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INTRODUÇÃO Os projetos, programas, campanhas e outras propostas para desenvolver ações voltadas à educação no trânsito no Brasil, surgiram a partir da implementação do primeiro Código de Trânsito Brasileiro (Decreto Lei n. 3651, de 25 de setembro de 1941). Desde então, o Brasil – especialmente por meio dos órgãos executivos de trânsito – não parou mais de produzir materiais educativos na área. De 1950 a 1980, foram elaborados manuais, cartilhas, fitas cassete, slides e até discos de vinil... O conteúdo? Obediência e reconhecimento ao policial de trânsito, punições para o descumprimento das leis, regras e mais regras de trânsito. Na verdade, esses materiais não poderiam ser diferentes, pois refletiam a ideologia política da época. (...) O homem sofre para conhecer, como a criança é castigada para aprender. Nunca será, com efeito, mal empregado um puxão de orelhas como corretivo para as travessuras de um menino endiabrado. (...) Se a criança se submete ao império da força que pune, também o adulto aceita com submissão a ação repressora do Estado. (...)Tudo isso vem a propósito dos ciclistas, as crianças grandes do tráfego. (...) Mas de todas as faltas, a mais grave, sem dúvida, é esse hábito inveterado que eles têm de circular nos passeios. (...) Para acabar com esse abuso só há um remédio: multas elevadas. Não há outro jeito, não; perder dinheiro é o que dói. Só o temor desses bárbaros pelo prejuízo a que ficassem, assim, sujeitos, poderia por fim a isso. PEQUENO, Waldemar. Campanha educativa de trânsito (palestras). Belo Horizonte, 1955. Dos anos 1990 aos dias atuais, os avanços tecnológicos possibilitaram a elaboração de outros recursos: os slides foram substituídos pelos vídeos; os discos de vinil, por CDs e CD-Roms. Hoje, é possível encontrar uma enorme variedade de recursos educativos de trânsito. Os manuais e as cartilhas resistiram ao tempo, mas de resto: quanto mais moderno, melhor. O conteúdo, por outro lado... Será que o conteúdo desses materiais reflete os valores democráticos que precisam ser trazidos à luz, debatidos e ensinados num país em democratização? Atende às expectativas e às necessidades das pessoas? Educa – realmente – para a construção de um trânsito melhor? São muitas as perguntas. Porém, não é necessário respondê-las agora. As respostas, provavelmente, virão no decorrer deste curso. Conteúdos O objetivo da primeira unidade – Ética, Cidadania e Trânsito – é refletir sobre o conceito de trânsito. Compreender que qualquer ação educativa de trânsito deve ter como caminho obrigatório a construção da cidadania e que a boa educação no trânsito transcende o mero conhecimento das leis, das regras, da sinalização. A segunda unidade – Educação de Trânsito nas Escolas – trará informações sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (PCN). Estudando a natureza destes documentos, os participantes terão mais segurança e fundamentação ao propor ações educativas de trânsito às escolas.

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INTRODUÇÃO

Os projetos, programas, campanhas e outras propostas para desenvolver ações voltadas à educação no trânsito no Brasil, surgiram a partir da implementação do primeiro Código de Trânsito Brasileiro (Decreto Lei n. 3651, de 25 de setembro de 1941).

Desde então, o Brasil – especialmente por meio dos órgãos executivos de trânsito – não parou mais de produzir materiais educativos na área. De 1950 a 1980, foram elaborados manuais, cartilhas, fitas cassete, slides e até discos de vinil... O conteúdo? Obediência e reconhecimento ao policial de trânsito, punições para o descumprimento das leis, regras e mais regras de trânsito. Na verdade, esses materiais não poderiam ser diferentes, pois refletiam a ideologia política da época.

(...) O homem sofre para conhecer, como a criança é castigada para aprender. Nunca será, com efeito, mal empregado um puxão de orelhas como corretivo para as travessuras de um menino endiabrado. (...) Se a criança se submete ao império da força que pune, também o adulto aceita com submissão a ação repressora do Estado. (...)Tudo isso vem a propósito dos ciclistas, as crianças grandes do tráfego. (...) Mas de todas as faltas, a mais grave, sem dúvida, é esse hábito inveterado que eles têm de circular nos passeios. (...) Para acabar com esse abuso só há um remédio: multas elevadas. Não há outro jeito, não; perder dinheiro é o que dói. Só o temor desses bárbaros pelo prejuízo a que ficassem, assim, sujeitos, poderia por fim a isso.

PEQUENO, Waldemar. Campanha educativa de trânsito (palestras). Belo Horizonte, 1955.

Dos anos 1990 aos dias atuais, os avanços tecnológicos possibilitaram a elaboração de outros recursos: os slides foram substituídos pelos vídeos; os discos de vinil, por CDs e CD-Roms. Hoje, é possível encontrar uma enorme variedade de recursos educativos de trânsito. Os manuais e as cartilhas resistiram ao tempo, mas de resto: quanto mais moderno, melhor. O conteúdo, por outro lado...

Será que o conteúdo desses materiais reflete os valores democráticos que precisam ser trazidos à luz, debatidos e ensinados num país em democratização? Atende às expectativas e às necessidades das pessoas? Educa – realmente – para a construção de um trânsito melhor?

São muitas as perguntas. Porém, não é necessário respondê-las agora. As respostas, provavelmente, virão no decorrer deste curso.

Conteúdos

• O objetivo da primeira unidade – Ética, Cidadania e Trânsito – é refletir sobre o conceito de trânsito. Compreender que qualquer ação educativa de trânsito deve ter como caminho obrigatório a construção da cidadania e que a boa educação no trânsito transcende o mero conhecimento das leis, das regras, da sinalização.

• A segunda unidade – Educação de Trânsito nas Escolas – trará informações sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (PCN). Estudando a natureza destes documentos, os participantes terão mais segurança e fundamentação ao propor ações educativas de trânsito às escolas.

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• A terceira unidade – Recursos Educativos de Trânsito – demonstrará como a forma de apresentar as informações tem influência em sua aceitação. Outras questões fundamentais à análise e à elaboração de recursos educativos de qualidade também serão discutidas.

• Na quarta unidade – Projetos para a Educação de Trânsito – os participantes aprenderão que suas idéias podem (e devem) ser transformadas em realidade a partir do esforço conjunto da equipe de educação de trânsito. E, para que isso aconteça, esta unidade mostrará – passo a passo – todas as etapas que envolvem um projeto (da concepção ao encerramento), trazendo diversos exemplos para enriquecer o conhecimento.

Ao final deste curso, os participantes serão capazes de:

• lançar um novo olhar ao tema trânsito;

• reconhecer que a ética e a cidadania devem nortear qualquer ação educativa de trânsito;

• implementar ações educativas de trânsito nas escolas de ensino regular, respeitando a legislação educacional vigente;

• avaliar a qualidade de recursos educativos de trânsito;

• elaborar recursos educativos de trânsito;

• elaborar projetos capazes de atender às necessidades e às expectativas das pessoas.

É importante estudar as lições na seqüência em que estão apresentadas. Isto porque um assunto puxa o outro e, talvez, seja difícil compreender o conteúdo de uma unidade se não tiver lido a anterior.

Bom estudo!

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ÉTICA, CIDADANIA E TRÂNSITO

1. ÉTICA

O trânsito é um campo fértil para se discutir a vida em sociedade. Diariamente os espaços urbanos reproduzem cenas que, de tão comuns, já se tornaram familiares à grande maioria das pessoas. O curioso é que as cenas se repetem, mas as questões que tais cenas suscitam raramente são levadas em conta.

Imagine-se, por exemplo, que uma pessoa em seu automóvel, depois de esperar pacientemente por um lugar em um estacionamento, contando os minutos no relógio para não chegar atrasada ao seu compromisso, se depara com uma vaga para estacionar. Cuidadosa e atenta, sinaliza e faz menção de ocupar a vaga. Então, de uma hora para outra, eis que surge alguém que corta sua trajetória e ocupa o lugar.

Este tipo de situação, via de regra, envolve temperamentos naturalmente tensos ou estressados. As chances de um conflito são grandes e as conseqüências, bastante previsíveis. Mas considere-se que este exemplo siga por um caminho mais civilizado. A pessoa cuja vaga acabou de ser tomada é bem-educada e tranqüila, embora ninguém possa lhe pedir controle total dos nervos. Ela vai reclamar, buzinar, fazer todos os gestos possíveis e imagináveis. Inútil. Como se não tivesse nada a ver com a história, quem ocupou a vaga tranca o carro e, com toda a tranqüilidade, vai fazer suas compras.

• Quem está certo?

• Quem tomou a atitude correta?

• Com base em quais critérios pode-se chegar a uma conclusão?

• Afinal, o que é certo e o que é errado?

Certo ou errado; bom ou mau; bem ou mal; bonito ou feio. Quando se qualifica um comportamento (seja ele qual for), tem-se em vista um critério definido no espaço da moralidade.

Originariamente a palavra moral vem do latim mos/mores, que significa costume. E, em geral, essas três palavras – costume, norma, lei – se entrecruzam. (...)

Antigamente, quando ainda se trafegava com carros de bois pelas cidades, alguém iniciou o costume de usar sebo nos eixos para neutralizar o ruído estridente das rodas. Com o tempo, o que era costume de um ou mais puxadores de bois passou a virar norma (não obrigatória) para a maioria. Entendiam, para o bem da comunidade, a pertinência dessa prática. Ainda com o passar do tempo, quem não lubrificava os carros para trafegar em

Que é apropriado.

Pauta de julgamento; modo de apreciar as coisas.

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silêncio pela cidade começou a receber, com certeza, reclamações dos moradores. Conclusão: Ainda hoje, no Fórum de Bragança Paulista, está em vigor uma lei que obriga os puxadores de carros de bois a untar os eixos com sebo, a fim de não perturbar o silêncio da comunidade. Dessa forma, por várias décadas, o descumprimento daquilo que foi acordado juridicamente entre os indivíduos e a comunidade implicava sanções. Uma sanção é sempre a recompensa ou castigo em face de um pedido, uma advertência ou uma lei. No caso do descumprimento da lei, ela é punição (não apenas de “efeito moral”, como o castigo); punição legalizada. Assim, na ordem hierárquica, um costume pode vir a ser uma norma e uma norma virar lei.

Mas nem sempre uma norma ou regra precisa virar lei. Exemplo: “Não pise na grama da praça”. Ou um costume precisa virar norma.

PEREIRA, Otaviano. O que é moral. São Paulo: Brasiliense, 1998.

É no espaço da moralidade que comportamentos são aprovados ou reprovados. A grande maioria das pessoas acredita que, ao agir corretamente (de acordo com as normas impostas pela sociedade) tem maiores possibilidades de aceitação social.

Numa determinada sociedade, a moral indica o comportamento que deve ser considerado bom ou mau, por meio de um conjunto de normas e regras estabelecidas, destinadas a regular as relações entre as pessoas.

Nesse caso, “o ladrão de vagas” está errado. Mesmo não existindo uma lei determinando “quem chegar primeiro tem direito a uma vaga”, a regra social é essa. Mas, como é possível ter tanta certeza ao emitir esse julgamento?

E se ele, realmente, não viu que alguém esperava pela vaga? E se estivesse distraído, preocupado, doente? E se fosse surdo e não pudesse ouvir os gritos do motorista? E se...

Estes diferentes níveis de entendimento das ações − as diversas leituras que se pode fazer de uma ação − inauguram um novo e fascinante campo de debate: o plano da ética. É nesse plano que se pode refletir sobre os julgamentos e comportamentos − os próprios e os das outras pessoas − quando a intenção é entender o sentido de um ato atribuindo-lhe valor. Isso é ética.

A ética se apresenta como uma reflexão crítica sobre a moralidade, sobre a dimensão moral do comportamento do homem. Cabe a ela, enquanto investigação que se dá no interior da filosofia, procurar ver – como afirmei antes – claro, fundo e largo os valores, problematizá-los, buscar sua consistência. É nesse sentido que ela não se confunde com a moral. No terreno desta última, os critérios utilizados para conduzir a ação são os mesmos que se usam para os juízos sobre a ação, e

Conforme a ordem, graduação.

Conferindo, concedendo.

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estão indiscutivelmente ligados a interesses específicos de cada organização social. No plano da ética, estamos numa perspectiva de um juízo crítico, próprio da filosofia, que quer compreender, quer buscar o sentido da ação. (...)

A moral, numa determinada sociedade, indica o comportamento que deve ser considerado bom ou mau. A ética procura o fundamento do valor que norteia o comportamento, partindo da historicidade presente nos valores.

RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1995.

Falar sobre ética não é tão fácil quanto parece. Por exemplo: roubar comida num supermercado para alimentar os filhos que passam fome. É ético? Nesta situação: deve-se levar em conta o valor “vida” − alimentar os filhos para que não morram − ou o valor “propriedade privada” − não roubar?

No espaço da moralidade, roubar é errado. Já no plano da ética...

Meu dilema não significa, em primeiro lugar, que se escolha entre o bem e o mal; ele designa a escolha pela qual se exclui ou se escolhe o bem e o mal.

Kierkegaard, filósofo dinamarquês (1813-1855).

É possível dizer que a máxima da ética é o bem comum. As pessoas convivem em sociedade e precisam se perguntar, por mais difícil que seja a resposta: “como devo agir perante os outros?”. Pensar sobre nossa conduta e sobre a conduta dos outros a partir de valores e não de receitas prontas pode ser um bom caminho.

Porque nem tudo na vida é certo ou errado, bom ou mau e ponto final. Conforme o momento ou as circunstâncias, aquilo que parecia ser o certo (ou errado) pode mudar.

As coisas têm muitos jeitos de ser.Depende do jeito da gente ver...(...)Curto e comprido. Bom e ruim.Vazio e cheio.Bonito e feio.São jeitos das coisas ser.Depende do jeito da gente ver. Ver de um jeito agora e de outro jeito depois. Ou melhor ainda ver na mesma hora os dois.

MASUR, Jandira. O frio pode ser quente? São Paulo: 1983.

Qualidade do que é histórico.

Dúvida, situação e m b a r a ç o s a com duas saídas difíceis.

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Os dez mandamentos da ética

1. Fazer o bem.2. Agir com moderação.3. Saber escolher.4. Praticar as virtudes.5. Viver a justiça.6. Valer-se da razão.7. Valer-se do coração.8. Ser amigo.9. Cultivar o amor.10. Ser feliz.

CHALITA, Gabriel. Os dez mandamentos da ética. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003

2. DIFERENTES CONTEXTOS, DIFERENTES CONCEITOS

No plano da ética, as verdades podem mudar de acordo com as circunstâncias. Isso se torna ainda mais importante ao se considerar que os costumes mudam com o passar do tempo. Afinal, as sociedades mudam porque as pessoas mudam.

O que é costume hoje, pode não ser amanhã. O que é considerado errado agora, também pode ser visto como certo daqui a algum tempo.

Fato histórico

No Brasil, nos anos 1800, era deselegante permanecer com chapéu no interior dos veículos. A norma: tirar o chapéu, colocá-lo sobre os joelhos ou junto ao peito, sempre com o forro de seda virado para dentro.

Se os costumes mudam, as sociedades mudam, as pessoas mudam, por que alguns conceitos na educação de trânsito perduram por tantos anos em nosso país?

“Trânsito é a integração entre veículo, via e homem”.

“O acidente de trânsito é conseqüência de um comportamento inadequado do usuário, produto de algum processo psicológico que não funciona bem”.

“O objetivo da educação de trânsito é formar motoristas do futuro”.

“Trânsito é um fenômeno dos grandes centros urbanos”.

Trechos retirados de cartilhas publicadas entre 1970 e 1995.

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Processo de transmissão de mensagens a distância, aproveitando a luz, o som, a eletricidade, o movimento rápido de translação, classificando-se – segundo o agente – em sistemas telegráficos acústicos, ópticos, de translação e elétricos.

É até curioso pensar que, num mundo em que os valores mudam com tanta velocidade, alguns conceitos tratam o trânsito de forma extremamente simplista. Parece que, nesta área, as verdades são eternas e as definições valem para sempre.

Mas no trânsito, como na vida, não existem verdades absolutas. E, como na vida, é preciso estar preparado para aprender, mudar conceitos, evoluir.

Esta nova perspectiva permite pensar em trânsito como um DIREITO. Afinal, trânsito envolve o direito fundamental de ir e vir. Seja a pé, de automóvel, de barco, de mula, de avião.

A proposta de pensar em trânsito como algo inerente à vida abre muitas e surpreendentes possibilidades. Locomover-se é tão importante quanto respirar. O desejo humano de locomoção vem dos tempos mais remotos. Na tentativa de ampliar seus horizontes, de descobrir novos lugares, de procurar ambientes favoráveis às suas necessidades de sobrevivência, as pessoas partiram em busca do desconhecido. Assim, em cada momento histórico, descobriram formas e criaram meios para atingir o objetivo de locomover-se; de transitar no espaço. Por isso, o trânsito é muito mais antigo que qualquer veículo ou qualquer via.

Com o passar dos tempos, as cidades cresceram, os veículos apareceram e as pessoas perceberam que era necessário organizar o espaço público. Então, criaram um conjunto de sinais capazes de atender sua necessidade de locomoção: os semáforos, as placas de sinalização, o apito dos agentes de trânsito.

Os sinais de trânsito classificam-se em:

I – verticais;II – horizontais;III – dispositivos de sinalização auxiliar;IV – luminosos;V – sonoros;VI – gestos do agente de trânsito e do condutor.

Artigo 87 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.9503, de 23/9/1997).

Assim, surgiu a necessidade de comunicação com o espaço público e com as outras pessoas: enviar, receber e, sobretudo, compreender as mensagens contidas nos diferentes atos de comunicação que orientam o trânsito.

E não é só nas cidades que a comunicação é fundamental para a locomoção. No mar, por exemplo, também existem semáforos que emitem sinais luminosos para as embarcações.

Fato histórico

A partir da telegrafia ótica (acústica) originaram-se os sinais sonoros do trânsito: o apito dos trens, as buzinas dos automóveis, os diferentes sons emitidos pelo apito dos agentes de trânsito.

Essencial.

Tem origem nas palavras loco (lugar) e motione (movimento). É a ação ou efeito de andar ou de se transportar de um lugar para outro.

Capacidade de emitir e receber mensagens.

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Apoio, sustentáculo.

É possível pensar em trânsito de forma ainda mais aberta, mais ampla. Ao se pensar na cidade onde se vive, por exemplo: nas ruas e avenidas, nas praças, nos parques, nas calçadas. Esse lugar pertence a cada pessoa, indistintamente, e também a seus pais, a seus filhos, ao seu marido ou à sua mulher, ao seu vizinho, ao mendigo, ao lixeiro, ao empresário, ao carroceiro e a todas as pessoas que vivem nele. Portanto, todas as pessoas têm o direito de usufrui-lo e precisam, para isso, aprender a conviver.

(...) o fato é que o trânsito está estreita e profundamente relacionado aos lugares. A presença do trânsito encontra-se refletida no tempo e no espaço – construídos pelas sociedades humanas.

Por possuir uma dinâmica ampla, o trânsito intervém visivelmente na ordenação e na organização dos lugares, nos estilos arquitetônicos, nas estruturas urbanas, nas vias de transporte etc. Porém, o que torna o trânsito ainda mais extraordinário é a sua capacidade de transformar os indivíduos em seres coletivos que compartilham o mesmo espaço: o espaço público.

RODRIGUES, Juciara. 500 Anos de trânsito no Brasil: convite a uma viagem. Brasília: ABDETRAN, 2000.

Ao utilizar a locomoção, a comunicação e o convívio social como eixos condutores ao desenvolvimento de um trabalho na área da educação de trânsito, certamente, é possível ir muito além na questão e perceber que uma série de conceitos transmitidos, durante tantos anos, precisam ser questionados e (re)avaliados e que o tema trânsito requer um novo olhar, especialmente no campo da educação. Não haverá limites para o trabalho do profissional da educação de trânsito quando descobrir – de verdade – a dimensão do significado da palavra trânsito.

ATIVIDADE

Observe as imagens.

Figura 1 Figura 2

Em sua opinião, qual delas reflete a palavra “trânsito”? Por quê?

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Você respondeu: a figura 2

Então, ainda precisa pensar um pouquinho mais a respeito.

Você, realmente, acredita que trânsito é apenas um fenômeno dos centros urbanos? Que trânsito está relacionado apenas aos motoristas? Acredita que as pessoas que vivem nas pequenas cidades ou no sertão ou nas comunidades ribeirinhas não transitam? E como ficam as crianças e os trabalhadores que percorrem, diariamente, quilômetros a pé ou a cavalo para chegarem em seu destino? Lembre-se: transitar é um direito de todos.

Você respondeu: a figura 1

Tudo bem. Ela reflete muito bem o trânsito. Afinal, trânsito não é um fenômeno exclusivo dos centros urbanos. Mas a figura 2 também entra nessa.

Você respondeu: as duas figuras

É isso! Você sabe que falar em trânsito é falar em locomoção. Sabe que trânsito não é apenas um fenômeno dos centros urbanos e que todas as pessoas, em todos os lugares, têm o direito de ir e vir.

3. ÉTICA NO TRÂNSITO

É impossível pensar em qualquer ação educativa de trânsito sem uma atenção especial ao campo da ética. E essa tarefa não é fácil. Fácil é produzir uma cartilha ou qualquer outro material com um amontoado de regras:

• atravesse na faixa de pedestres;

• obedeça as leis do trânsito;

• não dirija falando ao celular;

• use o cinto de segurança;

• quando beber não dirija, quando dirigir, não beba...

Fácil é ensinar o que fazer. Difícil é ensinar como ser. Trabalhar em favor de uma educação para a vida, que contribua para o desenvolvimento das pessoas em sua socialização.

Ensinar além do que fazer

É possível ensinar uma criança a atravessar na faixa destinada aos pedestres, muito embora, em diversas situações, ela não encontre tal faixa. Mas, além desse ensinamento, pode-se mostrar como é possível ajudar uma pessoa deficiente visual a atravessar a rua, por exemplo. É possível e necessário ir muito além de ensinar o que fazer.

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Fundamentar a educação de trânsito em valores é um desafio; um compromisso a ser assumido por todos os profissionais da área. Não existem fórmulas mágicas para trabalhar nesse sentido. Deve existir, sim, muita criatividade e força de vontade, além de uma visão abrangente sobre trânsito. Para isso, é preciso seguir em frente, sem medo de se arriscar e de experimentar.

Por que cometer erros antigos se há tantos novos a escolher?

Bertrand Russel, matemático inglês (1872-1970).

Valores a ensinar

É preciso pensar e definir quais valores devem ser incentivados em nossa sociedade quando o assunto é trânsito. Esses valores devem ser aqueles que regulam nosso sistema de convivência e que envolvem o pensar e o agir de cada pessoa, respeitando sua liberdade.

ATIVIDADE

Dos valores apresentados a seguir, assinale cinco que você considere importantes para serem desenvolvidos em um trabalho educativo de trânsito.

cooperação respeito

colaboração tolerância

equilíbrio pessoal amizade

vida liberdade

justiça solidariedade

igualdade responsabilidade

Independentemente dos valores assinalados, uma coisa é certa: a maioria já está inscrita em nossas leis há muito tempo. Cabe a você, profissional do trânsito, fazer com que eles saiam do papel e se tornem realidade.

Na educação de trânsito podemos seguir por dois caminhos:

• Pelo espaço da moralidade: “assim é certo; assim é errado”.

• Pelo plano da ética: educação em valores, capaz de desenvolver posturas e atitudes.

Qual é a sua opção?

Basear.

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4. EDUCAÇÃO DE TRÂNSITO PARA A CIDADANIA

(...) Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora, que aponta o lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai.

Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.

BARROS, Manoel. Retrato do artista quando coisa. Rio de Janeiro: Record, 1998.

Neste fragmento de poema, o autor apresenta descontentamento com a vida. Precisa ser “Outros”; precisa mudar, renovar-se. Não suporta mais ser a mesma coisa, fazer as mesmas coisas. E tem uma proposta: usar borboletas para renovar o homem.

Essa linguagem poética tem várias interpretações. Por exemplo: as borboletas são coloridas, alegres, têm liberdade para voar. Porém, um dia, foram lagartas. Para que pudessem voar livremente, a natureza encarregou-se de transformá-las; de libertá-las de seu casulo.

No entanto – assim como acontece com a lagarta – a natureza transforma as pessoas externamente. A pele, a cor dos cabelos. As pessoas mudam com o passar dos anos, isso é fato. Mas será que as pessoas são capazes de...

• mudar seus pensamentos, ideais, sentimentos, seu comportamento?

• romper com determinadas normas e padrões impostos?• criar, construir, transformar, agir eticamente?

Agora, pensando por outro lado: agindo assim, uma pessoa daria o melhor destino à sua vida? Ela teria valido a pena? Bem, certamente estaria em concordância com Cecília Meireles, que escreveu: a vida só é possível reinventada.

Para a borboleta do poeta, a vida reinventou-se no momento em que deixou o casulo e alçou vôo com suas asas imensas. Mal sabem os homens que as asas que possuem são muito maiores e, por isso mesmo, permitem voar muito mais alto: as asas da imaginação.

E para voar é preciso: romper com o “velho”, ousar e querer mais, aceitar o desafio de mudar.

É muito mais difícil criar a moral da efetiva realização do homem, de nós mesmos, de nossas entranhadas relações, de nossas heranças, e nela crescer, do que continuar na conveniência da moral vigente, instalada. Da moral às vezes grudada na pele como sujeira, fruto de nossa própria acomodação.

PEREIRA, Otaviano. O que é moral. São Paulo: Brasiliense, 1998.

Objetivo.

Permanente, segura.

Penetradas profundamente.

Estabelecida.

Que está em vigor, que prevalece.

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Relativo à democracia, popular.

Se o profissional da educação de trânsito não for capaz de ser e de viver como borboleta, jamais poderá exigir o mesmo dos outros. Ninguém será capaz de transformar nada e ninguém se não for capaz de transformar a si mesmo.

Será possível elaborar um material educativo ou dar uma palestra sobre o perigo do uso do celular no trânsito, por exemplo, se a pessoa dirige e fala ao celular? Falar sobre álcool, se bebe e dirige? Que verdade esta pessoa transmite aos demais? Como ensinar valores sem praticá-los?

Talvez seja este o aprendizado mais difícil: manter o movimento permanente, a renovação constante, a vida vivida como caminho e mudança.

Maria Helena Kuhner, escritora.

Depois dessas considerações, está claro que educação de trânsito não é uma educação qualquer. Para torná-la realidade, são necessárias ações educativas comprometidas com informações, mas, sobretudo, com valores ligados à cidadania.

Antigamente, apenas obedecíamos aos mais velhos como se fossem “superiores” a nós. No mundo democrático, porém, não há espaço para a obediência cega e nem para a idéia de superioridade. Ninguém é superior a ninguém! O convívio entre os cidadãos se faz por meio do diálogo e do respeito entre as pessoas (homens e mulheres, pais e filhos, professor e alunos etc.) (...)

Como resultado dessas mudanças todas, a atual geração de brasileiros e brasileiras é muito mais crítica, atenta e inquieta do que a de nossos pais e professores. Somos mais democráticos, portanto, e, am alguma medida, mais cidadãos. E devemos isso, em grande parte ao processo de democratização (política e social) do país. Um processo que não se encerrou, e que depende muito de nós. (...)

Ser cidadão, portanto, é participar o máximo possível da vida em comunidade, para que seja possível compartilhar com os semelhantes as coisas boas da vida – as materiais e as culturais. Ser cidadão é, ainda, opor-se a toda forma de não participação. Ser cidadão, é enfim, adotar uma postura em favor do bem comum.

MELLO, Guiomar Namo de. Ofício de Professor: aprender mais para ensinar melhor. São Paulo: Fundação Victor Civita, 2002. v.8.

Se ser cidadão é adotar uma postura em favor do bem comum, é possível perceber a razão pela qual ética e cidadania são temas tão ligados. Certamente, uma não existe sem a outra.

Todavia, alguns questionamentos podem surgir: como educar para a cidadania, já que vivemos em um mundo repleto de violência,

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Um grupo fechado.

desrespeito ao espaço público, egocentrismo, desonestidade, injustiças?

E quando o assunto é trânsito, então, parece que tudo fica ainda mais complicado. Os profissionais da educação de trânsito, certamente, podem encontrar dificuldades.

A começar pelos órgãos de trânsito (federais, estaduais e municipais). Alguns não possuem recursos financeiros e recursos humanos suficientes para a implementação de projetos educacionais de qualidade. Outra barreira pode ser encontrada nas escolas de ensino regular. Vários professores resistem muito à idéia da educação de trânsito. Eles têm seus motivos: ganham pouco, precisam dar conta do conteúdo das disciplinas obrigatórias, não têm tempo etc.

No entanto, com criatividade, bom senso, estudo permanente e boa vontade é possível realizar um bom trabalho. E um bom trabalho é sempre aceito e reconhecido. O que importa é a qualidade. E em tudo o que se fizer, jamais se pode perder de vista essa tal cidadania.

Portanto, é fundamental propor participação da sociedade (cidadania ativa) nas questões relativas ao trânsito da cidade: o que as pessoas pensam, quais os seus anseios, quais as suas necessidades. Pesquisar é fundamental, investigando e analisando os problemas antes de dar as soluções. Geralmente, as campanhas educativas de trânsito, os recursos pedagógicos, os projetos e tantas outras iniciativas são realizadas sem objetivos concretos. Partem de uma cúpula de especialistas que acham que aquilo é bom e está certo. Não será por este motivo que há tantas décadas se faz educação de trânsito sem resultados visíveis?

A educação de trânsito deve ser para todos. É importante que o profissional de trânsito, ao assumir essa responsabilidade, entre em contato com organizações de bairro, conselhos de educação e de saúde, grêmios estudantis etc. e ouça o que essas pessoas têm a dizer. Só assim poderá elaborar projetos que atendam às necessidades e às expectativas das pessoas. Talvez não consiga resolver todos os problemas levantados, mas, com certeza, saberá que eles existem e que algo precisa ser feito.

A cidadania ativa é aquela que exige participação efetiva de todos em favor do bem comum.

Outra coisa importante: o profissional da educação de trânsito deve participar da elaboração dos recursos educativos produzidos em seu órgão de atuação, questionando se realmente vale a pena imprimir milhares de panfletos, cartilhas, manuais e outros recursos que apenas ensinam o que fazer. Afinal, a educação de trânsito deve estar fundamentada em valores e o dinheiro público deve ser bem utilizado, revertendo seus resultados em favor da sociedade.

Propensão que uma pessoa tem para referir tudo a si própria; personalismo.

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5. E PARA FINALIZAR...

Não é difícil encontrar com pessoas que “roubam” uma vaga, “furam” uma fila. Pessoas que, em pequenas ações do dia-a-dia, não agem eticamente, pois não aprenderam a pensar de forma coletiva, em favor do bem comum.

Um retrato antigo do Brasil

Década de 70, cigarros Vila Rica. O talento do meia armador Gérson era requisitado para apoiar as vendas de um novo cigarro. As pesquisas revelavam que um dos aspectos da “personalidade” do brasileiro era a de “sempre querer levar vantagem em tudo”. E lá foi o querido Gérson afirmar para a população: “... afinal, eu gosto de levar vantagem em tudo, certo?” Era criada a Lei de Gérson. Famosíssima e insubstituível até hoje (ou melhor, ontem...). Meio fora de moda, com cheiro de jovem guarda, tropicália, calça boca de sino, época em que fumar não era proibido... Passamos mais de três décadas sob a “áurea” de que o brasileiro era um “cara” que gostava de levar vantagem em tudo... Éramos “Gérsons”.

José Luiz Tejon Megido. www.shinyashiki.com.br/roberto/web/destaque_detalhe.jsp?Cid=255

Já foi visto que, com o passar do tempo, as sociedades mudam como mudam, também, as pessoas que as compõem. No entanto, ainda hoje, é fácil esbarrar em muitos “Gérsons” no trânsito: “roubando” vagas, dirigindo em alta velocidade, despejando lixo pelas janelas de seus carros, furando o sinal, cometendo todo o tipo de infração.

Atualmente, as mortes no trânsito não acontecem somente por causa dos acidentes. Muitas pessoas já foram vítimas fatais em decorrência de brigas, xingamentos e discussões. Estas mortes não são computadas nos levantamentos estatísticos realizados pelos órgãos do Sistema Nacional de Trânsito. Não obstante, acontecem...

Brigas de trânsito acabam em morte

Luiz Carlos Ralheonco, 32 anos, morava no balneário de Praia Grande (82 Km a sul de São Paulo). Ele veio a São Paulo na manhã de ontem com seu Fiat Uno para levar o carro ao conserto.

Segundo informações, pouco antes de chegar à ponte Ary Torres, no Brooklin (zona sul de São Paulo), Ralheonco teria fechado um táxi Versailles. O taxista o teria alcançado na ponte, emparelhado com a vítima e atirado.

O motorista perdeu o controle do Uno, que se chocou com uma carreta Scania. Ralheonco foi levado ao Hospital Santa Paula, onde morreu. O motorista do táxi fugiu. (...)

Folha de S. Paulo, 17/8/1996. Caderno Cotidiano, p.1.

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É muito importante saber que ninguém nasce ético nem é completamente cidadão. Se ética e cidadania ainda são estudadas, é porque as pessoas ainda não são nem éticos nem cidadãs o bastante. Caso contrário, não haveria violência, desrespeito ao espaço público, egocentrismo etc. e quem tem a responsabilidade de educar para o trânsito não precisaria parar para se questionar se o seu trabalho vale a pena; se é possível.

Talvez não seja possível mudar o mundo. Mas é possível começar a trilhar o caminho da ética e da cidadania hoje, a partir de agora.