Introdução a historiografia da linguistica...às outras (meta)disciplinas de cujo estatuto...

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9 Sumário Prefácio .................................................................................... 11 Introdução ............................................................................... 13 Capítulo I Breves reflexões sobre História e Linguística O registro da História ........................................................... 37 Teorias e explicações sobre a linguagem: o objeto de análise ............................................................................ 39 Capítulo II O que é a Historiografia da Linguística? História, Historiografia e o historiógrafo .......................... 47 Narrativa e crônica ................................................................ 49

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Sumário

Prefácio .................................................................................... 11

Introdução ............................................................................... 13

Capítulo IBreves reflexões sobre História e Linguística

O registro da História ........................................................... 37

Teorias e explicações sobre a linguagem: o objeto de análise ............................................................................ 39

Capítulo IIO que é a Historiografia da Linguística?

História, Historiografia e o historiógrafo .......................... 47

Narrativa e crônica ................................................................ 49

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Modelos de reconstrução historiográfica ........................... 53

Dimensões interna e externa na reconstrução historiográfica .................................................................... 55

Capítulo IIIPrincípios e procedimentos da

Historiografia da Linguística

A narrativa historiográfica ................................................... 71

Parâmetros de análise ........................................................... 74

Princípios da pesquisa historiográfica ............................... 75

Etapas de elaboração da narrativa historiográfica ........... 77

Conclusão ................................................................................ 101

Indicações para leitura .......................................................... 109

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Prefácio

Recentemente implantada nos Cursos de Letras, a Histo-riografia da Linguística é uma disciplina que tem despertado grande interesse por parte de alunos e pesquisadores brasileiros. Faz parte do processo de institucionalização de uma disciplina a publicação tanto de trabalhos que atestem a teoria como de material didático que ajude os iniciantes a ingressarem na nova área de estudo. Para cumprir essa dupla função, Ronaldo de Oliveira Batista nos apresenta Introdução à Historiografia da Lin-guística e nos revela sua maturidade como pesquisador, por reunir com extrema clareza o que há de mais relevante na área, e como docente, por propor um caminho de reflexão que leva o leitor a uma verdadeira prática historiográfica.

O fazer historiográfico implica as tarefas de descrição e interpretação. A Historiografia da Linguística, nesse sentido, é a disciplina que, utilizando um arsenal metodológico, descreve e interpreta como o conhecimento linguístico foi adquirido, desenvolvido, transmitido e até mesmo esquecido no decorrer do tempo. Para dar conta dos conceitos e da metodologia, o

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autor organizou o livro em três capítulos, nos quais estabelece o objeto de análise da Historiografia da Linguística (Capítulo I), delimita o campo de atuação da disciplina (Capítulo II) e comenta os princípios e os procedimentos dessa nova área de estudo (Capítulo III). Em cada capítulo, há explanações teóricas e sugestões para reflexão. O livro encerra com a indicação de uma rica bibliografia para quem quiser um maior aprofunda-mento na área.

Ao longo do livro, o autor discute com muita propriedade as proposições teórico-metodológicas de Konrad Koerner, Pierre Swiggers e Sylvain Auroux e nos deixa transparecer as lições de Cristina Altman, precursora da disciplina no Brasil e sua orientadora no Programa de Pós-Graduação (mestrado e doutorado) na Universidade de São Paulo. Assim, o livro é o resultado do amadurecimento científico do autor e de sua prática no magistério da disciplina.

Por fim, cabe ainda reconhecer o caráter didático da obra, que introduz os postulados da disciplina e leva o leitor a de-senvolver um caminho de aprendizado sobre os conceitos explicados. Desta forma, o livro pode ser considerado um manual que serve simultaneamente de convite à iniciação na disciplina e de estímulo a novas pesquisas na área.

Maria Mercedes Saraiva HackerottUniversidade Paulista (Unip)

Colaboradora na Universidade Presbiteriana Mackenzie —Curso de Lato Sensu “Língua Portuguesa e Literatura”

Membro do Grupo de Pesquisa em Historiografia Linguística do IP-PUC/SP

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Introdução

Uma das questões em destaque na constituição do que reconhecemos como o mundo contemporâneo é a que se colo-ca em torno de uma necessidade de resgate, de busca por memórias, de valorização dos registros — não é longe de im-plicações de caráter mais amplo o fato de que vivemos em uma era tecnológica que disponibiliza às pessoas cada vez mais aparelhos que registram, armazenam e reproduzem experiên-cias pessoais e coletivas. Nessa busca pelo registro e pela memória, que parece não poder ser apenas individual e sub-jetiva, olhar para a História é atitude presente. A nossa época é rica de efemérides, comemorações que relembram momentos, fatos e pessoas situados há mais de um século. O tempo é urgente e exige reflexões. Assim, vemos, de forma crescente, literaturas se expandindo em torno da História, exposições que trazem fatos passados para discussão, cursos que colocam em pauta o estudo de momentos fundadores de reflexões que nos são contemporâneas. O presente é, por assim dizer, o momen-to da História.

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Como a História é feita pelos membros das sociedades, que elaboram, desenvolvem e divulgam saberes, cabe lembrar, então, que o arranjo social só se dá porque existe um ele-mento fundamental que permite não só a troca social, mas também a expressão das individualidades (que acabam por elaborar o imaginário social). Esse elemento essencial é a linguagem verbal. De fato, a constituição do homem em sociedade se dá porque temos a linguagem, que recorta es-paços sociais, permite a formação e o reconhecimento de identidades em meio aos agrupamentos ideológicos e nos insere num espaço de comunicação, em diferentes situações de interação verbal.

Seguindo nessa corrente de pensamento, a busca pelo histórico não deixa de lado uma procura por entender essa linguagem que nos insere no meio social. Consequentemente, a linguagem verbal e suas formas de tratamento passam a ser objeto da reflexão histórica, assim como a política, a sociedade, a cultura, a economia e outros campos do saber.

A curiosidade e as reflexões a respeito das línguas e das propriedades da linguagem humana têm uma história inserida no desenvolvimento sociocultural do homem. Isso quer dizer que o amplo campo reconhecido como os estudos sobre línguas e linguagem apresenta diferentes registros de caráter historio-

gráfico (adjetivo que deve ser entendido como escrita interpre-tativa de uma narrativa sobre episódios e fatos da História), reco-nhecidos como formas de compreender descritiva, analítica e interpretativamente períodos da História da Linguística.

Dizer que a Linguística (ou os estudos sobre a linguagem) tem uma história significa entender que, ao longo dos tempos,

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desde que o homem se deu conta da linguagem verbal como meio de expressão e comunicação, indagações, respostas, so-luções e novas perguntas povoaram o imaginário sobre as propriedades da linguagem, mesmo que essas buscas tenham se caracterizado, em determinados momentos, como especu-lações próximas da religião e da criação de mitos, abordagens que apresentam sem dúvida sua importância na construção intelectual dos saberes, mas, no entanto, estão situadas fora do campo científico de observação e análise.

Na corrente histórica, cada época pontua suas preocupa-ções, demonstrando saberes adquiridos e outros em elaboração. Novos problemas surgem, seja na esteira daqueles anterior-mente solucionados, seja como proposta de ruptura em relação a conhecimentos estabelecidos.

Assim, um registro a respeito da história das ideias sobre línguas e linguagem deve preocupar-se com as formas de co-nhecimento propostas, adquiridas, desenvolvidas mesmo em períodos anteriores ao estabelecimento científico da Linguísti-ca — fato que a literatura da área situa em dois períodos--chave: o século XIX, com os estudos da Linguística Histórico--Comparativa, e a primeira metade do século XX, com Ferdinand de Saussure (1857-1913).

Levando em conta os aspectos anteriormente apontados, o que se pretende apresentar neste livro, num percurso intro-dutório e explicativo, é o que se reconhece como a reflexão inserida numa dimensão histórica a respeito de diferentes elaborações que procuram ou procuraram compreender a lin-guagem humana. Tal reflexão recebe o nome de Historiografia

da Linguística e toma como objeto de pesquisa a história dos

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estudos sobre as línguas e a linguagem, em diferentes recor-tes temporais.1

Não é isenta de discussões a nomeação da área como

Historiografia da Linguística. Altman (2001, 2009) faz importan-

tes reflexões a respeito desse ponto. Tal discussão não é aqui

extensivamente retomada dado o caráter introdutório deste

livro, e considera-se a denominação da área de pesquisa que

aqui se explicita como de fato Historiografia Linguística ou His-

toriografia da Linguística, sem fazer distinções entre as duas

formas de nomeação, como faz Koerner ao comentar sobre os

termos Linguistic Historiography e Historiography of Linguistics

(1995).2 A perspectiva que se procura delinear articula-se em

diálogos com estudos que se denominam parte de áreas reco-

nhecidas como História das Ideias Linguísticas, História da Lin-

guística, História dos Estudos sobre a Linguagem ou, ainda, His-

tória do Conhecimento Linguístico.

No que diz respeito ao estatuto da disciplina História/Histo-

riografia da Linguística e suas designações, na literatura inter-

nacional, o termo que mais frequentemente tem designado a

1. Este livro tem por objetivo introduzir os interessados na área. Desse modo, a proposta aqui estabelecida não procura, de fato, apresentar novos direcionamentos para a Historiografia da Linguística, e muito menos discuti-la em um nível metate-órico. Este texto trata essencialmente das diretrizes mais divulgadas, desde a cons-tituição e institucionalização do campo a partir da década de 1970. Entendo que a discussão metatéorica ou a proposição de novos métodos e procedimentos de aná-lise ficam para trabalhos tendo em vista leitores já familiarizados com a área de pesquisa.

2. Swiggers (2009) também considera os dois termos equivalentes. Nessa breve discussão terminológica, destaco as denominações correntes para a área em itálico, apenas para evidenciar a reflexão introdutoriamente estabelecida.

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disciplina que visa (do ponto de vista extensional) à reconstru-

ção da história, ou de parte da história, da teoria e da prática

gramatical e lexicográfica, da política linguística e das atitudes

em relação à língua, da(s) filosofia(s) da linguagem, da lógica-

-semântica e da linguagem relacionada ao pensamento religio-

so [...] é Historiografia da Linguística, certamente por analogia

às outras (meta)disciplinas de cujo estatuto compartilha: Filo-

sofia da Linguística, Metodologia da Linguística, Epistemologia

da Linguística. Sua vocação reflexiva é determinante para a

definição do seu estatuto entre as ciências da linguagem: seu

objeto (do ponto de vista intencional) não é a linguagem, mas

sim as formas de conhecimento que foram construídas sobre a

linguagem, no eixo da história. No Brasil, ao lado do termo

historiografia da linguística, duas outras designações relativas

ao campo têm ocorrido com certa frequência: historiografia

linguística e história das ideias linguísticas, aparentemente re-

presentativas de orientações diferentes que se tem procurado

imprimir ao nosso incipiente trabalho e prática historiográficos.

A oposição entre historiografia ou história das ideias é, entre-

tanto, uma falsa questão. (ALTMAN, 2009, p. 129)

Na Europa (que até agora vem se firmando como principal centro de produção e difusão das pesquisas historiográficas — local, por exemplo, onde os três principais periódicos da área são publicados), a distinção entre Historiografia da Linguística (Linguistic Historiography, Historiography of Linguistics — nos ter-mos de sua proposição original) e História das Ideias Linguísticas (Histoire des Idées Linguistiques — nos termos de sua proposição original) não parece ser tão marcante, no sentido de que não reflete uma barreira para trocas acadêmicas e intelectuais. Os

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três pesquisadores — Konrad Koerner, Pierre Swiggers, Sylvain Auroux3 — que nos últimos vinte anos mais têm pensado a área em termos intelectuais e organizacionais vêm demonstrando profícua colaboração, seja em coautorias, seja em organização de obras, e muitos dos direcionamentos teórico-metodológicos que propõem dialogam em suas diferentes perspectivas, sendo que é comum uma rede de citações intertextuais entre eles, mesmo que Koerner e Swiggers tradicionalmente se refiram a seus trabalhos como Historiografia da Linguística, e Auroux se enquadre na História das Ideias Linguísticas.

No Brasil, no entanto, a questão da nomenclatura da área espelha, possivelmente, uma marca de identidade entre grupos de pesquisa que se veem como distintos nos percursos e pro-cedimentos que adotam para analisar a história dos estudos sobre línguas e linguagem. Nesse sentido, os pesquisadores que se reconhecem vinculados à Historiografia da Linguística compartilham a crença de que se filiam a uma tradição que se formou essencialmente em torno da recepção dos trabalhos de Koerner e Swiggers (que tiveram no Brasil entre seus principais divulgadores Cristina Altman). Esse grupo considera a obser-vação historiográfica como campo autônomo de pesquisa, que deve buscar sua configuração metodológica e firmar seu esta-tuto como ramo dos estudos linguísticos. Isso implica a busca por procedimentos de análise e fundamentos epistemológicos próprios que permitam à área sua existência como legítimo campo de pesquisa e ensino.

3. Naturalmente que um elenco de outros nomes de importantes pesquisadores poderia ser estabelecido; limito-me, porém, a citar os três, considerando que são eles os de maior divulgação no Brasil, em relação a orientações para organização da área e seus direcionamentos teórico-metodológicos.

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Já os pesquisadores que se filiam à História das Ideias Lin-guísticas, essencialmente ancorados nas propostas do francês Sylvain Auroux e organizados em projetos coordenados prin-cipalmente por Eni Orlandi, trilham um caminho distinto, institucional e metodologicamente. Concentrados em torno de um projeto que busca compreender processos de constituição de identidades linguísticas, relações entre os sujeitos e a insti-tucionalização do saber linguístico, organizações sociais do trabalho sobre a língua e acima de tudo “a constituição de nossa língua na relação com a produção das ideias linguísticas no Brasil” (ORLANDI, 2002, p. 10), esse grupo procura articular o saber histórico e sua interpretação aos procedimentos da análise de discurso de linha francesa,4 tendo em vista investi-gar a constituição histórica de um sujeito da linguagem, de suas imagens simbólicas e discursivas engendradas e dos instrumentos linguísticos a essas imagens também associados.

Em relação à denominação História da Linguística, consi-dera-se que, antes de propostas orientadas teórica e meto-dologicamente para a interpretação dos desenvolvimentos históricos de estudos sobre a linguagem, diferentes linguis-tas e mesmo filólogos e gramáticos escreveram panoramas extensivos sobre os trabalhos que investigam, em diferentes recortes temporais, a linguagem. Essa abordagem, em geral, sob essa denominação — sem dúvida, muito comum e di-vulgada —, caracteriza-se, de forma ampla, por sua posição

4. “[…] do lugar teórico em que situo, o do discurso, interessa-me a produção de conhecimento sobre a língua como produção de instrumentos linguísticos (tec-nologias que representam a língua para seus falantes, em seu conjunto) e também a própria escrita teórica, uma vez que esta desestabiliza a visão da história como algo estável, não sujeita a interpretações” (ORLANDI, 2002, p. 9).

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de ver progresso nos estudos linguísticos, em uma perspecti-va linear, posicionamento distinto do que a Historiografia da Linguística (e mesmo a História das Ideias Linguísticas) vem tentando implantar para alcançar a compreensão de momen-tos da história dos estudos sobre a linguagem.5 Ainda sobre a denominação História da Linguística pesa a indesejável ambiguidade que a expressão nos fornece. Evitamos, assim, utilizá-la para indicar o trabalho historiográfico, pois ela mesma pode fazer referência ao próprio objeto do historió-grafo da linguística.6

De qualquer modo, parece que os estudiosos da história dos estudos sobre línguas e linguagem no Brasil desde os anos 1990 têm se posicionado em dois grupos — articulados ao campo da Historiografia da Linguística ou da História das Ideias Linguísticas —, com propostas teóricas e metodológicas distintas, congregando pesquisadores em diferentes centros de produção e difusão do conhecimento, mesmo que muitas vezes compartilhem de mesmo objeto e cheguem até a se-melhantes resultados interpretativos. Se epistemológica ou

5. Faça essa consideração pensando, principalmente, nas histórias da linguística publicadas no século XIX e também no século XX; porém, ressalto que a considera-ção não tem dimensão totalitária, pois é possível encontrar obras sob o mesmo ró-tulo que incorporam (ou procuram incorporar) diferentes procedimentos para analisar a história dos estudos sobre a linguagem. Um desses exemplos é, com certeza, o livro de R. H. Robins de 1967, A Short History of Linguistics (publicado em tradução brasileira, desde 1979, com o título Pequena história da linguística, pela edi-tora Ao Livro Técnico).

6. Cabe a ressalva, no entanto, de que a expressão História da Linguística e também a denominação de historiador podem ser utilizadas para referência aos trabalhos do historiógrafo da linguística e aos produtos que concretiza. Swiggers (2009), aliás, aponta a possível utilização pelos diferentes elementos linguísticos ci-tados para fazer referência a uma mesma prática e seu agente.

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até metodologicamente se pode apontar uma falsa questão, como nos indica Altman (2009, p. 129), na perspectiva insti-tucional e sociológica há de fato a percepção de dois dife-rentes modos de divulgar o saber construído sobre a história da linguística brasileira.

Em relação a denominações como História do Conhecimen-to Linguístico e História dos Estudos sobre a Linguagem, pode-se dizer que são nomenclaturas mais neutras, indicando o hori-zonte historiográfico de análise de saberes sobre a linguagem e os produtos deles resultantes, não parecendo configurar até o momento a existência de grupos que se percebem autônomos por detrás dessas nomenclaturas.

Um pouco da nossa história

A Historiografia da Linguística entrou em cena a partir de 1970,7 com a publicação e divulgação de trabalhos escritos por pesquisadores que ajudaram a introduzir a reflexão a respeito da história dos estudos sobre a linguagem no amplo e variado

7. Konrad Koerner alerta, em editorial da revista Historiographia Linguistica (1974), que o pensamento histórico sobre estudos da linguagem ou a tentativa de colocar os fatos linguísticos em uma perspectiva histórica data de pelo menos mais de cem anos. O primeiro registro sobre a história da linguística escrito no mundo ocidental seria o de François Thurot, que elaborou, em 1796, um prefácio, “Discours prelimi-naires”, à obra Hermès, ou Recherches philosophiques surle grammaire universelle (Paris). Sobre esses momentos iniciais, Altman (2012, p. 15) faz as seguintes considerações: “O fato é que, desde o ‘Discours préliminaire’, a reflexão retrospectiva sobre questões de linguagem tornou-se uma prática cada vez mais constante em certos círculos acadêmicos ligados à filologia germânica, românica ou eslava, e, muito recentemen-te, também à disciplina linguística stricto sensu”.

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campo dos estudos linguísticos, alcançando, assim, sua legiti-

midade como área de pesquisa.8 Um respeitável número de

livros e trabalhos monográficos já foi escrito, assim como há a

publicação regular de periódicos internacionais exclusivamen-

te dedicados a estudos historiográficos, entre eles: Historiogra-

phia Linguistica (com início em 1974), Histoire, Épistémologie,

Langage (com início em 1979), Beiträgezur Geschichte der Spra-

chwissenschaft (com início em 1991), apenas para citar os mais

tradicionais; aponto, no entanto, uma recente iniciativa argen-

tina: a publicação Revista Argentina de Historiografia Linguística

(com início em 2009). Não é demais pontuar que encontros

internacionais são correntes (muitos deles com publicações

regulares de anais e boletins, cf. ALTMAN, 2012), organizados

pelas associações de pesquisadores, como as seguintes: North

American Association for the History of the Language Sciences,

Henry Sweet Society, Sociedad Española de Historiografia Linguís-

tica, Société d’Histoire et d’Épistémologie des Sciences du Langage,

Studienkreis Geschichte der Sprachwissenschat.

No Brasil, a abordagem historiográfica nos estudos sobre

línguas e linguagem também teve seu desenvolvimento. Pode-

-se afirmar que desde a década de 1970 alguns trabalhos en-

8. “O texto considerado metodologicamente importante para a redefinição da historiografia linguística como atividade de pesquisa foi a introdução de Dell Hymes (1983) à sua antologia de 1974, Traditions and paradigms — embora os romanistas talvez tenham notado o texto de Malkiel (1969) um pouco antes. Naquele texto, Hymes antecipou os pontos que viriam a caracterizar as principais tendências da historiografia linguística contemporânea: autorreflexão metodológica; definições intencionais do objeto; ampliação de escopo e datação; contextualização; abertura para a linguística antropológica, a história, a filosofia e a sociologia das ciências” (ALTMAN, 2012, p. 18).

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saiavam tentativas de reflexões sobre desenvolvimentos da

linguística brasileira.9

Em 1975, foi publicada postumamente a pioneira — no

Brasil — história da linguística de Joaquim Mattoso Câmara

Jr. (1904-1970), de caráter abrangente, com uma perspectiva

linear e fortemente orientada para o tratamento da linguística

ocidental a partir do século XIX.10 Deve-se, no entanto, ressal-

tar que a perspectiva adotada por Mattoso não seria aquela

9. “[...] os linguistas brasileiros que eventualmente se dedicaram à revisão das tradições de estudo linguístico que os antecederam o fizeram como introdução aos seus manuais de linguística geral ou aos manuais da sua especialidade, como Borba (1967) e sucessivas reedições, Lopes (1993), Miazzi (1972), Scliar-Cabral (1979), Lo-bato (1986), Faraco (1991), Brandão (1991), Ilari (1992), Mattos e Silva (1994), entre outros. Pelo menos até o início dos anos 1990 [...], é especialmente nos capítulos iniciais dos manuais de linguística que encontramos retrospectivas sobre as ciências da linguagem, tal como percebidas (e propostas) pelos pesquisadores brasileiros. Consequentemente, é nessa literatura que é possível tentar resgatar os modelos de ciência e de história da ciência que sustentaram, até então, nossas práticas” (ALTMAN, 2012, p. 18).

10. “O resultado é que, à exceção de Mattoso Câmara, poucos linguistas brasi-leiros das décadas de 1960 e 1970 se dedicaram à tarefa de elaborar textos sobre história da linguística, embora esse tópico, aparentemente, tenha feito parte dos currículos das Faculdades de Letras que foram surgindo nesse período [...]. Até os anos 1980, só a História da Linguística, de Mattoso [...] pôde ser citada como manual suficientemente abrangente, elaborado por um linguista brasileiro. Mesmo assim, trata-se de um conjunto de textos originalmente escritos em inglês para um público não brasileiro que, somente alguns anos depois, após a morte do autor, seria vertido para o português e publicado em forma de livro. Os originais, datados de 1962, foram escritos para o curso de história da linguística que Mattoso Câmara ministrou na Universidade de Washington, em Seattle, como professor visitante do Instituto de Linguística organizado naquele ano pela Linguistic Society of America. [...] Nes-se manual, de largo escopo, não há nenhuma referência ao contexto acadêmico brasileiro ou aos seus pesquisadores. Mattoso reviu as tradições clássicas do pensa-mento linguístico desde a Antiguidade até a tradição estrutural sincrônica, que lhe era contemporânea, passando pela Idade Média, pelo Renascimento, pelos séculos XVI, XVII e XVIII, XIX e por grande parte do século XX” (ALTMAN, 2012, p. 17-18).

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divulgada pelos primeiros pesquisadores em Historiografia da

Linguística, isso porque o trabalho de Mattoso apresenta-se de

modo diverso do que procuramos aqui expor didaticamente,

considerando que o linguista brasileiros se filiou a uma tradi-

ção que buscava descrever períodos da evolução da história

da linguística em perspectiva linear e escopo mais extenso,

objetivando dar conta, se possível, da totalidade de uma his-

tória da linguística.11 Assim, é possível apontar que a história

de Mattoso dialoga com uma série de livros de história da

linguística que foram traduzidos no Brasil durante o período

1960 e 197012 e se caracterizaram por sua visão unidimensional

da linguística, sua formação e seu desenvolvimento, pois man-

tiveram, ainda que muitas vezes de modo implícito, o ponto

de vista de que o desenrolar cronológico das épocas contém

um elemento valorativo em direção a um progresso absoluto,

que vê o passado como preparação para que etapas subsequen-

tes de um determinado marco temporal corrijam supostos

problemas de abordagem de dados, objetos e proposições de

descrição e análise linguística. Vemos, portanto, não só na

11. Cf. a análise que Coelho e Hackerott (2012) fazem do trabalho de Mattoso.

12. “[...] surgiram, na segunda metade do século XX, um sem-número de teses acadêmicas, artigos e monografias sobre teorias linguísticas ‘do passado’ (KOERNER, 1978, p. 33 et seq.), em meio à nova fornada de manuais mais ‘modernos’ que começaram a circular pelos circuitos acadêmicos europeus e americanos, como Ivic (1965), Leroy (1963), Tagliavini (1963), Malmberg (1964), Lepschy (1971), Mounin (1970, 1972), Robins (1967) e Coseriu (1969-1972). Esses, sim, quase todos traduzi-dos para o português ao longo da década de 1970, e de ampla recepção na biblio-grafia daqueles considerados hoje a primeira geração de linguistas brasileiros (ALTMAN, 1996). Acrescente-se a esses, nesse período, Mattoso Câmara [...], exem-plo isolado de manual de história da linguística escrito por um brasileiro” (ALTMAN, 2012, p. 16-17).

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história de Mattoso, mas também na de outros autores da

época, uma tradição de contar a história da linguística a partir

essencialmente de uma visão europeia ou norte-americana, que

deixa de observar com equidades diferentes períodos da his-

tória dos estudos sobre a linguagem.

Também uma série de artigos foi publicada ao longo dos anos 1970, 1980 e 1990 com o intuito de iniciar uma reflexão a respeito da linguística brasileira.13 No entanto, ainda são tra-balhos esparsos, publicados em revistas, em anais de congres-so ou em prefácios a obras de outros interesses linguísticos.14 Podemos citar entre esses autores que iniciaram uma reflexão de natureza histórica nesse momento, ainda que empregando em alguns casos metodologias diversas da exposta neste livro, os seguintes acadêmicos: José Borges Neto, Dinah Callou, Yonne Leite, Ataliba Teixeira de Castilho, Francisco Gomes de Matos, Erasmo d’Almeida Magalhães, Rosa Virgínia Mattos e Silva, Aryon Dall’Igna Rodrigues entre outros.15

13. Ainda em relação à escrita de histórias da linguística no âmbito brasileiro, além de Mattoso, mas sem a sua segurança e alcance acadêmico, apontamos duas iniciativas bem mais modestas: Introdução à Linguística, de Florence Carboni, uma história também nos moldes tradicionais publicada em 2008 pela Editora Autêntica; e Introdução à Linguística Moderna, de Haroldo Ramanzini, publicada em 1990 pela pequena Editora Ícone.

14. “A prática de fazer preceder ao problema descritivo ou teórico que se abor-da seu percurso histórico, como de hábito também no Brasil (ALTMAN, 1996), desen-volveu-se de forma secundária em relação a outros interesses, tomando frequente-mente a forma ou de uma introdução panorâmica aos manuais de linguística geral [...], ou de capítulo inicial às teses acadêmicas. De maneira geral, essas ‘introduções históricas’ visam mostrar os avanços da disciplina, ou de parte da disciplina, em relação a estágios anteriores” (ALTMAN, 2012, p. 15).

15. Para uma detalhada informação bibliográfica desses trabalhos, consultar Altman (2001).

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O que distingue esses modos de observação vistos, por exemplo, em Mattoso e em alguns autores apontados acima,16 daqueles propostos pela Historiografia da Linguística é a pro-posição de (ou a tentativa de) direcionamentos metodológicos que possibilitem efetivar interpretações historiográficas orien-tadas por diretrizes teóricas que essencialmente veem a lin-guística e sua história como sucessão, superposição, diálogos de tradições de propostas de descrição e análise, tendo em vista a complexidade do jogo das ideias no decurso histórico, permeado de idas e vindas de saberes e formas de conheci-mento e caracterizado por projeções não lineares de continui-dades e descontinuidades.

Desse modo, a Historiografia da Linguística desconsidera como absolutamente válidas abordagens exclusivamente linea-res, construídas em torno da noção de progresso e acumulação temporal valorativa de saberes, que nos induzem, quase auto-maticamente, a perceber o presente como melhor que o passa-do, então descartável, uma vez que envolto em propostas (dependendo de sua inserção histórica) não científicas, muitas vezes. Exemplar dessa perspectiva não ideal está a própria divisão de Mattoso presente em seu manual (estudos paralin-guísticos, estudos pré-linguísticos, estudos linguísticos), na qual o conhecimento proposto e desenvolvido antes do século XIX é visto como uma espécie de preparação para que um conhecimento, dito científico, surgisse a partir essencialmente dos anos 1800 e de um método histórico-comparativo. Ou seja, na reconstrução desse tipo, uma visão positivista de ciência

16. À exceção dos trabalhos de José Borges Neto, que sempre procuraram se aproximar da Historiografia da Linguística.

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nos induz, muitas vezes, a compreensões equivocadas do de-senrolar histórico. É exatamente como distinção a esse tipo de perspectiva de observar a história que se coloca a Historiogra-fia da Linguística.

Sendo assim, foi de fato na década de 1990 que no Brasil os trabalhos desenvolvidos no âmbito das propostas de uma Historiografia da Linguística ou de uma História das Ideias Linguísticas, articuladas, entre outros, por Konrad Koerner, Pierre Swiggers e Sylvain Auroux, alcançaram maior divulga-ção e reconhecimento acadêmico, principalmente por conta da criação dos primeiros grupos de pesquisa que se organizaram prioritariamente em torno de propostas de reconstrução his-toriográfica de aspectos da pesquisa linguística brasileira.

Podem-se apontar três grupos de destaque em âmbito nacional, ainda que não compartilhem, muitas vezes, métodos e objetivos. Na Universidade de São Paulo, há o pioneiro Gru-po de Estudos em Historiografia da Linguística, do Centro de Documentação em Historiografia da Linguística (CEDOCH, Departamento de Linguística da USP).17 Ainda em São Paulo, há os pesquisadores que se reúnem em torno do Instituto de Pesquisas Linguísticas Sedes Sapientiae e dos cursos de Letras de pós-graduação da PUC-SP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, refletindo sobre aspectos da historiografia da língua portuguesa, produzindo trabalhos, principalmente, acerca da gramaticografia e do ensino da língua portuguesa no Brasil. E há o grupo que reúne pesquisadores da Universidade de Cam-

17. O grupo mantém uma página na Internet para divulgação de seus trabalhos e projetos de pesquisa; também é possível consultar os boletins que durante um tempo tiveram publicação regular.

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pinas e participantes de outros centros acadêmicos de várias regiões do país, que realiza pesquisas para o projeto “História das Ideias Linguísticas: Ética e Política de Línguas”. Além desses grupos com coordenação concentrada no estado de São Paulo (citados aqui por terem sido as primeiras congregações com repercussão nacional em torno da busca de uma ativida-de historiográfica na Linguística), há na Associação Nacional de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll) o Grupo de Trabalho em Historiografia da Linguística Brasileira, com pesquisadores de todo o Brasil, além de estudantes de pós--graduação. Também podem ser apontadas organizações mais recentes, como o projeto de trabalho internacional na Asocia-ción de Lingüística y Filología de América Latina (Alfal) e o grupo da Associação Brasileira de Linguística (Abralin). Esses grupos oficializaram, por assim dizer, as linhas de pesquisa historiográfica no contexto brasileiro.

Cabe mencionar, também, que, na década de 2000, come-çaram a dar resultado as tentativas de colocar a reflexão his-toriográfica no panorama de formação em Letras.18 Centros de ensino e pesquisa como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e a Universidade Presbiteriana Macken-zie (UPM), para ficar apenas em alguns exemplos restritos ao estado de São Paulo, oferecem como parte do elenco de disci-plinas dos cursos de bacharelado, licenciatura, especialização, mestrado e/ou doutorado cursos que colocam em pauta a história dos estudos sobre línguas e linguagem.

18. Aspecto importante para a institucionalização do campo, como indica, entre outros, Swiggers (2009).

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Entre os trabalhos que, especificamente no Brasil, contri-buíram para que o campo alcançasse legitimidade e reconheci-mento na área dos estudos linguísticos (e, consequentemente, a compreensão de sua importância para a reflexão a respeito do que entendemos como pesquisa em ciência da linguagem), pode-se apontar uma tendência a avaliar áreas específicas, pro-curando dar conta do estado da arte, alcances e perspectivas, assim como uma tendência, em destaque, para ampliar a análi-se de uma história da gramática brasileira em relação com as tradições ibéricas, e de uma linguística missionária, além de pesquisas sobre formas e modos do ensino de língua. Como exemplares desses direcionamentos, apontamos alguns traba-lhos19 que evidenciam essas tendências ao efetivar a presença da Historiografia da Linguística no Brasil:20 A pesquisa linguísti-ca no Brasil (1968-1988), de Cristina Altman, 1998; A historiogra-fia linguística: rumos possíveis, organizado por Jarbas Vargas Nascimento, 2005; “Retrospectivas e perspectivas da historio-grafia da linguística no Brasil”, de Cristina Altman, 2009; “Histo-riografia linguística: princípios e procedimentos”, de Neusa Bastos, 2011; “Dossiê Historiografia da Linguística”, organiza- do por Cristina Altman e Ronaldo de Oliveira Batista, 2012;

19. Nesse breve elenco de trabalhos — que não pretendeu ter vocação exaus-tiva — não são citadas as traduções publicadas e divulgadas no Brasil, mas apenas os textos que ajudaram a concretizar o desenvolvimento da área no panorama nacional. Ainda mais especificamente sobre estes últimos, apontamos apenas os livros e alguns capítulos, deixando de lado uma extensa lista de artigos em perió-dicos. Altman (2001) oferece uma crônica de trabalhos que se relacionam com a área aqui estabelecida.

20. As referências completas estão no final da Introdução. Aqui, os livros são indicados pelo título em itálico, e capítulos de livros ou de artigos em periódicos estão sinalizados entre aspas.

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“História, estórias e historiografia da linguística brasileira”, de Cristina Altman, 2012; “Historiografia Linguística”, de Olga Coelho e Mercedes Saraiva Hackerott, 2012; Metalinguagem e

discurso: a configuração do purismo brasileiro, de Marli Quadros Leite, 1999; Fonologia e morfologia na gramática científica brasileira, de Ricardo Cavaliere, 2000; História entrelaçada, coleção organi-zada por Neusa Bastos e Dieli Palma, já com cinco volumes publicados, 2004-2012; Línguas gerais: política linguística e cate-quese na América do Sul no período colonial, organizado por Maria Carlota Rosa e José Bessa Freire, 2003; A implantação da

língua portuguesa no Brasil no século XVI, de Nancy dos Santos Casagrande, 2005; O nascimento da gramática portuguesa: uso e norma, de Marli Quadros Leite, 2007; Homenagem: Evanildo Be-

chara 80 anos, organizado por Dieli Palma, Mercedes Hackerott, Neusa Bastos e Rosemeire Faccina, 2008; A linguagem: teoria, ensino e historiografia, de Carlos Falcão Uchôa, 2008; Ortografia

da língua portuguesa, com organização de Maurício Silva, 2009; Madre Olívia: uma linguista à frente de seu tempo, organizado por Dieli Palma e Neusa Bastos, 2012; Uma língua africana no

Brasil colônia de Seiscentos: o quimbundo ou língua de Angola na Arte de Pedro Dias, S. J., de Maria Carlota Rosa, 2012; Políticas

de línguas no Novo Mundo, organizado por Consuelo Alfaro La-gorio, Maria Carlota Rosa e José Bessa Freire, 2012.

Esse breve mapeamento teve por objetivo circunscrever o panorama de pesquisas que aqui se quer delinear. A partir deste momento, o foco principal será transmitir (sem pretensões de originalidade, mas sim de divulgação), na busca de uma forma didática e introdutória, o que é o estudo historiográfico no campo da Linguística, alguns de seus métodos de trabalho

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e objetivos. Antes de encerrar, então, com um convite para o leitor e para a leitora, desejando um bom percurso de desco-berta, retomo palavras de Swiggers (2010), que introduzem uma imagem clara tanto do espaço que a Historiografia da Linguística vem ocupando nos estudos sobre a linguagem como da necessidade de obras que elucidem a natureza de uma abordagem historiográfica para a ciência linguística:

Em prosseguimento à sua organização profissional, que come-

çou nos anos setenta, a historiografia linguística tem testemu-

nhado um crescimento espetacular no número dos seus prati-

cantes — especialmente na Europa, e, ao longo das duas últimas

décadas, nas Américas — o campo pode festejar igualmente a

existência de vários periódicos especializados de alto nível.

Mesmo assim, continuam a existir muitas dúvidas sobre o cam-

po, os objetivos e os métodos da historiografia linguística, para

não mencionar as atitudes condescendentes para com pesqui-

sadores propensos a cultivar sua ignorância em história da

linguística. Pode valer a pena, portanto, esclarecer alguns as-

suntos que tratem do escopo e do potencial da historiografia

linguística. (Swiggers, 2010)

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