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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito. Introdução às ciências sociais (2449) Apontamentos de: Leontina Agostinho – nº 66014 Ana Sebastião – nº 68150 E-mail: Data: 2006/2007 Livro: Introdução às Ciências Sociais I – 2449 Óscar Soares Barata Nota:

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Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas. O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão. A Universidade Aberta não tem quaisquer responsabilidades no conteúdo, criação e distribuição deste documento, não sendo possível imputar-lhe quaisquer responsabilidades. Copyright: O conteúdo deste documento é propriedade do seu autor, não podendo ser publicado e distribuído fora do site da Associação Académica da Universidade Aberta sem o seu consentimento prévio, expresso por escrito.

Introdução às ciências sociais (2449)

Apontamentos de: Leontina Agostinho – nº 66014 Ana Sebastião – nº 68150 E-mail: Data: 2006/2007 Livro: Introdução às Ciências Sociais I – 2449 Óscar Soares Barata Nota:

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Introdução – O Domínio das Ciências Sociais:

1. Os Factos Sociais As Ciências Sociais têm por objectivo o estudo dos fenómenos ligados à vida dos homens em sociedade. Ocupam-se das relações que os homens formam entre si e das que estabelecem com as coisas. Procuram o entendimento das acções dos homens e das representações que estes formam a respeito de si próprios e do mundo em que vivem. Interessam-se pelo modo de actuar, associados à vida em grupo. Emile Durkheim, defende que devem considerar-se como factos sociais os modos de agir e as representações que são exteriores ao indivíduo, e com os quais este tem de conformar-se por efeito da vida em grupo. Apresentam-se como modelos de acção e valores em que a pessoa é criada e educada pelo grupo e em relação aos quais apenas se toleram desvios limitados. Factos Sociais · são preexistentes aos indivíduos = exteriores a si próprio = coercivos. Fenómenos orgânicos – consistem em representações e em acções; Fenómenos Psíquicos – apenas têm existência na consciência individual e por ela. Papel Social: é um conceito básico de análise em sociologia, psicologia social e antropologia social; Designa um conjunto de comportamentos que anda associado à posição de cada pessoa na teia das relações sociais. Cada pessoa representa nos vários caminhos da sua vida, vários papéis sociais. Ralf Dahrendorf, Distingue posição social de papel social. Posição Social entende-se qualquer lugar num campo de relações sociais. A cada posição corresponde um Papel Social. As Expectativas da sociedade em relação a cada papel analisam-se em dois tipos: As Expectativas de Comportamento: o que chama role behavior ou comportamento de cada papel; Expectativas de Apresentação e Características: o que chama role attributes ou atributos de cada papel. Cada Papel pode ainda analisar-se nas expectativas que funcionam em relação a cada pessoa ou pessoas com que no exercício desse papel se contacta. Exp. O papel de chefe de família compreende as expectativas de comportamento em relação dos diversos membros da família, vizinhos, colectividade, etc. dá-se o nome de Role segments ou segmentos do papel.

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As diversas expectativas do papel implicam em regra diferentes graus de conformidade, Ralf Dahrendorf distingue três tipos diferentes, respectivamente: Must-expectations (obrigatórias) Constituem a base do papel, exp.: a lei define os deveres de chefe de família ou professor, deveres que em caso de desrespeito persistente, pode ser obrigado a conformar-se quer por via legal, quer pela censura colectiva. Shall-expectacions (que devem cumprir-se) Estão perto das anteriores e integra o comportamento necessário a ter tido por elemento efectivamente respeitável do grupo. Can-expectations (que podem cumprir-se) integram os comportamentos que podem ou não seguir-se, mas que não podem desrespeitar-se sistematicamente com pena de marginalização. A constelação de papéis sociais, que resulta das diversas posições que o indivíduo ocupa, delimita largamente a área em que decorre a sua vida, indicando muito sobre ele e em que área pode afirmar-se a sua individualidade. O mesmo autor identifica, ainda, três componentes do elemento de liberdade deixado pela constelação de papéis sociais em que o indivíduo tem de corresponder:

A) A liberdade que resulta do papel não estar definido com rigor na sua totalidade;

B) A liberdade que decorre do facto de as exigências do papel serem definidas sobretudo por exclusão, como coisas a não fazer;

C) A possibilidade que o indivíduo tem de influenciar o meio social em que vive e por aí modificar o conteúdo do papel.

Posições Sociais:

A) As ascribed positions ou posições atribuídas; estas são quase todas as que resultam de características físicas ou acidentes de nascimento.

B) As achieved positions ou posições alcançadas: estas são as que decorrem do

trabalho, dos estudos, do mérito de cada um

Nota: A distinção nem sempre é clara, exp.: a posição de chefe de Estado pode ser alcançada ou atribuída como acontece nas monarquias.

2. A Identificação do Social: Para chegar ao ao entendimento dos papéis sociais é necessário identificar os grupos a que se reportam as expectativas de comportamento. As normas e sanções são definidas por grupos diferentes consoante os vários tipos de expectativas de comportamento. As expectativas obrigatórias, correspondem a comportamentos codificados nos textos legais, implicam uma definição pela sociedade no seu conjunto.

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As outras expectativas, já implicam maior liberdade de observância, podendo ser definidas pelo costume ou pelo consenso no seio dos grupos de camaradagem ou vizinhança. Podendo originar conflitos entre as normas dos diversos grupos, conduzindo a tensões no desempenho dos diversos papéis sociais que cabem ao mesmo indivíduo. Max Weber, definiu a ciência social como a ciência que procura explicar as acções humanas dotadas de sentido. Comportamento meramente reactivo – é o simples efeito de uma reacção a um estímulo exterior. As acções sociais podem ser classificadas segundo o modo de orientação:

A) As acções racionalmente orientadas “ para um sistema de fins individuais discretos”. São aquelas que se orientam em função de expectativas relativas a objectos exteriores ou a outros indivíduos, e que por isso implicam a consideração a consideração dos meios para alcançar um dado fim;

B) As acções racionalmente orientadas para um valor absoluto, que são aquelas que resultam puramente de convicções “éticas, estéticas ou religiosas”;

C) As acções orientadas por considerações efectivas, de que são exemplo as que resultam de estados emocionais ou de sentimentos;

D) As acções orientadas pela tradição, a qual, através da prática continuada, define determinados comportamentos.

Na definição de Max Weber, a ciência procura o entendimento das acções com vista a encontrar “uma explicação causal do seu desenvolvimento e dos seus efeitos” tem de dedicar o principal dos seus cuidados ao sentido ou significado dessas acções. A compreensão (verstehen) pode realizar-se de duas formas: A compreensão por entendimento observacional directo de certas ideias ou comportamentos; A compreensão explicativa que resulta do entendimento dos motivos que guiam o agente. É a que consiste em ligar um acto observado a uma certa constelação de motivos. É necessário que para haver interpretação causal adequada, a interpretação se ajuste às sequências e regularidades reveladas pelos factos e seja capaz de evidenciar o significado das relações verificadas. Pode-se chegar à certeza ou evidência da realidade que se observa:

A) Pelo entendimento racional, que pode ser lógico ou matemático; B) Pela determinação “emocionalmente empática ou artisticamente apreciativa”.

Ora, esta longa análise dos critérios de interpretação seguidos nas ciências sociais, conduz a dois problemas de base: 1º - É o de saber o que realmente se tem em vista quando se fala de explicações causais;

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2º- É o de saber em que medida o estudo da realidade social pode conduzir a um conhecimento objectivo. Nas ciências sociais as explicações causais têm de ser menos seguras do que é corrente nas ciências da natureza. 3. Conteúdo Científico das Ciências Sociais: A atitude de base de que parte a critica é a que tem sido designada por cientismo ou naturalismo, por entender que o único modelo que pode tomar o conhecimento científico é o das ciências da natureza. Defendem que as ciências sociais devem seguir o exemplo da física ou da biologia, procurando atingir conclusões fundadas nos factos observados exteriormente. Wilhelm Dilthey, defende que as ciências sociais são Geisteswissenschaften, ciências do espírito, que requerem um estudo a partir da experiência interna, apoiada na própria vivência, ao invés das ciências da natureza, nas quais se parte da experiência externa. O objecto da s ciências do espírito não é alcançar o sentido profundo do devir humano, à imagem do que se tem procurado fazer com a filosofia da história, mas sim explicar os factos pelos acontecimentos que os procedem e pelas circunstâncias sociais em que se verificam. Julien Freund, afirma que: “a realidade é única, mas não se deixa apreender de uma maneira única, como pretende o naturalismo. Ela é acessível, por um lado, à experiência externa e, por outro, à experiência interna, as duas formas sendo igualmente legítimas, sem que uma possa abolir a outra. Se a natureza está sujeita às condições da consciência, esta, por seu lado, está sujeita às condições da natureza. O longo e copioso debate sobre o problema do conhecimento nas ciências sociais pode realmente reconduzir-se a duas teses fundamentais: o Naturalismo e o Historicismo. O Naturalismo – é a tese de que não existem outras formas de conhecimento cientifico válido do que as definidas a pouco e pouco pela experiência das ciências da natureza. Hayek, observa que “os métodos que os cientistas ou os homens fascinados pelas ciências naturais têm tantas vezes tentado impor às ciências sociais não são sempre necessariamente aqueles que os cientistas de facto seguem no seu próprio campo, mas mais aqueles que eles julgam ter empregado. O cientista nem sempre é um guia digno de confiança. O Historicismo – no seu sentido metodológico é a tese de que o objecto das ciências sociais é o estudo de acontecimentos que são, na sua real complexidade, factos individuais, combinações de circunstância que não se repetem. O que traz o abandono da ideia comum de que o único objecto do conhecimento cientifico é o estudo do geral.

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As duas formas do conhecimento cientifico: A forma generalizante é a das ciências da natureza. São nomotéticas, visam chegar à formulação das leis gerais sobre os factos. A forma individualizante é a das ciências do espírito ou cultura. São ideográficas, interessam-se pela discrição do que é único. O que unicamente pode fazer a ciência é isolar certos aspectos para fins de interpretação com a ajuda de um sistema de conceitos. 4. O Problema da Explicação nas Ciências Sociais Muito do que se escreve sobre o valor científico das ciências sociais tem implícitas concepções sobre as normas da explicação científica decorrentes da teoria hipotético-dedutiva, que como nota Alan Ryan, goza tradicionalmente de uma posição de primeiro plano na filosofia das ciências. A teoria sustenta que a explicação científica tem de apoiar-se na formulação das leis gerais, entendidas como hipóteses acerca da ordem natural das coisas, das quais se deduzem as consequências que podem esperar-se dadas certas condições Assim, verificado certo acontecimento, dada a lei geral aplicável, têm de se esperar necessariamente certas consequências. Uma explicação científica de modo hipotético-dedutiva deve satisfazer a três condições:

A) Que a proposição que define a lei geral e as condições iniciais seja tal que acarrete a conclusão;

B) Que as premissas sejam verdadeiras ou pelo menos suficientemente fundamentadas;

C) Que a explicação seja verificável empiricamente, para que possa ser desmentida se for caso disso.

O que conduz a que qualquer explicação deva ser reformulada com respeito de três regras: A) A explicação deve de ser de forma dedutiva; B) As razões indicadas devem ter aplicação geral a todos os casos idênticos; C) As leis gerais invocadas devem ser regularidades observadas de facto.

Alan Ryan, defende ainda dois pontos: Por um lado, que as generalizações sejam nomotéticas e não enumerativas, ou seja, que possam aplicar-se a todos os caos idênticos e não se limitem a enumerar as característica do caso em estudo. Por outro lado, que se trate de relações causais e não de relações lógicas, entendo-se por relação causal aquela que afirma que dada mudança em certa propriedade se verificará necessariamente mudança em outra propriedade dela logicamente independente. Trata-se de relações que só a experiência pode confirmar ou desmentir.

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Estas regras mostram apenas como os factos se verificam, indicam que dados certos acontecimentos, outros se seguem mas não indicam porque se verificam. As afirmações de regularidades de facto não são na verdade explicações causais, mas podem apenas tornar-se um ponto de partida para a formulação de narrativas causais, ou seja, descrições de sucessão de fenómeno EU possam conduzir a eventuais fórmulas de explicação. Karl Popper, defende que não se pode demonstrar definitivamente a verdade de uma explicação empírica, apenas se pode demonstrar definitivamente a sua falsidade. Outra forma de explicação científica, é a explicação probabilística, cuja lógica é menos rigorosa mas que tem larga aplicação tanto nas ciências da natureza como nas ciências sociais. A explicação probabilística não é dedutivamente válida porque as premissas em que assenta não são de comprovada universalidade. Alan Ryan, defende que, “uma importante diferença entre razões e causas é que as razões podem ser avaliadas como boas ou más, próprias ou impróprias, enquanto uma causa enunciada só pode ser ou não ser a causa do que quer que se estiver a explicar. A todos é dada uma opção de escolha na orientação das suas próprias acções. Os comportamentos sociais são resultantes de regras colectivas e não procedentes de regularidades causais. As regras e valores são interiorizados com a própria aprendizagem de uma língua e com a criação de um dado meio social. Explicar as acções é esclarecer-lhes o sentido em relação às regras e valores colectivos e pôr à luz as regras e valores colectivos subjacentes aos comportamentos. Hoje é corrente em algumas das ciências sociais, como a sociologia ou a antropologia cultural, explicações que se dizem holistic (do inglês whole, que significa totalidade) por serem relativas à totalidade social. Na demografia ou econometria, tal preocupação é naturalmente menos dominante, pois tomam como dados as concepções da vida e do mundo que podem ter as pessoas cujos comportamentos estudam. Explicar o sentido das acções por regras e valores colectivos e o sentido das regras e valores pelo sentido do conjunto social supõe uma última fase na explicação cientifica que é a procura das causas e consequências da configuração que tomo o conjunto social. Problema que cuja solução não parece poder afastar-se da fórmula geral do estabelecimento da causalidade. Jean Piaget, sustenta que nem quanto aos métodos nem mesmo quanto ao domínio do estudo se pode afirmar uma oposição marcada entre as ciências humanas e as ciências

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da natureza. Apenas no domínio dos conceitos utilizados se pode apurar alguma distinção entre os dois grupos de ciências. Mas até aí há uma larga sobreposição. 5. Teorias e Paradigmas PARADIGMAS – modelo; norma; exemplo; padrão; tipo de conjugação ou declinação gramatical. Qualquer hipótese ou lei empírica ou sistema de hipóteses ou leis empíricas requer a mais geral delimitação do campo a que se aplica e uma certa concepção geral das condições em que se verifica. É por isso que tais hipóteses e leis sempre se acompanham de teorias sobre o conjunto dos fenómenos a que respeitam. São as teorias que esclarecem as relações gerais entre os fenómenos que tornam relevantes as hipóteses e leis empíricas. As teorias são explicações gerais das hipóteses e leis empíricas, interpretações das razões que estão na base da existência das relações que as hipóteses e leis empíricas enunciam. Em muitos casos as teorias não resultam directamente dos factos observados e de que procuram dar conta as hipóteses e leis empíricas. Raymond Boudon, salienta que nas ciências sociais é mais corrente o caminho de a partir de certas concepções iniciais tirar certas concepções explicativas sem ser rigorosamente por via dedutiva. A este tipo de explicações parece-lhe convir melhor a designação de paradigmas do que a de teorias. Boudon, nota que na leitura actual das ciências sociais podem encontrar-se, pelo menos, três tipos de paradigmas:

A) Os paradigmas teóricos ou analógicos são as interpretações gerais que se apoiam em fórmulas experimentadas noutros ramos do conhecimento e aplicadas por analogia no domínio das ciências sociais, exp. As teorias gravitacionais da distribuição espacial da população de Zipf e Stouffer, eu se inspiram na lei de atracção universal de Newton. Outro exp. é o emprego que se tem feito em muitos domínios da teoria de jogos de I. von Neumann e O. Morgenstern que, formulada a partir de situações de jogo definidas com precisão, tem servido para o estudo das relações entre intervenientes num mercado ou das relações internacionais;

Nota: No caso B e C não se procede por analogia mas por subsunção, operação lógica que consiste em fazer entrar um caso individual num género ou num facto no âmbito de uma lei.

B) Os paradigmas formais – são quadros de referência que permitem formular

explicações seguindo certas regras sintácticas. Para Merton os fenómenos sociais devem, em regra, ser explicados pelas suas funções. De modo que,

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identificada uma certa relação funcional entre um conjunto de fenómenos, é possível por subsunção situar o papel de um dado facto ou conjunto de factos no âmbito dessa relação funcional. A relação funcional não se estabelece apenas à escala da sociedade no seu todo mas também à escala de certos sectores da vida colectiva. O valor de uma explicação deste tipo depende basicamente da validade do paradigma formal. A validade, para Boudon, depende da generalidade e do poder heurístico. A generalidade respeita ao conjunto das questões que o paradigma permite explicar. O poder heurístico, ou capacidade de ajudar a descobrir o sentido dos factos, respeita à possibilidade que oferece o paradigma formal de detectar os factos relevantes num dado problema.

C) Os paradigmas conceptuais – são sistemas de conceitos que permitem, ainda

por subsunção, enquadrar uma dada explicação dos factos. Boudon encontra exp. na obra de Talcott Parsons, cujas interpretações partem da regra da definição prévia de um certo quadro teórico. Parsons, faz a análise da organização da estrutura social pela definição de dois eixos de diferenciação, um em interno e externo e outro em instrumental e consumatório, ou seja entre meios e fins, cobrindo quatro níveis que se encontram em qualquer organização:

a) O nível primário ou técnico – respeita ao output do sistema; b) O nível de gestão – respeita à regulação dos inputs necessários aos

output; c) O nível institucional – respeita à supervisão direcção superior do

sistema; d) O nível societal – respeita à articulação com os objectivos da sociedade

no seu conjunto. Por esta forma define um paradigma conceptual que permite enquadrar os factos reais e formular sobre eles uma explicação. Este tipo de paradigmas parece ter, na opinião de Boudon, uma “função de detecção de factores explicativos” e uma “função de generalização”. Os paradigmas são por sua vez susceptíveis de uma certa transmutação que permite, quer a sua generalização, quer a transformação de paradigmas analógicos em paradigmas formais, quer a transformação de paradigmas conceptuais em paradigmas formais. O caminho do progresso da teoria faz-se muitas vezes pela crítica de paradigmas existentes e pela formulação de novos paradigmas. 6. A Objectividade nas Ciências Sociais: A observação das regras da imparcialidade científica é outro grande problema do conhecimento no domínio das ciências sociais. As ciências sociais nasceram de preocupações de acção prática, como instrumento de estudo capaz de guiar uma intervenção que vise encaminhar a vida colectiva, ou pelo menos certos dos seus aspectos, em sentido estimável como mais desejável.

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Se por um lado, o observador corre o risco de ser afectado no seu entendimento do sentido interno das acções sociais de outrem pela sua própria condição social, pela sua posição nas relações sociais, pela rede de papeis sociais que delimitam a sua acção social. Por outro lado, a preocupação consciente ou inconsciente de acção prática, o gosto por uma ou outra fórmula de organização de vida colectiva, a preferência por um programa político, podem condicionar tanto a escolha do que se estuda como a visão a que se chega dos factos. Em ambos os casos, podem levar a misturar impropriamente juízos de facto e juízos de valor. Max Weber, nota que mesmo no plano das opções referidas a valores é lícito à ciência empírica intervir desde que saiba distinguir-se o que respeita aos meios do que se reporta aos fins. Decidir em última instância dos fins últimos da actividade humana não é tarefa da ciência empírica, mas da própria pessoa à luz da sua consciência, guiada pelas normas éticas a que presta homenagem. Também não se deve esperar que das ciências sociais possa tirar-se uma formulação de tais normas. Max Weber – afirma que «Trata-se simplesmente de uma ingenuidade quando por vezes até alguns especialistas continuam a acreditar que é preciso estabelecer antes de mais um ‘‘princípio’’ para a ciência social prática e consolida-lo cientificamente como verdadeiro, para poder deduzir em seguida, e de forma idêntica, as normas para a solução dos problemas particulares da prazis. Por muito necessárias que sejam nas ciências sociais as discussões ‘’de princípio’’ em torno de problemas práticos – reduzir ao seu denominador comum os juízos de valor que se nos impõem irreflexamente – e o estabelecimento de um denominador comum prático para os nossos problemas, sob a forma de uns ideais superiores de vaidade universal, não pode ser de modo algum a tarefa da revista nem de nenhuma ciência empírica.» Mais tarde, o mesmo autor, insiste na mesma orientação, escrevendo o seguinte: «Nego categoricamente que uma ciência “realista” do ético (isto é, a exposição das influências efectivas que as convicções éticas predominantes em determinado grupo de pessoas sofreram de outras condições de vida e em contrapartida exerceram sobre estas) possa por sua parte dar lugar a uma “ética“ capaz de afirmar algo sobre o que deve valer.» Não é a ciência empírica que pode conferir a dignidade de imperativo ético a um qualquer sistema de valores. Mas dado um sistema de valões, a ciência pode ajudar a entender se um certo caminho, um certo meio, é mais ou menos apto para os alcançar. Perante uma qualquer hipótese de acção concreta a realizar, a ciência empírica pode ajudar a esclarecer as seguintes questões:

A) Quais os fins últimos que podem estar em causa e o valor ou valores que podem vir a ser afectados pela realização de tais fins;

B) Em que medida os meios propostos permitem ou não alcançar tais fins últimos;

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C) Quais as consequências que podem resultar do emprego dos meios propostos.

<< A ciência empírica não é capaz de ensinar a ninguém o eu “deve” mas apenas o que “pode” – e, em certas circunstâncias, o que “quer”.>>

O que ‘’deve’’ é do domínio dos valores; O que ‘’pode’’ resulta das circunstâncias e da eficácia dos meios disponíveis; O que efectivamente ‘’quer’’ é a consequência necessária e por vezes não prevista dos meios escolhidos para chegar a certo fim. C. Wright Mills, escreve que “detectar problemas práticos é fazer juízos de valor. Muitas vezes o que é tomado pelos liberalmente prático como sendo um ‘problema’ é tudo o que: 1) Se desvia dos modos de vida da classe média da cidade pequena; 2) O que não alinha com os princípios de estabilidade e ordem; 3) O que não se harmoniza com os slogans optimisticamente progressivos do cultural lag; 4) O que não está em conformidade com o justo ‘progresso social’; 5) A bossa da praticalidade liberal é revelada pela noção de ‘ajustamento’ e o seu oposto ‘desajustamento’. Qualquer estudioso das ciências sociais está sujeito às pressões do meio no sentido de dar às suas observações e interpretações uma orientação que corresponda aos juízos de valor dominantes. C. Wright Mils, defende que «liberdade não é a mera possibilidade de fazer o que se quer; nem é a mera oportunidade de escolher entre oportunidades fixas. A liberdade é, primeiro de tudo, a possibilidade de formular as opções realizáveis, de arguir sobre elas e, então, escolher. É por isso que a liberdade não pode existir sem um mais lato papel da razão dos negócios humanos. A tarefa social da razão é formular as opções, alargar o âmbito das decisões humanas na construção da história.

Capítulo I O ESTUDO DO SOCIAL 1 – Natureza e cultura: 7. Os factores básicos da explicação social:

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Toda a tentativa de explicação empírica dos factos sociais pode reconduzir-se aos seguintes quatro factores:

A) Hereditariedade; B) meio físico; C) cultura; D) relações sociais.

Com maior esforço de exposição sistemática a mesma ideia desenvolveu-se no século passado e no presente século segundo quatro correntes de pensamento, que podem talvez em síntese designar-se da seguinte forma:

A) a teoria racial da história; B) a teoria das selecções sociais; C) a teoria eugénica de base biométrica; D) a teoria da formação selectiva de fundos raciais superiores.

8. (não faz parte do programa da cadeira) 9. A Relevância Social da Hereditariedade: 9.1 Os ensinamentos da genética: Pode-se mostrar com numerosos exemplos que não há coincidência geral entre a dolicocefalia e a superioridade social ou cultural ou entre o cabelo loiro e a pigmentação clara e a eminência intelectual ou a distinção social. De modo geral não se pode resistir à crítica científica, a tese geral de que as características físicas coincidem necessariamente com a superioridade ou a inferioridade social dos indivíduos ou grupos. Toda a explicação social assente no factor hereditariedade teve de se reformular inteiramente à luz da ciência genética. Para Galton, que morreu em 1911 e mostrava-se bastante receptivo às novas ideias, pode assim tomar conhecimento das novas concepções sobre a hereditariedade decorrentes das ideias genéticas, mantendo-se assim, tal como Karl Pearson, fiel à sua ideia inicial de uma lei da hereditariedade que explicava as semelhanças entre os filhos e os pais na base de uma certa continuidade de características. Huntington, tendo já em conta os progressos da ciência neste domínio, acredita que muito do que considera atribuível à hereditariedade possa realmente explicar-se por factores de ordem cultural. 2. Mendel, por sua vez, mostrou que a hereditariedade é definida pela combinação de genes realizada no momento da fecundação. Os genes são em regra unidades independentes e estáveis, que se combinam segundo as leis do acaso, constituindo os caracteres hereditários que «são transmitidos de uma geração à outra como unidades distintas, independentes e não fragmentáveis». Os progressos posteriores da genética mostraram que a regra das combinações ao acaso pode conhecer excepções no caso dos genes ligados, que tendem a manter-se

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associados de uma geração para a outra, reduzindo por aí o número de recombinações genéticas possíveis, e que a estabilidade dos genes pode ser afectada por mutações. A combinação genética própria de cada indivíduo é o seu genótipo. As características efectivamente observadas no indivíduo constituem o seu fenótipo. O mesmo genótipo põe corresponder a diferentes fenótipos em virtude de os caracteres genéticos poderem ser recessivos ou dominantes. Em experiências feitas por Mendel, este retira quatro importantes conclusões: A) a cor das flores, assim como todas as outras características genéticas, é

transmitida integralmente como a dos progenitores; B) o elemento que determina a cor “vermelha” das flores (da experiência) é

dominante e o que determina a cor branca é recessivo; C) outra que sugere a lei das combinações genéticas que permite apurar a proporção

de descendentes de cada tipo nos sucessivos cruzamentos; D) o mesmo fenótipo, pode traduzir um genótipo de linhagem pura ou, no caso de

geração de híbridos (provém de duas espécies diferentes), um genótipo de linhagem mista. O que também significa que a partir do fenótipo não é fácil fazer previsões sobre a hereditariedade provável, salvo conhecimento pormenorizado da linhagem, o que é um facto da maior importância tanto para as aplicações práticas da genética na reprodução de plantas e animais, como no plano mais complexo da hereditariedade humana.

Quando os alelos são idênticos o indivíduo diz-se homozigótico; Quando os alelos são diferentes, um dominante e o outro recessivo, o indivíduo diz-se heterozigótico. ALELOS: qualquer um de dois genes que ocupam a mesma posição relativa em cromossomas homólogos e que têm a mesma função, mas que diferem na sua expressão, comportando-se como antagónico. GENE: porção de um cromossoma, considerada como a unidade hereditária ou genética, visto ser responsável pela transmissão das características hereditárias de uma geração para a outra. CROMOSSOMA: estrutura constituída por ADN e proteína que se tornam visíveis na altura da reprodução celular, em número definido por cada espécie, que é mito importante na reprodução das células e na transmissão das característica hereditárias. GENÓTIPO: constituição hereditária de um organismo; natureza e arranjo dos genes num organismo individual. FENÓTIPO: aspecto de um organismo resultante da interacção do seu genótipo (constituição genética) com o meio ambiente em que se desenvolveu esse organismo. 3. Os genes de um organismo estão assentes em estruturas, que são os cromossomas. Cada cromossoma pode conter um grande número de genes. Cada gene ocupa no cromossoma um lugar determinado, que é um locus. As células de cada organismo contêm um número específico de cromossomas, variável consoante os organismos. Nos animais e nas plantas selvagens, em regra as células contêm dois cromossomas de cada tipo (chamadas de células diplóides) o que significa que há dois exemplares de cada locus.

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As células multiplicam-se por divisões sucessivas em que cada nova célula recebe o mesmo número de cromossomas da célula original e por essa forma se processa o crescimento e evolução do organismo. No caso do homem estas células contêm 23 cromossomas. Quando se dá a fecundação juntam-se os cromossomas de cada progenitor, reconstituindo-se as séries de cromossomas da célula somática. O que significa que na célula humana fecundada se forma uma série de 23 pares de cromossomas, contendo 23 cromossomas do pai e 23 da mãe, a qual, por divisões sucessivas, vai constituir o indivíduo adulto. Quando por sua vez neste indivíduo se formam os gâmetas separam-se 23 cromossomas por segregação dos genes homólogos. A série que entra na composição dos gâmetas pode conter em proporções diversos elementos provenientes de ambos os seus progenitores, os quais finalmente se irão juntar-se, aquando da fecundação, com uma série constituída pelo mesmo processo nos gâmetas do individuo do outro sexo. Isto significa em termos probabilísticos que nos gâmetas de cada indivíduo se podem formar mais de oito milhões de combinações diversas de cromossomas, e na junção dos gâmetas de dois indivíduos de sexos diferentes, quando da fecundação, pode teoricamente estimar-se a possibilidade da realização de mais de setenta biliões de combinações diversas de cromossomas. O que traduz bem a variedade da lotaria genética que define a hereditariedade de cada pessoa. GÂMETAS: Célula sexual; célula reprodutora masculina (espermatozóide) o feminina (óvulo) que se une à célula oposta durante a reprodução sexual, para dar lugar ao ovo ou zigoto. Eugène Binder, explica que, «os genes situados num mesmo cromossoma não passam sempre juntos. No decurso dos fenómenos que precedem a redução cromática [a separação dos pares de cromossomas homólogos para a formação dos gâmetas] acontece que dois cromossomas homólogos se cortem no mesmo lugar e troquem um dos seus troços; os genes que se encontravam de um lado e do outro do corte são então separados e arrastados para gâmetas diferentes, é o crossing over. Ele é tão mais frequente entre dois loci quanto estes estão mais afastados um do outro.» Segregação e recombinação fazem-se ao acaso: a transmissão dos genes à descendência é questão de probabilidades, os resultados não são previsíveis senão em grande número de casos semelhantes e exprimem-se por proporções estatísticas. 4. Os genes são portadores de elementos que determinam a sua duplicação que está na base de todo o processo de crescimento e reprodução dos organismos. O mecanismo de conservação e duplicação das informações genéticas assenta no ácido desoxirribonucleico, designado pelas iniciais ADN, que é um elemento constituinte dos genes e é o portador de certas informações eu definem um código genético segundo o qual se faz a duplicação das células. No processo de “cópia”podem dar-se erros que modificam os caracteres hereditários e dão origem a mutações, as quais podem ser transmitidas à descendência, provocando a diversificação dos organismos. DESOXIRRIBONUCLEICO: ácido composto por uma substância macromolecular formada por uma série de nucleóticos, que se encontra na cromotina do núcleo das células vivas, apresentando-se sob a forma de duas cadeias agrupadas em hélice, e que é responsável pela transmissão de características

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hereditárias, tendo a capacidade de reconstruir novas células e de se reproduzir a si mesmo, constituindo assim o material hereditário existente na maior parte dos seres vivos (ADN). David Paterson, explica que «as mutações são, de facto, de dois tipos: as mutações genéticas e os remanejamentos cromosómicos. A mutação genética afecta a estrutura interna de um gene. Pode ser a substituição de uma base por outra numa molécula de ADN; Um remanejamento cromossómico, é uma modificação que afecta o conjunto de um cromossoma. Um ou outro destes acontecimentos tem repercussões sobre a estrutura do organismo, que podem ser menores, ma podem também pôr em causa a sua sobrevivência. O risco de mutação é diferente nos diversos genes embora as causas sejam mal conhecidas. A mutação pode dar-se nas células somáticas, e então apenas as partes do indivíduo que provêm das células que sofreram a mutação serão afectadas. Estes indivíduos são chamados mosaicos. Mutações provocadas desse tipo utilizam-se hoje na genética aplicada para produzir animais e plantas com certas características. Ao nível dos cromossomas a mutação pode realizar-se por mudança no número dos cromossomas ou por mudança na estrutura de um cromossoma. No homem a doença designada por mongolismo é o resultado da presença de três cromossomas em vez de dois no par cromossomático do grupo 21 ou da transportação de um elemento deste grupo para outro cromossoma. 5. O mecanismo das mutações provoca uma grande variedade genética numa população. Umas mutações são favoráveis e aumentam o poder de sobrevivência e de reprodução dos portadores dos caracteres genéticos delas resultantes, enquanto que outra mutações são desfavoráveis. O último juiz do valor de sobrevivência de uma mutação é finalmente o meio ambiente, e por isso pode dizer-se que as características genéticas de uma população traduzem sempre um certo equilíbrio com o meio ambiente. A experiência mostra que uma população contém na verdade sempre um rico fundo genético que alimenta os ajustamentos do fenótipo à variabilidade do ambiente. Certos processos biológicos conhecidos tendem de facto a prever a variabilidade potencial. A poligenia, é a dependência de um carácter hereditário da combinação de vários genes, e que permite preservar todos os genes desde que os seus efeitos positivos e negativos se equilibrem numa graduação que se ajuste ao ambiente. A heterose, é a superioridade na selecção natural que a experiência mostra terem os heterozigóticos sobre os homozigóticos. Por efeito da eliminação das combinações desfavoráveis há sempre uma certa perda de geração para geração. Mas mantém-se uma variabilidade suficiente para permitir vir de novo ao de cima novas combinações que traduzam melhor ajustamento ao ambiente. Todo o processo de selecção tende a favorecer a estabilização do fenótipo mais vantajoso em face das características ambientais.

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Eugène Binder, diz que «a estabilidade do fenótipo normal não é uma lei absoluta, pois nas espécies ou nas populações que têm de fazer face a condições muito diversas nem sempre existe um fenótipo óptimo único, mas acontece, pelo contrário, pelo contrário que em condições diferentes que representam cada um o óptimo. Nesses casos a selecção da segunda ordem tende, não a estabilizar um fenótipo, mas a elaborar dispositivos adaptativos complexos em que as reacções organo-formativas são influenciadas de forma precisa pelos factores externos e podem conduzir a toda uma gama de fenótipos correspondendo a uma gama de condições do meio.» Há assim toda uma variação com as condições geográficas que se manifesta com mais frequência na morfologia externa, mas pode ter reflexos citológicos (parte da biologia

que estuda as células) (nas características celulares), nos caracteres fisiológicos, nos caracteres etológicos (os que respeitam ao comportamento dos animais no seu meio natural – EDP. canto das aves, migrações, etc). 9.2 – Conteúdo científico da noção de raça: São muito antigas as tentativas de classificação dos homens em raças, mas não parece até agora ter-se resolvido de forma satisfatória o problema dos tipos intermédios. Carl Linneu, botânico sueco, propôs em 1745, a classificação dos homens em quatro grupos designados pela área geográfica em que predominavam e identificados sobretudo na base da pigmentação – europeus, africanos, asiáticos e índios americanos. Jhoann Friedrich Blumenbach, fisiologista alemão, publicou em 1781 publicou uma classificação dos homens baseada na configuração do crânio, onde considerava cinco raças – caucasiana, negra, mongol, malaia e índia americana. Paul Broca, no séc. XIX, retomou o problema da identificação e mensuração dos caracteres raciais, contribuindo para estruturar a antropologia física em bases cientificas e criando um exemplo seguido por uma numerosa série de investigadores, que se dedicaram à craniometria e ao estudo dos ossos longos do esqueleto. Joseph Deniker, no começo do presente século, publicou uma mais completa classificação das raças, procurando enfrentar o problema das características intermédias, individualizando 27 raças e 22 sub-raças. Henri V. Vallois, antropólogo francês, é o autor de uma das classificações de raças que hoje se usa, distingue 27 raças, que reúne em quatro grupos raciais: 1º - Raças primitivas; 2º - Raças negras ou negróides; 3º - Raças brancas ou leucodermes; 4º - Raças amarelas ou xantodermes. O mesmo autor diz que esta definição das raças humanas «São agrupamentos naturais de homens que apresentam um conjunto de caracteres físicos hereditários comuns, quaisquer que sejam as suas línguas, costumes ou nacionalidades.» Por características físicas hereditárias comuns entende «os caracteres que respeitam a própria natureza dos homens: estes são pequenos ou grandes, de pele clara ou

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pigmentada; têm cabelos lisos ou crespos, braços compridos ou membros curtos; o seu sangue mostra a presença ou ausência de certas substâncias; a sua inteligência é flexível ou ágil ou, pelo contrário lenta e preguiçosa, etc. Caracteres anatómicos: estrutura o corpo; Caracteres fisiológicos: funcionamento dos órgãos; Caracteres psicológicos: mecanismo do cérebro; Caracteres patológicos: forma como reagimos á doença. É o conjunto formado por estas quatro ordens de factos que é utilizado para definir as raças. Há que ter em conta que estes caracteres só têm valor se forem hereditários. Disposições que se tenham desenvolvido sob a acção do meio em que vive um indivíduo e que desapareceriam nos descendentes não podem ser consideradas como raciais.» Um dos pontos mais controversos de toda esta questão é a ligação entre as características somáticas (ligadas ao corpo) e as características mentais. Do ponto de vista da explicação das ciências sociais, o que principalmente interessa é averiguar em que medida a diversidade os caracteres morfológicos acarreta necessariamente diversidade das reacções sociais. E por isso é relevante apurar se existe efectivamente grande diferença entre as raças humanas para além do que se refere à pigmentação da pele, textura dos cabelos ou configuração o crânio, da face e do nariz. 3. O que a ciência da genética mostra no seu estado presente é a substancial semelhança dos homens. Geneticamente todos os homens pertencem à mesma espécie, formando um grupo onde cujos membros podem cruzar-se entre si e gerar filhos capazes, por sua vez, de se reproduzirem. Biologicamente, as raças podem tomar-se como subespécies, formadas como resultado de um isolamento geográfico que nunca foi estanque por longo tempo. Os cruzamentos entre grupos vizinhos propagados à escala do mundo inteiro definiram um fundo genético comum a toda a espécie humana. O que varia são as frequências relativas de certos elementos genéticos de população para população. O facto está comprovado para diversas características. Assim o sangue humano pode ser classificado, de acordo com certas regras, em tipos segundo diversos sistemas. Um dos sistemas mais usado é o A B O. Demonstra-se que todos os homens são ou A ou B, ou A B ou O. Quando se realizam observações apropriadas apurou-se que todos os tipos sanguíneos aparecem praticamente em todas as raças, e verificou-se que as transfusões de sangue entre pessoas de raças diferentes podem fazer-se sem perigo, desde que respeitadas as regras da compatibilidade dos tipos. O que varia são as proporções ou frequências com que aparecem os diversos tipos. Boyd, propôs a seguinte definição de raça. «É uma população que difere de maneira significativa das outras populações humanas pela frequência de um ou de vários gene que ela possui. A escolha dos loci sobre eu repousa a distinção de uma “constelação”

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significativa é, e muito uma decisão arbitrária; parece preferível, por uma lado, não distinguir uma multiplicidade de raças diferindo somente umas das outras por um único par ou uma série de alelos e, por outro lado, não exigir que todas as raças que se definam difiram umas das outras pelo conjunto dos seu genes». Combinando vários sistemas de classificação dos tipos sanguíneos e alguns outros caracteres que se sabem geneticamente determinados, Boyd, segundo a variação das frequências, propôs o agrupamento dos homens em seis raças: 1ª – Grupo europeu primitivo (hipotético), representado actualmente pelos bascos; 2ª – Grupo europeu (caucasóide); 3ª – Grupo africano (negróide); 4ª – Grupo asiático (mongolóide); 5ª – Grupo ameríndio; 6ª – Grupo australóide; 4. As teorias mais aceites neste campo, seguindo a regra genética do ajustamento dos caracteres das populações às características do meio, explicam a variação das raças humanas substancialmente em função dos meios geográficos em que se consolidaram, embora, dada a lentidão da reprodução das sucessivas gerações humanas, muitos caracteres possam permanecer mesmo quando o habitat deixou de ser aquele em que o carácter se estabilizou. W. Farnsworth Loomis, propôs recentemente uma teoria que explica o grau de pigmentação da pele a partir do ajustamento às necessidades da síntese da vitamina D. A vitamina D, que governa a absorção do cálcio pelo organismo, é sintetizada pela pele com a ajuda da exposição aos raios solares ultravioletas. Em igualdade de insolação uma pele não pigmentada sintetiza mais vitamina D do que uma pele pigmentada. A deficiência em vitamina D pode produzir certos desequilíbrios nomeadamente o raquitismo. O excesso de vitamina D pode, por seu lado, também ser nocivo. A variação da pigmentação traduz uma adaptação do organismo. Nas zonas mais ensolaradas durante o ano a pele é escura, a fim de evitar excessiva acumulação de vitamina D; nas zonas onde a exposição ao sol é menor, a pele é mais clara, até ser translúcida nos países mais ao norte, a fim de facilitar a síntese da vitamina D. Trata-se do mesmo mecanismo que produz nos homens de pele clara o bronzeamento como defesa perante uma excessiva exposição ao sol. Outra teoria é a da configuração do nariz, que representa uma adaptação ao clima, traduzindo um mecanismo de controle das perdas do calor e humidade pelo aparelho respiratório, assim como de ajustamento do ar inspirado às condições do equilíbrio interno do organismo. 5. A verdade, é que o debate sobre a incidência social da raça, e genericamente da hereditariedade, não se tem formado em torno da cor da pele ou da configuração do nariz, mas sim naquilo que não respeita puramente à preocupação médica com a incidência e possível tratamento de certas doenças, em torno de duas grandes questões: a) A relação entre a raça ou a hereditariedade e a inteligência; b) A relação entre a hereditariedade e o crime ou o comportamento marginal.

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9.3 – Hereditariedade, raça e inteligência: A questão da ligação entre a hereditariedade ou a raça e a inteligência tem sido posta sobretudo em face os resultados diferentes que dão aos testes de inteligência as crianças de diversos tipos somáticos. Nos Estados Unidos, por exemplo, tem-se verificado com certa frequência que as crianças negras apresentam à face dos testes quocientes de inteligência inferiores aos das crianças brancas. A investigação das causas deste fenómeno fez-se segundo três caminhos principais:

A) A procura da influência que podem ter nas característica mentais dos indivíduos respectivamente, a hereditariedade e o meio ambiente;

B) A critica do valor de medida da inteligência real que têm os teste em uso; C) A avaliação dos efeitos que pode ter no próprio desenvolvimento do cérebro

do indivíduos o meio ambiente em que são criados. 2. A relação entre a hereditariedade, a inteligência e o sucesso social foi objecto de muitos estudos desde do início do presente século, como reacção às teses racistas e especialmente às teorias hereditaristas de Galton e dos seus discípulos. Assim avançou-se uma teoria de que é ao meio ambiente social e educacional, mais do à hereditariedade, que é justo atribuir o sucesso educacional e social das pessoas. Explicando portanto que os jovens não têm à partida as mesmas oportunidades. Uns são criados em famílias prósperas e educadas e beneficiam de todo um ambiente favorável à aquisição das qualidades necessárias para alcançarem uma posição de distinção social. Outros são criados em ambientes modestos, marcados quer pela mediocridade educacional, pelo que têm necessariamente mis dificuldades em adquirir as qualidades necessárias a uma carreira a um nível social superior ao da sua família. Dada a forma como se processa a lotaria genética no momento da fecundação, é raro encontrar pessoas com hereditariedade idêntica. Na verdade, mesmo os filhos dos mesmos pais têm em regra hereditariedades diversas. Os únicos casos de hereditariedade idêntica, são os gémeos monozigóticos, que resultam de um único ovo que se cindiu para dar origem a mais de um indivíduo. Sendo assim tão raros os casos de hereditariedade idêntica, tão pouco são frequentes os casos de pessoas com hereditariedade idêntica criadas em meios diversos. Normalmente os gémeos são criados juntos na mesma família. Para comprovar a tese fez-se um esforço para descobrir casos de gémeos que por acidente tivessem sido criados longe um do outro (abandonados pelos pais, orfandade, etc.). Nos Estados Unidos uma equipa científica conseguiu descobrir e estudar alguns gémeos monozigóticos em tais circunstâncias, aos quais juntou, gémeos dizigóticos e irmão não gémeos criados m famílias diferentes, crianças adoptadas e criadas por casais junto com os seus próprios filhos. Foi assim possível mostrar que, embora a hereditariedade seja importante no que respeita à conformação de certas aptidões, o meio ambiente influencia sensivelmente muitas das capacidades que é possível medir através dos testes de inteligência.

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3. Esta conclusão, confirmada por numerosas observações, inspirou diversas medidas n domínio da política educacional e da política de assistência visando igualar as oportunidades dadas às crianças dos diversos meios sociais. Arthur R. Jensen, professor de Psicologia da Educação na Universidade da Califórnia (Berkeley) sustenta a necessidade de reconhecer o que decorre das observações que mostram que as diferenças de Inteligência têm um largo conteúdo hereditário, e por aí também racial, e o que se impõe em matéria de educação não é criar um sistema educacional idêntico para todos, mas um sistema adaptado às faculdades próprias de cada grupo. De qualquer modo defende que o problema requer uma investigação específica sobre as diferenças entre os grupos humanos que há que enfrentar. 4. Este debate fez ressurgir a já antiga questão do valor dos testes de inteligência. Os testes correntes, que são derivados dos testes concebidos por Binet em começos deste século para a selecção escolar das crianças, com vista a separar as atrasadas das com desenvolvimento normal, visam medir o quociente de inteligência ou o quociente intelectual, em termos de relação entre a idade mental e a idade cronológica, pela seguinte fórmula: QI = Idade mental x 100 Idade cronológica Assim se a criança estiver avançada em relação à média da sua idade surge um QI elevado, se estiver atrasada surge um QI baixo. O teste é construído segundo uma certa ideia do que é o nível médio em cada idade, ideia depois confirmada por validação experimental através da administração a um número representativo de indivíduos. O teste inclui elementos de natureza diversa que se reúnem por forma a compor um campo de avaliação várias aptidões. Como os testes foram concebidos como instrumentos de selecção escolar, aceita-se que os mesmo sejam uma boa medida de educabilidade, ou seja, da aptidão de um indivíduo para se adaptar a certo sistema escolar. Por outro lado, muitos dos elementos dos testes relacionam-se com o nível de conhecimentos, o que vem questionar se os testes são mesmo capazes de medir a capacidade inata como coisa distinta do potencial definido em certo ambiente social. Joanna Ryan, explica que «há várias razões para supor que é em princípio impossível medir “o potencial inato” e também que essa própria noção não faz sentido. A razão principal resulta do facto de que no processo de medida algum aspecto do comportamento corrente do indivíduo tem de ser usado, ou seja, algumas das perícias que se desenvolvem durante uma vida. Isto porque o potencial se exprime no comportamento efectivo; e não há nada extra “por detrás” do comportamento correspondente ao potencial que possa ser observado independentemente do próprio comportamento»… «Assim a noção de aptidão potencial, como alguma coisa abstraída de todas as interacções com o ambiente e ao mesmo tempo como alguma coisa mensurável no comportamento de uma pessoa, não faz sentido.»

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«Assim o que se afirma é que é impossível separar e medir com um teste de comportamento só as determinantes não ambientais da aptidão, uma vez que interactuam com o meio ambiente por forma a garantir que qualquer teste de aptidão tem inevitavelmente de envolver ambos os aspectos». As características ambientais penetram fortemente os testes a partir dos processos de normalização a que são sujeitos antes de adoptados para uso rotineiro. A normalização consiste em aplicar o teste a uma amostra que se procura tão representativa quanto possível das pessoas de certa idade a fim de definir o que é normal em cada idade. Outra questão coloca-se com os testes de Stanford- Binet e Wechsler, usados nos Estados Unidos e que foram normalizados apenas com base na população branca. Joanna Ryan, nota que quando se usam deste tipo para medir o QI dos negros o que se averigua é a aptidão destes para fazerem em cada idade as mesmas coisas que fazem os brancos nessa idade e não propriamente a sua posição relativamente às médias de desenvolvimento da população a que pertencem. Para medir a inteligência dos negros seria necessário normalizar os testes em relação à sua própria população. «As estimativas da hereditabilidade aplicam-se apenas à população estudada e ao seu meio ambiente particular. Assim a extrapolação das estimativas existentes da hereditabilidade às diferenças raciais pressupõe que as diferenças ambientais entre as raças são comparáveis às variações ambientais dentro delas»… «Que sejam ou não as variações de QI dentro de qualquer das raças inteiramente genéticas ou inteiramente ambientais não tem relevância para a questão da relativa contribuição dos factores genéticos e ambientais para as diferenças entre as raças.» 5. Pode dizer-se que o cérebro e o sistema nervoso adquirem as características que têm no estado de formação completa por efeito de duas características fundamentais: A especificidade, que respeita às reacções geneticamente programadas, embebidas no sistema por efeito da evolução anterior da espécie; A plasticidade, que permite a aprendizagem. O cérebro é, talvez mais do que qualquer outro órgão, influenciado pelas condições em que se passam os primeiros anos de vida. O seu desenvolvimento faz-se muito rapidamente: Aos cinco anos o cérebro tem 90% do peso que tem num adulto e aos dez anos 95%. Steven Rose, biólogo, explica que «o programa genético do indivíduo é uma expressão do conteúdo em ADN (os genes) do óvulo e do esperma de que se desenvolve. Mas este programa genético não pode nunca ser expresso sem um ambiente em que a expressão tem de ocorrer. Se o ambiente é inadequado o indivíduo simplesmente morre. Um ambiente mais ou menos favorável, quer sob a forma nutricional, quer sob a forma da interacção mental, pode ter efeitos decisivos sobre o desenvolvimento das faculdades naturais da pessoa. Diversos exemplos conhecidos mostram que o simples enriquecimento da dieta em idades jovens pode ter efeitos sensíveis no QI.

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Também se tem verificado que os gémeos têm em regra um QI inferior em cinco pontos ao dos não gémeos, facto que se mostra independente da condição social dos pais, da ordem do nascimento, tempo de gestação, dimensão da família e outros factores que poderiam ser relevantes. Na falta de outra razão aparente tem-se atribuído o facto à menor atenção que os pais podem dispensar a cada uma das crianças nascidas ao mesmo tempo. 9.4 – Hereditariedade, e criminalidade: 1. No final do Séc. XIX, antes que se tivessem descoberto as leis da genética, colocou-se a questão da hereditariedade poder ser uma predisposição para o crime juntamente com outras características físicas. O médico Italiano César Lombroso falou de um atavismo criminal ou seja, o reaparecimento num indivíduo de características desaparecidas na sua linhagem à uma ou vária gerações. O debate gerado pelo seu livro “ O Homem Delinquente” foi uma preciosa ajuda na estruturação da ciência da Antropologia Criminal. Dugdale (1887) e Goddard (1913) são exemplos de escritores que se debruçaram sobre o estudo de famílias com características particulares de criminalidade e mendicidade. Pelo contrário em 1913 Goring vem demonstrar, com recurso a observações antropométricas que não há diferenças de maior entre os condenados a cumprir penas em Londres e as pessoas comuns. Já desde finais do Séc. XIX, Gabriel Tarde e os seus discípulos em França, procuraram salientar a importância do ambiente social na formação deste tipo de comportamentos. 2. Hoje, grande parte das concepções de Lombroso foram abandonadas. Num livro recente Pierre Grapin sintetiza a antropologia criminal em 4 correntes: a) As tendências Neurocebralistas Anomalias de configuração neurocerebral responsáveis por determinadas propensões psicológicas ou psicopatológicas, como resultado de lesões congenitais ou de doenças ou traumatismos posteriores ao nascimento. b) As tendências Biotipológicas Resumo da totalidade dos indivíduos a um número restrito de tipos morfológicos (na base da conformação exterior do corpo) ou de tipos constitucionais (na base de características fisiológicas ou psicológicas) que se procuram relacionar com os actos delituosos ou criminais.

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c) A Genética Criminal Procura relacionar anomalias genéticas com a propensão para o crime. d) A Tendência Neo-Antropológica Procura redefinir o problema tendo em conta os conhecimentos actuais sobre a interacção entre a hereditariedade e o meio ambiente na conformação das personalidades individuais. Todas as concepções da genética criminal abandonam a ideia do criminoso nato e admitem em grau variável a incidência de circunstâncias de ordem ambiental no fenómeno crime. As anormalidades genéticas não impedem que os indivíduos que as possuem tenham uma vida socialmente útil. As mais conhecidas dizem respeito aos cromossomas que definem o sexo. XX – mulher XY – homem Quando os cromossomas aparecem em número superior ao normal há uma anomalia genética. O síndroma YY é a anomalia que mais frequentemente tem sido associada a comportamentos criminosos. Alguns homens com os cromossomas XYY têm sido responsáveis por crimes violentos, no entanto muitos especialistas de genética hesitam em concluir que esta composição cromossomática conduza necessariamente ao crime. Jonh H. Heller escreve que esta evidencia insuficiente para provar que todos os cinco milhões de indivíduos que se estima terem esta composição cromossomática o mundo, tenham tendências inatas agressivas ou criminosas. A tendência Neo-Antropológica é para situar o problema da delinquência no seu contexto social. Reconhece-se que não deve raciocinar-se em termos de predominância de um factor hereditário ou mesmo psicossomático. Há então o cuidado de individualizar as características do delinquente e ponderar os diversos factores que podem tornar-se actuantes para conduzir ao crime. Segundo Pierre Grapin o crime não é visto como consequência de um ou outro factor (hereditariedade ou meio ambiente) mas como resultado de coeficientes componentes, sendo necessário definir as proporções. Tal como se viu na inteligência, o que pode advir da hereditariedade não é indiferente mas é importante apurar o modo como estas propensões podem ser canalizadas e moldadas pelo meio social em que os indivíduos nascem e são educados. 9.5 – A declaração da U.N.E.S.C.O. sobre os aspectos biológicos da noção de raça O racismo teve um impacto catastrófico na política no período entre as duas grandes guerras e sobretudo no período hitleriano, por isso desde 1948 o conselho económico e social da O.N.U. solicitou à U.N.E.S.C.O. a realização de um programa de divulgação dos factos científicos pertinentes nesta matéria com vista a combater os preconceitos de raça. A U.N.E.S.C.O. promoveu um estudo sobre as raças e a declaração ficou datada de 18/07/1950. A 08/06/1951 foi ainda divulgada pela U.N.E.S.C.O. uma declaração de um grupo de antropólogos e geneticistas destinada a completar a declaração de 1950 em certos pontos que tinham sido objecto de critica por parte de alguns especialistas. Uma nova actualização foi necessária e aconteceu

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em Agosto de 1964 em Moscovo. O teor da declaração é o que a seguir se descreve no que diz respeito à relação entre hereditariedade, a raça e as características mentais: “13. A maioria das classificações raciais da humanidade não incluem traços ou atributos mentais como critérios taxonómicos. A hereditariedade pode ter influência na resposta aos testes psicológicos correntemente aplicados, no entanto não foi observada nenhuma diferença relativa ao que é medido por estes testes cuja razão seja essa hereditariedade. Além disso as diferentes respostas a estes testes são justificadas por amplas informações com a influência do meio físico, cultural e social. O estudo desta questão é prejudicado pela dificuldade em determinar o valor da hereditariedade nas diferenças médias observadas nos testes de inteligência geral entre populações de diferentes culturas. Os povos do mundo actual, parecem possuir potencialidades biológicas iguais para atingirem qualquer nível de civilização. As diferenças nas realizações dos diferentes povos têm de atribuir-se somente à história cultural. Alguns traços psicológicos são atribuídos a determinados povos mas nada prova que sejam influenciados por factores hereditários. Nem no que diz respeito às potencialidades hereditárias pertinentes à inteligência geral, à capacidade para o desenvolvimento cultural, nem no que diz respeito aos traços físicos há qualquer justificação para o conceito de “raças inferiores” e “raças superiores”.” 10. O MEIO FÍSICO 1. Ao meio físico é tradicionalmente reconhecida uma influência na forma de estruturação das sociedades. A geografia humana que interpreta a paisagem tem feito esta articulação. Maximilien Sorre diz-nos que os elementos variados que compõem a paisagem (arquitectura de solo, clima, formações vegetais, obras do homem) influenciam o modo de vida dos povos. O facto das sociedades permanecerem séculos nos mesmos lugares embebeu-as em todas as suas formas de uma cultura tradicional. Um dos atributos das antigas sociedades agrícolas europeias é a estabilidade. Os lugares eram reconstruídos depois das catástrofes no mesmo sítio ou muito perto, daí que seja possível observar num mesmo lugar edifícios de várias épocas e regimes diversos. No seguimento dos acidentes do meio físico, em conjunto com o regime económico dominante consolidam-se os laços entre diversos grupos instalados nos mesmos lugares. Por este facto têm-se estudado numerosas paisagens, regiões, sistemas de comunicações, mascas, fronteira e limites entre estados no âmbito da geografia regional, geografia das comunicações ou da geografia política. 2. O meio físico e o clima são segundo alguns, factores determinantes para os níveis de civilização alcançados uma vez que condicionam os níveis de prosperidade, de conforto, de saúde e longevidade, de educação, de produção industrial, etc... Ellsworth Huntington dá-nos um exemplo. Estudou que num país como os estados unidos, determinadas situações abaixo enumeradas diferem de zona para zona: Número de pessoas por divisão das habitações Número de nascimentos por mil habitantes Número de homicídios Proporção de famílias possuidoras de rádio Etc...

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Por isto e depois de estudar os factores subjacentes concluiu que estas diferenças se deviam a: Estado geral de saúde e vigor físico Inclinação para trabalhar Capacidade de trabalho Para este estudioso, além do vigor hereditário e do nível de cultura dos grupos, são também factores determinantes o meio físico e especialmente o clima (eficiência climática). A eficiência climática significa, a eficiência relativa que teriam pessoas com todas as características semelhantes se apenas se verificasse a variação climatérica. A eficiência climática revela-se no vigor e ritmo de trabalho que varia conforme as regiões, as estações, as horas do dia e mais geralmente, no vigor dos povos e nações. Esta definição defende que para além do que se pode atribuir à constituição hereditária e à cultura, o elemento fundamental do padrão geográfico revelado pela civilização é o clima. Segundo Huntington, toda a gente sabe que sentimentos humanos, saúde e actividade são extremamente sensíveis ao tempo e ao clima; por isso, apoiando-se em numerosos elementos estatísticos procurou delimitar as grandes zonas mundiais de diversa eficiência climática. A temperatura tem um papel relevante que se manifesta na variação dos rendimentos de trabalho nas fábricas, sendo que o valor óptimo de temperatura é igual para todas as raças. No seu entender, é a temperatura que explica que as grandes civilizações tenham surgido em primeiro lugar nas latitudes 25º a 35º e as civilizações menores entre os 25º e o equador. Os casos que se conhecem de grandes civilizações em zonas muito quentes, são realmente criações de povos que aí se estabeleceram no decurso de migrações, trazendo consigo culturas formadas em áreas de clima estimulante. Da mesma forma, a variação da natalidade é influenciada pela temperatura. Nos países frios as concepções diminuem no inverno e o máximo é atingido na primavera ou no verão, na altura em que a temperatura atinge o seu valor óptimo; pelo contrário, em climas muito quentes como por exemplo o norte da Índia, este valor óptimo coincidente com o máximo de concepções é atingido no Inverno, altura única em que a temperatura desce o suficiente. Tal como os animais nascem na primavera para terem mais probabilidades de subsistência, assim, para que o homem primitivo tivesse probabilidades de subsistência, era natural que a maioria dos nascimentos tivesse que ocorrer na primavera. A nossa espécie adquiriu as suas adaptações climatéricas primárias num tipo intermediário de clima moderadamente quente, mas de modo nenhum equatorial. Huntington explorou as relações entre o comportamento dos homens e as variações no clima, servindo-se de exemplos tirados de todas as partes do mundo. Procurou associar também estas variações às grandes transições históricas, migrações, conquistas, perda de dinamismo ou revigoramento após períodos de acalmia. Além disto, procura ainda encontrar nisto, explicação para os fenómenos cíclicos da economia e outros aspectos da vida social. No entanto procura que o clima seja não o único factor, mas um dos factores a ter em conta, a par da hereditariedade e do nível cultural. O clima actua como factor determinante ou deprimente. Assim, o determinismo geográfico de alguns autores antigos é agora substituído pelo possibilismo, que vê no meio físico um conjunto de possibilidades que podem ser aproveitados conforme as tendências culturais de cada homem.

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11. A CULTURA 1. As ciências sociais têm estudado aquilo que a antropologia cultural denomina como cultura. Na famosa definição de Merville J. Herkovits “A cultura é a parte do ambiente feita pelo homem”. Por este facto engloba as técnicas, a ciência, o direito, a moral, os costumes e tudo o mais que o Homem implantou sobre a natureza. Ao que no passado se chamava civilização hoje denominamos cultura. Esta palavra, aparece com o sentido que hoje lhe damos, pela primeira vez na obra de Gustav K. Kemm (1843-1852) “Allgemeine Culturgeschichte der Menschkeit, que é a história geral de cultura. Parece ser nesta obra que Taylor recolhe o novo sentido da palavra que na “Primitiva cultura” (1871) define desta forma “cultura ou civilização... é o todo complexo que inclui a crença a arte, a lei, a moral, o costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo Homem como membro de uma sociedade”. A partir de Taylor a palavra tornou-se de uso corrente em inglês, passando depois a outras línguas, no sentido antropológico. A aptidão para criar cultura é o que distingue os homens dos animais. A cultura passa de geração em geração moldando os comportamentos, as atitudes e as visões das coisas e das pessoas. A cultura constitui um todo, complexo, que absorve todos os aspectos da vida das pessoas. Cada grupo de pessoas implantado numa certa área é relativamente diferenciado de grupos vizinhos semelhantes, tendo por isso a sua própria cultura. Porém, essas culturas particulares são muitas vezes de uma mesma família cultural que abrange uma área mais vasta. Numa sociedade integrada, diversos grupos compõem uma mesma cultura global. No entanto algumas fracções de uma certa sociedade podem ter uma visão específica do mundo tão distinto que se pode dizer que estamos diante de uma subcultura. Esta ideia é definida por antropólogos que descrevem o ambiente social de bairros pobres quando esta pobreza coincide com marginalidade étnica. Para facilitar o esclarecimento dos factos individuais e das relações observadas entre eles é útil fazer uma decomposição de cultura em elementos componentes. Clark Wissler estudou os Índios do continente americano, procurando distinguir em cada cultura os traços componentes como sendo as menores unidades culturais individualizáveis. Estes agrupam-se em complexos culturais que por sua vez se agrupam em padrões de cultura. Como a observação mostra que muitos padrões culturais são comuns a povos vizinhos e se estendem por regiões extensas, chega-se assim à noção de área cultural que é uma área delimitada pela presença de padrões culturais substancialmente idênticos. Foi desta forma possível identificar em relação às culturas de índios americanos um certo número de áreas culturais. A aplicação destes conceitos depara-se porém com algumas dificuldades. É difícil chegar a acordo sobre quais as condições mínimas que um elemento cultural deve reunir para poder ser chamado de traço cultural. O mesmo acontece com o complexo cultural, padrão de cultura e área cultural. A expressão complexo de traços tem sido algumas vezes substituída por instituição, expressão igualmente controversa. Isto deve-se à grande densidade de culturas mesmo quando se trata de grupos que vivem nas condições mais rústicas.

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O próprio conceito de cultura tem suscitado muitas divergências entre os antropólogos. A. L. Kroeber e C. Kluckhohn., encontraram 164 definições que têm dificuldade de sintetizar, no entanto retêm como especialmente impotentes os seguintes aspectos: a) A cultura é uma categoria geral de natureza humana que serve simultaneamente

para classificar e explicar. b) A totalidade da cultura humana inclui os fenómenos culturais de todos os povos,

tempos e lugares na medida em que estes se podem conhecer c) A totalidade da cultura humana só pode ser padronizada em semelhanças gerais

em todos o tempos e lugares, de algumas das suas grandes categorias como a transmissibilidade, utilizando valores mais ou menos universais

d) No entanto, a cultura geral, é uma generalização, tal como a “vida geral na terra” e como tal não pode mostrar os contornos nítidos de fenómenos particulares.

e) Por isso é correcto distinguir entre cultura em geral (1. modo descritivo; 2. modo explicativo) e culturas particulares.

f) A cultura é produzida e mudada por indivíduos, influenciados pelos seus grupos, no entanto não está ligada pelo tempo fora a uma sociedade em particular.

g) Assim, a cultura deve ser entendida como um sistema ou categoria autónoma podendo ser tratada com relativa abstracção das personalidades e das sociedades.

h) Há uma constante interacção entre a personalidade individual e a cultura. i) A cultura só pode ser entendida como totalidade embora sejam os indivíduos e os

grupos os criadores da cultura. j) As culturas são organizadas uma vez que as variáveis dependem umas das outras k) A cultura não é o comportamento ou o seu estado unicamente, uma parte desta é

composta por normas para o comportamento ou modelos de comportamento, outra parte de ideologias que justificam certos comportamentos. Finalmente toda a cultura inclui princípios gerais de selectividade e ordenamento que são redutíveis a generalizações parcimoniosas.

3. Todas as culturas têm muitos aspectos análogos. Alguns aparecem frequentemente em quase todas as culturas; chamam-se “Universais da Cultura” , mas até nisso diferem as opiniões dos antropólogos que têm encontrado dificuldade em chegar a um modelo comum de sistematização dos factos observados. Esta dificuldade estende-se genericamente a todas as ciências sociais, que têm parte do seu objecto de estudo na cultura. Por este facto existe um sem número de pontos de vista e de conclusões diferentes. O ser humano, mesmo nos aspectos biológicos da sua natureza, está profundamente marcado pelo meio cultural onde nasceu e onde se fez o seu “treino social”. Além do conteúdo cultural do lugar onde existe, o homem exprime também nos seus impulsos mais íntimos, aspectos marcados pelo teor das relações sociais. Emile Durkheim diz-nos isto, afirmando que até numa questão tão pessoal como o suicídio, o indivíduo, baseia-se menos em motivos pessoais do que na expressão das grandes correntes sociais. 12. UMA AVALIAÇÃO CLÁSSICA DA INCIDÊNCIA DOS FACTOR ES DA EXPLICAÇÃO SOCIAL: O ESTUDO DE DURKHEIM SOBRE O SUICÍDIO 1. Durkheim diz que se chama suicídio a toda a morte que resulta mediata ou imediatamente de um acto positivo ou negativo, realizado pela própria vitima.

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Utilizando estatísticas recolhidas em França e países vizinhos, mostra que os suicídios mantém de ano para ano, características frequentes com determinadas oscilações. Diz ainda que a taxa de suicídios é uma ordem de factos una e determinada. Ao procurar encontrar-lhe as causas recorre-se a duas ordens de factores:

a) Factores extra-sociais b) Factores sociais

Relativamente aos factores extra-sociais, eram apontados na época de Durkheim os factores seguintes:

� Efeitos dos estados Psicopáticos � Efeitos da raça e da hereditariedade � Efeitos dos factores cósmicos � Efeitos da imitação (que segundo Durkheim deve ser vista como um

fenómeno da psicologia individual.) Examinando os possíveis efeitos psicopáticos conclui que a taxa social de suicídios não tem nenhuma relação definida com a tendência para a loucura nem por via de indução, com a tendência para as diferentes formas de neurastenia. A nível colectivo também não lhe parece que haja associação firme entre o alcoolismo e o suicídio. Afirma que não há nenhum estado psicopático que mantenha com o suicídio uma relação regular e incontestável. O facto de uma sociedade ter mais ou menos neuropatas ou alcoólicos não produz mais ou menos suicidas. Relativamente ao valor da hereditariedade, começa por criticar as definições de raça propostas. Depois, mostra pelas estatísticas de vários países e regiões que não existe relação firme entre o tipo ético ou a hereditariedade e a taxa de suicídios. Também relativamente à latitude em que habitam os homens, Durkheim não encontra nenhuma relação significativa com a taxa de suicídios, no entanto, parece-lhe haver uma firma ligação com a variação da temperatura ao longo do ano, tanto que há uma variação sazonal; mas não lhe parece que isto resulte propriamente da variação da temperatura ou mudança das estações. Repara que a maior incidência dos suicídios acontece numa altura em que os dias são mais longos e o que poderá determinar as maiores incidências de suicídio nem é propriamente a luz, mas a maior intensidade da vida colectiva. Escreve assim: “Se as mortes voluntárias se tornam mais numerosas de Janeiro a Julho não porque o calor exerça uma influência perturbadora sobre os organismos, é porque a vida social é mais intensa... mas não é o meio físico que a estimula directamente; sobretudo não é ele que estimula a marcha dos suicídios. Esta depende das condições sociais”. A análise dos efeitos da imitação vem contestar a concepção de Gabriel Tarde de que a imitação é o principal dos fenómenos sociais. Durkheim escreve: “Há imitação quando um acto tem por antecedente imediato a representação de um acto semelhante, anteriormente realizado por outrem, sem que entre esta representação e a execução se intercale nenhuma operação intelectual, explícita ou implícita, relativa aos caracteres intrínsecos do acto reproduzido”. Considera então que é incontestável que a imitação é responsável por diversos casos de suicídio, porém não lhe parece provável que haja tendência de propagação de uma corrente de suicídios dentro de uma sociedade ou de um grupo de indivíduos. 2- As causas decisivas das variações de taxa de suicídios tem que encontrar-se em factores de ordem social e estes dividem-se em três classes:

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a) Factores que conduzem a uma excessiva separação do indivíduo, do corpo social, uma excessiva individualização que dão origem a um tipo de suicídio que se designa por suicídio egoísta.

b) Factores que provocam uma excessiva subordinação do indivíduo à colectividade e que dão origem a um tipo de suicídio que se designa por suicídio altruísta.

c) Factores que conduzem a um exagerado relaxamento dos laços sociais, a um estado de insuficiente integração, de anomia (dissemelhança), que dão origem a um tipo de suicídio que se designa por suicídio anómico.

Durkheim faz então uma análise ao suicídio segundo o credo religioso, a instrução, o sexo, o casamento, o celibato, o divórcio e a viuvez, a coesão da sociedade política, etc... e constata que o suicídio egoísta resulta do enfraquecimento dos laços que ligam o indivíduo à sociedade. “O suicídio varia na razão inversa do grau de integração dos grupos sociais de que o indivíduo faz parte” ... “se, pois, convirmos em chamar egoísta este estado em que o individual se afirma com excesso em face ao social e à custa deste, podemos dar o nome de egoísta ao tipo particular de suicídio que resulta de uma individualização desmesurada.” O suicídio altruísta acontece em sociedades em que o indivíduo conta pouca coisa e é treinado para se sujeitar às necessidades da colectividade. São exemplos disto:

a. As mulheres indianas que se suicidavam por ocasião da morte dos maridos

b. A morte voluntária dos indivíduos quando atingiam determinadas idades avançadas

c. O suicídio dos servos que seguiam na morte os seus senhores d. O suicídio por motivos de prestígio e. Etc...

Se chamamos egoísta ao estado em que o eu não obedece a ninguém a não ser a si próprio, altruísta define bem o estado em que o eu se confunde com algo exterior a si próprio, em que o polo da sua conduta está situado fora de si, num dos grupos de que faz parte. O suicídio anómico acontece em épocas de grandes transformações sociais. Quer se trate de crises de escassez ou se pelo contrário se trata de mudanças que produzem abundância, a taxa de suicídios intensifica-se. “Toda a ruptura de equilíbrio, mesmo quando dela resulta uma melhoria de bem-estar e um aumento de vitalidade geral, impulsiona à morte voluntária.” Isto resulta do desregramento social, do estado de anomia e daí o nome de suicídio anómico. 3. Segundo Durkheim, a explicação para a taxa de suicídio tem que ser sociológica. “É a constituição moral da sociedade que fixa em cada instante o contingente de mortes voluntárias. Existe portanto, em cada povo uma força colectiva, de uma energia determinada, que impulsiona os homens a matarem-se. Os movimentos que o paciente realiza, e que à primeira vista, parecem não exprimir senão o seu temperamento pessoal, são na realidade, o seguimento e o prolongamento de um estado social que eles manifestam exteriormente.” É nisto que devem concentrar-se as tentativas de entendimento deste fenómeno social e de outros análogos. É também nesta base social que devem encontrar-se soluções para atenuar estes factos. Esse é o objectivo da ciência social, segundo Durkheim que afirma que uma crença ou uma prática social existe independentemente das suas expressões individuais.

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1º - O grupo formado pelos indivíduos associados é uma realidade de outra espécie (d’une outre sorte) que cada indivíduo tomado à parte. 2º - Os estados colectivos existem no grupo, da natureza do qual derivam, antes de afectar o indivíduo como tal e de se organizarem nele, sob uma forma nova, numa existência puramente interior. 13 AS RELAÇÕES SOCIAIS 13.1 As formas da solidariedade Este estudo de Emile Durkheim sobre o suicídio (ver ponto 12) mostra que por vezes as relações sociais levam o indivíduo ao suicídio pela excessiva coesão social, e outras vezes pelo excessivo relaxamento. Isto leva-nos necessariamente a estudar um quarto factor da explicação social, as formas da solidariedade. Segundo Durkheim as pessoas podem sentir-se atraídas umas pelas outras pelas suas semelhanças ou pelas suas diferenças ( o fraco sente-se atraído pelo forte ou o tímido pelo resoluto, mas nunca o franco pelo hipócrita ou o pródigo pelo avarento). Solidariedade mecânica – Aquela em que a atracção e interdependência se estabelece entre as pessoas de modo a que se movam em bloco, como um só corpo. Neste tipo de solidariedade as crenças e sentimentos comuns predominam sobre os individuais. Quando a consciência colectiva corresponde ponto por ponto à individual, a solidariedade que deriva das semelhanças atinge o seu máximo, porém, a nossa individualidade é nula. A nossa personalidade desaparece porque deixamos de ser nós próprios para falarmos de um eu colectivo. Solidariedade orgânica – Acontece quando as pessoas se movimentam independentemente umas das ouras embora ligadas ao todo de uma forma que se complementam, sendo isto assente na divisão do trabalho social. Segundo Durkheim, neste tipo de solidariedade, a consciência colectiva permite a visibilidade de uma parte da consciência individual, e quanto maior for esta parte individual, maior será a coesão desta solidariedade. Cada um depende mais da sociedade, quanto mais dividido for o trabalho, e a actividade de cada um é mais pessoal quanto mais for especializada. A individualidade do todo aumenta ao mesmo tempo que a das partes. A sociedade torna-se mais capaz de se mover em conjunto à medida que cada elemento tem mais

movimentos próprios.

O que somos individualmente (a sociedade agindo em nós) Consciência 1

Indivíduo

Consciência 2 Comum a todos os elementos de um grupo

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Estes dois tipos de solidariedade correspondem a estruturas sociais diferentes. A solidariedade mecânica diz respeito a um tipo de sociedade homogénea em que os elementos componentes não estão organizados de uma forma definida (povos primitivos, sobretudo), Darkheim, chama a isso Horda, agregado de onde terão saído todos os tipos sociais. Chama Clã à horda que deixou de ser isolada para se encaixar num conjunto mais vasto, e aos povos que resultam de um agregado de clãs chama Sociedades Segmentares à Base de Clã. O clã é um grupo familiar e político, familiar porque inicialmente existem laços de sangue que unem os elementos, no entanto com o crescimento, estes laços desaparecem e são apenas simbólicos. A autoridade política é exercida por um chefe também com base familiar. Os clãs podem associar-se horizontalmente como anéis de um anelado dando origem às sociedades segmentares ou verticalmente dando origem a sociedades mais vastas, porém a solidariedade assenta sempre na homogeneidade e fica comprometida quando alguém quando alguém se diferencia demasiado. Os elementos deste tipo de grupo não podem ser tão iguais que se tornem invisíveis nem tão diferentes que comprometam a homogeneidade. Pelo contrário a solidariedade orgânica assenta nas diferenças que os seus membros detêm, coordenados por um órgão moderador. As pessoas agrupam-se, não em função de descendência, mas em tendo em conta as funções sociais que desempenham. Este sistema não pode “coexistir” com o anterior, antes, para que exista, o anterior tem que ser substituído. A história mostra-nos que os clãs das sociedades primitivas evoluíram progressivamente, fazendo-nos chegar a uma organização segmentar de base territorial, dando então lugar a comunidades locais, como elementos organizadores da sociedade. Com a diminuição de importância dos clãs, as relações entre os indivíduos alargam-se, juntando pessoas dos diversos segmentos. A este fenómeno Durkheim chama aumento da densidade dinâmica ou moral. Ao mesmo tempo dá-se um fenómeno de aproximação natural a que chama aumento da densidade notarial (este dá-se através da concentração das populações e melhoria das comunicações). O aumento da densidade moral depende da densidade material. O aparecimento das cidades é o clímax deste processo, uma vez que acontece uma condensação da sociedade ao mesmo tempo que se vê um alargamento da massa populacional (elevação do volume social). A solidariedade mecânica, ligada a crenças e práticas uniformes, assentes na família e no parentesco aparece muito relacionada com instituições como o comunismo e a um direito repressivo contra quem se desvia do comum. A solidariedade orgânica está ligada à aceitação da diferença, a laços sociais de natureza contratual, à especialização das actividades e a um direito restitutivo. Neste, a censura colectiva é menos pesada. 2 – Georg Simmel procura separar o conteúdo da forma nas relações sociais da seguinte maneira:

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a) Conteúdo: tudo o que está presente nos indivíduos sob qualquer forma (inclinação, interesse, impulso, estado psíquico, etc...) tudo o que está presente no indivíduo capaz de provocar efeitos em outros ou receber os efeitos de outros. Estas coisas não são sociais. O amor, fome, trabalho, resultado da inteligência, não são sociais, são factores de associação.

b) Forma: inclinação, interesse, impulso, estado psíquico, movimento que

revelam o conteúdo, transformando a mera agregação de indivíduos isolados em formas específicas de estar com e para os outros. Associação é assim a forma (realizada de inumeráveis maneiras diferentes) como os indivíduos desenvolvem juntos unidades que satisfazem os seus interesses (sociabilidade).

A constituição da relação social é um valor em si própria independentemente de qualquer conteúdo. O sucesso da reunião é marcado pelo prazer dos indivíduos estarem juntos e por isso o tacto, a cordialidade, a sensibilidade e simpatia têm aqui um papel importante. 3 – Radcliffe Brown impulsionou o desenvolvimento de uma antropologia social que procura distinguir na vida colectiva, o que respeita às relações sociais do que se reporta à cultura. Assim à antropologia cultural cabe estudar a cultura (o conteúdo) enquanto a antropologia social estuda as relações sociais que são um processo de acções e interacções. A antropologia social segundo Brown lida não com uma essência mas com um processo: o da vida social. Este é o primeiro objecto da investigação, a vida social de uma certa parte do globo durante um certo período de tempo. O processo consiste em acções e interacções de seres humanos, agindo individualmente ou em grupos. É possível encontrar regularidades entre a diversidade de acontecimentos, pelo que se torna possível descrever certos traços gerais da vida social de uma determinada região (uma forma de vida social). Radcliffe Brown define a antropologia social como a teoria comparativa das formas de vida social entre os primitivos. Os vários elementos da vida social estão ligado entre si constituindo um sistema social, por isso, para compreender um traço de uma forma social temos que situá-lo em relação ao sistema de que faz parte. O sistema social é um processo em evolução contendo algumas relações estáveis e outras em acentuada transformação. Um sistema social é um sistema que se adapta segundo três aspectos:

a) Adaptação ao meio físico (adaptação ecológica) b) Ordenamento dos vários componentes institucionais de uma vida social

(adaptação institucional) c) Processo de aquisição pelos indivíduos dos comportamentos próprios da

cultura do grupo (adaptação cultural). Estrutura Social é o ordenamento particular das partes que constituem o todo social. A relação entre um traço social e a sua estrutura é a sua função. Segundo este autor, os conceitos de processo, de estrutura e de função sociais são os componentes de uma teoria única ou seja, os elementos de um esquema de interpretação dos sistemas sociais humanos. Função define as relações do processo e da estrutura. Esta teoria é aplicável ao estudo da permanência das formas da vida social e igualmente aos processos de mudança dessas formas.

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Esta preocupação com as relações sociais como uma realidade própria tem criado uma acentuada divergência. Radcliffe Brown diverge completamente dos pontos de vista de Malinowski que se volta mais para o estudo da cultura. Esta divergência ampliou-se à escala de toda a ciência antropológica. Os antropólogos americanos mantêm-se fiéis à orientação “culturista ” enquanto os britânicos juntamente com os do Commonwelth defendem a orientação “estruturalista”. Para esta corrente, a antropologia social, é vista como um ramo da sociologia que se preocupa sobretudo com as sociedades primitivas e por isso procura os seus antecedentes teóricos na obra de Spencer e Durkheim que são tomados como fundadores da sociologia e da antropologia. Evans Pritchard, figura eminente da escola britânica, diz assim num texto de uma série de palestras pronunciadas em 1950 na BBC: “ os primeiros antropólogos (Durkheim, Morgan e Spencer) concebiam aquilo a que hoje se chama de antropologia social como a classificação e análise funcional das estruturas sociais. Este ponto de vista é sustentado ainda pelos adeptos de Durkheim em França, alguns antropólogos britânicos e na sociologia formal alemã (Simmel, Von Wise). Taylor, pelo contrário, é mais inclinado à etnologia pelo que considera que o objecto da antropologia é classificar e analisar as culturas. Este ponto de vista foi muito defendido pelos antropólogos americanos, provavelmente pelo facto de eles estudarem sociedades Índias fraccionadas ou desintegradas onde se tornava mais fácil estudar a cultura do que as relações sociais. Além disso, normalmente os investigadores americanos não faziam trabalho de campo intensivo por desconhecerem as línguas vernáculas, ao (contrário dos britânicos) e tinham mais inclinações para estudarem a cultura e os costumes do que as relações sociais. Quando um antropólogo descreve uma sociedade primitiva, descreve a realidade, o comportamento de base que contém a sociedade e a cultura, e por isso a distinção entre ambas atenua-se. 13.2 As Formas da Sociabilidade de Gurvitch 1 – Georges Gurvitch cria um esquema de interpretação sociológica em que inclui uma sistematização das formas de sociabilidade, como elemento central do que se chama hoje “relações sociais” e “interacção social”. Trata-se de encontrar os tipos sociais que efectivamente se combinam nos fenómenos mais complexos, os tipos sociais mais gerais e mais abstractos. Afirma que os componentes mais elementares da realidade social são constituídos pelas múltiplas maneiras de estar ligado no todo e pelo todo. As formas da sociabilidade são fenómenos sociais totais e por isso contêm todos os escalões em profundidade, mas são a-estruturais podendo mesmo assim ser usadas pelas unidades colectivas reais macrossociológicas no seu processo de estruturação. Estas são tipos microssociológicos que repetidos e combinados ajudam a compreender os tipos de unidades colectivas particulares (grupos de actividade, localidade, parentesco, etc...) e os tipos que resultam da sua combinação hierárquica, da sua integração e desintegração na sociedade global (quadros estruturais dessa sociedade). Procura distinguir a sociabilidade espontânea da sociabilidade organizada (rígida, cerimonial, preestabelecida). Pegando na espontânea subdivide-a em Sociabilidade espontânea por interpenetração (participação e fusão parcial do nós) e

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sociabilidade espontânea por oposição parcial e ligação mutua entre eu, tu, ele constituindo as relações com outrem. A participação num Nós leva as pessoas no seio de um grupo a criarem algo diferente das diversas contribuições individuais. Nós é uma unidade que não se pode decompor embora dependa das partes ao mesmo tempo que as partes dependem do todo. A intensidade deste fenómeno é variável conforme os “nós” são activos ou passivos, conscientes ou semiconscientes, etc... Esta participação não implica a identificação dos participantes no entanto pressupõe uma semelhança acompanhada de diferenças. Havendo identidade dos elementos o grupo não se constituiria em quadro social, em “todo concreto” antes iria dissolver-se numa reunião sem ligações entre exemplares idênticos. É necessária uma certa afinidade entre os membros participantes num mesmo conjunto, conjunto este que serve de base à diferenciação entre os elementos. À medida que esta diferenciação cresce, a afinidade aumenta também assim como a participação no conjunto. No que diz respeito às relações com outrem, o sentimento de relação conjunta, também está presente, no entanto o elemento de delimitação e diferenciação dos participantes sobrepõe-se ao elemento comum (Nós). É este o motivo porque Gurvitch denominou as relações com outros, como sociabilidade por oposição parcial. Esta heterogeneidade estende-se a todas as formas de relações com outrem, e isto abrange as relações de conflitos, direitos e deveres, bem como as relações familiares próximas. O autor dá-nos o exemplo de um casal cuja união revela as duas formas de sociabilidade:

b) Sociabilidade por participação num Nós, por exemplo em relação aos filhos c) Sociabilidade por oposição parcial e ligação mutua no que respeita à relação

entre os cônjuges. 2 – Os vários graus de intensidade que pode apresentar a sociabilidade por fusão parcial do Nós permite definir como tipos:

a) A massa b) A comunidade c) A Comunhão

Massa – Quando o grau de participação no Nós é fraco, limitando-se ao aspecto superficial. Comunhão – O ponto máximo de fusão do Nós, cuja influência e atracção penetra até ao mais intimo do eu dos participantes. Comunidade – Situação intermédia em que a participação no Nós é muito mais abrangente que a observada na massa, reservando-se no entanto ainda uma certa independência de determinados aspectos do eu. Quanto maior é a intensidade da fusão do Nós, menor é a pressão do colectivo sentida pelos membros uma vez que uma grande identidade como o Nós torna os membros pouco sensíveis à sua própria individualidade. Por outro lado, a intensidade de fusão e a força de atracção do Nós variam no mesmo sentido, havendo portanto uma maior atracção quando a intimidade é maior. Cada Nós, é mais intimo quanto menor for o número dos seus componentes, e ao aumentar-se o número de membros a intimidade diminui. Ao mesmo tempo, a sociabilidade por oposição parcial pode levar a vários graus de intensidade nas relações com outrem:

a) Relações de aproximação

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b) Relações de afastamento c) Relações mistas

Na análise de Gurvitch às formas de sociabilidade por fusão parcial e por oposição parcial dá-nos conta da sociabilidade activa e da sociabilidade passiva, tendo em conta a participação ou oposição gerada pelos fenómenos da sociabilidade. Distingue também dentro dos Nós activos, os Nós unifuncionais (que realizaram apenas uma obra em comum). Os nós multifuncionais (que realizaram várias obras em comum) e os nós suprafuncionais (que têm funções múltiplas, difíceis de enumerar). Gurvitch salienta a necessidade de distinguir os diferentes casos conforme o grau de abertura às formas de sociabilidade espontânea, considerando os casos de sociabilidade organizada segundo o princípio de domínio e segundo princípio de colaboração. Distingue ainda entre os Nós (organizados ou não) que servem o interesse geral ou interesses particulares. 13.3 O Fenómeno Grupo 1 – Os grupos situam-se no plano macrosociológico e estão mais perto dos níveis mais rígidos e organizados do social do que das formas de sociabilidade em que a espontaneidade é mais visível. Os grupos não se confundem com a sociedade global, nem são apenas relações de interacção e interdependência que ligam os indivíduos. Cada pessoa pertence a inúmeros grupos. 2 –

a) os grupos não são uma quantidade ou uma colecção de indivíduos semelhantes nem simples categorias sociais. (Os indivíduos do mesmo sexo, da mesma idade, da mesma profissão, etc... não constituem apenas por isso um grupo).

b) Os grupos não são médias estatísticas. (O homem médio, o chefe de família médio, o operário ou o intelectual médio não traduzem realidades sociológicas. É possível formular-se a este respeito conceitos matemáticos mas estes não têm necessariamente que bater certo com a realidade, ao ponto do contraste entre o resultado destes conceitos e a realidade ter sido utilizado pela escola sociológica americana como teste da realidade do grupo).

c) Os grupos não são simples ajuntamentos (assemblages) de pessoas reunidas e justapostas. (As pessoas que por qualquer motivo se encontram num determinado local, não têm que ser grupo. Muitas vezes um grupo é constituído por pessoas distantes embora ligadas de alguma forma).

d) Os grupos não são simples relações sociais nem relações sociais positivas e complementares nem sistemas ou unidades de interacções humanas. (Sociólogos americanos influentes, têm-se dedicado sobre este aspecto, insistindo nas relações com outrem da sociabilidade, porém têm desconhecido o papel desempenhado pela participação num mesmo Nós, mesmo como elemento das relações com outrem. A acentuação exclusiva do aspecto positivo ignora que as oposições têm também importância, pertencendo à mesma realidade comum cuja unidade permite que um grupo possa de facto existir).

e) Os grupos não são simples conjuntos de estatutos e de papéis sociais. (Normalmente, os estatutos e os papéis sociais definem-se como consequência da participação dos indivíduos nos grupos pelo que a realidade de grupo se lhes sobrepõe).

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f) Os grupos não podem reduzir-se às associações. (As associações podem aparecer como caso particular de grupos voluntários, já os grupos formado no sentido de satisfazer diversos interesses não são associações).

g) Os grupos não podem ser reduzidos às organizações. (São um fenómeno social total que pode actualizar-se a todos os níveis de manifestação dos fenómenos, não podem exprimir-se apenas num dos aspectos das formas de sociabilidade. O papel da organização pode ser importante, no entanto tem que haver no grupo uma realidade expontânea que pode ter um papel decisivo no equilíbrio das tensões que definem a realidade do grupo).

h) Os grupos não podem ser reduzidos às formas de sociabilidade nem às sociedades globais. (os próprios grupos constituem um equilíbrio de formas de sociabilidade e os vários grupos interligados são a própria sociedade global).

3 – Por tudo isto, Gurvitch define grupo como uma unidade colectiva real mas parcial, directamente observável e assente em atitudes colectivas, contínuas e activas, tendo uma obra comum a realizar, unidade de atitudes, de obras e de comportamentos, a qual constitui um quadro social estruturável tendendo para uma coesão relativa das formas de sociabilidade. Os grupos são unidades colectivas que englobam uma multiplicidade de formas de sociabilidade e são um elemento constitutivo das sociedades globais. A sua existência depende da presença de atitudes comuns e activas por parte dos seus constituintes, uma vez que as atitudes mesmo que comuns, se não forem duradouras são incapazes de reunir as pessoas num grupo. A obra comum e a unidade de comportamentos dão-lhe uma certa coesão fazendo-o sobrepor-se às relações com outrem e ao sistema de Nós. A constante evolução dos múltiplos elementos do social, dentro do grupo pode permitir uma certa organização das múltiplas hierarquias existentes e uma definição do grupo relativamente ao meio em que se insere. Esta estruturação pode vir a traduzir-se ou não numa ou mais organizações conforme as tendências do grupo.

A OBSERVAÇÃO E ANÁLISE DOS FACTOS SOCIAIS

14. OS PROBLEMAS DA OBSERVAÇÃO Os factos que são objecto de estudo das ciências sociais são rodeados de uma certa delicadeza, e isto dificulta muitas vezes a observação. Os indivíduos têm dificuldade em aceitar que alguém possa ter em relação a eles uma posição de simples curiosidade científica. Isto pode vedar o acesso a muitas opiniões, atitudes, comportamentos, realizações e outros factos, criando vivas reacções de oposição à curiosidade exterior. Relativamente à vida íntima dos indivíduos não é fácil conseguir que as pessoas prestem informações nem é socialmente correcto solicitá-las. Isto impõe o maior cuidado para se manter dentro do tolerável em cada sociedade. As diversas técnicas de observação usadas nas ciências sociais podem agrupar-se, segundo Maurice Duverger, em três categorias principais:

a) A observação documental, que procura estudar os factos sociais a partir dos documentos dos mais diversos tipos, que estes tenham deixado atrás de si.

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b) A observação directa extensiva, que procura estudar os actos para além dos documentos, situando-se nas grandes comunidades e recorrendo muitas vezes ao estudo de amostras representativas.

c) A observação directa intensiva, que procura penetrar nas pequenas comunidades e nos comportamentos individuais, procurando a visão em profundidade.

Quando necessário, estes caminhos combinam-se para o estudo de cada questão.

15. A OBSERVAÇÃO DOCUMENTAL 15.1 Os Diferentes Tipos de Documentos 1. Podem ser utilizados os mais diversos tipos de documentos. Duverger propõe a seguinte classificação:

1- Documentos escrito a. Arquivos públicos e documentos oficiais b. Imprensa c. Arquivos particulares d. Documentação indirecta (anuários, dicionários, literatura de ficção)

2- Estatísticas 3- Outros documentos

a. Documentação técnica b. Documentação iconográfica (tudo o que tem a ver com imagens)e

fotográfica c. Documentação fonética

2. Documentos escritos. Os arquivos públicos e os documentos oficiais são as fontes de informação mais importantes. Os serviços públicos possuem numerosos arquivos de relativamente fácil acesso e muitos ramos da administração publicam anuários, boletins, relatórios, etc... Os governos divulgam relatórios, comunicados, livros-brancos e algumas publicações periódicas como por exemplo o diário do governo. Juntam-se também em arquivo os debates dos parlamentos, câmaras e assembleias municipais, juntas de freguesia etc... juntamente com os documentos que lhes foram presentes. Porém e tendo em conta as normas que envolvem estes documentos, nomeadamente a obrigação de segredo, é muitas vezes vedado o acesso por várias dezenas de anos (até que decorra o prazo mínimo). Para além da informação propriamente dita, estes documentos revelam-nos os interesses e preocupações da administração pública de cada época. É um bom exemplo disto, a utilização de anúncios, louvores, etc,,, publicados nos boletins oficiais de Angola pelo Prof. João Pereira Neto. A dificuldade de acesso aos arquivos públicos recentes impõe o recurso à imprensa periódica. A informação é rodeada muitas vezes de inexactidão, porém dá um valioso testemunho sobre a evolução da opinião pública. Quando esta imprensa diz respeito a determinados grupos profissionais ou ramos de actividade pode dar-nos informações sobre esses grupos, seus pontos de vista, programa e objectivos. Hoje, a imprensa periódica, pode ser mesmo abordada, não como mera fonte de informação mas como objecto directo de estudo.

� As suas tomadas de posição � Maneira como são apresentados os acontecimentos

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� Grupos em que se apoia � Grupos a que se dirige

Os arquivos particulares de indivíduos ou organizações, por vezes privilegiados relativamente a certos assuntos são também fontes preciosas de informação, porém estão também muitas vezes sujeitas ao segredo. A documentação indirecta (anuários, dicionários biográficos, listas telefónicas, etc...) quando utilizada de forma apropriada pode fornecer informações valiosas sobre personalidades e grupos. A literatura de ficção, seja ela de melhor ou pior qualidade do ponto de vista literário ou artístico fornece informações sobre os costumes de cada país e época e dos diferentes grupos, apresenta as suas atitudes, valores, interesses, etc... ajudando no entendimento de certos fenómenos. Qualquer documento escrito, independentemente do que lhe deu origem, pode ser útil ao estudioso que o souber explorar de forma apropriada. Exemplo disto são os conhecidos estudos de Gilberto Freye sobre a sociedade brasileira, nomeadamente “Casa Grande e Sanzala”, “Sobrados e Mucambos” e “Ordem e Progresso” 3. As estatísticas que existem em grande número nos países desenvolvidos são um ponto de apoio essencial à análise da economia e servem igualmente ao estudo de outros domínios das ciências sociais; neste caso, dá-se especial atenção aos censos realizados de 10 em 10 anos. Os censos fornecem informações sobre:

� Características morfológicas básicas da população � Grupos étnicos � Grupos regionais � Grupos socio-económicos � Outros facilmente identificáveis

Outras estatísticas que podem dar importantes informações acerca da vida colectiva são:

� Estatísticas do registo civil � Da educação � Dos tribunais � Dos impostos � Do comercio e da industria � Inquéritos às condições materiais de vida � Etc...

As estatística do registo civil, além de nos darem conta da evolução das taxas de natalidade, mortalidade e nupcialidade, permitem-nos estudar o comportamento das classes de idade e dos grupos regionais, socio-económicos, etc... As estatística do comércio permitem-nos analisar os produtos que são objecto de troca, depois os padrões de consumo o que nos conduz necessariamente à análise do estilo de vida. As estatísticas dos tribunais e prisões permitem-nos analisar o tipo de criminalidade e distribuí-la pelas categorias sociais e áreas de um país, etc... As estatísticas dos impostos informam-nos sobre as receitas dos diversos grupos e tipos de actividade. As estatísticas dos transportes e comunicações, sobre a forma como o exterior pode penetrar nas diversas áreas de um país. As estatísticas sobre os processos movimentados pelos diferentes ramos da administração, sobre os problemas que preocupam o público, etc... 4. Os outros documentos são todos os objectos utilizados pelo homem, desde instrumentos manuais até às edificações que lhe serviram de habitação. Para a pré-

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história e as civilizações que não deixaram escrita ou que pelo menos ainda não foi possível decifrar, este é o principal ou único apoio dos estudiosos. São também incluídas aqui as imagens e a linguagem. Duverger agrupa-os da seguinte forma:

� Documentação técnica � Documentação iconográfica e fotográfica � Documentação fonética

São documentação técnica, objectos destinados à produção, objectos de defesa e guerra, vestuário, habitação e móveis. Podem ser analisados tendo em conta as características dos materiais com que são feitos, os fins a que se destinam e o que significam para quem os utiliza. Assim, avalia-se o estado da cultura, o seu nível tecnológico e a importância que para ela têm os objectos que a rodeiam. A documentação iconográfica e fotográfica está muito valorizada sobretudo pela larga difusão da fotografia como um instrumento indispensável ao estudo de muitos factos sociais. A documentação linguística e fonográfica que se obtém graças às modernas técnicas de gravação, é uma mais valia no estudo das línguas e também na análise da evolução dos grupos no decorrer das suas sessões de debate, ou para o estudo das técnicas de propaganda, etc... 15.2 A Análise dos Documentos 1. Os métodos tradicionais seguem certos processos de crítica interna e externa. Critica interna – para o entendimento do sentido exacto do conteúdo do documento. Critica externa – para esclarecer o contexto em que surgiu e o impacto social que veio a ter o documento. Procura-se estabelecer:

� O sentido das ideias � A autenticidade do documento � A verdade � A correspondência do conteúdo aos factos � Os condicionantes sociais em que se apresenta

Estas preocupações orientam a análise histórica. A análise jurídica procura o sentido interno e o contexto ideológico. A análise psicológica procura estabelecer os motivos individuais e os condicionalismos sociais. A análise dos documentos estatísticos segue métodos diversos que procuram estabelecer a plausibilidade dos dados estudando a sua coerência interna e comparando elementos de diversas fontes, e assim evidenciar as linhas mestras que dão sentido a milhares ou milhões de casos de forma a poderem organizar-se numa estatística. 2. Os métodos quantitativos modernos. Entre os métodos modernos de análise de documentos, salientam-se os métodos quantitativos de análise de material qualitativo muito desenvolvidos pelos estudiosos americanos.

� Semântica quantitativa – assenta na análise de frequência com que aparecem determinados vocábulos nos textos e é sobretudo usada na reconstituição de documentos antigos.

� Análise de conteúdo – estuda a imprensa, radiodifusão, panfletos, etc... e têm como objectivo seleccionar na massa dos textos as linhas mestras e as tendências que lhe dão o seu sentido real. Trata-se de seguir nos noticiários ou na imprensa de diversas tendências, e nos programas radiofónicos de diversas emissoras, o aparecimento de

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diversas palavras ou ideias que revelam as correntes de opinião ou as teses ideológicas dissimuladas na apresentação aparentemente objectiva dos factos. É muito usado nos EUA no estudo das campanhas eleitorais assim como na análise da propaganda das potências estrangeiras. Tem sido particularmente usada para estudar as tendências dos países comunistas, obre os quais se dispõe de escassas informações, através do material apresentado na imprensa para uso interno e externo.

� A frequência de aparecimento de certos temas � A referencia mais ou menos numerosa de determinados

problemas � A menção mais ou menos frequente de determinadas

personalidades (Têm sido utilizadas para chegar às tendências e correntes políticas

subjacentes à acção externa e interna dos governos). 16. A OBSERVAÇÃO DIRECTA EXTENSIVA 16.1 A Amostragem A observação directa extensiva tem como objectivo analisar uma população numerosa de forma a que os resultados se aproximem da realidade, consiste em fazer uma sondagem, transportando os dados da parte para o conjunto. É necessário escolher as pessoas a sondar de forma que sejam indicativas do conjunto. Existem dois métodos para esta sondagem:

� O método das Quotas, geralmente usado para avaliar a opinião pública sobre certos produtos ou nas sondagens pré-eleitorais. Consiste em escolher quotas como por exemplo um certo número de homens, de mulheres, de pessoas de vários grupos etários, das diversas profissões, de zonas rurais, de zonas urbanas, etc... As pessoas a interrogar poderão se livremente escolhidas pelo entrevistador desde que tenham as características especificadas.

� O método probabilistico, em que as pessoas são escolhidas ao acaso, de forma a que todas as pessoas tenham a mesma probabilidade de vir a ser incluídas na amostra independentemente das suas características. Podem escolher-se nomes à sorte numa lista ou ficheiro que inclui o grupo completo que se pretende estudar. Pode em vez disso escolher-se por clusters, interrogando agregados e vez de indivíduo. Pode ainda escolher-se por clusters e dentro deles escolher novamente aleatoriamente os indivíduos a interrogar, finalmente pode ainda escolher-se por estratificação. Cria-se um modelo teórico, escolhendo os diversos estratos que são relevantes, depois escolhe-se ao acaso dentro de cada estrato.

Existem dois casos particulares da técnica de sondagem � Sondagem por fases – numa primeira fase constitui-se uma grande

amostra a que se faz um inquérito rápido. Deste grupo escolhe-se outro menor que é submetido a um inquérito mais profundo e assim sucessivamente.

� Método do Master-sample – cria-se uma amostra permanente, geralmente volumosa que é representativa do conjunto da população.

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Dentro desta amostra seleccionam-se amostras apropriadas para inquéritos particulares por sondagem probabilistica. Este sistema tem sido utilizado pelos serviços de recenseamento dos EUA.

Os métodos de sondagem probabilistica são mais escolhidos pelos serviços de estatística oficiais e pelos centros de estudo universitários que pões em causa os resultados do método das quotas utilizado pelos institutos de opinião pública, apesar de que estes quando afinados por uma longa experiência tem apresentado resultados incontestáveis. 16.2 A Técnica do Questionário 1. A Elaboração do questionário. É apresentado um questionário a todos os componentes da amostra. A preocupação dominante é que o questionário dê oportunidade às pessoas de se exprimem por forma a transmitirem as opiniões que de facto são relevantes. As condições decisivas do valos das informações colhidas por observação extensiva são:

� A fidelidade que exprime a capacidade do questionário suscitar a constância das respostas pelas mesmas perguntas feitas às mesmas pessoas.

� A validade que traduz a capacidade das perguntas suscitarem respostas, realmente relevantes.

� Representatividade da amostra Para elaborar um questionário é relevante:

a) O tipo de perguntas a incluir b) A ordem de apresentação das perguntas e o seu número c) A redacção dada às perguntas

Quanto ao tipo de respostas consentido pelas perguntas, tem-se optado por diversas fórmulas:

� Perguntas fechadas � Sim ou não � Uma ou duas respostas alternativas

� Perguntas abertas � Resposta livre sem sujeição a nenhum esquema

� Série de respostas � O interessado escolhe a que corresponde à sua ideia � Normalmente por graus de intensidade

� Aprovo totalmente � Aprovo com reservas � É-me indiferente � Não aprovo de modo nenhum

Relativamente ao conteúdo, o questionário pode ter em vista: � Factos � Opiniões do interrogado � Intenções do interrogado

Um questionário compreende perguntas de diferentes tipos conforme a exigência dos vários temas tratados e algumas perguntas com o objectivo de verificar a fidelidade das respostas. O número de perguntas varia conforme os destinatários, por um lado tem que ser limitado para não desencorajar os interrogados, porém, é conveniente ter várias perguntas sobre os diversos assuntos para servir de verificação.

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A ordem das perguntas tem em vista pôr as pessoas à vontade antes de abordar assuntos importantes, por isso normalmente as primeiras perguntas são normalmente respondidas sem que a pessoa se sinta demasiadamente comprometida. Por outro lado, tem em conta que umas perguntas podem influenciar outras, por isso, normalmente repartem-se de forma a separar as que são susceptíveis de contágio. A redacção das perguntas tem que ter em conta certas tendências básicas:

a) A tendência para a resposta “sim” quando a pergunta permite um receio perante sugestões me mudança

b) O receio de certas palavras ou estereótipos c) A influencia positiva ou negativa das personalidades d) A pergunta põe em causa essas personalidades e) Questões de simpatia ou de antipatia

Duverger reuniu alguns exemplos no seu manual da metodologia. Depois de preparado o projecto de questionário, testa-se num grupo restrito. Testa-se a fidelidade fazendo o questionário duas vezes às mesmas pessoas com um intervalo de tempo. Usam-se inquiridores diferentes para testar a influência do inquiridor. Verifica-se a validade, fazendo uma entrevista aprofundada às pessoas de forma a testar se as respostas correspondem ao estado de espírito. 2. A utilização do questionário pode ser feita segundo dois métodos principais:

a) Apresentado directamente às pessoas, que o preenchem elas próprias b) Apresentado por um inquiridor que preenche o questionário

No primeiro pode enviar-se pelo correio indicando o objectivo e prometendo segredo, solicitando uma resposta rápida. Pode também entregar-se numa reunião e pedir-se que seja entregue no fim. Esta segunda hipótese tem vantagens, porém nem sempre é praticável. Tem sido utilizada em grupos de estudantes, militares, etc... a primeira em grupos mais vastos, tendo no entanto alguns inconvenientes:

� Elevado número de pessoas que não responde (pode comprometer a amostra)

� Grau desigual de espontaneidade (uns respondem logo, outros pensam primeiro, consultam amigos, etc...)

O processo mais viável para vencer a inércia é o mais dispendioso, enviar um entrevistador que também garante uma certa espontaneidade. Porém, também aqui há algumas desvantagens:

� Equação pessoal do entrevistador (capaz de influenciar as respostas) � Problemas de prestígio � Desconfiança � O aspecto do inquiridor) mais ou menos simpático, distinto ou

elegante) � Tendência para se valorizar ou menosprezar na presença do

entrevistador (raramente as pessoas se mostram iguais a si próprias) � O segredo parece comprometido pela presença do inquiridor

16.3 A Apresentação dos Resultados Depois as respostas são passadas para um cartão mecanográfico, neste processo traduzem-se os milhares de respostas em algumas categorias restritas, aqui, embora o trabalho tenha sido planeado, tal como os inquéritos supõe uma certa incidência de interpretação pessoal. A análise que se faz depois disto interpreta os resultados obtidos, deparando-se com alguns problemas:

� Significado eventual � Falta de respostas em muitos questionários

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� Não entendimento das perguntas � Fenómenos de contagio entre as perguntas � Preferencia por certos tipos de resposta � Reacções a certas palavras, personalidades, estereótipos, etc...

Reacções ao inquiridor 17. A OBSERVAÇÃO DIRECTA INTENSIVA 17.1 A Entrevista A observação directa intensiva distingue-se sobretudo pela profundidade que a pretende chegar no estudo das atitudes e comportamentos dos indivíduos que estuda. Procura grupos restritos para os conhecer em pormenor. Uma técnica habitual é a entrevista, idêntica ao questionário mas com maior e mais metódica atenção dada ao entrevistado. Procura:

� Informações sobre dados que dificilmente se conhecerão de outra forma

� Recolha de informações sobre opiniões, atitudes, comportamentos prováveis.

� Contacto com personalidades eminentes ou dirigentes

� Opiniões de indivíduos vulgares representativos da média do grupo

A entrevista é tão cuidadosamente preparada quanto o questionário com um plano de perguntas estabelecidas, embora o entrevistado não se aperceba disso, sobretudo se o entrevistador as tiver memorizado. Entrevista Dirigida – respeita-se o plano com rigidez com as perguntas numa ordem preestabelecida. Entrevista livre – deixa-se evoluir a conversação com o entrevistado colocando as perguntas na ordem que as circunstancias permitam. Na preparação prevê-se uma fase inicial que tem como objectivo por o entrevistado à vontade. Estudam-se respostas a dar a quaisquer dúvidas que possam surgir. Requer uso de pessoal devidamente treinado. Os sociólogos americanos criaram algumas técnicas particulares:

� A técnica do panel, que foi usada por Lazarsfeld para medir a evolução das atitudes e opiniões politica no decurso de uma campanha eleitoral. É uma entrevista repetida às mesmas pessoas (panel) em intervalos mais ou menos espaçados.

� As focused interviews, usadas por Merton para medir o impacto de certas experiências sobre os indivíduos. Serve para analisar o efeito de um filme, um programa de rádio, etc.… entrevistando os indivíduos depois dessa experiência.

� A entrevista clínica, usada por adorno em estudos sobre a “personalidade autoritária”. Consiste em planear uma entrevista visando o esclarecimento dos motivos básicos de certas atitudes, abordando os diferentes aspectos relevantes da personalidade das pessoas.

17.2 A Medida das Atitudes

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1. As atitudes são medidas com testes que têm sido usados para este fim como para outros, por exemplo a selecção de pessoal para empresas ou cargos. Dos diversos testes de personalidade, o mais famoso é o teste de Rohrs-Chach de 1921 quer apresentam manchas te tinta obtidas por dobragens de papel e que não representam nada em concreto. Solicita-se às pessoas que digam o que para elas representam essas imagens, e tiram-se conclusões sobre a sua personalidade. Outro teste do mesmo tipo, mas apresentando imagens ambíguas em vez de manchas de tinta é o Thematic Apperception test (T.A.T.) de Murray. Testes deste tipo podem por o sujeito perante certas situações sociais. Partindo-se da interpretação dada pelo sujeito para a avaliação das suas atitudes e opiniões. O método tem sido usado para o estudo dos preconceitos étnicos e de certas opiniões políticas. Existem ainda testes em que se dá uma lista de palavras pedindo-se depois ao paciente que de cada palavra, escreva outra que esta lhe sugira. Pode pedir-se para completar frases, que desenhe figuras, etc.… Porém a interpretação dos resultados, suscita muitas dúvidas e controvérsia pelo que se tem moderado a confiança neles, aconselhando-se prudência no seu uso fora do domínio da investigação. 2. Um outro processo para medir a intensidade das opiniões e atitudes é a das escalas. Constrói-se uma escala graduada com diferentes intensidades de uma atitude ou opinião e segue-se um de dois caminhos:

� Pede-se ao próprio que identifique na escala a sua posição.

� Pede-se a uma avaliador independente que faça a avaliação.

Ambas as opções são subjectivas e susceptíveis de erro. Numa forma mais aperfeiçoada reúnem-se uma série de proposições que exprimem diferentes graus de intensidade de uma atitude ou opinião e pede-se ao interrogado que identifique aquelas com que concorda e as que repudia. Associando as respostas dadas pela mesma pessoa pode chegar-se a um número que exprime o grau de intensidade

com que mantém certa opinião ou atitude. A dificuldade principal é definir com rigor os graus de intensidade e colocá-los na escala em intervalos iguais. Por isso nasceram uma série de métodos propostos para a construção das escalas de opiniões ou atitudes. A primeira das escalas utilizadas em sociologia e psicologia social foi a escala de distância social preparada em 1925 por Bogardus. Este procurou medir a intensidade do preconceito racial, colocando nomes numa lista e solicitando que dissessem se os aceitariam como:

1. Parentes pelo casamento 2. Membros e camaradas do mesmo clube 3. Vizinhos da mesma rua 4. Colegas de trabalho 5. Cidadãos do mesmo país 6. Visitantes do seu país 7. Ou se excluiriam do seu país

Pela sua simplicidade, serviu de modelo a muitas outras. Outro método foi proposto em 1929-1931 por Thurstone para a solução do problema da igualdade dos intervalos entre as diversas posições. São apresentadas diversas posições a que o sujeito pode aderir ou pode repudiar. Aderir à primeira significa a posição mais favorável e à última a mais desfavorável. Depois um grupo numeroso de pessoas qualificadas

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seleccionam e classificam, eliminando as que são incoerentes e as que se prestam à confusão. Então retêm-se uma ou duas dezenas de frases que com algum rigor exprimem as diferentes posições em relação a uma dada opinião constituindo um continuum que vai do mais favorável ao mais desfavorável. Depois misturam-se e são submetidas ao paciente. A posição global é então determinada pelo apuramento das graduações correspondentes às reacções de adesão ou repúdio dado às várias afirmações. Este tipo de escala tem sido muito usado nos EUA para o estudo do racismo, do nacionalismo, etc.… mas como tem uma construção complicada têm sido propostos outros métodos. Por exemplo a escala de Lickert que prescinde da avaliação de cada uma das proposições por pessoal qualificado. Lickert limita-se a pedia a apreciação sobre as várias proposições a pessoas não especialmente qualificadas. A cada uma é atribuída uma nota e ao conjunto de cada pessoa, uma nota global. Daí são seleccionadas as proposições a incluir na escala. Entende-se que as proposições cuja nota individual tem uma forte relação com a nota global são inseridas na escala enquanto aquelas cuja nota individual tem uma fraca relação com a nota global, não são incluídas. Esta escala porém, torna-se mais dependente do grupo relativamente ao qual foi constituída o q1ue lhe dá um menor valor geral relativamente á de Thurstone. Podem citar-se ainda as escalas hierárquicas e o escalograma de Guttman, concebidos para o estudo de psicologia social e sociologia sobre o soldado americano que foram levados a efeito durante a guerra. A escala hierarquizada prevê que a resposta afirmativa à primeira questão obrigue a mesma resposta às seguintes. Exemplo:

1) É licenciado? 2) Tem curso secundário? 3) Tem instrução primária? 4) Foi à escola? 5) Sabe ler?

Assim é possível definir a posição de cada pessoa com rigor. Usando um quadro especial, o escalograma, onde se anota a posição de cada pessoa, dá a imagem clara da repartição do fenómeno no conjunto do grupo. 17.3 A Observação Participante Uma terceira forma de observação intensiva, passa por procurar viver no todo ou em parte a experiência que os grupos vivem. Esta participação na vida do grupo pode ir da assistência a determinados eventos até á permanência de meses ou anos junto do grupo que se estuda. Isto verifica-se frequentemente com o estudo dos antropólogos, sobretudo na antropologia social. John Madge afirma que o primeiro caso deve atribuir-se ao antropólogo Malinowski para a preparação do seu famoso estudo The Argonautsd of Western Pacific (1922), outros casos ocorreram no entanto no séc. XIX com Le Play e Charles Booth que estudaram as condições de vida das famílias operárias, alojando-se na casa de algumas delas. Cá, são conhecidas as investigações do professor Jorge Dias na metrópole (Vilarinho da Furna e Rio de Onor) e no ultramar (Os Macondes de Moçambique). Whyte serviu-se deste método para estudar um grupo de rapazes que se reuniam numa esquina de um bairro popular nos EUA, tendo publicado Street Corner Society (1943); Lloyd Warner, desta forma realizou estudos sobre uma pequena cidade da Nova Inglaterra (Yankee City). Robert e Helen Lind estudaram os estilos der vida de uma cidade do Middle West dos EUA a que chamaram Middletown (1924-28) e Middletown in Transition (1935-1937). James West estudou Plainville, EUA (1940) e em França, Charles Bettelheim e

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Suzanne Frère estudaram Auxerre em 1950. Todos estes, se estabeleceram no seio dos seus grupos procurando traçar as coordenadas das suas vivências. Estudaram assuntos como:

� Constituição de família � Organização do lar � Educação dos jovens � Ocupação dos ócios � Vida religiosa � Actividades do governo local � Assistência � Imprensa � Família � Vizinhança � Escolas � Clubes � Partidos � Mexericos � Grupos de idade e sexo � Classes sociais � Etc.

18. Os Quadros da Interpretação: O estudo científico inicia-se com a observação e descrição dos factos, passa depois à classificação, tenta em seguida a explicação e procura, por experimentação ou outros meios que o substituam melhor ou pior, verificar o valor real das explicações formuladas. Todas estas fases do trabalho cientifico estão intimamente ligadas, passando constantemente de uma para a outra. As descrições fazem-se já tendo em vista uma certa ideia de classificação e essa ideia de classificação anda já ligada a uma hipótese inicial sobre a explicação dos factos. Temos de ter em conta que no que respeita às ciências sociais o plano de explicações gerais é aquele onde se têm registado menores progressos, o que não deixa de ter reflexos na dificuldade que correntemente se encontra em conseguir o acordo dos especialistas sobre as diferentes classificações propostas. Temos de ter também em conta a complexidade dos fenómenos e a sua apresentação ao observador sob a forma de um continnum em que é difícil distinguir o essencial do superficial, o constante o acidental, e por aí chegar a uma sistematização que apareça como uma reprodução satisfatória das próprias diferenciações reais entre os fenómenos, e não como uma simples construção artificial correspondendo à necessidade do espírito humano de repartir por categorias facilmente acessíveis a multiplicidade dos fenómenos. Muito do trabalho dos estudiosos das ciências sociais tem-se até hoje orientado para a descrição dos factos, sendo por isso que o sector mais desenvolvido do método das ciências sociais é o das técnicas de observação.

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Não considerando as obras dos grandes clássicos como: Helbert Spencer, Emile Durkheim, Max Weber, ou Vilfredo Pareto, que pela sua natureza são de difícil imitação e estão ultrapassadas em certos aspectos, então temos de reconhecer que é de há poucos anos a tendência para a classificação dos fenómenos. Embora o caminho se tenha feito nesse sentido, os resultados são de valor desigual, devido ás já referidas dificuldades que o problema apresenta. As Classificações até agora propostas, que visam o estabelecimento de certos «tipos» capazes de traduzirem linhas essenciais de várias categorias de fenómenos, seguindo princípios diversos e reflectindo a diversidade das correntes que se apresentam na interpretação dos factos sociais. As tipologias tomaram grande importância na análise nas ciências sociais, como ponto intermédio entre a descrição e a formulação de teorias gerais de explicação. A tendência actual é para circunscrever o âmbito de verificação das eventuais generalizações ou «leis sociais», a certo quadro social definido no espaço e do tempo, e que corresponde à ideia de tipo social na sua concepção mais lata. O determinismo social concebido por alguns dos primeiros estudiosos, segundo o qual se poderia estabelecer uma relação de causalidade entre A e B, por forma a que uma vez verificado A viesse a surgir necessariamente B, veio cada vez mais a ser substituído pela ideia da relação funcional entre os fenómenos correspondendo à ideia matemática de função e pela ideia de determinismo probabilístico. A concepção actual do determinismo social é a de um determinismo estocástico baseado no cálculo das probabilidades que deixa a necessária margem à natural liberdade humana. Este determinismo é concebido relativamente a uma certa combinação de fenómenos, um quadro social, que pode ser um tipo social determinado histórica e geograficamente. A teoria nas ciências sociais tem conhecido poucos progressos. As grandes teorias gerais da evolução das sociedades que têm sido propostas não tem conseguido ser objecto de uma geral aceitação entre os especialistas. Mas nem por isso deixaram de ter um impacte considerável no pensamento contemporâneo, com se pode ver na obra de Marx ou a de Spengler ou a de Toynbee. 19. O Problema da Experimentação: Uma das dificuldades da investigação nas ciências sociais é a falta de condições favoráveis à experimentação das hipóteses formuladas pelos estudiosos. Ao contrário das ciências da natureza, em que é quase sempre fácil repetir os fenómenos tantas vezes quanto se deseja nas mais diversas circunstâncias por forma a identificar com segurança o papel das diferentes variáveis no desenrolar os factos que se estudam. Nas ciências sociais a manipulação a manipulação dos acontecimentos necessária à criação das condições experimentais é severamente limitada pelos problemas éticos que resultam do facto de o objecto de uma tal manipulação ser o homem. Sendo inaceitável do ponto de vista moral, ou impossível na prática criar com grupos humanos todas as situações experimentais que podem desejar-se, podendo concluir-se que a experimentação deve ser excluída do método das ciências sociais.

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Não sendo possível nas ciências sociais um recurso tão amplo à experimentação como se pratica nas ciências da natureza. No entanto, os estudiosos dos fenómenos sociais têm procurado por processos mais ou menos engenhosos contornar esta dificuldade, quer criando situações artificiais, que são verdadeiras experiências no sentido tradicional, quer valendo-se das oportunidades de observação do processo social em marcha criadas por circunstâncias ocasionais. Em todos os casos se trata de uma «experimentação» realizada em condições menos rigorosamente controladas do que é habitual nas ciências da natureza, em que pode á vontade fazer-se variar cada um dos elementos da situação mantendo os outros fixos, mas que tem, apesar disso, de se reconhecer um interesse substancial. Os estudos dos especialistas americanos da psicologia social sobre os pequenos grupos constituem um exemplo privilegiado de experimentação sociológica em condições de laboratório. Essas experiências, conduzidas muitas vezes com grupos de estudantes universitários recrutados numa base voluntária, são realizadas, e salas especiais com paredes de vidro (para os que estão dentro funcionam como espelhos) e equipada com toda uma complexa aparelhagem de registo de som e de imagem. Ao grupo é posto um dado problema que se espera desencadeie um certo processo de acções e reacções entre os participantes, processo que uma equipa de observadores, colocada do lado de fora da sala, pode seguir e registar em todas as suas fases sem que os participantes a veja, (graças ao dispositivo das paredes de vidro transparentes de um lado só) embora se saibam observados. Este tipo de experimentação tem sido igualmente muito usado nos estudos sobre o comportamento no trabalho e em especial sobre as consequências das condições que caracterizam o ambiente de trabalho sobre o rendimento dos trabalhadores. Como exemplo a famosa investigação de Elton Mayo e dos seus colaboradores sobre as condições de trabalho na fábrica de Cícero (Chicago) da Western Electric Company. Noutro tipo de estudos, o especialista das ciências sociais procura seguir acontecimentos cuja génese ele teve pouca ou nenhuma intervenção como se fossem verdadeiras experiências. É o que se passa quando um investigador resolve estudar as consequências sociais de uma nova disposição legal através de um registo cuidadoso das reacções dos indivíduos e dos grupos à medida que se tornam aparentes os efeitos que pode ter na vida de cada um essa mesma disposição; ou quando se estudam os fenómenos que andam ligados à instalação de famílias modestas em novos bairros sociais, com as consequências que isso acarreta em termos de renovação do estilo de vida e das ideias de higiene, conforto e simples aproveitamento das divisões de uma casa; ou ainda quando se utiliza a circunstância de estar em curso uma campanha de informação sobre a protecção contra a doença por uma melhoria da higiene corporal e da habitação, assim como do regime alimentar, para medir a eficiência das diversas técnicas de transmissão de informações e o impacte da campanha, comparando a evolução entre os grupos a ela submetidos com a evolução observada no mesmo período entre os que não ficam sujeitos a essa campanha; e assim por diante. Por este caminho se tem podido colher informações do maior interesse em circunstâncias que podem assimilar-se a uma verdadeira experiência.

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20. O Método Comparativo Mas mais do que a experimentação, o método comparativo tem sido considerado um instrumento essencial da análise nas ciências sociais. É através do estudo do significado das semelhanças e diferenças entre os fenómenos que se tem progredido. Duverger, afirma que o método comparativo pode ser empregado de duas maneiras ou se estudam ou se comparam, segundo uma mesma técnica, fenómenos independentes embora substancialmente semelhantes, ou se estudam diferentes facetas do mesmo fenómeno, segundo técnicas diferentes. O primeiro caso corresponde à ideia tradicional de método comparativo, que supõe naturalmente na sua aplicação uma certa prudência, por forma a garantir que os factos ou situações que se comparam sejam efectivamente comparáveis, a fim de que as eventuais conclusões tenham algum valor científico. Duverger nota por isso que o método supõe uma classificação prévia dos factos, dado que terá de fazer-se a comparação entre coisas do mesmo tipo. A comparação neste caso tem de assentar na analogia entre os fenómenos, analogia que pode ser estrutural ou funcional conforme se estudam estruturas ou funções e que tem em qualquer dos casos de ter em conta se há efectivamente analogia de dimensão, de contexto cultural e de significado, pois coisas que parecem do mesmo tipo não podem legitimamente comparar-se se não houver uma certa semelhança do contexto dimensional em que se verificam, nem se situarem em contextos culturais demasiado diferente, nem se, embora em situações análogas de dimensão e de contexto cultural, tiverem efectivamente significações diferentes. Por exemplo não é cientificamente legitimo comparar um sistema politico francês com o método de escolha de chefes e exercício da autoridade numa tribo africana ou a monarquia inglesa com a de uma tribo da Melanésia, porque tanto o contexto dimensional como o contexto cultural são muito diversos, assim como não parece apropriado comparar as rivalidades de grupos numa tribo australiana com o fenómeno da luta dos partidos e dos grupos de pressão nos países ocidentais, porque existe claramente uma diferença de significado. Reserva que é válida tanto para as comparações no espaço como para as comparações no tempo, entre fenómenos evoluindo no quadro de épocas muito afastadas, embora dentro do mesmo país ou na vida do mesmo povo. Como observa Duverger deve distinguir-se entre dois tipos de comparações, que designa por «comparações próximas» e «comparações afastadas». A comparação próxima é aquela que procura perceber o sentido real da influência dos elementos de uma dada situação por comparação com outra muito parecida, notando cuidadosamente as variações que resultaram de diferenças na ordem do aparecimento, na ênfase ou nas combinações dos diversos elementos, da mesma maneira que em experiências sucessivas de laboratório se observa o impacte sobre o mesmo fenómeno de alterações no papel que têm na sua verificação os diferentes

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elementos que o observador pôde isolar. Nesse sentido o método comparativo é para as ciências sociais um substituto da experiência. Este tipo de estudo comparativo tem naturalmente de ser muito exigente quanto às condições de analogia a satisfazer pelas coisas que se desejam comparar. As comparações afastadas são aquelas que se fazem entre coisas cuja analogia não é à primeira vista evidente e que por isso, graças ao génio particular de um observador, abrem novos caminhos à ciência. Neste caso a comparação parece fazer-se com quebra das regras de determinação da analogia atrás referidas. Isso é o que em ciência distingue as descobertas notáveis. No entanto, não é realizável senão por pessoas que já adquiriram um grande conhecimento e domínio do campo que estudam e, por aí, pouco corrente no trabalho da maioria dos estudiosos. O segundo caso de uso do método comparativo, estudo de um mesmo fenómeno segundo técnicas diferentes, é hoje cada vez mais empregado e é característico dos trabalhos de equipa. Para os grandes inquéritos é cada vez mais comum mobilizar para o estudo de um mesmo problema especialistas dos diferentes ramos das ciências sociais, cada um ocupando-se da faceta do fenómeno que corresponde às preocupações da sua especialidade, procurando-se assim, pela conjugação dos vários resultados obtidos a partir de diversos ângulos, chegar a uma nova visão e interpretação dos factos. Podemos apontar como exemplos deste tipo de trabalho as monografias colectivas sobre certas áreas ou certas comunidades, o estudo de sociologia eleitoral entre outras.