o veículo, o usuário dava o impulso inicial, ao mesmo tempo em que

virava o triciclo para o lado. Ao fazer isso, alterava-se o centro de gravidade do

operador e do veículo para dentro da curva. O movimento era, então, repetido na

outra direção, produzindo mais velocidade. A repetição do movimento mantinha

o veículo em movimento, sem necessidade de colocar o pé no chão.

Em 2006, a empresa vendia sete modelos do Trikke original, com as seguintes

características:

• Trikke T12 – dirigido a atletas, ideal para percursos de longa distância, com

preço de lista do fabricante de $479;

• Trikke T8 conversível ar – voltado para adultos em geral, com preço de lista

de $349. Os pneus a ar ofereciam mais tração e uma corrida mais suave;

• Trikke T8 conversível pu – também dirigido ao segmento adulto, diferia do

modelo anterior apenas pelas rodas de poliuretano, mais fáceis para quem

estava aprendendo a dirigir o triciclo, podendo futuramente ser substituídas

por pneus a ar, quando o usuário já estivesse mais familiarizado com a

direção do Trikke;

• Trikke T7 Coupe – produto mais leve e mais compacto, extremamente por-

tátil, vendido a $199;

• Trikke T6 Teen – voltado para adolescentes com mais de dez anos de idade,

vendido ao preço de lista do fabricante de $169;

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• Trikke T5 Kids alumínio – para crianças até dez anos de idade, esse mode-

lo, com estrutura em alumínio, ganhou o Prêmio Oppenheim Toy Portfolio

Platinum Award, além do Selo de Aprovação do National Parenting Center,

ambos em 2004, sendo vendido por $139;

• Trikke T5 Kids aço – também dirigido a crianças até dez anos de idade,

esse modelo diferia do anterior em três aspectos: construção em aço, siste-

ma distinto usado para dobrar o produto e preço mais baixo ($99).

Todos os produtos eram dobráveis e podiam ser colocados em uma espécie de

maleta, que podia ser carregada como uma mochila ou a tiracolo.

4.4 A estratégia de entrada no mercado americano

O sócio brasileiro no exterior passou a freqüentar feiras e eventos, principalmente

do setor de bicicletas. Foi em uma dessas feiras que o Trikke chamou a atenção

do maior fabricante de patinetes da China. A convite do empresário chinês, o

sócio foi conhecer a empresa na China e lá, em parceria com uma equipe de

chineses, efetuou adaptações no produto tendo em vista a tecnologia de produção

disponível na empresa. Por exemplo, substituíram o aço pelo alumínio, e as rodas

de borracha por poliuretano. Pouco tempo depois, foram enviadas as primeiras

amostras do novo protótipo aos EUA.

Vencidas as barreiras de produção via contrato de parceria com a fábrica na Chi-

na, o principal desafi o para a Trikke passou a ser encontrar meios de promover

a venda do produto. Nesse dilema, o sócio brasileiro dos EUA continuou traba-

lhando como entregador de pizza e jornal com um Trikke, e um dia, em uma de

suas entregas, chamou atenção de um executivo de larga experiência no setor de

patinetes. Esse posteriormente veio a fazer parte da sociedade (o oitavo sócio) e

assumiu uma posição na diretoria da empresa.

Diante das contribuições desse novo sócio ao negócio, com base principalmente

em sua experiência no ramo e sua rede de relacionamentos, foi delineada uma

estratégia de promoção para o produto por meio de atores e atrizes de Holywood.

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A ação promovida foi presentear 60 artistas com Trikkes por ocasião da premia-

ção do Oscar em 2002. O produto despertou a atenção de alguns artistas, que

passaram a utilizá-lo em seus deslocamentos dentro dos estúdios.

Em pouco tempo, a investida apresentou resultados. Começaram a surgir na mí-

dia manifestações espontâneas dos artistas presenteados com um Trikke. O in-

teresse pelo produto cresceu signifi cativamente e, em 2002, o produto foi eleito

pela revista Time como a melhor invenção do ano. O produto foi apresentado na

capa da revista (Anexo 2).

A partir daí, o produto recebeu boa cobertura da mídia, aparecendo em inúmeros

jornais e revistas americanos, tais como People, Playboy, National Geographic Kids,

Maxim, Men’s Health, InStyle, LA Marathon, Curves, Wired, e Los Angeles Times.

(Um texto no Los Angeles Times aparece no Anexo 3). O crescimento das vendas foi

em muito facilitado pela adoção do produto por celebridades de Hollywood, como

Jennifer Aniston, Brad Pitt, Jim Belushi, Jim Carey, Shannon Elizabeth, Timothy

Hutton, David Spade, Bem Affeck e James Gandolfi ni (Anexo 4).

A exposição do produto na mídia fomentou novas parcerias para representação

e comercialização do produto. Os distribuidores dos produtos Trikke eram, tipica-

mente, usuários entusiastas do produto, que passavam a distribuí-lo.

Ao mesmo tempo, por ter se tornado um produto de moda, o Trikke atraiu o in-

teresse de empresas piratas, principalmente na China. No início de 2003, havia

mais de 50 fábricas piratas produzindo o Trikke. O próprio fabricante do Trikke na

China não respeitava contratos: além de ter incentivado a pirataria – a primeira

fábrica pirata foi montada por um engenheiro que participou da implantação da li-

nha chinesa – fazia vendas sem pagamento de royalties e tentou aplicar a patente

do produto nos EUA, onde, por sorte, já estava registrada. Diante disso, os sócios

da Trikke romperam o contrato e fi zeram parceria com outro produtor chinês, além

de ampliarem investimentos no registro de patentes internacionais para o produ-

to. O novo fabricante chinês era também fabricante dos patinetes Razor, com os

quais John Simpson tinha trabalhado previamente como distribuidor.

Como conseqüência da divulgação e do modismo, e apesar da pirataria, as ven-

das cresceram 200% em dois anos.

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4.5 A expansão no mercado americano

O otimismo dos dois primeiros anos de vendas ascendentes foi rompido no

terceiro ano, quando se registrou decréscimo nas vendas. Os empreendedores

procuraram investigar as origens do problema. Ao buscarem informação no

varejo, concluíram que não bastava vender o produto a um varejista e esperar

que o consumidor fi nal o comprasse. Era preciso que o produto fosse experi-

mentado, que o consumidor pudesse ver como funcionava. Simpson obser-

vou: “Quando você lança uma inovação em um mercado enorme, precisa de

muita explicação”.26

Assim, a partir do começo de 2004, a empresa intensifi cou esforços para promo-

ção do produto. Investiu fortemente em infomercials nos EUA (propagandas lon-

gas em TV a cabo demonstrando o produto), promoção de passeios e competições

internacionais. A Trikke produziu ainda vídeos de apoio para ensinar os potenciais

usuários a utilizar o produto.

Um ponto alto do esforço promocional foi a viagem realizada pelo esportista e

aventureiro Jimmy Evans, que cruzou os EUA em um Trikke 8, da Costa Oeste até

a Costa Leste e, em seguida, até Key West, na Flórida. Essa viagem obteve ampla

cobertura do noticiário, tanto na mídia impressa como televisiva. Por exemplo, a

ABC El Paso festejou a chegada de Jimmy Evans ao Texas; a KATC3, a Louisia-

na; e o Canal First News 3, a Pensacola. Em seguida, ele foi para a Europa no

verão de 2004, percorrendo do Reino Unido a Portugal e da Alemanha à Grécia,

atravessando praticamente todos os países europeus em um Trikke 12. Nessa

viagem, Jimmy Evans também recebeu a atenção da mídia. As viagens foram

patrocinadas pela Trikke, que forneceu o equipamento e auxílio adicional.

Um movimento espontâneo foi a formação de diversos clubes de fãs por entusias-

tas do Trikke. A empresa procurou promover a formação desses clubes por meio

da organização de corridas e competições, além de oferecer informações sobre

eventos relevantes. Além disso, promovia competições internacionais de Trikke.

26 Disponível em: <http://www.picarelli.com/clip16062004a.htm>. Acesso em: set. 2006.

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4.6 Novos produtos

Duas extensões de linha foram adicionadas ao Trikke original: uma para a prática

na neve (Skki) e outra em um novo modelo, similar a uma motoneta, ou bicicleta

motorizada, com um pequeno motor elétrico adaptado (Bikke).

O Trikke Skki foi desenvolvido por um período de quatro anos (Anexo 5). O pro-

duto foi testado em diversas estações de esqui americanas e européias, antes

de ser lançado no mercado em 2004. Em 13 de março de 2005, foi realizada

a primeira competição utilizando o Trikke Skki, da qual participou o próprio

Gildo Beleski. Todos os participantes já haviam utilizado o Trikke tradicional

sobre rodas. A competição foi organizada pelo 3CV World Sports Federation.

Em linhas gerais, o produto era considerado de fácil aprendizagem e bastante

seguro, mesmo para os iniciantes.

A Bikke era uma scooter ultraleve com um motor elétrico acoplado (Anexo 6).

A empresa afi rmava ser o único produto em sua categoria que utilizava uma

tecnologia à base de baterias de telefone celular e que representava a última

geração de motores elétricos. O produto era vendido ao preço de lista do fabri-

cante de $449.

A Trikke era uma empresa essencialmente inovadora, pela própria característica

dos empreendedores iniciais. A orientação para inovação se fazia sentir em uma

busca permanente de inovações: “Hoje temos pensado produtos três gerações à

frente de nossa produção”, observou um dos sócios brasileiros.

4.7 Novos mercados

O Trikke passou a ser comercializado na Europa, onde o produto rapidamente

obteve boa cobertura da mídia, como havia acontecido na Europa. O Anexo 7

mostra algumas revistas européias que publicaram reportagens sobre o Trikke.

Em 2006, o produto era vendido em todos os principais países europeus.

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O produto foi lançado no Japão no outono de 2003 pelo distribuidor local autori-

zado, a PIAA Corporation de Tóquio. Além disso, era vendido no Canadá, Coréia,

Taiwan, Hong Kong, Austrália e Nova Zelândia.

4.8 Perspectivas

Um dos sócios brasileiros observou:

Hoje, nosso objetivo é ter uma empresa sem fronteiras, a começar pela socieda-

de: somos oito sócios, quatro brasileiros e quatro americanos, mas pensamos em

colocar chineses, europeus, enfi m, pessoas de todo o mundo, na sociedade.

Apesar da visão otimista de futuro, os sócios não se deixavam ofuscar pelo su-

cesso obtido até então: “Tínhamos e temos poucos recursos e muitas incertezas”.

O grande desafi o para a empresa era evitar que seus produtos seguissem um

simples ciclo de moda, o que levaria ao seu declínio e desaparecimento. Nos

próximos anos, caberia à Trikke transformar sua linha de produtos em uma nova

categoria de produtos e criar um mercado permanente para ela.

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ANEXO 1 O triciclo Trikke

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

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ANEXO 2 Capa da revista Time em 2002

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

Tradução do texto: Veículo de Três Rodas – Não é o triciclo do irmão de seu fi lho.

O Trikke (pronuncia-se traik) é montado na mesma fábrica chinesa que faz as

scooters Razor. As três rodas podem parecer bobas, mas fazem o Trikke mais es-

tável que uma Razor. Depois de empurrar com um pé, o ciclista usa o movimento

lateral similar ao dos praticantes de skate para manter o ritmo. O Trikke é vendido

na faixa de $200 a $300.

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ANEXO 3 Reportagem no LA Times

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

Tradução do texto: Evitando a rotina do exercício físico. Está fi cando difícil se

arrastar até a academia de ginástica? Talvez você esteja sofrendo de uma rotina

aborrecida – cansado da monotonia das esteiras, treinamento em circuitos e em

piscinas. Você talvez precise mudar seus exercícios, fazer uma coisa divertida,

tentar algo novo. Aqui estão alguns produtos com design sofi sticado, novidade, ou

um desafi o especial para deixar você sorrindo ao mesmo tempo que seu coração

trabalha. Do 6º grau aos 60 anos, as pessoas em geral têm a mesma sensação

quando montam em um Trikke (rima com Bike). É divertido demais para ser só

uma ginástica. É simples, elegante, e o movimento rítmico de um lado para o

outro permite um trabalho físico que envolve o corpo todo. O Trikke pode atingir,

em terreno plano, velocidades de até 15 milhas por hora. Com freios no estilo de

uma bicicleta, pneus a ar e um design patenteado que mantém o triciclo preso ao

chão em curvas acentuadas, ele facilmente lida com as descidas íngremes – na

estrada e fora dela. www.trikke.com. $350.

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ANEXO 4 Reportagem na revista People

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

Tradução do texto: Rodas quentes de Hollywood. Veja! Ali na estrada! É uma

miragem! É um foguete! É ... David Spade dirigindo seu novo Trikke (pronuncia-se

traik), uma espécie de scooter cuja velocidade vem do mesmo movimento lateral

usado por esquiadores, praticantes de surf e de skate. “É como skateboarding e

esquiar, e eu posso usar na 405”, diz Spade com uma risada. Ele é um em um

grupo de celebridades – incluindo Jennifer Aniston, Brad Pitt, Timothy Hutton e

Shannon Elizabeth – que adotaram o veículo de três rodas, montado na mesma

fábrica dos scooters Razor e custa entre $199 e $299 cada. “É realmente um

exercício”, diz Aniston, 33. E William Lee Scott (Pearl Harbor), 29, acrescenta:

“Todos os garotos da vizinhança estão morrendo de inveja.”

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ANEXO 5 Trikke Skki

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

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ANEXO 6 A Trikke Bikke

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

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ANEXO 7 Alguns exemplos de publicidade do Trikke em revistas européias

Blue Jean Turkey FHM Turkey Cosmo Girl Turkey Chica Turkey

Sport Novosti (Slov) Cosmopolitan Turkey Summertime Holland

Elsevier Holland

Non-stop Slovenia KidsWeek Holland Lyon Plus France Capital Portugal

Fonte: Disponível em: <www.trikke.com>.

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4.9 Orientação para uso do caso Trikke

Introdução

O caso da Trikke apresenta um exemplo de empreendedorismo que se torna eco-

nomicamente viável a partir do momento em que acontece a internacionalização

da empresa.

Por se tratar de um produto inovador tanto para a empresa como para o mercado,

a situação retratada pelo caso demonstra que as linhas de ação adotadas pela

administração caracterizam-se por um conjunto de tentativas e erros, típicas de

uma organização inovadora.

Esse caso é um instrumento de ensino que encontra aplicação em cursos de

empreendedorismo, empreendedorismo internacional, gestão da inovação e

gestão internacional, tanto em cursos de graduação e pós-graduação, como

em programas de formação de empreendedores e treinamento de executivos.

Pode ser ainda utilizado por instituições públicas e privadas de apoio a em-

presários e empreendedores, em workshops de discussões internas sobre as

difi culdades e soluções encontradas por empresas brasileiras em seu processo

de internacionalização e que necessitam tanto de suporte fi nanceiro como de

assistência jurídica para obter proteção legal para suas inovações tecnológicas

no âmbito externo.

O caso permite o estudo de aspectos peculiares de empresas que introduzem

novos conceitos de produtos no mercado mundial.

Por meio da análise e da discussão do caso é possível o exercício da prática dos

instrumentos de gestão e desafi os específi cos dos empreendedores, principal-

mente por meio da análise interna da empresa, da análise do setor no contexto

do processo de internacionalização e das decisões da empresa em sua evolução

no exterior.

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Estrutura do caso

• Introdução;

• Antecedentes;

• O mercado americano para produtos recreativos;

• O produto;

• A estratégia de entrada no mercado americano;

• A expansão no mercado americano;

• Novos produtos;

• Novos mercados;

• Perspectivas;

• Anexos.

Objetivos de ensino

Pretende-se que os alunos sejam capazes de avaliar, dadas as condições apresen-

tadas no caso, de que maneira se desenvolveu o processo de internacionalização

da Trikke, utilizando os instrumentos de análises fornecidos pela literatura sobre

empreendedorismo, empreendedorismo internacional, marketing, negócios inter-

nacionais e gestão internacional.

Dentre as perguntas que poderiam ser formuladas aos alunos, sugerem-se:

1. Quais foram os fatores que contribuíram de forma signifi cativa para a deci-

são de ingresso da empresa no mercado externo?

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2. Quais foram os fatores que contribuíram para o sucesso da empresa em

solo norte-americano?

3. Como os gestores da empresa devem proceder para garantir o crescimento

continuado da empresa no longo prazo, não permitindo que seu produto

seja consumido somente como um modismo, mas transformando-o efeti-

vamente em uma nova categoria de produto?

4. Quais são os problemas estratégicos e as recomendações para a empresa

crescer nos próximos cinco anos?

5. Qual o potencial do produto no mercado brasileiro? A empresa deveria en-

vidar esforços para ampliar sua presença no Brasil? Como?

Problemas enfrentados pela empresa no momento do caso

O Trikke é efetivamente um sucesso. Um exame no site americano da empresa

(www.trikke.com) dá uma boa amostra do entusiasmo que cerca a empresa e o

produto. É recomendável que os alunos tenham, previamente à aula, visitado o

site da empresa e visto as demonstrações de uso do produto ali disponíveis. Uma

análise cuidadosa do site permite obter uma excelente idéia do que é o produto

e como funciona. Isso é importante visto que não é comum encontrar um Trikke

em uso no Brasil.

Apesar do sucesso do produto, os riscos de insucesso ainda são muitos. Listam-se

a seguir alguns dos problemas vividos pela empresa no momento do caso:

• Risco de que o produto seja apenas um modismo, cujo ciclo de vida siga

de perto o de produtos de moda, ou seja, atinja rapidamente seu pico com

acelerada queda posterior das vendas;

• Necessidade de demonstração e treinamento pelo consumidor;

• Preço elevado dos produtos para consumidores de classe média;

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• Capacidade de gerar continuamente novos produtos e aperfeiçoar os já

existentes;

• Risco de cópia.

Análise dos problemas e alternativas disponíveis

Um dos principais problemas enfrentados pelos gestores da Trikke parece ser a

manutenção da taxa de crescimento de suas vendas. Seus esforços de marketing

mostraram-se efi cazes em introduzir o produto no mercado dos Estados Unidos e

da Europa, mas uma vez que se pode considerar que o mesmo já está introduzi-

do, sua estratégia deve buscar alcançar um outro tipo de consumidor. De acordo

com o conceito da curva de adoção da inovação, o alvo principal da empresa

deverá ser consumidores com o perfi l de adotantes iniciais, que se sucedem aos

pioneiros ou inovadores.

Essa mudança representará investimentos em mídia de massa e diversifi cação de

linhas de produtos, o que colocará a gestão da Trikke diante de outro problema:

a necessidade de recursos fi nanceiros em volumes signifi cativamente maiores

do que os até então investidos. Esses investimentos serão necessários para que

a empresa não perca o conceito por ela desenvolvido para novos entrantes no

mercado. Essa ameaça já foi manifestada pela empresa chinesa que produzia o

Trikke e que passou a vendê-lo para terceiros, infringindo os aspectos legais de

proteção de patentes.

Cabe salientar que a empresa mostrou ter grande competência em marketing.

Essa competência parece ser em razão da ação do sócio americano, John Simp-

son, cuja experiência anterior era exatamente na comercialização de patinetes.

Simpson transferiu para o Trikke seus conhecimentos de marketing, desenvol-

vendo um programa de marketing bem estruturado e consistente, que atacava as

questões-chave relacionadas ao Trikke: promover experimentação, gerar efeito-

demonstração, estimular a adoção. De fato, um dos problemas do Trikke é que

seu uso não é intuitivo, como reconhecem os empresários no caso. Não basta

colocar o produto na loja e esperar para que o consumidor compre, são necessá-

rias ações para treinar o consumidor no uso do produto.

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O grande risco, para o Trikke, é que ele seja visto como um modismo de curta

duração. O grande desafi o é transformá-lo em uma nova categoria de produto,

como bicicletas, patinetes, trikkes ... Mesmo que a empresa atinja esse objetivo,

difi cilmente o mercado para o Trikke será signifi cativo, comparativamente com o

da bicicleta, porque seu uso, segundo o caso e o próprio site da empresa, implica

esforço físico similar ao que se obteria freqüentando uma academia de ginástica.

A bicicleta, por exemplo, é vista como um meio de transporte de baixo nível de

esforço, a menos que se pretenda praticar ciclismo atlético, como o envolvido em

competições ou em subida de serras. Assim, uma estimativa de capturar 5% do

mercado de bicicletas americano parece por demais otimista.

O lançamento de novos produtos é importante para reduzir os riscos associados

a um único produto, criando novas opções para o consumidor. O veículo para

neve – o Skki – parece ser um conceito interessante e com grandes chances de

êxito duradouro, dadas as poucas opções de veículos para atividades na neve. Por

exemplo, comparativamente com os snowjets ou snowmobiles, o Skki tem a gran-

de vantagem de não utilizar combustível e não fazer ruído, o que é um diferencial

importante do ponto de vista ecológico. O produto poderia ser disponibilizado

nos parques nacionais dos EUA, com instrutores treinados, uma vez que há um

movimento crescente para proibir os snowjets em ambientes protegidos, pois o

ruído, principalmente em períodos de grande presença de turistas, prejudica os

animais. Seria mais uma oportunidade de mostrar o produto em ação e treinar

futuros usuários.

De qualquer forma, é um desafi o para a empresa continuar a desenvolver novos

produtos que reduzam os riscos de concentração do faturamento em um único

produto.

Uma questão interessante é por que o Trikke não “pegou” no Brasil. Há vários mo-

tivos para tal. Talvez o principal deles seja o fato de que o produto requer espaço

para sua prática, algo não facilmente encontrável nas grandes cidades brasileiras,

em que vivem os consumidores de classe média alta que teriam poder aquisitivo

para adquirir o produto. O Trikke é tipicamente um “brinquedo de ricos”. Os em-

presários devem ter compreendido rapidamente que seria mais fácil ter o produto

adotado nos Estados Unidos, com sua grande massa de indivíduos afl uentes, do

que no Brasil.

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Um aspecto interessante no caso é a forma que os sócios brasileiros encontraram

para viabilizar a operação. Na verdade, as operações da empresa estão divididas

entre três países localizados em diferentes regiões do globo, desenvolvendo-se em

cada um deles uma função gerencial distinta:

• No Brasil estão localizadas as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento

(P&D) e desenvolvimento de novos produtos, diretamente sob o controle

dos sócios brasileiros, particularmente de Gildo Beleski;

• Na China é feita a produção dos produtos comercializados pela empresa;

• Nos EUA, realizam-se as atividades de marketing e comercialização do

produto;

O interesse direto dos sócios brasileiros é pela área técnica, parecendo estar mui-

to confortáveis em delegar aos sócios americanos a condução das atividades de

marketing e comercialização. No entanto, isso signifi ca, na prática, abdicar do

controle das operações, o que não se constitui atualmente em problema, dada a

competência de Simpson e sua equipe. No entanto, é possível que essa situação

se altere no futuro.

De qualquer modo, apesar do sucesso inicial do Trikke, há ainda muitas dúvidas

quanto ao futuro da empresa.

Outras análises passíveis de serem realizadas

O conceito de born global pode servir como pano de fundo para uma discussão

em sala de aula, uma vez que a Trikke inicia efetivamente suas atividades em um

mercado localizado no exterior, a partir de produção terceirizada em outro país e

de desenvolvimento do produto em outro. Isso faz da Trikke uma pequena empre-

sa global, uma verdadeira born global, no sentido completo da palavra.

Em um curso que envolva aspectos de planejamento estratégico, esse caso po-

deria ser aplicado solicitando-se aos alunos que delineiem os passos futuros da

empresa no mercado internacional, explicitando de forma justifi cada os países

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a serem atingidos, a forma de atuar nesses países, a organização das bases de

produção e os controles que a empresa deveria estabelecer para gerir a organi-

zação que estaria, então, atuando em múltiplos mercados. Como o Trikke apela

para um segmento de mercado cosmopolita e afl uente, esse segmento pode ser

encontrado em praticamente qualquer país desenvolvido, como já demonstrou a

entrada na Europa e no Japão. Aliás, aparentemente não foram feitas adaptações

do produto para o Japão e outros mercados asiáticos, do ponto de vista ergonô-

mico. Ou será que isso não é necessário, ou seja, o produto tem possibilidade de

ajuste a dimensões físicas distintas? O caso não traz essa informação.

Outra discussão poderia envolver o conceito de Ciclo de Vida do Produto,

pedindo aos estudantes que situem os produtos da Trikke na curva do CVP e

desenvolvam as estratégias que a empresa deveria adotar em cada um dos

estágios.

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5 Caso Chamma da Amazônia

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A Chamma da Amazônia,27 fundada em 1996, em Belém do Pará, produzia e comercializava produtos ecológicos, dentro de uma fi losofi a de

valorização da cultura indígena e proteção à natureza (Anexo 1). Incubada origi-

nalmente na Universidade Federal do Pará, a empresa cresceu rapidamente. Em

2006, seus produtos eram vendidos em 22 pontos de venda em todo o Brasil,

além de duas lojas em Portugal. A empresa tinha 20 empregados e produzia cer-

ca de 3 mil unidades por mês, entre produtos de perfumaria e higiene corporal,

maquiagem, aromatizadores, embalagens e acessórios, obtendo um faturamento

estimado em quatro milhões de reais.

Esse caso relata a história da Chamma da Amazônia, sua estratégia e os desafi os

que se colocavam à empresa no futuro.

5.1 A indústria de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal

De acordo com a Resolução no 79 de 28 de agosto de 2000 da Agência Nacional

de Vigilância Sanitária (Anvisa), os produtos de higiene pessoal, perfumaria e

cosméticos correspondiam a:

... preparações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso externo

nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos

genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo

exclusivo e principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir

odores corporais, protegê-los ou mantê-los em bom estado.

A indústria incluía três categorias de produto:

• ’ Produtos de higiene pessoal – sabonetes, produtos para higiene oral, de-

sodorantes, talcos, higiene capilar, produtos para barbear, absorventes hi-

giênicos e fraldas;

27 Esse caso foi preparado por Angela da Rocha, Beatriz Kury e Luciana Velloso de Souza Araújo, do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discussão em sala de aula.

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• Cosméticos – fi xadores, tinturas, modeladores para tratamento dos cabelos,

protetores solares, maquiagem, cremes e loções para a pele e depilatórios;

• Produtos de perfumaria – águas de colônia, perfumes e loções após a barba.

Do ponto de vista de sua estratégia de marketing, a indústria podia ser dividida em

quatro grandes segmentos. No primeiro atuavam as grandes empresas, atingindo

o mercado de massa por meio de ampla capilaridade no varejo, utilizando-se de

supermercados e hipermercados, drogarias, farmácias e uma série de outros pontos

de venda. Nesse segmento, lideravam as grandes empresas multinacionais, como

L’Oréal, Procter e Gamble e Unilever, que detinham as maiores participações no

mercado mundial, nessa ordem. Tais empresas utilizavam fortemente propaganda

em mídia de massa e promoção de vendas em suas estratégias de marketing.

Outro segmento era constituído tipicamente por empresas de capital nacional,

vendendo seus produtos por meio de canais especializados, freqüentemente por

meio de rede de lojas franqueadas sob a própria marca. Era o caso de grandes e

bem-sucedidas empresas nacionais, como O Boticário, Água de Cheiro e L’acqua

di Fiori, e de novas empresas emergentes, como a Chamma da Amazônia. Em-

bora houvesse um grande número de empresas nacionais atuantes no segmento,

também havia empresas multinacionais, como a L’Occitane, que utilizavam estra-

tégias similares. A comunicação da marca se fazia principalmente por meio dos

pontos de venda, embora algumas empresas, como O Boticário, desenvolvessem

campanhas de propaganda para fi xação da marca.

Um terceiro segmento era constituído por grandes marcas de luxo, como Given-

chy, Lancôme, Payot, Helena Rubinstein e a japonesa Shiseido, que atuavam em

canais voltados para o segmento de alta renda, estando presentes em butiques

especializadas multimarcas, lojas de departamento sofi sticadas e lojas tipo free

shop em aeroportos. A propaganda dessas empresas era freqüentemente realiza-

da em revistas de moda, voltadas para o segmento mais sofi sticado do mercado.

Finalmente, o último segmento era formado por empresas que vendiam por meio

do sistema porta-a-porta, como Avon e Mary Kay Cosmetics, respectivamente a

sétima e a décima-sétima no ranking mundial do setor. No Brasil, o mercado por-

ta-a-porta era dominado pela Natura e pela Avon. A Natura utilizava as revistas

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femininas e de moda como canal de comunicação com seus clientes, enquanto a

Avon fazia muito pouca propaganda. O foco principal das atividades de marketing

era a venda pessoal, exercida por verdadeiros exércitos de consultoras, o que

propiciava grande capilaridade.

Os produtos naturais

Eram considerados produtos naturais aqueles que utilizavam ingredientes naturais,

particularmente insumos de plantas tropicais. Em razão de um apelo de mistério e

magia, os produtos com ingredientes provenientes da Amazônia tinham maior atra-

tivo, tanto no mercado nacional como no mercado internacional, mas outras regiões

brasileiras também ofereciam ingredientes utilizados pela indústria. Por exemplo, o

extrato de própolis proveniente da Zona da Mata mineira, cuja qualidade era consi-

derada superior ao de outras regiões, encontrava boa acolhida no mercado brasileiro

e internacional em diversas aplicações, salientando-se os cosméticos à base de pró-

polis e mel. O própolis vinha sendo exportado para vários mercados, entre os quais

o Japão. O óleo de babaçu, proveniente do Nordeste, também era um ingrediente

utilizado em determinadas formulações, sendo exportado para a indústria de cosméti-

cos da Inglaterra e dos EUA.28 No entanto, apesar da exportação de ingredientes para

as indústrias de cosméticos de outros países, a exportação de cosméticos naturais,

produzidos no país por empresas de capital nacional, ainda era bastante modesta.

Os produtos naturais dirigiam-se, embora não exclusivamente, a um segmento

do mercado mais conscientizado quanto ao valor da biodiversidade, que era o do

consumo responsável. O aumento da consciência ambiental criava para as em-

presas uma oportunidade de diferenciação, ao mesmo tempo em que pressionava

a adoção de práticas de desenvolvimento sustentável.

A concorrência

Eram as seguintes as principais empresas atuantes no segmento de mercado em

que competia a Chamma da Amazônia:

28 Panorama Setorial: Cosméticos. Informativo Secex, Ano V, no 32, MDIC/SECEX, julho de 2002.

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• Natura – maior empresa brasileira de capital nacional no setor, fundada em

1969, vendia seus produtos em 4.500 municípios brasileiros, utilizando o

sistema porta-a-porta. A empresa oferecia uma linha ampla de produtos,

com forte ênfase em cosméticos;

• O Boticário – segunda maior empresa de cosméticos brasileira, criada em

1977, em Curitiba, Paraná, era a maior franquia de cosméticos do mundo

em 2006, com cerca de 2.400 lojas no Brasil. Desde o início, a empresava

utilizava ingredientes naturais em seus produtos como fator de diferenciação.

Em 2006, produzia e comercializava cerca de 600 produtos, entre perfumes

e colônias, desodorantes, sabonetes, shampoos, condicionadores, cremes,

batons, acessórios, entre outros;

• Água de Cheiro – terceiro maior fabricante brasileiro, a empresa, criada em

1976 pela empresária mineira Elizabeth Pimenta, dispunha de distribuição

nacional por meio de 600 lojas franqueadas, oferecendo uma linha ampla

de produtos de beleza, desde produtos para os cabelos, perfumes, produtos

de higiene pessoal e cosméticos;

• L’acqua di Fiori – fundada em 1980, produzia perfumes, cosméticos e pro-

dutos para banho por meio de 830 lojas franqueadas em todo o Brasil;

• Phytoervas – Criada em 1986 pela empresária Christiana Arcangeli, a

empresa foi vendida para a multinacional Bristol Myers-Squibb. Em 2002,

a Bristol-Myers vendeu a marca para a Procter e Gamble que a revendeu

para a Nasha Cosmetics. Produzia perfumes, xampus, condicionadores,

sabonetes. A empresa não dispunha de rede de lojas própria;

• L’Occitane – empresa francesa, fundada em 1976 na Provence, atuava em

cerca de 60 países, entre os quais o Brasil, vendendo uma linha ampla

de produtos para o corpo por meio de aproximadamente 500 butiques sob

marca própria. No Brasil, a empresa tinha 18 lojas, em oito grandes cidades

brasileiras. A maior parte de suas lojas se situava em shopping centers.

Além dessas, estimava-se a existência de 1.100 pequenas e médias empresas

atuantes na indústria, com competências para a fabricação desses produtos, mas

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sem recursos para desenvolver as atividades de marketing necessárias, em parti-

cular a construção da marca e a abertura de canais de distribuição, dois elemen-

tos imprescindíveis para ganhar acesso ao mercado.

Internacionalização das empresas

A empresa brasileira de cosméticos com mais longa experiência internacional era a

Natura, que dispunha de subsidiárias de venda direta há mais de uma década no

Peru, Chile, Argentina e Bolívia. Em 1982, iniciou operações no Chile, por meio

de um distribuidor. Em 1983, a empresa realizou uma curta incursão no mercado

americano, com a marca Numina, mas não obteve sucesso. Em 1994, a Natura

realizou investimentos diretos na Argentina, Chile e Peru, países nos quais estabe-

leceu centros de distribuição e trabalhou na formação de consultoras. Em 2002, a

empresa passou a distribuir seus produtos nos free shops de aeroportos brasileiros.

Mesmo assim, as vendas no exterior, em 2004, respondiam por apenas aproxima-

damente 3% do faturamento da empresa. A partir de 2004, a Natura partiu para

um plano mais agressivo de expansão internacional. Abriu sua primeira loja em

Paris em 2005, buscando atingir dessa forma o mercado francês, uma vez que os

franceses não estavam habituados a comprar cosméticos e produtos de beleza pelo

sistema porta-a-porta. No mercado francês, a empresa comercializava a linha Ekos,

composta por produtos naturais, aproveitando-se assim do apelo da biodiversidade

brasileira.29 Em 2007, a empresa pretendia expandir seu sistema de vendas porta-

a-porta para atingir os mercados da Colômbia, Equador, Venezuela, Uruguai e Costa

Rica. Além disso, pretendia investir US$ 20 milhões no México.30

O Boticário, por sua vez, tendo iniciado sua expansão internacional em Portugal,

havia se expandido para outros mercados, vendendo por meio de lojas exclusi-

vas, lojas de departamento e lojas multimarcas localizadas em Portugal, Estados

Unidos, México, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Egito, Grécia, Cabo Verde,

Suriname, Nicarágua, El Salvador, Venezuela, Bolívia, Peru, Uruguai, Paraguai,

Moçambique, África do Sul, Angola, Japão e Austrália.31 Em 2004, as vendas no

29 Segundo um dos sócios, havia evidências de que a Natura fi zera benchmarking com os produtos da Cham-ma da Amazônia, ao lançar sua linha Ekos.30 KEPP, M. Best face forward: Brazil’s homegrown cosmetics companies are building global brands, step by step. Latin Trade, June 2005.31 Site da empresa.

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exterior respondiam por cerca de 2% do faturamento.32 A empresa havia alterado

por duas vezes sua estratégia, até chegar a um modelo adequado à operação

internacional.

A Água de Cheiro havia mantido sua participação no mercado internacional res-

trita, limitando suas vendas ao Oriente Médio, onde obteve boa aceitação. Em

2005, as exportações teriam sido de 5% do faturamento da empresa.33

Diversas empresas menores, atuando no segmento de cosméticos naturais, haviam

procurado chegar ao mercado internacional abrindo lojas sob a própria marca. Por

exemplo, a tradicional Perfumaria Granado, empresa centenária, inaugurou uma loja

em Nova Iorque, onde comercializava uma linha de produtos voltada exclusivamente

para exportação, com marcas de apelo exótico, como Rain Forest, Brazil Natural e

Margaret Mee, essa última inspirada na famosa botânica e artista plástica inglesa, que

retratou a fl ora brasileira. Para conduzir a operação, a empresa havia contratado um

executivo inglês, e tinha como objetivo atingir um faturamento de R$ 25 milhões.34

Para os especialistas no setor, as exportações brasileiras de cosméticos naturais

deveriam crescer no futuro, impulsionadas pelo apelo do “Made in Brazil” e pelo

uso de ingredientes extraídos da biodiversidade brasileira. Além disso, a forte

miscigenação da população brasileira tinha produzido uma variedade de tipos de

cabelo e peles que faziam com que as empresas fossem levadas a produzir produ-

tos que pudessem atender, praticamente a, todos os segmentos do mercado. Por

exemplo, esperava-se que as linhas desenvolvidas para o mercado de consumi-

dores de raça negra viessem a ter boa aceitação nos mercados africanos35. Além

disso, o crescente envolvimento das maiores empresas do setor, como Natura e

O Boticário, com os mercados internacionais, permitia a expansão da marca Bra-

sil, o que deveria benefi ciar também as empresas de menor porte.

Uma das principais difi culdades enfrentadas pelas empresas brasileiras, particu-

larmente as menores, para exportar produtos de perfumaria e cosméticos derivava

da ampla variedade de exigências sanitárias existentes em cada país, sem que se

32 KEPP, M., op. cit.33 Ibidem.34 Disponível em: <www.valoronline.com.br/valoreconomico/285/empresas>. Acesso em: ago. 2006.35 Anuário Comércio Exterior 2006. São Paulo, Análise Editorial, 2006.

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houvesse ainda chegado a uma harmonização das mesmas. O custo de adequar-se

a tais exigências podia inviabilizar a entrada de empresas menores no mercado.

Em 2005 foram exportadas 226 mil toneladas de produtos de perfumaria e cos-

méticos, equivalendo a 242 milhões de dólares, um crescimento de 28% em

relação a 2004.

5.2 O mercado

Enquanto os mercados em países desenvolvidos eram já maduros, com taxas de

crescimento baixas, os mercados emergentes, como Brasil, China e Rússia, mos-

travam bastante dinamismo, com sistemas de distribuição em expansão.

O Brasil era o sexto mercado mundial de cosméticos, superado apenas pelos EUA,

Japão, França, Alemanha e Reino Unido. A taxa média de crescimento, entre 2001

e 2005, foi de 10,7% ao ano, comparativamente com uma taxa média de cresci-

mento do PIB, no mesmo período, de 2,2%. O Anexo 2 apresenta a evolução das

vendas de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos no Brasil entre 2001 e 2005.

Essas altas taxas de crescimento eram atribuídas à cada vez maior participação

da mulher no mercado de trabalho, ao desejo de manter-se jovem, com o aumen-

to da expectativa de vida da população, e à própria cultura brasileira, que valori-

zava a beleza e a sensualidade. Acresciam-se a isso as melhorias tecnológicas e

de produtividade das empresas, o que levou a uma queda nos preços.

5.3 A empresa

Antecedentes

Oscar Chamma, fi lho de libaneses, era dono de uma mercearia na cidade de Be-

lém do Pará, há quase meio século. Além do negócio principal, cultivava o hobby

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de fabricar perfumes no andar de cima de sua mercearia localizada próxima ao

mercado público de belém (denominado Ver-o-Peso). Apaixonado pela química

e pela Amazônia, fabricava perfumes nas horas vagas, importando colônias da

Europa e a elas adicionando as ervas nativas da região. Nasceu, assim, a Casa

Chamma. A escolha do nome se devia em parte ao sobrenome da família, mas

também à existência de uma planta nativa batizada de Chamma, à qual os co-

merciantes do mercado atribuíam o poder de atrair bons fl uidos. Em meados da

década de 1980, um incêndio destruiu o casarão onde se instalavam a mercearia

e a perfumaria, e os perfumes pararam temporariamente de ser produzidos. Oscar

Chamma faleceu em 1993, oito anos depois, deixando a esposa e sete fi lhos.

A esposa de Oscar, fi lha de portugueses, preocupando-se com a continuidade do

sonho de seu marido, procurou estimular alguns de seus fi lhos a darem continui-

dade ao negócio. Coube então aos três fi lhos mais velhos a missão de recriar a

perfumaria. Entre eles, a fi lha Fátima, que passou a estar à frente do negócio.

Fátima Chamma era apaixonada por tudo que dizia respeito a moda, beleza e

decoração. Ao assumir o negócio, preocupou-se com a apresentação do produto:

achava que ele devia ter uma aparência mais atual, que ajudasse na identifi cação

de sua origem. Procurando alternativas de embalagem, mais especifi camente for-

necedores de tampas de madeira, entrou em contato com um fornecedor carioca,

André Pinheiro, dono de uma fábrica de tampas no Rio de Janeiro. Fátima e An-

dré casaram-se, dedicando-se à expansão do negócio.

Os negócios da perfumaria passaram a ser dirigidos do Rio de Janeiro, para onde

Fátima se mudou. Inicialmente, os produtos eram fabricados em sua casa e dis-

tribuídos diretamente aos pontos de venda. As vendas também eram feitas em

feiras patrocinadas pelo Sebrae. Entre 1991 e 1995, Fátima Chamma e André

Pinheiro participaram de 78 feiras dessa natureza. Nessa época, os produtos fa-

bricados pela empresa limitavam-se basicamente a perfumes e xampús, embora

já houvesse sido introduzida, no mix de produtos comercializados sob a marca,

uma linha de maquilagem fabricada por terceiros.

Na década de 1990, foi criada a marca Chamma da Amazônia, em um momento

de inspiração. O uso do termo Amazônia reforçava o atributo regional do produto,

trazendo para a linha a mística e o fascínio associado à região.

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Os contatos de Fátima com o Sebrae fi zeram com que ela fi casse sabendo da pos-

sibilidade de submeter um projeto para participar do Programa de Incubação de

Empresas de Base Tecnológica da Universidade Federal do Pará. Foi então que,

segundo seu relato, “sem muita técnica, mas com intuição e convicção”, elaborou

o projeto submetido e que acabou sendo escolhido.

Assim, em junho de 1996, nasceu a empresa Fluidos da Amazônia, com sede

em Belém, detentora da marca Chamma da Amazônia, já dentro da incubadora e

com a participação de André Pinheiro. Os dois irmãos sócios da empresa original

retiraram-se da sociedade.

Na incubadora a empresa ocupava um espaço de 80 metros quadrados.

A grande vantagem dessa empreitada foi a possibilidade de ampliar a rede de

relacionamento e poder ter acesso a uma série de serviços que ajudaram a

impulsionar o negócio. Como observou Fátima: “muito mais rede de relacio-

namento e parceria, facilidade, divulgação e credibilidade.” Na percepção dos

sócios, a própria incubadora era praticamente uma incubada e, apesar da boa

vontade existente, não tinha capacidade de atender, adequadamente, às de-

mandas das empresas incubadas. Nessa época, os produtos eram vendidos em

lojas multimarcas e também na garagem de uma casa, que funcionava como

showroom. A cobertura geográfi ca era bastante restrita, limitando-se, basica-

mente a Belém e arredores.

Durante o tempo em que a empresa esteve incubada, fez uso de um programa de

apoio gerencial oferecido pelo Sebrae. A esse respeito, Fátima Chamma comentou:

Eu nunca deixei o Sebrae; eu usei todos os programas do Sebrae. Quando está-

vamos na incubadora, o Sebrae apoiava. A proposta era assim: ”Enquanto vocês

estiverem na incubadora, vocês recebem apoio de gestão”. E isso foi o nosso gran-

de, grande “pulo do gato”. Porque as pessoas não têm a visão da necessidade do

gestor... Quando você é pequeno, você faz tudo, e as exigências atrapalham muito.

Então, tive que aprender a ser gestora.

A trajetória da empresa foi permeada pela participação em programas de apoio

ao pequeno e médio empresário, disponibilizados por órgãos de fomento, até

mesmo aqueles oferecidos diretamente pelo governo, como no caso da prefeitura

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da cidade de Belém. Fátima Chamma, referindo-se especifi camente à relação da

empresa com o Sebrae, relatou:

Lá você recebe tudo aquilo que custa dinheiro e as pessoas não contabilizam. Se

você procura dinheiro em espécie, você está no lugar errado, mas se você procura

serviços que custam dinheiro, pode ir lá. Então, fi nanceiramente eles não lhe

atendem, mas economicamente sim, só depende de você ter essa visão.

Em 2002, completada a etapa inicial da existência da empresa, a Fluidos da

Amazônia deixou a incubadora e mudou-se para um galpão de 800 metros qua-

drados, para onde foi a fábrica. A passagem da incubadora para a operação autô-

noma foi um pouco traumática, como explicou Fátima Chamma:

Nós não estávamos prontos e precisávamos de espaço. Não quebramos àquela

altura porque não era para quebrar. Foi muito doido, mas, ao mesmo tempo,

muito determinado. Foi complicado sair de um espaço de oitenta metros qua-

drados para outro de oitocentos metros quadrados. E sem recursos, só com

recursos próprios.

A essa altura, Fátima Chamma e André Pinheiro haviam-se separado, perma-

necendo ela na direção da Chamma da Amazônia, enquanto ele se dedicava à

fabricação de eco jóias (também chamadas de bio jóias), em uma empresa de sua

propriedade exclusiva. André Pinheiro era responsável pela criação e comerciali-

zação das eco jóias, enquanto um artesão se ocupava da produção. Ele relatou o

início do processo de produção de eco jóias:

E a EcoJóias foi crescendo, crescendo... Éramos eu e o Carlinhos, um artesão,

analfabeto ... E foi a grande surpresa de 2005, porque alcançamos um fatura-

mento expressivo ...

A Chamma da Amazônia prosseguiu em sua expansão, recebendo inúmeros prê-

mios por seu papel na região amazônica e pelo empreendedorismo demonstrado

(Anexo 3).

Fátima Chamma atuava em diversos órgãos de classe. Em 2006, ela era vice-pre-

sidente de seu sindicato patronal, tendo sido anteriormente presidente do Conse-

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lho de Mulheres Empreendedoras do Pará. Ela se auto-defi nia como uma pessoa

empreendedora, otimista, intuitiva, com facilidade de comunicar-se e estabelecer

relacionamentos:

Eu tenho um anjo da guarda que me inspira muito. Eu estou aprendendo e ainda

tenho muito a aprender. Ajo muito por intuição. Isso me ajudou muito. Um outro

ponto é a facilidade de comunicação, de contatos, de montar relacionamentos.

Isso é fundamental ... Eu tenho as mesmas difi culdades de qualquer empreende-

dor. Volta e meia tomo prejuízo e, quando tomo, a única diferença é que eu sou

otimista e sou uma pessoa que se redireciona quando necessário. Eu não penso

nesse negócio como sendo um negócio de família. Lá na frente, sei lá, se eu tiver

que compartilhar com investidores, vou em frente, porque senão a empresa fi ca

pequena e vai ser engolida.

Fátima tinha dois fi lhos de seu primeiro casamento, que poderiam eventualmente

sucedê-la na direção do empreendimento. Ela salientou, no entanto, que depen-

deria do desejo deles se iriam trabalhar na empresa ou não.

Produtos

O site da empresa assim apresentava sua linha de produtos:

A Chamma da Amazônia mistura fl ores, frutos, ervas, raízes, lenhos, sementes

que a natureza descarta e são coletadas pelos sábios mateiros e mestres catado-

res, óleos vegetais e essências da região, para produzir seus perfumes, xampús,

sabonetes, óleos, aromatizadores, maquiagens, biojóias e embalagens.

A linha de produtos era constituída por 190 itens distintos, divididas em cinco

categorias: cheiro, cabelo, bem-estar, corpo e eco jóias. O Anexo 4 apresenta uma

relação completa dos produtos da empresa e seus ingredientes.

A linha de eco jóias havia sido adicionada pela empresa a seu mix de produtos

em 2001, consistindo de colares, pulseiras e brincos fabricados com materiais da

Amazônia, tais como coco, sementes de morototó, açaí, inajá, muruci, tucumã e

bacaba. As matérias-primas eram catadas no chão da fl oresta, transformando-se

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em bijuterias exclusivas. O processo de secagem das sementes podia levar até

três dias, e cada peça levava, aproximadamente, uma hora para ser produzida

por artesãos nativos. Ao fi m, as jóias passavam por um tratamento químico, para

evitar a proliferação de organismos ou insetos. Um exemplar de eco jóias da

Chamma da Amazônia é apresentado no Anexo 5.

Ecologia e desenvolvimento sustentável

Uma característica da Chamma da Amazônia era sua preocupação com a nature-

za, o que efetivamente se consubstanciava não só em sua estratégia de produto

como também em sua inserção na comunidade.

Famílias da população ribeirinha prestavam serviços à empresa, coletando maté-

rias-primas utilizadas nos produtos, cultivando ervas e raízes para a produção de

fragrâncias e cultivando a palmeira de guarumã e miriti para a produção de cestos

e peneiras utilizados como embalagens.

A matéria-prima utilizada não implicava derrubada de árvores ou agressão ao

meio ambiente, uma vez que era toda ela coletada, sob a forma de cascas, frutos,

sementes, fl ores e raízes. Mesmo assim, a empresa preocupava-se com o plantio

de espécies locais, plantando uma árvore para cada cem produtos vendidos,

entre as quais as árvores de andiroba, copaíba e castanha do Pará. O projeto de

refl orestamento era uma iniciativa conjunta da empresa com a empresa agrícola

Biotropical, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Facul-

dade de Ciências Agrárias do Pará.

A Chamma da Amazônia também adquiria óleos vegetais da Brasmazon, empre-

sa que extraía óleos da Amazônia, empregando mais de 1.600 famílias em três

estados da Região Norte.

5.4 Franquia

Em 1999, ainda na incubadora, os sócios começaram a considerar a possibilida-

de de utilizar franquias. Esse movimento foi bilateral, uma vez que a empresa já

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começava a ser procurada por pessoas que, conhecendo o produto e identifi cando

uma oportunidade, buscavam obter uma distribuição ou franquia. Aparentemen-

te, a instalação de um quiosque no Aeroporto de Belém teria aumentado signifi ca-

tivamente a exposição da marca, atraindo possíveis candidatos a franquias. Para

formatar a franquia, foi contratada uma empresa com quem os sócios haviam tido

contato por meio do Sebrae.

Um contato em 2003, realizado com Cláudio Miquelin, empresário paulista que

chegou até eles, em princípio, com a idéia de tornar-se master franqueado, aca-

bou gerando uma nova sociedade, acarretando na constituição de uma empresa

para administrar o sistema de franquias. Nessa empresa, sediada em São Paulo,

Cláudio Miquelin e outro sócio participavam com 50% e Fátima Chamma e André

Pinheiro com 50%. Pretendia-se, na ocasião, chegar a 50 franquias em 2005,

atingindo o faturamento médio mensal por loja de R$25.000,00. Para adminis-

trar a nova empresa, foi contratado um executivo com experiência em franquia.

A sociedade durou até abril de 2006, quando foi desfeita e o sistema de franquias

voltou a ser administrado a partir de Belém.

Entre 1999 e 2006, a empresa abriu cerca de 27 franquias, mas em 2006

havia apenas 22 em funcionamento, visto que algumas haviam sido fechadas.

Fátima Chamma considerou que um dos problemas enfrentados com o sistema

de franquia era o próprio processo de seleção do franqueado. No passado, era

o franqueado que escolhia a empresa e não vice-versa. Ela, reavaliando esse

procedimento, concluiu ser necessário estabelecer critérios para a seleção do

franqueado. Em 2006, era o seguinte o perfi l do franqueado desejado:

•’ Perfi l empreendedor;

•’ Habilidade comercial, administrativa e fi nanceira;

•’ Habilidade em lidar com pessoas;

•’ Disponibilidade integral de tempo para o negócio;

•’ Liderança e motivação;

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•’ Posse de recursos fi nanceiros sufi cientes;

•’ Conhecimento do mercado onde pretendesse atuar.

Fátima Chamma julgava que a disponibilidade de recursos sufi cientes e a ex-

periência em gestão deveriam ser os principais critérios na seleção de novos

franqueados. A escolha do local para abertura da loja era também um ponto

fundamental. A esse respeito, ela comentou:

Para você ter sucesso você precisa ter em primeiro lugar o local... Porque se você

está em um ponto bom você ganha, se você está em um ponto ruim, não inte-

ressa se o produto é bom, não adianta. Isso é básico. A outra coisa é que ele [o

candidato a franqueado] tem que ter capital, tem que ter conceito de gestão. Se

ele não tem isso, não dá certo. ‘Olha, eu tenho R$10 mil, mas eu vou fi nanciar,

eu vou pagar com a venda’. Não dá. “Eu quero abrir um negócio para minha

mulher”... Não dá.

Na avaliação de André Pinheiro, a situação de alguns franqueados ainda era difí-

cil, estimando ele que um terço deles fosse defi citário.

Os pontos de venda podiam variar de 6 a 40 metros quadrados, estimando-se

o investimento de acordo com o potencial de mercado do local em que a loja

fosse instalada. O Anexo 6 mostra um quiosque da empresa em um aeroporto.

Em 2006, a taxa inicial de franquia era de R$ 15.000,00 para quiosques e

R$ 20.000,00 para lojas. A taxa inicial destinava-se a cobrir a cessão do direito

ao uso das marcas, patentes e direitos autorais da Chamma da Amazônia; direito

de preferência territorial; transferência de tecnologia e know-how relativos à insta-

lação, operação e administração do negócio; parcela dos custos de treinamento;

custos de análise e seleção do ponto e de assessoria na instalação do negócio; e

assistência na abertura do estabelecimento franqueado.

Havia ainda uma taxa de franquia mensal, que equivalia a 10% sobre o valor

total das compras efetuadas a cada mês, e uma taxa de propaganda de 5% sobre

as compras mensais. Cabia à Chamma da Amazônia administrar o fundo promo-

cional, que era aplicado em atividades de Assessoria de Imprensa e material de

ponto de venda.

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5.5 Atuação internacional

Em 2004, a empresa fechou um contrato de franquia master com um empresário

português. Por esse contrato, o empresário adquiriu o direito de estabelecer lojas

da empresa em todo o território português. Em 2006, o contrato foi renegociado,

passando às mãos de um novo franqueado master, dessa vez, um empresário

brasileiro do ramo de franquias atuando em Portugal. A marca tinha duas lojas

naquele país, uma em Lisboa e outra no Aveiro. Em 2006, as exportações repre-

sentavam cerca de 10% das receitas da empresa, sendo 50% provenientes de

produtos de perfumaria e 40% de eco jóias.

Fátima Chamma percebia certo preconceito local com relação aos produtos da

empresa. A exportação servira, de um lado, para legitimar sua qualidade junto ao

mercado doméstico:

O público paraense rejeitava produtos paraenses. Para termos credibilidade

aqui nós precisamos ganhar prêmios lá fora, ser notícia lá fora. As pessoas

acham o produto caro. Por que eles acham caro? Porque é da terra. Mas não

é porque ele é da terra que deve ser desvalorizado. Ele tem todo um investi-

mento e é similar ao que os outros concorrentes [no Brasil] têm. Então nossa

empresa, é uma empresa que tem capacidade para competir. Começamos a

mostrar que estávamos exportando. ...Quando você fala que é um produto

exportado, as pessoas no mercado interno acreditam mais. Não, meu produto

não é caro. Sabe por que meu produto não é caro? Porque ele é único. Estou

falando de nicho ...

Ela achava que o segmento-alvo mais propenso a comprar os produtos da empre-

sa era maior em outros países que no Brasil:

“Nosso produto é atrativo para um grupo de pessoas culturalmente bem infor-

madas, ecologicamente responsáveis. Isso a cada dia se intensifi ca mais. Mas

as pessoas que têm essa consciência aqui no Brasil ainda correspondem a um

percentual muito pequeno. A maioria das pessoas diz que tem essa consciência,

mas entre um produto que custa R$ 1 mais caro e que tem esse conceito e outro

mais barato, as pessoas acabam comprando o que é R$ 1 mais barato.”

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Fátima Chamma considerava o processo de exportação extremamente complexo

para uma empresa pequena. Elaborando sobre esse tema, ela comentou:

Se a exportação é viável para uma empresa de pequeno porte? Só para louco!

Exportar, dependendo do segmento, é fácil. Se eu confecciono uma camisa de

acordo com um padrão lá fora, é fácil. Mas um produto como o nosso tem fi scali-

zação sanitária. É muito complicado, não é mesmo para o pequeno empresário.

Uma das principais difi culdades era a burocracia envolvida, que começava pelo

registro da marca e prosseguia pelas licenças ambientais, registros sanitários etc:

Você tem que contratar empresas especializadas, fazer análise de produtos. Para

cada produto, você paga quatro mil reais por análise ... Xampu de açaí, você paga

quatro mil; xampu de copaíba, mais quatro mil; xampú de ... Nós temos quarenta

produtos registrados, são mais de sessenta mil reais ...

E aí eu tenho que fazer adequações para um e para outro... Cheiro, formulação.

Por exemplo, minha formulação é totalmente regular no Brasil, mas às vezes um

conservante não é aceito na França. E esse conservante que a França não aceita

é aceito nos Estados Unidos, ou vice-versa.

Os investimentos realizados pela empresa para atingir os mercados externos

foram estimados por André Pinheiro em, aproximadamente, US$ 70 mil, parte

em adaptação de produtos e registros e outra parte em eventos no exterior.

Fátima Chamma acreditava que a participação em eventos era fundamental,

não só para expor a marca da empresa e fazer contatos, como também para

avaliar o potencial de mercado, as diferenças entre os mercados e as necessi-

dades de adequar o produto à legislação local. Embora não falasse inglês, Fá-

tima conseguia se fazer entender em outros países. Ela achava extremamente

importantes as viagens a outros mercados “para verifi car que posicionamento

deve ter o produto no mercado”, além de “ver como é que eles se comportam,

quais os tipos de produtos, qual a apresentação, o que eu poderia fazer, como

é que eles consomem”.

A maior parte das experiências de exportação da empresa haviam sido pontuais.

Por exemplo, a empresa atendeu a um grande pedido de uma cadeia de lojas

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em Dubai, nos Emirados Árabes. Esse pedido, no entanto, não se repetiu. Fáti-

ma Chamma atribuiu o fato à ausência de acompanhamento dado pela empresa

ao cliente.

André Pinheiro acreditava que um dos problemas era o preço pelo qual os pro-

dutos chegavam aos mercados externos. Ele comentou que uma colônia poderia

chegar ao mercado europeu por um preço mais elevado do que o de um produto

de marca estabelecida, como, por exemplo, Dolce e Gabbana, em razão da ne-

cessidade de remunerar os investimentos realizados.

Julgava André Pinheiro que as vendas no mercado externo não deslanchariam en-

quanto não houvesse uma ação de marketing mais estruturada. Ele observou: “Só

se consegue fi delizar o cliente com o uso. Hoje vendemos para presente, como

curiosidade.” No mercado externo, extremamente competitivo, havia a necessi-

dade de permanentemente levar novidades ao cliente, para mantê-lo motivado:

“Você tem que fazer lançamentos. Se não, como é que você vai fi car no mercado?

Você tem que mostrar novidades para o seu cliente.” Havia, além disso, as difi -

culdades em conduzir a distribuição:

Uma pequena empresa não pode vender para o cliente fi nal, o lojista. Ela

tem que ter um distribuidor. Porque quem vai dar a garantia, quem vai fazer

o atendimento, é o distribuidor. E quando você coloca um distribuidor, ele fi ca

com a sua margem. Você mesmo poderia fazer esse trabalho, se você tivesse

as ferramentas para isso. Mas como uma pequena empresa vai colocar a

marca da forma como ela tem que ser colocada para conseguir valor agregado

em outro país?

Ele complementou:

Nas eco jóias, você tem que ter qualidade sim, tem que ter design, tem que ter

ação comercial. É moda, você tem que estar inovando, lançando moda, lançando

estilo, modelos diferentes. Você tem bijuteria natural do mundo inteiro. China,

Indonésia, América Latina, Índia... Todo mundo faz bijuteria natural. Então, não

é tão original. Lá fora, o cliente não quer saber se é de açaí, de cupuaçu, de co-

paíba... Ele não quer saber de nada, ele quer é bijuteria linda, a comparação é de

preço, qualidade, design, estilo ... Temos que nos comparar com os produtos que

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têm qualidade. No caso de perfumaria, você tem que ter um produto inovador,

porque nós estamos tentando exportar para o berço da perfumaria mundial.

Fátima Chamma considerava que as oportunidades no mercado internacional

cresceriam à medida que grandes empresas brasileiras expandissem sua ação

internacional, em cujo rastro seguiriam as pequenas:

A própria Natura está abrindo um espaço na França. Por que? Ela não montou

uma loja lá porque ela quer ter lojas, mas para tornar a marca conhecida, dar

credibilidade ao produto... Agora, se a Natura divulga os produtos brasileiros, isso

é ruim para mim? Não, eu vou no vácuo.

Ela tinha plena consciência das oportunidades e desafi os que se apresentavam

cada dia à empresa: “Um dia eu pensei que, resolvendo esses problemas, eu estaria

pronta. Foi quando eu compreendi que todos os dias estão cheio de problemas...”

ANEXO 1 Missão e fi losofi a da Chamma da Amazônia

Missão da Chamma da Amazônia

Oferecer os encantos e mistérios da Amazônia Brasileira em produtos ecologicamente

corretos, com qualidade e credibilidade, proporcionando aos seus clientes bem-estar,

satisfação e beleza.

Filosofi a da Chamma da Amazônia

A Chamma da Amazônia tem como fi losofi a agir efetivamente para garantir a sobrevivência

das pessoas que vivem na região amazônica, separadas por enormes distâncias dos centros

urbanos, aumentando a renda familiar e colaborando para justa valorização do seu trabalho.

Essas pessoas são as guardiãs da natureza e também da arte e dos segredos ancestrais.

Ajudá-las a poder continuar no coração da fl oresta, da qual vivem e a qual respeitam, é uma

das mais importantes contribuições que podemos dar para a preservação da Amazônia. Isso

é o desenvolvimento sustentável em ação. E apostar no desenvolvimento sustentável é uma

forma consciente de prosperar não só como empresa, mas como cidadão e ser humano.

Fonte: Site da empresa.

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ANEXO 2 Evolução das vendas das empresas de perfumaria, higiene pessoal e cosméticos no Brasil

0

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2

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6

7

2001 2002 2003 2004 2005

Fonte: ABIHPEC

ANEXO 3 Prêmios recebidos pela Chamma da Amazônia

MDIC – Medalha do Conhecimento – 2004

’ CNI – Gestão do Design Ecologicamente Sustentável (Brasil 2002)

’ CNI – Gestão do Design Ecologicamente Sustentável (Pará 2002)

’ CNI – Gestão do Design Parcerias Facilitando o Trabalho (Pará 2002)

’ Empresa Cara Brasileira – 2002

’ Sesi – Qualidade de Trabalho (Estado do Pará – 2002)

’ Sesi – Qualidade de Trabalho (Estado do Pará – 2001)

’ Finep – Inovação Tecnológica Categoria Empresa Pequeno Porte – 2001

’ Finep – Inovação Tecnológica Categoria Produto Região Norte – 2001

’ Finep – Inovação Tecnológica Categoria Produto Região Norte – 2000

’ Melhor Apresentação do Produto para Venda – Mar del Plata, 1999

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ANEXO 4 Descrição dos produtos da Chamma da Amazônia

(Extraído do site da empresa e adaptado)

Linha cheiro

Águas cheirosas

Água cheirosa de castanha do Pará – perfuma, hidrata e proporciona

uma sensação de bem-estar.

Água cheirosa de guaraná – apresenta propriedades de refrescância,

perfuma e proporciona uma sensação de bem-estar. Contém vitaminas

A e C, complexo B, e minerais como o cálcio, fósforo e ferro.

Água Cheirosa de Maracujá – hidrata e perfuma o corpo. Sua fragrância

suave e refrescante traduz sensação de limpeza e suavidade.

Águas e banhos

Água de Chamma – fragrância cujo elemento essencial é o patichuli;

apresenta característica amadeirada suave.

Banho de Chamma – infusão de raízes, sementes e ervas, misturadas

em base de lavanda, que são envelhecidas, de onde se extrai os cheiros

e as cores. São elas: patchuli, priprioca, cumaru, pataqueira, catinga

de mulata, oriza e erva chama, essa a principal nota olfativa, por isso a

origem do nome Banho de Chamma.

Banho de cheiro – deo-colônia com base em infusão das ervas que orna-

mentam o frasco e seu chá de raízes, sementes e ervas, misturadas em

uma base fl oral, doce, amadeirada; recebeu dois prêmios.

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Água forte – deo-colônia criada a partir de fl uido do cerne avermelhado

do cedro, nota fl oral doce com toque amadeirado. Por meio de um pro-

cesso artesanal, ela é feita uma a uma. Ao fl uido do cedro é adicionada

uma base aromática diluída em álcool de cereais, sendo o produto então

envelhecido em ambiente natural.

Boto

’ Deo colônia caboclo – apresenta notas fortes e amadeiradas, que reme-

tem ao cheiro de mata virgem; utiliza bergamota, sândalo e vetiver.

’ Deo colônia cunhatã – perfume com essência de priprioca extraída de raiz

de aroma exótico e exclusivo e que atua como excelente fi xador. A priprioca

é combinada com o Chipre, além de toques amadeirados e fl orais.

Chamma

’ Chamma masculino – associado às propriedades das energias estimu-

lantes e sensitivas, que proporcionam sensação de êxtase, frescor e bem-

estar, características próprias dos toques sensuais.

’ Chamma feminino – versão feminina do Chamma Masculino usa a semente

de tento como adorno sensual e estimulante pela sua cor vermelha.

Indígena

’ Ajubá – perfume com conteúdo energizante.

’ Cendy – fórmula suave, proporcionando sensação de frescor.

’ Itoby – perfume suave e discreto.

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Infantil

’ Chammita – deo-colônia infantil com álcool em percentual menor.

Rupestre Marajoara

’ Lavanda – fragrância tradicional, relaxante.

’ Patchuli – o Patchuli não existe na Amazônia, sendo originário das Fili-

pinas e Indonésia. Utiliza-se em substituição a raiz de um vegetal, abun-

dante na Amazônia, com cheiro tão similar que chega a confundir, deno-

minada Patichuli (vetiver).

’ Água fresca – essência suave, com toque fl oral fresco.

Linha corpo

Boto

’ Loção pós-barba caboclo – apresenta notas fortes e amadeiradas, que

remetem ao cheiro de mata virgem, dando ao rosto uma sensação de

frescor, graças à bergamota, ao sândalo e ao vetiver, somados ao aroma

envolvente de madeiras quentes.

Chamma

’ Chamma masculino pós-barba – loção refrescante e suave, proporcio-

nando ao homem de face agressiva o brilho natural da pele. As proprie-

dades cicatrizantes da copaíba auxiliam na recuperação mais rápida da

pele agredida no barbear.

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Esfoliantes

’ Esfoliante de açúcar orgânico com óleo de castanha do Pará – de perfu-

me suave, promove a renovação da derme, hidratando profundamente a

pele, deixando o corpo macio após a esfoliação.

Maquiagens

Minissabonetes

’ Minissabonete cendy – de característica suave, proporciona sensação de

frescor.

’ Minissabonete de açaí – proveniente do extrato do açaí, obtido do pericar-

po, é rico em fl avonóides, com ação antioxidante e anti-radicais livres.

’ Minissabonete de andiroba – à base de andiroba, tem características

rege nerativas; é absorvido pela pele, produzindo suavidade e maciez dos

tecidos.

’ Minissabonete de cupuaçu – extraído dos caroços do fruto paraense, co-

nhecido por sua polpa macia de aroma inebriante. Os nativos costumam

usar a manteiga do cupuaçu no tratamento de queimaduras no qual são

atribuídas propriedades emolientes e hidratantes; tem as características

regenerativas do cupuaçu.

Sabonetes

’ Sabonete de açaí/castanha/mel – do açaí obtém ação anti-oxidante e

anti-radicais livres; do óleo de castanha do Pará, seu caráter emoliente;

do mel, as propriedades hidratantes, regeneradoras e revigorantes.

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’ Sabonete de castanha/cupuaçu/mel – apresenta a característica emo-

liente do óleo de castanha do Pará e da manteiga de cupuaçu, além de

ser hidratante, regenerador e revigorante.

’ Sabonete de cupuaçu/andiroba/mel – apresenta a característica

emoliente da manteiga de cupuaçu, as propriedades hidratantes, re-

generadoras e revigorantes do mel, além do poder antisséptico do

óleo de andiroba, com suas propriedades regenerativas, emolientes e

estimulantes.

’ Sabonete de andiroba

’ Sabonete de copaíba – apresenta as propriedades regenerativas do óleo

natural da Copaíba.

’ Sabonete de erva doce – indicado para pele normal e pouco oleosa,

deixando-a suave, macia e limpa.

’ Sabonete de Patichuli – amacia e dá brilho à pele, além de ter o agradá-

vel aroma da raiz de patichuli.

’ Sabonete de açaí

Sabonete de cupuaçu sabonete de castanha do Pará

Sabonete de cendy

Sabonete cíquido de açaí

Sabonete líquido de copaíba

Sabonete líquido de cupuaçu

Sabonete líquido de castanha do Pará

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Linha cabelo

Condicionadores

’ Condicionador de açaí – desembaraça os cabelos, tornando-os mais se-

dosos, macios e brilhantes; para cabelos normais.

’ Condicionador de copaíba – desembaraça de forma suave, realçando o

brilho dos fi os tornando-os macios e suaves; para cabelos oleosos.

’ Condicionador de cupuaçu – desembaraça, realçando o brilho dos fi os,

deixando-os mais sedosos e suaves e proporcionando maior maciez e

maleabilidade; para cabelos secos.

’ Condicionador de castanha do Pará – contém as características regene-

rativas da castanha do Pará; para cabelos secos.

Xampús

’ Xampú de açaí – limpa e restaura os cabelos, retirando suas impurezas

e realçando o brilho dos fi os; para cabelos normais.

’ Xampú de copaíba – limpa e restaura de forma suave, retirando as im-

purezas e realçando o brilho dos fi os; mantém a vitalidade natural sem

ressecar; para cabelos oleosos.

’ Xampú de cupuaçu – limpa, retirando impurezas e realçando o brilho

dos fi os, proporcionando maciez e maleabilidade aos cabelos; para ca-

belos secos.

’ Xampú de castanha do Pará – contém as características regenerativas da

castanha do Pará; para cabelos secos.

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Linha bem-estar

Sachês

’ Sachê de açaí – aproveita o refeito do açaí, aplicando a tecnologia de

assepsia e aromatização do caroço.

’ Sachê de Patichuli com cedro – feito artesanalmente; tem duração de

70 a 100 dias e pode ser colocado em armários, bolsas, automóveis

etc.

’ Sachê de raízes – reúne os aromas do patichuli, da priprioca e o verme-

lho energizante do cedro; tem duração de 120 a 150 dias; para bolsas,

malas, gavetas.

’ Sachê de folhas – aromático, embalado com folhas secas catadas do

solo.

’ Sachê de tururi – composto por folhas e raízes resultantes da tecnologia

“produção mais limpa” e feito em material reciclado oriundo da natureza,

o sachê de especiarias amazônicas é uma criação exclusiva da Chamma

da Amazônia.

’ Envelopes – composto aromático, em embalagem anatômica, para ser

usado na bolsa, no carro, nas gavetas.

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ANEXO 5 Exemplo da linha Eco Jóias da Empresa

ANEXO 6 Quiosque da empresa em aeroporto

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5.6 Orientação para uso do caso Chamma da Amazônia

Introdução

O caso da empresa Chamma da Amazônia mostra uma empresa ainda dando

seus primeiros passos na ação internacional. O caso apresenta algumas peculia-

ridades interessantes:

• Descreve a evolução de uma empresa localizada na região Norte do

país, que começa a expandir-se nacionalmente por meio de sistema de

franquias;

• Trata-se de um produto com fortes conotações ecológicas, ligadas ao con-

ceito de desenvolvimento sustentável. A empresa tem uma atuação in-

teressante nesse campo, o que pode ser visto como diferencial em sua

expansão;

• O apoio institucional foi importante para o desenvolvimento da empresa.

Trata-se de empresa incubada com sucesso na Universidade Federal do

Pará. Além disso, a empresa recorreu diversas vezes ao Sebrae em seu

processo de crescimento e obteve recursos da Finep.

Esse caso é um instrumento de ensino que encontra aplicação em cursos de em-

preendedorismo, gestão internacional, desenvolvimento sustentável e responsabi-

lidade social corporativa, tanto em cursos de graduação e pós-graduação, como

em programas de formação de empreendedores e treinamento de executivos.

Permite, também, que seja utilizado por instituições públicas e privadas de apoio

a empresários e empreendedores, em workshops de discussões internas sobre as

difi culdades e soluções encontradas por empresas brasileiras em seu processo de

internacionalização.

Possibilita o estudo das características gerais e particulares do processo de in-

ternacionalização de pequenas empresas brasileiras em geral e pertencentes ao

setor de perfumaria e cosméticos em particular.

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Pode ser útil, ainda, para o entendimento do apoio institucional ao processo de

internacionalização de uma empresa, em particular o papel das incubadoras e dos

órgãos de fomento. As necessidades e carências de um novo empreendimento fi -

cam bem explicitadas no caso, mostrando de que formas as instituições de apoio e

fomento podem auxiliar o desenvolvimento da empresa em seus vários estágios.

Por meio da análise e da discussão do caso é possível o exercício da prática dos ins-

trumentos de gestão e desafi os específi cos dos empreendedores, principalmente por

meio da análise interna da empresa, da análise do setor no contexto do processo de

internacionalização e das decisões da empresa em sua evolução no exterior.

Estrutura do caso

• A indústria de perfumaria, cosméticos e higiene pessoal;

• Os produtos naturais;

• A concorrência;

• Internacionalização das empresas;

• O mercado;

• A empresa;

• Antecedentes;

• Produtos;

• Ecologia e desenvolvimento sustentável;

• Franquia;

• Atuação internacional.

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Objetivos de ensino

Esse caso busca ilustrar uma situação ainda embrionária de desenvolvimento

internacional de um pequeno empreendimento. As questões estruturais e geren-

ciais que se colocam a um empreendimento em fase de expansão assumem nova

perspectiva quando estudadas sob a luz das oportunidades que se apresentam

no mercado internacional. A escassez de recursos se choca com a vastidão de

oportunidades disponíveis à empresa.

Dentre as perguntas mais relevantes, que poderiam ser formuladas aos alunos,

sugerem-se:

1. Quais os problemas enfrentados pela empresa no momento do caso?

2. Quais os diferenciais dos produtos da Chamma da Amazônia? A que seg-

mentos-alvo no mercado esses produtos têm apelo?

3. Quais as possibilidades de imitação pelos concorrentes, ou seja, em que

medida a empresa pode proteger suas vantagens competitivas? De que

forma?

4. Que estratégia de expansão deve ser seguida pela empresa?

5. Quais as oportunidades disponíveis à empresa no mercado internacional?

6. Que presença internacional a empresa deve buscar nesse momento?

7. Qual a abordagem mais adequada para atuar no mercado internacional,

exportações ou franquia, levando-se em conta os seus recursos e capaci-

dades?

8. Como a empresa pode mobilizar os recursos necessários a sua expansão?

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Problemas enfrentados pela empresa no momento do caso

A empresa enfrenta diversos problemas no momento do caso, que são típicos

de um empreendimento ainda muito jovem, encontrando-se claramente em um

ponto crítico de seu desenvolvimento:

• Falta de recursos fi nanceiros para expansão;

• Falta de recursos gerenciais;

• Problemas na sociedade;

• Imitação de seu conceito por outras empresas;

• Ausência de uma estratégia de expansão;

• Ausência de uma estratégia de internacionalização.

Análise dos problemas e alternativas disponíveis

Os três primeiros problemas indicados anteriormente são típicos de um em-

preendimento nascente em fase de expansão. A falta de recursos financei-

ros e gerenciais impede efetivamente a expansão do empreendimento. Um

problema adicional é o fato de os sócios, anteriormente casados, terem se

separado, o que pode ser fonte de atritos futuros. Observe-se que, em rela-

ção à empresa de eco jóias, André Pinheiro não é sócio de Fátima Chamma

nesse empreendimento.

O conceito dos produtos vendidos pela Chamma da Amazônia é interessante e

promissor. Tanto é, que a Natura analisou esse posicionamento e desenvolveu a

linha Ekos pautada, pelo menos em parte, no conceito desenvolvido pela Cham-

ma da Amazônia.

Uma questão paralela refere-se aos segmentos de mercado atendidos pela empre-

sa. A quem se dirigem efetivamente os produtos da Chamma da Amazônia? São

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produtos para turistas? Para pessoas “ecologicamente responsáveis”? Para consu-

midores de perfumes e cosméticos? Haverá diferenças na segmentação entre as

linhas de produtos? O mercado local, no próprio Estado do Pará, parece limitado,

não só pelo seu tamanho, mas pelo fato de haver certa rejeição a produtos locais,

percebidos como inferiores. A loja do aeroporto de Belém parece ter bastante su-

cesso, o que sugere que o segmento de turistas é atingido pelos produtos. André

Pinheiro desdenha um pouco o segmento, pois considera que não gera compras

repetidas, trata-se mais de um presente, uma curiosidade. Na expansão nacional,

nem sempre as localizações foram bem-sucedidas. Não há informações sufi cien-

tes no caso para fazer uma análise, mas é um tipo de análise que deveria ser feita.

Que lojas não deram certo? Onde se localizavam? Quais os motivos aparentes de

insucesso? Essa análise pode mostrar alguns padrões interessantes, que permi-

tam tirar conclusões quanto a localizações e segmentos mais promissores.

A empresa, claramente, tem inúmeras oportunidades disponíveis. Se ela investir

no desenvolvimento de seu sistema de franquia no Brasil, há grandes possibi-

lidades de acelerar seu crescimento. O acompanhamento e controle das lojas

franqueadas é fundamental, mas no momento isso não parece estar sendo feito

de forma adequada. Seria importante determinar o que faz com que um terço dos

franqueados seja defi citário, se é que isso é verdade.

A Chamma da Amazônia encontra-se nas fases iniciais de sua expansão nacional.

A empresa deveria concentrar sua atenção na expansão nacional antes de investir

no mercado internacional de forma consistente. A expansão nacional pode ser vis-

ta como um processo de aprendizado para a expansão internacional. No caso da

Chamma da Amazônia, isso é ainda mais verdadeiro, dado que a empresa encon-

tra-se situada em uma região mais pobre, menos desenvolvida e mais isolada do

país. O sucesso nos grandes mercados brasileiros do Sul e Sudeste pode ser um

aprendizado importante para a internacionalização. Assim, é fundamental que

a excelência na operação no mercado interno seja garantida, de modo a extrair

lições que possam auxiliar a penetração futura em novos mercados.

No momento, as exportações são efetivamente a forma mais adequada de pre-

sença internacional para a Chamma da Amazônia. As franquias no exterior são

prematuras, o que é demonstrado pela experiência em Portugal, onde existem

apenas duas lojas e as exportações para atender às duas lojas são ainda pontuais.

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Um caso interessante, que pode servir como elemento de comparação, é o de O

Boticário.36 O Boticário iniciou seu processo de internacionalização de forma si-

milar à Chamma da Amazônia, concedendo uma franquia master a portugueses,

que eram parentes de franqueados brasileiros. Inicialmente com três lojas em Por-

tugal, a franquia enfrentou inúmeros problemas devido à inexperiência da empre-

sa e dos franqueados em Portugal: problemas na seleção de produtos adequados

ao mercado português, ausência de adaptações necessárias relativas a diferenças

de idioma e preferência por produtos, sistema de venda e de comunicação. Fi-

nalmente, O Boticário optou por recomeçar o processo, assumindo a operação

em Portugal para depois fazer a transição para uma franquia master, ainda que

mantendo lojas próprias com o intuito de ter contato direto com o mercado local.

No caso da Chamma da Amazônia, seus gestores acreditam que o sistema de

franquia não seja efetivamente o mais adequado por vários motivos, e o principal

deles é o fato de que, para que a operação se viabilize no curto prazo, é necessá-

rio trabalhar com maiores volumes do que aqueles que um sistema de lojas fran-

queadas permitiria. A opção de usar distribuidores locais poderia ser considerada.

Também é possível pensar em operar no exterior licenciando a produção de um

mix específi co de produto.

Outro ponto a ser considerado é a linha de produtos a ser oferecida nos mercados

externos. Seria mais fácil e mais barato para a empresa investir em uma linha

mais enxuta, com alguns itens apenas, selecionados dentre aqueles que tivessem

maior atratividade para os mercados externos. Quais seriam esses produtos? Essa

defi nição pode ser obtida da análise dos itens mais comprados por turistas nas lo-

jas de aeroporto da Chamma da Amazônia, observando-se e registrando-se essas

vendas durante um período de tempo, em função da nacionalidade do comprador.

Além disso, consultas a clientes de exportação podem ajudar a entender melhor

a receptividade da linha de produtos.

Esse é, aliás, um ponto relevante: o acompanhamento das vendas no exterior.

É preciso que a empresa se preocupe em fazer contatos com os clientes externos,

após cada remessa, para verifi car se os produtos correspondem às expectativas,

36 Ver artigo que descreve o processo de internacionalização de O Boticário em Portugal (Freire, C. e Rocha, A. O paradoxo da distância cultural: O Boticário em Portugal. In: ROCHA, A. As novas fronteiras: a multinacionalização das empresas brasileiras. Editora Mauad: Rio de Janeiro, 2003).

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se há algum problema, de modo a poder aprender com essas primeiras experiên-

cias. Uma visita a Portugal para avaliar os problemas enfrentados pelas lojas da

franquia master seria também altamente desejável. Uma alternativa às viagens,

que implicam gastos elevados, são os contatos telefônicos e por e-mail e até mes-

mo videoconferências. Um problema é o fato de a empresária não falar idioma

estrangeiro, nem dispor de alguém na empresa que o faça. Isso não é, natural-

mente, um empecilho em Portugal.

Em linhas gerais, a empresa ressente-se de falta de planejamento e controle.

Fátima Chamma é uma pessoa intuitiva, como é comum entre empreendedores,

que tomam as decisões à medida que os problemas se apresentam. Embora isso

possa funcionar bem em uma empresa muito pequena, o processo de crescimen-

to exige o uso de métodos formais de planejamento e controle.

Outras análises passíveis de serem realizadas

Um trabalho interessante que pode ser solicitado aos alunos é o desenvolvimento

de um plano para a expansão nacional ou um plano para a expansão interna-

cional da empresa. Na verdade, os dois movimentos podem ser vistos de forma

bastante similar, dado que, como observado anteriormente, uma expansão do

Pará para o restante do Brasil é quase tão difícil e complexa quanto uma expansão

para outros países.

Outro exercício possível é analisar os modos de entrada disponíveis para a em-

presa em mercados externos, analisar seus pontos positivos e negativos para a

Chamma da Amazônia e fazer uma recomendação específi ca, ponderando os prós

e contras de cada alternativa.

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6 Caso Ivia

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Em 26 de março de 1996, a Ivia37 foi fundada na cidade de

Fortaleza, Ceará, com o propósito de explorar o mercado cearense. O Estado do

Ceará começava a surgir como um novo pólo de produção de software no país,

graças a diversas ações empresariais e de governo. A Ivia foi a primeira empresa

a lançar o serviço de Internet Banking no Nordeste do Brasil e o primeiro pro-

vedor de acesso à internet com foco no mercado corporativo de Fortaleza. Dez

anos depois, a Ivia desenvolvia ferramentas de negócios para a web, visando

otimizar processos gerenciais de empresas, com base na tecnologia de internet.

Alguns softwares desenvolvidos envolviam sites corporativos, portais corporati-

vos, intranet corporativo, extranet, e-commerce, e-procurement, internet banking

e e-government.

Esse caso descreve a trajetória da Ivia em sua primeira década de existência e o

início de seu processo de internacionalização.

6.1 A indústria brasileira de software

A indústria brasileira de software tem suas origens nos anos 1960 e 1970,

tendo seu crescimento se benefi ciado da reserva de mercado para produtos de

informática. Nos anos 1980, a indústria desenvolveu-se, notadamente em apli-

cações específi cas nas áreas de automação de serviços de telecomunicações

e automação bancária. Estima-se que, ao fi nal da década de 1980 houvesse

cerca de 500 empresas de capital nacional, predominantemente de pequeno

porte. Na década de 1990, ocorreu uma proliferação de novas empresas de

pequeno e médio porte, voltadas à produção de aplicativos de gestão, além da

expansão do software para automação bancária. Entre 1991 e 2001, o setor

de software cresceu expressivamente, chegando a um faturamento de US$ 7,7

bilhões, tornando o país o sétimo produtor mundial de software. A taxa média

de crescimento, a partir de 1995, encontrava-se em torno de 11% ao ano.38

Em 2005, estimou-se o faturamento do setor em US$ 7,41 bilhões, do qual

US$ 2,72 bilhões correspondiam a produtos de software e o restante a serviços.

37 Esse caso foi preparado por Renato Cotta de Mello, Angela da Rocha e Henrique Pacheco, do Instituto Coppead de Administração e Anne-Marie Maculan, da Coppe, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como base para discussão em sala de aula.38 NASSIF, A. O complexo eletrônico brasileiro. BNDES 50 Anos – Histórias Setoriais. BNDES: Rio de Janei-ro 2002.

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A participação no mercado de produtos representava 1,2% do mercado mundial

e 41% do latino-americano39.

Estimava-se a existência de cerca de 8.000 empresas de software no Brasil em

2005, das quais 24% realizavam o desenvolvimento e produção de aplicativos,

54% operavam com distribuição e revenda e as restantes com outros serviços.

As exportações brasileiras eram ainda bastante reduzidas, estimando-se que em

2005 houvessem atingido a modesta cifra de US$ 350 milhões, enquanto a Índia

teria exportado em torno de 4 bilhões. Na visão de especialistas, comparativa-

mente com a de países exportadores de software, como Índia e China, a indústria

brasileira de software se caracterizava por um viés anti-exportador, foco no mer-

cado interno, software customizável e empresas menores.40

Um estudo realizado pela Unicamp e pela Softex, em 2004, sobre o perfi l das

empresas exportadoras de software do país mostrou a seguinte distribuição das

exportações brasileiras de software no que se refere ao mercado de destino: Es-

tados Unidos (30%), União Européia (20%), Mercosul (18%) e outros países

da América do Sul (13%). O estudo identifi cou alta concentração das exporta-

ções em pequeno número de empresas. As empresas exportadoras de software

apresentavam alta incidência de técnicos altamente qualifi cados, com graus de

doutor e mestre, em uma proporção considerada sem “paralelo em qualquer outra

atividade privada industrial ou de serviços no Brasil, com exceção da indústria de

produtos químicos”.41 A principal fonte de fi nanciamento utilizada pelas empresas

para fi nanciar suas exportações era recursos próprios.

As empresas multinacionais exerciam o importante papel de divulgar no exterior

soluções que haviam sido desenvolvidas no Brasil, permitindo assim que o pro-

duto brasileiro obtivesse divulgação no exterior, ao menos no âmbito de suas sub-

sidiárias. As empresas exportadoras de software de capital nacional tinham como

principal modo de entrada no exterior a abertura de escritórios ou fi liais em outros

países. A indicação de clientes nacionais para clientes no exterior aparecia como

segunda principal forma de ingresso nos mercados internacionais, juntamente

39 Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes).40 Massachussets Institute of Technology. A indústria de software no Brasil – 2002. Campinas. Softex, 2002.41 STEFANUTO, G. N. et al. Perfi l das empresas brasileiras exportadoras de software. Relatório de Pesquisa. DPCT/UNICAMP; SOFTEX, 2005, p. 17.

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com participação em feiras internacionais. Em seguida vinham, nessa ordem,

convites para integrar produto ou serviço exportado para outra empresa, participa-

ção em concorrências organizadas por empresas multinacionais e consórcios de

exportação. Entre as exportadoras de software, aquelas que realizavam serviços

de desenvolvimento, integração e manutenção de software tendiam a utilizar mais

o canal das multinacionais, enquanto as que desenvolviam e comercializavam

produtos de software mencionavam mais as feiras, os convites para integrar pro-

duto ou serviço exportado por outra empresa e os consórcios de exportação. O es-

tudo identifi cou como a principal barreira percebida pelas empresas exportadoras

o desconhecimento do software brasileiro no exterior, ou seja, a necessidade de

“criação da marca internacional de país produtor de tecnologia”.42

As empresas do setor de software no Brasil costumavam reunir-se em arranjos

produtivos locais, ou clusters, parques tecnológicos, consórcios e associações.

Muitos arranjos produtivos locais ou clusters haviam surgido espontaneamente.

Um exemplo típico era o cluster do Distrito Federal, o terceiro maior do país, que

se originou nos anos 1970, tendo sua maior expansão entre 1985 e 2002. O

grande impulsionador de seu crescimento foi a proximidade dos grandes clientes,

tanto dos governos federal e do Distrito Federal, como de empresas estatais e ou-

tros órgãos públicos, demandando soluções customizadas para seus problemas

de Tecnologia de Informação, o que implicava a necessidade de as empresas dis-

porem de instalações para atendimento local. Acreditava-se ainda que programas

de demissões voluntárias do setor público, estatais, autarquias etc. houvessem

permitido o aparecimento de empreendedores qualifi cados com rede de contatos

e pequenos capitais disponíveis para a abertura de novos negócios na área de

informática. Ações governamentais específi cas foram ainda desenvolvidas para

apoiar o fortalecimento da indústria, tais como incentivos fi scais. O cluster con-

tava com 1.024 empresas, das quais 67% eram microempresas (até 20 empre-

gados), 28% eram pequenas (21 a 100 empregados), 3% eram médias (101 a

500 empregados), e 2% grandes (mais de 500 empregados).43

Os parques tecnológicos, também chamados pólos de tecnologia, eram uma for-

ma de organização mais recente, tipicamente com apoio governamental, ofere-

42 Ibidem, p.35.43 FERNANDES, A. M.; BALESTRO, M.; MOTTA, A. G. Relatório de atividades da expansão da RedeSist: o arranjo produtivo local de software do Distrito Federal. Setembro de 2004.

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cendo a possibilidade de atuação das empresas em áreas delimitadas, com vários

serviços de infra-estrutura. Por exemplo, o Congresso Nacional havia aprovado

a criação do Parque Capital Digital, por iniciativa do governo do Distrito Fede-

ral, representando um investimento estimado em cerca de US$ 2 bilhões. Já se

encontrava em andamento a criação de um parque em Belo Horizonte, graças à

ação conjunta da Universidade Federal de Minas Gerais, do governo estadual e da

prefeitura, com investimentos de R$ 60 milhões. A cidade de Recife, por sua vez,

dispunha de um parque tecnológico em pleno funcionamento, conhecido como

Porto Digital, criado em 2001 com investimentos do governo de R$ 33 milhões.

Em 2005, esse parque congregava 94 empresas, com faturamento conjunto de

R$ 500 milhões, empregando cerca de 2.500 funcionários.44

Algumas empresas organizavam-se em consórcios em áreas específi cas de desen-

volvimento de software. Por exemplo, 24 empresas do Rio de Janeiro haviam-se

consorciado, em 2005, para o desenvolvimento de soluções de TI para a indús-

tria de gás e petróleo. Outra área de cooperação, em que as empresas brasileiras

desfrutavam de competitividade internacional, era a de software de segurança,

atendendo a governos, bancos, empresas de telecomunicações etc. Outro consór-

cio de empresas estava se especializando em automação eleitoral, uma área em

que o Brasil também desfrutava de vantagens competitivas.45

Grande variedade de agências governamentais, bancos, organizações não gover-

namentais e associações de várias naturezas ofereciam apoio direto ou indireto à

indústria de software. O Anexo 1 apresenta uma síntese dos principais programas

existentes a que podiam ter acesso empresas cearenses.

A Indústria de software do Ceará

O Estado do Ceará, na região Nordeste do Brasil, tinha uma população estimada,

em 2005, em pouco mais de 8 milhões de habitantes, o que representava apro-

ximadamente 5% da população brasileira, enquanto o PIB do Estado equivalia

a aproximadamente 2% do PIB brasileiro. O Estado não tinha uma característica

44 GOMES, J. P. Os nerds pernambucanos deram certo. Exame, 39 (1), 106-107, 26.10.2005.45 Conselho Empresarial de Tecnologia da FIRJAN. Estratégias para promover o crescimento e a internaciona-lização da indústria nacional de software. Paper de Tecnologia no.5. Rio de Janeiro, FIRJAN, 2005.

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exportadora, tendo sido responsável, em 2005, por apenas 0,8% do valor total

exportado pelo país. Mesmo assim, era o terceiro maior exportador da região Nor-

deste do Brasil, com um valor total de US$ 930 milhões de exportações. Os prin-

cipais produtos exportados eram calçados (21,7%), castanha de caju (16,3%),

têxteis (14,3%) e couros e peles (12,6%).

A indústria de software do Ceará era ainda bastante jovem. O desenvolvimento

de um cluster de alta tecnologia, em um Estado do Nordeste sem tradição nessa

área, mostrava as mudanças que vinham ocorrendo na economia cearense, como

resultado do empreendedorismo local e de ações específi cas dos governos federal

e estadual em apoio à indústria de software.

Os principais apoios institucionais ao desenvolvimento da indústria de software

no Ceará resultaram da ação conjunta da Agência de Promoção de Exportações

e Investimentos (Apex) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas (Sebrae). Além das instituições de apoio ao software que operavam em

âmbito nacional, havia duas instituições importantes de atuação restrita ao Ceará:

o Insoft e o Instituto Titan. O Instituto do Software do Ceará (Insoft) era uma Oscip

(Organização Civil de Interesse Público) criada em 1995 pelo Governo do Estado

em parceria com empresas de software, universidades e outras instituições, com

o propósito de contribuir para o desenvolvimento da indústria de software do Cea-

rá. O Insoft era o gestor no Estado do Programa Softex (Associação para Promoção

da Excelência do Software Brasileiro). Oferecia cursos, treinamento, consultoria

para preparação de projetos a serem submetidos a órgãos governamentais, biblio-

tecas etc. Algumas empresas de software do Ceará haviam surgido na incubadora

de empresas do Insoft, vinculada à Universidade do Estado do Ceará (Uece).

Embora não existissem registros específi cos, dirigentes do Insoft entrevistados

acreditavam que pelo menos 12 empresas haviam sido incubadas com êxito, o

que representava uma taxa de sucesso de 40%.

Uma iniciativa conjunta de empresas de software do Ceará foi a criação do Ins-

tituto Titan, entidade sem fi ns lucrativos dedicada ao desenvolvimento do setor

de software. O Instituto realizava pesquisa e desenvolvimento tecnológico, con-

sultoria e assessoria especializadas, ensino e formação de recursos humanos,

promoção de congressos e seminários, serviços de certifi cação, metrologia e pro-

priedade intelectual, além da elaboração e realização de projetos sociais.

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A Assespro, a Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação,

Software e internet, atuava no Ceará em conjunto com o Seitac, o Sindicato das

Empresas de Informática, Telecomunicações e Automação do Ceará. As reuniões

promovidas por essas instituições criavam um ambiente favorável de intercâmbio

de idéias e experiências, além de permitirem discutir problemas e difi culdades

do setor. No entanto, as questões de internacionalização haviam permanecido

alheias a essas reuniões, possivelmente por serem muito poucas as empresas do

setor que tinham atuação internacional. Entre as empresas internacionalizadas,

a troca era praticamente nula, talvez em função de essas empresas atuarem com

produtos bastante diferenciados.

Em 2006, uma associação entre o Instituto do Software do Ceará e o Instituto Titan,

com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, deu os primeiros passos no sen-

tido de propiciar a instalação em Fortaleza de uma fi lial do Centro de Pesquisa Re-

nato Archer (CenPRA), de Campinas, uma das principais instituições de pesquisa

em Tecnologia da Informação do país. Previa-se ainda a construção de um parque

tecnológico no Ceará, o Titan Park, com investimentos de R$ 25 milhões.

Poucas eram as empresas de software cearenses com operações internacionais.

Estimava-se que não mais de doze empresas exportassem software do Ceará,

de um total de 306 empresas cearenses exportadoras de vários produtos. Curio-

samente, pelo menos cinco empresas cearenses, entre as exportadoras, haviam

realizado investimentos no exterior. Um dos maiores sucessos da incubadora da

Insoft fora a empresa Proteus, que havia transferido sua sede para São Paulo e

aberto escritórios em Nova Iorque. Outras empresas que haviam feito algum tipo

de investimento no exterior eram Fujitec, Xseed, Media Systems e a Ivia. O Anexo

2 apresenta alguns dados comparativos do processo de internacionalização da

Fujitec, Xseed e Media Systems.

6.2 A empresa

A Ivia foi fundada em 1996, por Alexandre Menezes, bacharel em ciências da com-

putação, e Edgy Paiva, bacharel em informática, ambos ex-executivos da área de

marketing da IBM no Brasil, onde atuavam como especialistas de sistemas e produ-

tos: um em banco de dados, o outro em computação de processamento. Em março

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de 2005, Márcio Braga, que também havia trabalhado com eles na IBM e dirigido

uma empresa que fi zera parceria com a Ivia em Portugal, passou a participar da

sociedade. Apesar da experiência em comum, os sócios tinham perfi s profi ssionais

distintos. Alexandre Menezes tinha um perfi l mais empresarial e comercial, enquan-

to Edgy Paiva interessava-se mais pelos aspectos técnicos e científi cos do negócio.

Quanto a Márcio Braga, esse passou a atuar nas áreas de P&D, serviços e consultoria,

sendo o coordenador das operações em Portugal. Os sócios consideravam-se amigos

de longa data, em função do período em que haviam trabalhado juntos na IBM.

A Ivia iniciou suas atividades como provedora de internet, chegando a ser o maior

provedor corporativo do Estado do Ceará. No entanto, no início da década de 2000,

percebendo que esse mercado deveria tornar-se em pouco tempo extremamente

competitivo, com redução de margens, os dois sócios iniciais venderam o provedor e

“se reinventaram”, criando uma empresa de software com base na tecnologia web.

Em 2004, a empresa tinha cerca de 35 funcionários, dos quais 29 na parte de

operações e seis na administração, faturando em torno de R$ 1,5 milhão. Em

2006, a empresa contava com 154 funcionários e seu faturamento havia se ex-

pandido para cerca de R$ 10 milhões ao ano.

6.3 Produtos

De provedora corporativa, a Ivia transformou-se em uma empresa de software.

Os sócios perceberam que, para que a Ivia fosse competitiva no mercado interno,

deveria produzir software de qualidade internacional. Com essa fi losofi a, os pro-

dutos de software eram desenvolvidos pela empresa tendo em vista sua colocação

no mercado internacional e vendidos no Brasil.

Do faturamento total da Ivia, aproximadamente 80% eram provenientes da venda

de software sob encomenda – soluções específi cas para a intranet ou internet de-

mandadas pelos clientes – e os outros 20% eram oriundos da comercialização de

software “produto” – software padronizado. O software “produto” era considerado

mais vendável no mercado internacional, em decorrência do ainda baixo reco-

nhecimento no exterior da marca Ivia. A intenção da empresa era aumentar sua

participação nas receitas da organização, por ser considerado mais rentável.

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O software sob encomenda era desenvolvido para atender a necessidades exclusi-

vas de um cliente. Para seu desenvolvimento, era necessária uma forte interação

entre o fornecedor de software e a empresa cliente:

O software sob encomenda, em termos operacionais, é mais difícil. A própria

análise e especifi cação de requisitos exigem que entendamos perfeitamente o

que o cliente necessita, que digamos para ele o que iremos fazer e que o cliente

entenda que é aquilo mesmo.

Na visão de Alexandre Menezes, o software sob encomenda, por ser praticamente

uma consultoria, exigia que a empresa como um todo fosse “comprada” pelos clien-

tes. Isso signifi cava que a organização precisava ser reconhecida como competente

pelo mercado, no sentido de prover soluções especializadas para os compradores,

diferentemente do software “produto”, que tinha escopo bem delimitado, especifi -

cando de forma prévia e clara “o que ele faz e o que ele não faz”.

Normalmente, um produto desenvolvido para um cliente específi co abria espaço,

futuramente, para que a empresa criasse um produto padronizado, para atender a

outros clientes com necessidades ou problemas semelhantes. Isso só não ocorria

quando a propriedade intelectual do software era passada para o cliente original,

impedindo a empresa de se benefi ciar mais do esforço de desenvolvimento, ou

quando o software desenvolvido atendia a necessidades tão específi cas que sua

aplicação em outros casos era nula ou muito limitada.

Os sócios viam a competição no mercado de software como bastante acirrada,

principalmente com empresas multinacionais. No entanto, consideravam que a

concorrência em seu segmento específi co era limitada, por trabalharem “com

software tipo ferramenta” e não com software de gestão. Mesmo assim, no merca-

do brasileiro, a Ivia competia com empresas multinacionais na categoria software

produto, e com empresas brasileiras na categoria software sob encomenda.

6.4 O processo de internacionalização

A internacionalização da Ivia não foi um processo planejado desde o início, mas re-

sultou de eventos e oportunidades que surgiram, como relatou Alexandre Menezes:

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Quando começamos, não estávamos querendo criar uma empresa internacional,

não. O mercado brasileiro é muito grande. Esse movimento de internacionaliza-

ção começou em 2002, depois de havermos passado por duas mudanças na

empresa.

Para Márcio Braga, a Ivia, à época, estava esgotando as possibilidades de aten-

dimento aos grandes clientes locais, no Estado do Ceará. Para crescer, era neces-

sária uma expansão geográfi ca. Cogitou-se entrar nos mercados de São Paulo e

Brasília, mas a localização privilegiada do Ceará em relação à Europa fez com que

os sócios despertassem para a oportunidade. De fato, a distância entre Fortaleza e

Lisboa era de apenas seis horas, com vôos diários diretos entre as duas cidades.

Além disso, Portugal era visto como “a grande porta de entrada da Europa”, pelo

fato de se falar o mesmo idioma que no Brasil e pela “boa receptividade que o

brasileiro tem lá”. Finalmente, o apoio da Softex teria sido um fator adicional para

motivar e viabilizar os primeiros movimentos internacionais da empresa.

Início da ação internacional

A primeira incursão da empresa no mercado internacional aconteceu, portanto,

em 2002, com uma prestação de serviços em Portugal. Os sócios foram cha-

mados por um ex-colega da IBM que trabalhava naquele país, com o propósito

de contratar a Ivia para fornecer um treinamento para um dos maiores bancos

portugueses, o Banco Espírito Santo. O contrato foi fi rmado e a Ivia transferiu para

lá um funcionário seu, que permaneceu em Portugal o tempo necessário para

prestar o serviço contratado. A partir dessa experiência bem-sucedida, a empresa

adotou uma postura mais pró-ativa, percebendo dispor de algumas tecnologias

mais avançadas do que as empresas portuguesas e até mesmo outras empresas

européias. Como observou Alexandre Menezes:

A partir de nossa primeira venda, bem pontual, nós percebemos que o mercado

de lá era tão receptivo quanto o daqui e nós tínhamos algumas vantagens, em

termos de especialização nessa área de tecnologia. Nós estamos mais próximos

do que os europeus da grande fonte de tecnologia de software que é a america-

na. Em outras tecnologias eles estavam mais adiantados, mas não na que nós

dominávamos.

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Conscientes disso, os empresários defrontaram-se com algumas questões estra-

tégicas, que diziam respeito à forma como atuariam em Portugal, envolvendo as

seguintes alternativas:

• abertura de um escritório comercial em Lisboa;

• criação de uma subsidiária da Ivia;

• nomeação de um representante de vendas;

• estabelecimento de uma parceria com uma empresa de software portu-

guesa.

A alternativa escolhida foi o estabelecimento de uma parceria para apoiar os es-

forços comerciais da Ivia na venda de software. Para tal, durante um período de

doze meses, Alexandre Menezes identifi cou empresas de software daquele país e

visitou “pelo menos uma dúzia delas”, observando ser essa “uma parte intrínseca

ao negócio da Ivia; visitar cada empresa pelo menos umas quatro vezes, trocar

e-mail, falar bastante ao telefone...”

Em um primeiro movimento, foram investigadas empresas exatamente iguais à

Ivia, no que dizia respeito às metodologias, padrões e tecnologias. Contudo, esse

caminho não se mostrou promissor, percebendo o empresário que, ao invés de

parceira potencial, a Ivia era vista como concorrente. Diante dessa difi culdade, a

busca foi desviada para empresas de software que não fi zessem o que a Ivia fazia,

mas que tivessem reconhecimento de mercado, boa carteira de clientes, desejas-

sem vender o que a Ivia desenvolvia e, complementarmente, tivessem interesse

em que a Ivia comercializasse seu software no Brasil. De uma lista de empresas

do setor foram selecionadas inicialmente 20 empresas, que foram submetidas a

maior escrutínio, chegando-se a três que pareciam ter as condições ideais para

se tornarem parceiras.

Além disso, foi feita uma pesquisa por internet para obter informações sobre o

mercado português, incluindo as práticas comerciais vigentes no país, os hábitos

e peculiaridades culturais, e questões sobre como se comportar no ambiente de

negócios. Os empresários encontraram farto material disponível. Curiosamente,

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mesmo tendo obtido previamente essas informações, a realidade os surpreendeu:

“Apesar de termos lido tudo, ainda acreditávamos que não era aquilo, mas no dia-

a-dia, na prática, constatamos que realmente era”.

Finalmente, em 2003, a Ivia assinou uma parceria com a Noesis Portugal S. A.

A Noesis era uma empresa de capital exclusivamente português, com cerca de

180 funcionários, oferecendo consultoria na área de tecnologia da informação. Os

projetos de consultoria realizados pela Noesis freqüentemente envolviam ativida-

des em outros países da Europa, em particular Espanha e Bélgica. Os principais

clientes da Noesis eram empresas de grande porte, como Portugal Telecom e So-

nae. A relação entre a Noesis e a Ivia era complementar, como observou Márcio

Braga, à época diretor da Noesis:

Nosso foco, na Noesis, era toda a parte de consultoria na área de tecnologia da

informação. Mas nós não tínhamos produtos. Então, houve um link com a oferta

da Ivia. A Ivia tinha produtos prontos e fazia projetos fechados, sob encomenda.

E a Noesis só fazia consultoria. Reunimos as ofertas: quando havia um projeto

fechado, um projeto de prateleira, com começo e fi nal, passávamos para a Ivia;

quando o cliente buscava um produto que a Ivia tinha, vendíamos o da Ivia, e se

o projeto era de consultoria, a Noesis é quem fazia.

Para atender de imediato às novas oportunidades, a Ivia enviou a Portugal uma

parte de sua estrutura comercial e técnica. O sistema de trabalho da parceria

envolvia duas etapas: a comercial e a operacional. No que dizia respeito à eta-

pa comercial, 90% das atividades eram desenvolvidas em Portugal e 10% no

Brasil, que somente elaborava as propostas e precifi cava o produto ou serviço.

Na etapa operacional, a proporção se invertia, uma vez que a Ivia operava como

se fosse uma fábrica de soluções, para o desenvolvimento do software vendido

pela Noesis.

Para entrar no mercado português, a empresa havia feito contatos com a Embai-

xada do Brasil em Lisboa. Esses contatos, segundo Márcio Braga, tinham “ca-

ráter institucional”, e embora houvesse “pouca ajuda, de fato”, foi dada alguma

orientação quanto a alguns processos que deveriam ser seguidos para a entrada

naquele mercado.

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Em 2004, foi contratada uma equipe de consultores comerciais residentes e a

Ivia iniciou o processo de transferência de conhecimento. Estava previsto no acor-

do de parceria que, em 2005, as atividades passariam a ser conduzidas somente

pelo parceiro português.

No que dizia respeito à política de preços, a Ivia seguia uma linha de conduta

balizada por dois parâmetros: o custo de produção do software no Brasil, que era

o limite mínimo, e o preço praticado pelos possíveis concorrentes no mercado

português, como limite máximo. A empresa procurava se situar de acordo com

esse intervalo, fi xando seu preço abaixo da concorrência no mercado português,

por entender que uma das vantagens do software brasileiro era ser mais barato

do que seus similares internacionais. Como resultado dessa política a empresa

obteve, em 2004, uma rentabilidade maior em Portugal do que no Brasil, muito

embora o faturamento da Ivia no Brasil representasse aproximadamente 90% de

suas receitas.

Com a vinda de Márcio Braga para a Ivia, em 2005, a empresa ampliou signifi ca-

tivamente sua rede de contatos no exterior. Márcio Braga vinha de uma experiên-

cia profi ssional signifi cativa em Portugal, onde passara sete anos trabalhando na

Noesis, fi ndos os quais decidira buscar novas oportunidades. Inicialmente, pros-

pectou os EUA, mas, em seguida, recebeu o convite da Ivia. A volta coincidiu com

o nascimento de uma fi lha, o que reforçou o desejo de se estabelecer no Brasil.

A experiência adquirida na Noesis permitiu-lhe criar uma network de negócios na

área de software na Europa, que viria a ser útil em sua nova posição, como sócio

da Ivia. Ele desenvolveu um pouco mais suas idéias a respeito da importância de

uma rede de relações:

A rede fornece as referências locais. É como uma certifi cação de profi ssionais. Por-

que, por mais que você seja bom, tem que ter algum tipo de selo. Com referências

locais. O mais difícil é quebrar a barreira da desconfi ança, conseguir chegar na pes-

soa certa. Então, isso ajuda, se você já trabalhou lá, se você conhece as pessoas.

Você tem uma chancela. Eu era da Noesis, agora vim para o Brasil, não fui para

nenhuma empresa concorrente, tenho um contrato com uma empresa parceira.

Então, o canal fi cou aberto. Foi muito bom com as empresas parceiras e com as

empresas clientes.

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Em 2006, a Ivia passou a dispor de escritório com um gerente local, para dar

apoio às atividades conduzidas em conjunto com o parceiro português.

Expansão Internacional

Os objetivos imediatos, para a expansão internacional, eram aprofundar a

presença no mercado português e atingir o mercado espanhol. A sistemática

envolvia, em um primeiro momento, analisar o potencial de mercado para

seus produtos e, em um segundo momento, identifi car empresas que pudes-

sem ser suas parceiras nos países que desejasse explorar. A orientação era

focar em dois países:

Nessa questão da internacionalização, eu acredito que devemos analisar sempre,

no máximo, dois mercados e não cinco, senão você dispersa as suas forças. Tam-

bém, analisar somente um pode não ser efi ciente porque você, por acaso, pode

estar observando aquele país em um momento de depressão econômica.

A estratégia de expansão no mercado português envolvia dois movimentos: a con-

tratação de um country manager e a expansão do número de parcerias.

Uma política adotada pela Ivia desde o início de seu processo de internaciona-

lização era o uso de parceiros no exterior. A empresa não realizava a ação de

marketing e venda diretamente sobre o cliente fi nal, mas atuava por meio de um

parceiro. Márcio Gusmão explicou a lógica subjacente a essa política:

Porque o fato de estar distante é ruim. Há problemas de faturamento, nem toda

empresa recebe bem faturar diretamente do Brasil para seu país. Nem toda em-

presa se sente confortável em trabalhar com outra empresa que está longe.

No entanto, para dar maior suporte ao parceiro, a partir de 2006 a Ivia fez algu-

mas mudanças em sua estrutura internacional, criando a fi gura de um country

manager, ou Gerente de Território, como explicou Márcio Braga:

Começamos a notar uma coisa interessante, eu visitava o parceiro por três sema-

nas, trabalhava muito, com todo o gás, e depois voltava para o Brasil. Mas aqui

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eu tenho uma equipe, o parceiro tem a vida dele, e o negócio esfriava. Você não

pode sustentar uma operação internacional funcionando assim, aos saltos. Então

pensamos: “Se tivermos um gerente de território local, vai melhorar, porque pas-

samos a não depender cem por cento do parceiro”. O gerente pode ir ao cliente

fazer uma apresentação, mas sabendo que vai ter que gerar negócio para o par-

ceiro. Eu não quero competir com o parceiro, porque senão eu mato essa relação

de confi ança. E o parceiro acha bom, porque ele ganha um comercial...

A contratação do gerente para Portugal ocorreu em março de 2006, mas suas

atividades comerciais estavam previstas para ter início em setembro, quando efe-

tivamente os negócios aconteciam. A responsabilidade desse gerente, além de ser

“um braço comercial da Ivia”, era dar suporte ao parceiro e acompanhar os pro-

dutos: “produtos de monitorização de sites, de weblização de aplicações antigas

(aplicações que recorrem a mainframe), gestão de conteúdo, produtos prontos e

toda uma área de projetos”. O gerente contratado, Márcio Saverão, era brasileiro,

paulista, mas vivia há 16 anos em Portugal e tinha larga experiência na área,

tendo sido diretor de várias empresas. Isso era visto como forma de abrir portas

para a empresa e facilitar os contatos.

A outra vertente da expansão internacional continuava a ser o desenvolvimento

de parcerias. Em Portugal, a empresa contava, em 2006, com dois parceiros: a

Noesis e a Vision Norway. As duas empresas atuavam em campos distintos, não

havendo confl ito de interesses. A meta, até o fi m de 2006, era contar com seis

parceiros em Portugal, de modo a ampliar o espectro dos negócios, evitando-se

confl ito e buscando-se complementaridade entre eles. Uma das funções do geren-

te de território era exatamente desenvolver novas parcerias. O gerente tinha como

base o escritório da Ivia em Lisboa.

Uma oportunidade surgida em Cabo Verde, na África, não havia chegado ainda

a frutifi car. A posição geográfi ca do Ceará em relação a Cabo Verde era favo-

rável, particularmente pela existência de uma linha aérea direta, o que levava

muitos caboverdianos a Fortaleza. Os contatos com Cabo Verde surgiram por

meio da embaixada brasileira, que indicou a Ivia a um candidato a estágio no

Brasil. Essa pessoa permaneceu um ano trabalhando na Ivia. Esse contato aca-

bou facilitando o acesso ao governo de Cabo Verde, para o qual a Ivia tentou

vender uma solução.

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Trabalho de prospecção similar ao realizado em Portugal estava sendo de-

senvolvido na Espanha, onde foi contratada uma empresa de consultoria,

a Conacta, para conduzir um estudo de mercado. Em setembro de 2006 já

havia sido feito um contato inicial com 50 empresas, das quais dez mani-

festaram interesse na parceria. Estava-se iniciando o processo de follow-up

desses contatos.

O interesse imediato da empresa era, então, expandir-se nos dois mercados da

Península Ibérica:

Queremos esse ano sedimentar Lisboa, sedimentar Portugal, ter mais clientes

lá. Hoje Lisboa responde por 5% a 10% de nosso faturamento. Achamos que é

pouco. Queremos que seja mais. E queremos tentar a Espanha porque, aí sim, é

um mercado muito maior. Portugal é um mercado razoavelmente pequeno, mas

foi um bom laboratório, a mesma língua, boa receptividade ...

Na Espanha, é um trabalho lento. Sabemos que é um trabalho formiguinha,

você passa por uma feira, só para dar uma olhada, vai a outra feira... Estamos

vendo que não é trivial. O profi ssional brasileiro lá fora é muito bem aceito.

Somos bem vistos, bem aceitos. Aquela história do homem dos sete ins-

trumentos... Somos bons de conversa, de liderança, tecnicamente, jogamos

em qualquer posição. Mas no caso de uma empresa, nem sempre é assim.

O Brasil é visto como um país burocrático, complicado. É mais difícil para

uma empresa brasileira entrar lá fora do que para um profi ssional brasileiro.

É difícil transferir a aceitação do profi ssional para a empresa. É um trabalho

formiguinha.

Uma difi culdade surgida na tentativa de expansão para a Espanha era decorrente

do idioma. Da mesma forma que os portugueses, os espanhóis desejavam dispor

da literatura técnica em seu idioma. A Ivia não dispunha de executivos ou fun-

cionários que tivessem o domínio do idioma espanhol, o que era percebido como

entrave à entrada naquele mercado.

As antigas colônias portuguesas na África e na Ásia também eram vistas como

mercado potencial. Os contatos iniciais em Cabo Verde haviam gerado uma visita

àquela ilha, e havia expectativas de atuação em Angola e Macau.

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Quanto aos grandes mercados da América do Norte, EUA e Canadá, os sócios

julgavam não ser ainda o momento de a empresa se mover nessa direção: “Acha-

mos que ainda não, não é o momento.” No entanto, alguma prospecção já havia

sido feita no Canadá, particularmente por meio de contatos proporcionados pela

Softex, tendo sido a Ivia procurada por um consultor brasileiro, residente no Ca-

nadá. A Ivia chegou a contratar esse consultor para realizar um levantamento de

oportunidades, “uma pesquisa de mercado, um raio-X das instituições públicas e

privadas da região”. Como resultado, os sócios chegaram a visitar algumas em-

presas em busca de parceiros, mas o pouco tempo dedicado a isso, associado ao

fato de “na época, já estarmos muito direcionados ao mercado português”, levou

a que o esforço empreendido não tivesse continuidade. No entanto, consideravam

que a entrada no Canadá deveria preceder qualquer esforço de ingresso nos EUA,

por ser o primeiro um mercado bem menor, percebido como de entrada mais fá-

cil. Um primeiro movimento nesse sentido fora uma estadia de um dos sócios no

Canadá, por um período de três meses, para se aperfeiçoar no idioma inglês, ao

mesmo tempo que observava e aprendia sobre aquele mercado.

Em 2005, a Ivia participou de duas feiras nos EUA, nos quais foram feitos contatos

iniciais, funcionando mais como “um termômetro”. Na percepção dos sócios, o

mercado dos EUA era mais difícil, com implicações jurídicas mais complexas e um

pós-venda exigente. A entrada nesse mercado deveria ser precedida de cuidadosa

preparação: “Temos que nos preparar mais, estarmos embasados para ir para lá.”

6.5 Aprendizado internacional

A experiência em Portugal mostrou aos empresários que existiam diferenças fun-

damentais entre esse mercado e o brasileiro. Isso tanto no que dizia respeito aos

aspectos comerciais (por exemplo, uma visita de venda devia ser agendada junto

aos clientes portugueses com, no mínimo, um mês de antecedência) quanto aos

aspectos de linguagem (em Portugal era usual a tradução de termos técnicos,

enquanto no Brasil os mesmos eram utilizados em inglês).

Além disso, a Ivia, por exigência da formalidade do mercado europeu, colheu os

benefícios de desenvolver sistemas mais aperfeiçoados, conforme declarou Ale-

xandre Menezes:

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Nós, hoje, temos muito mais cuidado com a questão de testes e bugs de softwa-

re. Porque é imperdoável um erro acontecer para um cliente europeu. Para um

cliente brasileiro sempre há um jeitinho, sempre há um ‘Ah, tem esse erro aí,

mas vamos ajeitar!’. E lá, por eles serem mais formais, temos uma preocupação

maior. Então eu acredito que o nosso software tenha hoje muito menos erros do

que no passado.

Os gestores da Ivia viam as difi culdades encontradas como inerentes a qualquer

expansão geográfi ca, acrescidas pelas diferenças culturais. Como sua atividade

tinha como base o talento humano, a transferência das pessoas para outros paí-

ses trazia difi culdades de adaptação que passariam despercebidas em ambientes

mais próximos.

Para preparar os funcionários para períodos de expatriação, normalmente de três

a nove meses, a empresa fazia uma espécie de treinamento informal, instruindo

o funcionário quanto a como se comportar na alfândega, como se comportar no

dia-a-dia, que roupas levar etc. Além disso, a área administrativa da empresa

tratava das questões burocráticas, referentes a visto e diárias. O funcionário ex-

patriado fi cava em um apartamento alugado pela empresa, o que era bem mais

barato do que pagar a hospedagem em hotel. Quando os funcionários fi cavam

por período superior a três meses, era comum levar a família.

Alexandre Menezes acreditava que a experiência adquirida em Portugal poderia

ser aplicada a novos desenvolvimentos internacionais:

Eu acredito que nós conseguimos conquistar a confi ança de um parceiro e montar

um bom partnership agreement. Mas faremos melhor da próxima vez, para que

não seja necessário fazer aditivos ou ajustes como já foram feitos com o parceiro

atual. Será algo mais planejado, mais programático ...

6.6 Apoio institucional

O principal apoio institucional recebido pela Ivia vinha do Sebrae, em conjunto

com a Apex. Inicialmente, a atuação da Apex era regionalizada, mas, nos últimos

anos, passara a ser nacional, o que era visto de forma negativa pelos sócios.

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O primeiro contato com o Sebrae ocorreu em 2003, quando a Ivia foi procurada

por um consultor independente, que representava a Apex e o Sebrae. Esse consul-

tor já tinha contatos entre as empresas do setor, por ser um técnico da Insoft. Para

o projeto, foi formado um grupo de 24 empresas locais, que tinham reuniões no

Sebrae local. Dessas, 16 participaram de uma missão internacional em Portugal

e na Espanha. Outra ação importante foi uma capacitação na área de qualidade,

o que levou 8 das 24 empresas a investirem tempo e recursos na obtenção de

certifi cações. A Ivia também participava do Projeto Setorial Integrado (PSIN), pro-

movido pela Apex, e que, no Ceará, era coordenado pelo Sebrae. O PSIN realizou

um encontro internacional no Ceará, trazendo empresários chilenos, argentinos e

mexicanos, mas esse evento não produziu negócios específi cos.

A Ivia era uma das empresas participantes do Insoft e do Instituto Titan. Alexan-

dre Menezes e Márcio Braga eram, respectivamente, Diretor e Diretor Adjunto de

Tecnologia da Informação do Instituto Titan. A Ivia participava ainda da Assespro

e do Seitac.

A Ivia nunca havia recorrido ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico

e Social (BNDES), ao Banco do Brasil, ou ao Banco do Nordeste para qualquer

tipo de apoio institucional, desconhecendo, inclusive, as modalidades oferecidas

pelos menos. No entanto, já havia utilizado o Eurocentro Ceará e algumas moda-

lidades de serviços de apoio do FIEX-CIN Ceará. Também nunca havia utilizado

as universidades locais (ver Anexo 1).

6.7 Perspectivas futuras

Era parte dos planos da empresa penetrar em outras regiões do Brasil. Seus diri-

gentes entendiam que, sendo o Brasil um dos maiores mercados mundiais para

software, a Ivia, que atuava em uma região brasileira não muito signifi cativa em

termos econômicos, deveria penetrar nos mercados da região Sudeste brasileira,

que concentravam a maior fatia do PIB nacional.

Os sócios consideravam a orientação internacional um elemento fundamental

para o desenvolvimento de qualquer empresa de software no Brasil, como salien-

tou Márcio Braga:

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Acho importante, não só para a Ivia, como para qualquer empresa de software,

ter esse foco de vender lá fora. Com um mercado de TI nacional consideravelmen-

te grande, as pessoas, às vezes, acabam se acostumando com estar aqui dentro

apenas. Na realidade, se o Brasil exporta gente, deveria estar exportando software

e serviços também.

Para Alexandre Menezes, os grandes limitadores à entrada de empresas cearenses no

mercado internacional eram o próprio tamanho do mercado brasileiro, que desesti-

mulava a busca de outros mercados, a “mentalidade de colonizado”, que fazia com

que houvesse certo temor ao ingresso em mercados mais avançados, e a própria falta

de tempo do empresário, mais preocupado em fechar negócios imediatos.

Na visão de Alexandre Menezes, a principal área em que o governo federal deveria

investir era na imagem do Brasil. Os estrangeiros tinham uma imagem do Brasil

como país do samba, do carnaval, do futebol, mas não tinham uma imagem do

país que fosse favorável aos negócios, em particular aos de uma indústria de alta

tecnologia, como a de software.

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ANEXO 1 Principais fontes de apoio institucional à indústria de software Cearense

INSTITUIÇÃO CARACTERÍSTICAS DO APOIO

Eurocentro Ceará

Agência de cooperação econômica que tem por objetivo promover a aproximação entre empresas cearenses e européias, prestando informações e assistência aos empresários cearenses, de forma individualizada, sobre oportunidades de atividades conjuntas com empresas européias

FIEC-CIN Ceará

Balcão do exportador – área exclusiva ao empresário que deseja internacionalizar sua empresa, fornecendo informações estratégicas e orientação para os iniciantes no comércio exterior

Cursos em Comex

Inteligência Comercial • Estudo de Importadores: fornece informações sobre empresas estrangeiras importadoras de determinados produtos/serviços;• Estudo de Alíquotas de Importação: identifi ca as alíquotas de importação de produtos brasileiros em outros países;• Estudo de Classifi cação Fiscal de Mercadorias.

Mailing/clipping Comex: fornece, gratuitamente, uma newsletter de notícias sobre negócios internacionais

Publicações sobre processos em comércio exterior

Oportunidades:• Cooperação Internacional (Câmara Brasil-Portugal, Balcão de Negócios dos Estados Unidos no Ceará, Escritório Holandês, World Trade Point Federation)• Encontros de Negócios, que consistem na organização de reuniões presenciais entre empresas cearenses com potencial de exportação e compradores internacionais• Missões Internacionais

Comissão de comércio exterior – Grupo formado por instituições públicas e privadas, para desenvolver a cultura exportadora e fomentar os negócios internacionais no Estado.

BNDES

Linhas de apoio à exportação:• Pós-Embarque: fi nancia a comercialização de bens e serviços no exterior, por meio de refi nanciamento ao exportador, ou por meio da modalidade buyer s credit.• Prosoft Empresa: fi nanciamento ou participação acionária para a realização de investimentos e planos de negócios de empresas nacionais produtoras de softwares e serviços correlatos• Prosoft-Exportação: fi nanciamento à exportação de softwares e serviços correlatos desenvolvidos no Brasil, na forma de apoio indireto, por meio de instituições fi nanceiras credenciadas• Pós-Embarque: refi nanciamento às empresas produtoras de software e serviços correlatos, com sede e administração no Brasil, mediante o desconto de títulos de crédito ou a cessão de direitos creditórios relativos à exportação (supplier’s credit) ou fi nanciamento ao importador (buyer’s credit)

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Banco do Brasil

• Programa de geração de negócios internacionais: oferece desde consultoria até diferentes alternativas de fi nanciamento, por meio dos Gerentes de Negócios Internacionais do BB• Programa de apoio às exportações: apóia e auxilia as micro e pequenas empresas a ingressarem no mercado internacional individualmente ou organizadas em consórcios e cooperativas• Consultoria em negócios internacionais: fornece informações sobre prospecções de produtos e mercados, assessoramento sobre aspectos operacionais de comércio exterior e de câmbio, estruturação de operações creditícias, controle e acompanhamento de operações de comércio internacional• Sala virtual de negócios internacionais: oferecido por meio do portal do banco, funciona como um canal de distribuição para oferta e venda de produtos, serviços e informações sobre comércio exterior• Sala de negócios com o Brasil: localizadas em agências do banco no exterior, oferecem contatos entre empresas brasileiras e estrangeiras, exposição de folders e catálogos, informações sobre potenciais compradores e fornecedores, apoio à participação em feiras e eventos, apoio para realização de reuniões de negócios• Cobrança de exportação: propicia ao exportador a cobrança, por meio de letras de câmbio, contra o importador no exterior• Cartas de garantia: são operações em que o banco se solidariza com o cliente em riscos por ele assumidos, tanto para a exportação de bens e serviços, como para a sua participação em concorrências internacionais• Proex: fi nancia as exportações de bens e serviços• Proex Equalização: para parte dos encargos fi nanceiros assumidos pelo exportador junto a instituições fi nanceiras no Brasil ou no exterior, tornando-os equivalentes àqueles praticados no mercado internacional

Banco do Nordeste• Adiantamento sobre contrato de câmbio: fornece adiantamento sobre o valor da carta de crédito.

Softex

• Contatos internacionais: oferece pesquisa de mercado, orientação jurídica e legal, apoio de comunicação e marketing integrados à cultura local, identifi cação de parceiros comerciais e de investimento, divulgação de produtos brasileiros no mercado internacional, preparação e logística para feiras internacionaisAgente Softex no Ceará: Instituto do Software do Ceará (Insoft)

Sebrae• Apoio a participações em feiras e exposições• Organização de rodadas de negócios entre empresas (encontros presenciais e virtuais)• Organização de missões empresariais

Universidades Locais

• Unifor – Universidade de Fortaleza• UECE – Universidade do Estado do Ceará• UFCE – Universidade Federal do Ceará

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ANEXO 2 Comparação entre empresas de Software Cearenses Internacionalizadas

Características Fujitec Xseed Media System

Tamanho da fi rma40 empregadosvendas: R$ 11 milhões

30 empregadosvendas: R$ 4 milhões

15 empregadosvendas: R$ 1,5 milhão

Data de criação da fi rma (após 1990)

1991 1991 1996

Início das atividades internacionais

1994 1996 2000

% do faturamento proveniente de atividades internacionais

50% 50% 1%

Abrangência da internacionalização

SuíçaAustráliaItáliaEUAEquador

EUAColômbiaCosta Rica HolandaEspanha

PortugalEUA

Experiência internacional do dirigente anterior à fundação

Os sócios eram jovens engenheiros recém-saídos da pós-graduação, sem experiência internacional.

Os sócios haviam sido executivos de multinacional; experiência internacional limitada a aspectos técnicos.

Apenas viagens técnicas e comerciais para os EUA.

Especialização ou focoOcupação de nicho estreito de mercado; linha de produtos limitada em escopo.

Ocupa nicho estreito de mercado; linha de produtos limitada em escopo.

Linha de produtos limitada em escopo, porém mais ampla do que os demais casos.

Uso de parcerias

Facilitador do ingresso em mercados externos;forma de prestar atendimento local a clientes

Facilitador do ingresso em mercados externos;forma de prestar atendimento local a clientes

Importante para a continuidade da internacionalização

Modo de entrada mais comum: via exportação

Parceria com empresa local em licitação

Subsidiária de controle integral nos EUA (incubada)

Subsidiária de controle integral nos EUA

Fonte: Extraído e adaptado de ROCHA, A.; MELLO, R. C.; DIB, L. A.; MACULAN, A. M. Processo de Internacionaliza-ção de Empresas Nascidas Globais: Estudo de Casos no Setor de Software. Anais do XXIX Enanpad, Brasília, ANPAD, 2005.

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139

6.8 Orientação para uso do caso Ivia

Introdução

O caso da empresa Ivia apresenta um processo de internacionalização que guarda

três peculiaridades que merecem destaque:

• Pertencer ao setor de serviços;

• Comercializar software, um “produto” não típico da pauta de exportações

brasileiras;

• Ter origem no Nordeste do Brasil, região que não tem um histórico consis-

tente de exportações na área de tecnologia da informação.

Esse caso é um instrumento de ensino que encontra aplicação em cursos de

empreendedorismo, empreendedorismo internacional e gestão internacional,

tanto em cursos de graduação e pós-graduação, como em programas de for-

mação de empreendedores e treinamento de executivos. Permite, também,

que seja utilizado por instituições públicas e privadas de apoio a empresários

e empreendedores, em workshops de discussões internas sobre as difi cul-

dades e soluções encontradas por empresas brasileiras em seu processo de

internacionalização.

O caso permite o estudo das características gerais e particulares do processo de

internacionalização de pequenas empresas brasileiras de serviços em geral e per-

tencentes ao setor de software em particular.

Por meio da análise e da discussão do caso é possível o exercício da prática dos

instrumentos de gestão e desafi os específi cos dos empreendedores, principal-

mente por meio da análise interna da empresa, da análise do setor no contexto

do processo de internacionalização e das decisões da empresa em sua evolução

no exterior.

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Estrutura do caso

• A indústria brasileira de software;

• A indústria de software do Ceará;

• A empresa;

• Produtos;

• O processo de internacionalização;

• Início da ação internacional;

• Expansão internacional;

• Aprendizado internacional;

• Apoio Institucional;

• Perspectivas futuras;

• Anexos.

Objetivos de ensino

Pretende-se que os alunos sejam capazes de avaliar, dadas as condições apresen-

tadas no caso, de que maneira se desenvolveu o processo de internacionalização

da Ivia, utilizando os instrumentos de análises fornecidos pela literatura sobre

empreendedorismo internacional de serviços, marketing internacional, negócios

internacionais e/ou gestão de exportação de serviços.

Dentre as perguntas mais relevantes, que poderiam ser formuladas aos alunos,

sugerem-se:

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1. Quais foram os fatores que contribuíram, de forma signifi cativa, para a

decisão de ingresso da empresa no mercado externo?

2. Quais foram os fatores que contribuíram para o sucesso da empresa em

solo português?

3. Com o crescimento desejado por seus controladores, haverá necessidade

de se alterar o processo de internacionalização da empresa?

4. Como os gestores da empresa devem proceder para garantir o crescimento

continuado da empresa no longo prazo?

5. O modo de entrada da Ivia em Portugal poderá ser replicado em outros

mercados no exterior?

6. A direção da empresa aponta a Espanha, os Estados Unidos, o Canadá e as

antigas colônias portuguesas na África e na Ásia como mercados potenciais

para seus serviços. A Ivia deveria concentrar seus esforços de venda em

um desses mercados potenciais ou tentar explorar, de forma sistemática,

todas essas oportunidades ao mesmo tempo?

7. Quais são os problemas estratégicos e as recomendações para a empresa

seguir crescendo nos próximos cinco anos?

Problemas enfrentados pela empresa no momento do caso

Esse é realmente um caso de sucesso, graças a uma feliz combinação de opor-

tunidades com ação empresarial bem direcionada e efi caz. Por esse motivo, são

limitados os problemas enfrentados pela Ivia, que não padece de alguns dos

males típicos dos novos empreendimentos. Os problemas principais vividos pela

empresa no momento do caso são:

• Localização distante dos maiores mercados brasileiros, localizados no Sul e

Sudeste, difi cultando o acesso aos mesmos;

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• Dependência de um único mercado internacional, Portugal;

• Difícil penetração do software sob encomenda nos mercados externos;

• Difi culdades para replicar seu modelo de internacionalização em outros

mercados.

Análise dos problemas e alternativas disponíveis

A Ivia tem uma série de pontos fortes que merecem ser destacados. O principal

deles é a qualidade dos sócios, que vêm de experiências profi ssionais valiosas do

ponto de vista de gestão, visto que todos foram funcionários da IBM, e Márcio Bra-

ga, além disso, viveu sete anos em Portugal como diretor da Noesis. Assim, os em-

preendedores trouxeram consigo, além das competências técnicas, competências

gerenciais importantes para administrar o novo negócio. Uma competência impor-

tante, nesse caso, é aquela que Márcio Braga traz consigo, por ter operado por um

período signifi cativo em ambiente internacional, não se restringindo só a Portugal,

uma vez que a Noesis tinha clientes em outros países da Europa. Também chama

a atenção a complementaridade dos talentos e competências dos sócios. Outro as-

pecto positivo é o fato de terem tido a oportunidade de trabalhar juntos antes de se

associarem, o que é uma garantia, ao menos parcial, de harmonia na sociedade.

Além disso, os empresários mostraram capacidade de ajuste às mudanças ocor-

ridas no mercado cearense, reagindo rapidamente e aproveitando as oportunida-

des que se apresentaram. Entre elas, a antecipação da saturação do serviço de

provedor, a percepção da oportunidade advinda da maior proximidade do Ceará

com a Europa (em contraposição à localização distante dos grandes mercados

brasileiros), e os vários movimentos feitos em Portugal. Cabe lembrar que o Ceará

é um dos estados brasileiros preferidos pelos portugueses em termos de turismo,

também sendo alvo de investimentos imobiliários portugueses. Isso facilita o con-

tato, reduz as distâncias psicológicas e torna o acesso mais fácil, uma vez que

existem vôos diretos.

Os empresários também mostram ativa inserção na comunidade empresarial lo-

cal, participando de entidades de classe e associações para o desenvolvimento

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da indústria de software cearense, o que, em última análise, projeta a empresa e

cria novas oportunidades.

Um problema enfrentado pelos gestores da Ivia parece ser a difi culdade em

vender software desenvolvido sob encomenda nos mercados externos, em con-

traposição ao que ocorre no mercado cearense. Embora essa questão esteja

sendo bem administrada até o momento, é razoável supor que no futuro haja

necessidade de uma maior complementação entre esses portfólios para que a

empresa usufrua dos benefícios das economias de escala. Contudo, o software

sob encomenda tem a vantagem de permitir um fl uxo contínuo de potenciais

novos software tipo “produto”.

Uma vez que o atual mercado explorado pela Ivia no Brasil com seu software

sob encomenda está localizado no Estado do Ceará, considerado limitado em

termos de tamanho, talvez seja interessante para a empresa prospectar novos

clientes em outras regiões do Brasil, que é o sétimo maior mercado do mun-

do para software. Dada a distância geográfi ca de Fortaleza para os maiores

mercados de software no Brasil, localizados no Sul e Sudeste, a Ivia possi-

velmente comercializará o software “produto” nesses mercados. Caso pense

em trabalhar com software sob encomenda, será necessário estabelecer um

escritório nas cidades em que trabalhar. No entanto, é possível que a empresa

deva optar pela mesma solução de parcerias utilizada em Portugal. Seria esse

um caso interessante em que a experiência adquirida na expansão interna-

cional serviria à expansão nacional, contrariamente ao previsto no modelo

de Uppsala, em que a expansão nacional tipicamente precede a entrada nos

mercados internacionais.

Caso opte por vender software “produto” no Sudeste e Sul, essa alternativa de

crescimento poderá vir a solucionar, de forma paulatina e suave, a atual dicotomia

de seu conjunto de serviços, passando o mercado do Ceará a ser considerado

como fonte de desenvolvimento de novos software “produto”.

Além disso, outro problema é a dependência atual de um único mercado no

exterior, representado por Portugal. Será necessário que a Ivia defi na, como

já parece estar fazendo, uma agenda de desenvolvimento de novos mercados

internacionais para seus produtos, estabelecendo, a priori, os critérios básicos

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que orientarão esse desenvolvimento, que envolvem desde a questão do idio-

ma e a possibilidade de formação de redes de relacionamentos até o tamanho

potencial dos novos mercados. A escolha da Espanha como segundo mercado-

alvo parece adequada, pela proximidade geográfi ca de Portugal e pela proximi-

dade cultural.

Observe-se que a forma de internacionalização escolhida, por meio de parce-

rias, foi extremamente adequada para a Ivia, pois permitiu atravessar a “bar-

reira da desconfi ança” referida no caso. Entretanto, é possível que o grande

fator de sucesso para a entrada no mercado português tenha sido a presença

de Márcio Braga em Portugal, alguém que já conhecia a Ivia, já tinha con-

fi ança em seus dirigentes, abrindo assim uma janela de oportunidade, que foi

muito bem aproveitada.

De modo geral, os sócios trabalharam bem a entrada em Portugal e o desenvolvi-

mento posterior dos serviços naquele mercado:

• Fizeram prospecção de mercado;

• Estudaram as peculiaridades locais, inclusive por meio de relatórios e estu-

dos de mercado já existentes;

• Visitaram os potenciais parceiros;

• Estabeleceram contratos de parceria;

• Apoiaram os parceiros com visitas e serviços de qualidade.

• Para acelerar a inserção no mercado, abriram escritório e contrataram

um country manager, um brasileiro residente em Portugal que podia,

portanto, servir de ponte entre os dois lados, por entender as duas

culturas.

• Encarregaram um dos sócios de coordenar a operação em Portugal, garan-

tindo a atenção necessária ao negócio no exterior.

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Além disso, nota-se a preocupação em avançar passo a passo, mercado a mercado:

primeiro, “sedimentar Portugal”; segundo, “tentar a Espanha”. Há uma clara percep-

ção de que os movimentos para novos mercados exigem “cuidadosa preparação”.

Como resultado da qualidade da gestão de que desfruta a Ivia, os resultados obti-

dos são marcantes: em dois anos, a empresa aumentou 4,5 vezes, obtendo, além

disso, uma inserção aparentemente sólida no mercado de Portugal.

Análises passíveis de serem realizadas

Tendo como referência a literatura sobre a internacionalização de empresas de

serviços, os alunos poderiam analisar o modo de entrada da Ivia no mercado de

Portugal.

Outro exercício refere-se ao processo de entrada. À luz do modelo da escola de

Upsala – que prega o gradualismo do envolvimento das empresas com os mer-

cados no exterior de acordo com a proximidade cultural dos gestores com esses

mercados – seria interessante solicitar aos alunos que comparassem a trajetória

da Ivia com o modelo de Upsala e verifi cassem a aderência do mesmo à realidade

dessa empresa.

Além disso, o conceito de born global poderia também servir como pano de

fundo para uma discussão com os alunos, uma vez que, de acordo com a lite-

ratura, a Ivia pode ser classifi cada como tal, pois entre a data de sua criação,

em 1996, e a realização de seu primeiro negócio no exterior, em 2002, passa-

ram-se apenas seis anos.

Em um curso que envolva aspectos de planejamento estratégico, esse caso po-

deria ser aplicado solicitando-se aos alunos que delineiem os passos futuros da

empresa no mercado internacional, explicitando de forma justifi cada os países a

serem penetrados, a forma de atuar nos mesmos e os controles que a empresa

deveria estabelecer para gerir a organização que estaria, então, atuando em

múltiplos mercados.

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O tema das redes de relacionamentos e sua importância para a internaciona-

lização das empresas pode ser suscitado durante a discussão do caso, levan-

do os alunos a analisar o papel que a rede da Ivia teve para a sua entrada

e consolidação no mercado português e de que maneira a empresa deveria

desenvolver novas redes, ou estender a atual, para facilitar seu ingresso em

outros mercados.

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7 Bibliografi a adicional para consulta

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149

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7 B

IBLI

OG

RA

FIA

AD

ICIO

NA

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LTA

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Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae)

Presidente do Conselho Deliberativo Nacional

Adelmir Santana

Diretor Presidente

Paulo Tarciso Okamotto

Diretor Técnico

Luiz Carlos Barboza

Diretor de Administração e Finanças

Carlos Alberto dos Santos

Gerente da Unidade de Acesso a Mercados

Raissa Rossiter

Coordenação Técnica – Unidade de Acesso a Mercados

Luis Augusto PachecoJohann Schneider

Apoio

Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex)

Diretor Geral

Ricardo Andrés Markwald

Equipe Técnica

Eduardo Augusto GuimarãesGaleno FerrazAngela da RochaRenato Cotta de MelloJoana MonteiroAlexandre DarzeCarlos Assunção

Projeto Gráfi co

Ribamar Fonseca [Supernova Design]

Montagem

Cristina Guimarães [Supernova Design]

Revisão

Valdinea Pereira da Silva

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Internacionalização das Micro e Pequenas Empresas

Casos sobre internacionalização de empresas

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