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INTERVENÇÃO FEDERAL Elaborado em 11/11/2014 Márcio André Lopes Cavalcante PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DOS ENTES A União, os Estados, o DF e os Municípios são autônomos (art. 18 da CF/88). A autonomia dos entes é manifestada pelas seguintes capacidades que possuem: a) Auto-organização: capacidade de os Estados elaborarem suas próprias Constituições e de o DF e os Municípios elaborarem suas Leis Orgânicas; b) Autogoverno: prerrogativa que os entes possuem de elegerem os seus respectivos governantes (Governadores, Prefeitos, Deputados, Vereadores); c) Autoadministração: capacidade que os entes possuem dirigirem os seus próprios órgãos e serviços públicos e de exercerem suas competências, sem interferência de outro ente. Assim, por exemplo, as decisões administrativas do Estado-membro “X” são tomadas exclusivamente por este Estado-membro “X”, sem que possam sofrer a interferência da União, de outros Estados-membros ou de Municípios; d) Autolegislação: prerrogativa dos entes de editarem suas próprias leis, de acordo com as competências fixadas pela CF. EQUILÍBRIO FEDERATIVO (PACTO FEDERATIVO) Apesar de serem autônomos, os entes da Federação têm que obedecer aos princípios e regras da CF/88 a fim de manter o equilíbrio federativo. INTERVENÇÃO: INSTRUMENTO PARA MANTER O EQUILÍBRIO FEDERATIVO A CF/88 prevê que, se houver risco à manutenção do equilíbrio federativo, é possível a utilização de um mecanismo chamado de “intervenção”. A finalidade da intervenção é proteger a estrutura constitucional federativa contra atos destrutivos de unidades federadas. CONCEITO DE INTERVENÇÃO A intervenção é... - uma medida de natureza política, - excepcional, - prevista taxativamente na CF/88, - consistente na incursão (intromissão) de um ente superior em assuntos de um ente inferior - restringindo temporariamente a autonomia deste - com o objetivo de preservar o pacto federativo - e fazer cumprir os demais princípios e regras constitucionais. PRINCÍPIO DA NÃO-INTERVENÇÃO A regra é que um ente não pode intervir em outro. A intervenção de um ente em outro é excepcional. Somente fatos de enorme gravidade justificam essa medida extrema. ESPÉCIES DE INTERVENÇÃO: Há dois tipos de intervenção em nossa Federação: a) Intervenção da União nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios localizados em Territórios (intervenção federal) – art. 34 da CF; b) Intervenção dos Estados nos Municípios (intervenção estadual) – art. 35 da CF.

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INTERVENÇÃO FEDERAL Elaborado em 11/11/2014

Márcio André Lopes Cavalcante PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DOS ENTES A União, os Estados, o DF e os Municípios são autônomos (art. 18 da CF/88). A autonomia dos entes é manifestada pelas seguintes capacidades que possuem: a) Auto-organização: capacidade de os Estados elaborarem suas próprias Constituições e de o DF e os

Municípios elaborarem suas Leis Orgânicas; b) Autogoverno: prerrogativa que os entes possuem de elegerem os seus respectivos governantes

(Governadores, Prefeitos, Deputados, Vereadores); c) Autoadministração: capacidade que os entes possuem dirigirem os seus próprios órgãos e serviços

públicos e de exercerem suas competências, sem interferência de outro ente. Assim, por exemplo, as decisões administrativas do Estado-membro “X” são tomadas exclusivamente por este Estado-membro “X”, sem que possam sofrer a interferência da União, de outros Estados-membros ou de Municípios;

d) Autolegislação: prerrogativa dos entes de editarem suas próprias leis, de acordo com as competências fixadas pela CF.

EQUILÍBRIO FEDERATIVO (PACTO FEDERATIVO) Apesar de serem autônomos, os entes da Federação têm que obedecer aos princípios e regras da CF/88 a fim de manter o equilíbrio federativo. INTERVENÇÃO: INSTRUMENTO PARA MANTER O EQUILÍBRIO FEDERATIVO A CF/88 prevê que, se houver risco à manutenção do equilíbrio federativo, é possível a utilização de um mecanismo chamado de “intervenção”. A finalidade da intervenção é proteger a estrutura constitucional federativa contra atos destrutivos de unidades federadas. CONCEITO DE INTERVENÇÃO A intervenção é... - uma medida de natureza política, - excepcional, - prevista taxativamente na CF/88, - consistente na incursão (intromissão) de um ente superior em assuntos de um ente inferior - restringindo temporariamente a autonomia deste - com o objetivo de preservar o pacto federativo - e fazer cumprir os demais princípios e regras constitucionais.

PRINCÍPIO DA NÃO-INTERVENÇÃO A regra é que um ente não pode intervir em outro. A intervenção de um ente em outro é excepcional. Somente fatos de enorme gravidade justificam essa medida extrema.

ESPÉCIES DE INTERVENÇÃO: Há dois tipos de intervenção em nossa Federação: a) Intervenção da União nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios localizados em Territórios

(intervenção federal) – art. 34 da CF; b) Intervenção dos Estados nos Municípios (intervenção estadual) – art. 35 da CF.

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Intervenção FEDERAL União intervém nos Estados.

Intervenção ESTADUAL Estados intervém nos Municípios. (Obs: a União não intervém em Municípios, a não ser que estejam em Territórios). HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO FEDERAL As hipóteses excepcionais de intervenção federal estão previstas taxativamente no art. 34 da CF/88. Vejamos cada uma delas, analisando o procedimento adotado:

HIPÓTESES PROCEDIMENTO

A União poderá intervir nos Estados/DF se essa medida for necessária para: 1) manter a integridade nacional. Ex: um determinado Estado-membro inicia um forte movimento para se separar do restante do Brasil.

O Presidente da República, ao perceber que está ocorrendo alguma dessas hipóteses, deverá decretar a intervenção, mesmo que não tenha sido solicitada por ninguém. Em outras palavras, a intervenção será decretada de ofício (de forma espontânea). O Presidente decreta a intervenção por meio de um Decreto Presidencial deverá trazer as regras sobre a intervenção (amplitude, prazo, condições). No Decreto, o Presidente poderá nomear um interventor para administrar o Estado, caso entenda necessário. O Decreto deverá ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de 24 horas. A doutrina chama isso de “controle político” da intervenção. Se o Congresso não estiver funcionando, o Presidente do Senado deverá fazer uma convocação extraordinária. Antes de decretar a intervenção, o Presidente consultará o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, sendo tais manifestações apenas opinativas (não vinculantes).

2) repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra. Ex: a Colômbia decide conquistar Tabatinga (AM).

3) pôr termo (acabar) a grave comprometimento da ordem pública. Ex: o Estado-membro não está conseguindo controlar o crime organizado.

4) reorganizar as finanças do Estado/DF caso ele tenha: a) suspendido o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixado de entregar aos Municípios as receitas tributárias, dentro dos prazos estabelecidos em lei.

5) A União poderá intervir no Estado/DF para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação.

Se o Poder Executivo ou Legislativo estadual que estiver sendo coagido/impedido, deverá solicitar (“pedir”) ao Presidente da República que intervenha no Estado. Se o Poder Judiciário estiver sendo coagido/impedido, deve solicitar providências ao STF. Se o STF concordar com o pedido, irá requisitar do Presidente da República a intervenção (a requisição é vinculante).

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O Decreto de intervenção também será submetido à apreciação do CN, no prazo de 24 horas.

6) A União poderá intervir no Estado/DF para prover (garantir) a execução de ordem ou decisão judicial que esteja sendo desrespeitada.

A decretação da intervenção dependerá de requisição do STF, do STJ ou do TSE. Assim, o STF, o STJ ou o TSE, a depender de qual ordem/decisão judicial esteja sendo descumprida, irá requisitar do Presidente da República a intervenção federal. Assim, p. ex., se a decisão do TSE é que foi descumprida, o Presidente desta Corte irá requisitar a intervenção ao Presidente da República. E se o Estado/DF estiver descumprindo uma decisão de juiz ou Tribunal de 2ª instância? Nesse caso, o Tribunal local deverá fazer uma representação ao Tribunal Superior competente (STF, STJ ou TSE) solicitando a intervenção. Se o Tribunal Superior concordar, ele irá requisitar ao Presidente da República a intervenção. Para saber qual o Tribunal Superior será competente deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso. Ex1: caberá ao STJ o exame da intervenção federal nos casos em que a matéria é infraconstitucional (legislação federal) e o possível recurso deva ser encaminhado ao STJ. Ex2: se a questão for constitucional, o pedido de intervenção será julgado pelo STF. Obs: NÃO é necessária a apreciação pelo CN tendo em vista que a intervenção foi determinada pelo Poder Judiciário em julgamento de ação judicial.

7) A União poderá intervir no Estado/DF para prover (garantir) a execução de lei federal que esteja sendo desrespeitada.

A decretação da intervenção dependerá de provimento (decisão julgando procedente), pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República. Assim, verificando a ocorrência de uma dessas duas hipóteses, o PGR deverá propor uma representação de inconstitucionalidade interventiva (ação direta de inconstitucionalidade interventiva) junto ao STF.

8) A União poderá intervir no Estado/DF para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis, que são os seguintes:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

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b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (25%) e nas ações e serviços públicos de saúde.

Se o STF julgar a ação procedente, deverá levar ao conhecimento do Presidente da República para que este, no prazo improrrogável de até 15 dias, tome as seguintes providências: a) Expeça decreto de intervenção; b) Nomeie, nesse mesmo decreto, o interventor (se couber). Vale ressaltar que nem sempre haverá a nomeação de interventor. O procedimento está previsto na Lei 12.562/2011. Obs1: a decretação da intervenção é vinculada, cabendo ao Presidente a mera formalização da decisão tomada pelo STF. Obs2: o decreto deve limitar-se a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida for suficiente para o restabelecimento da normalidade. Obs3: NÃO é necessário que a intervenção seja apreciada pelo Congresso Nacional.

O não-pagamento de precatório pode, em tese, ensejar intervenção federal? SIM. O fato do Estado-membro deixar de pagar precatório configura descumprimento de decisão judicial transitada em julgado e, portanto, pode, em tese, autorizar a intervenção federal com base no art. 34, VI, 2ª parte, da CF/88.

O simples não-pagamento de precatório já enseja a intervenção federal? NÃO. Segundo a jurisprudência consolidada do STF, é pressuposto indispensável ao acolhimento da intervenção federal que reste demonstrada a atuação estatal voluntária e dolosa com objetivo de descumprir decisão judicial transitada em julgado. Em outras palavras, é necessário que tenha havido, por parte do Estado, descumprimento voluntário e intencional da decisão judicial. A ausência de conduta dolosa do ente estatal em descumprir a ordem judicial não autoriza o deferimento do pedido de intervenção. Se ficar demonstrado que o Estado-membro não pagou os precatórios por conta de dificuldades financeiras, tal circunstância revela, segundo o STF, que não houve intenção estatal de se esquivar ao pagamento. STF. Plenário. IF 5101/RS, IF 5105/RS, IF 5106/RS, IF 5114/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 28/3/2012. INTERVENÇÃO FEDERAL COMO LIMITAÇÃO CIRCUNSTANCIAL AO PODER DE REFORMA CONSTITUCIONAL A Constituição Federal não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (art. 60, § 1º). HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO ESTADUAL As hipóteses excepcionais de intervenção nos Municípios estão previstas taxativamente no art. 35 da CF/88.

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Vale ressaltar que a Constituição estadual não pode trazer outras situações de intervenção estadual diferentes daquilo que foi insculpido na CF/88 (STF. Plenário. ADI 336, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 10/02/2010). É o Estado-membro quem tem a possibilidade constitucional de intervir nos Municípios. Em regra, a União não intervém em Municípios, a não ser que estejam em Territórios.

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (Redação dada pela EC nº 29/2000) IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

Sobre a intervenção estadual, além das hipóteses de cabimento, uma questão sempre presente nas provas é a redação da Súmula 637-STF:

Súmula 637-STF: Não cabe recurso extraordinário contra acórdão de Tribunal de Justiça que defere pedido de intervenção estadual em Município.

Por que não cabe recurso extraordinário? O recurso extraordinário destina-se a impugnar decisões judiciais (em sentido estrito). Quando o Tribunal de Justiça decide um pedido de intervenção estadual essa decisão, apesar de emanar de um órgão do Poder Judiciário, reveste-se de caráter político-administrativo (e não jurisdicional). Logo, por se tratar de uma decisão político-administrativa proferida pelo Poder Judiciário, contra ela não cabe recurso extraordinário já que não existe uma “causa judicial”. Veja como o tema já foi cobrado: (Juiz TJAM 2013 FGV) O procedimento destinado a viabilizar, nas hipóteses de descumprimento de ordem ou de sentença judiciais (CF, Art. 34, VI, e Art. 35, IV), a efetivação do ato de intervenção – trate‐se de intervenção federal nos Estados‐membros, cuide-se de intervenção estadual nos Municípios – reveste‐se de caráter político‐administrativo, muito embora instaurado perante órgão competente do Poder Judiciário (CF, Art. 36, II, e Art. 35, IV), circunstância que inviabiliza, ante a ausência de causa, a utilização do recurso extraordinário. (item CORRETO).

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CASO CONCRETO Vejamos agora um interessante caso concreto julgado pelo STJ e que poderá será exigido em sua prova: A situação fática foi a seguinte (com adaptações): Determinado sítio foi invadido por membros do MST. O proprietário ajuizou ação de reintegração de posse, tendo o juiz de direito concedido a liminar para desocupação da área, requisitando, para tanto, força policial. O magistrado determinou por várias vezes a intimação dos agentes públicos estaduais responsáveis (Governador do Estado, Secretário de Segurança, Comandante da PM etc.) para que encaminhassem ao local força policial, no entanto, as seguidas ordens judiciais foram descumpridas. Diante da inexecução da ordem judicial por mais de 6 anos, o proprietário do imóvel apresentou ao Presidente do Tribunal de Justiça pedido de intervenção federal. O TJ concordou com o autor e determinou a remessa do pedido de intervenção ao STJ. O STJ era competente para julgar esse pedido de intervenção? SIM. Cabe ao STJ o exame da Intervenção Federal nos casos em que a matéria é infraconstitucional (envolvendo legislação federal) e o possível recurso deva ser encaminhado ao STJ. No presente caso, a decisão descumprida é uma sentença em ação de reintegração de posse na qual se discutiram temas relacionados com direito civil privado, não tendo feito considerações sobre questões constitucionais. Logo, o eventual recurso contra a decisão, quando o processo superasse as instâncias ordinárias e chegasse aos Tribunais Superiores, seria apreciado pelo STJ em sede de recurso especial. Não caberia, no caso, recurso extraordinário ao STF, razão pela qual esta Corte não seria competente para julgar o pedido de intervenção relacionada com o desatendimento da decisão. A parte autora (no caso, o proprietário) poderia ter representado ao STJ pedindo a intervenção? Isso seria correto? NÃO. A representação ou requisição de Intervenção Federal constituem providências que cabem aos Tribunais e não à parte interessada. Isso porque a intervenção federal, no caso de descumprimento de decisão judicial, não é um instrumento de realização do direito do particular vitorioso no caso. Trata-se de um mecanismo de afirmação da autoridade do órgão judiciário cuja ordem ou decisão esteja sendo descumprida. Em outras palavras, não é um instrumento de defesa do direito da parte, mas sim de garantia da independência do Poder Judiciário. No caso concreto, a parte autora fez o correto. Provocou o Tribunal de Justiça e este representou ao STJ pedindo a intervenção federal. Vale ressaltar que o autor não cometeu nenhuma irregularidade ao formular o pedido ao TJ porque este Tribunal local poderia até mesmo de ofício pedir a intervenção ao STJ. Ora, se ele poderia fazê-lo de ofício, nada impede que a parte o provoque. E se a decisão descumprida fosse do STJ ou do STF? Então, nesse caso, a parte poderia dirigir-se ao próprio STJ ou STF pedindo a intervenção. No mérito, o que decidiu o STJ? O pedido de intervenção foi aceito? NÃO. O STJ julgou improcedente o pedido de intervenção federal. Como já se passaram muitos anos desde que prolatada a decisão judicial descumprida, a remoção das diversas famílias que vivem no local se fosse feita hoje iria causar um enorme conflito social, até mesmo porque não existe lugar para acomodar de imediato, de forma digna, essas pessoas. O Ministro salientou que, tecnicamente, a recusa do Estado em fornecer força policial para a desocupação ordenada pelo Poder Judiciário caracteriza a situação prevista no art. 36, II, da CF, pois há desobediência à ordem “judiciária”, o que justificaria a intervenção (art. 34, VI) para “prover a execução da ordem ou

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decisão judicial”. Entretanto, a situação em análise revela quadro de inviável atuação judicial, assim como não recomenda a intervenção federal para compelir a autoridade administrativa a praticar ato do qual vai resultar conflito social muito maior que o suposto prejuízo do particular. Pelo princípio da proporcionalidade, não deve o Poder Judiciário promover medidas que causem coerção ou sofrimento maior que sua justificação institucional e, assim, a recusa pelo Estado não é ilícita. Para o Ministro houve a afetação do bem por razões de interesse público, razão pela qual a questão deverá ser resolvida em reparação a ser buscada via ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado. Assim, o STJ negou o pedido de intervenção federal contra o Estado, considerando que houve a perda da propriedade por ato lícito da administração, não remanescendo outra alternativa que respeitar a ocupação dos ora possuidores como corolário dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, de construção de sociedade livre, justa e solidária com direito à reforma agrária e acesso à terra e com erradicação da pobreza, marginalização e desigualdade social. Resumindo o que foi julgado pelo STJ:

A União poderá intervir no Estado ou DF para prover (garantir) a execução de ordem ou decisão judicial que esteja sendo desrespeitada (art. 34, VI, da CF/88). Ocorrendo esse descumprimento, o STF, o STJ ou o TSE, a depender de qual ordem/decisão judicial esteja sendo desatendida, irá requisitar do Presidente da República a intervenção federal. Se o Estado/DF estiver descumprindo uma decisão de juiz ou Tribunal de 2ª instância, o Tribunal local deverá fazer uma representação ao Tribunal Superior competente (STF, STJ ou TSE) solicitando a intervenção. Se o Tribunal Superior concordar, ele irá requisitar ao Presidente da República a intervenção. Para saber qual o Tribunal Superior será competente deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso. Compete ao STJ julgar pedido de intervenção federal baseado no descumprimento de ordem de reintegração de posse de imóvel rural ocupado pelo MST expedida por Juiz Estadual e fundada exclusivamente na aplicação da legislação infraconstitucional civil possessória. Isso porque a decisão descumprida analisou tema relacionado com direito civil privado, não tendo feito considerações sobre questões constitucionais. Logo, o eventual recurso contra a decisão, quando o processo superasse as instâncias ordinárias e chegasse aos Tribunais Superiores, seria apreciado pelo STJ em sede de recurso especial. Não caberia, no caso, recurso extraordinário ao STF, razão pela qual esta Corte não seria competente para julgar o pedido de intervenção relacionada com o desatendimento da decisão. Quanto ao mérito, no caso concreto, o STJ julgou improcedente o pedido de intervenção federal. Afirmou-se que, como já se passaram muitos anos desde que a decisão judicial foi descumprida, a remoção das diversas famílias que vivem no local se fosse feita hoje iria causar um enorme conflito social, até mesmo porque não existe lugar para acomodar de imediato, de forma digna, essas pessoas. Logo, apesar de tecnicamente, a situação se enquadrar em uma hipótese de intervenção federal, esta não deveria ser decretada, devendo se considerar que as fazendas ocupadas foram afetadas ao interesse público e que a questão deverá ser resolvida em reparação a ser buscada via ação de indenização (desapropriação indireta) promovida pelo interessado. STJ. Corte Especial. IF 111-PR, Rel. Min. Gilson Dipp, julgado em 1º/7/2014 (Info 545).

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EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO Julgue os itens a seguir: 1) (Promotor MP/RS 2014 banca própria) Na Constituição Federal, os “princípios sensíveis da federação”,

se violados, ensejam a utilização do instituto da intervenção federal. ( ) 2) (Promotor MP/PE 2014 FCC) A decretação de intervenção federal dependerá de provimento, pelo

Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, na situação em que A) o Estado criar, organizar ou suprimir Distritos, no âmbito de Municípios situados em seu território. B) houver necessidade de assegurar a execução de decisões da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar, descumpridas voluntária e intencionalmente por Estado-membro da federação. C) o Estado ou Município não houver aplicado, no mínimo, vinte e cinco por cento da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. D) houver retenção, pelo Estado, de parte da parcela do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pertencente aos Municípios. E) o Estado, com vistas à reorganização de suas finanças, suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos.

3) (Promotor MP/PA 2014 FCC) A intervenção federal, nos termos da Constituição da República,

I. funciona como limite circunstancial ao poder de reforma constitucional. II. é matéria incluída nas competências tanto do Conselho da República, quanto do Conselho de Defesa Nacional. III. será submetida à aprovação do Congresso Nacional, no prazo de vinte e quatro horas, quando decretada por ofensa a um dos princípios constitucionais sensíveis. IV. enseja a convocação extraordinária do Congresso Nacional, pelo Presidente do Senado Federal, se decretada. Está correto o que se afirma APENAS em A) I e IV. B) I e III. C) II e III. D) II, III e IV. E) I, II e IV.

4) (Juiz Federal TRF2 2014 banca própria) A intervenção federal em municípios estaduais é medida

excepcional, possível e pertinente nas taxativas hipóteses previstas na Constituição Federal. ( ) 5) (Juiz TJ/PA 2014 VUNESP) Em relação à Intervenção Federal, com fundamento no texto constitucional,

é correto afirmar que A) o decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o modo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional no prazo de quarenta e oito horas. B) a resolução de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal no prazo de quarenta e oito horas.

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C) o decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Procurador-Geral da República e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, sucessivamente, no prazo de quarenta e oito horas. D) o decreto de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional no prazo de vinte e quatro horas. E) a resolução de intervenção, que especificará a amplitude, o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o interventor, será submetido à apreciação do Senado Federal no prazo de vinte e quatro horas.

6) (Analista DP/DF 2014 FGV) Os membros da Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário

constataram a presença de mulheres detidas em cadeia pública masculina em uma unidade federativa brasileira. As detentas reclamavam da infraestrutura precária e confirmaram denúncias de que uma menina de 16 anos ficou detida na mesma unidade prisional estatal por 12 dias. Diante de tais circunstâncias político-administrativas, havendo a intervenção federal para assegurar a garantia dos direitos da pessoa humana, ela deverá ser decretada pelo Presidente da República: A) espontaneamente, sem necessidade de controle político do Congresso Nacional. B) após requisição do Superior Tribunal de Justiça. C) após prévia autorização do Congresso Nacional. D) após provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República. E) após anuência do Judiciário, a se fazer por decisão de seu Órgão Especial, com chancela final do Legislativo do Estado.

7) (Promotor MP/AC 2014 CESPE) A aplicação anual de 25% da receita resultante de impostos estaduais

na manutenção e desenvolvimento do ensino e a prestação de contas da administração pública são consideradas princípios constitucionais sensíveis, cujo descumprimento autoriza a intervenção federal nos estados. ( )

8) (Cartório TJ/ES 2013 CESPE) A União só pode intervir nos estados e no Distrito Federal para repelir

invasão de uma unidade da Federação em outra, desde que haja requisição do STF para tanto. ( )

9) (DPE/SC 2012 banca própria) Dentro de um estado-membro da Federação, grupos criminosos tornam-se cada vez mais influentes. Com o tempo, passam mesmo a controlar, na prática, vastas áreas de um município específico. Promovem sistematicamente, então, grandes massacres, logrando eliminar 90% do efetivo da Guarda Municipal. Nessa situação, seria possível, em tese uma intervenção federal espontânea no estado-membro, para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública. ( )

10) (Juiz Federal TRF3 2011 CESPE) Os denominados princípios constitucionais sensíveis, que, uma vez

descumpridos, podem dar ensejo à intervenção federal, incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o pluralismo político e a prevalência dos direitos humanos. ( )

Gabarito

1. C 2. Letra A 3. Letra E 4. E 5. Letra D 6. Letra D 7. C 8. E 9. C 10. E