Introdução à História

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Introdução à História Professor José Knust

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Introdução à História

Professor José Knust

1. Por que estudar História?

Esta pergunta na verdade deve ser respondida em três etapas:

1. Devemos saber o que a História estuda.

2. Então, precisaremos entender como os historiadores fazem esse estudo.

3. Para aí então responder para que serve realizar esse estudo.

A) Os significados da palavra História

História é uma palavra que pode assumir diversos sentidos:

Narrativa: quando vamos contar uma história (fictícia ou real), falamos que vamos contar uma História, isso é, uma sucessão de acontecimentos que se desenrolam no tempo.

Uma História em quadrinhos é uma narrativa

A) Os significados da palavra História

História é uma palavra que pode assumir diversos sentidos:Passado vivido: quando nos referimos ao

Passado, a coisas que já aconteceram, nós falamos que elas aconteceram na História.

Soldados lutando na 2ª Guerra Mundial: um fato que aconteceu na História

A) Os significados da palavra História

História é uma palavra que pode assumir diversos sentidos:Estudo do Passado de

algo: quando nos referimos ao estudo de coisas que aconteceram no passado, falamos que estamos fazendo a História daquela coisa.

Neste último sentido da palavra História encontramos diversos estudos: História do Sistema Solar, História da Evolução das Espécies, História do Solo, etc..

Isso significa que todas essas histórias, isto é, o estudo de tudo que aconteceu no passado, é assunto para a “História dos Historiadores”?

B) O que estuda a “História dos Historiadores”?

A História não estuda o passado: seria impossível uma única disciplina estudar tudo que já aconteceu.

A História estuda a vida dos Homens e das Mulheres – não de pessoas individualmente, mas da vida em sociedade.

A História estuda as transformações nessa vida em sociedade ao longo do tempo

Sociedade Indígena: sua história é assunto para os Historiadores

Dizem algumas vezes que “A História é a ciência do passado”. É, a meu ver, falar errado.

É verdade, ainda se chama de História todo estudo da mudança no tempo. Este não é um hábito perigoso, porque não engana ninguém. Existe, nesse sentido, uma história do sistema solar, na medida em que os astros que o compõem nem sempre foram como os vemos hoje. Essa história do sistema solar é assunto para a astronomia. Há uma história das erupções vulcânicas que é muito importante para o estudo da física do planeta Terra. Essas histórias não pertencem à História dos historiadores.

A História e a Humanidade

Há muito tempo nossos grandes historiadores nos ensinaram a reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os Homens. Por trás dos grandes vestígios que o historiador estuda, artefatos, máquinas, textos ou instituições, são os homens que os produziram que a História quer entender.

“Ciência dos Homens”, dissemos. Isso é ainda muito vago. É preciso acrescentar: “dos homens, no tempo”. O historiador não pensa apenas o “humano”. A atmosfera que se respira o pensamento do historiador é a duração. Esse tempo verdadeiro é perpétua mudança.

Adaptado de Marc Bloch, Apologia da História, p.52-55.

Mas como os historiadores fazem para estudar a vida dos homens e mulheres vivendo em sociedade e suas transformações ao longo do tempo?

C) A Pesquisa Histórica Nós não sabemos

automaticamente o que aconteceu no passado, precisamos “reconstruí-lo”.

Esse processo de descoberta do passado exige uma pesquisa, um trabalho de investigação.

Historiador trabalhando

I) As Fontes Históricas Os historiadores não podem observar diretamente

o seu objeto de estudo. Para realizar suas pesquisas eles precisam buscar

vestígios deixados pelas pessoas que viveram no lugar e na época que eles estudam – esses vestígios são as fontes históricas.

O que pode servir de fonte histórica?

“A diversidade dos testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele.”

Marc Bloch, Apologia da História, p.79

Exemplos de Fontes HistóricasDocumentos de registros oficiais (certidões de nascimento, morte, casamento, propriedade, etc.) ou de leis, ordens dos governantes, entre outros documentos oficiais.

Livros de registros no Arquivo Histórico de Criciúma (SC) passam por restauração: documentos guardados em Arquivos são importantíssimos para os historiadores.

Exemplos de Fontes Históricas

Textos oficiais de governos, onde quer que eles estejam gravados.

Texto de Pirâmide Egípcia: são alguns dos textos mais antigos que se conhece, fundamentais para entender a antiga sociedade egípcia

Exemplos de Fontes Históricas

Textos literários escritos na época estudada, mesmo que ficcionais.

Estantes de uma biblioteca:Livros escritos em outras sociedades podem nos ajudar a entende-las.

Exemplos de Fontes Históricas

Cartas e textos pessoais.

Cartas escritas por pessoas vivendo na sociedade estudada pelo historiador são uma fonte muito importante para conhecermos como elas pensavam sobre diversos assuntos.

Exemplos de Fontes Históricas

Imagens, pinturas ou fotografias da época.

Pintura Rupestre encontrada no Piauí:Imagens de uma época servem não apenas para identificar aspectos presentes na sociedade estudada mas também para sabermos como as pessoas os representavam.

Canções e histórias populares.

A história popular sobre Robin Hood nos ajuda a entender a

sociedade na Inglaterra Medieval

Exemplos de Fontes Históricas

Relato oral de pessoas que viveram no período estudado.

Historiador conversa com antigo morador de uma comunidade: os relatos mostram outro lados da história, esquecidos pelos “documentos oficiais”.

Exemplos de Fontes Históricas

Exemplos de Fontes Históricas

Sítios arqueológicos

Escavação arqueológica em Israel: a arqueologia permite o descobrimento de vestígios materiais de cidades, aldeias, fazendas, grandes ou pequenas construções ou mesmo de instrumentos do dia-a-dia de uma antiga sociedade.

Exemplos de Fontes Históricas

Artefatos da cultura material de um povo (e suas inscrições) encontrado nas escavações.

Estela sepulcral romana achada na Espanha: cada um dos achados de uma escavação serve para nos informar sobre sua sociedade. Alguns trazem consigo inscrições, também importantes para os historiadores.

Exemplos de Fontes Históricas

Restos mortais encontrados em escavações

Esqueletos humanos encontrados em uma escavação: os restos mortais dos antigos habitantes de uma sociedade podem nos dar muitas informações (a posição dos esqueletos nos informa sobre ritos funerários, a composição dos ossos nos informa sobre sua alimentação, etc..)

II) Teorias e Análise Histórica

Apenas o estudo dessas fontes simplesmente não nos diz nada.

Para entender a vida em sociedade o historiador precisa da ajuda de idéias, hipóteses e teorias que o ajudem a entender aquelas fontes históricas.

Weber, Marx e Durkheim: grandes pensadores sociais do século XIX, cujas idéias foram importantes para desenvolver

nossos conhecimentos sobre as sociedades humanas.

Vídeo 01: trecho do documentário O Big Bang de João Magueijo

Memória e História: construções

“A História de um grupo é sua memória coletiva, e a seu respeito, cumpre a mesma função que a memória pessoal em relação a um indivíduo: dar-lhe um sentido de identidade que o faz ser ele mesmo e não outro. Entretanto, compreendemos mal a natureza de nossa memória pessoal. Geralmente a consideramos como um simples depósito de imagens da realidade passado quando, ao contrário, os cientistas estabeleceram que (...) a produção de uma lembrança é um processo muito complexo. Isso explica, talvez, que a mesma incompreensão se estenda a nossa consideração da história.”

Josep Fontana, A História dos Homens, p.11.

O interrogatório das fontes

“Muitas pessoas e mesmo, parece, certos autores de manuais fazem uma imagem surpreendentemente cândida da marcha de nosso trabalho. No princípio, diriam de bom grado, eram os documentos. O historiador os reúne, lê, empenha-se em avaliar sua autenticidade e veracidade. Depois do que, e somente depois, os põe para funcionar... Uma infelicidade apenas: nenhum historiador, jamais, procedeu assim. Mesmo quando, eventualmente, imagina fazê-lo.

Pois os textos ou os documentos arqueológicos, mesmo os aparentemente mais claros e mais complacentes, não falam senão quando sabemos interrogá-los. (...) toda investigação histórica supõe, desde seus primeiros passos, que a busca tenha uma direção. No princípio, é o espírito. Nunca [em nenhuma ciência,] a observação passiva gerou algo de fecundo. Supondo, aliás, que ela seja possível.”

Marc Bloch, Apologia da História, p.78-79

“Como tudo muda no homem e no seu ambiente: como o ponto de vista do qual analisa os fatos e o ânimo com que realiza sua pesquisa variam incessantemente, dir-se-ia que o passado muda com o presente; elementos não percebidos se revelam nos fatos antigos; outras idéias, outros sentimentos são estimulados pelos mesmo nomes, pelos mesmos relatos; e o homem percebe que, no espaço infinito aberto ao conhecimento, tudo permanece constantemente inesgotável e novo para a inteligência, sempre ativa e sempre limitada.”

François Guizot

(em Fontana, História dos Homens, p.13-14)

História e Verdade

Mas para que serve realizar esse esforço de análise de fontes históricas a partir de teorias sobre a sociedade? Por que devemos perder nosso tempo com isso?

D) Para que serve estudar História: I) cultura e orientação históricas

O estudo da História é parte da construção de uma cultura histórica – que é todo o conhecimento que possuímos sobre a experiência da vida humana em sociedade.

Essa cultura histórica serve para entendermos e julgarmos diferentes situações, para decidirmos como devemos agir – isto é, serve para nos orientarmos na vida em sociedade e em suas transformações ao longo do tempo.

A orientação Histórica

Assim como nós nos orientamos no espaço, com o objetivo de saber onde estamos, nós também nos orientamos no tempo, para saber de onde nós viemos e para onde nós estamos indo. Como nós não ficamos parados e nos movemos pelo espaço, as vezes nos perdemos e precisamos nos reorientar. O mesmo ocorre no tempo. Orientação é o termo usado para descrever a função da cultura histórica no sentido amplo, e a história profissional contribui para ela de sua maneira própria.

Adaptado de David Carr, “History as Orientation”, H&T 45, 2006, p.231

Exemplos de “formadores da cultura

histórica”

Conversas e histórias contadas sobre algum período da história (recente ou antigo)

Quadro Um conto do Decamerão (1916) de

John William Waterhouse.

Exemplos de “formadores da cultura

histórica”

Os discursos de sacerdotes em cerimônias religiosas, que muitas vezes fazem menção ao passado.

Padre Católico conversa com fiéis no meio de uma missa.

Exemplos de “formadores da cultura histórica”

Filmes que retratam um período da História

Elizabeth: filme retrata a Inglaterra do século XVI

Exemplos de “formadores da cultura histórica”

Novelas de época

Sinha Moça: novela ambientada no Brasil do século XIX

Exemplos de “formadores da cultura histórica”

Romances Históricos

Livro da série O Imperador, narra uma história que se passa na Roma Antiga.

Exemplos de “formadores da cultura histórica”

Documentários que tratam de assuntos históricos.

Documentário História do Rock and Roll, trata de um dos mais importantes movimentos culturais do século XX

Exemplos de “formadores da cultura histórica”

As aulas de História no colégio

D) Para que serve estudar História: II) análise crítica da realidade

Nossa cultura histórica é construída de diversas maneiras – muitas delas estão fora de nosso controle.

O estudo aprofundado e questionador da História serve para criticarmos a visão que se impõe em nossa sociedade da História – impedindo assim que reproduzamos preconceitos, injustiças ou interesses alheios sem sequer percebermos.

“Porque (...) todos os regimes fazem seus jovens estudarem alguma história na escola? Não para compreenderem sua sociedade ou como ela muda, mas para aprová-la, orgulhar-se dela, serem ou tornarem-se bons cidadãos dos EUA, da Espanha, de Honduras ou do Iraque. E o mesmo é verdade para causas ou movimentos. A história como inspiração e ideologia tem uma tendência embutida a se tornar mito de autojustificação. Não existe vendas para os olhos mais perigosas que esta (...) É tarefa do historiador tentar remover essas vendas, ou pelo menos levantá-las um pouco de vez em quando (...).”

Eric Hobsbawn, Sobre História, p.47-48.

A tarefa da História

2. Usos e Abusos da História

A) Diferentes percepções do tempo na História

A forma como as pessoas de uma sociedade percebem o tempo é resultado de sua vida social.

Assim, em diferentes sociedades, as pessoas pensam a passagem do tempo de maneiras diferentes.

Tempo da Natureza X Tempo do Relógio

“A extensão do dia solar ditava, como ainda o faz no campo, a jornada de trabalho. A iluminação artificial era de má qualidade e expunha a perigos de incêndio. Assim eram raras as profissões em que o trabalho noturno era permitido.”

Geneviéve D’Haucourt

“À medida que o século XVII avança, a imagem do mecanismo do relógio se expande, até que, com Newton, toma conta do universo. E pela metade do século XVIII o relógio já alcançara níveis mais íntimos.”

E.P. Thompson

Calendário medieval representando as atividades agrícolas em cada um dos meses:A passagem do tempo nas sociedades pré-capitalistas era marcado pelas tarefas cotidianas – que na maioria dos casos estavam condicionadas pelo clima e pela natureza.

I) Calendários Grande parte das

sociedades humanas criou instrumentos para ajudá-las a se localizar na passagem do tempo.

Dependendo das necessidades da sociedade e de sua forma de perceber o tempo, calendários muito diferentes foram criados.

Placa representando o Calendário Maia

Calendário Judaico

Calendário Islâmico

II) Periodizações Em seu trabalho de reconstrução do passado, os

Historiadores precisam determinar Períodos da História, isto é, determinar fases, momentos da história distintos entre si.

Esse trabalho de periodização sempre parte de um ponto de vista, e muitas vezes serve à visões etnocêntricas da história. Divisão tradicional da História

Queda do Império Romano em 476 marcaria o fim da História Antiga e o início da História Medieval

Invasão turca do Império Bizantino, em 1453 é considerada o marco do fim da História Medieval e início da História Moderna.

A revolução francesa é considerada o marco do fim da História Moderna e início da História Contemporânea

Crítica a periodização tradicional

Podemos dizer que o fato de utilizarmos o calendário cristão resulta de um processo que se originou na conquista da América pelos europeus. O poder passou a ser exercido por descendentes de europeus sustentados por instituições e modelos europeus. Por isso podemos dizer que o tempo (o calendário, a periodização) que utilizamos também é, até hoje, uma expressão da cultura do colonizador.

Nesse processo de colonização, herdamos também uma divisão da história de acordo com os grandes marcos ou eventos valorizados pela história cultural da Europa Ocidental.

Podemos questionar os critérios utilizados nos recortes adotados por essa divisão clássica. A queda do Império Romano, por exemplo, não é um evento marcante para os chineses ou para as civilizações da América pré-Colombiana. É importante, por isso, ter em mente que as periodizações, embora nos ajudem a compreender a história, refletem determinado poder político, econômico e cultural, que se expressa nas datas e temas escolhidos para serem estudados. Trata-se de uma visão centrada nos interesses europeus – o eurocentrismo.

Claudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo, História Geral e do Brasil, v.1, 2011, p.21

Imperador chinês Hongwu:Para a história chinesa, assim como para todo o resto do mundo fora da Europa, a periodização tradicional não faz qualquer sentido.

B) A história dos vencedores A narrativa histórica que é construída em uma

sociedade sempre privilegia o ponto de vista e os interesses dos grupos que conseguiram se sobrepor aos outros ao longo da história.

Essa “História dos Vencedores” serve para justificar a dominação de certos grupos e a situação atual da sociedade.

Cabe a quem estuda a História não se deixar levar pela força dessa “História dos vencedores”, encarando-a criticamente.

“Quem controla o passado controla o futuro: quem controla o presente controla o passado”

George Orwell, 1984

Funcionário inglês é servido por indianos:Os europeus, ao conquistarem o resto do Planeta entre os séculos XVI e XIX impuseram uma visão eurocêntrica da História, como se apenas a História Européia fosse importante.

Não existem “povos sem história”

[No processo de integração do mundo] “um importante papel coube à Europa, pequena península ao largo das vastas extensões territoriais da Ásia. (...) O mundo de 1400 já estava repleto de ligações e conexões regionais, mas a subseqüente expansão dos europeus através dos oceanos levou as redes regionais a uma orquestração mundial, sujeitando-as a um ritmo de âmbito global.

Impulsionados por essas forças em direção a atividades convergentes, povos de diversas origens e constituição social foram levados a tomar parte na construção de um mundo comum. Tais povos incluíam os mercadores marítimos europeus e a soldadesca de várias nacionalidades, mas também os nativos americanos, os africanos e os asiáticos.

Nesse processo, as sociedades e culturas de todos esses povos sofreram grandes mudanças. Tais mudanças afetaram não somente os povos assinalados como portadores da “verdadeira” história mas também os povos que os antropólogos denominaram “primitivos” e que têm sido estudados freqüentemente como sobreviventes intactos de um passado atemporal. Os processos globais desencadeados pela expansão européia constituem também a histórias deles. Não existe, assim, “ancestrais contemporâneos”, povo algum sem história (...)”

Eric Wolf, A Europa e os povos sem história, p.459-460.

I) A História dos “Grandes Homens”

Dentro desta “História dos Vencedores”, é muito comum a visão de que as transformações na História são fruto da ação de grandes homens, que por causa de seus méritos e qualidades individuais fizeram grandes realizações.

Capa de livro que destaca a realização de grandes homens como fundamental para a História.

“A história universal, a história do que o homem completou no mundo é, na realidade, a história dos grandes homens que trabalharam na Terra. Eles foram os condutores, os modeladores, os padrões e, num largo sentido, os criadores de tudo que a massa geral dos homens procurou fazer ou atingir. E a alma da história da humanidade pode ser considerada como sendo a história desses grandes homens.”

T. Carlyle, Os heróis e o culto dos heróis, p.9

O líder da resistência gaulesa, Vercingetorix, se rende ao general romano Julio César:Segundo a concepção tradicional da história, grandes nomes como César é que definiriam os rumos da História.

Perguntas de um operário que lê, Bertold Brecht

Quem construiu Tebas, a das sete portas?Nos livros vem o nome dos reis,Mas foram os reis que transportaram as pedras?Babilônia, tantas vezes destruída,Quem outras tantas a reconstruiu?

Em que casas da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde foram os seus pedreiros?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu?

Sobre quem triunfaram os Césares?

A tão cantada Bizâncio só tinha paláciosPara os seus habitantes?

Até a legendária AtlântidaNa noite em que o mar a engoliuViu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as ÍndiasSozinho?César venceu os gauleses.Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha chorou.

E ninguém mais?Frederico II ganhou a guerra dos sete anosQuem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.Quem cozinhava os festins?Em cada década um grande homem.Quem pagava as despesas?

Tantas históriasQuantas perguntas

O povo ataca a prisão da Bastilha, durante a Revolução Francesa:Na verdade, o povo comum também faz história, e não só em momentos críticos como esse, mas mesmo no dia-a-dia.

II) Nacionalismo e História Nacional

A profissionalização dos Historiadores ocorreu no processo de formação dos Estados-Nação, no século XIX.

A Historiografia serviu, neste contexto, para legitimar a nova forma de organização do Poder, identificando-o com a Nação – que seria o corpo social singular e legítimo por natureza.

Surgiram, assim, as Histórias Nacionais, que buscavam criar uma identidade histórica no passado remoto dos Estados Modernos.

Trecho de A Liberdade Guiando o Povo, de

Delacroix

Bismarck, primeiro imperador da Alemanha moderna unificada no século XIX:A necessidade de legitimar a formação dos Estados Nacionais nesse período foi um dos grandes motivos para a construção de Histórias Nacionais – e a Alemanha, não por acaso, teve grande destaque nesse processo.

História: matéria-prima da ideologia

“A história é a matéria-prima para as ideologias nacionalistas ou étnicas ou fundamentalistas (...). O passado é um elemento essencial, talvez o elemento essencial nessas ideologias. Se não há nenhuma passado satisfatório sempre é possível inventá-lo. De fato, na natureza das coisas não costuma haver nenhum passado completamente satisfatório, porque o fenômeno que essas ideologias pretendem justificar não é antigo ou eterno mas historicamente novo.

Poucas ideologias de intolerância estão baseadas em simples mentiras ou ficções para as quais não há nenhuma evidência. (...) O abuso ideológico mais comum da história baseia-se antes em anacronismos que em mentiras. (...)Mito e invenção são essenciais à política de identidade pela qual grupos de pessoas , ao se definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável dizendo: ‘Somos diferentes e melhores do que os Outros’.”

Eric Hobsbawn, Sobre História, p.17-19.

Vídeo 02 - “Lisa, a Iconoclasta”, Os Simpsons (episódio 16 da temporada 7)

Identidade Nacional, Heróis e legitimação de governos

“Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência (...). São por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns, os heróis surgiram quase espontaneamente das lutas que precederam a nova ordem das coisas. Em outros, de menor profundidade popular, foi necessário maior esforço na escolha e na promoção da figura do herói. É exatamente nesses últimos casos que o herói é mais importante. A falta de envolvimento real do povo (...) leva à tentativa de compensação, por meio da mobilização simbólica.”

José Murilo de Carvalho, A formação das Almas, p.55

Representação de Tiradentes aproximando-o de Jesus:O culto da imagem de Tiradentes foi estabelecido a partir da Proclamação da República, com o intuito de legitimar o novo regime que substituia a monarquia.

III) Modernidade e a Idéia de Progresso

A partir do século XVIII, uma visão muito influente da História é a que identifica uma linha única de progresso na História, pela qual toda a humanidade passaria.

Não por acaso, o auge dessa evolução era identificado com a sociedade industrial e capitalista da Europa – enquanto as sociedades não-européias eram identificadas com estágios anteriores do desenvolvimento.

Arranha-céus de Frankfurt: a história tradicional identificava a sociedade moderna como superior às antigas

Empresa inglesa de trens em São Paulo, no século XIX:O imperialismo muitas vezes é justificado por “trazer o

progresso” para “regiões atrasadas”. Esse discurso só é possível graças a idéia de Progresso na História que

surgiu no século XVIII.

Video 03 – “O que os romanos fizeram por nós?” Trecho do filme A vida de Brian.

A ideologia por trás da idéia de Progresso

[Surgiu] “uma visão evolutiva da história organizada em função de um motor econômico, que apresentaria o desenvolvimento do capitalismo ‘liberal’ como o ponto máximo alcançado pela humanidade e, em conseqüência, situaria todos os povos e todas as civilizações dentro de um esquema único de progresso, justificando, com isso, o domínio imperialista dos europeus (...).

Ao definir como progressivo tudo o que conduz ao capitalismo e à industrialização fabril. Esta visão da história desqualificava qualquer formação alternativa de organização como retrógada ou inviável (utópica).”

Josep Fontana, A História dos Homens, p.169-170

C) O outro lado da História:Identidade e Memória dos oprimidos e excluídos

Ao mesmo tempo que o estudo da História e a reconstrução do passado podem servir aos interesses dos poderosos, a resposta dos oprimidos e excluídos pode vir na mesma moeda.

O estudo do passado serve para construir a consciência e a identidade de grupos em sua luta contra a injustiça e a opressão.

Passeata dos Cem Mil, 1968, Rio de Janeiro, contra a

Ditadura Militar.

Remanescentes de quilombos no interior do RS: o uso da memória histórica garantiu a essas pessoas o título de propriedade sobre as terras que vivem.

História e Memória dos oprimidos

O lembrar e o esquecer definem a história e a história é o campo no qual a humanidade compreende sua temporalidade. E o tempo, por sua vez, é onde se conserva o velho e se cria o novo, onde a política adquire a sua materialidade. Será a compreensão dessa temporalidade que demarcará os limites da ação coletiva das pessoas em cada período da existência humana. Esses limites são produtos da memória que constroem o campo de significação da sua ação.

Confrontados com os livros de história eternizados nos pavilhões dos museus repletos das gloriosas lembranças dos vencedores da civilização, os cacos de história perpetuados pela gente miúda da população tornam-se pálidas molduras dos eventos e personagens cuja indiscutível importância foi e sempre será decisiva para o curso dos acontecimentos que desembocaram no presente.

Raphael Millet, “Memória constituinte e movimento social”, Revista Estudos Hum(e)anos

http://revista.estudoshumeanos.com/memoria-constituinte-e-movimento-social-licoes-de-um-museu-popular-por-raphael-millet/

D) Patrimônio e Memória São considerados patrimônios

históricos ou culturais bens materiais ou imateriais intimamente relacionados com a identidade, a cultura ou o passado de uma coletividade.

Existe no Brasil um órgão do Governo, o IPHAN, para determinar e regular aquilo que é considerado um patrimônio.

Essa identificação e regulação é objeto de diversos conflitos.

Teatro Municipal do Rio de Janeiro, considerado um patrimônio histórico

Graças às suas construções históricas, a cidade de Ouro Preto é considerada Patrimônio Cultural brasileiro.

A capoeira, por se tratar de um símbolo importante da cultura do povo brasileiro, também é considerada patrimônio cultural brasileiro.