Introducao Ao Estudo Do Direito - Prof Sandra Luis

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Faculdade de Direito de Lisboa SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010 SUB-TURMAS 5 e 6 APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO 1º SEMESTRE 2010/2011 Docente: Sandra Lopes Luís Sandra Lopes Luís – FDL – IED 2010/11 1

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Transcript of Introducao Ao Estudo Do Direito - Prof Sandra Luis

  • Faculdade de Direito de Lisboa

    SLL - INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1 POCA/ 2010

    SUB-TURMAS 5 e 6

    APONTAMENTOS DE INTRODUO AOESTUDO DO DIREITO

    1 SEMESTRE 2010/2011

    Docente: Sandra Lopes Lus

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 1

  • Estes apontamentos correspondem matria das aulas prticas da cadeira de Introduo ao Estudo do Direito leccionada s sub-turmas 5 e 6 da Noite, no 1 semestre do ano lectivo de 2010- 2011. Tm uma finalidade exclusiva de auxlio aos alunos no estudo para a preparao dos exames.

    INDCE

    CAPTULO I: A Ordem Jurdica1. Ordem natural e ordem social: ordem fctica; tcnica e

    normativa. Ideia de normatividade

    2. Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral; ordem de trato social e ordem jurdica

    3. Relaes direito e moral

    4. Caracterizao da Ordem Jurdica: necessidade/ imperatividade/ coercibilidade/ exterioridade/ estatalidade

    5. Os fins do Direito: a Justia, Segurana Jurdica e Promoo do Bem-estar Econmico, Social e Cultural

    6. Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito; realizao do Direito como funo do Estado

    7. Os meios de tutela pblica

    8. Ramos de Direito

    CAPTULO II: Fontes de Direito 1. Consideraes gerais sobre Fontes de Direito

    2. Costume

    3. Jurisprudncia

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  • 4. Doutrina

    5. Lei

    6. Direito internacional

    7. Princpios fundamentais de Direito

    8. Hierarquia das fontes/ normas

    CAPTULO III: Interpretao1. A interpretao em sentido restrito

    A. Noo

    B. Modalidades de interpretao

    a. Critrio dos sujeitos/ fontes/ origem ou valor: Interpretao autntica; oficial; judicial; doutrinal e particular

    b. Critrio do objectivo ou fim da interpretao: Subjectivistas/

    Objectivistas/Teses mistas; Historicistas/ Actualistas; art. 9 CC

    c. Critrio dos resultados da interpretao: interpretao declarativa; extensiva; restritiva; abrogante; enunciativa; correctiva

    2. A integrao de lacunas

    a. Consideraes iniciais

    b. Lacuna jurdica

    c. Integrao: analogia legis; analogia jris; norma que o interprete criaria

    3. Novas perspectivas metodolgicas de concretizao ou desenvolvimento do direito

    a. Reduo teleolgica

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  • b. Extenso teleolgica

    4. Exemplos prticos e dvidas da doutrina

    CAPTULO IV: A Norma Jurdica1. Noo e estrutura da norma jurdica

    2. Caractersticas da norma jurdica

    3. Classificaes de normas jurdicas

    CAPTULO V: Casos prticos 1. Casos prticos resolvidos sobre Interpretao

    2. Casos prticos resolvidos sobre Integrao de Lacunas

    3. Casos prticos sobre Fontes de Direito e Normas Jurdicas

    4. Testes de anos anteriores

    BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

    Manuais de Introduo ao Estudo do Direito

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  • MRS (Marcelo Rebelo de Sousa), 4 Edio 1998 Europa Amrica;

    S J (Santos Justo) 3 Edio, 2006;

    O A (Oliveira Ascenso) 10 Edio, 1997;

    NSG (Nuno S Gomes), 2001; CM (Castro Mendes) 1994;

    BM (Baptista Machado) 15 Edio, 2006;

    AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima CC anotado);

    G T (Galvo Telles) 10 Edio, 1998; F A (Freitas do Amaral) 2004;

    PO (Paulo Otero), 1999;

    Fernando Jos Bronze, 2002;

    Outros manuaisCastanheira Neves: Metodologia Jurdica Problemas Fundamentais 1993

    Karl Larenz: Metodologia da Cincia do Direito, 4 Edio 2005

    Karl Engisch: Introduo ao Pensamento Jurdico, 10 Edio 2008

    Gomes Canotilho/Vital Moreira: CRP anotada, 2010.

    Livros de Hipteses Prticas

    Marcelo Rebelo de Sousa e outros, AAFDL 1998

    Carla Amado Gomes, AAFDL 1997

    Pedro Ferreira Murias, AAFDL 2001

    Daniel Morais, AAFDL 2008

    David Magalhes: Noes Fundamentais de Direito, 2010

    Faculdade de Direito de Lisboa

    SLL - INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1 POCA/ 2010

    SUB-TURMAS 5 e 6

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  • CAPTULO I: A Ordem Jurdica

    Abreviaturas dos nomes de Autores:

    MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascenso); NSG (Nuno S Gomes)

    CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima CC anotado);

    G T (Galvo Telles); F A (Freitas do Amaral); PO (Paulo Otero)

    Aspectos a abordar:

    9. Ordem natural e ordem social: ordem fctica; tcnica e normativa. Ideia de normatividade

    10. Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral; ordem de trato social e ordem jurdica

    11. Relaes direito e moral

    12. Caracterizao da Ordem Jurdica: necessidade/ imperatividade/ coercibilidade/ exterioridade/ estatalidade

    13. Os fins do Direito: a Justia, Segurana Jurdica e Promoo do Bem-estar Econmico, Social e Cultural

    14. Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito; realizao do Direito como funo do Estado

    15. Os meios de tutela pblica

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  • Ordem natural e ordem social: ordem fctica; tcnica e normativa.Ideia de normatividade1

    Introduo:

    Ideia de que homem um ser social pois estabelece relaes com os outros homens, logo necessrio que o seu comportamento seja disciplinado por regras de organizao e de conduta. Deve-se fixar uma ORDEM para a sua actuao

    Assim surge a necessidade de:

    1- Definir ordem

    2- Distinguir a ordem social da ordem natural

    3- Separar os vrios tipos de ordem dentro da ordem social: fctica/ tcnica / normativa

    Ordem

    ORDEM a conjugao de vrios elementos para a obteno de uma funo comum (regularidade de actos). Exprime-se por leis que traduzem o encadeamento de condutas necessrias para consecuo dos objectivos em vista. um dado imediato da observao sociolgica/ uma realidade.

    ORDEM NATURAL: a ordem que no se dirige ao homem, mas visa explicar os fenmenos naturais

    1 Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascenso/ Nuno S Gomes

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  • Ordem natural (ordem do SER)

    I) Explica o fenmeno botnico e o equilbrio dos organismos animais

    II) Exprime-se por leis da fsica/ da geografia / da gentica (ex. lei o heliocentrismo/ geocentrismo/ lei da gravitao de Newton que explica porque os corpos caiem na vertical)

    III) Exprime-se segundo um princpio da causalidade (causa/ efeito), so cegas a consideraes de valor

    IV) A ordem natural no pode ser violada: porque se reconduz a esquemas mentais de explicao da realidade (visa explicar a realidade) o que pode acontecer, que esses esquemas mentais estejam errados se um aspecto factual contraria o enunciado dessa lei. Neste caso essa lei no se mantm e procura-se uma nova lei para explicar a realidade

    V) As leis da natureza so posteriores aos fenmenos que visam interpretar

    ORDEM SOCIAL: a ordem das condutas humanas. Tem por objecto regular a actividade humana e as relaes entre os membros da sociedade (ideia: no h sociedade sem normas). Exprime-se atravs de normas relacionais: regras para solucionar conflitos

    Dentro da ordem social pode-se separar:

    a) Ordem tcnica

    b) Ordem fctica

    c) Ordem normativa

    Ordem Tcnica (ordem do til/ vantajoso)

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  • I) Exprime-se por um conjunto de regras que disciplinam a actividade humana visando a realizao de certos objectivos que se querem alcanar

    II) So regras condicionais: se, se quiser alcanar algo, til que se proceda segundo uma determinada tcnica meio para atingir um fim - orientam a aco do homem na sua relao com os meios/ instrumentos para a obteno dos fins pretendidos

    III) No tm imperatividade (no se impe ao homem/ no sente um dever): caso o sujeito no queira obter um resultado no violou um dever

    IV) Exemplos de regras tcnicas: de dana/ construo civil (casas) / fertilizao de solos/ fabrico de carros

    Ordem Fctica

    I) Consiste na descrio das condutas humanas e nas previses de comportamentos futuros.

    II) Tem por objecto a anlise da actividade do homem (relaes de facto/ ser) sem que se lhe imponha o modo como ele se deve comportar

    III) Exprime-se por leis sociolgicas2 e econmicas, segundo as quais diante certas condies certas consequncias tendem a verificar-se.

    IV) Exemplos: depois de uma guerra a verifica-se uma expanso da natalidade; lei da oferta e da procura (preos); desvio de emprego para pases com mo-de-obra mais barata; fenmenos migratrios; crime nos grandes centros urbanos

    V) So diferentes das leis naturais porque a convivncia dos homens muda atravs dos tempos, enquanto que a ordem

    2 A sociologia: estuda a formao/ transformao/ e desenvolvimento das sociedades humanas, os seus factores econmicos, culturais e religiosos

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  • natural (por exemplo das abelhas) sempre a mesma, a sua explicao que pode mudar (mas o fenmeno o mesmo sempre). As leis naturais so exactas e universais, j as leis fcticas so contingentes, isto , variam no tempo e no espao.

    VI) diferente da ordem tcnica porque a ordem fctica traduz meras enunciaes de juzos de valor da actuao do homem, no orientando a conduta do homem para atingir um fim. Os socilogos, economistas e historicistas no tm o propsito de disciplinar formas de conduta, embora as suas concluses possam e devam influir na ordenao dos comportamentos.

    Ordem normativa (ordem do DEVER SER)

    I) a Ordem que visa orientar a conduta do homem na relao com os outros homens. Tem um carcter intersubjectivo: visa disciplinar as suas condutas fixando o modo como elas se devem processar

    II) Corresponde a realidades ticas do ponto de vista do DEVER SER (diferente da ordem natural refere-se ao SER)

    III) Dirige-se com carcter imperativo vontade do homem (o homem sente um dever de no roubar, pois se o fizer ter consequncias). Diferente ordem tcnica no se situa num plano axiolgico de valores

    IV) A ordem normativa violvel porque a conduta do homem pode adequar-se a ela ou no.

    V) Ordem normativa impe-se vontade do homem antes dele agir. anterior aos actos que pretende regular

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  • Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral; ordem de trato social e ordem jurdica

    Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascenso

    Dentro da ordem normativa (ordem do DEVER SER/ TICA) podemos separar quatro tipos de ordens:

    1. Ordem de trato social

    2. Ordem religiosa

    3. Ordem moral

    4. Ordem jurdica

    ORDEM DE TRATO SOCIAL

    a ordem definidora das regras de cortesia e de civilidade entre os membros de uma sociedade. Integra todos os usos e praticas do comportamento social que vai desde o modo de vestir, modo como nos expressamos, etiqueta e deveres de respeito para com as outras pessoas. Esta ordem visa facilitar ou tornar mais agradvel a convivncia social.

    A ordem de trato social tem uma certa vinculatividade para os seus destinatrios: RECEIO DE ENFRENTAR SANOES SOCIAIS.

    Devem-se separar os usos e prticas sociais que tm um carcter normativo, e que portanto fazem parte da ordem de trato social, dos que no o tm:

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  • i) Normativos gozam de uma certa vinculatividade social decorrente da presso que o grupo exerce sobre todos os membros para obter um certo comportamento. A sua no observncia sancionada com uma reaco social adversa (reprovao/ marginalizao), o que depende da cultura em que se esta inserido. Ex: filas nos autocarros/ casamento noiva vestir de branco/ luto morte de familiar.

    ii) No normativos - so meros comportamentos convergentes que no integram a ordem de trato social. Trata-se de usos e prticas sociais que traduzem hbitos sem carcter vinculativo porque a conduta que se afaste deles no objecto e presso ou sano social. Ex. uso de fato e gravata em provas orais/ as horas das refeies.

    ORDEM RELIGIOSA

    Estabelece o relacionamento do homem com as divindades (sentido de transcendncia). Encontra o seu fundamento na f e tem expresso tanto no comportamento de cada um perante si prprio como perante as outras pessoas.

    As normas religiosas impem deveres aos homens na sua relao com Deus: a proibio de matar, de roubar e amar o prximo (mandamentos da Lei de Deus), so deveres do crente para com Deus e no para com os outros homens sentido de transcendncia da regra religiosa h sanes divinas.

    Tal acontece mesmo quando tais normas impem condutas nas relaes entre os homens. De facto, as normas religiosas podem ter expresso e produzir efeitos nas relaes entre os homens, todavia tal ocorre de modo reflexo, enquanto resultado das relaes entre o crente e as divindades. Ao beneficiar dos mandamentos de Deus, os nossos semelhantes no so sujeitos activos de um direito religioso

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  • imposto ao crente e estabelecido a seu favor, mas apenas reflexamente beneficiam dele.

    -No se devem confundir com as normas de ordem religiosa, as normas que regulam a organizao e funcionamento das comunidades religiosas dos agrupamentos de instituies dos crentes das diferentes religies, pois estas so impostas pela hierarquia e traduzem-se em regras terrenas e com sanes terrenas.

    - Relaes entre a ordem religiosa e a ordem jurdica da sociedade civil: o direito da sociedade civil garante liberdade de culto religioso sem no entanto assumir ele prprio o contedo das normas religiosas.

    ORDEM MORAL

    Traduz uma ordem normativa que estabelece os deveres de natureza tica visando o aperfeioamento da pessoa quer perante si prpria quer no seu comportamento (externo e interno) em relao aos outros (com todos aqueles com que se relaciona). Implica um conjunto de preceitos e concepes altamente obrigatrios para a conscincia.

    Sano: peso conscincia; remorsos

    Caracteriza-se pela interioridade, absolutidade e espontaneidade do dever moral

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  • uma realidade dotada de alguma impreciso, por isso podem-se separar trs grandes sectores dentro da moral:

    I) Moral de conscincia individual: est situada no ntimo da conscincia de cada pessoa, levando-a a seguir a verdade e a praticar o bem, afastando-se do mal. A conscincia individual aparece com uma dupla funo: revela a norma de conduta (ex no matar) e simultaneamente aparece como instncia julgadora do cumprimento ou incumprimento dos seus ditames, sancionando com remorso ou sentimento de culpa a respectiva violao. 3

    II) Moral social ou positiva: comporta o conjunto de preceitos de carcter tico existente numa determinada sociedade, vigente num momento histrico entre os seus membros. Temos trs tipos de moral social:a) Moral social prpria de cada pais ou de um grupo de

    pases culturalmente definido que gozam de um idntico grau de civilizao

    b) Diferentes tipos de moral social no mbito interno de cada pas: moral social urbana e rural.

    c) Regras morais dotadas de uma tendencial universalidade que correspondem a uma conscincia moral comum. Ex. proibio de matar/ roubar

    III) Morais particulares: conjunto de normas morais que pautam a actividade de certos grupos fechados de pessoas definidas em funo da profisso que exercem. Ex:a) tica mdica ou biotica: princpios ticos que devem

    pautar a investigao cientifica e tecnolgica sobre a vida humana (clonagem/ aborto/ eutansia)

    3 No obstante o seu carcter individual tais preceitos morais assumem relevncia social, pois carecem de sentido para a conduta de um indivduo que vivesse isolado.

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  • b) Deontologia jurdica ou jornalstica: conjunto de deveres de natureza moral a que se encontram adstritos os juristas ou jornalistas no relacionamento com os colegas e na sua actividade (respeito direitos liberdades e garantias das pessoas)

    ORDEM JURDICA

    A ordem jurdica:

    Ordena os aspectos mais importantes da convivncia social

    Exprime-se atravs de regras jurdicas

    Visa a prossecuo de valores da Justia e da Segurana.

    As regras jurdicas exprimem a ordem jurdica e tm a seguinte estrutura:

    Previso ou factispecie: prev um acontecimento ou estado de coisas, ex. danificao de coisa alheia

    Estatuio ou efeito jurdico: consequncia para o caso de a previso no se verificar ex. obrigao de indemnizar

    Subjacente ordem jurdica esta a ideia de um direito relativamente estvel num certo tempo constitudo por um conjunto de normas correlacionadas e harmnicas entre si a que se denomina Direito Positivo, e ao qual se apontam algumas caractersticas que adiante veremos.

    Relaes direito e moral

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  • Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascenso

    RELAES DIREITO E MORAL

    1 Separao Direito e Moral

    2 Relaes de interdependncia entre Direito e Moral

    1 Separao Direito e Moral (4 critrios)

    I) Critrio teleolgico:

    Moral interessa-se pela relao plena do homem fim pessoal

    Direito visa a realizao da Justia para assegurar a paz social necessria

    convivncia em liberdade

    II) Critrio do objecto:

    Moral: incide sobre a interioridade (motivao dos actos/ intenes do foro intimo); ocupa-se com o que se processa no plano do pensamento e da conscincia, que so as aces humanas internas.

    Direito: atende ao que externamente se manifesta; aco humana depois de exteriorizada

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  • Critica: este critrio desvaloriza a importncia que o direito atribui ao elemento inteno das aces humanas. Porque disciplina aces livres, o Direito no dispensa a apreciao de factores internos como culpa ou dolo, isto no dispensa os motivos da actuao. Por outro lado, este critrio tambm no atende ao relevo que a moral confere ao lado externo: a moral exige a actuao correctamente manifestada.

    III) Critrio da Imperatividade:

    Moral Unilateralidade como visa a perfeio pessoal limita-se a impor deveres, isto perante um sujeito moralmente obrigado, no existe uma outra pessoa a exigir o cumprimento dos seus deveres.

    Direito Bilateralidade como visa regular as relaes sociais segundo a Justia, impe deveres e reconhece direitos correlativos, isto quem se encontra juridicamente obrigado face a ele existe outra pessoa que lhe pode exigir o cumprimento desses deveres.

    Critica: nem sempre assim, pois existem normas que no so susceptveis de sano (direitos que carecem de coercibilidade) ex: obrigaes naturais, o seu cumprimento no judicialmente exigvel. 4

    IV) Critrio do motivo da aco

    Moral autnoma: os preceitos morais tm a sua fonte na conscincia de quem os deve cumprir (da pessoa que fixa a

    4 Vide infra a matria da classificao de normas quanto sano e tambm a matria da coercibilidade.

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  • norma moral), que constitui tambm a instancia que decide sobre o seu cumprimento ou incumprimento (sano) O AUTOR DA NORMA MORAL A PESSOA QUE LHE DEVE OBEDECER

    Direito heternomo: A NORMA FRUTO DA VONTADE DE UM SUJEITO DIFERENTE. Existe sujeio a um querer alheio.

    Referidos os principais critrios, conclui-se que nenhum fixa de modo certo e acabado os limites que sejam do Direito e da Moral. E no raro, concordam os valores morais e os jurdicos.

    2 Relaes de interdependncia entre Direito e Moral

    Influncia da Moral sobre o Direito: existem normas jurdicas que tm na moral o seu fundamento. Exemplos: art. 282 do CC que fixa a proibio de negcios usurrios; art. 13 da CRP consagra o princpio da igualdade).

    Neste sentido, coloca-se a questo de saber se ser legitimo legalizar solues morais? Sim, desde que as normas morais assumam relevncia social e no natureza intra-subjectiva

    Recepo do Moral pelo Direito: casos em que as prprias normas jurdicas remetem expressamente para a moral, isto as normas morais passam a valer como Direito.

    Ex:

    O art. 16 da Declarao Universal dos Direitos do Homem que a CRP acolhe, remete para as justas exigncias da moral.

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  • Tambm no Direito Civil art. 280 CC negcios jurdicos cujo objecto ou fim seja ofensivo aos bons costumes, apelando moral social dominante.

    Caracterizao da Ordem Jurdica: necessidade/ imperatividade/ coercibilidade/ exterioridade/ estatalidade

    Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascenso/ Paulo Otero

    Como j afirmamos, subjacente ordem jurdica est a ideia de um direito relativamente estvel num certo tempo constitudo por um conjunto de normas correlacionadas e harmnicas entre si a que se denomina Direito Positivo5, e ao qual se apontam algumas caractersticas.

    Vamos abordar cinco caractersticas do Direito ou da ordem jurdica:

    1. Necessidade

    2. Imperatividade

    3. Coercibilidade

    4. Exterioridade

    5. Estatalidade ou Estadualidade

    Necessidade

    Enquanto caracterstica do Direito, pode ser encarada de duas perspectivas:

    5 Direito visto na perspectiva da Ordem Jurdica considerado como um sistema de normas.

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  • 1. Necessidade como imprescindibilidade social do Direito

    Parte-se da ideia da natureza social do homem. A institucionalizao da sociedade surge como exigncia natural da satisfao de necessidades individuais ou colectivas do Homem. A existncia das relaes que se estabelecem entre os membros da sociedade enquanto expresso da convivncia social, determinam sempre a existncia de regras que regulem ou disciplinem a maioria das relaes sociais o direito surge como algo natural ao prprio estado social do Homem logo o direito imprescindvel para efeitos da sobrevivncia da sociedade ( uma realidade social inerente condio humana).

    Esta ideia da necessidade da ordem jurdica para efeitos da sobrevivncia ou subsistncia da sociedade e do prprio Homem, diverge das restantes ordens normativas:

    Ordem de Trato Social: a sociedade pode viver perfeitamente sem as regras de trato social, no obstante ser possvel a reduo da qualidade de vida.

    Ordem Religiosa: mesmo que se acredite que a religio essencial condio humana, tal uma imprescindibilidade individual (sobrevivncia espiritual dos homens em termos individuais) e no social (sociedade consegue viver sem religio).

    Ordem Moral: aqui tambm existe uma imprescindibilidade individual e no social. Para alm da preocupao do direito em transformar certas regras morais em regras jurdicas, precisamente pela sua imprescindibilidade social Mnimo tico -

    2. Necessidade como fundamento do Direito

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  • A interveno sobre inmeros sectores da vida social s se justifica se existir uma razo de necessidade ou utilidade que fundamente o Direito.

    Esta razo de necessidade fundamenta o limite da fronteira da legitimidade e no legitimidade da forma de exerccio do poder. Ex:

    Interveno jurdico-penal a incriminao de condutas s deve ocorrer se o comportamento em causa ofender os valores ou bens essenciais da sociedade (quem estaciona no passeio no vai preso).

    Interveno fiscal fixao de impostos no deve ser arbitrria, deve haver uma fundamentao suficiente.

    Imperatividade

    A imperatividade atende ideia de fora obrigatria dos actos jurdicos.

    As normas jurdicas so imperativas porque a sua essncia a do dever ser: devemos obedecer-lhes sem a possibilidade de escolhermos livremente entre o seu cumprimento e no cumprimento.

    Por isso, dir-se- que o Direito orienta as nossas condutas independentemente da nossa vontade porque s assim se cumprir a sua funo ordenadora indispensvel subsistncia da sociedade.

    A imperatividade reforada pela sano, que a consequncia normativamente desfavorvel prevista para o caso da violao de uma regra e pela qual se refora a imperatividade dela. Em toda a ordem normativa h sanes, mas nem toda a regra jurdica assistida de sano.

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  • - Discute-se se todo o direito imperativo, no sentido de que todos os seus actos tm natureza obrigatria. A imperatividade no rene consenso como caracterstica do direito:

    1) Tese imperativista: imperatividade uma caracterstica do Direito, onde h imperatividade h Direito, se no h imperatividade no h Direito.

    2) Tese anti-imperativista: nem todas as proposies tm natureza imperativa

    3) Concepes mistas: sntese das teses anteriores, uma parte dos actos jurdicos tm natureza imperativa, outros actos, embora no sejam dotados de imperatividade, devem ser reconhecidos como jurdicos.

    Exemplos de actos que no seriam imperativos, seriam os actos que se limitam a consagrar na lei definies de certos conceitos jurdicos ou mesmo as normas de organizao. Todavia mesmo em relao a estas possvel perspectivar alguma imperatividade:

    Normas conceituais: so regras autnomas que s ganham sentido quando conjugadas com outros preceitos jurdicos que por elas so esclarecidos. Os destinatrios das normas conceituais so os aplicadores do Direito. Os tribunais e a Administrao devem obedincia lei (no podem sob pena de ilegalidade da deciso, recusar aplicar um conceito legal designadamente atravs da articulao interpretativa entre a definio em causa e outras normas que ganham significado luz desse conceito), e como tal tais normas gozam de imperatividade para estes rgos. Ex: 202 CC definio de coisa todos os negcios jurdicos que tenham por objecto coisas devem atender a esta definio.

    Normas organizatrias: ex. art 201 CRM, so sempre imperativas para os rgos em causa, sob pena de o seu desrespeito ser sancionado com a invalidade.

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  • Como devemos ento entender a imperatividade?

    - O facto de se dizer que toda a ordem jurdica imperativa, no significa que todos os actos traduzam imperativos, isto , que toda a regra jurdica seja um imperativo indicando uma forma como o homem deve agir. H regras que participando da imperatividade da prpria ordem jurdica, no representam imperativos tomados em si. 6

    A imperatividade como caracterstica do Direito somente a imperatividade da ordem normativa no seu conjunto, pois os actos jurdicos devem encerrar (directa ou indirectamente pelo seu contedo e funo normativas), uma determinada obrigatoriedade susceptvel de se projectar sobre um ou vrios sujeitos.

    Exterioridade

    Consiste no facto de as normas jurdicas disciplinarem comportamentos que se manifestam exteriormente, o que significa que as meras intenes sem manifestao externa no provocam Direito, embora se d relevncia conscincia para determinar os motivos que explicam as condutas sociais.

    Ex: eu quero roubar este livro O direito no d qualquer relevncia se no houver comportamento.

    Estatalidade (Pretensa caracterstica)

    Monismo Jurdico: o direito criado e aplicado pelos rgos estaduais.

    Esta teoria representado por Kelsen na sua obra a Teoria Pura do Direito, onde considera que o Estado o Direito (isto o direito 6 Como veremos a propsito da matria da norma jurdica, h normas de conduta e outras normas que no visam directamente regular a conduta do homem.

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  • positivo) e que o Direito o Estado, enquanto conjunto de normas dotadas de coercibilidade e emanadas das estruturas decisrias do poder. Reduz a aplicao da norma jurdica ao Estado.

    Pluralismo Jurdico: nem todo o direito criado e aplicado pelos organismos estaduais.

    O Estado no tem o monoplio da criao do direito nem a exclusividade da sua aplicao. H normas jurdicas provenientes por exemplo do Direito Internacional (Declarao Universal dos direitos do Homem) e do Direito Consuetudinrio. Embora no se duvide que em regra as normas dimanam dos rgos estaduais que exercem uma funo legislativa, a sua aplicao feita principalmente pelo poder executivo e as situaes de litgios dirimidas pelos tribunais.

    Coercibilidade

    Traduz a possibilidade de um aparelho organizado usar a fora sempre que uma regra jurdica seja violada por aco ou omisso, isto para obter do infractor o constrangimento para o respectivo cumprimento, ou ento para sancionar o mesmo incumprimento.

    Coercibilidade diferente de coaco porque coercibilidade traduz a mera possibilidade de utilizao do uso da fora (representa uma coaco virtual ou em potncia).

    Coaco o efectivo uso da fora / acto ou facto de se exercer a fora.

    Exemplos de possveis expresses de utilizao da fora em Direito (manifestaes de coaco directa ou indirecta):

    1- Sanes patrimoniais ou pessoais

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  • 2- Execuo forada sobre patrimnio ou pessoa de certa prestao

    3- Deteno pessoal4- Entrada em domiclio privado5- Expulso de certo local6- Uso de armas de fogo7- Uso material de fora fsica atravs de uma interveno

    (militares/ foras policiais) usando meios violentos sobre as pessoas

    Quem pode exercer a fora?

    O princpio geral o de que s o Estado o pode exercer coaco. Todavia existem casos excepcionais em que se permite o uso da fora por particulares: meios de tutela privada como a legitima defesa ou o direito de resistncia, casos em que se permite repelir pela fora qualquer agresso verificados certos pressupostos.

    Discute-se se a coercibilidade constitui uma verdadeira caracterstica do Direito?

    1- Tese Tradicional: O Direito um conjunto de normas garantidas pela fora ou pelo menos passveis de serem garantidas pelo uso da fora. (1 normas; 2 fora). Esta tese identifica o Direito com o poder do Estado, o Direito resume-se fora. O uso da fora comporta duas formas de exerccio: a) poder de constranger atravs da fora quem no faz o que deveria ser feito; b) poder de impedir atravs da fora quem faz o que no deveria fazer. A coercibilidade caracterstica do Direito.

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  • 2- Tese do Direito como regulador da fora: entende que o Direito um conjunto de normas que regula o exerccio da fora (1 fora; 2 normas). Toma a fora como elemento do contedo das normas jurdicas (o que as distingue das restantes normas sociais) e no como algo externo situado ao nvel da garantia do cumprimento ou de sancionamento do incumprimento da norma. A coaco no simples instrumento de realizao do direito, mas a prpria matria regulada pelo Direito, as normas jurdicas disciplinam o quando, o como, o quem do exerccio do poder de coaco (pessoas/ condies procedimentos pressuposto/medida da fora).

    3- Tese configuradora da fora como elemento no essencial do Direito: nega coaco e coercibilidade o estatuto de elemento caracterizador do Direito. A coaco no elemento essencial do Direito por trs razoes:

    a) Coaco no necessria a todo o Direito porque o cumprimento das normas jurdicas por regra feita espontaneamente e sem qualquer necessidade de interveno da fora. A maioria dos destinatrios acata as normas jurdicas por motivos que nada tm a ver com medo da sano ou exerccio da fora pelo Estado.

    b) A coaco no existe em todo o Direito: h normas em relao s quais no existe qualquer possibilidade de exerccio da fora para obter o seu cumprimento ou para sancionar o seu incumprimento

    c) Coaco no possvel em todo o Direito: questo de saber quem coage o coactor (a norma que permite o uso da coaco tambm teria que gozar de proteco coactiva e assim sucessivamente para assumir natureza jurdica)

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  • Posio a adoptar:

    A considerao da coercibilidade como sendo caracterstica do direito, determina a necessidade de todas as normas para serem jurdicas gozarem da possibilidade de serem impostas pela fora.

    Verifica-se que a coaco no necessria, no existe e no possvel em relao a um nmero considervel de normas, que so tidas como tendo natureza jurdica.

    Coaco no existe:

    Nem todo o direito pressupe coaco, por exemplo: art. 11 da CRP os smbolos da Republica de Portugal so a bandeira e o hinos nacional; tambm no existe mecanismo coactivo que obrigue o PR a respeitar o art. 136 da CRP onde se estabelece um prazo 20 dias para promulgar as leis.

    Coaco no possvel:

    H regras cuja sano no pode ser coactivamente imposta, por exemplo se Estado condenado a pagar uma indemnizao, no possvel usar a fora para executar a sentena jurdica porque quem detm a fora justamente quem est obrigado a pagar.

    Coaco no necessria:

    A verdade que a motivao psicolgica ou acatamento da maioria das normas jurdicas no passara pelo receio das sanes decorrentes do seu incumprimento, mas antes se devera procurar no entendimento enraizado por um processo de insero social da necessidade do respeito de tais normas para a sobrevivncia ou melhor vivencia de todos em sociedade.

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  • Os fins do Direito: a Justia, segurana jurdica e promoo do bem-estar econmico, social e cultural

    Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascenso/ Paulo Otero/ MRS

    O direito regula as relaes da vida social, conjugando interesses conflituantes. Essa conjugao pode revestir duas formas:

    1- Compatibilizao dos vrios interesses em questo

    2- Sacrifcio do interesse que deve ceder em relao aos outros mais importantes

    O peso que se d aos fins do Estado, variam de comunidade para comunidade (mais ou menos democrtica), todavia existem fins do Estado universais que so constantes em toda a parte.

    Justia

    No existe um conceito unitrio de justia. Justia um conceito complexo que encerra uma diversidade de perspectivas de enquadramento.

    Segundo postulados da igreja catlica, fala-se da vontade de Deus no corao dos homens, fala-se tambm de dar a cada um o que seu.

    Vamos por isso analisar algumas perspectivas ou modalidades de justia enquanto fim do Direito:

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  • 1- Justia comutativa: visa corrigir as desigualdades que possam existir nas relaes entre pessoas privadas e assegurar a equivalncia de prestaes ou a equivalncia entre dano e indemnizao. Tem por base uma ideia de paridade de posies entre as pessoas nas relaes de coordenao (direito privado). Assenta no princpio da igualdade e reciprocidade.

    2- Justia distributiva: visa assegurar que os bens econmicos sociais e culturais (vantagens que se devem receber da sociedade) no sejam distribudos pelos cidados e classes de modo assimtrico ou desproporcionado, de modo a no violentar a natureza idntica do ser humano. Atende finalidade de distribuio e situao dos sujeitos (mritos e necessidades), conduz a desigualdade de resultados. a justia prpria das relaes de subordinao e pertence ao direito pblico.

    A justia implica algumas ideias ou corolrios que ajudam na sua definio:

    Principio da igualdade significa que:

    a) Se deve tratar igual o que igual na sua essncia: verificando-se uma paridade de circunstncias ou situaes, o comportamento de todos os membros da sociedade deve ser julgado segundo as mesmas regras, aplicando-se os mesmos critrios. Ex: os seres humanos no podem ser discriminados por razoes de sexo, idade, raa, religio, estado, situao econmica, ideologia ou actividade poltica (vide art. 13 da CRP).

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  • b) Se deve tratar de modo desigual o que substancialmente diferente: verificando-se desigualdade de circunstncias a justia subjacente ao princpio da igualdade exige agora que o tratamento jurdico a dar aos diferentes casos, implique tambm desigualdade, pois nada h mais injusto, do que tratar como igual o que desigual. Visa-se uma igualdade real em termos sociais (bem estar e qualidade de vida art. 9 alinea d da CRP) centrada na melhoria das condies das pessoas mais desfavorecidas. A promoo da justia social passa por uma correco das desigualdades na distribuio da riqueza e rendimento, especialmente atravs do sistema fiscal. Ex: criao de leis de investimento para as zonas mais pobres.

    Princpio da proporcionalidade: entre as solues fornecidas pelo direito e as situaes a que aquelas se destinam. Assenta em trs ideias:

    a) Proibio do excesso ou a necessidade: a justia passa por o direito no poder impor sacrifcios ou leses para alm do estritamente necessrio e tambm pela imprescindibilidade do meio a adoptar em concreto. Ex: a interveno da lei penal incriminadora da conduta deve efectuar-se nos casos em que se coloquem em causa directa ou indirectamente bens ou valores essenciais da sociedade que sejam objecto de um juzo de reprovao tico-social fala-se num princpio de interveno mnima do direito penal; tambm segundo o art 337 CC o exerccio da legtima defesa deve obedecer a um princpio de proibio de excesso, sob pena de ser ilcito (se algum levanta a mo para bater, no pegar numa arma e matar).

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  • b) Adequao das solues s situaes reais: impondo ao decisor a aptido do meio a usar, tendo em vista alcanar com ele o resultado pretendido. Ex: art. 562 e 566 CC, a restituio in natura prefervel indemnizao em dinheiro; tambm a obrigatoriedade de vacinas a animais atingidos por certa doena s ser uma medida adequada se, se souber que isso suficiente para a preveno da propagao da epidemia a animais.

    c) Ideia de equilbrio: entre as prestaes envolvidas, impondo que os interesses de uma parte no se realizem custa do interesse da outra. Excluso de solues que conduzem a desequilbrios de equivalncia das prestaes em termos contratuais ou posies jurdicas em confronto. Ex: o art. 437 do CC dispe que no caso de alterao anormal das circunstncias em que uma das partes fundou a sua deciso de contratar, pode ocorrer a resoluo ou modificao do respectivo contrato; o art. 428 do CC dispe que num contrato bilateral se, se verificar o incumprimento de uma das partes, pode a outra invocar a seu favor a figura da excepo de no cumprimento.

    Principio da imparcialidade: impede que os titulares dos rgos do poder politico/ Estado se beneficiem a eles prprios, parentes, scios, colegas quando definem as regras de Direito, fixando se impedimentos e incompatibilidades dos titulares dos rgos da Administrao, de titulares de cargos polticos, juzes (escusas e suspeies). Ex: art. 266 n2 da CRP

    Segurana

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  • Tem subjacente uma ideia de certeza para evitar o caos (desordem/ justia pelas prprias mos) e garantir a paz e a tranquilidade.

    O conceito de segurana tem sido um conceito confuso, podemos entend-lo de trs modos:

    1- Como traduzindo o estado de ordem e paz que a ordem jurdica tutela, prevendo e reprimindo os actos de agresso contra pessoas e bens. a segurana atravs do direito que garante a nossa existncia pessoal e social contra ataques e perturbaes.

    2- Como traduzindo uma certeza do direito: o que permite prever os efeitos jurdicos dos nossos actos e em consequncia planear a vida em bases firmes e estveis. Comporta a previsibilidade de condutas.

    3- Como traduzindo a proteco dos particulares em relao ao Estado (poder). Ideia de que num Estado de Direito os rgos devem respeitar os direitos que integram a esfera dos indivduos. Esta segurana tutelada pelo princpio da legalidade que limita a aco do Estado e tambm pela independncia dos tribunais que decidem os recursos contra os actos da Administrao.

    Relaes entre a Justia e a Segurana

    O Direito nem sempre traduz situaes ideais, muitas vezes exprime solues possveis, surgem, por isso, conflitos de valores ao nvel da norma jurdica: sacrificar a Justia, ou sacrificar a Segurana em nome da Justia?

    O sacrifcio deve ser parcial, no se deve afastar totalmente cada um deles, a ideia conjugar ambos. Deve-se obedecer a uma

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  • racionalidade na criao do Direito, procurando regras que conciliem de modo racional os dois objectivos e alcanando solues que com maior ou menor cedncia de um deles se integrem numa lgica global de sistema.

    Devemos entender que existe uma complementaridade entre estes valores:

    - Pois a Justia exige sempre segurana, no se podendo imaginar uma sociedade justa sem um mnimo de segurana j instaurada. A justia assenta sempre no pressuposto da segurana, dai que potenciais conflitos entre a segurana e a justia acabam por se reconduzir a conflitos da justia consigo mesma, isto , conflitos de diferentes perspectivas da tutela jurdica.

    - Por outro lado, tambm a segurana jurdica s se mantm se as normas no negarem em absoluto a justia, uma vez que a ordem que garante a paz dada pelas normas que tutelam a segurana, quando estas sejam injustas, s a mantm e por isso, tal ordem corre continuamente o risco de ser derrubada pela fora (insurreio/ rebelio). A manifestao vazia do poder sendo apenas resultado da fora tem um xito precrio. A segurana no pode resultar da estabilizao de um poder arbitrrio alheio ou negador de qualquer inteno tica ou imposto apenas pelo terror.

    No h uma contradio entre segurana e justia, mas uma complementaridade, a justia pressupe sempre segurana e a segurana est ao servio da justia.

    Casos hipotticos de prevalncia da segurana sobre a justia:

    Caso julgado: existe quando um mesmo conflito no pode voltar a ser apreciado judicialmente. Todavia, sendo a sentena uma obra

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  • humana e porque errar humano no se afasta a impossibilidade de uma injustia. Ex: condenado por um crime que no cometeu

    Usucapio: posse do direito de propriedade durante certo tempo permite que o possuidor adquira a titularidade do direito. Permite a perda do direito por parte do legtimo proprietrio a favor do possuidor que se comporta como proprietrio. Sacrifcio da justia decorrente do ttulo legitimador. Lei valoriza a segurana, estabilidade decorrente da aparncia da situao factual subjacente posse.

    Prescrio: em matria penal a lei prev que o procedimento criminal se extingue decorridos certos prazos depois da prtica do crime, extinguindo-se a responsabilidade criminal. A lei permite que quem cometeu um crime fique impune, no podendo mais ser julgado por esse facto prevalncia da segurana sobre a justia, pois a pessoa no pode ficar eternamente espera para ser julgado.

    Promoo do Bem-estar Econmico-social e Cultural

    Hoje em dia, o Estado intervm tambm na vida econmica, nas relaes sociais e actividade cultural, isto porque conclui que os mecanismos de mercado no asseguram a reduo das desigualdades existentes na colectividade: assimetrias pessoais, funcionais e regionais.

    O Estado visa garantir um patamar mnimo de bem-estar por isso, fixa nveis salariais mnimos, penses sociais, tendencial gratuitidade de grau de ensino (escolaridade obrigatria).

    Este fim indissocivel da:

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  • 1- Justia distributiva2- Segurana: a tranquilidade pblica e a estabilidade do Direito

    so mais facilmente concretizveis numa comunidade onde o bem-estar esteja genericamente partilhado pelos cidados.

    Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito; realizao do Direito como funo do Estado7

    A forma de organizao da sociedade pressupe um Estado.

    Noo de Estado: colectividade, ou seja um povo fixo num determinado territrio que nele institui por autoridade prpria um poder politico, relativamente autnomo.

    Na definio de Estado observamos trs elementos essenciais que a teoria tradicional pe em destaque:

    1- Povo: o conjunto de cidados ou nacionais de cada Estado, isto , ligados a um certo Estado por um vnculo de nacionalidade que lhes reconhece o gozo de direitos polticos. Trata-se de um conceito jurdico-poltico que no se confunde com o conceito de:

    Populao: conceito de natureza demogrfica conjunto de pessoas fsicas residentes no territrio de um Estado, num determinado momento histrico, sejam elas, nacionais, estrangeiras ou aptridas.

    7 Bibliografia: Marcelo Rebelo de Sousa/Santos Justo/ Oliveira Ascenso

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  • Nao: tem uma natureza cultural (cristalizao de valores intelectuais e morais que um povo encarna e aspira realizar a cultura manifesta-se na literatura, arte, religio, musica, moral direito). A nao tem subjacente uma comunidade que assenta numa convivncia mais ou menos longa de homens ligados pela mesma etnia, lngua e tradies sedimentadas naquela convivncia.

    2- Territrio: o espao onde o povo se rege segundo as suas leis executadas por autoridade prpria e com excluso da interveno de outros povos.8 Integra o solo e subsolo (territrio terrestre); espao areo; mar territorial (no caso de o Estado ter costa martima mar territorial). O territrio de um Estado limitado por fronteiras e define o mbito de competncias no espao dos seus rgos supremos.

    3- Poder poltico: faculdade exercida por um povo de, por autoridade prpria, instituir rgos9 que exeram com relativa autonomia a jurisdio sobre um territrio, nele criando e executando normas jurdicas e usando os necessrios meios de coaco.

    Funes do Estado

    8 O territrio proporciona uma ideia de estabilidade, por isso, um povo nmada no tem Estado.9 Os rgos so os centros institucionalizado de poderes e deveres que participam no processo de formao e manifestao de vontade imputvel ao Estado.

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  • Para assegurar os objectivos que constitucionalmente lhe esto atribudos, o Estado tem de realizar permanentemente varias actividades a que se chamam funes. 10

    As funes do Estado no se encontram todas no mesmo plano, tal determinado pela CRP. O poder constituinte gera a CRP que condiciona o poder de reviso constitucional e as demais funes do Estado.

    1 Patamar: - funes primrias/principais ou independentes: as que os rgos do poder politico do Estado podem realizar de uma forma essencialmente livre ou minimamente vinculada: funo poltica e legislativa

    2 Patamar funes secundrias/ subordinadas ou dependentes: funo jurisdicional e administrativa.

    Funo poltica: cabe ao Governo (art. 182 da CRP) e traduz-se na definio e prossecuo pelos rgos do poder poltico dos interesses essenciais da colectividade, realizando a cada momento as opes consideradas mais adequadas para o efeito. Visa criar as condies necessrias para a real fruio de direitos econmicos e sociais, ex: polticas ao nvel do funcionamento dos sistemas de sade, educao e segurana social; acesso a cargos e funes pblicas; actos polticos negociais (acordos de concertao social, de recuperao de empresas, contratos de investimento).

    Funo legislativa: traduz-se na prtica de actos legislativos pelos rgos constitucionalmente competentes na forma prevista na CRP e que revestem a forma externa de lei. 10 Cabe aos rgos realizar os objectivos do Estado, sendo as funes as actividades desenvolvidas pelos rgos para alcanar os objectivos que lhe esto constitucional mente cometidos.

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  • A funo poltica e legislativa, obedecem CRP (incluindo leis de reviso constitucional) e condicionam as funes jurisdicionais e administrativa, estas devem ser conformes CRP aos actos polticos e s leis.

    As funes secundrias decorrem das primrias.

    Funo jurisdicional: consiste no julgamento de litgios resultantes de conflitos de interesses privados, ou de conflitos entre interesses pblicos e privados, bem como na punio da violao da CRP e das leis. desempenhada por rgos independentes, colocados numa posio de passividade e imparcialidade e cujos titulares so inamovveis e no podem ser responsabilizados pelo julgamento das suas decises.

    Funo administrativa: consiste na satisfao das necessidades colectivas que por virtude da prvia opo poltica ou legislativa se entende que incumbe ao estado prosseguir. uma tarefa cometida a rgos independentes dotados de iniciativa e parcialidade na realizao do interesse pblico e com titulares amovveis e responsveis pelos seus actos.

    As relaes entre Estado e Direito

    Ao longo da histria verifica-se uma luta contra a arbitrariedade e jurisdio da actividade do Estado. A ideia de justia sempre esteve presente pois tal seria uma forma de assegurar a paz:

    Estado liberal visa: destruir privilgios do clero; igualdade dos cidados perante a lei; tutelar direitos civis e polticos

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  • Estado social de Direito: preocupa-se com a justia distributiva e o bem-estar econmico e social e cultural dos cidados.

    Existem vrias doutrinas acerca da relao entre o Direito e o Estado:

    1- Doutrina normativista: Kelsen identifica o Estado com o Direito e como tal o Estado agiria sempre de acordo com o Direito, pelo que no faz sentido o problema de limitao do Estado pelo Direito. O Direito anterior e superior ao Estado

    2- Doutrina marxista: tambm aqui se entende que o Direito se confunde com o Estado, que no passa dum instrumento nas mos da classe dominante para sujeio das outras classes.

    Crtica a estas doutrinas: o Direito no se confunde com o Estado, mas cabe ao Direito limitar e legitimar o Estado.

    O Direito visa realizar a Justia. Ao Estado incumbe instituir e garantir a ordem jurdica que lhe deve obedincia. Logo o Estado s pode ser de Direito.

    Estado de Direito

    O Estado de Direito tem na jurisdicidade a sua essncia, o Direito fundamenta-o e define as suas competncias.

    Ao longo da histria surgiram trs etapas contra a arbitrariedade:

    1. Luta contra o arbtrio judicial na idade mdia (abusos dos juzes que tratavam com brandura os ricos e severa os pobres).

    2. Instaurao de uma justia administrativa de controlo dos actos da administrao

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  • 3. Institucionalizao dum controlo jurisdicional das leis: o legislador deve respeitar um direito superior que a constituio consagra

    Percorridas estas fases, ergue-se um Estado material de Direito, que realiza a concepo personalista da justia e se caracteriza por quatro notas:

    1. O ordenamento jurdico todo estruturado e tem na lei a sua fonte mais importante

    2. So afirmados e protegidos os direitos humanos: direitos subjectivos pblicos essncias ao Estado de Direito

    3. A aco administrativa susceptvel de recurso gracioso e contencioso que tutela os direitos dos administrados

    4. A legislao jurisdicionalmente controlada: garante-se a obedincia CRP e aos direitos subjectivos pblicos.

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  • Faculdade de Direito de Lisboa

    SLL - INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1 POCA/ 2010

    SUB-TURMAS 5 e 6

    Ramos de Direito

    Abreviaturas:

    MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascenso); NSG (Nuno S Gomes)

    CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); F A (Freitas do Amaral); G T (Galvo Telles)

    Aspectos a abordar:

    1. Conceito

    2. Critrio de distino entre Direito Pblico e Privado

    3. Classificaes

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 41

  • Conceito11

    O Direito estadual costuma ser concebido como uma rvore, com o seu tronco e com os diversos ramos. A rvore representa o conjunto da ordem jurdica, o tronco constitudo pelos valores jurdicos superiores e princpios gerais comuns a todos os ramos de Direito e os ramos so as vrias partes ou divises de direito, diferenciadas em funo da matria que as normas jurdicas regulam (por exemplo direito constitucional, direito penal, direitos reais, etc).

    Cada ramo de Direito tem o seu objecto especfico, isto uma determinada matria a que se dedica, que pode ser: os assuntos constitucionais, os crimes e as penas, ou a vida privada das pessoas. Por isso acaba por ter uma feio particular e um esprito prprio, o que justifica a sua autonomizao.

    Tradicionalmente faz-se a distino entre Direito Internacional e direito interno, todavia para efeitos de estudo dos ramos do direito vamos cingir-nos ao direito interno, ou Direito Estadual. Assim, em primeirssimo lugar surge a distino clssica que se estabelece entre Direito Pblico e Direito Privado. A separao entre estes dois ramos de Direito muito antiga vindo j do perodo romano e o critrio distintivo est longe de ser unnime.

    Critrio de distino entre Direito Pblico e Privado12

    So avanados pela doutrina trs critrios distintivos:

    1. Critrio do interesse

    2. Critrio da qualidade dos sujeitos

    3. Critrio da posio dos sujeitos

    11 Vide FA p. 215. 12 Vide MRS, FA, NSG

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 42

  • Critrio do interesse

    De acordo com este critrio as normas de direito pblico visam proteger os interesses pblicos do Estado e as normas de direito privado visam proteger os interesses dos privados. Assim a norma administrativa sobre as Cmaras Municipais ou a norma fiscal sobre o imposto automvel serve os interesses pblicos. Por outro lado a norma civil sobre o contrato de compra e venda entre particulares ou a norma laboral sobre o direito dos trabalhadores a frias, so normas que servem os interesses privados de indivduos.

    Crtica: apesar de este critrio ser correcto na maior parte dos casos, a verdade que h casos em que no o :

    H normas de direito pblico que protegem a realizao de interesses dos particulares, por exemplo: as normas de processo civil visam regular os processos que decorrem nos tribunais judiciais para efectivao de direitos civis ou comerciais pertencentes a particulares.

    Na normas de direito privado que visam proteger na esfera da vida privada dos particulares certos interesses pblicos, por exemplo as normas de direito civil destinadas a proteger os interesses dos filhos em caso de separao ou divorcio dos pais,13 ou a norma que dispe que na falta de herdeiros, os bens de qualquer pessoa falecida so atribudos a ttulo sucessrio ao Estado tais normas so entendidas pelos civilistas como normas de direito privado simultaneamente de interesse e ordem pblica.

    13 O Estado considera ser de interesse pblico assegurar especial proteco s crianas privadas de um ambiente familiar normal (art. 69 n2 da CRP). Por isso, tais normas so de interesse e ordem pblica, mas nem por isso deixam de ser normas de direito privado porque a especial proteco que concedem aos filhos menores no se traduz na atribuio a estes de poderes de autoridade sobre os pais. Vide FA p.251.

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  • No entanto os autores14 que defendem este critrio mitigam a validade das crticas dizendo que o direito pblico e privado, apenas predominantemente ou essencialmente mas no exclusivamente, tutelam respectivamente o interesse pblico e privado.15

    Critrio da qualidade dos sujeitos

    De acordo com este critrio direito publico aquele que regula as relaes em que ambos sujeitos ou pelo menos um dele so sujeitos pblicos, isto o Estado ou as outras pessoas colectivas de direito pblico como as autarquias locais ou institutos pblicos. Por outro lado, direito privado aquele em que ambos sujeitos da relao so particulares, isto indivduos ou pessoas colectivas privadas como associaes, fundaes ou sociedades.

    Critica:

    Este critrio tambm no serve porque muitas vezes o Estado e os restantes entes pblicos intervm na vida jurdica exactamente nas mesmas condies em que intervm os particulares, estando igualmente sujeito aplicao das mesmas regras. Por exemplo o Municpio de Lisboa pode ser condenado a pagar uma indemnizao por danos causados a um muncipe nos termos gerais do direito privado; o Estado tambm pode ser herdeiro de Direito; o Estado pode arrendar, vender ou comprar bens tal como se de um particular se tratasse, por exemplo adquirir veculos.

    Critrio da posio dos sujeitos

    Surge para responder as insuficincias do segundo critrio.

    14 Com esta posio MRS.15 Cfr NSG p. 230.

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  • De acordo com este critrio no a qualidade dos sujeitos da relao jurdica que serve de base distino, mas antes a posio que nela assumem que permite a separao entre direito pblico e privado. Assim o direito pblico aquele em que o Estado e as pessoas colectivas de direito pblico intervm na sua posio de supremacia enquanto titulares de jus imperii ou poderes de autoridade. Por outro lado so de Direito privado as relaes em que intervm os particulares ou mesmo o Estado e outras pessoas colectivas de direito publico, quando actuem em posio de igualdade ou paridade com os outros sujeitos.

    Assim, quando o Estado expropria um terreno, ou cobra um imposto age munido de poderes de autoridade, o que justifica a natureza pblica das situaes jurdicas em causa, mas j quando compra um automvel ou arrenda um prdio age em condies de igualdade com a outra parte, por isso a natureza das relaes envolvidas no pode deixar de ser privada.

    Critica:

    Invoca-se, por um lado, que o direito privado tambm regula certas relaes em que os sujeitos se encontram numa situao de desigualdade jurdica, como no caso da filiao e das relaes de trabalho em que os filhos e os trabalhadores se encontram subordinados aos pais e patres, e por outro lado, tambm certas relaes de direito pblico se desenvolvem em perfeita igualdade, como o caso de convenes jurdicas entre municpios para a prossecuo de interesses comuns so normas de direito pblico, mas no se pode dizer que haja nelas jus imperii.16

    MRS 17

    16 Vide NSG p. 232. 17 Vide p. 258.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 45

  • Entende que o critrio da posio dos sujeitos descreve mas no explica o essencial, isto a razo pela qual nuns casos o Estado age dotado de poderes de autoridade e noutros no. MRS entende que em certos casos tais poderes surgem porque est em causa um interesse que o determina, o que vem explicar os tais poderes ou deveres especiais. Quando o Estado ou qualquer ente pblico agem num aposio de autoridade, o que est em causa predominantemente a prossecuo de poderes pblicos. Quando pelo contrrio agem numa posio de paridade est em causa predominantemente um interesse privado. Conclui deste modo, que o interesse que traa as fronteiras entre direito pblico e privado.

    FA18

    Defende um critrio combinado do interesse e dos sujeitos:

    direito pblico: o sistema de normas que tendo em vista a prossecuo dum interesse colectivo, conferem para esse efeito a um dos sujeitos da relao jurdica poderes de autoridade sobre o outro.

    direito privado o sistema de normas que visando regular a via privada das pessoas no conferem a nenhuma delas poderes de autoridade sobre as outras, mesmo quando pretendam proteger um interesse pblico considerado relevante.

    NSG 19

    Considera que a variedade da tipologia normativa que o direito apresenta implica que os trs critrios apresentados sejam insuficientes para traar com absoluto rigor as fronteiras entre direito pblico e privado. Por isso, prope um critrio combinado que atende no s ao interesse tutelado, mas tambm qualidade dos

    18 Vide p. 250.19 Vide p. 232.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 46

  • destinatrios das normas e ainda posio dos sujeitos da relao jurdica:

    a. So normas de direito pblico as que tutelarem directamente interesses pblicos. So normas de direito privado as que tutelarem directamente interesses privados

    b. Especialmente so de direito pblico as que relacionem juridicamente apenas entes pblicos entre si, tutelando interesses pblicos, ou relacionem juridicamente os entes pblicos e os particulares atribuindo queles prerrogativas de autoridade

    c. So de direito privado as normas que tutelando directamente interesses privados relacionem os sujeitos em termos de igualdade jurdica, igualdade esta que se mantm mesmo no caso de supra-ordenao: filiao e contrato de trabalho

    SJ, BM, CM, O A, Nogueira de Brito defendem o critrio da posio dos sujeitos.

    Classificaes

    Direito pblico

    1. Direito Constitucional

    2. Direito Administrativo: Direito do Urbanismo; Direito do Ambiente

    3. Direito Financeiro, Tributrio e Fiscal

    4. Direito Processual

    5. Direito Penal

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 47

  • Direito privado

    1. Direito privado Comum ou Civil:20

    a. Direito das Obrigaes

    b. Direitos Reais

    c. Direito da Famlia

    d. Direito das Sucesses

    e. Direito da Personalidade e Direito de Autor (recentes)

    2. Direitos privados especiais

    a. Direito comercial

    b. Direito do Trabalho

    Outros ramos de Direito com naturezas mistas21

    1. Direito Internacional Privado (doutrina no unnime na sua qualificao como de direito publico ou privado)

    2. Direito de Previdncia Social

    3. Direito Bancrio

    4. Direito Agrrio

    Direito penal: 22

    20 Note-se que a parte Geral do CC (fontes e interpretao) aplica-se ao direito privado e ao direito pblico, constituindo assim um ponto de referncia obrigatrio para qualquer jurista. Da mesma forma a Teoria Geral do Direito Civil, aplica-se a todos os ramos de Direito Civil, da a sua no autonomizao.21 Existem reas do direito em que a demarcao entre direito pblico e privado muito difcil de fixar pois cada vez mais as diferenas entre eles tendem a esbater-se. De facto, o direito publico est com o passar do tempo a privatizar-se e o direito privado est-se a publicizar devido ao alargamento dos fins do Estado e do sua interveno na vida econmica social e cultural22 Vide SJ p. 243 e O A p.347

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 48

  • No unnime a considerao do direito penal como ramo de direito pblico. O A entende que os deveres penais so deveres dos indivduos e o facto de as penas serem aplicadas judicialmente, no implica que o direito penal regule a actividade do Estado. Defende que tal actividade poder apenas respeitar ao processo, mas no ao direito penal em si.

    A maior parte da doutrina23 entende, todavia, que o direito penal tem a natureza de direito pblico, pois sendo o conjunto de normas jurdicas que definem os crimes e estabelecem as correspondentes penas e medidas de segurana, visa proteger a ordem jurdica de ataques cuja particular gravidade ofende as condies essenciais da vida social, o que justifica a aplicao de sanes especialmente graves.

    Faculdade de Direito de Lisboa

    SLL - INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1 POCA/ 2010

    SUB-TURMAS 5 e 6

    CAPTULO II: Fontes de Direito

    23 Vide MRS, SJ, NSG, FA.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 49

  • Abreviaturas:

    MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascenso); NSG (Nuno S Gomes)

    CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima CC anotado);

    G T (Galvo Telles); F A (Freitas do Amaral)

    Aspectos a abordar:

    9. Consideraes gerais sobre Fontes de Direito

    10. Costume

    11. Jurisprudncia

    12. Doutrina

    13. Lei

    14. Direito internacional

    15. Princpios fundamentais de Direito

    16. Hierarquia das fontes/ normas

    Consideraes gerais sobre Fontes de Direito24

    1. Noo:

    No seu sentido jurdico formal fontes de direito so os modos de formao ou revelao de normas jurdicas. 25 Segundo NSG fontes so as formas do aparecimento e manifestao de normas.

    Fontes formadoras: so factos normativos que estabelecem direito novo, isto , criam, modificam ou extinguem normas jurdicas. Tm natureza constitutiva, so inovadoras.24 Vide FA, SJ, O A25 FA p. 352; tambm 393 para FA uma coisa a fonte ou seja o facto jurdico de onde nasce o direito, outra coisa o direito nascido dessa fonte, ou seja, uma norma ou um conjunto de normas, por isso a lei enquanto fonte de direito no pode ser definida como norma.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 50

  • Ex.: quando uma lei revoga outra lei, ou mesmo um costume inovador.

    Fontes reveladoras: so os factos normativos que desvendam o contedo de normas j em vigor, mas ignoradas pelo pblico. Tm natureza declarativa, no so inovadoras.

    As fontes reveladoras so relevantes para redescobrir as normas jurdicas, cuja fonte ou texto, no carea de publicao em boletim oficial adequado para divulgao no seio da comunidade, ou nos casos em que publicadas, tenham cado por completo esquecimento. Exemplos de fontes reveladoras podero ser a doutrina e jurisprudncia.26

    2. Classificao das fontes de direito:

    Imediatas: produzem directamente normas jurdicas, sem qualquer subordinao a outra fonte. De acordo com o CC, so a lei e as normas corporativas.

    Mediatas: so aquelas que s so reconhecidas como fontes de direito na medida em que a lei lhes confere esse valor. De acordo com o CC so assentos, os usos e a equidade.

    Voluntrias: so aquelas que explicitam uma vontade dirigida especificamente criao duma norma jurdica. Ex: lei, jurisprudncia e doutrina

    No voluntrias: so aquelas que no explicitam uma vontade dirigida especificamente criao duma norma jurdica. Ex: costume

    26 Vide FA p. 439.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 51

  • 3. Consagrao legal: art. 1 a 4 do CC

    O CC adopta a tese clssica das fontes de direito: 1 lei; 2 costume; 3 jurisprudncia; 4 doutrina

    Art. 1 CC - Lei e normas corporativas (note-se que a consagrao das normas corporativas como fonte autnoma de direito fundamenta-se em resqucios histricos, isto a criao do sistema corporativo pela CRP de 1933, nunca inteiramente concretizado pelo Estado Novo)27

    Art. 2 do CC Assentos ( este artigo foi declarado inconstitucional)

    Art. 3 do CC usos ( os usos so fonte de direito na medida em que so acolhidos pela lei)

    Art. 4 do CC equidade ( esta no fonte de direito, visto que no um facto produtor ou revelador de normas jurdicas, mas um modo de deciso de casos concretos sem apelo a critrios genricos).

    FA critica a teoria tradicional das fontes de direito e mantm o costume ao lado da lei, enquanto fontes de Direito devido sua relevncia, no s no direito internacional, mas tambm em muitos pases (PALOPS) com os quais Portugal mantm fortes relaes, onde o costume fonte de direito por excelncia.

    FA: 1 costume; 2 lei; 3 doutrina; 4 jurisprudncia

    O A tambm coloca o costume ao lado da lei.

    Costume 28

    27 Vide FA p.35828 Vide FA, O A, SJ

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 52

  • 1. Noo: pratica social reiterada com convico de obrigatoriedade

    Elementos essenciais da noo:

    - Corpus ou elemento material/ objectivo: pratica social reiterada ou constante, isto , uma prtica seguida pelo povo, parte dele ou por certas instituies com uma certa durao.

    Quanto durao a lei da Boa Razo no tempo do Marqus de Pombal impunha um perodo de 100 anos para validao do costume, F A fala de uma prtica desde tempos imemoriais, isto , que os homens vivos em certa poca no tenham memria de quando comeou a prtica habitual.

    Este elemento corresponde ao mero uso. Os usos so prticas sociais reiteradas sem convico de obrigatoriedade. No so modos autnomos de criao do Direito porque, s valem na medida em que a lei os acolher (art. 3 do CC). Por isso, ao contrrio do costume, os usos no tm juridicidade prpria. 29

    - Animus ou elemento espiritual/ subjectivo: 30 convico por parte de quem adopta um costume, de que essa prtica imposta ou permitida pelo Direito. Implica a conscincia ou reconhecimento pelos membros de um grupo social de que h uma obrigatoriedade jurdica daquela prtica, uma conscincia de que se deve agir assim

    29 Vide MRS p. 155 onde se refere o art. 885 n2 do CC como exemplo de relevncia dos usos pela lei.30Tambm apelidada de opinio juris vel necessitatis pelos Romanos convico de obrigatoriedade ou licitude juridica de certa prtica

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 53

  • e que tal no deriva apenas de cortesia ou rotina.31 Existe um sentido de cumprimento de um dever.

    A juridicidade do costume, tal como da lei, s existe se houver uma validade normativa que lhe confira fundamento jurdico, que dada pela conscincia jurdica geral.

    Para que o costume seja fonte de direito, necessrio que a norma jurdica por ele criada seja dotada de sano no caso de violao (consequncia desfavorvel). Na Idade Mdia algumas sanes por violao de costumes decorriam do prprio Rei, mas na maioria dos casos resultavam da prpria populao (morte/ priso/ torturas/ expulso da cidade). Hoje em dia, o incumprimento de costumes internacionais implica vrias sanes: politicas, diplomticas, econmicas e at militares.

    Pretensos requisitos do costume (O A):

    1. Consagrao legal: costume no tem de ser aceite pela lei

    2. Imposio pelos rgos do poder poltico: no necessrio que o costume seja imposto pelos rgos do Estado, e que seja judicialmente aplicado (se a coercibilidade no essencial ao Direito, tambm a valia do costume no depende do seu acatamento pelos rgos do Estado). Assim, uma sentena pode decidir contra uma regra costumeira, que esta em si no prejudicada s quando em consequncia da persistncia a actuao dos rgos pblicos, forem atingidos ou o uso ou a convico de obrigatoriedade, o costume deixa de existir.

    2. Relao do costume com a lei

    31 A oferta do folar da Pascoa no implica uma regra jurdica, o mero uso no se basta ao costume (O A)

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 54

  • Embora a lei seja a fons juris predominante, ela no esta acima do costume. A juridicidade do costume radica nos mesmos valores e princpios normativos da conscincia jurdica geral da comunidade.

    Logo a relao do costume com a lei, pode ser:

    Secundum legem a norma costumeira e a norma extrada da lei tm o mesmo sentido. O costume apenas pode ter utilidade interpretativa.

    Praeter legem a norma costumeira no contraria a lei, mas vai alm dela pois tem por objecto matria que a lei no regula. O Costume pode ter utilidade na integrao de lacunas.

    Contra legem o costume e lei esto em contradio. Por isso, como uma lei pode revogar um costume, tambm este pode fazer cessar a vigncia de uma lei anterior.

    Importa separar o costume contra legem do desuso, pois este, no importa a extino da lei. Por exemplo, se as autoridades tolerarem a circulao de motociclistas sem capacete, a lei no cessou a sua vigncia. S cessar, se, se criar a convico de que lcito proceder assim, isto , se, se formar um costume contra legem. - No desuso o repdio da lei menos enrgico -

    Valia prtica do costume por comparao com a lei:

    Vantagens lei: maior certeza e adequao enquanto instrumento de transformao social/ costume: maior adaptao evoluo social

    Desvantagens lei: a sua rigidez impede-a de acompanhar a evoluo social/ costume: maior incerteza, pois de prova difcil dado que exprime uma ordem espontnea da sociedade.

    3. O costume em Portugal 32

    32 Vide MRS, NSG

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 55

  • Reconhecimento do costume na lei portuguesa:

    - Costume secundum legem: lei ignora-o.

    - Costume praeter legem: lei ignora-o porque o art. 10 do CC a respeito da integrao de lacunas, no se refere ao costume.

    - Costume contra legem: a lei no lhe reconhece qualquer valor jurdico porque no admite a possibilidade de a lei cessar a sua vigncia por fora de um costume que lhe contrrio (art. 7 do CC).

    Todavia:

    reconhecido o costume internacional nos artigos 8 n1 e 29 n2 da CRP.

    E, embora o costume no seja referido nos artigos iniciais dos CC relativos s fontes de direito, a verdade que ele est acolhido no art. 348 do CC, onde se prev a prova do direito consuetudinrio.

    Posies dos diferentes autores:

    O A:

    Pode-se invocar que a prova do costume s ser relevante enquanto admitida pela lei, todavia O A diz que se est a partir de pressupostos errados, pois considera que o valor do costume depende no do legislador, mas das concepes que adoptarmos sobre a juridicidade do costume. E este est em p de igualdade com a lei.33 O costume um modo de revelao do direito que brota directamente da sociedade e que existe independentemente da atitude dos governantes em relao a ele.

    Todavia pode suceder que o Estado condicione a medida em que os seus rgos aplicam o direito costumeiro, gerando-se perturbaes

    33 Neste sentido, vide tambm FA.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 56

  • sociais graves pelo conflito de orientaes normativas (por um lado a lei, por outro lado o costume). 34 O costume existe, mas o Estado no lhe confere efectividade.

    Esta tenso entre o Direito e o que o Estado aplica, tende a cessar pela derrota de um:

    1. Nuns casos pela falta de aplicao coactiva, o costume definhar as pessoas acatam a posio dos rgos pblicos que fazem prevalecer a lei.

    2. Noutros casos, o costume impe-se at a proibio da lei ser suprida.

    FA:

    F A entende tambm que o costume uma fonte imediata de direito em Portugal. Defende as teses pluralistas (pluralismo jurdico) segundo as quais o ordenamento jurdico tem mais que uma fonte de direito vlida. O Direito brota no s do Estado, mas tambm de outros organismos e da prpria sociedade.

    Em defesa do costume como fonte de Direito:

    a. O costume tem maior legitimidade democrtica porque brota do povo.

    b. Existem vrios casos em que o costume se afirma como fonte de direito, nomeadamente ao nvel internacional.

    c. O costume tambm a principal fonte de direito nos PALOPS

    d. Em Portugal o costume incide mais na rea do Direito Pblico

    Exemplos de costumes:

    34 O que sucedeu com os touros de morte em Barrancos.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 57

  • Internacionais: princpio do pacta sunt servanda; principio do mare liberum

    Direito constitucional: no Reino Unido a Constituio no escrita; Em Portugal Jorge Miranda entende que existem costumes contra legem nos casos de: desvalorizao dos planos; desnecessidade de deliberao para que projectos e propostas de lei sejam votados na especialidade em Comisso desrespeitando - se o art. 168 n3 da CRP; prevalncia da categoria Ministro de Estado sobre os demais Ministros em desrespeito do art. 183 da CRP; aparecimento do Presidente da Cmara Municipal como rgo autnomo do municpio contra o art. 150 da CRP.

    Direito Administrativo: existe o costume universitrio do voto de Minerva (quando o jri est empatado sobre a nota a atribuir a um aluno, deve decidir a favor do aluno como se Minerva deusa da sabedoria, ajudasse o aluno); no perodo da queima das fitas costume suspenderem se as aulas; tambm os feriados nos dias 26 de Dezembro e 2 de Janeiro.

    MRS:

    A relevncia do costume no depende da lei. O costume uma forma autnoma de criao do direito que se situa ao lado da lei, no carecendo de consagrao legal, nem de efectiva aplicao coactiva pelos rgos do Estado.

    A importncia do costume, enquanto fonte de direito inegvel, nomeadamente ao nvel do Direito Internacional.

    O desafio subjacente ao costume, reside em saber se h condies propcias para o seu florescimento, o que depende de razes histricas e sociais.

    Nogueira de Brito:

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 58

  • Exclui que o costume seja uma fonte privilegiada de Direito e sujeita-o CRP. Embora reconhea que a lei no est acima do costume enquanto fonte de Direito.

    O costume deve ser avaliado luz dos valores fundamentais da comunidade expressos na CRP.

    Jurisprudncia35

    1. Noo:

    Entende-se por jurisprudncia o conjunto de decises em que se exprime a orientao seguida pelos tribunais ao julgarem os casos concretos que lhes so submetidos.

    A jurisprudncia pode ser considerada como fonte de direito quando a mxima de deciso ou o critrio normativo que conduziu soluo do caso concreto seja considerado vinculativo perante outro caso da mesma ndole.

    2. A jurisprudncia e os sistemas de Direito

    Antes de determinar em concreto as situaes em que a jurisprudncia pode ser considerada como fonte de direito, convm analisar o modo como ela considerada nos principais sistemas de direito existentes do mundo ocidental.

    Sistema anglo - saxnico:

    A ele pertencem pases como os EUA, Canad e Gr - Bretanha.

    35 Vide O A; FA; NSG; S J; MRS; Nogueira de Brito

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 59

  • Aqui est consagrado o princpio do precedente judicial de acordo com o qual a deciso judicial de um caso concreto vincula os tribunais a decidir os casos idnticos que apaream no futuro.36

    No sistema de precedente a jurisprudncia tida como fonte de Direito porque estando o juiz vinculado a manter a orientao seguida, da orientao jurisprudencial inicial resultou uma regra para deciso de novos casos (o juiz decide numa perspectiva generalizadora a sua deciso baseia-se num critrio normativo).

    Sistema romano - germnico

    A ele pertencem pases como Portugal, Frana, Alemanha.

    Aqui est consagrado o princpio da liberdade de deciso judicial de acordo com o qual a deciso judicial de um caso concreto, no constitui precedente obrigatrio para o julgamento de casos idnticos no futuro, quer sejam, perante o mesmo tribunal quer perante tribunais inferiores ao que decidiu primeiro.

    No sistema romanstico a jurisprudncia no fonte de Direito pois a mxima de deciso dos tribunais no elevada a regra que deve observar-se noutros casos.

    3. Possveis casos de jurisprudncia como fonte de Direito

    a. Costume jurisprudencial

    b. Decises dos tribunais superiores, com fora obrigatria geral: Assentos e Acrdos do TC

    c. Jurisprudncia uniformizada

    36 O precedente vincula em termos verticais os tribunais inferiores, e em termos horizontais os tribunais superiores at ao momento em que o precedente no alterado/anulado por esse mesmo tribunal. Vide O A p. 318 e FA com posies diferentes.

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 60

  • a. Costume jurisprudencial

    Consiste na repetio de julgados que leva formao de um costume jurisprudencial. Tem dois elementos:

    Uso repetio de julgados. Implica um nmero significativo de casos (diferente da jurisprudncia constante que abrange poucos casos).

    Convico de obrigatoriedade no s para os juzes que decidem mas tambm para os interessados directos no processo (quanto a este ltimo aspecto, separa-se tambm da jurisprudncia constante).

    Da jurisprudncia, brotam ento novas regras jurdicas, mas O A considera que a fonte de Direito no propriamente a jurisprudncia, mas antes o costume

    b. Decises dos tribunais superiores, com fora obrigatria geral: Assentos e Acrdos do TC

    Assentos

    Estavam previstos no art. 2 do CC e eram decises do STJ (Supremo Tribunal de Justia) reunido em pleno, que fixavam doutrina com fora obrigatria geral, isto , no caso de dvida ou contradio na interpretao de algum preceito legal, o STJ fixava a interpretao tida por mais adequada, com fora imperativa para futuros casos idnticos. 37

    Esta fora obrigatria geral, traduzia-se no facto de o assento vincular para o futuro os tribunais (incluindo o prprio STJ), a Administrao Pblica e todos os cidados.

    37 O art 763 do Cdigo de Processo Civil de 1936 dispunha que: se no domnio da mesma legislao, o STJ proferir dois acrdos que, relativamente mesma questo fundamental de Direito, assentem sobre solues opostas, pode recorrer-se para o tribunal pleno do acrdo proferido em ultimo lugar ( em pleno o STJ proferia um assento em relao questo).

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 61

  • Os assentos eram considerados fonte de Direito, da a sua insero no captulo das fontes no CC, e por isso eram tambm publicados no Dirio da Republica.

    Posteriormente, o acrdo n 810/93 do TC de 7 de Dezembro veio julgar inconstitucional em processo de fiscalizao concreta a norma do art. 2 do CC por violao do art. 112 n 6 da CRP (actual art. 112 n5).38

    Em consequncia com a reforma do CPC os assentos foram substitudos pelo julgamento ampliado de revista, que um meio de uniformizao de jurisprudncia pelo STJ, mas que no vincula os restantes tribunais.

    Valor dos assentos: atendendo sua fora obrigatria geral, vinculam todos os aplicadores do Direito

    Acrdos do TC com fora obrigatria geral

    Os acrdos do TC, com fora obrigatria geral esto previstos no art. 281 n1 e 3 da CRP em sede de fiscalizao abstracta e concreta e tambm em sede de fiscalizao preventiva nos artigos 278 e 279 da CRP.

    Surgem ao abrigo da faculdade conferida pelo art. 119 n 1 g) da CRP e39so publicados no Dirio da Republica no captulo dedicado s fontes de Direito.

    So a nica situao em que a jurisprudncia em Portugal entendida como fonte de Direito, pois a declarao de inconstitucionalidade ou de ilegalidade vincula a todos para o futuro.

    Natureza jurdica das decises com fora obrigatria geral:

    38 Vide FA contra esta posio do TC p. 46339 FA p.466

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 62

  • Discute-se se tais decises tm a natureza de lei ou se sero jurisprudncia.

    Carcter legislativo:

    Tm uma prescrio normativa, pois asseguram para o futuro um certo contedo normativo (tanto os assentos como as declaraes do TC com fora obrigatria geral).

    Carcter jurisdicional:

    -as decises com fora obrigatria geral tm um carcter vinculado porque so de emisso obrigatria uma vez verificados os respectivos pressupostos, isto nunca so adoptadas por iniciativa do tribunal, mas esto sujeitas ao principio do pedido. Por outro lado a lei adoptada por livre iniciativa do legislador, independentemente de qualquer vinculao a um pedido prvio, pelo que se pode falar numa liberdade constitutiva da lei.

    - Os acrdos esto subordinados lei; Diferentemente a lei pode incidir sobre todas as matrias

    - S a lei pode ser alterada ou suprimida, isto , tem auto-reversibilidade; os tribunais no podem livremente revogar as suas decises com fora obrigatria geral, pois o poder de Direito esgota-se com a declarao com fora obrigatria geral. O acrdo deve ter a estabilidade prpria das decises judiciais

    Em concluso:

    A atribuio de fora obrigatria geral a uma deciso jurisprudencial no lhe retira carcter jurisprudencial, dado que tambm aqui o tribunal exprime um conjunto de fontes existentes ao declarar qual o direito que se aplica com fora obrigatria geral. O tribunal

    Sandra Lopes Lus FDL IED 2010/11 63

  • realiza uma declarao abstracta do direito a aplicar ao caso40, por isso pode-se dizer que tais decises servem o direito constitudo e no visam proceder a uma renovao da ordem jurdica, como acontece na lei.

    Para MRS, as decises com fora obrigatria geral tambm so actos jurisdicionais.

    c. Jurisprudncia uniformizada

    Verifica-se quando os Tribunais Superiores, diante casos semelhantes decidem adoptar as mesmas providncias para chegar a modos uniformes de deciso, evitando-se assim, oscilaes e insegurana nas suas decises e tambm desperdcio de actividade jurisprudencial na deciso que novos casos idnticos aos j outrora decididos.

    Pressupostos para os recursos de uniformizao de jurisprudncia:

    a) Existncia de dois acrdos contraditrios quanto mesma questo de Direito

    b) Identidade da legislao a aplicar

    c) Possibilidade de interpor recurso para o Tribunal Superior, em Tribunal Pleno, do segundo acrdo.41

    Valor d