Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
-
Upload
marcos-antonio-santos -
Category
Documents
-
view
223 -
download
0
Transcript of Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
1/19
RELAES DE GNERO: uma breve introduo ao tema
Cecilia M. B. Sardenberg (NEIM/UFBA)
Mrcia S. Macedo (NEIM/UFBA)
Ao iniciar uma reflexo sobre gnero, o primeiro desafio que se apresenta
o de reconhecer que ser homem ou ser mulher no simplesmente um feito
natural, biolgico. Isso porque h vrios fatores de ordem econmica, social,
poltica, tnica e cultural que contribuem de forma diversa para a maneira como
pensamos, nos comportamos e atuamos enquanto homens ou mulheres. Nem
sempre, porm, levamos em considerao esses fatores quando procuramos
compreender as diferenas entre homens e mulheres. De um modo geral,
comum que se d importncia apenas aos aspectos biolgicos, tomando como
naturais diferenas que so construdas socialmente a partir de outros fatores.
No caso das mulheres, no particular, tende-se a pens-las, sobretudo, como
fmeas da espcie, definindo-se o seu mundo a partir da sua constituio
biolgica, que lhes permite gestar, dar luz e a amamentar os filhos. Aloca-se,
assim, s mulheres a responsabilidade do cuidado e educao das crianas, como
extenso da sua condio biolgica. Ademais, conforme observa Ayales (1993,p.13):
essa maternidade biolgica foi acompanhada de uma maternidade social,
que se estendeu a atividades como lavar a roupa, cozinhar, varrer, costurar
e uma toda uma srie de trabalhos quase inumerveis, que comprometem
grande parte do tempo das mulheres.
Mais importante, porm, o fato de que, pensadas como diferenas
biolgicas e, portanto, como naturais, as diferenas entre os sexos tm servido depretexto para se edificar e legitimar relaes desiguais entre homens e mulheres,
historicamente caracterizadas por uma situao de subordinao das mulheres.
Por certo, isso no acontece s na nossa sociedade. Muito ao contrrio. Quando se
compara as noes sobre homens e mulheres numa perspectiva transcultural,
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
2/19
observa-se que a tendncia a tomar as diferenas estticas entre os sexos e suas
diferentes funes na reproduo da espcie como base para a diferenciao
social de papis, manifesta-se como fenmeno de mbito universal.
Invariavelmente, em todas as sociedades sobre as quais se tem notcia, masculino
e feminino figuram como categorias e/ou domnios opostos, a partir dos quais se
organiza e legitima uma diviso social/sexual do trabalho.
Entretanto, como lembra Saffiotti (1994a, p. 271) todas as atividades
humanas so mediadas pela cultura, assim, em que pese tal constante, verifica-se
que as elaboraes culturais em torno dessas categorias e domnios, e a forma em
que so apropriadas na prtica social, divergem consideravelmente, muitas vezes
de forma radical. No raro, alis, atividades, comportamentos ou traos que em
uma determinada sociedade ou poca so considerados naturalmente masculinos,podem ser justamente o que em outras se configura como do domnio feminino por
excelncia. O que nos leva a concluir, portanto, e com bastante segurana, que as
identidades sexuais no so inerentes biologia dos sexos e sim construes
sociais, histrica e culturalmente especficas, passveis de transformao.
Sem dvida, a identificao desse fenmeno da cultura no se descortina
como algo inteiramente novo para reas do conhecimento como a antropologia.
Margaret Mead (1988), em sua conhecida e pioneira obra, Sexo e Temperamento,
publicada pela primeira vez na dcada de 30, trouxe tona a falcia do
determinismo biolgico no qual se apiam as noes do senso comum sobre
homens e mulheres1. Ao ressaltar o papel determinante dos processos de
socializao e internalizao da cultura na formao do indivduo, Mead vai mostrar
como cada sociedade molda meninos e meninas de forma a que eles/as adquiram
os traos de personalidade (temperamento) e comportamentos culturalmente
1 Essa referida obra o resultado de dois anos de trabalho de campo de Margareth Mead na Nova Guin, ondeestudou trs povos vizinhos Tchambuli, Arapesh e Mundugumor e, atravs de um trabalho comparativo,mostra a importncia da cultura no processo de modelagem dos indivduos, padronizando tipos decomportamento/temperamento variveis entre essas sociedades. O mais interessante nesse processo, que elamostra, ainda na primeira metade do sculo XX, que o que consideramos em nossa sociedade comonaturalmente feminino ou masculino, difere nas sociedades estudadas, rompendo com qualquer determinaode ordem sexual, portanto, biolgica.
2
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
3/19
definidos em suas sociedades, assumindo, portanto, papis e tarefas alocados na
diviso sexual do trabalho.
Todavia, at dcadas mais recentes, o fenmeno da construo social das
identidades e papis sexuais (ver quadros conceituais), identificado por Mead, foi
pouco problematizado ou merecedor de maiores elaboraes tericas. Isso
significou que, na prtica, apesar da sua nfase na relevncia do estudo da cultura,
o discurso antropolgico tambm no escapou de reproduzir uma viso
naturalizante da diviso sexual do trabalho e dos papis sexuais, o feminino em
particular, no rompendo assim de todo com as noes sobre masculino e feminino
do senso comum. Felizmente, essa trilha aberta pela antropologia de Mead ser
retomada e ratificada pela filsofa Simone de Beauvoir (1980), em O Segundo
Sexo, ao afirmar, categoricamente, que no se nasce, torna-se mulher2. Comessa afirmao, Beauvoir lana as bases para a formulao, posteriormente, de
uma postura que vai defender a construo social das relaes entre (e intra)
sexos, isto , das relaes de gnero, mostrando assim que elas vo muito alm da
regulao da relao homem-mulher, mas tambm entre as mulheres e entre os
homens.
O conceito de identidade se trata de uma construo que diz respeito forma comoapreendemos e interpretamos a realidade e, ao mesmo tempo, compreendemos a nossaposio no mundo. Nesse processo, fundamental a percepo de um sentido de ns(igualdade) e de outro (alteridade).
Papel sexual um conceito que geralmente utilizado para referir-se acomportamentos e atitudes de uma pessoa, de acordo com o seu sexo. Portanto,expressa a obedincia a normas, expectativas e deveres socialmente estabelecidos adepender do pertencimento de um indivduo a um determinado sexo. A crtica feministaa este tipo de viso que ela est assentada em uma perspectiva androcntrica quenaturaliza a diviso sexual do trabalho e as relaes hierrquicas que vmdeterminando a subordinao da mulher.
2 inegvel a dvida do feminismo com Simone de Beauvoir, diante da tarefa de construo do campo deestudos sobre a mulher e as relaes de gnero. O Segundo Sexo, publicado na Frana em 1949 e depoistraduzido para mais de 30 idiomas, trata-se de uma das mais importantes obras j produzidas sobre a chamadaquesto da mulher. Escrito por uma filsofa existencialista, essa obra faz uma crtica s abordagens dodeterminismo biolgico, do materialismo histrico e da psicanlise, por serem reducionistas da complexa teiaque envolve o processo de construo social, portanto historicamente determinado, de um sujeito feminino esubordinado ao qual negado o direito de construir seus prprios projetos (transcendncia) , que chamar deo outro, isto , o segundo sexo e que lhe inspira a dar ttulo a essa obra magistral.
3
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
4/19
Mas, disse bem Bachelard (apudLECOURT 1975, p.7) quando afirmou: o
objeto de uma cincia no dado de imediato e no pr-existe ao processo de sua
construo. E, de fato, ainda que o fenmeno da construo social das identidades
sexuais tivesse sido identificado, sua delimitao enquanto objeto de estudo e, em
especial, o aprofundamento das reflexes tericas de como se processa e se
manifesta esse fenmeno, no se dariam at algumas dcadas mais tarde. S a
partir de fins dos anos 60 e, mais precisamente, no bojo da retomada do projeto
feminista, foi que autoras inglesas e americanas, para melhor identificar e analisar
esse fenmeno e, ao mesmo tempo, enfatizar o carter social das relaes entre os
sexos, passaram a empregar o termo gnero, em oposio a sexo, tal como se
expressa na definio de Ann Oakley (1972, p.86):
Sexo um termo que se refere s diferenas entre machos e fmeas: as diferenasvisveis da genitlia e as respectivas funes procriativas. Gnero, porm, umaquesto de cultura: diz respeito classificao social em masculino e feminino.
Gnero no sinnimo de sexo, pois, quando falamos em sexo, estamos nos referindoaos aspectos fsicos/fisiolgicos que distinguem os machos das fmeas da espciehumana. Por outro lado, quando nos referimos a gnero, estamos refletindo acerca deprocessos de construo cultural de relaes que no decorrem de caractersticassexuais diferenciadas entre homens e mulheres, mas a processos construtores dessasdiferenas, produzindo, nesse movimento, desigualdades e hierarquias.
Note-se que o termo gnero foi tomado emprestado da lingstica e, mais
precisamente da gramtica, onde se aplica s desinncias diferenciadas existentes
em determinados idiomas para se designar no apenas o que se refere a
indivduos de sexos diferentes, mas tambm a classes de termos, palavras ou
coisas sexuadas3. Na gramtica, por definio, gnero se refere propriedade
que tm certas classes de palavras de se flexionarem (por via de regra), para
indicar o sexo (ou, de modo geral, ausncia de sexo) (FERREIRA, 1975). No
portugus, por exemplo, os substantivos so geralmente sexualizados, sendo oudo gnero masculino ou feminino, no existindo o neutro. J no ingls, os
substantivos comuns so sempre neutros, a no ser em casos especficos, ou seja,
quando se referem a animais e, portanto, a seres que so, de fato, sexualizados.
3 A desinncia o elemento da lngua portuguesa que permite a diferenciao, no caso dos nomes, alm degnero, tambm de nmero e, no caso dos verbos, alm de nmero, tambm a pessoa, o tempo e o modo.
4
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
5/19
O que importa observar que tanto no portugus como no ingls ou em
qualquer outro idioma a designao do gnero das palavras algo
essencialmente arbitrrio. Trata-se de uma conveno social que se fundamenta na
tradio lingstica e, assim, histrico-cultural de uma determinada comunidade
idiomtica. Diferenciando sexo de gnero, as pensadoras feministas pretendem,
portanto, ressaltar o carter arbitrrio do masculino e feminino, razo pela qual
gnero tem sido objeto de contnuas teorizaes, tornando-se, dessa maneira,
conceito chave do campo de estudos sobre as relaes entre homens e mulheres e
condio feminina.
Originalmente, embora constatando que as "...noes culturais sobre as
mulheres frequentemente gravitam em torno de caractersticas biolgicas..."
(ROSALDO, 1974, p. 31), tais como a menstruao, gravidez e parto, asdiscusses enfatizaram a diversidade cultural, definindo sexo e gnero como
fenmenos essencialmente distintos. De um lado, teramos sexo, um fenmeno
natural resultante da evoluo da espcie, fenmeno este que se manifesta, de
uma forma ou de outra, entre todos os organismos do planeta que se propagam
atravs da reproduo sexuada. De outro lado, estaria o fenmeno cultural do
gnero, manifesto nas diferentes maneiras em que as sociedades humanas tm
elaborado em torno dessas diferenas e delas se apropriado, historicamente,
distinguindo, definindo e delimitando o masculino e o feminino (SARDENBERG,
1994, p. 3).
Embora hoje se reconhea que tal conceituao efetivamente j uma
construo de gnero4, a definio de sexo e gnero nos termos originais, tem
permitido entendermos no apenas masculino e feminino, mas, tambm, homem e
mulher como categorias socialmente construdas, possibilitando o rompimento
com o essencialismo implcito na questo das origens da subordinao da mulher
questo esta motivadora das investigaes e elaboraes que fundamentaram a
prpria construo do conceito de gnero (SARDENBERG, op. cit, p.4). Ao mesmo
tempo, a insistncia nessa distino tornou-se fundamental como contra-argumento
ao determinismo biolgico, vez que possibilitou a desnaturalizao tanto das
4 Ver, por exemplo, Judith BUTLER, Problemas de gnero: feminismo e subverso daidentidade. Rio de Janeiro: Editora Civilizao Brasileira, 2003.
5
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
6/19
identidades sexuais como da diviso sexual do trabalho e das
assimetrias/hierarquias sociais com base no sexo, demonstrando a sua
historicidade e, assim, a possibilidade da sua transformao e transcendncia.
Essa perspectiva tem emprestado ao construto gnero, para alm dos avanos
terico-metodolgicos, uma conotao prtico-poltica fundamental: a de se prestar
como instrumento cientfico de legitimao das lutas feministas, tanto na sociedade
como um todo quanto no campo mais restrito da produo de conhecimentos sobre
essa realidade (SCOTT, 1988).
Observe-se, porm, que o conceito de gnero no substitui a categoria
social mulher, tampouco torna irrelevante pesquisas e reflexes sobre mulheres
enquanto um grupo social discriminado. Muito ao contrrio: permite que se pense
tal categoria como uma construo social, historicamente especfica, e como talconstruo legitima a situao real de discriminao, explorao, e subordinao
das mulheres. Ao mesmo tempo, a categoria social/relacional gnero, no nega a
diversidade da condio social e experincia femininas em sociedades distintas no
tempo e espao e, ressalte-se, inclusive no seu interior. Como categoria analtica,
gnero possibilita pensarmos como os recortes de classe, raa/etnia e
idade/gerao permeiam as vivncias de gnero, de sorte a construrem
experincias femininas e masculinas bastante distintas (SARDENBERG, 1992).
Nessa perspectiva, portanto, possvel pensar as relaes entre os sexos
(entre mulheres e homens, bem como entre mulheres e entre homens), ou seja, as
relaes de gnero tambm como relaes sociais e, assim, como relaes
determinadas no naturalmente pela biologia dos sexos, mas sim por foras
sociais, econmicas, polticas, culturais e ideolgicas, historicamente especficas. O
que implica dizer que a forma em que as relaes de gnero tomam em uma dada
situao histrica especfica quela situao e tem que ser construda
indutivamente; ela no pode ser assumida em termos de outras relaes sociais,
tampouco da forma em que manifestam em outras sociedades (PEARSON;
WHITEHEAD; YOUNG, 1981).
Isso ocorre porque as relaes de gnero, em ltima instncia, so relaes
de poder e, como tanto, no so fixas e sim fluidas e mutveis. Elas podem variar
6
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
7/19
de sociedade para sociedade, no tempo e no espao, ou mesmo em uma dada
sociedade, a depender dos espaos em que homens e mulheres interagem
(SARDENBERG, 1992). Destarte, as mulheres no so necessariamente
desprovidas de poder em relao aos homens; nem sempre, porm, esse poder
feminino legitimado. Com efeito, historicamente, o feminino tem sido construdo
como subordinado ao masculino, sendo que, no Brasil, como de resto na Amrica
Latina (ou mesmo em nvel mundial) dominam as relaes de gnero patriarcais.
Na verdade, na maioria das sociedades contemporneas e, tanto no nvel simblico
quanto no da prtica social, o masculino se sobrepe hierarquicamente ao
feminino, resultando numa situao real de prestgio, privilgios e poder maior
para os homens um exemplo evidente dessa assimetria expresso na violncia
domstica e que, no Brasil, tem um vetor recorrente: ela se expressa na violnciamasculina sobre a mulher e um claro trao constitutivo da organizao social de
gnero no pas (SAFFIOTI, 1994b). Da porque extremamente relevante e
estratgico reconhecer a necessidade da construo e implementao de projetos
e programas de ao que, partindo de uma perspectiva de gnero e, assim, do
reconhecimento da especificidade da condio feminina, voltam-se para a
promoo social e econmica da mulher, na busca da eqidade o que, nesse
caso, pode ser considerado como uma discriminao positiva j que, ao tratar de
forma desigual os diferentes, cria condies para a superao progressiva das
assimetrias.
Diante do exposto acima, importa ressaltar que o construto gnero diz
respeito a um princpio universal, organizador tanto do mundo exterior (o social,
econmico, poltico) quanto interior, ou seja, que diz respeito construo das
subjetividades e das identidades. De fato, gnero organiza e legitima no apenas a
diviso sexual do trabalho e a construo de papis sociais correspondentes, mas
tambm a diviso sexual de direitos e responsabilidades, o acesso e controle
sexualmente diferenciado a oportunidades de trabalho, bem como a instrumentos e
meios de produo, recursos e fontes de renda e de crdito, capital, conhecimento,
educao, instncias decisrias, etc. Mais especificamente, por fora das
ideologias de gnero e a conseqente diviso sexual do trabalho, homens e
7
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
8/19
mulheres se engajam em diferentes tipos de atividades sociais, econmicas,
polticas e culturais, tendo fontes diferentes de renda e diferentes formas de
acesso e controle dos recursos (materiais: terra, capital, ferramentas, tempo; e
no-materiais: poder, conhecimento, educao).5
Aspectos prticos do enfoque de gnero
A categoria gnero, como um dos principais elementos articuladores das
relaes sociais, vai nos possibilitar a compreenso acerca de como os sujeitos
sociais esto sendo constitudos cotidianamente por um conjunto de significados
impregnados de smbolos culturais, conceitos normativos, institucionalidades e
subjetividades sexuadas (Scott, 1988) que atribuem a homens e mulheres um lugar
diferenciado no mundo, sendo essa diferena atravessada por relaes de poder
que conferem ao homem, historicamente, uma posio dominante.
Logicamente discutir relaes de gnero requer um cuidado para que no se
caia na armadilha das frmulas simplificadoras que convertem o masculino e o
feminino em campos estanques e homogneos, como se homens e mulheres no
apresentassem convergncias nas suas experincias e representaes ou como se
entre homens e homens e mulheres e mulheres no existissem tambm
divergncias (Sorj, 1993), afinal no podemos esquecer das chamadas identidades
sobrenomeadas ("mulher negra", "mulher trabalhadora rural", etc.). Assim, refletir
sobre relaes de gnero implica realizar uma releitura de todo o nosso entorno, o
que significa, por exemplo, repensar a cultura e a linguagem, os meios de
comunicao social, as instituies como a famlia, o sistema educacional ou
mesmo a religio, os processos polticos como os movimentos sociais ou partidos
polticos.A adoo de um recorte transversal em torno das relaes de gnero
funciona como uma lente que possibilita a visibilizao de uma srie de aspectos
que a sociedade vem naturalizando e que vem assegurando a perpetuao de
5 Elza Suely ANDERSON; em panfleto sobre Tecnologia, Conceitos e Definies distribudo durante oSeminrio Gnero e Energia Renovvel, IDER/WINROCK, Praia da Caponga, CE, 27-30 de maio de 1997.
8
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
9/19
relaes assimtricas entre homens e mulheres. A partir dos filtros de gnero
torna-se perceptivel que as mulheres no dispem das mesmas condies que os
homens para enfrentar os problemas da vida cotidiana, especialmente aquelas
pertencentes ao contingente das classes trabalhadoras. Isso porque, conforme
apontado anteriormente, ainda h uma grande concentrao do poder e de
recursos produtivos nas mos dos homens (meios de produo, como terra e
capital, por exemplo), bem como tambm em termos do acesso diferenciado que
estes tm ao conhecimento (domnio da tecnologia).
Nesse sentido, partimos do referencial bsico de que, por conta dessas
assimetrias, mulheres e homens vivem e pensam o mundo a partir de diferentes
"lugares", tendo, dessa forma, necessidades diferenciadas. O desafio, portanto, a
busca da compreenso dos vrios espaos e relaes em que o gnero seconstri, como o contexto educacional, o mercado de trabalho, a famlia, as
instituies, as polticas pblicas, os meios de comunicao, etc., que influenciam
diretamente a construo das subjetividades de mulheres e homens.
Portanto, quando falamos de enfoque de gnero, nos referimos ao fato (e
s suas conseqncias) de que o masculino e feminino e, assim, o que ser
homem ou ser mulher se constri socialmente atravs de valores e smbolos que
so assimilados e interiorizados por ns desde a mais tenra infncia, em um dado
contexto histrico, social, cultural especfico. Vrios estudos tm demonstrado que,
na sociedade brasileira, como na Amrica Latina de um modo geral, masculino e
feminino so, de fato, construdos simbolicamente como plos opostos, mas no
necessariamente simtricos. Conforme observa Ivania Ayales (op. cit, p.21):
Se tomarmos em conjunto as caractersticas que socialmente so atribudas aos homensem comparao s mulheres, pode-se comprovar que cada uma tem sua contrapartida nooutro plo. Homens e mulheres em nossa sociedade se complementam a partir de relaesassimtricas e desiguais. Por exemplo, mantm-se a noo de que para umas pessoasserem fortes as outras devem ser fracas, para que uns dominem, outros devem ser
dominados. Desta maneira, instauram-se relaes de poder com base na assimetria e nanegao de uns em termos do outro.
Podemos, por exemplo, delinear um quadro dessas caractersticas, a saber:
9
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
10/19
Mulheres Homens
Delicadas Bruscos/Rudes
Frgeis Fortes
Dependentes IndependentesSubmissas/Sem Iniciativa Tomam iniciativas e decises
Passivas-receptivas Dominantes
Incapazes Inteligentes
Fiis Infiis
Temperamentais Equilibrados
Obedientes Autoritrios
Necessitadas de Proteo Provedores/protetores
Conformistas Visionrios
Idealizados como diferentes, homens e mulheres so modelados para
serem, de fato, diferentes. Isso ocorre desde a escolha do nome e do enxoval para
os bebs azul para os meninos, rosa para as meninas , reforando nas crianas
os comportamentos, atitudes e modos de ser e entender o mundo que mais se
identificam com o que culturalmente tido como mais apropriado ao seu sexo.
Assim, espera-se que as meninas sejam dceis, vaidosas, que estejam sempre
limpinhas e bem vestidinhas, que no sejam violentas, no faam uso de palavras
de baixo calo, enquanto o comportamento inverso esperado dos meninos.
Vale observar que as brincadeiras infantis, ou mesmo os brinquedos
oferecidos s crianas, trazem imbricados as ideologias de gnero e os papis
sexuais atribudos a homens e mulheres. Meninas brincam de casinha com
bonecas, panelinhas, fogezinhos e outras miniaturas de objetos utilizados nas
tarefas domsticas, sendo assim modeladas e treinadas para a maternagem e
para assumirem, na vida adulta, o papel de boas mes e donas-de-casa. Pouco se
lhes oferece em termos de brincadeiras ou brinquedos que incentivem o
desenvolvimento de suas capacidades intelectuais, fsicas e de liderana, ou que
preparem-nas para uma vida profissional. So treinadas, desde cedo, para a
10
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
11/19
domesticidade, ou ento, para ocupaes que so majoritria e tradicionalmente
tidas como femininas: professoras primrias, enfermeiras, secretrias, assistentes
sociais. No caso dos meninos, em contrapartida, tudo feito e proporcionado para
que se desenvolvam fsica e intelectualmente, para se tornarem homens fortes,
com uma profisso, e terem capacidade de liderana e assumirem posies no
mundo da produo e no espao pblico.
A educao formal nas escolas contribui para essa diferenciao sexual de
papis, a comear pelo fato de que a esmagadora maioria dos professores
primrios constituda por mulheres, chamadas familiarmente de tias, o que
reflete ser esta ocupao feminina, uma extenso das atividades domsticas.
Ademais, os livros didticos reforam os esteretipos, e as prprias professoras
punem muito mais as meninas que no se comportam, dando maior latitude deexpresso para os meninos.
Tambm a mdia, particularmente a televisiva atravs de comerciais e
novelas, ou mesmo a indstria cultural como um todo, contribuem para a
disseminao e reforo dos esteretipos de gnero, ao tempo em que tambm
refletem o que ocorre na realidade observada. Sem dvida, pode-se pensar uma
centena de provrbios, mitos, lendas, piadinhas, contos infantis, poesias e
inmeras canes que constroem e, simultaneamente, refletem as ideologias de
gnero, criando um mundo sexualmente dividido.
claro que tudo isso interiorizado por meninos e meninas, contribuindo
para que quando cheguem a idade adulta, homens e mulheres se vejam como
sendo essencialmente diferentes, pensem e se comportem, de fato, de forma
diferente, o que refora as noes de que as diferenas observadas so naturais
aos sexos. Alm disso, uma vez socializados, modelados e treinados para
desempenharem tarefas diferentes e assumirem papis diferentes no trabalho, na
famlia, e na sociedade como um todo, no de surpreender que isto, de fato,
ocorra. De outra feita, como explicar por que os tcnicos agrcolas e engenheiros
so geralmente homens e as professoras e assistentes sociais, mulheres?
Sem dvida, nesse processo de diferenciao social entre os sexos, o
modelo dominante de famlia tem um papel preponderante. De fato, a moral familiar
11
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
12/19
burguesa tem sustentado os princpios bsicos do modelo de famlia patriarcal,
propondo que ao homem/marido/pai, caiba o papel de chefe da famlia e do grupo
domstico destinando-lhe a responsabilidade de provedor. A mulher/esposa/me e
os filhos seriam a parte dependente, compartilhando os frutos do trabalho do
chefe, a cabea do casal. Nessa qualidade, cabe ao homem deter a autoridade
sobre o grupo: esposas e filhos so subordinados vontade do pai-marido, e as
filhas mulheres a de seus irmos (SARDENBERG, 1997).
Esse modelo ou ideal de famlia tem sido interiorizado de tal forma nas
sociedades ocidentais que a famlia, assim constituda, tende a ser vista como algo
natural. Segundo nos aponta Eunice Durham (1983, p. 15), isso se d sobretudo
pelo fato de se tratar de uma instituio que diz respeito, privilegiadamente,
regulamentao social de atividades de base nitidamente biolgica: o sexo e areproduo. Esse processo de naturalizao da famlia, estende-se tambm
organizao domstico-familiar, sobretudo diviso sexual do trabalho e aos
diferentes papis que cabem ao homem e mulher na famlia. Nas palavras da
supracitada autora: A relao dessa diviso sexual do trabalho com o papel da
mulher no processo reprodutivo permite que se vejam todos os papis femininos
como derivados de funes biolgicas.
No resta dvida de que, nas ltimas dcadas, esse modelo ou ideal de
famlia vem sendo bastante contestado, inclusive porque as mulheres vem saindo
da sua domesticidade, tornando-se figura presente no mundo da produo. A bem
da verdade, as mulheres brasileiras vm conquistando novos espaos de atuao,
avanando tambm na luta pelo direito cidadania plena. No entanto, ainda so
muito poucas as mulheres que atuam nesses novos espaos e que desfrutam das
conquistas obtidas, ou mesmo que delas tenham conhecimento. Quando
atentamos para as condies de vida e de trabalho da maioria da populao e, em
particular, das mulheres das camadas mais pobres, constatamos que longe
daquela sociedade mais justa, mais igualitria a que preconiza a Nova Constituio
Federal as desigualdades sociais e, dentre elas, as desigualdades de gnero,
no s se mantm ainda bem vivas em nosso meio, como permanecem
12
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
13/19
profundamente arraigadas na estrutura scio-econmica hierarquizante,
concentradora de renda e de poder, vigente no pas.6
Basta observar, por exemplo, que apesar das mulheres representarem hoje
cerca de 45% da Populao Economicamente Ativa (PEA) do pas, o que
corresponde a um ndice bastante significativo em relao aos pases mais
desenvolvidos, e a um acrscimo surpreendente em relao participao da
mulher no mercado de trabalho em dcadas anteriores, 70% da fora de trabalho
feminina ainda se concentra, paradoxalmente como no passado, e de forma
marcante, em um pequeno nmero de trabalhos femininos: empregadas
domsticas, lavradoras e operrias para as menos instrudas, secretrias e
balconistas para as que possuem nvel mdio de instruo, professoras para as
que alcanam escolaridade mais elevada, ou mesmo mdia. (BRUSCHINI, 1985,P. 39).
Assim, mesmo que as mulheres estejam cada vez mais qualificadas em
decorrncia da ampliao do processo de educao formal entre amplos grupos
populacionais , estas ainda ganham menos que os homens. Segundo o IBGE,
60% das mulheres ocupadas no pas hoje, possuem pelo menos o ensino mdio;
no entanto, ganham apenas 71,3% do rendimento auferido pelos homens e,
paradoxalmente, medida que essa escolarizao avana para o curso de nvel
superior, a diferena salarial em relao aos homens torna-se ainda maior, fazendo
com que estas percebam apenas 60% dos rendimentos masculinos, ainda que
ambos trabalhem sobre as mesmas condies. Associado a esse fator, as
mulheres terminam tambm por ser maioria entre aqueles que no possuem
carteira assinada e no contribuem para a previdncia social. Sem mencionar o
fato de que o trabalho feminino tende a ser sempre subestimado, ou mesmo
mascarado, a comear pelo trabalho da dona de casa (que inclui uma diversidade
de tarefas), que s considerado trabalho se remunerado (quando feito pela
empregada domstica) e, ainda assim, pouco valorizado, s sendo apreciado
mesmo, justamente quando no feito.
6 Ver a esse respeito SARDENBERG, Cecilia, Anlise Crtica da Metodologia de Grupos Solidrios.Relatrio de Consultoria elaborada para o UNICEF/CNDM, Salvador, 1989, mimeo.
13
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
14/19
Estudos de famlias de trabalhadores tm revelado uma importante faceta do
trabalho feminino: sua invisibilidade, principalmente quando realizado em casa e no
mercado informal. Vo ressaltar que a renda assim auferida de grande
importncia para a economia domstica, tornando-se efetivamente fundamental a
medida que o processo de pauperizao das classes trabalhadoras brasileiras se
acentua. Esse processo tem obrigado muitas famlias a se valerem de estratgias
diversas para garantirem sua subsistncia e reproduo, sendo a incorporao do
trabalho feminino na esfera produtiva, uma das estratgias principais. E, no caso
das famlias chefiadas por mulheres que chegam a representar mais de um
quarto do total das unidades domsticas em muitas cidades do Nordeste verifica-
se a incorporao do trabalho infantil na produo, uma vez que todos os membros
do grupo domstico so geralmente obrigados a contribuir para a renda familiar, oque no impede que essas famlias se mantenham, na sua maioria, entre as mais
carentes, muitas sobrevivendo numa situao de misria.
Mas, apesar da sua comprovada importncia para a sobrevivncia da
famlia, principalmente em momentos de crise, a insero da mulher no mercado de
trabalho desencadeia, porm, uma outra crise no mbito familiar, pois entra em
choque com as atribuies femininas definidas por uma desigual diviso sexual
do trabalho. Assim, representa, quase sempre, um acmulo ou sobrecarga para a
mulher, pois se sobrepe s tarefas domsticas, dando lugar ao fenmeno da
dupla-jornada de trabalho, pois embora as mulheres atualmente participem em
grande escala no mercado de trabalho, os padres tradicionais da diviso sexual
do trabalho no mbito domstico-familiar tm-se mantido. No que tange ao
campesinato brasileiro, alis, tambm os padres tradicionais da diviso do poder
decisrio ainda permanecem, concentrando no homem a autoridade legitimada. O
que no implica em dizer que as mulheres no usufruam de autonomia, exercendo
tambm poder na esfera domstica e na famlia, poder este nem sempre
reconhecido.
Um outro aspecto bastante ilustrativo das desigualdades de gnero se refere
persistncia da violncia de gnero, mais precisamente a violncia contra a
mulher, que ainda uma das formas de violncia mais aceitas como "normais" e de
14
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
15/19
maior presena no cotidiano de nossa sociedade. Os dados das pesquisas sobre a
violncia de gnero no Brasil mostram a gravidade da situao: i) entre todos os
casos de violncia ocorridos no final da dcada de 80, mais da metade tinha
mulheres como vtimas; ii) enquanto o homem vtima de violncia na rua, a
maioria das mulheres agredidas sofre violncia dentro da prpria casa; iii) grande
parte dessa violncia sofrida pela mulher provocada por parentes e cnjuge.
No Brasil, calculava-se, ainda no incio da dcada de 90, que a cada quatro
minutos registrada na polcia uma queixa de agresso fsica contra uma mulher.
Estudiosos do tema (SAFFIOTI, 1994b) comentam que esse nmero alarmante,
mas ainda no espelha a realidade, j que muitas mulheres vtimas de violncia
no prestam queixa na polcia por vrias razes como medo, dependncia
financeira ou emocional, existncia de filhos pequenos, vergonha, desejo de que omarido mude de atitude, etc. o que leva concluso de que o nmero de
mulheres agredidas bem maior do que o apresentado. Um outro dado que
muitas dessas mulheres que chegam a registrar queixa, pelos motivos apontados,
e at sob a ameaa do marido, voltam delegacia de polcia para retirar sua
queixa.
muito importante a busca de informaes que ajudem a desfazer alguns
mitos ligados a essa problemtica. O primeiro deles a idia de que a violncia
domstica um fenmeno ligado pobreza; na verdade, ela ocorre em todas as
classes sociais, mas acontece que, entre as classes mdias e alta, muitas vezes,
ela no chega a pblico por razes como o medo de um escndalo que venha a
"manchar o nome da famlia", da buscam-se alternativas como terapeutas,
advogados, etc. Outro equvoco a associao direta da violncia com a crise
econmica, o desemprego e o alcoolismo - esses fatores podem ser o estopim de
uma briga, pelo fato de aumentarem o estresse e diminurem o autocontrole, mas
no podem ser considerados como causas da violncia.
Um outro aspecto que d o que pensar o fato de que muitos homens que
agridem suas esposas so descritos por essas mulheres como "pessoa amigvel",
"homem trabalhador", "bom pai", etc., apesar de cometerem esse tipo de violncia.
O que nos leva a perguntar: por que um homem considerado bom pai, trabalhador
15
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
16/19
e pessoa amigvel o mesmo que espanca e at mesmo mata a sua esposa? O
que faz um homem aparentemente incapaz de cometer violncias ferir, mutilar
e at tirar a vida de sua companheira, muitas vezes por um motivo ftil como a
queima da comida ou um atraso de dez minutos na volta do supermercado?
Temos que buscar compreender esse fenmeno no campo das discusses
das relaes de gnero, tentando articul-las s reflexes realizadas at aqui.
Assim, a violncia contra as mulheres est diretamente relacionada s
desigualdades existentes entre homens e mulheres e s ideologias de gnero,
expressas nos pensamentos e nas prticas machistas, na educao diferenciada,
na construo de uma noo assimtrica em relao ao valor e aos direitos de
homens e mulheres, na noo equivocada da mulher enquanto objeto ou
propriedade de seu parceiro. Nesse ltimo ponto, as estatsticas apontam que 70%dos homicdios de mulheres no Brasil so cometidos por ex-maridos e ex-
namorados, na maioria das vezes, por estes no aceitarem o desejo das mulheres
de ruptura do relacionamento amoroso (SAFFIOTI, 1994b).
Logicamente que precisamos entender toda essa discusso de forma
bastante ampla para no se criar uma noo equivocada dos homens como apenas
agressores e as mulheres como "pobres vtimas". A violncia de gnero uma
realidade bastante complexa e envolve uma srie de questes que tm suas razes
na sociedade, na omisso do Estado, sem falar em aspectos ligados s relaes
interpessoais e trocas afetivas entre os seres humanos. Dessa forma, por ocorrer,
principalmente, na vida privada (particularmente na famlia), a violncia de gnero
esteve, por muito tempo, encoberta por uma certa invisibilidade social. A
sociedade, o Estado e seus representantes tardaram por intervir nesse tipo de
violncia e at hoje ainda resistem. Mesmo na atualidade, mantm-se com
bastante fora o famoso ditado: "Em briga de marido e mulher ningum mete a
colher", o que remete permanncia de uma idia de privacidade que deve ser
respeitada e preservada em qualquer circunstncia. Essa noo precisa ser
superada e a prpria Constituio Brasileira bastante clara a esse respeito
quando, no captulo VII, referente famlia, diz que a violncia no interior da famlia
16
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
17/19
deve ser coibida e que obrigao do Estado sua proteo (artigo 226, pargrafo
8).
A sociedade como um todo e, em especial, as instncias mais diretamente
envolvidas na preveno e punio da violncia precisam lanar um novo olhar
para essa forma particular de violao dos direitos humanos. Os caminhos para a
desnaturalizao da violncia contra a mulher passam pela retirada dessa
problemtica da privacidade do lar e pela criao de espaos e formas de
enfrentamento que vo desde a prontido da ao policial de socorro vitima de
violncia e aprisionamento do agressor, ao atendimento digno mulher que se
dirige Delegacia Especial para registrar uma queixa, passando por maior
eficincia da Justia na punio dos agressores, at a criao de espaos de apoio
s mulheres agredidas e sob ameaa de morte.Para concluir, importa ainda ressaltar que trabalhar com um enfoque de
gnero implica em reconhecer, desvendar e levar em considerao esses fatos,
procurando-se desenvolver estratgias que contribuam para o desmonte dessas
relaes desiguais entre os seres humanos. No particular, preciso ter claro que
os condicionamentos e desigualdades de gnero resultam em condies de vida e
trabalho bastante distintas para homens e mulheres, que se estabelecem e se
cristalizam a partir das assimetrias que colocam as mulheres em uma posio
social subordinada. Da porque, homens e mulheres, mesmo situados em
condies semelhantes de pobreza ou como membros de um mesmo grupo
domstico-familiar, vivenciam essa situao de maneira distinta, tendo, portanto,
necessidades de gnero diferentes, que devem logicamente ser atendidas de forma
diferenciada, atravs de polticas de construo da eqidade. Torna-se, assim,
fundamental conceber estratgias de gnero distintas para atender essas
necessidades, pois ao se acreditar na eqidade de gnero e envidar esforos para
a transformao dessas relaes se constri uma mais das importantes vias para a
reafirmao de valores e princpios como a dignidade humana, a justia, a
igualdade com respeito diferena, a solidariedade, a parceria/cooperao e
participao efetiva. Logicamente que "nem tudo uma questo de gnero"; por
outro lado, todas as mudanas nas relaes sociais esto de alguma forma ligadas
17
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
18/19
a essa dimenso, fazendo com que gnero no seja a mais importante, mas seja
uma instncia imprescindvel para a construo da utopia da sociedade mais justa
com a qual sonhamos e que acreditamos colocar em movimento com a nossa
prtica cotidiana.
Referncias Bibliogrficas:
AYALES, Ivannia, Genero en Desarrollo: de la vivencia a la reflexicion. In:AYALES, I. et al. Genero, Comicacion y Desarrollo Sostenible: AportesConceptuales y metodologicos. Coronado, Costa Rica: IICCA: ASDI, 1996, p.13.
BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 5 ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BRUSCHINI, Cristina. Mulher e Trabalho, So Paulo: Nobel: Conselho Estadual daCondio Feminina, 1985, p.39
DURHAM, Eunice, Famlia e Reproduo Humana. In: FRANCHETTO et al.,Perspectivas Antropolgicas da Mulher, n. 3. Rio de Janeiro: Zahar, 1983, p. 15.
FERREIRA, Aurlio Buarque de Holanda. Novo Dicionrio da LnguaPortuguesa, 1ed.,1975.
LECOURT, D. Marxism and Epistemology: Bachelard, Canguilhem and Foucault ,
trans. B. Brewster, London: New Left Books,1975.
MEAD, Margaret. Sexo e Temperamento. So Paulo: Perspectiva,1988.
OAKLEY, Ann. Sex, Gender and Society. New York: Harper, 1972.
PEARSON, Ruth; WHITEHEAD, Ann; YOUNG, Kate. Introduction: The ContinuingSubordination of Women in the Development Process. In: YOUNG, K. et al. OfMarriage and the Market: Womens subordination internationally and its lessons.London: Routledge, 1981.
ROSALDO, Michelle. Women, Culture and Society: A theoretical overview. In:ROSALDO, M.; LAMPHERE, L. Women, Culture and Society, Stanford: StanfordUniversity Press, 1974.
SAFFIOTI, Heleieth B. Posfcio: conceituando gnero. In: SAFFIOTI, H. &MUNHOZ-VARGAS, M. (Org.). Mulher brasileira assim. Rio de Janeiro: Rosados Tempos; Braslia: UNICEF, 1994a, p.271-283.
18
-
8/7/2019 Introducao a genero - marcia e cecilia - revisado
19/19
______. Violncia de gnero no Brasil contemporneo. In: SAFFIOTI, H. &MUNHOZ-VARGAS, M. (Org.). Mulher brasileira assim. Rio de Janeiro: Rosados Tempos; Braslia: UNICEF, 1994b, p. 151-185.
SARDENBERG, Cecilia Maria Bacellar. O gnero em questo: apontamentos.
(Trabalho indito) Salvador: NEIM/UFBA, 1992.______. De sangrias, tabus e poderes: A menstruao numa perspectiva scio-antropolgica. Revista Estudos Feministas, Rio de Janeiro, v.2, n.2, p. 314-344,1994.
______. E a famlia, como vai? Reflexes sobre mudanas nos padres de famliae no papel da mulher. Bahia: Anlise & Dados, Salvador: SEI/SEPLANTEC, Vol.7, No. 2, setembro 1997, pp:5-15.
SCOTT, Joan. Gender and the Politics of History. New York: Columbia UniversityPress, 1988.
SORJ, Bila. Relaes de gnero e teoria social. In: XVII REUNIO DA ANPOCS,Caxambu, MG, 1993, (mimeo).
19