Internet das Coisas: que desafios?

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Centro de Estudos de Filosofia Lisboa, 21 de abril de 2016 Seminário Permanente de Filosofia Dialógica INTERNET DAS COISAS Que desafios? Cecília Cristina dos Reis Tomás Investigadora do CEFi UCP Ethics, Applied Philosophy and Politics Research Group Intervenção realizada no âmbito do Seminário Permanente de Filosofia Dialógica

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Centro de Estudos de Filosofia

Lisboa, 21 de abril de 2016

Seminário Permanente de Filosofia Dialógica

INTERNET DAS COISAS

…Que desafios?

Cecília Cristina dos Reis Tomás Investigadora do CEFi – UCP

Ethics, Applied Philosophy and Politics Research Group

Intervenção realizada no âmbito do

Seminário Permanente de Filosofia Dialógica

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Internet das Coisas, ou melhor dizendo Internet de Todas as Coisas… Que

desafios?

Esta é uma reflexão que vem na linha de investigação que estou a levar a cabo no

âmbito do doutoramento em Educação a Distância e eLearning da Universidade

Aberta, a qual é decorrente do estudo feito sobre Web Semântica e

Personalização, dissertação de mestrado apresentada em maio de 2014.

O que é a web semântica? Em termos simplificados e resumidos é uma nova

ontologia (arquitetura) computacional que tem como base a polissemia de sentidos

e a aprendizagem com o homem (M2P) e com a máquina (M2M) que possibilita a

passagem de uma web que apenas informa para uma web que constrói sentido e

conhecimento. Com estes novos mecanismos a personalização será,

possivelmente, um dos maiores desafios propiciados a efetivar pela Internet das

Coisas capaz de mudar paradigmas.

No estudo que fiz, no âmbito da educação, percebi a séria possibilidade da

mudança do arquétipo educacional que se encontra atualmente numa encruzilhada

do paradigma industrial. Também aflorei outras questões nomeadamente no âmbito

da ética que, de algum modo nos trazem à reflexão de foro antropológico, ontológico

e metafísico / metaético.

Tendo sido a Internet das Coisas (IoT) uma das dimensões da Web Semântica

alvo de exploração naquela dissertação e tendo-se manifestado como uma das

tecnologias mais disruptivas, embora ainda com uma expressão diminuta nas

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diferentes áreas da sociedade naquele momento de investigação, considerei útil

esperar pela evolução do tema e da própria tecnologia para poder efetivamente

pesquisar, questionar e refletir. Porém já nessa altura percebi a potencialidade que

a tecnologia IoT poderia trazer e associada a ela os riscos ou, seja, os desafios para

a humanidade percebendo, por isso, a necessidade da mediação ética associada a

uma reflexão ontológica.

A evolução é um equilíbrio de forças que nos permite acrescentar de forma

harmónica ao já existente algo de novo. A evolução do ser humano desde os seus

primórdios começa com desenvolvimentos sistémicos - o desenvolvimento do

polegar (que permite pegar em objetos) e, por isso, a libertação da face da sua

função de alimentação que potenciou a posição ereta, são apenas alguns exemplos

dos mais importantes - e culmina com um momento de serendipidade (será que

sabemos que foi por acaso?) – que é o da descoberta do fogo - que potencia

todos os futuros desenvolvimentos.

Durante séculos a tradição oral foi central para o desenvolvimento do ser humano

e a disseminação de conhecimento, mas a escrita veio marcar de forma decisiva o

modo de vivermos em comunidade, modo este que foi amplificado com a invenção

de Gutenberg que fez chegar a um maior número de pessoas a informação que

anteriormente era reservada, apenas, a alguns. Com a máquina a vapor tudo se

tornou possível e como tão bem Fernando Pessoa descreve na Óde Triunfal (Álvaro

de Campos) “E há Platão e Virgílio dentro das máquinas e das luzes eléctricas (...)”

pela possibilidade que o conhecimento tem em se deslocar com uma velocidade

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nunca antes vista. É aqui que digo: estamos novamente a viver a época de

Fernando Pessoa que se espanta com a velocidade.

Mas não é só a velocidade; a web veio permitir mudanças estruturais (que talvez

só no espaço de pelo menos mais duas gerações seremos capazes de analisar) e

modificações nas nossas capacidades e competências. As máquinas passaram

a ser o armazém da nossa memória (mas com gestores humanos, embora cada vez

menos…), da informação que circula, passou a ser um local de conhecimento e de

ocultação (a circulação de notícias, de livros, de vídeos, de salas de conversa, de

redes sociais mas também a sonegação e os espúrios critérios de relevância).

As redes sociais vieram permitir a propagação de informação e conhecimento,

acrescentando o debate, muitas vezes falso ou fechado numa única perspetiva, mas

com a possibilidade de reversão. A semântica virá permitir retirar a informação e o

conhecimento de velhos silos tornando-a acessível a todos, ou pelo menos assim se

espera de um ponto de vista utópico...

Apesar destas evoluções ficou, no ser humano, por educar a emoção e ao

computador (que já é um ser ligado, quase ao jeito do ser vivo) falta conferir-lhe a

capacidade emocional ou, pelo menos, a capacidade de, a partir dele se

estabelecerem relações personalizadas e de ligação entre seres humanos

(empatia). De alguma forma isso será o que o advento da inteligência artificial, tanto

ao nível da robótica como da Internet das coisas (de todas as coisas) possibilitará.

Futuros possíveis avizinham-se. As visões dos investigadores são diferentes e por

vezes divergentes, mas todas falam em objetos interligados e conectados (à rede).

David Rose (2014), pesquisador e cientista no MIT (Instituto de Tecnologia de

Massachussets) fala de uma espécie de objetos encantados, isto é, "onde a

tecnologia infunde coisas comuns com um pouco de magia para criar uma interação

mais satisfatória e evocar uma resposta emocional."

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Na verdade em que consiste a Internet das Coisas?

Consiste na contínua monitorização da grande parte (para não dizer todas) das

circunstâncias e momentos da vida do indivíduo e dos comportamentos sociais

o que poderá trazer sérias consequências nomeadamente no plano da privacidade

como afirmam Popescul e Georgescu, 2013 ou Anderson e Rainie, 2014. E como

afirma Hancock (2014) “ A Internet das Coisas continua o que as redes sociais

começaram: quebrar as fronteiras entre o eu privado e o eu público. Tal como

acontece com qualquer tecnologia de tal potencial poderoso, os tecnólogos devem

ter muito cuidado para geri-lo em prol do bem e para educar e informar (todos)

sobre as considerações éticas que acompanham a sua adoção. Os educadores

e tecnólogos terão de ser pró-ativos na realização de diálogos e debates

necessários, a fim de proteger a privacidade, a diversidade e a aprendizagem.”

Com a Internet das Coisas o aumento dos dados, da grande nuvem de dados

será considerável, pois na verdade aquilo que ela potencia, a personalização,

ancorada no eu (só o eu vende…dizem alguns - e aqui continuamos numa

perspetiva dualista da realidade, neste caso da realidade social) pela integração de

mecanismos semânticos, permite o reconhecimento do eu a partir dos dados que

cada um de nós vai deixando (no uso das redes sociais, das pesquisas, dos gostos,

do uso do GPS, email, do telemóvel, dos wearables, do cartão de crédito enfim,

aquilo que Pentland chamou de 'breadcrumbs', que não são apenas dados, mas são

comportamentos. Estes dados que vão ficando armazenados numa nuvem

gigante (BIG DATA) permitirão personalizar os dados que são oferecidos a

cada um. Isso é já visível através dos geolocalizadores do telefone que estão

muitas vezes ligados às redes sociais, ao email e como tal a todas as pesquisas que

fazemos.

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A questão não é apenas a da coleta de dados, que certamente levanta

importantes questões éticas, mas é, também, o que isso pode gerar (em

termos das ofertas e da gestão das mesmas - por quem? Com que intenções?)

Que desafios pode a internet das coisas trazer?

Autores atuais como os que neste slide são identificados dão-nos visões diferentes

sobre a tecnologia, mas que de uma forma ou de outra se colocam de um dos lados

da mesma. Certo é que não há como escapar dela, apesar de as visões sobre a

mesma poderem ser positivas ou negativas.

Paul Virílio define a era da informática como algo perigoso por levar o ser humano

à perda da noção da realidade, quebrando distâncias e territorialidades e ainda por

proporcionar uma quantidade absurda de informações. Criador do termo

‘dromologia’ – de dromos: velocidade – Virílio considera que pelo rompimento da

física e da metafísica a velocidade permite o problema da temporalidade e da

finitude quer pela inexistência de espaço como pela ausência de tempo restando,

apenas, o aqui e o agora fugaz que deixa o ser humano sem um eixo espácio-

temporal. Neste sentido Virílio considera a técnica como desumanizadora pela

asfixia (do agora) que as novas tecnologias produzem. Também neste sentido da

tecnofobia vem o polonês Zygmunt Baumam (n/d) considerar que a tecnologia traz

a perda da universalidade conduzindo à fragilidade dos laços humanos derivada da

flexibilidade imposta pela vivência em rede (virtual) que põe a descoberto a fluidez e

fugacidade das relações, dos medos, angústias e preocupações. A atualidade está

marcada pela não vinculação a algo que seja universal e imutável que leva à

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fragilidade dos vínculos humanos e, ao limite, à inexistência dos mesmos. Esta

fragilidade e desvinculação de laços cria no Homem a furiosa ‘individualização’ e,

assim sendo, a modernidade líquida é fértil em relacionamentos em rede que

carecem de sério compromisso. A quebra da universalidade - referencial universal -

leva as sociedades atuais a cair no problema da fugacidade das relações visto que

os relacionamentos atuais são “(...) “relacionamentos de bolso” do tipo de que se

“pode dispor quando necessário” e depois tornar a guardar.” como refere Bauman.

Aquilo que resta ao Homem da sociedade líquida é a relatividade dos valores em

constante mutação devido à sua própria fugacidade, faltando-lhe uma matriz

universal onde tais valores estejam ancorados. Neste sentido a questão inerente à

intencionalidade é central e não há como lhe fugir.

Diz Castells (2007), citando Kranzberg, que “a tecnologia não é boa nem é má,

mas também não é neutra”; ela depende da intencionalidade humana. Por outro

lado a propagação dos efeitos relativos às intencionalidades humanas surtem eco

(são ampliados - no espaço, no tempo e na quantidade de pessoas -), como Wesch

analisou, além de ficarem registados naquilo que, de alguma forma recuperou a

universalidade perdida pela fugacidade do agora (exemplo disso são os vídeos no

youtube), universalidade esta contestada por Sadin (2015) que fala no ‘tecnopoder’

(que Foucault havia referido como governamentalidade) e nos riscos que este

acarreta para o individuo e para o decurso da sua existência (no fundo alguém com

poder pode decidir sobre a vida de cada um) o que se agudiza com a existência de

Big Data e da IoT (dos usos que podem ser dados aos dados que vão sendo

recolhidos sobre nós) e das predições futuras.

Tendo como principal propriedade a conectividade, a rede é animada por fluxos

sendo no campo social que se fomentam dinâmicas locais e globais. Instrumentos

de poder e de rivalidades, de integração e de exclusão as redes implicam o

processo de redimensionamento do espaço público (na interação, na relação eu-

outro e na mediação cultural) e exortam o dinamismo; reflexo da sua arquitetónica

estrutural a sociedade em rede é uma sociedade interconectada local e globalmente

que, para além de redimensionar o espaço e o tempo possibilita a interação de

conhecimentos e a cooperação nos mais diversos domínios da sociedade.

O conceito de Sociedade em Rede (conceito de Castells) traz consigo um outro

conceito, o de Cibercultura (conceito de Pierre Lévy) que é uma cultura emergente

que possibilita a reinvenção das relações humanas (num ciberespaço), bem como

um crescimento paralelo e interconectado entre o real e o virtual que possibilita o

jogo dos simulacros (expressão de Baudrillard) que são expressão da própria

verdade mesmo não possuindo equivalente na realidade.

É neste sentido que Edgar Morin (1999) apela à necessidade de uma forte

formação ética, que Luciano Floridi (2016) reflete sobre um realismo informacional

e que Nick Bostrom (2015) questiona sobre a necessidade de ensinar a

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inteligência artificial de acordo com os nossos valores, para que quando ela for mais

inteligente do que nós não interfira de forma negativa com eles e, portanto,

connosco.

Podendo fazer emergir do Ser Humano aquilo que de melhor ele tem - humanidade

(ligada, neste caso, à personalização, coisa pouco clara) - e aquilo que de pior

encerra - a desumanidade ancorada na violência - a IoT compreende dilemas no

plano da personalização que não foram, ainda, instigados, equacionados e

problematizados. Comecemos por analisar os desafios antropológicos:

Até hoje percebemos as chamadas “relações humanas” como sendo nós, seres

humanos, os que estão no comando das mesmas. As relações apesar de terem já

integrado mecanismos não humanos, não viram até hoje cumprida a

promessa da Inteligência Artificial. Porque mais do que relações de estruturas

são acontecimentos da liberdade.

Com a internet as possibilidades aumentaram, mas é com a entrada da semântica

no domínio exclusivo da sintaxe que as relações começaram a mudar em vários

domínios. Com a semântica as máquinas começaram a aprender através de

mecanismos diversos implementados na sua ontologia (arquitetura). A máquina

começou não apenas a perceber o significado da linguagem comum, mas percebeu,

também, que essa mesma linguagem é dotada de significados diversos. Está na

fase de aprender os diferentes significados e aplicação a diferentes situações

(pragmática). Temos atualmente uma máquina que aprende (machine learning) e

que aprende não só com o ser humano (a partir das diferentes sugestões que ela

vai guardando na sua gigante memória), mas com as outras máquinas, isto é, com o

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estar em rede. Sinal disso são os diferentes aplicativos que vão surgindo ou, caso

clássico é o tradutor da Google que está cada vez mais ‘perfeito’.

Se só com a semântica as possibilidades aumentaram, imagine-se o que

mudará nas relações entre os seres humanos quando a IoT começar, de forma

séria e sistematizada, a operar (interoperabilidade).

Máquinas que aprendem com máquinas e com seres humanos para além de

seres humanos que aprendem com máquinas e com os seus semelhantes

trazem novos centros de decisão.

Surgem assim as Cidades Inteligentes que cheias de artefactos inteligentes

(interligadas entre si) se completam com Cidadãos Inteligentes, isto é ‘pessoas

ativas, em rede, autónomas e no controlo dos recursos próprios’ como afirma

Buchem e Koskinen (2013).

Recheados de novos desafios, a pedagogia tem de deixar a alçada do século XIX

(era industrial) e entrar numa nova era. Uma aprendizagem analítica (personalizada

e ancorada em predições) e rizomática (ancorada na criatividade e na

conectividade) são os prelúdios de uma nova pedagogia que deixa as salas de aula

físicas encontrando nos locais que visita e na coexistência as reais situações de

aprendizagem. Como vem descrito no Horizon Report de 2015 “Hypersituating é

a capacidade de ampliar o conhecimento com base na localização do

utilizador. Por outras palavras os alunos que trazem consigo dispositivos

conectados podem beneficiar de uma série de informações interdisciplinares

que é enviada a partir do que os rodeia. Por exemplo, um aluno que explora

uma cidade com um rico passado histórico pode explorar o seu ambiente

através de uma perspetiva arquitetónica, política ou biológica, dependendo de

como os arredores estão equipados. IoT também pode criar um ambiente onde

os alunos são informados pelas contribuições crowdsourced e observações

da comunidade através de objetos ligados em rede.)”

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De acordo com Valacich e Schneider (citado em Popescul e Georgescu (2013)) –

figura 1 - um comportamento ético requer:

• fazer valer os direitos de propriedade sobre a informação: "Quem é o

proprietário dos dados obtidos pelos sensores dos objectos ligados à Internet das

Coisas?”;

• garantir o acesso à informação: atualmente um ataque num computador pessoal

pode causar perda de informações. Imagine-se, agora um vírus a espalhar-se ou um

ataque de hacker na Internet das coisas. Isso pode ter uma influência directa sobre

a vida não só de uma, mas de muitas pessoas (a lista de sistemas vulneráveis é

quase infinita - que inclui sistemas de aquecimento eléctrico, redes de distribuição

de alimentos, hospitais, sistemas de semáforos, redes de transporte e até mesmo

barragens);

• assegurar a integridade da informação (aqui surge a questão do realismo

informacional e, acrescento eu: Até que ponto não deverá a informação ser vista

como sujeito de direitos e de deveres (é que na verdade quando ela entra na rede

podemos perder-lhe o rasto caso a legalidade não possa intervir. Será que a ética

chega?…)) ;

• fazer cumprir o direito à vida privada (há até quem diga que o direito ao silêncio

e à vida privada são, no futuro, luxos acessíveis apenas a alguns).

A omnipresença da Internet das coisas (através do omnicanal - conceito

associado mais ao comércio) fará com que as fronteiras entre o espaço público e

privado sejam invisíveis, não sabendo cada um de nós onde as suas informações

acabam. Estamos perante um totalitarismo de vigilância do tipo Big Brother pela

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monitorização, não ciente ou conhecida dos indivíduos o que trará, certamente,

prejuízo da vida privada individual.

Estas questões levam-nos à figura 2 (Popescul e Georgescu (2013)) que mostra o

impacto das tecnologias e as características mencionadas anteriormente como

características de um comportamento ético.

Que características são estas:

• Ubiquidade / onipresença - nós somos ‘devorados’ pela IoT devido aos

dispositivos de conexão de Internet com que todos os produtos estarão equipados;

• miniaturização / invisibilidade - os dispositivos serão cada vez menores e mais

transparentes (podendo trazer problemas ao nível da inspeção, auditoria, controle

de qualidade e procedimentos contáveis);

• Ambiguidade - a distinção entre os objetos naturais, artefatos e seres será mais

difícil (como consequência da transformação fácil de uma categoria para outro com

base em tags, design avançado e absorção de novas redes de artefatos);

• Identificação difícil - para estarem ligados à IoT, os objetos terão identidade -

serão exércitos de objetos com identidade própria -. (O acesso a esses "exércitos"

de objetos, a gestão dessas identidades poderá levantar grande interesse e causar

sérios problemas de segurança e controle num mundo globalizado);

• Ultra-conectividade - as conexões vão aumentar em número e alcançar escalas

sem precedentes de objetos e pessoas (consequentemente, as quantidades de

dados e produtos transferidos aumentarão exponencialmente (Big Data) podendo

ser utilizados de forma maliciosa);

• Comportamento autónomo e imprevisível - os objetos interligados podem

interferir espontaneamente em situações humanas e de formas inesperadas para os

utilizadores ou os designers uma vez que pessoas e coisas estarão lado a lado na

IoT criando sistemas híbridos com comportamentos inesperados. (O

desenvolvimento incremental da Internet das Coisas vai levar a comportamentos

emergentes sem que os utilizadores tenham a plena compreensão do ambiente em

que estão expostos);

• Inteligência incorporada - os objetos serão inteligentes e dinâmicos e com

comportamentos pois serão extensões da mente e do corpo humano (sistemas de

nanotecnologia estão a ser criados na área da IoT ou se pensarmos na medicina e

no que já foi inventado falaremos de pacemakers, próteses, etc. que podem com os

avanços tecnológicos tornar-se inteligentes). Sendo privados destes dispositivos

pode haver problemas – veja-se, por exemplo, o caso dos adolescentes como se

consideram cognitiva ou socialmente sem o Google, um telefone inteligente ou

Média Social));

• Difícil controle - Será ética e legalmente centralizado o controle da Internet das

coisas? Como consequência do grande número de hubs, switches e dados será

difícil gerir e controlar os fluxos de informação que serão facilitados, bem como as

transferências serão mais rápidas e baratas. Surgirão propriedades emergentes e

fenómenos que necessitarão de monitorização e de governança de forma adequada

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e isso irá influenciar ainda mais as atividades de contabilidade e controle podendo

originar fenómenos de totalização ao nível da governança.

Em termos éticos há estudos que apontam para a existência de 4 perspetivas ou 4

caminhos (Covert et all., 2014):

Posição Utilitarista: "O utilitarismo é a construção ética baseada nos resultados de

máxima utilidade. Isso significa que as sociedades e os indivíduos devem tomar

decisões que resultam na maior bem para todos.";

Abordagem da Virtude Ética "(...) que gira em torno de tomar decisões com base

em normas comunitárias de base e como as decisões são percebidos pela

comunidade";

Abordagem ligada à Equidade "(...) onde as decisões ou ações são revistos

quanto à forma como eles distribuem tanto os encargos e os lucros de uma

decisão";

Abordagem do Bem Comum "(...) em que as decisões ou ações se baseiam na

busca de valores e objetivos comuns para a comunidade.".

Certo é que o ser humano acaba sempre por encontrar um caminho; foi assim com

a descoberta do fogo (o fogo é extremamente perigoso dependendo dos usos que

lhe são dados), foi assim com o aparecimento da escrita e da sua disseminação, foi

assim com a velocidade trazida pela máquina a vapor e será também encontrado

um caminho para a IoT.

Certamente que tendemos a considerar que a última invenção é sempre pior do que

a anterior e aquela que levará ao fim do mundo e da existência humana. É típico do

processo de assimilação versus acomodação (numa linguagem piagetiana) de algo

que é novo para o ser humano. Porém e como não há volta a dar e o caminho é em

frente teremos de o tentar fazer da melhor forma, por mais íngreme e difícil que ele

seja. Parece que estamos novamente a sair da caverna, ao estilo de Platão (ou a

sair de uma e a entrar noutra), mas na verdade sendo a evolução sinónimo de

crescimento as questões que se colocam são agora:

"Como crescemos enquanto seres humanos?" (Henriques, 2016)

"Como estamos a responder aos outros?" (Henriques, 2016)

"Que comunidades de discurso construímos?” (Henriques, 2016)

“O que ganhamos (em termos da relação humana) com esta evolução?”

(acrescento eu)

É aqui que podemos encontrar perspetivas filosóficas como as de Levinas que vem

na linha de pensamento de Rosenzweig e desemboca na linha de uma ética

relacional. É que na verdade as redes sociais vieram construir de forma mais

organizada aquilo que já antes existia no mundo virtual; elas vieram colocar a

possibilidade da essência ser reposta na existência pela linguagem. Para Levinas

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“(…) a atualidade única da palavra a arranca à situação em que ela aparece e que

ela parece prolongar.” (Carrara, 2012) e a temporalidade aparece na unicidade

relacional em que se quebra o ser da história. É na coexistência que se joga a

existência; é na relação com o outro que eu me descubro como eu (identidade -

misto de identidade física e virtual). Do que se fala, afinal, quando se fala em

realidade virtual? Fala-se essencialmente de relacionamentos (mesmo que não

visíveis ou face-a-face). Isso possibilita o aumento do conhecimento pelas relações

que se jogam no domínio virtual e possibilita, também o domínio do reconhecimento.

Só não sei ainda, se esse reconhecimento será autêntico ou apenas um eco da

realidade virtualizada. Por resolver ficam várias questões das quais se destacam...

… as ontológicas e as metafísicas e metaéticas.

Sendo a “ontologia isomorfa de conhecimento e a metafísica de reconhecimento”

(Henriques, 2016) estaremos aqui em dois pólos contíguos, mas não contínuos da

realidade.

Se o primeiro diz respeito à realidade do conhecimento, encontraremos aqui por um

lado uma perspetiva que vem numa linha positivista que pensa a realidade

informacional. Na perspetiva de Floridi (Maçorano, n/d)

“(...) a natureza última da realidade é informacional, argumentando que: a)

é possível uma reconciliação do Realismo Estrutural Epistémico (REE)

com o Realismo Estrutural Ontológico (REO), através da metodologia dos

níveis de abstracção, tornando o REO defensável (de um ponto de vista

pró-estruturalista); b) o REO é plausível, na medida em que nem todas as

entidades relacionadas são logicamente anteriores a todas as estruturas

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relacionais. Floridi privilegia a relação de diferença para fundamentar esta

afirmação; c) é possível desenvolver uma ontologia de entidades

estruturais, no âmbito do REO, utilizando objectos/entidades

informacionais.".

Para mim apenas interpreto que a informação deverá ter uma identidade subjetiva

(não apenas objetiva) e ser detentora de direitos e deveres porque dependendo do

uso que os seres humanos lhe podem dar as consequências poderão ser nefastas -

caso o caminho utilizado seja diferente do da coexistência.

Num mundo em que valor instrumental parece desviar-se cada vez mais dos valores

humanos o que nos resta para integrar a realidade virtual como uma realidade de

valor?

Teremos, ainda, de ganhar alguma distância para perceber a realidade que está a

crescer cada vez mais depressa, mas se olharmos para as redes sociais como o

antepassado da IoT (pelos elevados níveis de conectividade) veremos que é na

diversidade e na pluralidade, é com o outro, com a presença do outro que vou

crescendo, que me vou reconhecendo e que me vou autonomizando (no diálogo e

na ação - muitas vezes apenas à distância de um clic – exemplo disso são as

petições online).

A questão que fica no ar (para futuras pesquisas) é a seguinte: será que com a IoT

e o crescente da personalização essa pluralidade, diversidade, liberdade,

autonomia, alteridade, conectividade e coexistência serão preservadas?

Na verdade e como Heidegger bem distante de nós e desta nossa realidade

afirmou: “(...) A essência da tecnologia tem pouco que ver com a tecnologia”, tem

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que ver com relações, relações no plano social, educacional e muitos. Como

Rosenzweig disse “a diferença entre o velho e o novo, entre o pensamento lógico e

gramático, não reside no contraste entre um ser silencioso e o outro falar em voz

alta, mas na necessidade do outro, ou o que é o mesmo, em tomar a sério o tempo”

(citado por Henriques, 2016).

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*Acresce às fontes a troca de emails realizada entre a autora deste artigo versus

apresentação e Mendo Henriques (Professor da Universidade Católica Portuguesa)

no âmbito da construção da mesma de onde surge a designação Henriques (2016).