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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO – UFRJ
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS – CCJE
INSTITUTO DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃOCOPPEAD
MESTRADO
INTERNACIONALIZAÇÃO DE EMPRESAS BRASILEIRAS NOMERCOSUL : ESTUDO DE CASO
LUIZ ANTÔNIO PINTO
ORIENTADORA : PROFa. ANGELA DA ROCHA
RIO DE JANEIRO
1998
iii
Pinto, Luiz Antônio.
Internacionalização de empresas brasileiras no
Mercosul: Estudo de caso/Luiz Antônio Pinto. Rio de
Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 1998.
xiii, 118p. il.
Dissertação – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, COPPEAD, 1998.
1.Internacionalização. 2.Empresas. 3.Mercado
Comum do Sul – Mercosul. 4.Estudo de Casos. I.Título.
II.Tese (Mestr. – UFRJ/COPPEAD).
vi
RESUMO
PINTO, Luiz Antônio. Internacionalização de Empresas Brasileiras no Mercosul :
Estudo de Caso.
Orientadora : Profa. Angela da Rocha.
Rio de Janeiro : UFRJ / COPPEAD, 1998. Dissertação.
Este trabalho procura investigar o processo de internacionalização de empresas
brasileiras, especialmente no âmbito do Mercosul, enfocando os fatores de ordem
comportamental e econômica que podem influenciar a sua tomada de decisão de
internacionalização e a definição do modo de entrada em um determinado
mercado estrangeiro.
Uma análise de um caso de empresa brasileira do setor de serviços – a Amil
(Assistência Médica Internacional Ltda.) – que decidiu internacionalizar-se no
Mercosul é feita à luz de referenciais teóricos de natureza comportamental – o
Modelo do Processo de Internacionalização (também conhecido como Modelo de
Uppsala) e os modelos seqüenciais (ou relacionados à inovação) – e de natureza
microeconômica – o Paradigma Eclético e a Análise de Custos de Transação.
vii
ABSTRACT
PINTO, Luiz Antônio. Internacionalização de Empresas Brasileiras no Mercosul :
Estudo de Caso.
Orientadora : Profa. Angela da Rocha.
Rio de Janeiro : UFRJ / COPPEAD, 1998. Dissertação.
This study aims at investigating the internationalization process of Brazilian
companies, specially in Mercosul, focusing on the behavioral and economic factors
which may influence their internationalization decision making and entry mode
definition in a specific foreign market.
An analysis of a case of a Brazilian service company – Amil (Assistência Médica
Internacional Ltda.) – that decided to internationalize its operations in Mercosul is
made in the light of behavioral theoretical models – like Internationalization
Process Model (also known as Uppsala Internationalization Model) and sequencial
models (also known as inovation related models) – and microeconomic models –
like the Eclectic Paradigm and the Transaction Cost Analysis.
viii
LISTA DE QUADROS
Quadro Título Página
I.1 Fatores da Globalização ......................................................... 3
I.2 Características das Empresas Internacionais ......................... 6
I.3 Dados do Mercosul ................................................................. 12
I.4 PIB do Mercosul por Setores .................................................. 13
I.5 Empresas Brasileiras Instaladas na Argentina, e Vice-Versa,no Período de Julho de 1991 a Junho de 1997 ...................... 19
II.1 Quatro Modelos Relacionados à Inovação ............................. 27
II.2 Determinantes dos Estágios de Internacionalização, segundoCavusgil (1980) ....................................................................... 28
II.3 Tipos de comportamento pré-exportador ................................ 31
II.4 Modos de entrada classificados em ordem decrescente degrau de controle ...................................................................... 41
II.5 Fatores que influenciam a decisão da empresa entrante nomercado estrangeiro quanto à integração vertical .................. 46
II.6 Modos básicos de presença física de empresas brasileiras emmercados estrangeiros ............................................................ 52
III.1 Condições para Escolha de Estratégia de Pesquisa .............. 56
IV.1 Números do Sistema Médico Particular no Brasil ................... 67
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura Título Página
I.1 Etapas de Integração Regional ............................................... 9
I.2 Efeitos da criação de bloco regional sobre as empresas ........ 9
II.1 Modelo do Processo de Internacionalização de Uppsala
(adaptado de Johanson e Vahlne, 1990) ................................ 23
LISTA DE ANEXOS
Anexo Título PáginaI Resultados de Bilkey e Tesar (1977) 115
II Roteiro Básico de Entrevista 116
III Principais Empresas do Grupo Amil (em 1998) 118
x
SUMÁRIO
PáginaCAPÍTULO I INTRODUÇÃO .............................................................. 1
1.1. Objetivo do estudo ........................................................ 1
1.2. Importância do estudo .................................................. 1
1.3. Globalização e Internacionalização de Empresas ........ 2
1.4. Tipos de Empresa Internacional ................................... 5
1.5. Internacionalização de Empresas de Serviços ............. 7
1.6. Regionalização e Mercosul ........................................... 8
1.7 Internacionalização de empresas brasileiras noMercosul ....................................................................... 17
1.8 Organização do Estudo ................................................ 20
CAPÍTULO II REVISÃO DA LITERATURA ......................................... 22
2.1. O Modelo do Processo de internacionalização (Modelode Uppsala) ................................................................... 23
2.2. Os Modelos Relacionados à Inovação .......................... 25
2.3. A Atividade Pré-Exportação .......................................... 29
2.4. Críticas à Teoria de Estágios do Processo deInternacionalização ....................................................... 33
2.5. “Born Global Firms” ...................................................... 35
2.6. O Paradigma Eclético ................................................... 36
2.6.1. Vantagens Específicas de Propriedade ..................... 37
2.6.2. Vantagens de Internalização ...................................... 37
2.6.3. Vantagens de Localização ......................................... 38
2.7. Comparação entre o Paradigma Eclético e o Modelo doProcesso de Internacionalização .................................. 39
2.8. A Análise de Custos de Transação ............................... 40
2.8.1. Especificidade dos ativos ........................................... 42
2.8.2. Incerteza do ambiente ................................................ 42
2.8.3. Outros fatores de influência sobre o grau de controle 43
2.9. Internacionalização de Empresas de Serviços ............. 45
xi
2.10. Estudos Anteriores Sobre Internacionalização deEmpresas Brasileiras .................................................... 48
2.10.1. Leite, Rocha e Figueiredo (1988) .............................. 48
2.10.2. Grael e Rocha (1988) ................................................ 50
2.10.3. Brasil et alli (1996) ..................................................... 52
CAPÍTULO III METODOLOGIA DO ESTUDO ..................................... 55
3.1. Problema e Perguntas de Pesquisa ............................. 55
3.2. Método de Pesquisa ..................................................... 56
3.2.1. Condições para Escolha do Método .......................... 56
3.2.2. O Método do Estudo de Caso ................................... 58
3.2.2.a. Definição do Método ............................................. 58
3.2.2.b. Classificação do Método ....................................... 58
3.2.2.c. Críticas ao Método ................................................ 59
3.3. Escolha do Caso ........................................................... 60
3.4. Fontes de Informação e Coleta de Dados .................... 61
3.5. Análise dos Dados ........................................................ 62
3.6. Limitações do Estudo .................................................... 63
3.6.1. Limitações do Método ................................................ 63
3.6.2. Dificuldade de Acesso aos Dados ............................. 63
3.6.3. Percepções dos entrevistados .................................. 63
CAPÍTULO IV ESTUDO DE CASO ...................................................... 64
4.1. Descrição do caso Amil ................................................ 64
4.1.1. O sistema de saúde pública no Brasil ....................... 64
4.1.2. A criação da Amil ....................................................... 67
4.1.3. A estratégia para o crescimento ................................ 69
4.1.3.a. Novos produtos ..................................................... 69
4.1.3.b. A comunicação com os clientes ............................ 70
4.1.4. A capacitação profissional ......................................... 71
4.1.5. A diversificação dos negócios ................................... 72
4.1.6. A internacionalização da Amil ................................... 73
4.1.6.a. A ida para os Estados Unidos ............................... 74
xii
4.1.6.b. A ida para a Argentina ........................................... 75
4.1.7. A EAT na Argentina ................................................... 76
4.1.8. A Amil na Argentina ................................................... 76
4.1.9. O sistema de saúde pública argentino ...................... 77
4.1.10. O consumidor argentino ............................................ 78
4.1.11. A contratação de pessoal .......................................... 78
4.1.12. A estratégia de comunicação da Amil na Argentina .. 79
4.1.12.a. 1o canal : relacionamento com os médicos ........... 80
4.1.12.b. 2o canal : relacionamento com o sistema de saúdepública .................................................. 80
4.1.12.c. 3o canal : relacionamento com os meios decomunicação ........................................ 81
4.1.12.d. 4o canal : relacionamento com os meiosdiplomáticos ......................................... 82
4.1.12.e. 5o canal : relacionamento com os meiosempresariais ......................................... 82
4.1.12.f. 6o canal : relacionamento com os colaboradores .. 83
4.1.12.g. 7o canal : relacionamento com o meio acadêmico 83
4.1.12.h. 8o canal : os brokers .............................................. 84
4.1.13. A imagem da Amil na Argentina ................................ 84
4.1.14 A inovação em produtos e serviços ........................... 85
4.1.15. Acordos / associações com empresas locais ............ 87
4.1.16. O relacionamento entre Amil Argentina e Amil Brasil 88
4.1.17. A evolução da Amil Argentina .................................... 89
4.1.18. Barreiras, riscos e oportunidades da Amil naArgentina ................................................................... 90
4.1.19. Os planos para o futuro ............................................. 91
4.1.20 Recomendações para os entrantes no mercadoargentino .................................................................... 92
4.2 Análise do caso Amil ..................................................... 93
4.2.1. Pergunta 1 :Que fatores econômicos e comportamentaisinfluenciaram a tomada de decisão deinternacionalização da empresa ? ............................. 93
4.2.1.1. Características do tomador de decisão ................. 93
xiii
4.2.1.2. Estímulos percebidos à internacionalização daempresa ................................................................
94
4.2.1.3. Barreiras percebidas à internacionalização ........... 96
4.2.2. Pergunta 2 :Qual o modo de entrada escolhido para o mercadoestrangeiro ? .............................................................. 98
4.2.2.1. Análise de Custos de Transação ........................... 98
4.2.2.1.a. Especificidade de ativos .................................... 99
4.2.2.1.b. Incerteza ........................................................... 99
4.2.2.1.c. Inovação e diferenciação ................................... 100
4.2.2.1.d. Inseparabilidade ................................................ 100
4.2.2.1.e. Alto valor da marca ........................................... 100
4.2.2.2. Paradigma Eclético ............................................... 101
4.2.2.a. Vantagens Específicas de Propriedade ............ 101
4.2.2.b. Vantagens de Internalização ............................. 102
4.2.2.c. Vantagens de Localização ................................ 102
CAPÍTULO V CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DEPESQUISAS FUTURAS ............................................... 103
5.1. Sumário ......................................................................... 103
5.2. Conclusões ................................................................... 105
5.3. Limitações do Estudo ................................................... 106
5.4. Sugestões de Pesquisas Futuras ................................. 103
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................ 109
ANEXO I Resultados de Bilkey e Tesar (1977) ............................ 115
ANEXO II Roteiro Básico de Entrevista ......................................... 116
ANEXO III Principais Empresas do Grupo Amil (em 1998) ............ 118
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
1.1. Objetivo do estudo
Este estudo busca examinar os aspectos relacionados à tomada de decisão de
internacionalização por parte de empresas brasileiras, em especial no âmbito do
Mercosul. Dentre esses aspectos, destacam-se os fatores, de natureza
comportamental e econômica, que servem como estímulos e barreiras ao
processo de internacionalização e que influenciam a escolha do modo de entrada
em mercados estrangeiros.
1.2. Importância do estudo
Ao longo das três últimas décadas, o processo de internacionalização de
empresas tem sido objeto de pesquisa substancial na área de Marketing
Internacional, o que reflete a sua relevância como causa e conseqüência,
simultaneamente, do contexto corrente de globalização de mercados.
Este estudo - que integra a linha de pesquisa sobre Estratégia de
Internacionalização de Empresas Brasileiras, ligada ao Núcleo de Excelência de
Internacionalização de Empresas do COPPEAD/UFRJ - justifica-se pela
importância de se resgatarem as experiências de internacionalização de
empresas brasileiras, especialmente no Mercosul, e da análise dos determinantes
desse processo.
O destaque dado ao Mercosul neste trabalho deve-se à importância estratégica
desse bloco regional, principalmente em função da sua expressividade econômica
e das possibilidades que ele abre em termos de intercâmbio comercial e de
inserção competitiva das empresas brasileiras no cenário internacional.
2
1.3. Globalização e Internacionalização de Empresas
A idéia de globalização está associada a uma série de fenômenos econômicos e
sociais observados neste final de século, como a explosão das telecomunicações,
o dinamismo do mercado financeiro internacional, o crescimento das empresas
multinacionais e a consciência internacional sobre questões ligadas aos direitos
humanos e à preservação do meio-ambiente.
Embora venha sendo exaustivamente empregado nos últimos anos dentro e fora
dos meios acadêmicos, o conceito de globalização é antigo, e tem estado
presente ao longo da história em momentos como a expansão de antigos
impérios, a difusão de idéias religiosas e a exploração comercial de mares e
oceanos. Já no século passado, ao debater o aumento de poder da classe
capitalista devido à expansão dos mercados mundiais, Karl Marx antecipava o
que hoje se entende por globalização:
“... as indústrias nacionais são desalojadas por novas indústrias... que não
mais empregam matérias primas nativas, mas extraídas das zonas mais
remotas; indústrias cujos produtos são consumidos não mais no mercado
doméstico, mas em qualquer parte do globo. No lugar de antigos desejos,
satisfeitos pela produção do país, encontramos novos desejos, que
requerem para sua satisfação produtos de terras e climas distantes. Em
lugar da antiga exclusão e auto-suficiência local e nacional, temos o
intercurso em todas as direções, a interdependência universal das nações. E
assim como no plano material, acontece na produção intelectual. A criação
intelectual torna-se propriedade comum... as diferenças nacionais e
antagonismos entre os povos estão a cada dia desaparecendo mais e mais,
devido ao desenvolvimento da burguesia, à liberdade do comércio, ao
mercado mundial, à uniformidade do modo de produção e das condições de
vida correspondentes a todos eles” (Marx, 1977, p.222-236)1.
1 Essa citação aparece originalmente no Manifesto do Partido Comunista, publicado em 1848 porMarx e Engels. O ano indicado de 1977 refere-se, na realidade, a uma coletânea de textos deMarx, que se encontra especificada nas Referências Bibliográficas ao final deste trabalho.
3
O Quadro I.1, a seguir, mostra quatro fatores - Mercado, Economia, Governos e
Empresas - que, segundo Canals (1994), agiriam simultaneamente como forças
motrizes e “freios” ao processo corrente de globalização.
Quadro I.1 : Fatores da Globalização(adaptado de Canals, 1994)
Fator como Força Motriz como Freio
Mercado
• convergência dasnecessidades deconsumidores “internacionais”
• maior eficiência dos canais dedistribuição
• diferenças nacionais (culturais)• diferenças de estrutura de
mercado• diferenças dos canais de
distribuição
Economia
• economias de escala• novas tecnologias• transportes e infra-estrutura• universalização dos mercados
financeiros• interdependência entre os
países
• economias de escala pequenas• flexibilidade dos sistemas de
produção
Governos
• blocos regionais de comércio• coordenação internacional de
políticas econômicas• supressão de barreiras
tarifárias
• política cambial• protecionismo• incentivos a empresas
nacionais
Empresas• estratégias de
internacionalização• penetração em outros
mercados.
• escassez de executivos comorientação global
• processos e organização
Segundo Waters (1995), os meios pelos quais os relacionamentos globais têm
sido construídos são: o comércio internacional, a produção e os investimentos em
outros países, os mercados financeiros, a cooperação econômica internacional, a
migração da força de trabalho e a disseminação (“ecumenismo”) de práticas
organizacionais. Estes meios - articulados com o desenvolvimento de novas
tecnologias nas áreas de produção, comunicações e transportes, e com as novas
condições de mercado proporcionadas pelo maior grau de liberalização,
4
integração e competição na economia mundial - têm despertado em empresas
dos mais diversos setores e países de origem o interesse em ampliarem suas
atividades de um âmbito doméstico (em termos, por exemplo, de marketing e
operações) para um âmbito global. Para manterem-se competitivas, as empresas
precisam, mais do que nunca, estar próximas de seus clientes em qualquer parte
do mundo, reforçando o antigo princípio de "o produto certo, no momento certo,
no lugar certo" e, cada vez mais, ao preço certo.
O termo "internacionalização de empresas" tem sido genericamente usado para
evocar, de modo um tanto incompleto, esse movimento de empresas em direção
a mercados estrangeiros. Reconhecendo a importância do movimento contrário,
isto é, da ação do mercado externo sobre a empresa, manifestada, por exemplo,
nas transferências de tecnologia e na prática de “countertrade", Welch e
Luostarinen (1988, p.36) definem internacionalização como "o processo de
envolvimento crescente com as operações internacionais".
Este “envolvimento” impõe desafios às empresas em relação aos riscos
econômicos, financeiros e políticos assumidos no ingresso em mercados
geográfica, estrutural e culturalmente distintos, e também, e principalmente,
quanto à capacidade de serem competitivas num ambiente de maior rivalidade e
concorrência mais acirrada em preço e qualidade de seus bens e serviços.
Rivalidade e concorrência essas verificadas não somente no mercado externo,
mas ainda primeiramente no mercado doméstico dessas empresas,
reciprocamente acessado por empresas estrangeiras que muitas vezes
apresentam uma série de vantagens em custos, qualidade e recursos para
investir em pesquisa de mercado, produção e redes de distribuição. Assim, pode-
se afirmar que a competitividade em nível doméstico é um pressuposto básico do
processo de internacionalização de uma empresa.
A globalização de mercados apresenta, na visão de Canals (1994), um conjunto
de oportunidades e desafios às empresas. A maior convergência de gostos e
necessidades dos consumidores em diferentes países, a contínua queda de
barreiras comerciais, as maiores facilidades de comunicação e os menores custos
de transporte aumentam rapidamente as possibilidades de expansão e
diversificação de mercados para empresas de variados setores.
5
1.4. Tipos de Empresa Internacional
A abordagem econômica do processo de globalização privilegia o estudo da
existência e da forma das empresas internacionais e suas variações. Canals
(1994), valendo-se de alguns conceitos de Levitt (1983) e Porter (1986), distingue
quatro grandes tipos de empresa internacional, de acordo com suas atividades no
mercado estrangeiro. O primeiro tipo é a empresa exportadora, estágio
inicialmente experimentado pela maioria das empresas que se internacionalizam,
especialmente as de manufatura. Esta empresa caracteriza-se pela exportação
desde o seu país de origem (onde se concentram suas atividades) em direção
aos mercados estrangeiros.
O segundo tipo é a empresa multinacional, que explora internamente uma
vantagem competitiva, diversificando suas atividades em diferentes países. Este
tipo de empresa, correspondente tanto a empresas de manufatura como de
serviços, costuma buscar a adaptação local de seus produtos e a
descentralização de suas operações (compras, produção etc.), tentando, contudo,
reproduzir em cada país o mais fielmente possível a estrutura de sua matriz.
As mudanças no cenário econômico e social nas décadas de 70 e 80 - derivadas
principalmente dos avanços tecnológicos em comunicações e transportes, da
obtenção de importantes economias de escala em diversos processos produtivos
e de uma idéia até certo ponto generalizada de homogeneização das
necessidades dos consumidores em qualquer lugar do mundo - favoreceram o
surgimento de um terceiro tipo de empresa, a empresa global. Esta empresa
caracteriza-se pelo grande peso de suas operações no estrangeiro, sem no
entanto deixar de concentrar suas atividades críticas no país de origem, ou em
poucos países. A empresa global busca a padronização máxima de seus
produtos, fabricando-os e vendendo-os da mesma forma em todos lugares.
A partir da formação dos blocos regionais nos anos 80, as empresas se
depararam com um novo desafio: concentrar suas atividades críticas e, ao mesmo
tempo, ter a capacidade de adaptar-se a cada mercado local, mantendo a
eficiência econômica. Este novo tipo de empresa foi denominado por Bartlett e
Ghoshal (1989) empresa transnacional.
6
O Quadro I.2 resume as características desses quatro tipos de empresa
internacional, com relação a três dimensões básicas: a concentração de
atividades, o grau de adaptação às necessidades locais e a difusão da
aprendizagem de experiências e inovações (ou seja, do conhecimento adquirido)
pelas unidades em diferentes países.
Quadro I.2 : Características das empresas internacionais (adaptado de Canals, 1994, p.110)
Dimensão
Empresa
Concentração deatividades
Adaptação local Transmissão deconhecimento
Exportadora• Atividades críticas
centralizadas• Distribuição
descentralizada
• Reprodução dascompetências damatriz
• Desenvolvimentode conhecimentona matriz etransferência aosoutros países
Multinacional
• Descentralização• Unidades
nacionaisindependentes
• Grandesensibilidade aoportunidadeslocais
• Desenvolvimentoe exploração localde conhecimento
Global• Centralização• Busca de escala
global
• Implantação deestratégiascorporativas damatriz
• Desenvolvimentoe exploração deconhecimento apartir da matriz
Transnacional
• Dispersão• Interdependência• Especialização de
tarefas
• Contribuiçõesdiferenciais dasunidadesnacionais para asoperações globais
• Desenvolvimentode conhecimentoem conjunto pelasunidadesnacionais eexploração global
Gilpin (1987) considera ultrapassado o conceito das antigas multinacionais, para
as quais “... o investimento direto no estrangeiro significava a propriedade e
controle de subsidiárias próprias” (p.256), e preconiza novos tipos de arranjos
organizacionais, como o licenciamento de tecnologia entre empresas de
diferentes nacionalidades, as joint ventures e a produção de componentes no
estrangeiro para posterior montagem local, entre outros. O autor ressalta ainda
7
que as grandes corporações internacionais vêm encarando os países em
desenvolvimento não mais como simples exportadores de matérias-primas, mas
como “mercados locais em expansão e parceiros industriais, ou mesmo rivais em
potencial” (p.256).
1.5. Internacionalização de Empresas de Serviços
Um dos aspectos mais marcantes do fenômeno da globalização é a quantidade
cada vez maior de empresas de serviços que têm se internacionalizado, ou seja,
que têm procurado oferecer seus serviços em países estrangeiros, seja de modo
independente ou em associação com empresas locais. O destaque que o setor de
serviços vem ganhando no comércio internacional nos últimos anos tem levado
um número cada vez maior de pesquisadores a investigar a internacionalização
de empresas de serviços e como este processo se distingue daquele que ocorre
com o setor de manufatura.
Os serviços eram considerados, até há relativamente pouco tempo, atividades
com poucas possibilidades de exportação ou negociação à distância, em função
da idéia de que precisavam, em geral, ser produzidos e consumidos
simultaneamente, isto é, que exigiam alto grau de interação entre prestador e
cliente. O rápido avanço da tecnologia de informação, atuando em conjunto com a
redução dos custos de comunicação e transportes, tem, contudo, modificado essa
idéia e impulsionado a chamada “revolução dos serviços”. Braga (1996) destaca
as duas idéias-chave desta “revolução”: a rápida expansão dos serviços
intensivos em conhecimento (“knowledge-based services”) - como seguros,
educação e assistência médica - e a crescente possibilidade de prestação de
serviços a distância, graças ao desenvolvimento, por exemplo, de redes
eletrônicas de comunicação a distância de baixo custo, como a Internet.
Segundo Braga (1996), o investimento direto no estrangeiro tem sido o modo
preferido de presença internacional de várias empresas de serviços, muitas vezes
em função das estratégias de seus clientes. A presença de prestadores de
serviços eficientes no estrangeiro é um pressuposto da estratégia de grandes
exportadores, que dependem cada vez mais da redução dos ciclos de produção,
8
de pronta entrega e de serviços de pós-venda, o que tem tornado o investimento
direto de empresas de serviços ligadas a infra-estrutura (como comunicações e
transportes) cada vez mais atraente. Finalmente, o autor afirma que
“o número crescente e a diversidade de serviços intensivos em informação, a
viabilidade técnica de novos serviços a longa distância e o dinamismo dos
investimentos diretos no exterior e da demanda global por softwares sugerem
que o mercado para serviços de longa distância continuará a crescer” (p.36).
1.6. Regionalização e Mercosul
Os anos 90 têm sido marcados pela formação ou consolidação de blocos
regionais (como a União Européia, o Nafta e o Mercosul, entre outros), cujos
objetivos principais são explorar a complementaridade das economias dos seus
países-membros e substituir suas negociações diretas com terceiros países por
negociações entre blocos, procurando assim fortalecer a posição e aumentar a
competitividade e a participação de todos esses países-membros no comércio
internacional. As etapas genéricas de desenvolvimento da integração regional
estão indicadas na Figura I.1
Canals (1994) aborda os efeitos que a formação de um bloco regional pode ter
sobre as empresas de seus países-membros. Com a eliminação das barreiras
comerciais, há uma redução de custos e de preços, que favorece o aumento da
demanda, que por sua vez leva ao aumento da produção e conseqüentemente à
obtenção de economias de escala, as quais reforçam esse mecanismo,
esquematicamente representado na Figura I.2. Outro importante efeito derivado
da formação do bloco regional é a necessidade de reestruturação das empresas,
como resposta ao aumento do mercado e da própria concorrência.
9
Figura I.1 : Etapas de Integração Regional
Progressão
Supressão
de barreiras
tarifárias e
Controle de
fronteiras
Tarifa
externa
comum para
terceiros
países
Livre
circulação de
fatores de
produção
Harmonização
de políticas
econômicas
Unificação
política e
institucional
Zona de Livre
Comércio x
União
Aduaneira x x
Mercado
Comum x x x
União
Econômica x x x x
União
Política x x x x x
Fonte : Simonsen Associados (1998, p.14)
Figura I.2: Efeitos da criação de bloco regional sobre as empresas(adaptado de Canals, 1994)
Eliminaçãode
barreiras
Reduçãode
custos
Reduçãode
preços
Aumentoda
demanda
Economiasde
escala
Aumentoda
produção
10
O impulso de integração dos países do Cone Sul do continente americano
acompanha uma tendência mundial de abertura econômica, ao eliminar barreiras
nacionais e protecionistas e buscar ajustes estruturais que permitam o ingresso
harmonioso dos países da região na comunidade internacional. Nas últimas
décadas, uma série de acordos - como a Associação Latino-Americana de Livre
Comércio (ALALC), criada em 1960, e a Associação Latino-Americana de
Integração (ALADI), criada em 1980 - tentaram promover uma maior integração
política e econômica e um maior incentivo ao comércio intra-regional na América
Latina. Contudo, fatores diversos, como a dificuldade em cumprirem-se os prazos
estabelecidos, a insistência na manutenção de barreiras protecionistas e o
isolamento político, econômico e cultural mútuo fomentado pelos regimes
autoritários vigentes por vários anos em quase toda a região, levaram a maior
parte dessas iniciativas a um relativo insucesso.
Os primeiros passos para uma integração mais efetiva dos países do Cone Sul,
concomitantes com o processo de redemocratização da região, foram
formalizados com a assinatura, em julho de 1986, em Buenos Aires, do Programa
de Integração e Cooperação Econômica (PICE) entre Argentina e Brasil, num total
de vinte e quatro protocolos e uma série de anexos que abrangiam matérias como
bens de capital, comércio, cooperação industrial, cultural e tecnológica,
comunicações, transportes, administração pública, planejamento econômico e
social etc. Algum tempo depois, em novembro de 1988, foi assinado pelos dois
países o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento, que previa a
criação de um mercado comum, com a remoção de todos os obstáculos tarifários
e não-tarifários ao comércio de bens e serviços, em um prazo máximo de dez
anos. Este prazo viria a ser encurtado quando, em 1991, decidiu-se antecipar
para 31 de dezembro de 1994 o estabelecimento do mercado comum bilateral.
O impacto do processo de integração bilateral entre as duas maiores economias
do continente sul-americano foi tão grande que despertou o interesse de Paraguai
e Uruguai, receosos de um isolamento geográfico, econômico e comercial, em
unirem-se a esse novo contexto de regionalização. Assim, em 26 de março de
1991, foi assinado o Tratado de Assunção, pelo qual Argentina, Brasil, Paraguai e
Uruguai criavam oficialmente o Mercado Comum do Sul - o Mercosul. Em 1996,
11
Bolívia e Chile viriam a se unir ao bloco, na condição de sócios.
Na forma de mercado comum, o Mercosul prevê a eliminação de barreiras
alfandegárias (tarifárias e não-tarifárias) entre seus países-membros, a adoção de
tarifas externas comuns em relação a terceiros países e blocos e a livre circulação
de fatores de produção (trabalho e capital). Na realidade, contudo, as diferenças
nas estruturas produtivas e nas práticas comerciais dos quatro países-membros
levaram à necessidade de estabelecimento de uma lista de exceções ao livre
comércio e de um período de transição mais dilatado para a adoção da tarifa
externa comum para alguns setores2. Outro obstáculo a ser vencido é a
burocracia que dificulta a movimentação de pessoas entre os países, em razão,
por exemplo, da exigência de vistos de trabalho praticamente nos mesmos
moldes do que ocorria antes da criação do Mercosul. Finalmente, permanece
ainda a necessidade de aperfeiçoamento e harmonização das legislações
nacionais (por exemplo, trabalhistas, fiscais e de marcas e patentes) e das regras
para investimento estrangeiro nos países-membros, para que o Mercosul possa
funcionar efetivamente como um mercado comum3.
Entre os principais resultados do Mercosul – como o aproveitamento mais eficaz
dos recursos produtivos, a aceleração do desenvolvimento tecnológico e uma
maior coordenação das políticas macroeconômicas dos seus países-membros –
destaca-se a consolidação de um grande mercado, cujos números podem ser
vistos nos Quadros I.3 e I.4. De fato, o comércio intra-Mercosul cresceu cerca de
400% entre 1990 e 1997, passando de US$ 4,1 bilhões para US$ 20,2 bilhões; no
que se refere apenas ao comércio entre Brasil e Argentina, o crescimento foi
ainda mais expressivo, com um salto de US$ 2,1 bilhões para cerca de US$ 15
bilhões no mesmo período4.
2 Atualmente, a zona de livre comércio entre os quatro países atinge cerca de 85% dos produtos, ecada país tem sua lista de exceções. O setor automobilístico deverá ter um regime aduaneirocomum no ano 2000, enquanto os bens de capital terão uma tarifa comum de 14% no ano 2001 eos bens de informática de 16% no ano 2006.3 Ver matéria sobre esse assunto na Revista Veja, de 25/02/98, p.64-67.4 Gazeta Mercantil Latino-Americana, ano 3, n.104, 13 a 19/04/98, p.9-10
12
Quadro I.3 : Dados do Mercosul
País Argentina Brasil Paraguai Uruguai Mercosul
Superfície (km2) 2.780.092 8.511.965 406.752 177.508 11.876.317
População em 1996(milhões de habs.)
35,2 161,4 5,0 3,2 204,8
Índices macroeconômicos (1996)
PIB (US$ bilhões) 294,7 748,9 9,7 18,2 1.071,5
Renda per capita(US$/hab) 8.372 4.640 1.940 5.688 5.232
Exportações de bens eserviços(US$ bilhões)
27,1 49,4 2,0 3,3 -
Importações de bens eserviços(US$ bilhões)
28,0 59,2 2,5 3,6 -
Estrutura da Economia (1996)Setor Primário (%) 6,0 14,0 23,7 8,9 -
Setor Secundário (%) 30,7 35,9 22,1 26,4 -
Setor Terciário (%) 63,3 50,0 54,2 64,7 -
Qualidade de Vida (1996)População urbana (%) 88,4 78,9 53,1 90,5 -
Analfabetismo (%>15 anos) 4 17 8 3 -
Expectativa de vida (anos) 73 67 71 74 -
Setor de SaúdeGastos com saúde (1995)
(% do PIB) 10,6 7,4 4,3 8,5 -
Hab./ médico (1994) 370 714 1.231 313 -
Hab./ leito hospitalar (1994) 217 333 762 222 -
Fonte : World Development Indicators CD-ROM, World Bank, 1998
13
Quadro I.4 : PIB do Mercosul por setores
Setor % PIB
Indústria manufatureira 22
Serviços pessoais e sociais 18
Estabelecimentos financeiros e seguros 14
Agricultura, caça, silvicultura e pesca 11
Comércio (atacado e varejo) 10
Construção 10
Transporte e comunicações 7
Eletricidade, gás e água 5
Exploração mineral 3
Total 100
Fonte : Gazeta Mercantil Latino-Americana, ano 2, n.74, 08 a 14/09/97, p.14
A seguir, são descritas as principais características e perspectivas dos países-
membros do Mercosul.
ArgentinaNos anos 90, a Argentina vem conseguindo reverter um longo processo de
declínio econômico que a rebaixou, entre as décadas de 30 e 80, da sétima para
a septuagésima posição no mundo em termos de PIB, e que fez a renda per
capita do país cair pela metade e sua produção industrial regredir ao nível dos
anos 405.
5 Euromoney Supplement, p.1, February 1992.
14
Em 1989, a Argentina se encontrava na iminência de um colapso fiscal e de uma
hiperinflação; o funcionalismo público estava tremendamente inchado, herança de
décadas de governos populistas; as empresas estatais se mostravam deficitárias
e a previdência social insolvente. Para combater esta situação crítica, o então
recém-empossado governo Menem implantou um programa abrangente de
reformas estruturais, cujo pilar principal foi o Plano de Conversibilidade, que
controlava com rigor a emissão de moeda e fixava a taxa de câmbio na base de
um peso para um dólar norte-americano. Os resultados desse programa não
tardaram a aparecer, com a estabilização monetária, a retomada do crescimento
econômico e a reabertura do país (após décadas de isolamento político e
protecionismo) ao comércio e aos investimentos internacionais, através da
desregulamentação de diferentes setores e da privatização de várias empresas
estatais.
Apesar dos importantes desafios ainda por enfrentar, como diminuir a alta taxa de
desemprego, combater o déficit público e completar a reforma dos sistemas fiscal
e previdenciário, a Argentina apresenta uma série de vantagens comparativas a
explorar num cenário de integração econômica e comercial com seus vizinhos.
Por exemplo, o país é praticamente auto-suficiente em alimentos e energia, suas
terras estão entre as mais produtivas do mundo e sua mão de obra é uma das
mais qualificadas dentre todos os países da América Latina.
Brasil
A implantação da indústria brasileira, entre as décadas de 1930 e 1970, deu-se
através do “modelo de substituição de importações”, caracterizado por um
ambiente de proteção ao mercado interno, e pela utilização de barreiras tarifárias
e não-tarifárias que, ao onerar as importações, serviam de estímulo à produção
local.
Nos anos 70, a economia brasileira cresceu a taxas que chegaram a 10% ao
ano6, impulsionada por vultosos empréstimos internacionais. O aumento do preço
internacional do petróleo, a elevação das taxas de juros internacionais e a
6 Período que ficou conhecido como o “milagre brasileiro”
15
dificuldade de obterem-se novos empréstimos decretaram, contudo, o fim desse
período de crescimento, e levaram o país a um profundo isolamento em relação
ao cenário comercial internacional. Na tentativa de reverter essa situação, o
governo brasileiro criou na década de 80 programas de incentivo às exportações7,
que, no entanto, não alcançaram maior sucesso devido à manutenção das
barreiras às importações e às altas taxas de inflação, as quais desestimulavam os
investimentos em qualidade e produtividade da indústria.
A partir de 1990, com a redução das alíquotas de importação, a indústria
brasileira vem sendo obrigada a buscar competitividade para poder enfrentar de
fato a concorrência internacional. Outros fatores que ainda nesta década
mudaram a face da economia brasileira foram a retomada dos investimentos
internacionais, em boa parte sob a forma de investimento direto de empresas
multinacionais, e a estabilidade monetária mantida desde a implantação do Plano
Real, em 1994.
O Brasil, há pouco tempo uma das mais fechadas economias do mundo, tem hoje
pela frente as oportunidades oferecidas pela globalização de mercados para
retomar o seu crescimento econômico. Para tanto, é necessário que o país
desenvolva políticas macroeconômicas que criem condições favoráveis aos
investimentos estrangeiros e facilitem o acesso da produção nacional ao mercado
externo, especialmente nos setores em que existam vantagens comparativas para
as empresas brasileiras.
Paraguai
O Paraguai tem a menor e mais aberta economia dentre todos os países-
membros do Mercosul. Um modelo econômico que durante décadas promoveu a
triangulação de mercadorias provenientes de grandes centros industriais
contribuiu para o desenvolvimento de um forte setor comercial de varejo e
atacado, e também de turismo, especialmente na fronteira com a Argentina e o
Brasil. As exportações paraguaias concentram-se em poucos produtos oriundos
do setor primário, como a soja e o algodão, e carnes e couros, tendo como
7 Programas conhecidos pelo slogan “exportar é o que importa”.
16
principal destino os próprios vizinhos do Mercosul, com destaque para o Brasil
(cerca de 50 % das exportações registradas). As importações, do mesmo modo,
têm sua origem concentrada nos países do Mercosul, sendo o Brasil o maior
fornecedor de produtos para o Paraguai.
Dentre os obstáculos históricos ao crescimento da economia paraguaia,
destacam-se a falta de proteção da indústria nacional frente aos produtos
importados; a obsolescência do parque industrial (ineficiente e freqüentemente
danoso ao meio-ambiente); o pequeno tamanho do mercado consumidor interno;
e os altos custos de transporte derivados da posição geográfica do país, sem
acesso a portos marítimos. Outros graves problemas do Paraguai têm sido a
precariedade de sua infra-estrutura e a falta de reciprocidade dos países vizinhos
com relação à abertura do mercado local.
Apesar desses problemas, o Paraguai tem apresentado, especialmente a partir do
estabelecimento do Mercosul, importantes vantagens e oportunidades de
negócios aos investidores nacionais e estrangeiros. Graças às usinas hidrelétricas
de Itaipú e Yacyretá, o país dispõe de energia abundante e barata, fator
fundamental para o desenvolvimento de indústrias e atividades eletrointensivas.
Uma série de vantagens tributárias têm sido oferecidas visando a importação de
bens de capital e a instalação de empresas voltadas para a produção de bens e
serviços. Por fim, a posição geográfica, tradicionalmente encarada como um
problema, permite a conexão entre Assunção e os principais centros do Mercosul
– Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo, Rio de Janeiro e, em um futuro próximo,
Santiago – em tempos de vôo praticamente iguais.
Uruguai
Na primeira metade do século XX, o Uruguai viveu um período de grande
estabilidade, com uma economia fortemente baseada na exportação de produtos
agropecuários. Contudo, o fracasso do modelo de substituição de importações
implantado na década de cinqüenta e a dificuldade em aumentar a produção
agropecuária - em razão da pequena extensão territorial e da falta de
investimentos em tecnologia - acabaram por levar o país à estagnação econômica
nos anos oitenta.
17
Nos últimos anos, contudo, o Uruguai tem-se empenhado em tornar-se uma porta
privilegiada de acesso ao Mercosul para os investidores estrangeiros, somando
novas vantagens competitivas às tradicionais estabilidade e segurança do país.
Neste sentido, o Uruguai vem tentando dinamizar cada vez mais sua economia,
através de investimentos em infra-estrutura - como o melhoramento e a ampliação
da rede viária, com destaque para a construção da Ponte Colônia-Buenos Aires -
e do desenvolvimento do mercado de capitais, num ambiente de estabilidade
jurídica e fiscal, com condições de igualdade e isenção tributária a
empreendedores nacionais e estrangeiros.
Por fim, a indústria uruguaia tem investido nos últimos anos na importação de
bens de capital, dentro de um processo de reconversão produtiva, especialmente
nos setores de alimentos, vestuário, calçados, tabaco, papéis, couros e peles.
1.7. Internacionalização de empresas brasileiras no Mercosul
O sucesso do Mercosul tem estimulado as atividades e os investimentos de
empresas “transnacionais” na região, o que tem acelerado ainda mais o processo
de integração e a chegada de novos investidores internacionais, inclusive em
razão de um efeito multiplicador de mobilização de fornecedores que trabalham
como global suppliers dessas empresas.
Segundo dados da ADEBIM (Associação de Empresas Brasileiras para a
Integração do Mercosul), só no período de julho de 1991 a junho de 1997,
trezentas e cinqüenta e nove empresas brasileiras estabeleceram negócios na
Argentina (de diversos modos, como investimento direto, joint ventures, franquias
etc.), enquanto duzentas e oitenta e três empresas argentinas fizeram o caminho
inverso 8.
8 Revista da Indústria, 17 de novembro de 1997, p.11
18
O Quadro I.5 mostra um panorama dos investimentos de empresas brasileiras e
argentinas respectivamente na Argentina e no Brasil9.
De um modo geral, as empresas que têm firmado presença no país vizinho - em
especial Brasil e Argentina, donos de parques produtivos e mercados
consumidores mais expressivos do que Paraguai e Uruguai - têm buscado
vantagens comparativas inerentes à complementaridade de seus recursos (como
capital, mão-de-obra e sistemas logísticos), a otimização de seus processos e a
redução de seus custos, através de uma composição mais favorável de tributos.
Todavia, uma das razões mais fortes para o estabelecimento de empresas
brasileiras nos países do Mercosul (assim como das empresas desses países no
Brasil) tem sido o lançamento das bases para a internacionalização num âmbito
global. Nesta era de globalização, em que os limites de mercado tendem a ser
cada vez menos significativos, o Mercosul representa, sem dúvida, uma excelente
oportunidade para o fortalecimento da posição de seus países-membros na
economia mundial, fato reforçado pelo estreitamento de laços com outros blocos
(como a União Européia e o Pacto Andino) e pela perspectiva da formação, até o
ano 2005, da Área de Livre Comércio das Américas - a ALCA.
9 Pelo seu pioneirismo e pela força de suas marcas, volume de investimentos e posição nomercado vizinho, poder-se-iam citar como exemplos de empresas brasileiras com operações naArgentina, e que têm sido objeto de diversas publicações e matérias na imprensa, a Arisco, aSadia, a Ceval, a Garoto e a Brahma (alimentos e bebidas), a Amil (assistência médica), o bancoItaú, o Playcenter (entretenimento), a Tigre (materiais de construção), a Odebrecht (construçãocivil), a Hering (têxtil), a GM e a Fiat (montadoras de automóveis), a Cofap e a Freios Varga(autopeças) etc.
19
Quadro I.5 : Empresas brasileiras instaladas na Argentina, e vice-versa, noperíodo de julho de 1991 a junho de 1997
SetorEmpresasbrasileiras
na Argentina
Empresasargentinasno Brasil
Alimentos e bebidas 36 24
Automóveis 12 5
Autopeças 43 8
Bancos e inst. financeiras 23 18
Calçados 2 2
Comércio varejista 1 1
Construção civil 13 8
Consultoria 10 5
Courier - 1
Diversões 1 -
Eletrodomésticos 4 2
Eletrônicos 5 -
Energia e combustíveis 7 6
Fertilizantes 1 -
Franchising 77 123
Imprensa e telecomunicações 14 13
Informática 14 8
Máquinas agrícolas 6 4
Máquinas e equipamentos 10 7
Material de construção 5 2
Material elétrico 5 -
20
Metalurgia 3 4
Móveis 2 1
Papel / Embalagens 2 -
Petroquímica 8 4
Plásticos 5 2
Publicidade 11 1
Química 14 6
Seguros 7 2
Têxtil 11 3
Transportes 5 -
Vidros 1 -
Outros 1 23
Total 359 283
Adaptado de ADEBIM - Revista da Indústria, 17/11/97, p.11
1.8. Organização do Estudo
Este estudo está dividido em cinco capítulos. Neste primeiro capítulo,
apresentam-se os objetivos e justificativas para a realização do trabalho, e
procura-se situar o processo de internacionalização de empresas brasileiras
dentro do contexto corrente de globalização.
No segundo capítulo, realiza-se uma revisão da literatura sobre a
internacionalização de empresas, e apresentam-se as principais abordagens e
contribuições teóricas a esse tema. Já o terceiro capítulo apresenta e justifica a
escolha da metodologia utilizada no trabalho, o Estudo de Caso, apontando suas
principais limitações.
21
O quarto capítulo apresenta a descrição do caso selecionado para pesquisa – o
da Amil Assistência Médica Internacional Ltda., uma das maiores empresas
privadas de planos de saúde no Brasil – e realiza a sua análise dentro dos
critérios definidos no capítulo anterior. Finalmente, o quinto capítulo relaciona as
principais conclusões a que o estudo chega, assim como reconhece suas
limitações e apresenta sugestões de campos de pesquisa futura.
22
CAPÍTULO II
REVISÃO DA LITERATURA
O estudo do processo de internacionalização de empresas tem recebido, ao longo
do tempo, duas grandes abordagens gerais: uma com ênfase em aspectos
psicológicos (ou comportamentais) e outra que privilegia aspectos econômicos.
A primeira abordagem, de ordem comportamental, procura determinar como as
percepções do tomador de decisão a respeito de uma série de fatores - como
risco, incerteza, distância cultural etc. - influenciam a direção e o ritmo do
envolvimento da empresa com os mercados estrangeiros. A esta abordagem -
rica em contribuições teóricas e estudos empíricos, mas questionada nos últimos
anos em razão de uma série de transformações no ambiente internacional de
negócios - correspondem o Modelo do Processo de Internacionalização, também
conhecido como Modelo de Uppsala, e os modelos seqüenciais de estágios de
internacionalização, chamados por Andersen (1993) de “modelos relacionados à
inovação”, por considerarem que o processo ocorre de forma semelhante à
adoção de uma inovação pela empresa. Um claro desafio a esses modelos vem
sendo apresentado pela emergência das Born Global Firms (“empresas nascidas
globais”), verdadeiros emblemas do desenvolvimento tecnológico e das
tendências de globalização dos últimos anos.
A segunda abordagem à internacionalização de empresas estuda, sob uma ótica
microeconômica, a combinação de fatores de produção e de custos de transação
no mercado internacional, levando em consideração variáveis como a relação
risco-retorno dos diferentes modos de entrada naquele mercado, o grau de
controle sobre os canais etc. A esta segunda abordagem correspondem o
Paradigma Eclético - que procura explicar “a extensão, forma e padrão da
produção internacional” (Dunning, 1988, p.2), em função de diferentes tipos de
vantagens competitivas percebidas pela empresa - e a Análise de Custos de
Transação, que estuda a relação risco-retorno e o controle sobre as atividades da
empresa ensejados pelo grau de integração dos canais no mercado estrangeiro.
23
2.1. O Modelo do Processo de Internacionalização (Modelo de Uppsala)
Este referencial teórico, que se baseia na Teoria Comportamental da Empresa
(Cyert e March, 1963; Aharoni, 1966) e na Teoria do Crescimento da Empresa
(Penrose, 1959), firmou-se a partir de meados da década de 70, com os trabalhos
de Johanson e Wiederscheim-Paul (1975) e Johanson e Vahlne (1977), os quais
foram mais tarde revitalizados por outro trabalho de Johanson e Vahlne (1990).
O Modelo de Uppsala descreve o processo de internacionalização como um ciclo
de relações entre aspectos de estado - comprometimento com o mercado
estrangeiro e conhecimento desse mercado - e aspectos de mudança - atividades
correntes (operações) no mercado estrangeiro e decisões de comprometimento
(investimentos) nesse mercado -, conforme pode ser visto na Figura II.1.
Figura II.1 : Modelo do Processo de Internacionalização de Uppsala (adaptado de Johanson e Vahlne, 1990, p.12)
Atividades correntes
Experiência Conhecimento do Mercado
Recursos
Redução de
Incerteza
Comprometimento com o Mercado Investimento
Decisões de Comprometimento
Para Johanson e Vahlne (1977), o comprometimento com o mercado compõe-se
de dois fatores: o montante de recursos empregados no mercado estrangeiro
(investimentos em marketing, organização, pessoal etc.) e o próprio grau de
comprometimento com o mercado (entendido como a dificuldade em transferir os
recursos para usos alternativos). Já o conhecimento de mercado é adquirido
através da experiência acumulada com as atividades correntes (operações); esta
24
experiência, que pode ser considerada específica para cada país, e portanto
dificilmente transferível, possibilita a redução de incertezas e facilita a percepção
de barreiras e oportunidades no mercado estrangeiro.
Segundo Johanson e Vahlne (1990, p.13),
“o modelo do processo de internacionalização pode explicar dois padrões na
internacionalização da empresa (Johanson e Wiederscheim-Paul, 1975). O
primeiro é que o envolvimento da empresa em um mercado estrangeiro
específico acontece de acordo com uma cadeia de estabelecimento... Em
termos do modelo do processo, essa seqüência de estágios indica o
comprometimento crescente de recursos com o mercado. Ela também indica
atividades correntes (operações) que se diferenciam em razão da experiência
acumulada”.
Johanson e Wiederscheim-Paul (1975) definem quatro estágios de envolvimento
de uma empresa com o mercado internacional, baseados na “sua aquisição,
integração e uso graduais de conhecimento sobre os mercados externos e
operações, e no seu comprometimento crescente com os mercados externos”
(Johanson e Vahlne, 1977, p.23). Estes estágios seriam :
• Estágio 1 : não há atividades regulares de exportação;
• Estágio 2 : exportação via representantes (agentes) independentes;
• Estágio 3 : estabelecimento de uma subsidiária de vendas no exterior;
• Estágio 4 : unidades de operações (por exemplo, produção) no exterior
(estágio pós-exportação).
Já de acordo com o segundo padrão, a empresa entraria em novos mercados
segundo uma percepção de “distância psíquica” cada vez maior. A distância
psíquica é definida em termos de fatores como diferenças de língua, cultura,
sistemas políticos, legislação, práticas comerciais, nível de educação, nível de
desenvolvimento industrial etc., que perturbam, ou mesmo impedem, o fluxo de
informações entre o mercado e a empresa10. Assim, as empresas começariam
10 O termo “distância cultural” é muitas vezes usado na literatura como um sinônimo para adistância psíquica, embora, a rigor, se refira a apenas uma (talvez a principal) de suas dimensões.
25
seu processo de internacionalização em mercados culturalmente mais próximos
(muitas vezes em países vizinhos), nos quais elas podem mais facilmente
identificar barreiras e oportunidades, para entrar depois em mercados
psiquicamente cada vez mais distantes.
Johanson e Vahlne (1990, p.13) observam que
“esses padrões são manifestações do processo na internacionalização da
empresa... Os padrões podem ser vistos como operacionalizações do modelo
do processo, com os estágios e a distância psíquica como possíveis
indicadores. Outros indicadores são também possíveis. O comprometimento
com o mercado pode ser indicado pelo tamanho do investimento no mercado
ou... pelo grau de integração vertical”.
2.2. Os Modelos Relacionados à Inovação
Diversos autores, inspirados nos conceitos de seqüência de estágios e distância
psíquica estabelecidos pela Escola de Uppsala, e na Teoria de Difusão da
Inovação de Rogers (1962), abordam a decisão de internacionalização da
empresa como um processo de adoção de uma inovação.
A idéia fundamental defendida nesses trabalhos é a de que o processo de
internacionalização de empresas se dá de modo semelhante ao movimento de
“anéis de ondas na água” (Madsen e Servais, 1996), numa seqüência
determinada de estágios, e em direção a novos mercados que apresentem
“distância psíquica” cada vez maior. Na verdade, os modelos relacionados à
inovação têm várias características em comum, diferindo entre si, em geral, pelo
número de estágios do processo e por algumas variáveis explanatórias e
determinantes da progressão da empresa de um estágio para outro. O Quadro II.1
mostra um resumo de quatro modelos representativos desta corrente, com a
correspondência entre seus respectivos estágios.
Bilkey e Tesar (1977) procuraram estabelecer um suporte estatístico ao modelo
de seqüência de estágios do comportamento de exportação, através da
classificação de 423 pequenas e médias empresas do estado norte-americano de
26
Wisconsin em seis estágios e da realização de uma análise para os estágios 3, 4
e 5, os quais foram tratados como variáveis dependentes de suas respectivas
equações de regressão múltipla. As mesmas variáveis independentes foram
testadas para cada estágio na tentativa de se melhorar o coeficiente (não viciado)
de correlação múltipla. A partir dos resultados obtidos, os autores concluíram que
o comportamento de exportação tendia de fato a seguir uma seqüência de
estágios, e que os fatores que influenciavam a progressão das empresas de um
estágio para outro tendiam a diferir, com considerável influência da “qualidade e
dinamismo da gerência” (p.95). O Anexo I mostra uma síntese dos resultados
desse trabalho.
Cavusgil (1980), em um exame da literatura existente até então sobre o ingresso
de empresas no mercado internacional, apresenta um modelo de
internacionalização em cinco estágios discriminados por suas atividades críticas.
No Quadro II.2 estão listados os determinantes da passagem de um estágio para
outro, segundo o autor.
Rao e Naidu (1992) propõem um modelo de quatro estágios, e procuram
identificar uma série de fatores que estimulam a estagnação ou a progressão da
empresa em direção a tornar-se um exportador regular. Por exemplo, a falta de
interesse em adaptar a linha de produtos às exigências dos mercados
estrangeiros, ou mesmo de capacidade produtiva, estaria associada às empresas
não exportadoras. Já a percepção de alta competitividade em tecnologia no
mercado doméstico, ou de um grande número de concorrentes domésticos já
exportando, estaria relacionada às empresas que exportam regularmente.
Canals (1994) propõe um modelo de três etapas da internacionalização de uma
empresa, na forma de uma curva do grau de compromisso da empresa com os
mercados estrangeiros. O autor ressalta que a trajetória de cada empresa
depende dos seus recursos e das condições do setor em que opera.
27
Quadro II.1 : Quatro modelos relacionados à inovação Bilkey e Tesar
(1977) Cavusgil (1980)
Rao e Naidu (1992)
Canals (1994)
Estágio 1 Empresa nãointeressada emexportar, podendo atémesmo recusarpedidos de exportação
Estágio 1 Marketing Doméstico
Falta de interesse emexportar; preocupaçãocom as atividades domercado doméstico
Estágio 1 Não-exportador
Não há atividades deexportação, neminteresse emdesenvolvê-las nofuturo.
Estágio 2 Empresa atendepedidos não esperadosde exportação, masnão se esforça paraexplorar a viabilidadeda exportação
Estágio 3 Empresa exploraativamente aspossibilidades deexportação
Estágio 2 Pré-exportação
Busca de informaçõese avaliação daviabilidade de exportar
Estágio 2 Pretendente
Não há exportação,mas há interesse emexplorar oportunidades
Estágio 4 Empresa exporta emcaráter experimentalpara paísespsicologicamentepróximos
Estágio 3 EnvolvimentoExperimental
Exportaçãointermitente parapaísespsicologicamentepróximos
Estágio 3 Exportador esporádico
Exportação esporádica
Estágio 1 Início
Exportação passiva,isto é, não buscada de
forma explícita
Estágio 5 Empresa é umexportador experientepara paísespsicologicamentepróximos
Estágio 4 Envolvimento Ativo
Exploração sistemáticade oportunidades nomercado estrangeiro
Estágio 4 Exportador regular
Exportação regular
Estágio 2 Desenvolvimento
Exportação ativa, compossíveis alianças comempresas estrangeiras
Estágio 6 Empresa explora aviabilidade de exportarpara paísespsicologicamente maisdistantes
Estágio 5 Comprometimento
Tomada contínua dedecisão sobre alocarrecursos entre osmercados doméstico eestrangeiro
Estágio 3 Consolidação
Exportação estável,com possibilidades dealianças, aquisições einvestimento direto noestrangeiro
28
Quadro II.2 : Determinantes dos estágios de internacionalização, segundo Cavusgil (1980)
Estágio Determinantes I - Mercado Doméstico
• simples falta de interesse em exportar• falta de conhecimento de oportunidades no mercado
estrangeiro.
II - Pré-Exportação
Estímulos externos• pedidos não esperados de compradores ou distribuidores
estrangeiros ou agentes domésticos de exportação Estímulos internos
• vantagens competitivas (diferenciação) : produtos,processos, recursos
• necessidade de superar dificuldades no mercadodoméstico : saturação de mercado, pressões competitivas,capacidade ociosa
• tomadores de decisão audaciosos, dotados de “perspectivasupra-nacional”
• tomada de decisão baseada nas impressões quanto àatratividade da atividade exportadora, uma vez que faltaminformações quanto a custos, riscos etc.
III - Envolvimento Experimental
• impressões favoráveis quanto às possibilidades deexportação
• objetivos de curto prazo (lucro)• concentração em países com menor distância cultural
IV - Envolvimento Ativo
• expansão do volume de exportação• maior necessidade de informação• expectativas baseadas na experiência• disponibilidade de recursos-chave• disposição em alocar os recursos-chave (estrutura
organizacional apropriada, destacando a função demarketing internacional, viagens freqüentes de executivosaos mercados estrangeiros etc.)
V - Comprometimento
• competência em gerenciar o marketing mix• comprometimento com objetivos de longo prazo• superação de barreiras :
◊ restrições às exportações/importações◊ disponibilidade e custos de transporte◊ flutuações da taxa de câmbio◊ adequação da rede de distribuição
• elementos críticos nas operações internacionais :◊ qualidade e projeto de produtos e embalagens◊ desenvolvimento de canais de distribuição◊ preços competitivos◊ limite de crédito
29
O nome genérico de “Teoria dos Estágios de Internacionalização” costuma
provocar alguma confusão por aparentemente tratar o Modelo de Uppsala e os
modelos relacionados à inovação como se pertencessem a um só referencial
teórico. Johanson e Vahlne (1990) procuram desfazer esta confusão, afirmando
que, no caso do Modelo de Uppsala, a seqüência de estágios e a distância
psíquica cada vez maior são, na verdade, indicadores dos dois padrões (ou
manifestações) do processo - descritos no item 2.1. -, e não seus fundamentos,
como parece ocorrer no caso dos modelos relacionados à inovação.
2.3. A Atividade Pré-Exportação
Wiederscheim-Paul, Olson e Welch (1978) abordam os estímulos (“fatores
evocadores de atenção”) que influenciam o tomador de decisão da empresa com
relação ao início da atividade de exportação, e de como suas características
pessoais e as características do meio ambiente e da empresa condicionam a sua
percepção. Os autores fazem ainda uma classificação das empresas com relação
às suas atividades pré-exportadoras, com ênfase nas atividades de informação.
Dentre as características pessoais do tomador de decisão mais relevantes para a
pré-exportação, os autores destacam a orientação internacional - percepção e
interesse por eventos ocorridos em outros países, comum em pessoas com
vivência no exterior - e a tolerância à incerteza associada ao começo da atividade
exportadora.
As características do meio ambiente apontadas por Wiederscheim-Paul, Olson e
Welch (1978) relacionam-se principalmente à localização da empresa no mercado
doméstico, a qual influiria não só nos custos de transporte dos bens produzidos,
mas também nos fluxos de informação. Devido ao alto grau de incerteza
normalmente associado ao início da atividade de exportação, os contatos
informais, do tipo face-a-face, teriam grande importância neste estágio, podendo
significar desvantagem para as empresas localizadas longe dos “centros de
informação” (como as grandes cidades), que freqüentemente recebem visitas de
executivos desses países.
30
Os autores relacionam três principais características da empresa que influem nas
decisões do estágio pré-exportação :
• os objetivos da empresa, que seriam, em geral, evitar instabilidade das vendas
que possa ameaçar sua segurança e sobrevivência, e garantir seu crescimento;
• a linha de produtos, com relação ao grau de padronização e complexidade, e
especialmente à relação entre bens físicos e serviços complementares (chamada
“hardware / software”); produtos mais padronizados e menos complexos, que
demandam menos serviços de suporte e menor fluxo de informações entre o
vendedor e o comprador, podem servir como estímulo à exportação;
• e a história da empresa e sua “expansão extra-regional”, que se trata de uma
espécie de processo de internacionalização ocorrido dentro do mercado
doméstico e anterior à exportação para mercados externos; na expansão extra-
regional podem se desenvolver competências em marketing e ampliar a rede de
comunicações, aumentando as possibilidades de exposição da empresa aos
“fatores evocadores de atenção”;
Estes “fatores evocadores de atenção” são “as influências que levam a empresa a
considerar a exportação como uma possível estratégia; são os sinais que
detonam as decisões com relação ao comportamento pré-exportador” (p.51).
Estes fatores, sejam internos ou externos, podem permanecer latentes (não
reconhecíveis) por algum tempo, sendo ativados por outras influências, como, por
exemplo, a experiência de expansão extra-regional.
⇒ fatores evocadores de atenção internos:
• competência exclusiva (única), na forma de um produto diferenciado ou da
solução exclusiva para um determinado problema;
• excesso de capacidade, que leva a empresa a examinar alternativas - como
a exportação - para uso de recursos disponíveis, não só em termos de
produção, mas também de marketing, finanças etc.
31
⇒ fatores evocadores de atenção externos:
• pedidos não esperados de clientes estrangeiros11;
• oportunidades de mercado;
• atuação dos concorrentes, os quais podem tornar mais acirrada a
competição no mercado doméstico; neste caso, a empresa pode adotar a
política de “seguir o líder” do seu setor;
• medidas do governo de estímulo à exportação, tais como incentivos
financeiros e informações sobre oportunidades no mercado estrangeiro.
Os autores tratam ainda dos tipos de comportamento pré-exportador,
classificando as empresas em três grupos - domésticas, passivas e ativas, de
acordo com três dimensões das atividades de informação, conforme pode ser
visto no Quadro II.3.
Quadro II.3 : Tipos de comportamento pré-exportador
Dimensões
Empresas
intenção decomeçar aexportar
coletade informações
transmissãode informações
Domésticas nenhuma a baixa nenhuma a baixa nenhuma a baixa
Passivas baixa a média baixa a média baixa
Ativas média a alta média a alta baixa a alta
Fonte : Wiederscheim-Paul, Olson e Welch, 1978, p.53.
Em outro importante trabalho, Bilkey (1978) aborda a questão da iniciação à
exportação relacionando “agentes de mudança”, equivalentes aos “fatores
evocadores de atenção” de Wiederscheim-Paul, Olson e Welch, e, como aqueles,
classificados em externos e internos:
11 determinantes da passagem do Estágio 3 para o Estágio 4 do modelo de Bilkey e Tesar (1977),e do Estágio 1 para o Estágio 2 do modelo de Cavusgil (1980)
32
⇒ agentes de mudança externos :
câmaras de comércio, bancos, agências governamentais e outras empresas
(importadores estrangeiros e agentes domésticos de exportação);
⇒ agentes de mudança internos :
• tomador de decisão da empresa, através da sua impressão (muitas vezes
difusa) sobre a atratividade da exportação e da sua confiança nas vantagens
competitivas da empresa (função das suas percepções quanto à diferenciação
do produto, marketing, patentes, rede de distribuição etc.);
• grau de orientação internacional da empresa (seu histórico e perfil da sua alta
gerência, em termos de idade, vivência no exterior e domínio de línguas
estrangeiras);
• e as condições do mercado doméstico, que podem levar a empresa a
considerar a exportação como uma oportunidade para sua própria
sobrevivência.
O autor distingue ainda três tipos de empresa quanto à motivação para iniciar a
atividade de exportação :
• as que iniciam por influência de agentes externos de mudança;
• as que aproveitam oportunidades que surgem, sem objetivos estratégicos
claramente definidos;
• e as que começam a exportar deliberadamente; neste último caso, o autor
ressalta que, em geral, a motivação não é por resultados a curto prazo, mas
por lucratividade a longo prazo, assegurada pelo crescimento da empresa e
pela diversificação de mercado, e por evitar perdas num mercado doméstico
saturado, com o conseqüente declínio das vendas.
33
2.4. Críticas à Teoria de Estágios do Processo de Internacionalização
Apesar do reconhecimento de suas qualidades e da sua popularidade nos meios
acadêmicos, o “paradigma” dos estágios de internacionalização tem sofrido, ao
longo dos anos, uma série de críticas. A primeira (e mais veemente) refere-se ao
caráter determinístico dos modelos. As seqüências de estágios (que, na verdade,
teriam entre si diferenças mais semânticas do que conceituais) refletem um
padrão linear e ordenado que muitas vezes pode não ocorrer no mundo real, em
função da variabilidade de recursos disponíveis, de diferenças de capacidade
gerencial e de contingências específicas de cada mercado, como oportunidades e
barreiras, fase do ciclo de vida do produto etc. Cabe aqui lembrar a distinção que
Johanson e Vahlne (1990) fazem entre o Modelo de Uppsala e os demais
modelos seqüenciais, ao afirmar que para o primeiro a seqüência de estágios é
apenas o indicador de um dos padrões (ou manifestações) do processo de
internacionalização, e não um de seus fundamentos.
Outro problema com a maioria dos modelos é a dificuldade, na prática, em
delimitar seus estágios. Em geral, não é dada muita ênfase à dinâmica do
processo (com a dimensão tempo sendo relegada a um segundo plano) e a como
a empresa passa efetivamente de um estágio para outro. A possibilidade de a
empresa “saltar” estágios é pouco comentada, assim como uma eventual
“desinternacionalização”. A queima de etapas, na realidade, tem-se tornado cada
vez mais freqüente, graças ao fácil acesso à informação sobre os meios de
exportação e à experiência adquirida através de “expansões extra-regionais” e de
relacionamentos de longo prazo com parceiros estrangeiros.
Uma crítica comum aos modelos de internacionalização é a de que seu suporte
empírico é proveniente de estudos que, na maioria dos casos, enfocam apenas os
primeiros estágios, quando a empresa se acha restringida pela falta de recursos e
de conhecimento do mercado estrangeiro; conforme a empresa vai estabelecendo
atividades em vários países, a incerteza tende a se reduzir, e podem surgir outras
possibilidades de alocação dos recursos.
A maioria dos modelos parece não se aplicar muito bem ao caso de empresas de
serviços, os quais em muitos casos precisam ser executados in loco (ou seja,
34
mediante a interação entre prestador e cliente), não admitindo, portanto, uma
simples exportação. Também as empresas produtoras de bens altamente
perecíveis podem ter suas exportações inviabilizadas por razões técnicas (por
exemplo, de armazenamento) ou de custos de transporte.
O conceito de distância psíquica vem perdendo seu valor explanatório, num
mundo cada vez mais homogêneo em termos de gostos e necessidades, e no
qual a internacionalização de indústrias e mercados vem se mostrando
irreversível. Também contribuem para este fato a crescente sofisticação dos
meios de transmissão de informações, a tendência à globalização de mercados e
à padronização de produtos de massa, e mesmo as transformações geopolíticas
pelas quais o mundo tem passado nos últimos anos, com a queda de antigos
regimes, a formação de novos blocos econômicos etc. Aqui se aplica, mais uma
vez, a ressalva de Johanson e Vahlne (1990) sobre o papel da distância psíquica
no Modelo de Uppsala, como indicador de uma das manifestações do processo
de internacionalização, e não como seu fundamento.
Outra crítica ao conceito de distância psíquica é feita por O’Grady e Lane (1996),
ao abordar o “paradoxo da distância psíquica”. Segundo estes autores, “as
operações em países psiquicamente próximos não são necessariamente fáceis
de gerenciar, porque as suposições de similaridade podem impedir os executivos
de perceber diferenças críticas” (p.309). Estas diferenças podem estar “ocultas”,
por exemplo, nas práticas comerciais, na legislação e no comportamento dos
consumidores e dos executivos de cada país.
Finalmente, uma das principais críticas que se pode fazer aos modelos é que eles
subestimam as interações da empresa com o ambiente externo e as alternativas
estratégicas com que se defronta o tomador da decisão de internacionalização.
Os modelos enfocam, em sua maioria, apenas o estabelecimento e o
desenvolvimento das operações de exportação, deixando de lado outras
atividades importantes da empresa, como o desenvolvimento de novos produtos,
a diversificação dos negócios, os arranjos contratuais com fornecedores e
distribuidores, e o estabelecimento de outros modos de internacionalização, como
aquisições, licenciamentos, joint-ventures etc.
35
2.5. “Born Global Firms”
Diversos trabalhos publicados nos anos 90 têm enfocado um novo tipo de
empresa que constitui um desafio à teoria tradicional de estágios de
internacionalização : as Born Global Firms (“empresas nascidas globais”), que
vêm surgindo como um resultado das mudanças no ambiente de negócios, cada
vez mais afetado pela competição e pela globalização de mercados.
Knight e Cavusgil (1996), revendo trabalhos anteriores de diversos autores,
referentes a empresas australianas, européias e norte-americanas, relacionam as
principais características distintivas das Born Global Firms, a saber:
• são pequenas em número de funcionários (menos de quinhentos) e em vendas
anuais (inferiores a US$ 100 milhões);
• utilizam tecnologia avançada na inovação e desenvolvimento de produtos
diferenciados, na maioria dos casos com uso industrial;
• são dirigidas por empresários visionários, que enxergam um mercado sem
fronteiras nacionais desde o início das operações da empresa;
• exportam pelo menos 25% da sua produção, em geral num prazo de até dois
anos a partir da sua fundação.
Knight e Cavusgil (1996) explicam ainda o surgimento das Born Global Firms
através dos seguintes fatores :
• o papel crescente dos nichos de mercado, especialmente nos países mais
desenvolvidos, que surgem da demanda crescente por produtos especializados
ou personalizados, e são o resultado da maior competitividade e globalização
dos mercados;
• a alternativa representada pelos mercados estrangeiros para as empresas
pequenas, em vista de um mercado doméstico saturado ou insuficiente para
sustentar os lucros;
• os avanços tecnológicos que permitem que a produção seja econômica mesmo
sem escala;
36
• os avanços da tecnologia de comunicações (por exemplo, fax, e-mail, EDI etc.)
que facilitam o gerenciamento de operações a distância e com baixo custo;
• as vantagens inerentes às pequenas empresas, como a flexibilidade e a
adaptabilidade aos gostos e padrões internacionais de consumo;
• a facilidade de acesso a instituições que promovem cursos internacionais
avançados nas áreas de administração e tecnologia;
• a integração dos mercados financeiros em todo o mundo, que tem servido
como propulsora da economia mundial;
• a globalização e o desenvolvimento de zonas de livre comércio e blocos
econômicos, que expõem os gerentes à dinâmica do mercado internacional e a
instrumentos como transferências de tecnologia, countertrade etc.;
• a formação de global networks, através de parcerias e alianças de longo
prazo com agentes estrangeiros, como fornecedores, clientes, distribuidores,
trading companies etc.
Por serem relativamente recentes, as Born Global Firms foram alvo de pouca
pesquisa até este momento. Knight e Cavusgil (1996) sugerem que os estudos
futuros sobre o tema procurem desenvolver modelos explanatórios que
identifiquem os fatores internos e externos que tornam possível o
desenvolvimento desse tipo de empresa e que contribuem para o seu
desempenho. Em uma etapa seguinte, deveriam ser realizados estudos
empíricos, se possível em cenários nacionais e culturais variados, que verifiquem
a correspondência entre a teoria e a prática das Born Globals, para que, uma vez
devidamente compreendidas, elas possam ser alvo de políticas públicas
específicas de incentivo.
2.6. O Paradigma Eclético
Dunning (1988) entende o paradigma eclético como “uma estrutura de trabalho
holística pela qual é possível identificar e avaliar a importância dos fatores que
influenciam tanto o início da produção no exterior pelas empresas, como o
37
crescimento de tal produção” (p.1). Este paradigma é batizado “eclético” de modo
a transmitir a idéia de que são explorados vários aspectos da teoria econômica, e
de que o envolvimento econômico internacional pode se dar através de uma série
de diferentes canais. O paradigma eclético baseia-se, enfim, na disposição
internacional dos fatores de produção e nos custos das modalidades alternativas
das transação de produtos entre fronteiras nacionais.
Segundo o autor, a extensão, a forma e o padrão da produção internacional são
determinadas por três conjuntos de vantagens percebidas pela empresa:
vantagens específicas de propriedade, vantagens de internalização e vantagens
de localização.
2.6.1. Vantagens Específicas de Propriedade
Uma empresa deve possuir certas vantagens específicas à sua natureza e/ou
nacionalidade para que possa competir no estrangeiro com empresas que atuam
no seu próprio país; estas vantagens competitivas devem ser suficientes para
compensar os custos extras de estabelecimento e operação num país
estrangeiro, além, naturalmente, dos custos já enfrentados pelos produtores
locais.
Estas vantagens específicas de propriedade podem ser de dois tipos : vantagens
estruturais (ou de ativos) e vantagens de transação. As vantagens estruturais
referem-se a ativos possuídos pela empresa multinacional com exclusividade
frente aos produtores locais, como, por exemplo, o domínio de tecnologia superior
que possibilite a diferenciação do seu produto. As vantagens de transação estão
ligadas aos benefícios, ou à redução de custos, obtidos pela empresa
multinacional em suas transações, e que resultam da gestão conjunta dos seus
ativos distribuídos por diferentes países.
2.6.2. Vantagens de Internalização
As vantagens de internalização referem-se à capacidade da empresa
multinacional de transferir suas vantagens específicas de propriedade através das
fronteiras nacionais de modo interno à sua própria organização, ao invés de
38
vendê-las ou permitir seu uso pelas empresas locais (através, por exemplo, de
licenciamento). Os motivos que normalmente levam as empresas a buscar
internalizar mercados são: garantir o fornecimento de recursos essenciais,
assegurar a qualidade de seus produtos, proteger direitos de propriedade (marcas
e patentes), controlar seus preços e diluir custos fixos. As vantagens de
internalização são, enfim, exploradas em busca da redução de riscos e incertezas
e do ganho de economias de escala na produção.
2.6.3. Vantagens de Localização
Uma série de barreiras protecionistas impostas pelos governos nacionais, bem
como os custos de transporte e outras imposições legais, tem levado, ao longo do
tempo, as empresas a investir em produção em países estrangeiros. As
vantagens de localização são, então, oriundas da utilização combinada dos
fatores de produção disponíveis em outros países. Estas vantagens também
podem ser divididas em estruturais e de transação. As vantagens estruturais são
relativas às diferenças nos custos dos fatores de um país para outro, enquanto as
vantagens de transação referem-se ao aproveitamento de oportunidades no
mercado (inclusive financeiro), à redução de riscos (inclusive em relação ao
câmbio) e às condições de contrato com clientes e fornecedores.
Nas palavras de Dunning (1988) :
“É, então, a justaposição de vantagens específicas de propriedade das
empresas face à produção no estrangeiro (ou o aumento desta produção), a
propensão a internalizar os mercados estrangeiros e os fatores de atração
para locação da produção no estrangeiro que constituem a essência do
paradigma eclético da produção internacional” (p.5).
39
2.7. Comparação entre o Paradigma Eclético e o Modelo do Processo deInternacionalização
Johanson e Vahlne (1990) fazem algumas comparações entre o Modelo do
Processo de Internacionalização e o Paradigma Eclético, procurando mostrar que
algumas das críticas dirigidas ao primeiro, supostamente à luz do último, perdem
o propósito na medida em que as premissas, naturezas e objetivos dos dois
referenciais são substancialmente diferentes. Assim, enquanto o Paradigma
Eclético procura explicar a existência da empresa multinacional, e não o processo
de internacionalização em si, baseando-se na teoria econômica da firma e da
organização do mercado, o Modelo do Processo de Internacionalização procura
explicar o padrão e o modo de estabelecimento de ações orientadas para o
mercado internacional, com base em teorias comportamentais.
O Paradigma Eclético postula que as operações se estabelecem onde se obtêm
vantagens (de propriedade, de internalização e de localização), e a partir de
decisões tipicamente racionais, baseadas em informações, ao passo que o
Modelo do Processo de Internacionalização sugere um padrão pelo qual as
operações se estabelecem inicialmente em mercados com menor distância
psíquica, partindo para mercados mais distantes conforme se acumulam
conhecimento e experiência e se reduzem as percepções de incerteza e risco.
Daí vem a idéia bastante difundida de que o Paradigma Eclético teria maior valor
explanatório para empresas globais, já estabelecidas no mercado internacional,
enquanto que o Modelo do Processo de Internacionalização teria maior valor
explanatório para as empresas situadas nos primeiros estágios de
internacionalização, e ainda carentes de informação.
Enquanto o Paradigma Eclético tem diversas variáveis explanatórias - por
exemplo, os custos de transação - o Modelo do Processo de Internacionalização
tem apenas uma, o conhecimento do mercado. Finalmente, os autores ressaltam
que o Paradigma Eclético tem natureza estática, enquanto o Modelo do Processo
de Internacionalização apresenta natureza dinâmica, e concluem que
“claramente, as duas estruturas de trabalho em seu formato atual são
inconsistentes, uma vez que suas premissas básicas são tão diferentes” (p.18).
40
2.8. A Análise de Custos de Transação
Uma empresa que decide internacionalizar suas ações (por exemplo, distribuição
ou produção) vê-se diante de várias opções de modo de entrada no mercado
estrangeiro. A Análise de Custos de Transação, proposta primeiramente por
Williamson (1975, 1985) procura determinar qual dessas opções revela-se, a
longo prazo, a mais eficiente em termos de retorno do investimento, levando-se
em consideração o risco incorrido e o grau de controle desejado sobre as
atividades.
Anderson e Gatignon (1986) destacam o papel do controle - entendido como “a
capacidade de influenciar sistemas, métodos e decisões” (p.3) - na coordenação
das ações, na execução e revisão de estratégias e, principalmente, na obtenção
da maior parcela do lucro gerado pela empresa no mercado estrangeiro. O preço
do controle, no entanto, é a responsabilidade pela tomada de decisão, em
ambientes muitas vezes de incerteza, e o comprometimento de recursos, com a
conseqüente tomada de risco. Assim, o controle está associado à clássica
perspectiva de risco-retorno : modos de entrada no mercado estrangeiro com alto
controle (como o estabelecimento de uma subsidiária) podem significar alto
retorno, porém com alto risco; modos de entrada de baixo controle (como
licenciamentos ou participações minoritárias) minimizam os riscos, a custo de
retornos menores. O Quadro II.4 relaciona dezessete modos de entrada
identificados pelos autores, em ordem decrescente de controle.
A Análise de Custos de Transação enfoca a relação produção-distribuição como
um continuum, que vai da integração vertical à utilização de canais independentes
de distribuição, procurando estabelecer a forma de controle que torne aquela
relação o mais eficiente, levando-se em consideração o retorno do investimento,
os riscos assumidos com o comprometimento de recursos, a flexibilidade
necessária para adaptar-se a ambientes de incerteza, a capacidade de
monitoramento das atividades e a troca de informações entre as partes
envolvidas. A premissa básica da Análise de Custos de Transação é a de que a
empresa buscará internalizar as atividades que ela pode executar a menores
41
custos de transação12, deixando as demais atividades a cargo do mercado de
fornecedores ou parceiros.
Quadro II.4 : Modos de entrada classificados em ordem decrescente degrau de controle
Modos de Alto Controle : Participação Acionária Majoritária
Subsidiária própriaParticipação majoritária absoluta (>50%) entre muitos acionistasParticipação majoritária absoluta (>50%) entre poucos acionistasParticipação majoritária absoluta (>50%) com apenas um único outro acionista
Modos de Médio Controle : Equilíbrio entre os acionistas
Participação majoritária simples (<50%) entre muitos acionistasParticipação majoritária simples (<50%) entre poucos acionistasParticipação igual (50%/50%) com um único outro acionistaJoint-VentureGerenciamento de ContratoContratos exclusivos limitadosFranchiseContratos não exclusivos limitadosContratos exclusivos ilimitados
Modos de Baixo Controle : Interesses difusos
Contratos não exclusivos ilimitadosParticipação minoritária entre muitos acionistasParticipação minoritária entre poucos acionistasParticipação minoritária com apenas um único outro acionista
Fonte : Anderson e Gatignon (1986, p.5)
12 Custos de transação são aqueles que ocorrem em razão das falhas de mercado, ou seja, são oscustos incorridos pela necessidade de monitorizar o comportamento dos fornecedores ouparceiros para que eles cumpram os padrões de desempenho deles esperados.
42
Anderson e Gatignon (1986) consideram na Análise de Custos de Transação
duas dimensões principais dos mecanismos de controle que influenciam a
eficiência de um modo de entrada: a especificidade dos ativos e a incerteza do
ambiente.
2.8.1. Especificidade dos ativos
Ativos específicos são investimentos válidos apenas para um pequeno número de
usos e usuários, com poucos usos alternativos e difícil substituição. Por exemplo,
o investimento em treinamento de uma equipe de vendas ou em adaptação de
instalações e equipamentos de um intermediário estrangeiro tem valor somente
se pretende que o relacionamento com este intermediário seja de longo prazo. A
existência de ativos específicos é uma razão para uma empresa procurar modos
de entrada de alto controle no mercado estrangeiro, evitando assim a
possibilidade de comportamento oportunístico dos intermediários, conhecedores
da limitação de uso dos ativos específicos.
2.8.2. Incerteza do ambiente
A dimensão de incerteza refere-se à dificuldade de antecipar e avaliar eventos
num ambiente desconhecido.
Em nível externo, a incerteza do ambiente pode se dar em razão de instabilidade
política ou econômica, que representam o assim chamado “risco do país”, ou da
distância sócio-cultural em relação ao país de origem da empresa entrante. Num
ambiente volátil, isto é, sujeito a rápidas mudanças, a empresa deveria evitar
modos de entrada de alto controle, que levassem a um maior comprometimento
de seus recursos e à perda de flexibilidade. No entanto, se a empresa já conta
com volume significativo de ativos específicos, a flexibilidade já estará mesmo
perdida, e a mudança de intermediários, além de difícil, poderá dar margem a
comportamento oportunístico dos novos parceiros; neste caso, o melhor para o
entrante pode ser o exercício de um alto grau de controle das atividades.
Segundo, então, a proposição de Anderson e Gatignon (1986, p.15), “quanto
maior a combinação de “risco do país” e de especificidade dos ativos, maior é o
43
grau apropriado de controle”.
A distância sócio-cultural (ou cultural, ou psíquica) está normalmente associada a
modos de entrada de baixo controle. A empresa que entra no mercado
estrangeiro tende a evitar maior comprometimento enquanto não dominar os
valores e métodos do novo ambiente; também neste caso os custos de obtenção
de informação podem ser altos, e os executivos podem ter dificuldades em
perceber e avaliar oportunidades. Em função da diferença de ambiente, a
empresa poderá vir a investir em treinamento e adequação de seus
intermediários, o que acabará gerando ativos específicos, agravando ainda mais o
problema da incerteza. Para evitar estes problemas, a empresa deveria procurar
modos de entrada de baixo controle, os quais transfeririam os riscos para os seus
intermediários. Portanto, “quando a distância sócio-cultural é grande, modos de
entrada de alto controle são mais eficientes somente quando há vantagem
substancial em operar segundo os métodos da empresa” (Anderson e Gatignon,
1986, p.18).
A incerteza interna está relacionada à dificuldade em medir-se objetivamente o
desempenho dos intermediários, o que pode ocorrer por falta de medidas precisas
dos seus resultados, ou por um não entendimento da relação entre suas ações e
seus resultados. A incerteza interna faz com que a empresa procure modos de
entrada de alto controle, independentemente da especificidade de ativos, de
modo a impor seus critérios de avaliação e monitorar seus canais.
2.8.3. Outros fatores de influência sobre o grau de controle
Outros fatores podem também influir no grau de controle exercido pela empresa
entrante no mercado estrangeiro sobre os seus intermediários. Por exemplo,
modos de entrada de alto controle são mais comuns quando a empresa lança no
estrangeiro produtos inovadores (nos primeiros estágios de seu ciclo de vida) ou
de tecnologia mais sofisticada, que, em geral, exigem alta disponibilidade de
assistência técnica especializada. O mesmo acontece com produtospersonalizados, que demandam interação estreita entre fornecedor e cliente em
suas fases de projeto, implantação, utilização e manutenção. Por outro lado,
menor grau de controle é necessário quando o produto está na fase de
44
maturidade, com sua tecnologia conhecida e intermediários mais facilmente
disponíveis para contratação; além disso, as empresas podem preferir direcionar
investimentos para seus produtos mais novos (mais promissores) do que para
aqueles já maduros.
A Análise de Custos de Transação prevê que, quando o mercado defornecedores e intermediários é altamente competitivo, o entrante deve evitar
a integração vertical, na busca de alto retorno com baixo risco, pois, nesse caso,
os custos fixos podem ser minimizados e a eficiência dos parceiros estimulada, na
medida em que eles podem ser trocados sem maiores dificuldades. Por outro
lado, quando não há maiores pressões competitivas, a integração vertical se
justifica, para evitar comportamento oportunístico por parte de fornecedores e
intermediários.
Klein, Frazier e Roth (1990) propõem que quanto maior o volume do canal da
linha de produto no mercado estrangeiro, maior deverá ser o grau de integração
(controle) do canal, o que se justifica pelas economias de escala obtidas na
utilização dos recursos da empresa.
A estratégia de diferenciação do produto também pode influenciar a decisão
sobre o grau de integração do canal. Produtos não diferenciados (com muitos
concorrentes similares) tendem a provocar guerra de preços entre seus
produtores, o que leva à diminuição de suas margens de lucro. Por outro lado,
produtos diferenciados (não substituíveis) permitem margens maiores de lucro, o
que favorece o investimento nos custos fixos da integração do canal. Além disso,
empresas que seguem uma estratégia global de diferenciação procuram uma
maior coordenação das atividades de suas unidades em diferentes países, o que
pode ser conseguido mais facilmente e a menor custo se houver maior integração
dos canais (Aulakh e Kotabe, 1997). Em resumo, produtos diferenciados devem
favorecer o maior controle sobre os intermediários.
Etgar (1978), Keegan (1984) e Terpstra (1983) sugerem que altos níveisexigidos de serviço (como é o caso de produtos sofisticados ou personalizados,
anteriormente comentados) são favorecidos pela integração dos canais, uma vez
que a empresa entrante pode monitorar mais de perto seus intermediários e a
satisfação de seus clientes com os serviços prestados.
45
Anderson e Gatignon (1986, p.20) propõem ainda que “modos de entrada de alto
grau de controle são mais eficientes quanto maior for o valor da marca em
questão. As empresas detentoras de marcas valiosas buscam manter o controle
para garantir a qualidade dos seus produtos e para protegê-las da deterioração de
imagem causada por imitações ou por utilização local inconsistente com o
posicionamento global. Os autores sugerem ainda que modos de alto controle são
especialmente apropriados no caso de marcas fortes, de veiculação intensa.
O Quadro II.5 apresenta um resumo da influência exercida pelos diversos fatores
mencionados na decisão sobre o grau de controle exercido pela empresa entrante
no mercado estrangeiro sobre sua cadeia de valor .
As duas principais limitações da Análise de Custos de Transação são apontadas
por Anderson e Gatignon (1986): primeiro, não levar em consideração as
restrições de governos locais e do próprio mercado, que podem reduzir
consideravelmente o número de opções de modo de entrada; e segundo, que
questões de estratégia global da empresa podem afetar sua decisão a nível local
em termos de controle exercido.
2.9. Internacionalização de Empresas de Serviços
Baseado em um estudo de Weinstein (1977), Erramilli (1990) classifica as
empresas de serviço entrantes em mercados estrangeiros em “Client Followers”
(“Seguidores de Clientes”) e “Market Seekers” (“Investigadores de Mercado”).
“Client Followers” são empresas que partem para o mercado estrangeiro
“primariamente para servir as filiais em outros países dos seus clientes
domésticos” (p.53), ou seja, que buscam acompanhar seus clientes em suas
operações globais e que, por conhecê-los previamente, percebem menor
incerteza nos novos mercados e tendem a uma maior integração das suas
atividades, em busca de um maior grau controle e customização de seus serviços.
46
Quadro II.5 : Fatores que influenciam a decisão da empresa entrante nomercado estrangeiro quanto à integração vertical
Favorecem aintegração vertical
Não favorecem aintegração vertical
Especificidade dos ativos Volatilidade do ambiente
Incerteza interna Distância sócio-cultural
Produtos novos Produtos maduros
Mercado muito competitivo Mercado pouco competitivo
Canal de alto volume (vendas) Canal de baixo volume (vendas)
Competição por diferenciação Competição por preço
Produtos personalizados
Produtos de alta sofisticação
Alto nível de exigência de serviço
Alto valor de marca
“Market Seekers”, por sua vez, são empresas que vão para países estrangeiros
com a finalidade primeira de servir os clientes locais e que, portanto, tendem a
escolher modos de entrada de menor controle, por terem uma maior percepção
de incerteza e risco.
Erramilli (1990) propõe ainda a classificação dos serviços em hard services e soft
services. Hard services são serviços que, à semelhança de grande parte dos bens
e produtos manufaturados, podem ter sua produção e consumo separados, o que
permite que sejam exportados. Exemplos de hard services são projetos de
arquitetura e engenharia, que podem se tornar tangíveis e ser facilmente enviados
a longa distância, através de desenhos, relatórios e disquetes. Já os soft services
não admitem a separação entre sua produção e seu consumo, exigindo a
proximidade física e a interação entre o prestador do serviço e o cliente, o que
47
inviabiliza sua exportação. As empresas de soft services, como, por exemplo,
assistência médica, fast-food, aluguel de automóveis e hotelaria, tendem a
procurar modos de entrada no mercado estrangeiro de baixo a médio a alto
controle, chegando eventualmente ao investimento direto.
Erramilli e Rao (1993) estudam a internacionalização de empresas de serviços à
luz da Análise de Custos de Transação. Segundo os autores, as conseqüências
do comprometimento de recursos por parte das empresas de serviços, ao
escolherem modos de entrada de alto controle, não são tão graves como no caso
das manufaturas, em razão de os custos fixos das primeiras serem, em geral,
menores (em alguns casos, apenas o estabelecimento de um escritório). O
principal ativo das empresas de serviços são, muitas vezes, pessoas, as quais
costumam ter uma mobilidade maior do que outros tipos de ativos. Os autores
também observam que, com exceção de alguns negócios que exigem
investimentos de larga escala em instalações e equipamentos (como hospitais,
hotéis e companhias aéreas), as empresas de serviço podem, em geral exercer
controle sobre suas atividades a custo relativamente baixo. Assim, poder-se-ia
considerar que as empresas de serviços, salvo exceções, têm baixa
especificidade de ativos e tendem a escolher modos de entrada de “controle
partilhado”, isto é, modos de baixo a médio controle.
Erramilli e Rao (1993) indicam motivos não relacionados à Análise de Custos de
Transação que podem, contudo, levar as empresas de serviço a buscar uma
maior integração das suas atividades no estrangeiro : um maior grau de controle
pode facilitar, por exemplo, a integração global e a coordenação de estratégias de
corporações multinacionais e evitar eventuais conflitos de interesses com
parceiros ou fornecedores. Os autores relacionam ainda fatores “moderadores”,
que podem afetar a relação inversa entre especificidade de ativos e a procura por
modos de menor controle. São eles :
• a intensidade de capital, que, segundo os resultados obtidos no estudo, em
menor grau reforça a relação, mas em maior grau a enfraquece;
• a inseparabilidade entre produção e consumo dos serviços, que favorece a
integração das atividades pela necessidade de monitoramento da performance
do pessoal envolvido no atendimento aos clientes;
48
• o “risco do país”, que favorece os modos de entrada de menor integração pela
flexibilidade que eles proporcionam em caso de mudanças no ambiente de
negócios;
• o tamanho da empresa, em razão de aquelas de maior porte poderem, em
geral, absorver mais riscos que as pequenas, e assim aproveitar melhor as
vantagens decorrentes de um maior grau de controle.
Erramilli e Rao (1993, p.33) resumem assim os resultados do seu estudo :
“Empresas de serviço geralmente tendem a favorecer modos de controle
partilhado mais intensamente quando têm baixa especificidade de ativos (do
que quando tem alta especificidade). Esta tendência é reforçada ...
1) quando a produção e o consumo dos serviços são inseparáveis;
2) quanto maior for o “risco do país”;
3) quanto menores forem as empresas”.
2.10. Estudos Anteriores Sobre Internacionalização de Empresas Brasileiras
Uma série de estudos sobre a internacionalização de empresas brasileiras tem
sido produzida desde a década de 70; para efeito de resumo, e por sua relação
com o escopo deste trabalho, foram selecionados os três a seguir.
2.10.1. Leite, Rocha e Figueiredo (1988)
Uma abordagem à questão da distância psíquica foi realizada por Leite, Rocha e
Figueiredo (1988), em seu estudo “A Percepção cultural e a decisão de exportar”.
Nesse trabalho, os autores investigam “até que ponto a percepção de diferenças
e semelhanças culturais entre países, por parte dos executivos de topo de
exportação, afeta a decisão de mercados de exportação nas empresas nacionais
privadas, produtoras de manufaturados” (p.61).
A partir de entrevistas realizadas com 171 executivos de 153 empresas
selecionadas do Anuário CACEX de 1976, os autores procuraram testar a
49
existência de correlação positiva entre a percepção de diferenças e semelhanças
culturais entre países e as decisões de mercados para exportação. Para tanto,
consideraram-se como variável dependente “o país para o qual a empresa
exporta” (em um total de 35 países) e como variáveis independentes a percepção
global da imagem do país em questão, o idioma, os costumes e raças do mesmo,
e ainda o domínio do idioma e o tempo de permanência do executivo no país. A
análise dos dados indicou, entre outros resultados que ...
a) os dez principais países para os quais um maior número de empresas da
amostra exportavam eram, em ordem decrescente, Bolívia, Paraguai, Estados
Unidos, Uruguai, Venezuela, Chile, Alemanha Ocidental, Argentina, México e
França;
b) os principais países conhecidos (já visitados) por um maior número de
empresários eram, também em ordem decrescente, Argentina, Estados Unidos,
Uruguai, França, Paraguai e Alemanha Ocidental;
c) Portugal, Uruguai e Argentina foram considerados como países “semelhantes”
ao Brasil, em termos de percepção global, enquanto Venezuela, Colômbia,
Espanha, México, Paraguai, Bolívia, Peru e Chile foram considerados “um pouco
semelhantes”. Observou-se ainda que França e Alemanha Ocidental,
anteriormente citadas, foram consideradas respectivamente “um pouco diferente”
e “diferente” do Brasil.
Para os autores, os resultados obtidos indicam que “existe forte correlação
positiva entre a afinidade cultural que os executivos de topo de exportação
sentem para com determinado país e as decisões empresariais que escolhem
esse mesmo país como mercado para exportação” (p.69). Os autores observaram
ainda que o fato de alguns países considerados como afins não representarem
mercados significativos de exportação parecia ser explicado pela visão, por parte
dos executivos entrevistados, do mercado externo como uma simples extensão
do mercado interno e pela atitude passiva com relação à atividade de exportação,
encarada em muitos casos apenas como um aproveitamento ocasional de
oportunidades ou incentivos.
50
Leite, Rocha e Figueiredo (1988) concluem que
“É bem verdade que a decisão de exportar está sujeita, também, a outros
fatores que não os culturais; potencial de mercado, produto nacional bruto,
barreiras alfandegárias, frete e situação política do país importador são
apenas alguns dos fatores que limitariam ou impediriam uma empresa de
exportar para um país.
Não é menos verdade, porém, que a decisão de exportar deve ser vista muito
mais como o resultado de inclinações, preferências e intuições do executivo-
chefe do que como resultado de um processo mental estruturado, informado
por fatores aparentemente racionais” (p.71).
Cabe aqui uma observação final a respeito do trabalho de Leite, Rocha e
Figueiredo (1988) : seus dados de pesquisa podem ser considerados um tanto
defasados e carentes de atualização, em função das mudanças nos cenários
sócio-econômico, comercial e geopolítico internacionais que ocorreram desde a
época da sua realização, em parte como conseqüências do fenômeno da
globalização. Um outro fator, específico e dos mais relevantes, de modificação da
situação então levantada foi a criação do Mercosul, já na década de 90, que
tornou Argentina, Paraguai e Uruguai (além de Bolívia e Chile, por ora sócios do
bloco) países diferenciados como mercados de exportação para um número
certamente maior de empresas brasileiras, não só do setor de manufatura, como
também de serviços. Parecem, contudo, permanecer válidas muitas das
conclusões dos autores a respeito dos fatores “racionais” e de ordem
comportamental que afetam a escolha pelos executivos de empresas brasileiras
de mercados para ingresso e internacionalização de suas atividades.
2.10.2. Grael e Rocha (1988)
Em seu estudo “O Processo de internacionalização de uma empresa”, Grael e
Rocha (1988, p.128-156) analisam o caso de internacionalização da Rede Globo
de Televisão, caracterizando-o como “clássico exemplo de como uma empresa,
tendo obtido o domínio de vasto mercado interno, ingressa no mercado
internacional através das exportações, chegando finalmente ao investimento
51
direto” (p.151).
Os autores descrevem a trajetória da Rede Globo desde a sua fundação, em
1964, até a época da realização do estudo, em 1987. Partindo de um raio de
atuação local, a empresa se expandiu para um raio regional, depois nacional e,
finalmente, internacional. A decisão da empresa de exportar seus produtos deu-se
como “um imperativo estratégico para a continuidade do crescimento e expansão
da empresa” (p.152), uma vez que sua participação no mercado nacional era
considerada como tendo atingido um nível de saturação. Segundo os autores,
outros fatores de motivação à exportação foram o reforço de imagem da rede e de
sua posição competitiva no mercado nacional, sem que, no entanto, houvesse
maiores expectativas quanto à lucratividade da atividade exportadora.
O primeiro mercado estrangeiro escolhido pela Rede Globo foi Portugal, em
função da similaridade cultural e lingüística com o Brasil (o que demandava
menores investimentos, por exemplo, em dublagem dos programas).
Posteriormente, a empresa expandiu a exportação de seus programas -
primeiramente telenovelas e depois outros gêneros - para a América Latina,
Europa (a partir da Itália) e Estados Unidos (basicamente para a parcela de
telespectadores de língua espanhola).
Em seu primeiro momento de internacinalização, a Rede Globo valeu-se de redes
estrangeiras para a adaptação e distribuição de seus produtos13, num segundo
momento, com sua posição já fortalecida nos mercados estrangeiros, a empresa
partiu para a adaptação e distribuição próprias e passou a oferecer outros
serviços, como assistência técnica e treinamento para emissoras estrangeiras.
Em 1985, a empresa consolidou sua estratégia de penetração no mercado
internacional com a compra da TV Montecarlo, sediada no Principado de Mônaco,
e cujo sinal abrangia parte da França e da Itália.
O histórico de internacionalização da Rede Globo parece estar em conformidade
com o padrão de comprometimento seqüencial previsto pela Teoria de Estágios :
a empresa claramente progrediu no mercado internacional desde países de
menor “distância psíquica” em direção a países culturalmente mais distantes,
13 a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP), para Portugal , e a Televisa (rede mexicana), para omercado latino-americano.
52
dosando progressivamente o grau de comprometimento, risco e controle de suas
atividades.
2.10.3. Brasil et alli (1996)
Em sua “Pesquisa de Campo sobre a Internacionalização de Empresas
Brasileiras”, Brasil et alli (1996, p.57-65) realizam um estudo sobre empresas
brasileiras com operações no exterior14, classificando cinco modos básicos de
presença física destas empresas em mercados estrangeiros (não exclusivamente
no Mercosul), conforme pode ser visto no Quadro II.6.
Quadro II.6 : Modos básicos de presença física de empresas brasileiras emmercados estrangeiros
(Adaptado de Brasil et alli, 1996, p.58-59)
Modo de presença Alguns exemplos
Escritório de vendas ou
assistência técnica, ou agência
Natura, Cemig, Sadia, Weg, Caio, Usiminas,
Eliane, Bamerindus, Itaú, Aços Villares
Depósito Freios Varga, Caio, Tigre, Grendene
Unidade de produção(própria ou em associação)
Metal Leve, Freios Varga, Usiminas, Tigre,
Biobrás, Andrade Gutierrez, Localiza, Caio,
Oxford Cerâmica, Edel, Gazola, Renner ,
Brahma, Odebrecht
Centros de pesquisa Metal Leve, Biobrás, Forja Taurus
Escritório de compras Andrade Gutierrez, Usiminas, Mangels,
Duratex, Inepar
14 relacionadas a partir de uma amostra de 160 empresas de variados setores, das quais 57
enviaram resposta a um questionário padrão.
53
Brasil et alli (1996) identificam também nove fatores determinantes da expansão
internacional de empresas brasileiras, os quais são freqüentemente reforçados
pela iniciativa e orientação internacional de seus líderes; são eles (em ordem
decrescente de importância) :
1) Necessidade de estar próximo do cliente
2) Conquista de novos mercados
3) Acesso à tecnologia
4) Estar presente em blocos regionais
5) Fontes internacionais de financiamento
6) Ultrapassar barreiras protecionistas
7) Ajustar-se às regulamentações do mercado local
8) Acesso à rede de fornecedores
9) Reação ao comportamento da concorrência.
No mesmo trabalho, os autores relacionam ainda os principais obstáculos à
internacionalização apontados pelas empresas pesquisadas (em ordem
decrescente de importância) :
1) Aspectos burocráticos e de legislação do Brasil
2) Aspectos financeiros (dificuldade de acesso às fontes internacionais de
financiamento)
3) Aspectos legais do país receptor (complexidade dos contratos)
4) Diferenças culturais; e
5) Relações e legislação sindicais.
54
Finalmente, os autores listam as maiores dificuldades que as empresas brasileiras
pesquisadas encontram na gestão de negócios internacionais :
1) Acesso à informação
2) Identificação de parceiros
3) Carência de recursos financeiros
4) Diferenças culturais
5) Falta de pessoal capacitado
6) Desconhecimento da prática de negócios em outros países
7) Diferenças nas práticas de relações sindicais e trabalhistas.
55
CAPÍTULO III
METODOLOGIA DO ESTUDO
3.1. Problema e Perguntas de Pesquisa
Este trabalho propõe-se a investigar o processo de internacionalização de uma
empresa brasileira, com ênfase no âmbito do Mercosul. Dois aspectos
relacionados ao início deste processo representam o foco do estudo : a tomada
de decisão de internacionalização e a definição do modo de entrada em um
determinado mercado estrangeiro.
As principais perguntas suscitadas pelo problema de pesquisa descrito acima
são:
a) Como se deu a tomada de decisão de internacionalização da empresa?
a.1) quais as características pessoais do tomador de decisão? Ele tem
orientação internacional? É tolerante a riscos e incerteza?
a.2) que fatores econômicos e comportamentais influenciaram a tomada de
decisão?
a.3) quais foram as percepções da empresa com relação aos estímulos,
barreiras, oportunidades e riscos do processo de internacionalização?
b) Como se deu, efetivamente, o ingresso no mercado estrangeiro?
b.1) qual o modo de entrada escolhido no mercado em questão?
b.2) qual foi a percepção da relação entre risco e retorno e do controle das
atividades referentes ao modo de entrada escolhido?
56
3.2. Método de Pesquisa
3.2.1. Condições para a Escolha do Método
Os trabalhos de pesquisa em Ciências Sociais podem se valer de métodos
quantitativos ou qualitativos. Enquanto os métodos quantitativos têm por objetivo
encontrar medidas em determinadas populações, diretamente ou através de
inferência estatística em amostras, os métodos qualitativos não procuram
propriamente medidas, mas sim realizar análises em profundidade, buscando
descrever e entender o relacionamento entre os fatores envolvidos no problema
em estudo.
Yin (1989) classifica em cinco as estratégias ou métodos básicos de pesquisa
social: experimentos, surveys, análises de arquivos (por exemplo, estudos
econômicos), histórias e estudos de casos. Segundo o autor, três são as
condições que determinam qual o melhor método a ser empregado em um
determinado trabalho:
a) o tipo de pergunta de pesquisa;
b) o grau de controle que o pesquisador tem sobre o evento em estudo;
c) o evento em foco ser contemporâneo ou histórico.
O Quadro III.1 relaciona essas três condições a cada uma das estratégias de
pesquisa, indicando assim qual a mais indicada para cada tipo de estudo.
Segundo Yin (1989), a primeira indicação de qual estratégia de pesquisa deve ser
seguida vem da forma da pergunta de pesquisa. Perguntas do tipo “o que”,
“quem”, “onde”, e “quanto” sugerem a utilização de surveys ou análises de
arquivos, por se prenderem mais à determinação da incidência ou freqüência de
eventos. Por sua vez, perguntas do tipo “como” e “por que” apontam para a
utilização de experimentos, histórias e estudos de casos, por explorarem o
contexto e a dimensão temporal nos quais o fenômeno se desenvolve, sem maior
preocupação com medidas de freqüência.
57
Quadro III.1 : Condições para Escolha de Estratégia de Pesquisa
Estratégia Forma da Perguntade Pesquisa
Controle sobre oevento em foco ?
Foco em eventocontemporâneo ?
Experimento “como”, “por que“ sim sim
Survey “o que”, “quem”,
“onde”, “quanto”não sim
Análise de Arquivo “o que”, “quem”,
“onde”, “quanto”não sim ou não
História “como”, “por que“ não não
Estudo de Caso como”, “por que” não sim
Fonte : Yin (1989, p.17)
Uma vez definida a pergunta de pesquisa, ainda de acordo com Yin (1989), deve-
se observar se o pesquisador tem controle sobre o evento, e se este é
contemporâneo ou passado. Por exemplo, para perguntas do tipo “como” e “por
que“, a história deve ser a estratégia preferida se não houver controle sobre o
evento, pelo fato de este estar absolutamente situado no passado, não havendo
testemunhas vivas para descrevê-lo, o que força o pesquisador a valer-se de
fontes documentais de evidência. No caso de um evento contemporâneo, o
estudo de caso apresenta vantagens sobre a história, por permitir ao
pesquisador, além da consulta a documentos, a observação direta e a realização
de entrevistas.
Com base no exposto no Quadro III.1, pode-se afirmar que o estudo de caso é a
estratégia de pesquisa que apresenta mais vantagens quando uma pergunta do
tipo “como” ou “por que” está sendo associada a um conjunto de eventos
contemporâneos sobre o qual o pesquisador tem pouco ou nenhum controle. Este
parece ser exatamente o caso do trabalho ora apresentado.
3.2.2. O Método do Estudo de Caso
58
3.2.2.a. Definição do Método
O estudo de caso é uma estratégia de pesquisa freqüentemente empregada em
Ciências Sociais, como, por exemplo, a Sociologia, a Antropologia e a
Administração. Yin (1989, p.23) propõe uma definição mais “técnica” para o
estudo de caso, como uma “pesquisa empírica ...
a) que investiga um fenômeno contemporâneo dentro do seu contexto na vida
real;
b) cujas fronteiras entre o fenômeno e seu contexto não são bastante claras;
c) e que usa múltiplas fontes de evidência”.
Goode e Hatt (1975, p.432-433), por sua vez, definem o estudo de caso como
“um modo de organizar os dados em termos de uma determinada unidade
escolhida, como a história de um indivíduo ou de um grupo, ou de um
processo social delimitado”, utilizando-se técnicas como entrevistas,
questionários, consultas a documentos etc. Para estes autores, “a
manutenção do caráter unitário do caso é auxiliada pela amplidão e níveis
acrescentados aos dados obtidos, o uso de índices e tipologias, e a ênfase
na interação em uma dimensão de tempo” (p.433).
Yin (1989) afirma ainda que “a essência de um estudo de caso, sua tendência
central, é que ele tenta iluminar uma decisão ou um conjunto de decisões, por
que elas foram tomadas, como elas foram implementadas e com que resultado”
(p.22-23). Nesta definição, segundo o autor, a palavra “decisões” poderia ser
substituída, por exemplo, por “organizações”, “programas” ou “processos”.
3.2.2.b. Classificação do Método
Um estudo de caso pode basear-se em um único caso ou em múltiplos casos,
além de poder ser exploratório, descritivo ou explanatório. Yin (1993) resume as
diferentes combinações destas possibilidades através de uma matriz 2x3, em um
total de seis possíveis classificações para um estudo de caso. Assim, um estudo
de caso pode ser :
59
• simples e exploratório • simples e descritivo • simples e explanatório
• múltiplo e exploratório • múltiplo e descritivo • múltiplo e explanatório
Um estudo de caso é dito exploratório quando busca definir as questões e
hipóteses para um estudo subseqüente (não necessariamente em forma de caso)
ou determinar a exeqüibilidade de um procedimento de pesquisa. Um estudo de
caso descritivo é aquele que apresenta a descrição abrangente de um evento
dentro do seu contexto. E, finalmente, um estudo de caso explanatório apresenta
dados que dão suporte a uma relação de causa e efeito verificada em um evento
(Yin,1993).
Este trabalho pode então ser classificado como um estudo de caso simples e
exploratório: simples porque aborda um único caso, e exploratório porque aborda
um assunto pouco estudado até o momento, o da tomada de decisão de
internacionalização de uma empresa brasileira no Mercosul e da escolha do
modo de entrada no mercado estrangeiro, levantando questões a serem
respondidas por ele próprio e por trabalhos a serem futuramente realizados.
3.2.2.c. Críticas ao Método
A utilização do estudo de caso como método de pesquisa social empírica tem
sido ao longo do tempo alvo de algum preconceito no meio acadêmico. Algumas
pessoas afirmam que o estudo de caso sofre de uma certa falta de rigor,
adjetivando-o de “fácil” ou “pouco estruturado”; outras alertam que o método pode
levar a conclusões equivocadas por influência de vieses ou de falsas evidências.
A estas alegações Yin (1989) responde que os problemas citados não são
exclusivos do estudo de caso, mas comuns a outros métodos. Vieses podem
também ocorrer, por exemplo, na formulação de questionários de surveys. Aos
que consideram os métodos quantitativos mais fidedignos, Campomar (1991,
p.96) lembra da necessidade de precisão não apenas no tratamento estatístico
dos dados, mas também na fase de coleta dos mesmos; segundo o autor, “o que
se vê, muitas vezes, são tratamentos estatísticos com técnicas sofisticadas sobre
dados mal coletados, nos quais aparecem amostras mal feitas (não aleatórias),
60
além de mau uso de testes paramétricos de inferência”.
Outro tipo comum de crítica ao método do estudo de caso é referente à sua
dificuldade de generalização a partir de um estudo individual. Yin (1989, p.21)
rebate esta crítica afirmando que
“os estudos de caso, assim como os experimentos, são generalizáveis para
proposições teóricas, e não para populações ou universos. O estudo de caso
não representa uma amostra, e o objetivo do pesquisador é expandir e
generalizar teorias (generalização analítica) e não enumerar freqüências
(generalização estatística)”.
Portanto, os problemas mais comumente apontados no estudo de caso podem
ser também considerados inerentes a outros métodos mais aceitos de pesquisa.
O preconceito reinante quanto ao estudo de caso pode ser talvez atribuído à sua
introdução relativamente recente na pesquisa social; a pouca literatura existente a
seu respeito e a pouca experiência na sua aplicação contribuíram para que
alguns trabalhos pioneiros apresentassem falhas e dessem ensejo às críticas de
parte do meio acadêmico. Campomar (1991, p.97) sugere que
“o estudante que esteja trabalhando em sua dissertação de mestrado ou tese
de doutoramento em Administração deve ter a coragem de usar o método de
estudo de caso em suas pesquisas, quando indicado, sem intimidar-se por
possíveis preconceitos e sem se deixar seduzir por técnicas quantitativas
tornadas acessíveis pela moderna tecnologia de processamento de dados”.
3.3. Escolha do Caso
O caso a ser estudado - o da Amil (Assistência Médica Internacional) - foi
selecionado a partir de um conjunto de experiências notórias de
internacionalização de empresas brasileiras, divulgadas nos meios acadêmicos e
na imprensa, através de periódicos especializados em negócios (Marketing,
Management, Economia, Comércio internacional etc.) ou de interesse e
circulação gerais.
61
A relevância do caso selecionado está relacionada ao fato de a Amil ser uma das
principais empresas do seu setor (o de assistência médica privada) no Brasil, e
ter sido pioneira no investimento direto em outro país do Mercosul, no caso a
Argentina.
Contribuiu também para a escolha da Amil como objeto deste estudo a facilidade
de contato e a receptividade dos seus dirigentes à realização do mesmo.
3.4. Fontes de Informação e Coleta de Dados
Na primeira etapa da pesquisa, ao mesmo tempo em que se procedeu à revisão
da literatura sobre a tomada de decisão de internacionalização de empresas,
procurou-se coletar a maior quantidade possível de informações publicadas em
jornais e revistas sobre o assunto em estudo, com ênfase no material disponível a
partir da época da constituição do Mercosul (1991) e relacionado a empresas
brasileiras de diversos setores e indústrias.
Em um segundo momento, a partir da definição da Amil como objeto do estudo
de caso, procurou-se coletar as informações disponíveis especificamente sobre
essa empresa, em livros, revistas e jornais, nacionais e estrangeiros, e também
através de consultas à homepage da empresa na Internet (no Brasil e na
Argentina) e de contatos informais com pessoas com conhecimento sobre a
organização. Este levantamento procurou retroceder no tempo até o início da
década de setenta, época da fundação da Amil.
Dentre as fontes consultadas, tiveram especial destaque as revistas Exame, Veja
e Istoé, com um bom número de matérias publicadas ao longo dos anos a
respeito da Amil e do seu setor como um todo; os jornais O Globo, Jornal do
Brasil e, principalmente, Gazeta Mercantil, que contribuiu com rico material
publicado no seu caderno “C”, especializado em empresas e negócios, e na
“Gazeta Mercantil Latino-Americana – Semanário do Mercosul”. Em termos de
meios eletrônicos de informação, obtiveram-se preciosas informações nas
homepages da Amil no Brasil (http://www.amil.com.br/) e na Argentina
(http://www.amil.com.ar/), e também nos CD-ROM’s da Revista Exame, da
62
Gazeta Mercantil e do Banco Mundial, este especialmente com relação a
informações macroeconômicas incluídas na introdução do trabalho.
Finalmente, a partir dos conceitos apreendidos da revisão bibliográfica, e de
posse de informações relevantes sobre o histórico e a situação atual da Amil,
estruturou-se um questionário básico, que procurou abranger e investigar em
profundidade as questões de pesquisa.
O questionário foi aplicado em entrevistas realizadas em fevereiro de 1998 na
sede da empresa em Buenos Aires, Argentina, junto ao seu principal executivo
naquele país, o Dr. Paulo Marcos Senra Souza (Presidente da Amil Argentina) e à
sua Gerente de Marketing, Sra. Maria Eugenia Nájera. Para evitar a perda de
informações e facilitar a posterior transcrição dos dados, as entrevistas foram
gravadas em fitas K7, em um total aproximado de duas horas. Por ocasião da
entrevista, coletou-se também interessante material promocional da empresa na
Argentina e notas e matérias publicadas a seu respeito na imprensa daquele país.
Todo esse material integra o arquivo de dados sobre internacionalização de
empresas do COPPEAD/UFRJ, tendo sido colhido através de financiamento do
PRONEX - Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (FINEP/CNPq/CAPES).
O Anexo II apresenta o roteiro básico utilizado para a entrevista.
3.5. Análise dos Dados
A análise do caso em estudo está organizada em torno das perguntas de
pesquisa anteriormente definidas, que se referem aos dois problemas básicos
enfocados pelo estudo, ou seja, a tomada de decisão de internacionalização e a
escolha do modo de entrada no mercado estrangeiro. Assim, procuraram-se
resgatar informações na descrição do caso que esclarecessem cada uma dessas
perguntas e buscou-se verificar se as observações feitas encontravam ou não
suporte, em termos de previsão ou explicação, nos conceitos levantados na
revisão da literatura.
63
3.6. Limitações do Estudo
As limitações deste trabalho são basicamente de três naturezas: as decorrentes
do próprio método do estudo de caso, as decorrentes da dificuldade de acesso
aos dados e as decorrentes das percepções dos entrevistados.
3.6.1. Limitações do Método
O estudo de caso não permite generalizações para o universo em questão, neste
caso o de empresas brasileiras em processo de internacionalização no Mercosul.
No entanto, determinados aspectos desse processo podem ocorrer em
circunstâncias semelhantes às enfocadas neste estudo.
3.6.2. Dificuldade de Acesso aos Dados
Alguns dados não puderam ser coletados, o que ocorreu por simplesmente não
existirem, ou por serem confidenciais ou ainda por não terem sido
disponibilizados pela empresa.
3.6.3. Percepções dos entrevistados
É comum na realização de entrevistas para a realização de estudos de casos
ocorrerem vieses cognitivos ou seletividade de memória por parte dos
entrevistados.
64
CAPÍTULO IV
ESTUDO DE CASO
4.1. Descrição do caso Amil
4.1.1. O sistema de saúde pública no Brasil
Até a década de sessenta, os serviços de saúde eram, em geral, prestados à
população brasileira por grandes hospitais públicos (como, no caso do Rio de
Janeiro, o Miguel Couto, o Souza Aguiar e o Getúlio Vargas), que funcionavam
como pronto-socorros. Os demais tipos de atendimento (ambulatorial, clínico e
cirúrgico) eram realizados em grandes institutos de aposentadoria e pensão,
criados na era Vargas para atendimento por categoria profissional. No Rio de
Janeiro, institutos como o IAPI (Hospital de Ipanema, destinado aos industriários),
IAPB (Hospital da Lagoa, para os bancários) e o IAPM (Hospital do Andaraí, para
os marítimos), entre outros, eram considerados modelos de referência.
Com a criação do INPS, em 1966, o atendimento médico ao trabalhador foi
centralizado, e a qualidade dos serviços prestados por aqueles institutos caiu
sensivelmente. Contribuíram para esta perda de qualidade do sistema público de
saúde ao longo dos anos fatores como :
• o aumento dos custos médicos, motivado pela crescente sofisticação
tecnológica dos tratamentos, pela maior participação de idosos na população e
pelo surgimento ou recrudescimento de doenças de tratamento prolongado (e
por vezes incuráveis), como câncer, AIDS e tuberculose;
• as restrições orçamentárias aos serviços públicos de saúde, que provocam um
desequilíbrio entre a oferta e a demanda dos mesmos, causa das longas filas
de espera por um atendimento muitas vezes insatisfatório;
65
• e a burocracia característica dos sistemas públicos, que tornam as despesas
administrativas muitas vezes tão ou mais pesadas do que as despesas
médicas propriamente ditas.
Já nos anos sessenta surgiram as primeiras iniciativas isoladas de medicina de
grupo, representadas por convênios privados entre médicos e determinadas
empresas e comunidades. Na década de setenta, em função da demanda por
serviços de saúde de melhor qualidade, expandiu-se o número de empresas de
medicina de grupo, ao mesmo tempo em que companhias seguradoras passaram
a ampliar os seus serviços para a área de saúde. O crescimento do sistema
médico particular desde aquela época foi estimulado ainda por outros fatores,
como a perda de poder aquisitivo da população – um plano para toda a família
poderia custar, muitas vezes, o valor de uma única ida a um consultório particular
- e a multiplicação das faculdades de medicina, que geraram um excesso de
oferta de profissionais sem outra opção de trabalho além das empresas de
medicina de grupo.
Atualmente, as empresas prestadoras de serviços particulares de saúde podem
ser divididas em cinco grandes grupos : os seguros saúde, as empresas de
medicina de grupo, as administradoras de planos de saúde, os convênios diretos
(ou de auto-gestão) e as cooperativas médicas (também conhecidas como
Unimed’s).
• Os seguros-saúde cobrem despesas com internações, cirurgias e honorários
médicos (e eventualmente consultas e exames) de acordo com os limites e
regras estabelecidos em uma apólice do segurado. Em geral, o segurado paga
suas despesas na ocasião do atendimento e é reembolsado posteriormente
pela companhia seguradora; ele tem ainda a liberdade para escolher médicos
e hospitais da sua preferência. Os seguros saúde têm legislação específica e
são fiscalizados pela Superintendência de Seguros Privados, a SUSEP.
• As empresas de medicina de grupo têm serviços próprios, ou seja, possuem
seus próprios hospitais e os médicos são seus funcionários (embora
eventualmente possam ser apenas conveniados). O associado não precisa
pagar nada por ocasião do atendimento, e ainda conta, em alguns casos, com
reembolso em caso de utilização de serviços não credenciados. Apesar de ser
66
mais barata que o seguro saúde, a opção por uma empresa de medicina de
grupo implica na perda da liberdade de escolha de médicos e hospitais.
• Os planos de saúde funcionam de modo semelhante à medicina de grupo,
sendo a principal diferença a não existência, no caso dos planos de saúde, de
serviços próprios : todos os médicos, laboratórios e hospitais são apenas
prestadores de serviços (terceirizados). Os planos de saúde permitem uma
maior liberdade de escolha dos médicos e hospitais, sendo, no entanto, um
pouco mais caros que a medicina de grupo. Nenhum destes dois sistemas
dispõe ainda de legislação específica (que tem sido objeto de debates no
Congresso Nacional), sendo controlados até o momento apenas por um código
de ética e um conselho de auto-regulamentação.
• Os convênios diretos (ou de auto-gestão) são constituídos por empresas que
contratam diretamente os serviços de determinados médicos e hospitais, para
atendimento exclusivo aos seus funcionários e respectivos dependentes; em
alguns casos, essas empresas chegam a montar seus próprios ambulatórios. A
principal vantagem da auto-gestão é a inexistência de intermediários, com a
possibilidade de um melhor atendimento, uma vez que a própria empresa
administra e fiscaliza o convênio.
• Por fim, as cooperativas médicas, também conhecidas como Unimed’s, são
formadas e dirigidas por médicos, que são os próprios donos do negócio.
Hospitais, laboratórios e serviços auxiliares são, em geral, contratados.
O Quadro IV.1 apresenta um quadro geral da participação das empresas dos
diferentes tipos no mercado de medicina particular no Brasil.
67
Quadro IV.1: Números do Sistema Médico Particular no Brasil (em milhares de usuários)
Empresa Seguros-Saúde
Med. grupoPlanos de saúde
Coop. médicas Auto-gestão Total Participação
%
Golden Cross 560 1.440 2.000 4,9
Sul América 1.700 1.700 4,2
Bradesco 1.600 1.600 3,9
Amil (RJ) 800 800 2,0
Amico (SP) 500 500 1,2
Intermédica (SP) 400 400 1,0
Outras 840 14.100 14.940 36,5
Unimed's (320 coop.) 10.000 10.000 24,4
Auto-gestão 9.000 9.000 22,0
Total 4.700 17.240 10.000 9.000 40.940 100,0
% Participação 11,5 42,1 24,4 22,0 100,0
Fonte : Jornal do Brasil, 24 de agosto de 1997, p. 28
4.1.2. A criação da Amil
As origens da Amil remontam ao ano de 1971, quando o médico então recém-
formado Edson de Godoy Bueno comprou uma casa de saúde em Duque de
Caxias (RJ), com trinta e cinco leitos dedicados principalmente a obstetrícia, e
que se achava à beira da falência. Ao adquirir o negócio, Bueno estava certo de
que o problema do hospital era má administração e de que qualquer melhoria no
atendimento às pacientes poderia tornar-se um grande diferencial numa das
regiões mais pobres e carentes de serviços de saúde no Estado do Rio de
Janeiro. Assim, graças a medidas simples e de custo relativamente baixo, como a
oferta de um refrigerante e de transporte grátis às gestantes que iam fazer
exames pré-natais, além de sorteios de fraldas, berços e outros produtos do seu
interesse, as pacientes passaram a se sentir tratadas com atenção e carinho, e
em pouco tempo o número de usuárias do hospital dobraria.
68
Decorrido um ano da nova administração, o número de partos no hospital havia
saltado de setenta para cento e quarenta por mês, os salários estavam em dia, e
o serviço incluía um inédito plantão de pediatria. Em 1973, Bueno contrataria
outros três médicos que viriam a formar com ele uma equipe gerencial
responsável pelo contínuo crescimento do negócio – os doutores Jorge Ferreira
da Rocha, Paulo Marcos Senra Souza e Carlos Oswald Monteiro. Em 1978,
quando os seiscentos e quarenta partos por mês já faziam daquela casa de
saúde a maior maternidade do Estado do Rio de Janeiro, decidiu-se adquirir um
hospital geral da região e transformá-lo num hospital para crianças, que viria em
pouco tempo a ser reconhecido nos meios médicos como tendo uma das
melhores UTI’s pediátricas do país. Em seguida, mais dois hospitais, desta vez
voltados para adultos, seriam adquiridos e também transformados em modelos
de tecnologia avançada e inovação. Este conjunto de hospitais passaria a ser
administrado por uma empresa criada com este fim, a Empresa de Serviços
Hospitalares, a ESHO.
Em 1978, aquele grupo de quatro médicos percebeu uma oportunidade no setor
de medicina de grupo, cujos líderes vinham apresentando crescimento
vertiginoso. Ciente de que o atendimento médico era, de modo geral, abaixo das
expectativas dos clientes, e de que serviços com mais qualidade poderiam ser
oferecidos, a equipe resolveu criar seu próprio plano de saúde e ampliar para
todo Brasil a experiência bem-sucedida na Baixada Fluminense. Em 1979 era
fundada a Amil, Assistência Médica Internacional, com a missão de “garantir a
uma parcela importante da população acesso ao que a medicina tem de melhor”.
A favor da nova empresa contava o fato de seus dirigentes serem médicos,
donos de uma história de sucesso na administração de hospitais, e inspirar-se no
que havia de mais moderno no mundo em administração de sistemas de saúde.
69
4.1.3. A estratégia para o crescimento
No início dos anos oitenta, a empresa líder do mercado de planos de saúde – a
Golden Cross - tinha uma participação de mercado mais de cem vezes superior à
da Amil. Mas a Amil tinha o ambicioso plano de tornar-se a líder, e para tanto
resolveu apostar na qualidade percebida de seus serviços. A estratégia adotada a
partir de então foi a de diferenciação em relação à líder, identificando inicialmente
seus pontos fracos, e buscando sempre a inovação em aspectos como produtos,
propaganda, posicionamento, vendas e relacionamento com fornecedores e
clientes.
4.1.3.a. Novos produtos
Um passo decisivo para a Amil em seus primeiros anos foi a oferta nos seus
planos de consultas e exames sem limites, numa época em que os concorrentes
permitiam poucas consultas por ano aos seus clientes. Esta oferta tornou-se
tangível através do lançamento do Cheque-Consulta e do Cheque-Exame.
Em 1984, a Amil inovaria mais uma vez com o lançamento do Plano Amil Dental,
o primeiro plano odontológico particular do país, que garantia aos clientes
(individuais e, principalmente, de empresas) um atendimento de qualidade em
uma rede de dentistas credenciados.
No ano de 1992 seria lançado o Clube do Amilzinho, uma promoção que
realizava uma ampla pesquisa junto a pais e mães de família (clientes ou não da
Amil), e distribuía brindes e revistas educativas a seus filhos. Os objetivos básicos
do Clube do Amilzinho eram três: primeiro, reforçar o relacionamento com os
clientes da empresa e estabelecer contato com não clientes, pela oferta de um
plano de saúde voltado para as necessidades específicas das crianças; segundo,
formar uma nova geração de clientes, as crianças então atendidas que iriam, no
futuro, formar suas próprias famílias e adquirir seus próprios planos de saúde; e,
por fim, formar um banco de dados específicos sobre a saúde das crianças,
permitindo assim o estabelecimento das condições e preços mais adequados nos
planos destinados a este nicho de mercado.
70
Em 1993, a Amil lançava outra novidade no mercado: o Plano Amil Resgate
Saúde, que proporcionava o atendimento rápido em localidades de difícil acesso,
com a remoção – em ambulância ou helicóptero – do cliente para o hospital
credenciado mais próximo. A garantia da cobertura de todo o tratamento
(inclusive a internação) até que o paciente recebesse alta era inédita no Brasil e
no mundo. O Resgate Saúde era, assim como o Clube do Amilzinho, destinado a
reforçar o relacionamento com os clientes da Amil, que pagariam pelo novo plano
uma pequena taxa adicional em suas mensalidades, e a captar novos clientes.
No ano de 1995, a Amil dava novas provas da sua capacidade de inovação ao
lançar o Programa Amil de Medicamentos e a “carência zero” nos seus planos. O
programa de medicamentos concedia aos associados da empresa no eixo Rio-
São Paulo descontos na compra de um grande número de remédios (na sua
maioria de uso contínuo) nas lojas da rede Farmalife, pertencente ao grupo; já a
“carência zero” era uma condição de plano de saúde pela qual o associado, uma
vez aprovado em uma investigação a respeito da sua saúde, ficava dispensado
de cumprir prazos de carência para uma série de tratamentos, inclusive cirurgias.
4.1.3.b. A comunicação com os clientes
Outro importante elemento na estratégia de crescimento da Amil foi a
comunicação direta com seus clientes. As campanhas publicitárias da empresa,
nas quais foi investida boa parte da receita dos seus primeiros anos, procuravam
reforçar sua imagem e sua marca, ao mesmo tempo em que divulgavam um
número de telefone de fácil memorização, com a terminação 1000, que rimava
com o nome da empresa. O telefone da Amil ficou tão conhecido do grande
público, que freqüentemente ligavam para a empresa pessoas que, na verdade,
pensavam estar falando com algum concorrente ou com a própria Polícia ou
Corpo de Bombeiros.
Ao longo do tempo, os comerciais da Amil sempre tiveram a preocupação de
denotar a excelência dos seus serviços. Em alguns momentos, as campanhas da
empresa chegaram a ter um tom mais agressivo, partindo para um confronto
direto com a concorrência. Em 1989, por exemplo, a Amil divulgou em seus
71
comerciais duas pesquisas que indicavam a preferência dos médicos pela Amil
em comparação com a Golden Cross. Se por um lado a polêmica despertada
colaborou para a maior retenção da sua marca, por outro causou à empresa
problemas na Justiça com os concorrentes e alguns órgãos da imprensa. Nos
anos seguintes, a Amil partiu para campanhas mais leves, que visavam a
construção da sua imagem através de sofisticados recursos de computação
gráfica, músicas de impacto e muita originalidade.
Outro fator relevante de diferenciação da Amil, de acordo com a idéia de
comunicação direta, foi a montagem de uma equipe própria de vendas, que
permitiu à empresa, ao contrário da concorrência (que se utilizava de
concessionárias), controlar de perto a qualidade e o impacto das vendas junto
aos clientes. Com o tempo, viriam a ser criadas também agências de
atendimento, voltadas para um contato personalizado, rápido e desburocratizado
entre cliente e empresa.
Criado em 1988, com a finalidade de servir como canal de acesso do cliente à
empresa, o sistema de Telemarketing da Amil se destina a resolver os problemas
dos clientes por telefone, desde o esclarecimento de dúvidas contratuais até o
fornecimento de orientações básicas por parte de um médico de plantão em
casos de emergência.
4.1.4. A capacitação profissional
A Amil investe uma média histórica de 3% do seu faturamento em treinamento,
destinado não somente aos seus funcionários, mas também a fornecedores e
clientes. Criada em 1993, a Escola Amil de Administração oferece programas
organizados em forma de palestras, cursos e seminários que contam com a
participação de autores e empresários de renome internacional. Entre esses
programas, destacam-se o Amil Business Administration, que visa atualizar o
pessoal a nível de chefia em relação aos mais avançados conceitos técnico-
administrativos, e o Amil Selling Administration, voltado para o desenvolvimento
dos profissionais da área comercial.
72
Paralelamente aos programas na área comercial, a Amil disponibiliza aos seus
médicos credenciados uma biblioteca com um vasto acervo de livros, fitas de
vídeo e revistas especializadas, e o Programa de Apoio Científico (P.A.C.), que
fornece subsídios para pesquisas científicas e aperfeiçoamento profissional.
4.1.5. A diversificação dos negócios
Na década de oitenta, a Amil cresceu continuamente e firmou-se como uma das
maiores empresas do setor de serviços de saúde no Brasil. Paralelamente a este
crescimento, a Amil buscou diversificar seus negócios, realizando naqueles anos
uma série de aquisições e reestruturações, e transformando-se num grupo de
empresas, com atuação no Brasil e no exterior.
A diversificação do grupo Amil começou pela aquisição, em 1985, em conjunto
com a Golden Cross, dos Laboratórios Médicos Dr. Sérgio Franco. Já em 1986
era criada a Promarket, agência de propaganda e marketing responsável pelo
lançamento e acompanhamento de novos produtos e pelo planejamento e
execução das campanhas publicitárias do grupo Amil.
O primeiro grande empreendimento da Amil fora do setor de saúde foi a criação,
em 1987, da EAT (Empresa de Alimentação do Trabalhador). O mercado de
vales-alimentação, na época em franca expansão, era interessante para a Amil
na medida em que apresentava sinergia com o seu setor original, do ponto de
vista do público-alvo comum - as empresas-clientes - e permitia ao grupo valer-se
de vantagens competitivas desenvolvidas ao longo de anos no setor de planos de
saúde, tais como o poder de comunicação com o público (através da Promarket e
do Telemarketing), a força de vendas já existente e o conhecimento dos principais
canais de distribuição para os novos produtos, representados pelos
departamentos de Recursos Humanos das empresas já associadas. Também
fora do setor de saúde, viriam a ser criadas a Hangar 116 - uma agência de
viagens e turismo - e a Sociedade Agropecuária Imaculada Conceição, formada
por fazendas nos estados de Goiás e Pará.
Em 1994, seria lançada a rede Farmalife de drogarias (“farmashops”), atuante no
73
Rio de Janeiro e em São Paulo, e na qual os associados dos planos de saúde
Amil poderiam dispor de descontos de até 50% em uma série de medicamentos.
Ao mesmo tempo em que se diversificava, o Grupo Amil passou a crescer para
fora do Estado do Rio de Janeiro. Em 1983, o grupo abriria filial em São Paulo;
em 1988, em Brasília; e, em 1989, em Curitiba. Através de um sistema de
franquias, a Amil está ainda presente no Maranhão, Piauí, Pará, Ceará, Goiás e
Rio Grande do Sul.
No final de 1997, o Grupo Amil, àquela altura atingindo um faturamento anual de
US$ 1,2 bilhão15, resolveu partir para uma reestruturação, com o objetivo de
novamente concentrar-se no seu negócio principal, o de saúde. Com isso, os
demais negócios passariam a ser vendidos ou terceirizados. Um exemplo deste
novo direcionamento foi a passagem do controle da EAT, em fevereiro de 1998,
para uma de suas maiores concorrentes, a Ticket.
À época da realização deste estudo, o Grupo Amil era constituído por cerca de
vinte empresas, estando as principais, em termos estratégicos ou de faturamento,
listadas no Anexo III.
4.1.6. A internacionalização da Amil
A globalização característica da década de 90 trouxe um cenário bem mais
competitivo ao mercado de medicina privada no Brasil, com a entrada de grandes
bancos nacionais (como o Bradesco e o Itaú) e a abertura a poderosos
competidores estrangeiros, os quais compraram ou se associaram a diversas
empresas já atuantes no país.
Em vez de vender ou associar a Amil a um desses grandes grupos internacionais,
Edson de Godoy Bueno decidiu enfrentá-los, partindo para a internacionalização
da empresa. Ao aceitar o desafio da globalização, duas eram as suas intenções:
diminuir a dependência em relação ao mercado brasileiro (“não colocar todos os
ovos no mesmo cesto”) e antecipar os movimentos dos novos concorrentes,
15 Gazeta Mercantil, 17/03/98, p. C-8
74
aprendendo como eles atuavam em seu próprio território. O sonho de Edson
passava a ser transformar a Amil numa empresa global de saúde, com uma rede
de estabelecimentos e serviços médicos de alta qualidade destinados a atender
clientes que moram e viajam por todo o mundo.
A Amil partia, então, quase simultaneamente, para as suas duas primeiras
experiências de internacionalização: em 1994, os Estados Unidos; e, em 1995, a
Argentina.
4.1.6.a. A ida para os Estados Unidos
O ingresso da Amil nos Estados Unidos, origem de várias das grandes empresas
estrangeiras entrantes no mercado brasileiro de medicina privada, deu-se,
curiosamente, através de um negócio diferente da sua atividade principal. Em
1994, Edson de Godoy Bueno formou sociedade com um amigo norte-americano,
ex-colega de um curso em Harvard, proprietário de uma pequena rede de fast-
food, a Crocodile, com sede em Pasadena, na Califórnia. A Crocodile, que em
1998 pertencia ainda à Amil e contava com dez lojas, serviu como um meio de
conhecer a burocracia e o ambiente de negócios nos Estados Unidos, enquanto a
Amil tentava obter das autoridades a licença para operar no mercado norte-
americano de health care.
Já naquela época, a Amil passou a ser citada em revistas e livros especializados
em management como um caso de referência de inovação em marketing, e,
ainda em 1994, rompeu as barreiras da burocracia e da desconfiança americana,
conseguindo fundar no Estado de Nevada a Health Visions, primeira empresa de
origem estrangeira com licença para atuar em health care nos Estados Unidos.
Em 1998, além da unidade em Las Vegas (Nevada), a Amil International Health
Corporation mantinha uma sede em Austin (Texas) e um escritório central em
Miami (Flórida), cidade que recebe boa parte dos turistas brasileiros e argentinos
que visitam os Estados Unidos.
4.1.6.b. A ida para a Argentina
75
A outra grande investida da Amil no estrangeiro deu-se na Argentina, em 1995.
Esse país representava um mercado atraente para a empresa por uma série de
razões :
• as facilidades promovidas pela consolidação do Mercosul, em termos de
abertura econômica e de movimentação de pessoas e capitais;
• a possibilidade de acompanhar o movimento de empresas brasileiras em
direção ao país vizinho, muitas delas clientes corporativos da Amil no Brasil.
• a Argentina era o maior mercado da América do Sul, depois do Brasil, e com
um grande potencial de crescimento, uma vez que apenas 7% dos argentinos
possuíam planos particulares de saúde (contra uma taxa de 30% no Brasil);
• o ambiente de estabilidade econômica existente no país desde o início dos
anos 90, após a implantação do Plano Cavallo;
• o nível sócio-econômico da população argentina era tradicionalmente mais
elevado que o brasileiro;
• o mercado local era pulverizado e não apresentava concorrentes poderosos;
• a proximidade geográfica, que permitia um vôo entre Buenos Aires e o eixo
Rio-São Paulo em menos de três horas;
• e a visibilidade que a empresa ganharia estando presente nos três maiores
centros urbanos do continente (São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires).
76
4.1.7. A EAT na Argentina
A primeira experiência do grupo Amil na Argentina foi através da EAT (Empresa
de Alimentação do Trabalhador), dedicada à comercialização de refeições-
convênio. A EAT foi escolhida dentre as empresas do grupo para servir como
ponta-de-lança no país vizinho por ter uma estrutura relativamente simples e por
estar buscando uma alternativa às dificuldades enfrentadas por seu negócio no
mercado brasileiro, em função das altas taxas de inflação em vigor na ocasião.
As operações da EAT na Argentina começaram em 1993 e foram em um primeiro
momento muito bem sucedidas, graças a uma estratégia de diferenciação de
seus produtos e serviços com relação às duas empresas que até então
praticamente dividiam o mercado entre si (a Ticket e a Luncheon), e de foco
voltado a micro e pequenas empresas situadas na periferia de Buenos Aires.
Contudo, as reformas trabalhistas promovidas pelo governo argentino a partir de
1995, que estimulavam as empresas a reduzir os benefícios concedidos aos seus
empregados como uma forma de aumentar sua competitividade e combater o
desemprego no país, tornaram os negócios da EAT cada vez menos
interessantes. Uma vez tendo a empresa cumprido o seu papel de
“reconhecimento do terreno”, o grupo Amil resolveu vendê-la a um concorrente. O
presidente da Amil Argentina, Paulo Marcos Senra Souza, se referiu a este
episódio como um “golpe de sorte”, pois, apenas dois meses depois desta venda,
o governo argentino restringiu ainda mais a concessão de benefícios por parte
das empresas a seus funcionários, o que praticamente inviabilizou o mercado de
refeições-convênio.
4.1.8. A Amil na Argentina
No final de 1994, a Amil começou a atuar no seu negócio principal na Argentina,
realizando pesquisas de marketing e iniciando a contratação de pessoal e de
serviços médicos e hospitalares. Uma importante contratação foi a de Maria
Eugenia Nájera, professora universitária que coordenou as pesquisas e que viria
77
a se tornar a gerente de marketing da Amil Argentina; foram também contratados
uma empresa local de relações públicas e assessoria de imprensa e um
advogado especializado na condução dos aspectos jurídicos e legais envolvidos
no estabelecimento da nova empresa.
4.1.9. O sistema de saúde pública argentino
A saúde pública na Argentina representa um mercado de US$ 20 bilhões anuais,
equivalentes a 7% do PIB e a um gasto de US$ 600 por habitante, taxas das mais
altas na América Latina16. Este sistema é basicamente administrado pela obras
sociales, instituições controladas por sindicatos de trabalhadores, num total de
duzentos e oitenta. Através das obras sociales, instituídas há mais de cinqüenta
anos, durante o governo Perón, os trabalhadores e seus familiares são assistidos
somente nos hospitais e postos de saúde mantidos pelos sindicatos de suas
respectivas categorias, para quem descontam parte (7% em média) de seus
salários.
Em uma tentativa de reduzir os custos das obras sociales, o governo argentino
vem nos anos 90 abrindo o mercado de saúde pública, através do incentivo à
maior participação das empresas privadas do setor. Apesar da resistência dos
sindicatos, a reforma tem avançado, e a idéia é de que os trabalhadores deixem
gradualmente de ser descontados em seus salários e passem a gastar o valor
equivalente no pagamento das mensalidades de planos de medicina privada.
No início de 1998, sete por cento da população argentina (cerca de dois milhões
de pessoas) dispunham de planos particulares de saúde. Este mercado, que
correspondia a US$ 2,3 bilhões anuais, estava pulverizado em cerca de duzentas
companhias, das quais a quase totalidade tinha origem nacional17. A líder em
faturamento era a Medicus, com US$ 200 milhões anuais, enquanto a empresa
que contava com o maior número de clientes era a Amsa, com 240.000 filiados,
16 Para efeito de comparação, o gasto anual por habitante com saúde no Brasil gira em torno deUS$ 240. 17 Atualmente alguns grupos estrangeiros, por exemplo americanos e suíços, já atuam no mercadoargentino através de aquisição de empresas locais.
78
entre titulares e dependentes18.
4.1.10. O consumidor argentino
As pesquisas de marketing levantaram informações valiosas com relação ao
mercado de medicina privada na Argentina e ao comportamento de seus
consumidores. O argentino costuma ser, por natureza própria e em função dos
traumas adquiridos ao longo de uma série de planos econômicos mal sucedidos,
bastante cauteloso em seus relacionamentos comerciais e bancários; estima-se
que apenas 20% da população argentina tem contas em bancos, preferindo
guardar seu dinheiro “no colchão”. É um consumidor tremendamente exigente,
especialmente com relação a planos de saúde, pois busca manter a qualidade e
a abrangência dos serviços que lhe eram oferecidos pelo sistema público de
saúde; o argentino não briga tanto por preço, mas por cobertura : como não há
ainda coberturas mínimas claramente regulamentadas, ganham a preferência do
consumidor as empresas que oferecem os serviços mais abrangentes.
4.1.11. A contratação de pessoal
Ao mesmo tempo em que se realizavam as pesquisas de marketing, começavam
a realizar-se as primeiras contratações de pessoal, tarefa que apresentou
naquele primeiro momento alguma dificuldade. A idéia de absorver profissionais
do mercado local (evitando a importação de brasileiros), na tentativa de facilitar a
solução de problemas de comunicação, diferenças culturais e legislação,
esbarrou na dificuldade de selecionar pessoas que se adaptassem à mentalidade
inovadora da Amil com relação a serviços e que não tivessem os vícios de
comportamento herdados de um sistema fechado e sem estímulo à concorrência.
A esses problemas somava-se a inexistência de uma força de vendas de planos
de saúde profissionalizada, com conhecimentos sobre técnicas de vendas e
18 Gazeta Mercantil, 13/03/97, p.C-8
79
sobre os produtos e serviços em si.
De modo geral, as primeiras contratações foram de pessoas com nível superior
atingidas pelo desemprego estrutural existente na Argentina, as quais receberam
treinamento para suas novas funções.
4.1.12. A estratégia de comunicação da Amil na Argentina
Para conquistar seu espaço no mercado argentino, caracterizado pela
estagnação e falta de competição, a Amil decidiu investir em um forte esquema
promocional baseado em uma linguagem diferenciada, buscando romper o
paradigma de comunicação de saúde então vigente no país. A idéia era adaptar a
estratégia de comunicação da Amil vitoriosa no Brasil - baseada em
informalidade, jingles contagiantes e uma imagem futurista - aos valores
argentinos. Na opinião de Maria Eugenia Nájera, “ enquanto os brasileiros vêem
as coisas em cores e em ritmo de samba, os argentinos as vêem em preto e
branco e em ritmo de tango”.
O posicionamento da empresa não se deu a nível de ação de vendas, com
distribuição de panfletos ou malas diretas com mensagens do tipo “reconsidere
seu orçamento de saúde”, mas a partir de um trabalho de imagem corporativa,
que mostrava clientes satisfeitos, médicos e funcionários entusiasmados, e
procurava reforçar o seu diferencial tecnológico sem deixar de lado uma forte
dimensão afetiva. Maria Eugênia declarou que eram “anúncios feitos na medida
dos clientes argentinos”.
Esta estratégia de comunicação, chamada de “promoção de impacto”, valeu-se
basicamente de oito canais de projeção.
4.1.12.a. Primeiro canal : vinculação aos médicos
Antes mesmo de partir para a internacionalização, os executivos da Amil já
trocavam informações com médicos argentinos, durante congressos e eventos
promovidos por entidades latino-americanas de saúde. Ao instalar-se na
Argentina, a Amil enviou a um grande número de médicos uma correspondência
80
na qual apresentava o P.A.C. - Programa de Apoio Científico, que possibilitava o
acesso virtual gratuito às bibliotecas dos centros médicos mais avançados do
mundo, sem necessidade de filiação à empresa. Conseguiu-se assim o
cadastramento de mais de três mil médicos, que formaram uma base de dados
consultada quando há necessidade de contratar um profissional de determinada
especialidade.
A Amil considera o P.A.C. - que contava no início de 1998 com cerca de três mil e
quinhentos títulos, sessenta periódicos e acesso a mais de quinhentas bibliotecas
- um excelente meio de divulgar sua filosofia e identificar e atrair os médicos que
procuram aperfeiçoar-se e crescer continuamente. Outra medida que colaborou
num primeiro momento para o ganho de credibilidade da Amil junto à classe
médica foi a contratação do vice-decano da faculdade de medicina de maior
prestígio local como primeiro diretor-médico da empresa no país.
A área de comunicação da Amil reunia-se uma vez por mês com os médicos
filiados, para troca de informações sobre as atividades da empresa e seus
projetos, e também para avaliar a sua percepção quanto à imagem da empresa,
além de tomar conhecimento das suas experiências e necessidades.
4.1.12.b. Segundo canal : vinculação com o sistema de saúde pública
Toda a promoção realizada em torno do Amil Resgate Saúde procurou, desde o
seu lançamento, mostrá-lo como um serviço de utilidade pública, que funcionava
de forma auxiliar (e não concorrente) ao trabalho de órgãos públicos, como a
Polícia e o Corpo de Bombeiros, prestando atendimento a vítimas de desastres e
acidentes ainda que elas não fossem clientes da Amil.
Uma vez que o serviço de resgate por helicóptero era praticamente inédito na
Argentina, a estratégia de promoção do Amil Resgate Saúde foi planejada para
torná-lo tangível ao público através da sua participação em eventos esportivos,
especialmente naquelas modalidades consideradas de maior risco, como o pólo,
o rugby e o automobilismo. Essas competições passaram a ser patrocinadas pela
Amil e transmitidas pelos canais de TV dedicados a esportes; quando havia a
necessidade de resgate em virtude de algum acidente, a notícia acabava se
81
transformando num comercial da empresa.
4.1.12.c. Terceiro canal : relacionamento com os meios de comunicação
A Amil tornou-se uma das poucas empresas na Argentina a negociar seu espaço
publicitário diretamente com os meios de comunicação, sem valer-se de agências
de publicidade. Na realidade, praticamente todo o material promocional da
empresa era produzido in house, ou seja, por seu próprio pessoal, dentro do
princípio de que “ninguém conhece a Amil melhor do que nós mesmos”.
A Amil selecionou criteriosamente os meios de comunicação através dos quais
veicularia suas campanhas, decidindo trabalhar apenas com aqueles que
tivessem um perfil consistente (em termos, por exemplo, de público – classes A e
B – e linguagem) com sua imagem e filosofia. Um dos meios mais utilizados era a
TV a cabo, que tinha muita força na Argentina, por estar instalada no país há
bastante tempo (desde 1992) e com um custo relativamente baixo para o
consumidor. Estima-se que 70% dos argentinos das classes média e alta são
assinantes de um total de mais de setenta opções de canais de TV a cabo. Outra
razão da preferência da empresa por este veículo é que o seu tempo
comercializado é bem mais barato que o da TV de sinal aberto.
A Amil se converteu, desde a sua chegada à Argentina, em um dos maiores
anunciantes de TV a cabo do país. Foi produzida uma campanha inicial, batizada
de “pauta esquizofrênica”, que consistia na exibição simultânea em cinco canais
diferentes de um comercial de três minutos de duração, no qual apresentava-se a
empresa e, principalmente, os seus diferenciais competitivos em qualidade e
serviços. Os espectadores tinham uma sensação de onipresença da empresa, o
que causou um forte impacto e colaborou para a retenção da sua marca.
O bom relacionamento com a imprensa em geral também ajudou a Amil a ganhar
credibilidade. Desde a sua chegada, foi realizado um trabalho junto aos principais
editores e jornalistas argentinos das áreas de Economia e Saúde, que são
mantidos permanentemente informados pelo próprio Paulo Marcos Senra Souza
sobre tudo o que se refere à empresa, além de serem convidados a participar de
eventos promovidos pela Amil, tanto na Argentina como no Brasil. Outro fator que
82
contribuiu para o ganho de credibilidade foi o fato de a empresa nunca ter
trabalhado com matérias pagas.
Paulo Marcos observou ainda que ...
“Na Argentina, ao contrário do que acontece no Brasil19, a imprensa é, em
geral, favorável à Amil ... Edson de Godoy Bueno é mais conhecido na
Argentina do que no Brasil; cada vez que ele vem aqui, recebe vários
jornalistas e é objeto de notas na imprensa”.
4.1.12.d. Quarto canal : relacionamento com os meios diplomáticos
A Amil prestava assistência aos funcionários da representação diplomática
brasileira na Argentina (Embaixada e Consulados) e, eventualmente, também a
brasileiros em território argentino, mesmo que não fossem clientes seus.
4.1.12.e. Quinto canal : relacionamento com os meios empresariais
Outro canal de projeção da Amil junto ao público argentino foram suas alianças
estratégicas com empresas locais de peso, com a intenção de “somar marcas” e
formar um banco de dados de clientes potenciais. Dentre essas associações,
destacaram-se as realizadas com a companhia petrolífera YPF e com o Banco
Rio (um dos maiores bancos privados do país), através do seu cartão de crédito
Visa/ YPF-Banco Rio e com a companhia de telefonia celular Movicom.
Paulo Marcos destacou também a participação da Amil em associações de
empresas e em programas de formação de jovens empresários.
4.1.12.f Sexto canal : relacionamento com os colaboradores
Paulo Marcos ressaltou que “a Amil não quer crescer sozinha, mas que seus
colaboradores cresçam junto com ela”. Para tanto, a Amil montou na Argentina a
Escuela Amil, nos mesmos moldes da Escola Amil de Administração existente no
Brasil. Cada funcionário ou colaborador da Amil na Argentina participava, em uma 19 Certamente em função da polêmica entre consumidores, políticos e empresas a respeito da
83
média de dezoito dias por ano, de programas de treinamento e capacitação
profissional que incluem temas como marketing, negociação, vendas, informática
e idiomas. Muitas das aulas e palestras eram ministradas pelos próprios Paulo
Marcos e Edson de Godoy Bueno, este em suas freqüentes visitas à empresa.
A idéia da Amil com relação a seus colaboradores era a de promover o seu
desenvolvimento, valorizando o trabalho em equipe e criando um clima de
confiança no crescimento da empresa, além de prepará-los como “capacitadores”
de novos colaboradores. A qualificação e o entusiasmo dos funcionários e
colaboradores refletia-se na qualidade dos serviços prestados aos clientes, o que
facilitava a geração de uma preciosa cadeia de referência boca-a-boca.
A área de comunicação da empresa reunia-se uma vez por mês com
representantes das demais áreas para debater as diversas atividades em
andamento, os novos planos e avaliar a imagem que colaboradores formavam da
própria empresa.
4.1.12.g. Sétimo canal : relacionamento com o meio acadêmico
Uma importante forma de divulgação do nome da Amil e da sua busca de
excelência em qualidade e serviços eram os seus laços com as mais importantes
universidades e instituições de capacitação gerencial argentinas. Por exemplo, a
Universidade San Andrés, um dos mais conceituados (e elitizados) centros
acadêmicos do país, convidou a Amil em 1997 a fazer uma apresentação como
um caso de management, além da empresa ter sido objeto de trabalho
acadêmico de um grupo de seus alunos. A Amil mantinha ainda ligações com a
Universidade El Salvador e com a Universidade de Buenos Aires, além de
patrocinar eventos da HSM, importante organização voltada para a capacitação
de executivos. A HSM promove regularmente na Argentina (assim como no
Brasil) seminários com a presença de renomados conferencistas internacionais, o
que permitiu à Amil formar uma base de dados com milhares de prospects
freqüentadores desses eventos.
A Amil publicava ainda as Lecturas Recomendadas (Leituras Recomendadas),
regulamentação do setor de medicina privada.
84
uma série de artigos com temas científicos e de management distribuídos a seus
colaboradores e clientes, com o propósito de mantê-los atualizados com o que há
de mais moderno nessas áreas e divulgar a filosofia da empresa e seus conceitos
de administração.
4.1.12.h. Oitavo canal : os brokers
Com o tempo, a Amil passou a valer-se de brokers (corretores) para a
comercialização de seus planos, o que amplificou a sua comunicação com o
mercado. Um trabalho de integração foi realizado com esses profissionais para
que eles passassem a se sentir também como parte da empresa, representando
com orgulho a sua marca.
4.1.13. A imagem da Amil na Argentina
Os argentinos viam a Amil como uma empresa estrangeira, o que, num setor
onde as pessoas estavam há muitos anos habituadas com os serviços prestados
pelas obras sociales e pelas empresas locais, chamava muito a sua atenção.
Curiosamente, segundo Paulo Marcos, os argentinos “não reconhecem a Amil
como uma empresa brasileira, mas algo vagamente americana”, provavelmente
em função da ênfase dada à tecnologia e à marca “Amil International Health
Corporation” na estratégia de comunicação, além da freqüente divulgação nas
peças promocionais dos telefones e endereços da empresa nos Estados Unidos
e no Brasil. Considerava-se também possível a existência de algum preconceito
dos argentinos (fruto do desconhecimento mútuo entre as duas nações), que, em
geral, não imaginavam existir no Brasil uma empresa tão forte e contando com
tecnologia tão avançada.
Paulo Marcos informou também que ...
“a Amil não conta aqui (na Argentina) que é uma empresa brasileira; se nos
perguntam, não negamos, mas jamais anunciamos que somos uma empresa
brasileira a serviço dos argentinos. Há clientes que sabem a verdade, mas
85
muitos não acreditam que a Amil é brasileira, mesmo que nós o digamos. Na
verdade, quando é necessário, procuramos nos promover como uma
empresa de capital brasileiro e tecnologia americana”.
Em termos de imagem, Paulo Marcos afirmou que o objetivo da Amil era
posicionar-se como “top of mind” na Argentina : “a Amil não busca market share,
mas imagem; hoje, quando os argentinos das classes A e B pensam em comprar
um plano de saúde, a Amil já está nas suas mentes”.
4.1.14 a inovação em produtos e serviços
No mercado argentino de medicina privada, segundo Paulo Marcos,
“até há pouco tempo, pensava-se que tudo já estava criado e estabelecido:
quem tivesse um plano de determinada empresa tinha direito a determinados
serviços em determinados hospitais ou clínicas; para ter outros tipos de
atendimento ou utilizar outros estabelecimentos, teria que adquirir um plano
de outra empresa. Não havia liberdade de escolha. A Amil chegou e
revolucionou tudo”.
86
Através da oferta de “planos inteligentes”, que funcionavam por módulos, a Amil
ofereceu aos seus clientes a possibilidade de escolher os serviços que
desejassem, de acordo com seus orçamentos e necessidades. Por exemplo, os
clientes masculinos poderiam a partir de então dispensar os serviços
relacionados a maternidade, e os clientes em geral poderiam escolher clínicas e
hospitais mais próximos a suas residências.
Com relação às duas maiores inovações introduzidas pela empresa no país
vizinho, Paulo Marcos disse que “a Amil tornou-se “dona” dos conceitos de
Resgate Saúde e Telerelationship na Argentina”.
Logo na sua chegada à Argentina, em 1994, a Amil investiu no desenvolvimento
do serviço “Amil Rescate Salud”, pioneiro na Argentina e similar ao Amil Resgate
Saúde implantado pouco antes no Brasil. Uma equipe argentina, formada por
médicos, auxiliares de enfermagem, pilotos e motoristas, foi treinada em conjunto
com uma equipe brasileira, e foram adquiridos o único helicóptero modelo MBB
BO 105 CB54 (da fábrica Eurocopter) existente na Argentina - uma verdadeira
“clínica aérea” - e uma ambulância Wild Coach, também exclusiva no país. Com
esta estrutura, o “Amil Rescate Salud” habilitava-se a prestar atendimento de
urgência em um raio de 250 km a partir do centro de Buenos Aires, inclusive em
zonas de difícil acesso, principalmente nos casos de catástrofes ou acidentes
com veículos ou durante a prática de algum esporte de risco.
O “Amil Rescate Salud”, igualmente ao que ocorrera no Brasil, foi comercializado
de modo independente da aquisição de outro plano de cobertura mais abrangente
da Amil, e podia ser utilizado à parte por clientes de outras empresas.
Não existia concorrência direta ao “Amil Rescate Salud” na Argentina, pois havia
pouquíssimos profissionais especializados no país em resgates e atendimentos
de urgência, e, além disso, a legislação argentina não permitia o sobrevôo de
Buenos Aires por helicópteros que não fossem biturbinados, como o que a Amil
possuía.
Além do serviço de Resgate Saúde, a Amil foi também pioneira na Argentina em
Telerelationship. A empresa preferiu utilizar este termo, ao invés de
Telemarketing, porque, segundo Paulo Marcos,
87
“não existe propriamente Telemarketing na Argentina; esta é uma atividade
que somente agora está começando a se desenvolver, principalmente nas
empresas de maior porte. A explicação deste fato é que até 1991, quando foi
privatizado o sistema telefônico argentino, as linhas eram muito caras e os
telefones funcionavam muito mal; a falta de infraestrutura inviabilizava a
montagem de um serviço de Telemarketing”.
De acordo com a mesmo princípio de comunicação direta com os clientes,
implantada com sucesso no Brasil, o Telerelationship revolucionou o atendimento
aos clientes na Argentina, buscando eliminar a papelada e a burocracia com que
as empresas locais estavam habituadas a trabalhar. Através de uma simples
ligação para o número 345-1000 (mnemônico, assim como no Brasil), durante 24
horas por dia e 365 dias por ano, os clientes podiam resolver todos os trâmites da
utilização dos serviços da Amil, como a marcação de consultas e exames, obter
informações variadas, acionar o serviço de Resgate Saúde e até mesmo fazer
consultas de urgência on line com médicos de plantão na central.
Paulo Marcos declarou que “o Telerelationship está estruturado para funcionar da
maneira mais cômoda e segura para os clientes, e não para a Amil. Não é um
serviço voltado para vendas, mas para a satisfação dos clientes”. Segundo o
dirigente, os operadores do Telerelationship não têm um tempo predeterminado
para o atendimento telefônico, ficando à disposição do cliente até que este se
sinta satisfeito.
No final de 1997, segundo informação da empresa, o Telerelationship já recebia
cerca de mil e quinhentas ligações por dia.
4.1.15. Acordos e associações com empresas locais
A Amil optou por entrar no mercado argentino valendo-se exclusivamente de
recursos próprios, sem fazer qualquer tipo de acordo ou associação com
empresas já atuantes no mercado local. Três razões orientaram esta decisão :
• o desejo da empresa de “testar o mercado”, sem receio de “aprender
88
quebrando a cara”;
• a percepção de que o mercado estava estagnado, com todos os seus agentes
muito voltados para o passado. A Amil queria apostar no futuro; se houvesse
uma associação com alguma marca local, esta teria a princípio mais peso que
a marca Amil, e se gastaria muito mais energia no ajuste da marca existente à
filosofia da Amil do que na construção de uma marca própria;
• sobre a terceira (e talvez principal) razão, Paulo Marcos afirmou que ...
“a Amil não tem intenção de ter sócios locais porque não há necessidade de
investimento por parte deles, nem podem eles acrescentar know-how à Amil
na área de assistência médica. Este não é um negócio capital-dependente,
mas sim know-how-dependente, e ninguém na Argentina tem mais know-how
do que nós”.
De fato, a necessidade de investimentos naquele momento era relativamente
pequena e facilmente coberta pela Amil Brasil. Paulo Marcos informou que
“enquanto no Brasil a Amil tem uma receita de US$ 75 milhões por mês, o
investimento previsto na Argentina para o ano de 1998 é de US$ 2 milhões”.
4.1.16. O relacionamento entre Amil Argentina e Amil Brasil
A dependência da Amil Argentina em relação à Amil Brasil se dá em termos de
capital, da necessidade de investimentos. Com relação ao dia a dia da empresa,
as atividades são, em geral, planejadas e implementadas pelos profissionais
locais, sempre de acordo com a filosofia do grupo, mas adaptadas à realidade
argentina. Não há praticamente interferência de executivos brasileiros, nem do
próprio Paulo Marcos, que acredita que esta estratégia bottom-up (de baixo para
cima) compromete mais as pessoas: “não utilizamos cartão de ponto, nem
pagamos horas-extra, mas é comum as pessoas trabalharem mais de doze horas
por dia, às vezes até nos fins de semana”.
Paulo Marcos comentou que “a Amil Argentina não deseja a independência com
relação à Amil Brasil, o que nos acrescentaria custos; ela quer a
89
interdependência, aproveitando o que for possível da infraestrutura e do know-
how existentes no Brasil”.
O grupo Amil não dispõe de uma estrutura internacional formal, com sistemas de
informação e controle sobre o mercado internacional. Periodicamente, Edson de
Godoy Bueno visita a Amil Argentina, ou Paulo Marcos comparece a reuniões
realizadas no Brasil entre os principais executivos do grupo, e são tomadas as
decisões de investimento, tudo de maneira um tanto informal.
Paulo Marcos afirmou que
“a Amil não tem uma cultura de cuidar de aspectos internacionais, ninguém
sabe de detalhes sobre como transferir pessoas ou enviar dinheiro para o
exterior. Tudo acaba acontecendo por voluntariedade do Edson. A empresa
em si não comprou a idéia da internacionalização; as pessoas consideram
que este processo está “sangrando” recursos da empresa, que se investe
dinheiro no exterior sem que se obtenham vantagens com isso. É uma visão
míope de muitas pessoas que não vêem a oportunidade de aprender e
projetar a marca Amil no exterior”.
4.1.17. A evolução da Amil Argentina
Desde a sua chegada à Argentina, a Amil procurou diversificar e ampliar a oferta
de planos de saúde de acordo com as oportunidades identificadas no mercado e
com a estratégia projetada para o seu crescimento. A empresa começou
trabalhando com planos individuais relativamente caros, voltados para as classes
alta e média-alta, que compreendiam pessoas com condições de pagar o
diferencial dos seus serviços com relação às obras sociales e às demais
empresas privadas. Em um segundo momento, a empresa passou a atacar o
segmento corporate, através da oferta de planos coletivos, voltados
principalmente a empresas de pequeno e médio porte. Para um futuro próximo, a
empresa tinha planos de oferecer planos populares, mais baratos e voltados para
a classe C.
Paulo Marcos justificou esta estratégia de segmentação:
90
“a compra de um plano de saúde por um indivíduo é basicamente emocional,
enquanto uma empresa o faz racionalmente, avaliando mais a fundo os riscos
do que está oferecendo a seus empregados. A principal razão de porque a
Amil começou na Argentina comercializando planos individuais foi ela não ter
uma história, um lastro, uma referência que pudesse persuadir e dar
garantias às empresas para que comprassem os seus planos”.
Ainda segundo Paulo Marcos, a Amil não se preocupou ainda em conquistar
grandes empresas como clientes porque ...
“a empresa não tem infraestrutura de serviços (médicos, operadores etc.)
para comportar a entrada repentina e simultânea de um grande número de
clientes na sua carteira. Se nós falharmos com uma empresa de dois mil
funcionários, estaremos falhando diretamente com dois mil clientes”.
E Paulo Marcos completou :
“A Amil não quer crescer rápido, mas cresce 10% ao mês! Este crescimento é
intenso, mas ordenado: entra um pouco de gente aqui, outro pouco ali; a
entrada brusca de um grande número de pessoas poderia gerar um
desequilíbrio”.
4.1.18. Barreiras, riscos e oportunidades da Amil na Argentina
Paulo Marcos declarou que as maiores dificuldades encontradas pela Amil no
início das suas atividades na Argentina relacionaram-se à “ignorância das regras
do jogo”, isto é, do desconhecimento da cultura e do ambiente de negócios locais.
Esta ignorância teria tido, segundo ele, um lado positivo, por permitir à empresa
algumas ousadias que não eram sequer imaginadas pelos empresários locais.
Para o dirigente, o grande gargalo ao crescimento da empresa era a dificuldade
em selecionar e desenvolver pessoal com o perfil adequado ao espírito inovador
da Amil.
Os dois maiores riscos que a Amil via no mercado argentino, mas que naquele
momento não chegavam a preocupá-la mais seriamente, eram a possibilidade de
91
uma regulamentação mal feita do setor de medicina privada, que tivesse alguma
tendência nacionalista ou protecionista, no que não se acreditava; e a
possibilidade de entrada na Argentina de grandes competidores internacionais.
Esta última hipótese não parecia provável por estarem aquelas empresas ainda
se estabelecendo no Brasil, naquele momento um mercado ainda mais atraente
que o argentino. Paulo Marcos disse que eles precisariam primeiro “ganhar a
guerra” no Brasil, para depois se interessarem pela Argentina. Quanto aos
competidores brasileiros que também poderiam estar interessados no mercado
argentino, não havia maiores preocupações naquele momento: a Golden Cross
estava atravessando uma grave crise, e tinha as energias concentradas na sua
reestruturação; a Sul América tinha acabado de encerrar suas atividades na
Argentina, depois de anos de prejuízo; o Bradesco tinha ficado em uma situação
muito difícil no mercado argentino depois que o seu sócio local (o banco Roberts)
foi vendido ao HSBC, obrigando-o a desfazer o negócio e ter que pensar em
começar tudo novamente; e a Unimed, formada por cooperativas e com um perfil
muito peculiar e regional, dificilmente teria condições de investir na Argentina.
4.1.19. Os planos para o futuro
A Amil pretendia continuar investindo na Argentina por duas razões principais: por
haver ainda um grande potencial de crescimento daquele mercado, e por não
haver nele competidores de grande porte. Paulo Marcos lembrou que “um salto
de sete para trinta por cento da população argentina utilizando planos de saúde
(taxa equivalente à verificada no Brasil), representaria passar de dois para dez
milhões de usuários” e, ironicamente, disse que “na Argentina não há
concorrentes, mas sobreviventes”.
Com relação às oportunidades no mercado internacional, Paulo Marcos disse que
Edson de Godoy Bueno costuma afirmar que “a Amil no exterior vai ser mais
poderosa, mais rentável e maior do que no Brasil, porque lá fora tem muito mais
gente, e gente com mais poder aquisitivo do que aqui”.
92
4.1.20 Recomendações para os entrantes no mercado argentino
Às empresas que tenham intenção de entrar na Argentina, Paulo Marcos deu
duas recomendações básicas. Primeiro, que não tenham medo de investir no país
vizinho, que, em função da quantidade de consumidores e do seu poder
aquisitivo, representa o mercado mais atraente fora do eixo Rio-São Paulo para a
maioria das empresas brasileiras. Paulo Marcos chegou a afirmar que, em termos
de negócios, “a Argentina transformou-se em mais um estado brasileiro”, e
lembrou que já havia quatorze vôos diários entre Rio de Janeiro, São Paulo e
Buenos Aires, o que constituía a segunda maior ponte aérea do Brasil.
A segunda recomendação de Paulo Marcos foi de que os empresários brasileiros
deveriam estudar de verdade o espanhol (não se limitando ao “portunhol” com
que muitos pensam se fazer entender) e se convencer de que o Brasil faz parte,
de fato, da América Latina, passando a encarar os demais países latino-
americanos como verdadeiros parceiros de negócios, ao invés de se voltarem
apenas para os Estados Unidos e a Europa.
93
4.2. Análise do caso Amil
A análise do caso em estudo está organizada de acordo com as perguntas de
pesquisa definidas no Capítulo III - Metodologia do Estudo. Assim, os dois
problemas basicamente enfocados no estudo - a tomada de decisão de
internacionalização e o modo de entrada no mercado estrangeiro - são analisados
em função daquelas perguntas.
4.2.1. Pergunta 1 :
Que fatores econômicos e comportamentais influenciaram a tomada dedecisão de internacionalização da empresa ?
4.2.1.1. Características do tomador de decisão
A decisão de internacionalização da Amil foi tomada basicamente pelo seu
presidente e fundador, o médico Edson de Godoy Bueno. Ao longo da história da
empresa, Edson mostrou-se um empreendedor visionário, criativo e ousado,
capaz de construir, a partir de um hospital quase falido na Baixada Fluminense,
uma das maiores empresas de planos de saúde do Brasil. O seu papel como
principal responsável pelo processo de internacionalização da empresa ficou
claro pela própria declaração de Paulo Marcos Senra Souza, presidente da Amil
Argentina, durante a entrevista: “a Amil não tem uma cultura de cuidar de
aspectos internacionais... tudo acaba acontecendo por voluntariedade do Edson”.
Edson de Godoy Bueno pareceu apresentar as duas características pessoais
mais relevantes para o tomador de decisão de internacionalização, segundo
Wiederscheim-Paul, Olson e Welch (1978): a orientação internacional -
semelhante à “perspectiva supra-nacional” indicada por Cavusgil (1980) - e a
tolerância à incerteza. Ambas as características ficaram retratadas pela sua
sociedade com um amigo norte-americano (um ex-colega de um curso de pós-
graduação em uma universidade norte-americana) numa rede de fast-food nos
Estados Unidos, na verdade um negócio diferente do seu, em um país com
94
distância cultural relativamente grande.
Outra demonstração da orientação internacional de Edson, que o configuraria
como um agente de mudança interno à empresa (Bilkey, 1978), em função da
sua confiança nas vantagens competitivas da empresa, era a sua convicção de
que “a Amil no exterior vai ser mais poderosa, mais rentável e maior do que no
Brasil ...”.
4.2.1.2. Estímulos percebidos à internacionalização da empresa
A motivação principal da Amil para o primeiro passo do seu processo de
internacionalização, nos Estados Unidos, foi assegurar o crescimento e a própria
sobrevivência da empresa, face à ameaça representada pela entrada de grandes
competidores internacionais no mercado brasileiro. Edson de Godoy Bueno,
presidente do grupo Amil, considerou que a melhor maneira de conseguir
competir com esses novos e poderosos entrantes seria diversificar seus
mercados e aprender como eles atuavam em seu próprio território. Este tipo de
motivação, relacionado a pressões competitivas no mercado doméstico, é citado
por Cavusgil (1980) como um dos determinantes do segundo estágio do seu
modelo de internacionalização da empresa.
Já a entrada da Amil na Argentina teve como principal motivação a percepção de
uma oportunidade de mercado, representada pelas facilidades promovidas pelo
Mercosul e pela inexistência de concorrentes poderosos em um mercado com
grande potencial de crescimento. Estes fatores, além da confiança da empresa
na diferenciação de seus produtos e serviços, estariam de acordo com os “fatores
evocadores de atenção”, apontados por Wiederscheim-Paul, Olson e Welch
(1978), que atuariam na fase de “pré-exportação” (termo aqui entendido como
“pré-internacionalização”) da empresa.
Também contribuiu para a ida da Amil para a Argentina a presença naquele país
de outras empresas brasileiras atuando no país desde a criação do Mercosul,
algumas das quais eram seus clientes corporativos no Brasil. A contabilização de
clientes já conhecidos provavelmente contribuiu para a redução da percepção de
incerteza e também de distância psíquica em relação ao novo mercado, mesmo
95
que estrangeiro. Estes dois tipos de motivação - percepção de oportunidade de
mercado e presença de clientes domésticos no estrangeiro - permitem afirmar
que a estratégia de internacionalização da Amil na Argentina foi um misto de
Market Seeker e Client Follower (Erramilli, 1990).
Outro fator que naturalmente contribuiu para o interesse da Amil no mercado
argentino foi a sua relativa proximidade geográfica, inclusive em comparação com
algumas localidades mais distantes (como a Região Norte) do território brasileiro.
Paulo Marcos chegou mesmo a afirmar que o roteiro Rio de Janeiro - São Paulo -
Buenos Aires (de cerca de três horas de vôo) se tornou a “segunda maior ponte
aérea do Brasil”, e que a Argentina poderia, em termos de negócios, ser
considerada “mais um estado brasileiro”.
Dentre os fatores citados por Brasil et alli (1996) como determinantes da
expansão internacional de empresas brasileiras, os que parecem estar mais
diretamente relacionados ao caso Amil são: a necessidade de estar próximo do
cliente (no caso clientes corporativos da Amil que haviam partido para a
internacionalização), a conquista de novos mercados (no caso da Argentina, um
mercado a princípio bastante promissor) e o fato de estar presente em blocos
regionais (no caso, o Mercosul).
Tendo por base as idéias de Wiederscheim-Paul, Olson e Welch (1978), pode-se
considerar a Amil apresentava as três características típicas da pré-
internacionalização (estágio chamado pelos autores de “pré-exportação”): o
objetivo de assegurar seu crescimento e sua sobrevivência; um serviço
personalizado, de difícil separação entre produção e consumo20, e que, portanto,
não permitia uma simples exportação; e uma “expansão extra-regional”, anterior
ao seu processo de internacionalização propriamente dito, na qual ela diversificou
seus negócios no Brasil, inclusive em termos geográficos, através de um sistema
de franquias implementado ainda na década de 80.
4.2.1.3. Barreiras percebidas à internacionalização
Uma das maiores dificuldades relatadas pelo entrevistado no ingresso da Amil no
20 Esta idéia está, na verdade, colocada de maneira inversa à proposta pelos autores, segundo osquais produtos padronizados, que exigissem menor interação entre vendedor e cliente,estimulariam a exportação.
96
mercado argentino foi a “ignorância das regras do jogo”, entendida, de acordo
com as barreiras à exportação citadas por Bilkey e Tesar (1977), como a falta de
informações sobre o mercado estrangeiro e as diferenças no comportamento do
consumidor e nas práticas comerciais do país em que a empresa está
ingressando.
A questão da distância psíquica como fator de influência no processo de
internacionalização não pareceu totalmente esclarecida no caso Amil.
Contrariando o padrão dos modelos de natureza comportamental, segundo a qual
a empresa tenderia a ingressar em novos mercados de acordo com uma função
crescente de distância psíquica, o primeiro país estrangeiro para o qual a Amil
estendeu suas atividades no negócio de planos de saúde foram os Estados
Unidos, um país anglo-saxão e desenvolvido, com diferenças culturais em relação
ao Brasil à primeira vista mais acentuadas do que a Argentina, segundo país-alvo
da internacionalização da empresa. Possíveis explicações para esta inversão
seriam o fato de que quando empresa se estabeleceu nos Estados Unidos, o
Mercosul não tinha ainda entrado em pleno funcionamento, o que não tornava a
Argentina um mercado tão atraente; a maior importância dada então ao aspecto
de aprendizagem no mercado norte-americano - que poderia garantir a
sobrevivência da empresa no seu mercado doméstico - do que ao aproveitamento
de uma oportunidade no Mercosul; e um viés pessoal de Edson de Godoy Bueno
– o tomador da decisão de internacionalização –, que provavelmente percebia
uma afinidade maior em relação aos Estados Unidos, onde tinha estudado e
mantinha relações pessoais, do que em relação à Argentina.
A idéia de distância cultural parece um tanto controversa com relação à
Argentina. Há flagrantes diferenças entre argentinos e brasileiros, apesar de
ambos os povos serem latino-americanos e compartilharem uma colonização
ibérica. Por exemplo, os argentinos em geral são consumidores mais
conservadores e mais exigentes do que os brasileiros, além de terem um nível
médio de instrução mais elevado. Maria Eugenia Nájera, gerente de marketing da
Amil Argentina, lembrou a diferença genérica de temperamento e de visão do
mundo que existe entre brasileiros e argentinos21. Além das diferenças culturais,
21 Ver declaração no item 4.1.12, p.79.
97
há um desconhecimento mútuo entre brasileiros e argentinos, fomentado por
séculos de rivalidade política e militar. Ao longo da entrevista percebeu-se a
dificuldade do argentino em geral em aceitar que uma empresa forte e capacitada
tecnologicamente pudesse ter origem brasileira; Paulo Marcos afirmou que
“muitos não acreditam que a Amil é brasileira, mesmo que nós o digamos”, e que
“quando é necessário, procuramos nos promover como uma empresa de capital
brasileiro e tecnologia americana”. É possível que este posicionamento tenha
servido como uma forma de contornar uma barreira cultural ao crescimento da
empresa no mercado argentino, representada por desconhecimento e
preconceito. De todo modo, estes fatos parecem vir ao encontro do “paradoxo da
distância psíquica” proposto por O’Grady e Lane (1996), segundo o qual
diferenças críticas entre países supostamente próximos do ponto de vista cultural
poderiam ficar ocultas sob algumas similaridades ou estereótipos.
Um fato interessante mencionado pelo entrevistado é que se por um lado as
diferenças culturais, comerciais e legais criaram algumas dificuldades à empresa,
por outro elas contribuíram para o sucesso na introdução de inovações, ao
promover uma verdadeira quebra de paradigma no setor de medicina privada na
Argentina.
Outra grande dificuldade identificada pela Amil ao estabelecimento de suas
atividades na Argentina foi a de selecionar e desenvolver profissionais com
conhecimentos técnicos e perfil adequado ao espírito inovador da empresa.
98
4.2.2. Pergunta 2 :
Qual o modo de entrada escolhido para o mercado estrangeiro ?
Por ser uma empresa de soft service, segundo a classificação de Erramilli (1990),
a Amil não poderia simplesmente exportar seus serviços, e viu-se obrigada a
escolher um modo de entrada de maior grau de controle - e também de risco – no
mercado estrangeiro. A empresa decidiu entrar nos Estados Unidos através de
uma sociedade com uma rede já estabelecida de fast-food, a Crocodile,
pertencente a um amigo de Edson de Godoy Bueno, o que certamente ajudou a
reduzir a percepção de incerteza quanto ao novo mercado. Considerando-se que
havia uma participação igual com um único outro acionista, poder-se-ia classificar
este modo de entrada, de acordo com o Quadro II.4, como de médio controle.
Esta decisão indica uma percepção média de risco, que se justifica pelo
desconhecimento da Amil em relação ao negócio de fast-food, no qual ela não
possuía experiência anterior, e ao país em si. Por outro lado, este modo de médio
controle contribuiu para que a empresa se ambientasse no novo país e
conhecesse mais de perto suas leis e práticas comerciais, o que permitiu a
escolha de modos de maior grau de controle em sua subseqüente entrada no
setor norte-americano de assistência médica.
4.2.2.1. Análise de Custos de Transação
Na Argentina, a Amil já contava com algum conhecimento do ambiente de
negócios, proporcionado pela sua experiência com a EAT no país, e optou pela
entrada no setor de medicina privada através de investimento direto. Esta decisão
ensejou, de acordo com o Quadro II.4, o mais alto grau de controle da empresa
sobre suas atividades, e pareceu de acordo com o enfoque da relação entre risco
e retorno promovido pela Análise de Custos de Transação, abordada neste
estudo à luz do trabalho de Anderson e Gatignon (1986).
De acordo com o Quadro II.5, os seguintes fatores justificariam a escolha do
99
investimento direto como modo de entrada no mercado argentino, além da
própria disponibilidade de recursos para tal (e, portanto, independência de
recursos de parceiros locais, inclusive em termos de know how do serviço em si)
a partir da Amil Brasil :
4.2.2.1.a. Especificidade de ativos
A formação e o treinamento da equipe de vendas e dos serviços de
Telerelationship e de Rescate Salud são exemplos de desenvolvimento de ativos
específicos, de difícil substituição em razão do tempo necessário para sua
preparação e, mais ainda, pela dificuldade de se encontrarem pessoas com o
perfil adequado às necessidades da empresa. De acordo com o Quadro II.6, a
alta especificidade de ativos favoreceu a escolha de um modo de entrada de alto
grau de controle.
4.2.2.1.b. Incerteza
A percepção de incerteza, tanto a nível externo como interno, também parece ter
contribuído para a decisão de integração das atividades da Amil na Argentina. No
momento da chegada da empresa, em 1994, o país atravessava uma fase de
estabilidade política e econômica e promovia reformas estruturais que
minimizavam a percepção de “risco do país” e o tornavam atraente aos
investimentos internacionais. A maior efetividade que o Mercosul ganhou a partir
do início de 1995 certamente contribuiu também para a diminuição da incerteza
em relação ao mercado argentino, em razão das facilidades criadas para a
circulação de pessoas e capitais e até pelo fato de um maior número de
empresas brasileiras terem estabelecido operações naquele mercado, o que
incentivou a Amil a adotar uma estratégia de Client Follower, de acordo com a
classificação de Erramilli (1990).
Com relação à percepção de incerteza interna, a integração de atividades parece
também ter sido favorecida pela ênfase na qualidade do serviço e do atendimento
aos clientes que a Amil procura praticar, a qual exige um rígido controle para que
se possam acompanhar o desempenho dos funcionários e a satisfação dos
100
clientes nas diversas etapas da prestação dos serviços.
4.2.2.1.c. Inovação e diferenciação
A Amil optou claramente por competir no mercado argentino pela inovação e
diferenciação dos serviços. A este respeito, o presidente da Amil Argentina, Paulo
Marcos Senra Souza, afirmou que “até poucos anos atrás, pensava-se que tudo
já estava criado e estabelecido (no mercado argentino) ... a Amil chegou e
revolucionou tudo”. Dois exemplos claros dessa estratégia foram a implantação
do “Amil Rescate Salud” e do Telerelationship. A competição por inovação e
diferenciação favorece, conforme o Quadro II.6, a procura por integração das
atividades, na medida em que exige o acompanhamento estreito das etapas do
processo e do desempenho do pessoal envolvido e evita que intermediários ajam
oportunisticamente ou mesmo venham a se tornar futuros concorrentes.
4.2.2.1.d. Inseparabilidade
O negócio principal da Amil, de assistência médica, é tipicamente um “soft
service”, segundo a classificação de Erramilli (1990). Em geral, a produção e o
consumo desse tipo de serviço são inseparáveis (embora os avanços
tecnológicos venham tornando cada vez mais viáveis alguns tipos de atendimento
e até mesmo procedimentos cirúrgicos à distância), o que torna praticamente
impossível a sua exportação e certamente favoreceu a escolha de um modo de
entrada de maior grau de controle no mercado estrangeiro.
4.2.2.1.e. Alto valor da marca
A importância que a Amil dá à construção da sua marca também se refletiu na
decisão de investimento direto na Argentina. A Amil promoveu uma intensa
veiculação da sua marca desde a sua chegada ao mercado argentino, através
dos oito canais de comunicação relacionados na descrição do caso, e através da
integração das suas atividades procurou garantir o cumprimento dos altos níveis
exigidos dos seus serviços e evitar inconsistências em relação ao seu
101
posicionamento.
De acordo com Erramilli (1990), o comportamento da Amil no mercado argentino,
assim como já havia sido nos Estados Unidos, foi predominantemente o de um
“Market Seeker”, embora com uma certa dose de “Client Follower”. Em ambos os
casos, a intenção primária foi a de explorar mercados com grande potencial de
negócios e assim garantir o crescimento e a sobrevivência da empresa. Contudo,
tanto nos Estados Unidos quanto na Argentina, a empresa seguiu movimentos de
seus clientes domésticos, como ficou comprovado pela abertura do escritório
central da Amil Health Corporation na Flórida, região que recebe milhares de
brasileiros a cada ano, muitos deles clientes da Amil, e pela motivação declarada
de prestar serviços a clientes corporativos que começaram a operar na Argentina
a partir do estabelecimento do Mercosul.
4.2.2.2. Paradigma Eclético
A entrada da Amil na Argentina através de investimento direto também se justifica
à luz do Paradigma Eclético. A empresa parecia apresentar os três tipos de
vantagens que, segundo Dunning (1988), podem levar a empresa a buscar a
integração de suas atividades no estrangeiro, a saber:
4.2.2.2.a. Vantagens Específicas de Propriedade
Este tipo de vantagem era representada pela disponibilidade de recursos para
investimento a partir da Amil Brasil e pela posse de know-how de serviços
diferenciados em relação aos dos seus concorrentes, como, por exemplo, o
Telerelationship e o Rescate Salud. Estas vantagens estimularam a Amil
Argentina a integrar suas atividades e assim exercer maior controle sobre elas.
4.2.2.2.b. Vantagens de Internalização
102
Essas vantagens se referiam à redução dos custos de transação alcançados pela
empresa em função da integração vertical de suas atividades e do maior controle
das mesmas (inclusive em termos de qualidade), desejáveis, pelas razões
anteriormente expostas, em razão do desenvolvimento de ativos específicos, da
adoção de uma estratégia de inovação e diferenciação, da condição de
inseparabilidade dos seus serviços e do alto valor da marca.
4.2.2.2.c. Vantagens de Localização
Essas vantagens eram representadas pelas facilidades de negócios oferecidas
pelo estabelecimento do Mercosul e pela perspectiva de aproveitamento de
oportunidades no promissor mercado argentino, com uma percepção reduzida de
incerteza e “risco do país”, que estimulava a empresa a procurar modos de
entrada de maior integração e controle das atividades.
103
CAPÍTULO V
CONCLUSÕES, LIMITAÇÕES E SUGESTÕES DE PESQUISAS FUTURAS
5.1. Sumário
Este trabalho procurou investigar o processo de internacionalização de uma
empresa brasileira, especialmente no âmbito do Mercosul, enfocando os fatores
de ordem comportamental e econômica que podem influenciar a tomada de
decisão de internacionalização e a definição do modo de entrada da empresa em
um determinado mercado estrangeiro.
No Capítulo I foi realizada a introdução ao estudo, contextualizando-o no
fenômeno da globalização e em seus desdobramentos em termos da formação
de blocos regionais e do impacto na organização e nas atividades das empresas,
e apresentaram-se seu objetivo e suas justificativas, relacionados à compreensão
dos determinantes da decisão de internacionalização de um número crescente de
empresas brasileiras no Mercosul.
No Capítulo II realizou-se uma revisão da literatura existente sobre a
internacionalização de empresas. apresentaram-se alguns modelos
representativos de uma abordagem comportamental ao tema, assim como uma
série de críticas que têm sido dirigidas a esses modelos, as quais se refletem, em
parte, no surgimento das “Born Global Firms”. Como representantes de uma
abordagem microeconômica do processo de internacionalização, foram
apresentados o Paradigma Eclético e a Análise de Custos de Transação.
Em razão do caso especificamente estudado neste trabalho, foi dado destaque
ao tema da internacionalização das empresas de serviço, que apresenta
singularidades em função da natureza dos serviços, principalmente no que se
refere à possibilidade (ou não) de separação entre sua produção e consumo.
Finalmente, resgataram-se alguns estudos anteriores de autores brasileiros sobre
a internacionalização de empresas.
104
No Capítulo III foram definidos o problema e as perguntas de pesquisa,
relacionados à tomada de decisão de internacionalização e à escolha do modo de
entrada de uma empresa no mercado estrangeiro. A seguir, justificaram-se as
escolhas do caso Amil e do Método do Estudo de Caso como objeto e estratégia
de pesquisa, e relacionaram-se as fontes de informação utilizadas. Finalmente,
explicaram-se os critérios de análise do caso e apresentaram-se as limitações do
estudo, referentes ao método escolhido, à dificuldade de acesso aos dados e às
percepções próprias dos entrevistados.
O Capítulo IV foi dividido em duas partes. Na primeira, foi feita a descrição do
caso Amil, contando-se a história da empresa desde a sua fundação até os dias
atuais, com ênfase nos aspectos relacionados ao seu crescimento, à
diversificação dos seus negócios e ao seu processo de internacionalização.
Como o foco do trabalho é a internacionalização da Amil no âmbito do Mercosul,
a ida da empresa para os Estados Unidos foi apenas superficialmente abordada,
privilegiando-se a atuação da empresa na Argentina.
Na segunda parte do capítulo foi realizada a análise do caso, em torno das
perguntas básicas de pesquisa. Assim, com relação aos fatores econômicos e
comportamentais que influenciaram a tomada de decisão de internacionalização
da Amil, abordaram-se as características pessoais do seu fundador e principal
executivo e as percepções da empresa quanto a oportunidades, riscos, estímulos
e barreiras ao processo de internacionalização; já com relação à escolha do
modo de entrada no mercado estrangeiro, estabeleceram-se considerações
pertinentes ao Paradigma Eclético e à Análise de Custos de Transação,
respectivamente quanto às vantagens percebidas pela empresa para
internacionalizar-se e quanto à integração e ao grau de controle das atividades.
No Capítulo V são apresentadas as conclusões a que chegou este estudo, assim
como suas limitações e algumas recomendações, especialmente quanto a
campos de pesquisa futura .
5.2. Conclusões
105
O caso enfocado neste trabalho, por se tratar de uma empresa de serviço, não
pareceu bastante propício para uma análise à luz dos dois principais padrões (ou
manifestações) do Modelo do Processo de Internacionalização, e também dos
fundamentos dos modelos relacionados à inovação, referentes ao percurso de
uma seqüência de estágios e ao aumento progressivo da distância psíquica dos
novos mercados em que a empresa ingressa. Por ser uma empresa de soft
service (isto é, de difícil separação entre a produção e o consumo do seu
serviço), a Amil não dispôs da possibilidade de simplesmente exportar seus
serviços, nem de percorrer passo a passo alguma das seqüências de estágios
propostas na literatura, as quais parecem mais adequadas a empresas de
manufatura. Como a Amil decidiu entrar no mercado argentino através de
investimento direto, considerado o estágio final da maioria das seqüências, não
foi possível identificar um modelo que refletisse mais fidedignamente a evolução
do seu envolvimento naquele mercado.
Um aspecto controverso, e que não pareceu suficientemente esclarecido na
análise do caso, foi o de como a Amil encarou a questão da distância psíquica.
Contrariando o que seria mais provável, segundo os modelos de natureza
comportamental, a empresa entrou primeiramente nos Estados Unidos e depois
na Argentina, o que sugere que considerações estratégicas - no caso, de garantir
a sobrevivência no mercado brasileiro através do aprendizado de como seus
concorrentes atuavam no mercado norte-americano -, ou ainda as percepções
pessoais do tomador de decisão, podem ter tido mais peso na direção seguida no
processo de internacionalização do que a percepção genérica de distância
psíquica.
Outra observação interessante a respeito da distância psíquica foi sobre como a
Amil soube explorá-la a seu favor na Argentina : o fato de não reconhecer e não
se sentir limitada pelo paradigma vigente no mercado local, certamente colaborou
para o sucesso da sua estratégia de inovação e diferenciação.
Algumas outras idéias da abordagem comportamental, contudo, pareceram mais
claramente confirmadas no estudo do caso Amil. Com relação ao estágio de pré-
internacionalização da empresa, por exemplo, ficou clara a importância de fatores
como a orientação internacional do seu tomador de decisão e sua tolerância à
106
incerteza e ao risco, e também a “expansão extra-regional” experimentada antes
da internacionalização propriamente dita. Algumas outras idéias quanto a
estímulos e barreiras à internacionalização também se confirmaram, como a
percepção de oportunidades de negócio, a disponibilidade de recursos e a
dificuldade de se encontrarem profissionais especializados no estrangeiro.
Já o Paradigma Eclético e a Análise de Custos de Transação, mais relacionados
aos aspectos microeconômicos do processo de internacionalização, pareceram
proporcionar uma análise mais consistente do caso Amil. Ficou clara a existência
de vantagens específicas de propriedade, de internalização e de localização,
ligadas ao Paradigma Eclético, e de fatores como especificidade de ativos,
incerteza interna e externa, inseparabilidade da produção e consumo dos
serviços, importância dada ao valor da marca, entre outros, ligados à Análise de
Custos de Transação, que justificaram a escolha do investimento direto como
modo de entrada da empresa no Mercosul, em especial no mercado argentino.
5.3. Limitações do Estudo
Este trabalho, por se basear no Método do Estudo de Caso, não permite
generalizações para o universo das empresas brasileiras em processo de
internacionalização no Mercosul. Primeiramente, esta é uma das limitações do
próprio método, que se somam à dificuldade de acesso aos dados e aos vieses
dos entrevistados. Além disso, o estudo enfocou uma empresa de serviço, cujo
processo de internacionalização apresenta algumas características diferenciadas
em relação ao que ocorre com empresas de manufatura, principalmente em
função da condição (ou não) de inseparabilidade da produção e consumo dos
serviços e dos seus reflexos na seqüência de estágios de internacionalização.
5.4. Sugestões de Pesquisas Futuras
As particularidades do caso estudado impediram a investigação mais profunda de
algumas questões que podem representar interessantes campos de pesquisas
futuras. A primeira (e mais óbvia) destas particularidades é o fato de este estudo
107
se referir a uma empresa de serviço, que, conforme foi visto, não se adequa
muito bem à análise à luz do Modelo do Processo de Internacionalização e dos
modelos relacionados à inovação. Um estudo de caso de empresas brasileiras do
setor de manufatura que tenham estabelecido atividades no Mercosul poderia
esclarecer melhor a dinâmica (principalmente com relação à dimensão tempo) e
os determinantes da evolução ao longo de uma seqüência de estágios, tomando
por partida a etapa de pré-internacionalização. Também seria recomendável o
estudo de casos de empresas brasileiras de hard service, ou seja, de um tipo de
serviço que, pela possibilidade de separação de sua produção e seu consumo,
pode ser exportado e tem um comportamento mais próximo ao de uma
manufatura. Do mesmo modo, seria interessante um estudo de outras empresas
de soft service, como, por exemplo bancos e instituições financeiras, os quais, por
sinal, têm sido um dos setores mais dinâmicos em termos de investimentos
recíprocos entre o Brasil e seus parceiros regionais. Em todos esses casos,
poderiam ser levantadas informações importantes para a otimização da ação das
empresas e do próprio governo em favor da competitividade e do acesso de
produtos e serviços brasileiros ao mercado internacional.
Outra questão a ser explorada é a da distância psíquica entre o Brasil e seus
parceiros do Mercosul, ou ainda, face à perspectiva de consolidação da ALCA
(Área de Livre Comércio das Américas) nos próximos anos, em relação aos seus
demais vizinhos das Américas do Sul, Central e do Norte. Poderiam ser feitas
análises do conceito de distância psíquica em suas diferentes dimensões e uma
verificação empírica da ocorrência (e em que grau) do chamado “paradoxo da
distância psíquica”, isto é, de o quanto as suposições de similaridade (em termos
culturais, históricos, sócio-econômicos etc.) entre o Brasil e esses países podem
ocultar diferenças críticas para o gerenciamento das atividades das empresas
brasileiras no estrangeiro.
Finalmente, um outro estudo que também poderia ser realizado, inclusive para
validar a idéia de internacionalização de empresas brasileiras no Mercosul, seria
sobre empresas brasileiras que estabeleceram negócios no Paraguai e no
Uruguai (além de Bolívia e Chile, por ora sócios do bloco). Do mesmo modo, uma
pesquisa interessante seria sobre a internacionalização de empresas dos demais
108
países-membros do Mercosul no Brasil, de modo a estabelecer comparações
com o estudo ora apresentado.
109
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114
ANEXOS
115
ANEXO I
Resultados de Bilkey e Tesar (1977) Estágio Equação Variáveis R2 r
(correl. parcial)
3 X = 0.020 +0.465L+0.032C
X : se a empresa explorou ou não a viabilidade de exportar (s=1, n=0) L : se a empresa planejou ou não a exportação (s=1, n=0) C : percepção da gerência qto às vantagens competitivas da empresa [-2, 4]1
0.241
L : +0.447 C : +0.154
4
A = -0.1393 + 0.0002E + 0.105M +
+0.692U + 0.046S
A : se a empresa exporta experimentalmente ou não (s=1, n=0)2
E : expectativa da gerência de o quanto a exportação contribui para odesempenho da empresa [-1000, +1000]3 M : qualidade e dinamismo da gerência [-5, +4.5]4 U : se a empresa recebeu seu primeiro pedido de exportação de formainesperada (s=1, n=0) S : tamanho da empresa medido pelo número de empregados [1, 6]5
0.690
E : +0.241
M : +0.396 U : +0.735
S : +0.183
5
D = 0.3151 + 0.0004E - 0.048B -
0.041M
D : porcentagem das vendas destinadas à exportação [10%, 45%] E : expectativa da gerência de o quanto a exportação contribui para o
desempenho da empresa [-1000, +1000]6 B : número de barreiras percebidas à exportação [0, 9]7 M : qualidade e dinamismo da gerência [-5, +4.5]8
0.698
E : +0.775
B : -0.531 M : -0.325
1 por exemplo, tecnologia, processos, diferenciação dos produtos, marketing, proximidade dos mercados-alvo, etc. 2 entende-se como exportadora experimental a empresa que exporta há dois anos ou menos, e cujo volume de exportação não ultrapassa 10% do seu
total de vendas; exportadora experiente é a empresa que exporta há seis anos ou mais, e cujo volume de exportação é superior a 10% das vendastotais.
3 medida a partir de um composto de valores e atitudes relacionados ao crescimento da empresa e à percepção de lucro e riscos da exportação 4 medidos a partir de um composto de cinco elementos : opiniões dos gerentes, existência ou não de um departamento em separado para tratar da
exportação, existência ou não de uma política permanente de exportação, existência ou não de planejamento para exportação, e exploração ou não daviabilidade da atividade de exportação.
5 categorizado do seguinte modo : 1 : < 25; 2 : 25 a 99; 3 : 100 a 249; 4 : 250 a 499; 5 : 500 a 1000; 6 : > 1000. 6 idem nota 3. 7 por exemplo, falta de informação sobre o mercado, diferenças no comportamento do consumidor e nas práticas comerciais de outros países, problemas
relativos à taxa de câmbio, etc. 8 idem nota 4.
116
ANEXO II
ROTEIRO BÁSICO DE ENTREVISTA
1. Caracterização do entrevistadoNome, cargo, responsabilidades
2. Caracterização da empresaBreve histórico, áreas de atuação, organograma
3. Atividades pré-internacionalizaçãoHouve uma “expansão extra-regional” ? em caso afirmativo, descrevê-la
Como se desenvolveu a competência em marketing internacional ?
4. Características do tomador da decisão de internacionalizaçãoQuem tomou a decisão ?
Quais as suas características pessoais ?
Qual a sua vivência internacional ?
5. Entrada no mercado internacionalComo foi despertado o interesse pelo mercado internacional ?
Onde e quando a empresa iniciou suas atividades no mercado estrangeiro ?
Qual foi a percepção de “distância psíquica” em relação a esses países ?
Quais os estímulos percebidos ao ingresso no mercado estrangeiro ?
Quais as barreiras percebidas ?
Qual a percepção com relação às vantagens competitivas da empresa ?
6. Quais os objetivos estratégicos da internacionalização da empresa ?
7. Qual o modo de entrada escolhido no mercado estrangeiro ?Quais eram as opções disponíveis ?
Quais foram os critérios de escolha ?
Qual a percepção com relação a risco e retorno do modo escolhido ?
Houve interesse na formação de associações ou parcerias ?
Qual o grau de controle e integração vertical das atividades no estrangeiro ?
8. Como têm evoluído as atividades da empresa no mercado estrangeiro ?
117
Qual a estratégia competitiva adotada ?
Como a empresa segmentou o mercado estrangeiro ?
Como tem sido gerenciado o marketing mix (produto, preço, distribuição e
comunicação) nesse mercado ?
Quais os planos para o futuro ?
9. Há sistemas de planejamento e controle das atividades no estrangeiro ?Em caso afirmativo, como esses sistemas estão estruturados ?
Existe uma estrutura em separado para tratar das atividades internacionais ?
Qual o relacionamento entre a matriz da empresa no Brasil e as unidades nos
demais países ?
118
ANEXO III
PRINCIPAIS EMPRESAS DO GRUPO AMIL (em 1998)
EMPRESA SETOR
Amil Brasil Assistência médica
ESHO Administração hospitalar
Promarket Agência de publicidade “in house”
Aeromil Transportes aéreos
Farmalife Farmácias e lojas de conveniência
Quorum Corretora de seguros
Amil Seguradora Seguros de vida e saúde, previdência privada
Supri M Fornecimento de material hospitalar
Amil Dental Planos odontológicos
Amil Franchising Concessionária de franquias
Laboratório Dr. Sérgio Franco Análises laboratoriais
Dix Planos de saúde
Crocodile Fast-food (EUA)
Amil Health Corporation (Miami) Assistência médica (EUA)
Amil Nevada Assistência médica (EUA)
Amil Texas Assistência médica (EUA)
Amil Argentina Assistência médica (Argentina)
Fonte : Grupo Amil