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APRESENTAÇÃO Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea- lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que melhor se encaixa à organização curricular de sua escola. A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen- tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci- dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas, histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob- jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade. As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada região brasileira. Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz. Gerente Editorial Introdução à Sociologia

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APRESENTAÇÃO

Este módulo faz parte da coleção intitulada MATERIAL MODULAR, destinada às três

séries do Ensino Médio e produzida para atender às necessidades das diferentes rea-

lidades brasileiras. Por meio dessa coleção, o professor pode escolher a sequência que

melhor se encaixa à organização curricular de sua escola.

A metodologia de trabalho dos Modulares auxilia os alunos na construção de argumen-

tações; possibilita o diálogo com outras áreas de conhecimento; desenvolve as capaci-

dades de raciocínio, de resolução de problemas e de comunicação, bem como o espírito

crítico e a criatividade. Trabalha, também, com diferentes gêneros textuais (poemas,

histórias em quadrinhos, obras de arte, gráficos, tabelas, reportagens, etc.), a fim de

dinamizar o processo educativo, assim como aborda temas contemporâneos com o ob-

jetivo de subsidiar e ampliar a compreensão dos assuntos mais debatidos na atualidade.

As atividades propostas priorizam a análise, a avaliação e o posicionamento perante

situações sistematizadas, assim como aplicam conhecimentos relativos aos conteúdos

privilegiados nas unidades de trabalho. Além disso, é apresentada uma diversidade de

questões relacionadas ao ENEM e aos vestibulares das principais universidades de cada

região brasileira.

Desejamos a você, aluno, com a utilização deste material, a aquisição de autonomia

intelectual e a você, professor, sucesso nas escolhas pedagógicas para possibilitar o

aprofundamento do conhecimento de forma prazerosa e eficaz.

Gerente Editorial

Introdução à Sociologia

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fabril e

mais-valia

@SOC497

L131 Lacerda, Gustavo Biscaia de.Ensino médio : modular : sociologia : introdução à sociologia / Gustavo Biscaia de

Lacerda, Fábia Berlatto, Márcio Sérgio Batista Silveira de Oliveira ; ilustrações Angela Giseli. – Curitiba : Positivo, 2010.

: il. ISBN 978-85-385-6506-2 (livro do aluno)ISBN 978-85-385-6507-9 (livro do professor) 1. Sociologia. Ensino médio – Currículos. I. Berlatto, Fábia. II. Oliveira, Márcio

Sérgio Batista Silveira de. III. Giseli, Angela. IV. Título.

CDU 373.33

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SUMÁRIO

Unidade 1: Sociologia como ciência

O que é a Sociologia? 5

Mudanças históricas: da Revolução Científica às revoluções

do século XVIII 7

Surgimento da Sociologia: do século XVIII para o século XIX 10

O que é ser “científico”? 11

Unidade 2: Divisões das Ciências SociaisAntropologia 13

Ciência Política 15

Sociologia 16

Unidade 3: Auguste Comte e a fundação da Sociologia

Confusão terminológica: os “positivismos” 18

Resumo biográfico: vida e obra 19

Sociologia comtiana 20

Unidade 4: Sociologia de Comte: estática e dinâmica sociais

Estática e dinâmica 24

Da Filosofia à política e da política à religião 26

Unidade 5: Trabalho livre e estratificação socialO cidadão na passagem do feudalismo ao capitalismo 30

O cidadão e os estratos sociais segundo os clássicos 32

Unidade 6: Fatores da mudança e da reprodução social

Karl Marx e o fator político: revoltas, revoluções e superação

do capitalismo 36

Max Weber e o fator econômico-religioso: afinidades entre

o espírito do capitalismo e a ética protestante 39

Émile Durkheim e o fator social: normas e educação na

produção/reprodução da sociedade 40

Unidade 7: Estados modernos e cidadaniaO Estado em Marx 43

O Estado em Weber 44

O Estado em Durkheim 46

Unidade 8: Socialismo, valores e sistema socialO socialismo segundo Marx e Engels 48

O socialismo segundo Weber 50

O socialismo segundo Durkheim 51

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Introdução à Sociologia4

Consideradas no passado, as ciências libertaram

o espírito humano da tutela sobre ele exercida

pela teologia e pela metafísica, tutela que, in-

dispensável à sua infância, tendia em seguida

a prolongá-la indefinidamente. Encaradas no

presente, devem servir, quer por seus métodos,

quer por seus resultados gerais, para determinar

a reorganização das teorias sociais. Vistas no

futuro, serão, depois de sistematizadas, a base

espiritual permanente da ordem social, enquanto

durar sobre o globo a atividade de nossa espécie.

COMTE, Auguste. Considerações filosóficas sobre as ciências e os cientistas. In: ______. Opúsculos de Filosofia

Social. São Paulo: USP, 1972, p. 162.

Sociologia como ciência 1

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Ensino Médio | Modular 5

SOCIOLOGIA

O objetivo do estudo de Sociologia no Ensino Médio é desenvolver a compreensão sociológica da realidade, entendendo não só a sociedade em que se vive, mas também, e acima de tudo, outras sociedades.

Duas grandes questões serão tratadas nesta unidade: o significado de uma ciência da sociedade e a obra sociológica do fundador dessa disciplina – Auguste Comte.

O que é a Sociologia?

Para entender o que é a Sociologia, uma primeira abordagem que se pode tentar é a etimológica, isto é, por meio da compreensão da origem dessa palavra. Em 1836, no volume III da obra chamada Cours de philosophie positive (Curso de filosofia positiva), o francês Auguste Comte uniu o radical de origem latina socios com o radical grego logos, a fim de designar o estudo da sociedade feito de modo sistemático, racional e sujeito a verificações empíricas – surgia assim a palavra que designa, desde então, o estudo científico da sociedade: SOCIO-LOGIA. Esse estudo adota o princípio de que somente fatores sociais (e não psicológicos, biológicos, religiosos, etc.) explicam as práticas e instituições sociais. De uma forma muito breve, é nisso em que consiste a Sociologia; todavia isso é pouco para explicá-la.

A Sociologia, ou melhor, os sociólogos podem enfatizar a elaboração de teorias mais ou menos gerais, que explicam o funcionamento da sociedade, e também podem se dedicar à análise de questões bem específicas, como religião, participação política, luta de classes, elite política, vio-lência policial, democracia, imigrantes, sociedades indígenas, instituições internacionais, guerras, etc.

Por outro lado, podem ter uma preocupação mais acadêmica, isto é, fazerem pesquisas “pu-ras”, como também podem examinar questões práticas para sugerir alterações em instituições e em comportamentos sociais. Essas são chamadas de pesquisas aplicadas. Nesse caso, os sociólogos verificam os efeitos sociais de políticas de combate à fome, ao analfabetismo e à discriminação racial ou os efeitos da política monetária, o sucesso da integração regional via Mercosul, as políticas de promoção da cultura popular e assim por diante.

Essas quatro possibilidades – abordagens genéricas ou especializadas e estudos puramente acadêmicos ou aplicados – não esgotam as atividades dos sociólogos, e um mesmo sociólogo pode desenvolver, ao mesmo tempo, vários tipos de atividades.

Talvez aqui surja a pergunta: para que, então, serve a Sociologia? Em primeiro lugar, o estudo científico e racional da sociedade busca responder a questionamentos sobre como a sociedade nasce (por exemplo: Por que vivemos em coletividade e não separados uns dos outros?), como a sociedade se mantém (apesar de tantos conflitos, abertos ou latentes, por que insistimos em viver juntos?), qual a dinâmica dos conflitos sociais, etc.

É necessário que o mundo, aí incluída a sociedade, tenha sentido de alguma forma. Como o Ocidente desenvolveu uma visão de mundo cada vez mais humana e racional, é necessário que a concepção que se tenha da sociedade também seja humana e racional.

O conhecimento racional da realidade social permite que o ser humano interfira de maneira pla-nejada sobre a sociedade, porque consegue prever algumas consequências das suas ações e porque entende que mudanças sociais são necessárias.

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Considere o caso das políticas públicas, isto é, as medidas que um governo rotineiramente toma na tarefa de administrar a sociedade. Seu planejamento, seu acompanhamento e sua avaliação requerem considerações, análises e informações sociológicas. Mas pode-se também pensar nas atividades de organizações não governamentais, empresas, partidos políticos ou igrejas, que examinam o ambiente social a fim de promoverem causas específicas, aumentarem seu lucro, obterem mais votos ou propagarem sua fé. Em cada um desses casos, a Sociologia tem um papel importante. Uma organização não governamental dedicada à alfabetização de adultos pobres, por exemplo, tem de conhecer os valores morais e culturais, a situação social e econômica das pessoas com quem trabalha, a fim de alfabetizá-las. Ou, se o governo quiser construir uma usina hidrelétrica, que exige inundações de grandes áreas, é necessário saber se haverá populações afetadas por esse lago, qual a importância que tais pessoas dão para a terra alagada (se é considerada sagrada para alguma população, se é área de agricultura, etc.).

A imaginação sociológicaA imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o cenário histórico mais amplo, em termos de

seu significado para a vida íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos. Permite-lhe levar em conta

como os indivíduos, na agitação de sua experiência diária, adquirem frequentemente uma consciência falsa de suas

posições sociais. Dentro dessa agitação, busca-se a estrutura da sociedade moderna e dentro dessa estrutura são

formuladas as psicologias de diferentes homens e mulheres. Através disso, a ansiedade pessoal dos indivíduos é

focalizada sobre fatos explícitos e a indiferença do público se transforma em participação nas questões públicas.

MILLS, Charles Wright. A imaginação sociológica. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1972. p. 11-12.

Responda à seguinte questão: Com base no que foi exposto e discutido até agora, o que a Sociologia estuda e qual a sua importância?

pa

Os conhecimentos sociológicos são importantes para cada indivíduo atuar como cidadão. Deixando de lado o senso comum, analisando criticamente as informações recebidas (em particular pelos meios de comunicação de massa), compre-endendo a sociedade em que vive, os problemas e as possibilidades que o cercam, tudo isso é importante para agir coletivamente nos ambientes de que participa (escolas, círculos de amizade, clubes, igrejas, partidos políticos, associações profissionais, sindicatos, etc.).

Uma boa forma de justificar a utilidade da Sociologia é por meio do desenvolvimento do que o cientista político estadunidense Charles Wright Mills chamou de imaginação sociológica. Ela é a capacidade de cada pessoa ver de maneira criativa a si mesma e a sociedade em termos sociológicos, estabelecendo relações de causalidade, de correlação e de implicação entre os vários fatores sociais – além, é claro, de mapear a sua situação pessoal nesse conjunto de relações. ©

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A diferença entre

senso comum e saber

científico

@SOC399

Introdução à Sociologia6

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Mudanças históricas: da Revolução

Científica às revoluções do século XVIII

Como surgiu a Sociologia? Quais as precondições sociais, políticas, econômicas e culturais que permitiram e presidiram o surgimento dessa nova forma de conhecimento?

A Sociologia estuda tanto a sociedade como um todo quanto os fenômenos sociais de forma específica. Isso permite fazer um estudo sociológico do surgimento da própria Sociologia.

As condições para o seu surgimento podem ser encontradas muito longe, na Grécia Antiga, com o racionalismo grego, passando pela Idade Média e pelas influências mútuas entre o Ocidente e outras civilizações (por exemplo, os árabes), até os principais pensadores políticos dos séculos XVII e XVIII, como Hobbes, Locke, Montesquieu e Rousseau.

Entretanto, esse caminho exigiria que se fizesse uma digressão muito grande. Assim, saindo da história do pensamento para encontrar a história real, é preciso considerar três grandes mudanças sociais ocorridas a partir do século XVII e que influenciaram diretamente no surgimento da Socio-logia: a Revolução Científica, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa.

A Revolução Científica consistiu na afirmação do espírito de pesquisa e de investigação racional da realidade, baseada em uma concepção imanentista (ver Conceitos sociológicos no final do volume) e naturalista do mundo, que rejeitava explicações transcendentais e sobre-naturais (ver Conceitos sociológicos).

Em outras palavras, a referência a Deus ou à autoridade dos grandes pensadores (por exemplo, de Aristóteles) deixou de ser aceita como critério para a afirmação do que é verdadeiro. No lugar disso, assumiu-se que somente a observação direta dos fenômenos (principalmente naturais) e com teorias racionais e passíveis de discussão e verificação empírica (ver Conceitos sociológicos) seria possível conhecer o mundo e obter uma compreensão suficiente dele.

Os três grandes nomes iniciais dessa mudança na maneira de perceber as coisas e entender o mundo foram o francês René Descartes (1596-1650), o inglês Francis Bacon (1561-1626) e o italiano Galileu Galilei (1564-1642).

Bacon afirmava, no livro Novum Organum (1620), que apenas as afirmações baseadas em observações empíricas eram aceitáveis como verdadeiras: o que não proviesse, de alguma forma, da observação direta não era verdadeiro. Além disso, as afirmações deviam ser postas à prova por meio de experimentos empíricos. Ao mesmo tempo, ele criticou o que chamou de “ídolos”, isto é, os hábitos de pensamento e os preconceitos que impediam o conhecimento da realidade: a tendência a generalizar com base nos casos favoráveis (“ídolo da tribo”), a pressão dos costumes e dos hábitos (“ídolo da caverna”), os maus usos da linguagem (“ídolo do fórum”) e a pressão da autoridade (“ídolo do teatro”).

Galileu, nos livros O mensageiro das estrelas (1610) e Diálogo sobre os dois principais siste-mas do mundo (1630), demonstrou inúmeras descobertas científicas por meio da conjugação de hipóteses bem elaboradas e de experimentos empíricos. Ele afirmava que a linguagem da natureza era a linguagem da Matemática, permitindo o estudo da realidade com métodos quantitativos (ver Conceitos sociológicos) e objetivos, necessários à ciência moderna.

Descartes, autor do Discurso sobre o método (1637), é considerado o fundador da Filosofia Moderna. Para ele, cada indivíduo deve obter a verdade por meio do exame racional das afirmações, recusando a mera autoridade como argumento de correção. Não mais bastava que um pensador de grande reputação tivesse afirmado algo para que se aceitasse isso como verdade; era neces-sário que tal afirmação fosse submetida à crítica e à avaliação individual por outros pensadores e pesquisadores. Além disso, Descartes afirmou que se devia proceder do mais simples ao mais complexo para resolver os problemas, isto é, que cada questão devia ser dividida em várias partes (conforme o pesquisador julgasse adequado), e que essas partes deviam ser ordenadas de acordo com o grau de complicação: as mais simples seriam resolvidas antes; e as mais complicadas, depois. Descartes – “Penso,

logo existo”

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Bacon – “Só se domina a natu reza

submetendo-se a ela”

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Galileu – “A linguagem da natureza

é a linguagem da Matemática”

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Biografia do autor

Galileu Galilei,

importante teórico

do racionalismo

@SOC312

Ensino Médio | Modular 7

SOCIOLOGIA

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Esses três pensadores criaram filosofias que não eram neces-sariamente compatíveis entre si, mas que, aos poucos, puseram fim à concepção medieval (teológica e mágica) de pensar e à organização social que se mantinha com base nessas ideias.

O primeiro grande êxito da ciência foi a teoria da gravidade de Isaac Newton (1643-1727), que explicou os fenômenos do Universo (a Mecânica Celeste) e consagrou o modelo meca-nicista (ver Conceitos sociológico) de explicação da realidade.

A ciência ampliou cada vez mais seu escopo de atuação e forneceu elementos para a crítica social e moral. Essa crítica foi representada pelo Iluminismo ao longo do século XVIII, com vários pensadores e políticos, dos quais se indica em particular Denis Diderot (1713-1784) e Jean d’Alembert (1717-1783), organizadores da Enciclopédia, que procurava sistematizar o conhecimento científico, técnico e artístico da época.

A segunda grande mudança social importante que está na origem dessa nova forma de compreender e explicar o mundo dos homens – a Sociologia – foi a Revolução Industrial. O que foi isso?

A Revolução Industrial foi um processo iniciado em mea-dos do século XVIII. Desde o fim da Idade Média, assistia-se ao surgimento e à organização de uma classe social dedicada à produção manufatureira, às trocas comerciais e à interme-diação do crédito. Chamada de burguesia, sua importância e seu poder vinham da riqueza que concentrava e geria.

A partir do século XVIII, os desenvolvimentos científi-cos passaram a ser utilizados em atividades práticas da burguesia, em particular para o aumento da produtividade do trabalho: as máquinas a vapor, de James Watt, são o grande símbolo disso.

O trabalho racionalizou-se, no sentido de que cada tra-balhador passou a realizar uma única tarefa em uma cadeia produtiva em cada fábrica, em vez de ocupar-se de todas as fases da produção. Esses fatores – melhoria da tecnologia e racionalização da divisão do trabalho – foram determinantes para o aumento da produção, gerando um padrão que se difundiu pela Inglaterra, França e pelo resto da Europa.

A Revolução Industrial reforçou a tendência de urbani-zação; o campesinato virou operariado e passou a viver nas redondezas das fábricas, abandonando os hábitos antigos, mas sem poder constituir novos hábitos.

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Enquanto a burguesia enriquecia cada vez mais, o proletariado empobrecia; trabalhava em jornadas de 14, 16, 18 horas diárias, sem diferenciação entre homens, mulheres, crianças ou idosos, e recebia salários de fome. Desse modo, a distância entre a burguesia e o proletariado tornava-se cada vez mais evidente. O poder econômico da burguesia fazia com que ambicionasse também o poder político, e a miséria material e moral do proletariado convertia-se em distúrbios sociais e políticos.

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Os eventos históricos

que marcaram a

Primeira Revolução

Industrial

@SOC687

Invenções tecnológicas

da Segunda Revolução

Industrial

@SOC1006

Os fatores políticos,

econômicos,

tecnológicos e sociais

que ocasionaram a

Revolução Industrial

@SOC725

Introdução à Sociologia8

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No século XIX, esse conjunto de elementos tornou-se explosivo e exigiu a reflexão de pensadores e políticos para tentar solucionar esses problemas.

No entanto, foi a Revolução Francesa o evento mais importante na criação da Sociologia.

Suas causas gerais podem ser indicadas como segue: no decorrer do século XVIII, devido à ação dos filósofos e escritores iluministas, o conjunto dos princípios que organizavam a sociedade francesa (os privilégios da nobreza, a sociedade dividida com base em “ordens” hereditárias, o poder absoluto do rei) perdeu a legitimidade. Eles não eram mais vistos como aceitáveis ou justos. Almejava-se uma nova sociedade, mais livre, mais igualitária e mais fraterna.

A capacidade de ação dos governos era pequena, pois os recursos públicos eram destinados à manutenção da nobreza e do clero e à realização de diversas guerras; além disso, havia preconceitos muito fortes contra a participação do “ter-ceiro estado”, isto é, da burguesia e do povo na administração pública. Ao mesmo tempo, a burguesia, que já tinha o poder econômico, almejava também controlar o poder político. O proletariado (urbano e, acima de tudo, rural) era miserável e estava insatisfeito com os desmandos dos senhores locais e da Igreja. Tudo isso convergiu para os eventos de 1789.

Devido à participação em guerras – em particular na guerra de independência dos Estados Unidos –, o Estado francês não tinha mais recursos e foi obrigado a convocar os Estados Gerais, isto é, a fazer uma reunião das forças sociais do reino

para solicitar um aumento nos impostos. Ao fazê-lo, permitiu que os franceses apresentassem suas queixas e reivindicações para serem examinadas. Em um ambiente que já era conturbado, isso agitou a população, em particular o terceiro estado (formado pela burguesia, trabalhadores urbanos e camponeses). Em 1789, ao reunirem-se os Estados Gerais, o terceiro estado recusou-se a seguir os procedimentos tradicionais (voto por estado) e a tratar dos temas propostos pelo governo, decidindo, em seu lugar, discutir as reformas políticas e sociais que julgava necessárias.

As profundas e rápidas mudan-ças sociais, ocorridas antes, durante e após a Revolução Francesa, leva-ram os pensadores e os políticos europeus a refletirem sobre a rea-lidade social em que viviam: essa reflexão deu origem à Sociologia.

A herança da Revolução Francesa

[A Revolução Francesa] criou, em muitos, uma nova concepção da história do mundo. A cultura política veio

frequentemente a se definir em relação a ela, como se vê pelo exemplo das revoluções dos séculos XIX e XX.

[...] Foi também a Revolução que criou os modernos conceitos de terror político e de partidos de vanguarda.

Ela permitiu o desenvolvimento do pensamento conservador e que o socialismo começasse a ser elaborado.

A consciência da história e da ordem social não seria mais, depois de 1799, como [era] antes de 1789. Ma-

remoto ideológico, a Revolução Francesa foi, em relação a isso, a matriz do mundo contemporâneo. Nesse

domínio, sua influência se revelaria muito mais importante que suas criações imediatas.

SOLÉ, Jacques. A Revolução Francesa em questões. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989. p. 263.

Os três estados, na França, antes de 1789: o povo (terceiro estado) carregando o clero (primeiro estado) e a nobreza (segundo estado)

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HOUËL, Jean-Pierre. Prise de la Bastille. 1789. Óleo sobre tela: color.; 37,8 cm x 50,5 cm. Biblioteca Nacional da França, Paris.

No dia 14 de julho de 1789, a prisão da Basti-lha, vista como

símbolo da tirania e da decadência

da monarquia absoluta e do

Antigo Regime, foi tomada de

assalto: começa-va a Revolução

Francesa, pondo fim a uma ordem social e iniciando

outra.

Fatos que

marcaram a

Revolução

Francesa

@SOC567

Ensino Médio | Modular 9

SOCIOLOGIA

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INGRES, Jean-Auguste Dominique. Retrato de Napoleão no trono imperial, 1809. 1 óleo sobre tela: color.; 260 cm x 163 cm. Museu do Exército, Paris.

Os eventos da Revolução Francesa seguiram um ritmo frenético. Em poucos anos, entre 1789 e 1799-1802, o Estado francês passou de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional (com os poderes do rei limitados por uma constituição), para uma república (com presidente no lugar do rei), seguida de um império (1804-1814).

Durante esse período, decretou-se o fim do antigo sistema de propriedade da terra, das corporações de ofício, dos tributos da nobreza e criou-se o estado laico; mudou-se o calendário e os nomes dos meses; assim como se propôs o sistema métrico decimal. Todas essas mudanças que visavam ao estabe-lecimento do estado burguês, resultaram na fuga da nobreza e do clero para outros países europeus e em revoltas no interior. Esse quadro resultou nas guerras externas (contra várias coalizões das outras monarquias europeias) e internas. Isso, por sua vez, levou ao fortalecimento do Poder Executivo e à punição de traidores. Em 1799, assumiu o poder, como cônsul, um jovem general de origem corsa e, em 1802, foi proclamado imperador da França: a ascensão de Napoleão Bonaparte, tradicionalmente, marca o fim da Revolução Francesa.

A Revolução Francesa marcou o fim de uma era histórica, a Idade Moderna, e iniciou outra, a Idade Contemporânea. Além disso, estabeleceu os termos dos debates políticos – por exemplo, a oposição direita/esquerda – bem como os ideais de “Igualdade, Liberdade, Fraternidade”. A sucessão de governantes com base nas dinastias foi substituída pela ideia de nação como fonte de organização do poder; os súditos se transformaram em cidadãos. A igualdade perante a lei e a racionalidade tornaram-se parâmetros básicos na vida social e política – assim como, depois se perceberia, o nacionalismo.

Surgimento da Sociologia: do século

XVIII para o século XIX

Responda às seguintes questões:

a) Explique de que forma a Revolução Científica ajudou no surgimento da Sociologia:

b) Qual a importância da Revolução Industrial para o surgimento da Sociologia?

c) Como foi que a Revolução Francesa contribuiu para o surgimento da Sociologia?

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Napoleão ado-tou uma política militarista e im-

perialista, restau-rando os títulos

nobiliárquicos e os direitos da Igreja. Embora

mantendo insti-tuições civis do Antigo Regime

e transformando a Europa em

um campo de batalha, difundiu os ideais republi-

canos e liberais da França.

Introdução à Sociologia10

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Por esses motivos, a Revolução Francesa foi objeto direto de análise de vários sociólogos: Auguste Comte (1798-1857) desenvolveu suas ideias com base nela, assim como Alexis de Tocqueville (1805-1859) procurou entender a passagem do Antigo Regime para a nova sociedade; Karl Marx (1818-1883), por sua vez, procurou interpretar em termos materialistas esse evento político e social.

O que é ser "científico"?

A ciência é uma forma de investigar aspectos específicos da realidade, com base em uma concepção imanentista do mundo.

Uma concepção imanentista é aquela que considera que a realidade na qual se vive é a que importa e a que deve ser entendida. Se houver outras realidades, outras vidas (após a morte, por exemplo), elas não são objeto de interesse para a ciência. Por isso, algumas vezes o imanentismo também é chamado de materialismo (ver Conceitos sociológicos), embora essa denominação não seja muito precisa.

A ciência adota um procedimento que conjuga a obser-vação dos fenômenos com a elaboração de teorias. Entre os dois processos – observação e elaboração –, deve ocorrer um círculo virtuoso: por um lado, as teorias descrevem e explicam aspectos específicos da realidade, indicando como tais aspectos

funcionam e como seus elementos interagem entre si; por outro lado, busca-se verificar se o que a teoria descreve realmente acontece: caso aconteça, tiram-se as consequências teóricas; caso não aconteça, busca-se determinar o que estava errado na teoria ou no experimento, a fim de corrigir um e/ou outro.

Em virtude disso, a ciência adota uma perspectiva re-lativista, isto é, que aceita os seus limites – o ser humano dispõe de uma inteligência e de sentidos limitados – e que procura corrigir seus erros ao longo do tempo.

O conhecimento científico está em constante mudança. A simples afirmação sobre o que uma coisa “é”, a simples crença em “como algo funciona para determinada realidade” não basta para que isso seja verdade. É necessário confirmar que a afirmação ou a crença corresponde à realidade dos fatos. Como a ciência investiga apenas aspectos específicos da realidade, ela fornece perspectivas analíticas.

(UEL – PR) Leia o texto a seguir.

A maior parte dos sábios, como Isaac Newton, era profundamente crente e pensava que descobrir as leis da natureza graças à física é descobrir a obra de uma providência absolutamente divina e convencer-se de que a organização do mundo não é produto do acaso. Muito antes das Luzes, é no declínio das antigas hierarquias e no turbilhão suscitado pela chegada ao Novo Mundo que devemos buscar a fonte da revolução científica. É nesse contexto que as novas ciências abandonam a concepção de natureza como algo maravilhoso, governado por princípios ocultos, e passam a imaginá-la como uma má-quina gigantesca. A tal engrenagem seguiria leis reguladoras e necessárias, passíveis de serem traduzidas em linguagem matemática. Isso não impediria, contudo, que a visão mecanicista da natureza continuasse por muito tempo como um ato de fé, incapaz de explicar fenômenos tão familiares como a coesão de materiais, a queda dos corpos ou a maré.

Adaptado de: JENSEN, P. O saber não é neutro. Le Monde Diplomatique Brasil, Ed. Instituto Polis, jun. 2010, ano 3, n. 35, p. 34.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a revolução científica, é correto afirmar:a) A revolução científica possibilitou demonstrar, no terreno da vida social, que o saber é neutro, pois é baseado em

provas empíricas reveladoras de uma forma de verdade que não comporta manipulações pelos homens.b) A revolução científica comprovou que as mesmas leis gerais que regem o mundo físico atuam também sobre a

realidade social, de tal modo que, compreendendo uma, se compreende diretamente a outra.c) Para a revolução científica, ciência e religião são formas de compreensão racional da realidade, estando ambas

regidas pelos princípios de observação, verificação e experimentação capazes de demonstrar a hipótese inicial.d) A grande contribuição da revolução científica para as ciências humanas foi demonstrar que a hipótese inicial. e) Ainda que impossibilitada de explicar a dinâmica da vida social, a revolução científica trouxe para o terreno das

ciências humanas o princípio da racionalidade da investigação como caminho para a apreensão objetiva dos fatos.

Os conceitos

de comunismo

e materialismo

histórico na

filosofia marxista

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SOCIOLOGIA

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Afinal, o que estuda exatamente a Sociologia? Ela não possui divisões internas segundo os assuntos de que trata?

A palavra “Sociologia” foi criada em 1836 por Auguste Comte, juntamente com um projeto específico de ciência da sociedade. Para ele, a Sociologia deveria ser uma ciência geral da sociedade, isto é, que a considerasse, antes de tudo, uma realidade total, englobando vários aspectos específicos. A partir dos princípios gerais é que os elementos particulares (família, riqueza, propriedade, governo, etc.) poderiam ser estudados. Ao mesmo tempo, essa teoria geral deveria considerar tanto as sociedades ocidentais quanto as não ocidentais, tanto as civilizações contemporâneas quanto as antigas.

Todavia, os vários objetos de pesquisa e as diferentes perspectivas teóricas e filosóficas suscitaram uma crescente especialização no conhecimento sobre o mundo social. Surgiram, por exemplo, formulações e modelos de análise especí-ficos e que não se preocupam em relacionar--se a alguma teoria mais ampla. A teoria da democracia, por exemplo, considera os indivíduos apenas em termos políticos (e, às vezes, também econômicos), mas deixa de lado aspectos religiosos, culturais, intelectuais: não é que esses outros aspectos sejam desprezados, mas não são levados em conta ao se considerar a organização da democracia.

Essa tendência à especialização é estimulada pelo desenvolvimento e pelo fortalecimento da Sociologia como disciplina científica nas universidades e nos institutos de pesquisa. Assim, embora se fale que a Sociologia é a ciência da sociedade, o mais habitual é usar a expressão “Ciências Sociais” para designar as três grandes áreas de pesquisa e especialização sobre o mundo social: a Antropologia, a Ciência Política e a Sociologia.

Nessa divisão, a Sociologia propriamente dita não é mais uma ciência geral, mas uma especialidade, que compartilha os estudos sociais com as outras duas áreas. Ainda assim, considera-se neste e nos demais volumes que a Sociologia é uma ciência geral da sociedade.

Divisões das Ciências Sociais2

Introdução à Sociologia12

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Antropologia

A Antropologia surgiu como o estudo das sociedades tribais, isto é, daqueles grupos que têm uma organização social relativamente simples e que são mais ou menos pequenos (variando entre algumas dezenas a poucas centenas de indivíduos). Por exemplo, os indígenas das Américas, as tribos africanas e os aborígenes da Oceania.

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O que se estuda em tais sociedades são as relações de parentesco, as estruturas linguísticas, os mitos, os ritos coletivos, etc. e como tais elementos influenciam ou são influenciados pela organização social. Mas, as sociedades não ocidentais também integram o campo de estudos da Antropologia; por exemplo, as socieda-des complexas da China, da Índia, do Japão, da Roma Antiga, do Islã, etc. As sociedades complexas são aquelas que apresentam muitos princípios e elementos de organização e classificação dos seus membros. Suas populações são relativamente maiores (de várias centenas a milhares ou milhões de pessoas).

Trajetória de Hans Staden em

suas viagens pelo Brasil

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Maquete de Roma:

representação da

cidade no século IV

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SOCIOLOGIA

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Na segunda metade do século XX, o objeto da Antropologia mudou, e essa área deixou de definir-se apenas pelo objeto (as sociedades “primitivas”) e passou a definir-se por seu método, isto é, pela abordagem peculiar dos antropólogos.

Assim, hoje a Antropologia não é apenas a ciência que estuda as sociedades tribais e as não ocidentais, mas a que adota certos procedimentos em suas pesquisas. Quais procedimentos? O estranhamento diante do grupo que se estuda, a relativização dos valores do pesquisador e a observação participante.

Ao examinar um comportamento de outra sociedade, o pesquisador pode considerá-lo estranho, como também pode vê-lo como natural. O achar estranho (errado) ou normal deve ser relativizado: os membros do grupo que estuda estão certos no que fazem, já que têm seus próprios motivos para isso. O estranhamento é a sensação subjetiva de que há algo diferente; a relativização é o entendimento de que as práticas sociais do grupo estudado estão "certas", de acordo com seus próprios valores.

A observação participante consiste no seguinte: a fim de entender o grupo que estuda, o antropólogo passa a viver com esse grupo, acompanhando suas atividades rotineiras, seu cotidiano, tornando-se, vir-tualmente, membro do grupo. O antropólogo não deixa de ser antropólogo, pois esse procedimento é um recurso metodológico para a pesquisa que realiza. A observação participante é uma técnica exigente, que requer dele grande dedicação e empatia, além da sua aceitação pelo grupo que pesquisa.

O antropólogo em campo: o próprio pesquisador como instrumento de pesquisa

Cada vez que está em seu campo de ação, o etnólogo vê-se abandonado a um mundo onde tudo lhe é estran-geiro, frequentemente hostil. Não tem senão este eu, do qual dispõe ainda, para permitir-lhe sobreviver e fazer sua pesquisa; mas um [eu] física e moralmente abatido pela fadiga, a fome, o desconforto, o choque com os hábitos adquiridos, o surgimento de preconceitos dos quais nem sequer suspeitava; e que se descobre a si mesmo, nesta conjuntura estranha, paralítico e estropiado por todas as dificuldades de uma história pessoal responsável, de saída, por sua vocação, mas que, além do mais, afetará seu curso, daí para diante. Na expe-riência etnográfica, por conseguinte, o observador coloca-se como seu próprio instrumento de observação. Evidentemente, precisa aprender a conhecer-se, a obter de um si-mesmo, que se revela como outro ao eu que o utiliza, uma avaliação que se tornará parte integrante da observação das outras individualidades.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Jean-Jacques Rousseau, fundador das Ciências do Homem. In: ______. Antropologia estrutural 2. 4. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993. p. 43-44.

Com respeito ao texto, selecione a opção correta e justifique a sua escolha:

a) O antropólogo, quando faz pesquisas em campo, observa as pessoas e pergunta-lhes o que pensam a respeito do que fazem, sem maior envolvimento.

b) Ao fazer uma pesquisa de campo, o antropólogo pode permanecer distante, física e emocionalmente, do grupo pesquisado, alojando-se confortavelmente em hotéis.

c) A subjetividade do antropólogo é tão importante para a sua pesquisa que tudo aquilo que ele sente e pensa enquanto a faz é usado em sua investigação, mesmo que confunda os valores da própria cultura com os valores da cultura que estuda.

d) Para fazer sua pesquisa, o antropólogo deve viver nas mesmas condições físicas e emocionais que o grupo pesquisado, compartilhando sensações e experiências. Apesar disso, ele sabe que o compartilhamento de experiências é uma etapa da pesquisa e que sua investigação exige que tenha clareza a respeito dos próprios valores.

e) A única forma que o antropólogo adota para usar sua subjetividade ao pesquisar um grupo é por meio da análise puramente racional. A identificação e a empatia são bobagens românticas.

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O texto de Lévi-Strauss evidencia que a pesquisa empírica da Antropologia é mesmo exigente. O mais importante nela é o controle das próprias emoções: o antropólogo deve aprender a manter-se, ao mesmo tempo, como membro da própria cultura (isto é, a aprender os hábitos da outra sociedade sem deixar para trás os seus próprios) e respeitador da cultura que estuda (sabendo reconhecer e controlar os seus preconceitos, o mal-estar diante do diferente, etc.).

Ciência Política

A Ciência Política é a mais especializada, a mais jovem e a que possui origem mais específica das três Ciências Sociais.

O seu objeto de pesquisa é a política em geral; ou melhor, são as relações de poder. Embora desde a Antiguidade Clássica pensadores façam reflexões sobre temas políticos (Tucídi-

des, Aristóteles, Guilherme de Ockham, Maquiavel, Hobbes, Locke), somente no final do século XIX e início do século XX é que surgiu uma área de pesquisa especializada que trata das relações de poder.

Sem excluir contribuições de outros países (França, Alemanha e Itália), a literatura atual da Ciência Política provém majoritariamente da Inglaterra e dos Estados Unidos. Ainda assim, é interessante notar algumas variações nacionais: enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra há uma grande preocupação com as variáveis especificamente políticas (limites e distribuição do poder, organização do Estado, etc.); na França e na Alemanha há maior preocupação com a Sociologia (da) Política, isto é, como a estrutura social se relaciona e como define o poder do Estado. Nos Estados Unidos, a partir do fim da I Guerra Mundial e, ainda mais, depois da II Guerra Mundial e com a Guerra Fria, uma especialidade da Ciência Política desenvolveu-se e adquiriu grande importância: a Política Internacional ou, como também é chamada, o estudo das Relações Internacionais (RI).

Em termos de métodos de pesquisa, a Ciência Política é a disciplina que mais recorre a investigações empíricas, isto é, a questionários, entrevistas, quadros históricos, etc. Isso se deve em parte à especialização da área, mas decorre também de alguns hábitos intelectuais estadunidenses, bastante afeitos às pesquisas quantitativas e um tanto avessos às pesquisas qualitativas. Apesar disso, há um número crescente de pesquisas que usam poucos ou até nenhum dado numérico: não apenas no âmbito da subárea chamada Teoria Política, como também nos procedimentos da Ciência Política interpretativista (que adota procedimentos próximos aos da Antropologia).

Duas grandes áreas de pesqui-sa da Ciência Política: política internacional e eleições

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SOCIOLOGIA

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A Ciência Política, embora seja a mais específica das grandes especialidades das Ciências Sociais, aborda questões e temas que são universais, ou seja, que dizem respeito a todas as pessoas: as liberdades públicas, a cidadania, os direitos e deveres, etc. Às vezes, essas questões são abordadas por meio do exame de casos bem específicos (por exemplo: como se organiza a Câmara Municipal de algum município com menos de cinco mil habitantes?); às vezes, são questões mais gerais (por exemplo: quais são os poderes do presidente da República e do Congresso Nacional?). Por ser a mais específica das grandes especialidades, a Ciência Política consegue manter com maior facilidade o rigor em suas pesquisas. É esse rigor, aliás, que permite que as questões mais polêmicas tenham (alguma) solução e que justifica a perspectiva científica: sem isso, as polêmicas seriam apenas bate-boca.

Sociologia

A Sociologia propriamente dita, isto é, a especialidade acadêmica chamada de Sociologia, é a mais antiga das três Ciências Sociais.

Inicialmente, ela buscava elaborar teorias que explicassem a totalidade da sociedade tanto em termos estáticos quanto dinâmicos, ou seja, como uma sociedade funciona em um momento específico e como ela e seus elementos se modificam no decurso do tempo.

Com a especialização crescente do conhecimento científico, ela passou a examinar a estrutura e o funcionamento de sociedades específicas: quais grupos a compõem, que relacionamentos eles mantêm entre si, quais os seus valores, quais as suas ideias e assim por diante. Nesse sentido, as

Política e religião: a laicidade do Estado

Dependendo de como definirmos os termos, em certo sentido pode-se dizer que o problema do relacionamento entre religião e política, ou entre Igreja e Estado, é o problema fundamental de uma sociedade livre, pois põe em questão exatamente a possibilidade de os membros de uma coletividade terem a liberdade de pensar aquilo que quiserem e de expressar, sem constrangi-mentos, aquilo que pensam.

LACERDA, Gustavo Biscaia. Laicidade(s) e república(s): as liberdades face à religião e ao Estado. XXXIII Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, realizado de 26 a 30 de outubro de 2009.

Como se pode perceber pelo texto lido, a Ciência Política trata de questões bastante polêmi-cas, envolvendo valores fundamentais da sociedade; às vezes as relações de poder são o tema de pesquisa (por exemplo, relações entre governo e cidadãos), mas às vezes essas relações surgem de maneira indireta (por exemplo, a organização do Estado).

Considere o texto e responda à questão:

O fato de lidar com questões polêmicas impede que as pesquisas sejam científicas, isto é, que estejam apoiadas em teorias rigorosas e com verificação empírica das afirmações?

Introdução à Sociologia16

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Com relação ao texto:

relações de trabalho (patrões e empregados, sindicatos de trabalhadores e associações patronais, etc.) são um tema clássico da Sociologia contemporânea, bem como as relações entre grupos étnicos e "raciais" (brancos, afrodescendentes, indígenas, imigrantes, etc.). Também os movimentos sociais, de caráter reivindicatório (movimentos dos sem-terra, dos sem-teto, etc.) e os estudos de gênero (definição dos gêneros em cada sociedade, situação das mulheres, das minorias, etc.) constituíram, a partir dos anos 1980-1990, uma área de interesse dos sociólogos.

Nas últimas décadas, tem sido de grande importância o tema da autonomia de ação dos indivíduos face aos imperativos e aos determinantes sociais.

“Indivíduo” e “sociedade”

No passado, costumava-se pensar que se tratava de um dualismo entre indivíduo e sociedade, ou entre o ator e o sistema social. [...] Falava-se de indivíduo como se fosse óbvio o que vinha a ser “o indivíduo”, o mesmo acontecendo com “sociedade”. Quis analisá-los e dar-lhes mais substância. [...] Quis dar ênfase ao fluxo dinâmico da vida social. Não devemos ver a vida social simplesmente como “a sociedade”, de um lado, e o produto do “indivíduo”, de outro, e sim como uma série de atividades e práticas que exercemos e que ao mesmo tempo reproduzem institui-ções mais amplas. Essa foi a ideia original, e a partir daí procurei elaborar os termos principais, falando precisamente de “ação” e “estrutura”.

GIDDENS, Anthony; PIERSON, Christopher. Conversas com Anthony Giddens: sentido da moderni-dade. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2000. p. 62.

a) Pesquise o significado destas expressões: “dualismo”, “ação” e “estrutura”.

b) Responda: De que maneira Anthony Giddens sugere que se relacionem o “indivíduo” e a “sociedade”?

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SOCIOLOGIA

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Quem fundou a Sociologia? Quais as suas preocupações? Foi visto, nas unidades anteriores, que foram várias as condições para o surgimento dessa ciência e como os problemas com que ela se de-frontou desde o início eram urgentes. Nesse sentido, quais foram precisamente as ideias sociológicas de Auguste Comte? Como elas se inseriram em sua época?

Confusão terminológica:

os "positivismos"

Ao fundar a Sociologia, Auguste Comte incluiu-a em um conjunto maior de ideias a que chamou positivismo.

Todavia, tanto nas Ciências Sociais quanto nas Ciências Naturais, a palavra “positivismo” gera confusão, pois indica várias coisas, muitas delas conflitantes entre si. Mesmo as observações a respeito das ideias de Comte frequentemente estão erradas. Assim, consideramos que o positivismo é exclusivamente o nome dado por Auguste Comte à sua filosofia e ao movimento político e social dela derivado.

Essa filosofia afirma que é necessário conhecer cientificamente a realidade, o que se dá por meio da descoberta das leis naturais que regulam o funcionamento da sociedade. A partir daí, é possível agir sobre a realidade.

Há outros sentidos para o termo “positivismo”. Para os juristas, o “positivismo” afirma que as únicas leis e os únicos princípios jurídicos válidos são aqueles estabelecidos nas leis escritas (ou seja, no Direito Positivo), recusando os hábitos, os costumes e a moralidade não escrita como base para a tomada de decisões jurídicas.

Na Filosofia da Ciência e na Sociologia dos Estados Unidos, o positivismo é uma perspectiva radicalmente cientificista, defendendo que o pesquisador tem que ser totalmente objetivo, deixando sua subjetividade e seus valores de lado ao investigar alguma coisa. Com isso, busca os fatos em si mesmos, desprezando a importância das teorias e da subjetividade de cada ser humano. Em decorrência disso, a ciência seria uma atividade que não levaria em consideração nenhum tipo de valor (moral, político, estético, etc.). O resultado é um culto às estatísticas e à compilação de dados numéricos.

Essas definições, contudo, guardam pouca ou nenhuma relação com o positivismo de que é tratado aqui, que é o de Auguste Comte.

Auguste Comte e a fundação da Sociologia

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Introdução à Sociologia18

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Resumo biográfico: vida e obra

Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte – ou, simplesmente, Auguste Comte – nasceu em Montpellier, no sul da França. Cursou, nessa cidade, o equivalente aos ensinos Fundamental e Médio e, em 1814, foi aprovado para a Escola Politécnica, instituição que formava quadros técnicos de elite para o desenvolvimento industrial e econômico da França. Entre 1817 e 1824 foi secretário de Claude Henri de Saint-Simon (que depois Karl Marx consideraria um dos socialistas utópicos).

Nesse período e até 1828, Comte escreveu diversos artigos indicando que uma ciência da sociedade era possível e necessária. Considerando que os procedimentos rigorosos das Ciências Naturais deviam ser aplicados ao novo objeto, essa ciência foi então chamada de Física Social. Além disso, nesses artigos, ele apresentava os elementos teóricos básicos da Física Social.

A partir de 1830, começou a redigir sua obra mais famosa, o Cours de philosophie positive (Curso de filosofia positiva), que teria seis volumes e ficaria pronta só em 1842. Nessa obra, Comte repassou os principais métodos e resultados de cada uma das ciências, de modo a poder estabelecer as bases da própria Sociologia. Em 1836, mudou o nome de Física Social para Sociologia a fim de evitar a ideia de que a ciência que fundava fosse confundida com a mera análise estatística de questões sociais, conforme praticado pelo estatístico belga Adolphe Quételét. Essa mudança de nome deixa claro que a Sociologia tem seu próprio objeto e seus próprios métodos; ela não é a aplicação das teorias da Matemática, da Física ou da Biologia à sociedade.

Em 1848, Comte criou a Sociedade Positivista, com fins de debater e sugerir propostas políticas e sociais para a França nas áreas do trabalho, da educação, da organização política, dos serviços de saúde, etc. Também em 1848 publicou o Discours sur l’ensemble du positivisme (Discurso sobre o conjunto do positivismo), indicando como a Filosofia Positiva e a Sociologia poderiam ser aplicadas para solucionar os problemas sociais.

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Auguste Comte (1798-1857)

Entre 1851 e 1854, Comte redigiu sua obra mais importante, o Système de politique positive (Sistema de política positiva), em que desenvolveu a Sociologia de maneira mais sistemática. Nessa obra, considerou que religião não é o mesmo que Teologia, mas é uma situação de unidade humana (individual e coletiva, objetiva e subjetiva), constituída historicamente. A partir disso, criou uma religião humana e sem deus, a Religião da Humanidade.

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SOCIOLOGIA

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Sociologia comtiana

A Sociologia de Auguste Comte considerava que a sociedade devia ser estudada usando procedimentos gerais que estavam próximos dos que as demais ciências utilizavam para explicar o mundo natural. Ou seja: rejeitar a Teologia (isto é, o recurso a vontades sobrenaturais como causas das ações humanas) e recusar o que Auguste Comte chamava de metafísica para compreender a realidade. Em seu lugar, buscam-se as leis naturais para explicar e predizer os fenômenos sociais, permitindo em seguida a intervenção prática.

Esses princípios são gerais, isto é, comuns a todas as ciências: mas cada ciência deve aplicá-los a cada tipo de fenômeno específico e elaborar seus procedimentos particulares.

Relativismo, holismo e historicidadeNo estudo da sociedade, há três elementos específicos: o relativismo, o holismo e a historicidade.O relativismo, para Comte, tem vários significados. Por um lado, indica que o conhecimento o qual o

ser humano pode obter é sempre parcial e condicionado pelos sentidos sensoriais e pela nossa capacidade de articular ideias. Além disso, o conhecimento também se modifica de acordo com o ambiente social e, portanto, com o período histórico considerado. Por fim, em virtude das características anteriores, o relati-vismo quer dizer que o ser humano não pode obter um conhecimento absoluto, independente de qualquer consideração ou referência: as concepções humanas são sempre limitadas. Assim, Comte estabeleceu, em 1817, o seguinte princípio teórico e filosófico: “O único princípio absoluto é que tudo é relativo”.

O holismo indica que o ponto de partida para o estudo da sociedade deve ser a sociedade como um todo: verificada sua lógica específica, seus elementos componentes e a forma como eles se relacionam entre si, cada um desses elementos é estudado separadamente. Dessa forma, a sociedade é uma realidade maior que a soma (ou a justaposição) dos elementos parciais que a compõem. Por esse motivo, o indivíduo não é um elemento sociológico, embora deva ser estudado pela Sociologia.

Aplicações práticas da Sociologia

[As pesquisas sociológicas] reduzem-se, portanto, a evidenciar, de conformidade com as leis naturais da civili-zação, combinadas com a observação imediata, as diversas tendências próprias a cada época. Esses resultados gerais tornam-se, por sua vez, o ponto de partida positivo dos trabalhos dos estadistas [isto é, dos políticos], os quais só têm, por assim dizer, como objetivo real, descobrir e instituir as formas práticas correspondentes a esses dados fundamentais, a fim de evitar, ou pelo menos suavizar, quanto possível, as crises mais ou menos graves que um desenvolvimento espontâneo determina quando não é previsto. Numa palavra, nesta ordem de fenômenos, como em qualquer outra, a ciência conduz à previdência e a previdência permite regularizar a ação.COMTE, Auguste. Considerações filosóficas sobre as ciências e os cientistas. In: COMTE, Auguste. Opúsculos de Filoso-fia Social. São Paulo: USP, 1972. p. 152.

Com base no texto, responda à seguinte questão:

A Sociologia proposta por Auguste Comte visava somente ser um conhecimento “puro” ou preocupava-se também com a sua utilidade social? Como poderia se dar a aplicação da Sociologia?

Introdução à Sociologia20

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A visão de conjunto, por outro lado, não pode se restringir a um único momento no tempo, devendo abarcar também o conjunto da história humana: daí a preocupação com a historicidade. Aliás, para Comte, é o fato de o ser humano ter história que o distingue dos outros animais.

Para Comte, não se pode recriminar uma sociedade por ela não ser como gostaríamos que fosse, mas deve-se compreender que cada sociedade tem suas próprias particularidades, que correspondem ao seu momento histórico e a sua organização específica. Uma crítica só é possível se a sociedade considerada não corresponder às características do seu momento histórico: assim é que a sociedade francesa do início do século XIX era criticável porque mantinha hábitos beligerantes (relacionados à guerra), teológicos e metafísicos, além de explorar sistematicamente o proletariado.

Desse modo, a ideia proposta por Auguste Comte de estudar a sociedade com métodos semelhantes aos das Ciên cias Naturais não é a mesma coisa que dotar a Sociologia de métodos e teorias próprios à Física ou à Biologia, mas de métodos de observação, formulação de hipóteses, crítica pública aos resultados das pesquisas sociais e assim por diante.

Uso de metáforas biológicas na Sociologia

Todavia, não se deve achar um paralelismo completo quando se compara a concepção sistemática do organismo coletivo [ou seja, a teoria sociológica] com a do organismo individual [a teoria do corpo humano], pois a natureza composta de um difere profundamente da indivisível constituição do outro. O primeiro, estando formado por elementos eminentemente separáveis, cujo isolamento não destrói imediatamente a existência, não comporta, apesar de sua semelhança fundamental, uma inteira analogia com o segundo, em que nada pode subsistir à parte [ou seja, separadamente]. Assim, deve saber-se restringir sabiamente uma tal comparação, para que, no lugar de preciosas indicações, ela não suscite aproximações viciosas. Por outro lado, ainda que a Biologia deva preceder e preparar a Sociologia [...], [minha teoria] estabeleceu suficientemente que a segunda [a Sociologia] deve, ao contrário, servir hoje de tipo [isto é, de modelo] para a sistematização final da primeira [da Biologia]. [...] Essa subordinação necessária caracteriza sempre o método subjetivo, única fonte de toda verdadeira síntese.

COMTE, Auguste. Sistema de política positiva. 4. ed. Paris: Larousse, 1929. p. 288-289. (v. II).

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Historicidade, relativismo e holismo

O espírito desta ciência consiste, sobretudo, em ver, no estudo profundo do passado, a verda-

deira explicação do presente e a manifestação geral do futuro. Considerando sempre os fatos so-

ciais, não como objetos de admiração ou de crítica, mas como assuntos de observação, preocupa-

-se unicamente em estabelecer relações mútuas, e em apreender a influência exercida por cada um deles

sobre o conjunto do desenvolvimento humano [...]. [...] Em suas relações com a prática, afastando das di-

versas instituições qualquer ideia absoluta de bem ou de mal, considera-as como constantemente relativas a

determinado estado da sociedade e variáveis com ele. [...]

[A Sociologia] não pode, por isto, deixar de ser concebida e cultivada como ciência inteiramente distinta

[da Biologia], em consequência da influência progressiva das gerações humanas umas sobre as outras.

[...] Na pesquisa das leis sociais, o espírito deve indispensavelmente proceder do geral para o particular,

isto é, começar por conceber, em seu conjunto, o desenvolvimento total da espécie humana.

COMTE, Auguste. Quarto opúsculo: considerações filosóficas sobre as ciências e os cientistas. In: COMTE, Auguste. Opúsculos de Filosofia Social. São Paulo: USP, 1972. p. 152-153.

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Lei dos três estados e classificação

das ciênciasA partir dos princípios expostos, Comte elabora as duas primeiras leis sociológicas. Ambas baseiam-

-se na interpretação dos acontecimentos históricos: 1. Lei dos três estados. 2. Lei da classificação das ciências.

Eis o enunciado da lei dos três estados: “Toda concepção humana passa por três fases: teo-lógica, metafísica e positiva, com uma velocidade proporcional à generalidade dos fenômenos correspondentes”.

Isso quer dizer que o ser humano, ao longo da história, percebeu a realidade e explicou-a de três modos diferentes e sucessivos. A primeira explicação tinha por base às vontades sobrenaturais e arbitrárias dos deuses – é a explicação da Teologia.

Depois, usando abstrações puras (a “natureza”, o “espírito absoluto”, a “morte”, a “vida”, etc.) que teriam vontades próprias. O que significam abstrações com vontades? Quando falamos na morte, por exemplo, pensamos no término da vida. Assim, a morte não é uma “coisa” que se toca, mas é um processo que termina. Como a morte não é uma “coisa”, ela é uma abstração. Mas, se pensarmos que a “morte” tem vida, que ela age racionalmente, como uma “coisa”, atribuiremos vontade a uma abstração. Nesse sentido, a “morte” é uma ideia metafísica e não uma ideia científica.

Tanto no caso da Teologia quanto no da metafísica, o ser humano busca o absoluto ao perguntar “por que” as coisas acontecem, em especial “de onde viemos” e “para onde vamos”.

Na fase positiva, o ser humano busca as leis naturais, isto é, as relações que podem ser observadas entre os fenômenos: de sucessão (uma coisa vem depois de outra, por exemplo, depois de levar um soco, sinto dor) ou coexistência (duas coisas existem sempre ao mesmo tempo: por exemplo, sempre que há dois corpos próximos, ocorre a atração gravitacional).

Adotando uma perspectiva humanista e imanentista, busca-se pesquisar “como” as coisas aconte-cem. Quais são os mecanismos específicos entre os fenômenos? Na fase positiva, então, não importa mais o “porquê”.

Quanto mais simples for o fenômeno estudado, mais rapidamente ele passará pelas três fases. Inversamente, quanto mais complicado, isto é, quanto maior for a quantidade de variáveis que se deve considerar para explicá-lo, mais demorada será a passagem da interpretação teológica para a positiva.

Com base no texto, assinale a alternativa incorreta:

a) Para Auguste Comte, é perfeitamente legítimo usar metáforas baseadas na Biologia para estudar a Sociologia, desde que isso ocorra em poucos casos e tendo consciência das diferenças entre os fenô-menos biológicos e os sociais.

b) Uma das diferenças entre a Biologia e a Sociologia é que os órgãos do corpo humano podem viver isolados, ao contrário dos indivíduos.

c) O uso da metáfora biológica na Sociologia ajuda a entender que os seres humanos são, ao mesmo tempo, dependentes uns dos outros (precisando da colaboração dos demais para viver) e autônomos em relação aos outros (ou seja, cada um tem sua própria vontade, suas próprias ideias, etc.).

d) Um dos problemas em exagerar as comparações entre a Biologia e a Sociologia é não entender o que há de específico nos fenômenos sociais – por isso é que tais exageros são viciosos.

e) O método subjetivo consiste em subordinar os estudos das Ciências Naturais à perspectiva humana.

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Antirreducionismo

Comte chama de materialismo “a tendência espontânea das ciências inferiores em dominar e mesmo absorver as superiores” [...]. Essa tendência é espontânea na medida em que toda ciência, uma vez seus métodos elaborados, busca expandir suas explicações aos fenômenos que ainda não adquiriram, [pois] demasiadamente especiais, sua cientificidade plena. Essa anexação de um domínio mais complexo por um domínio “inferior” constitui o que Comte chama de “usur-pação”. O exemplo mais esclarecedor do antirreducionismo comtiano se refere aos perigos do imperialismo das matemáticas, que ele denuncia com [...] ardor [...]. Essa tendência se encontra por todos os lados: a matemática estende-se sobre a física, a física sobre a química, a química sobre a biologia, a biologia sobre a sociologia.

FÉDI, Laurent. O antirreducionismo. In: ______. Comte. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2008. p. 71.

Com base no texto, assinale a alternativa incorreta:

a) Para Comte, uma das formas de materialismo, ou reducionismo, é a tentativa de explicar toda a realidade por meio da Matemática.

b) O materialismo para Comte não é a explicação de todos os fenômenos por meio das questões materiais (o que, em Sociologia, seriam os fatores econômicos).

c) Com base na ideia de usurpação de uma ciência por outra, Comte quer dizer que nenhuma ciência pode se relacionar com as demais.

d) O materialismo é espontâneo porque toda ciência tende a expandir suas pesquisas, mas não é porque é espontâneo que é aceitável.

e) O materialismo, para Comte, é quando uma ciência que trata de fenômenos mais simples quer explicar fenômenos mais complicados, sem reconhecer as diferenças entre os fenô-menos discutidos.

Com base na complicação crescente dos tipos de fenômenos estudados, Comte estabeleceu uma classificação das ciências: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Psicologia Positiva.

Classificação das Ciências para Auguste Comte

Especificidade

+ Matemática –

Astronomia

Física

Química

Biologia

Sociologia

– Psicologia positiva +

Generalidade

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SOCIOLOGIA

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Sociologia de Comte: estática e dinâmica sociais

4

Nesta unidade, serão estudados os elementos das duas grandes partes da Sociologia comtiana: a estática social e a dinâmica social.

Essas duas partes procuram responder às seguintes questões:

Quais são os elementos que compõem qualquer sociedade?

Como as sociedades mudam no decorrer do tempo?

Estática e dinâmica

A lei dos três estados e a classificação das ciências levam em consideração a variável “tempo” e a compreensão de que as mudanças históricas são cumulativas. Essas são as bases da dinâmica social, estudadas em profundidade no Curso de filosofia positiva (1830-1842).

Mas, no Sistema de política positiva (1851-1854), Comte examinou também as leis da estática social, ou seja, relativas aos elementos que existem em qualquer sociedade, independentemente da época considerada. Do ponto de vista da estática social, o princípio sociológico fundamental

é a “separação dos ofícios e a convergência dos esforços”, que Auguste Comte atribuiu a Aristóteles.

O princípio de Aristóteles quer dizer que a sociedade é composta por indivíduos que vão se diferenciando entre si, cada um assumindo uma responsabilidade específica. Esses indivíduos diferenciados colaboram entre si (de maneira voluntária ou não).

Tanto a ação individual (de pessoas e grupos) quanto a colaboração são necessá-rias para a existência da sociedade. Se ocorrer somente uma, a sociedade deixa de existir. Por exemplo: uma fábrica possui trabalhadores, gerentes e administradores; cada qual com sua atividade específica. Cada um deles tem que ter autonomia para realizar suas funções, mas, ao mesmo tempo, suas atividades têm que convergir para um objetivo específico (no caso, a produção de algum objeto). Se todos ficarem juntos o tempo todo ou se todos fizerem sempre a mesma coisa, ninguém conseguirá fazer nada; por outro lado, se cada um decidir fazer o que quiser e não prestar atenção ao que os demais fazem, também não será possível atingir o resultado desejado.

Para alguns sociólogos, a perspectiva holista e a preocupação com a convergên-cia caracterizam a Sociologia de Comte como sendo organicista (ver Conceitos sociológicos) e, em função disso, preocupada acima de tudo com o consenso. Em consequência, os conflitos não são aceitáveis e a ordem deve ser mantida a todo custo. Por esse motivo, Comte seria conservador.

Selo feito pela Empresa de Cor-reios e Telégrafos brasileira em 1957, no centenário da morte de Comte (1857-1957)

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É errado afirmar que Auguste Comte era organicista ou conservador. Embora usasse algumas metáforas biológicas (“órgãos” e “funções” sociais), Comte afirmava também que não se podia levar muito adiante o uso dessas metáforas, pois esse uso era enganoso e gerava confusões.

Os órgãos do corpo humano não se separam e não têm necessidades espe-cificamente pessoais, mas as sociedades são compostas por indivíduos, cuja independência deve ser respeitada, assim como sua convergência. Já cada ser humano e cada grupo têm suas necessidades específicas: grosso modo, isso é o egoísmo. A principal dificuldade é respeitar essas necessidades e, ao mesmo tempo, desenvolver os esforços de convergência: o consenso é um objetivo a se alcançar, mas sua busca não impede nem nega as diferenças particulares.

Em vários momentos, Comte reconheceu e/ou valorizou conflitos, como as disputas entre patrícios e plebeus na Roma Antiga e as lutas políticas da vida civil nas sociedades contemporâneas. Mesmo a luta de classes, dentro de limites, pode servir para a melhoria social. Em qualquer caso, o que se deve evitar, acima de tudo, é o recurso à violência.

Dito isso, há cinco elementos da estática social:

Religião – para Comte, religião não era o mesmo que Teologia, mas o estado de unidade humana, individual e coletiva, objetiva e subjetiva, em que o indivíduo e a sociedade desenvolvem suas capacidades por meio do altruísmo.

Linguagem – é o mecanismo intelectual básico de ligação entre os seres humanos e de com-preensão da realidade. A linguagem não transmite apenas ideias, mas, antes de tudo, transmite sentimentos, o que resulta na arte.

Família – é a menor associação humana que existe. Portanto, a sociedade é composta por famí-lias e não por indivíduos. A família baseia-se nas relações afetivas e prepara os indivíduos para serem cidadãos na grande sociedade.

Propriedade – é a base da existência material da sociedade. Em seu conjunto, forma a riqueza ou o capital. A produção da riqueza é coletiva e sua destinação também deve ser coletiva, mas sua apropriação é individual (por cada cidadão ou pelos empresários).

Governo – com a especialização das atividades individuais, a tendência é que ocorra uma dis-persão dos esforços e, no limite, o fim da sociedade: o governo é o órgão que faz os esforços convergirem ou não se dispersarem demais.

Para Comte, há dois tipos de governo: Temporal – age em última análise por meio da força física, cuida da realidade prática (econômica e

política) e disciplina as condutas de maneira objetiva. Espiritual – age por meio da opinião e dos conselhos e, assim, cuida da subjetividade dos seres

humanos (ideias, valores e sentimentos).A dinâmica social, além da lei dos três estados intelectuais e a classificação das ciências, tem duas

outras leis: as leis dos três estados da atividade e dos sentimentos.

Lei dos três estados práticos: ao longo dos séculos, as principais atividades humanas passaram das guerras de conquista (como na Antiguidade) para as guerras defensivas (como na Idade Média) e tendem a ser cada vez mais pacíficas com base na atividade industrial e na cooperação entre os povos. Nesse sentido, as sociedades militares opõem-se à sociedade industrial.

Leis dos três estados afetivos: ao longo dos séculos, o nível superior de afeto dos seres huma-nos dirigiu-se inicialmente para a família, depois para as pátrias (ou pólis) e tendem hoje a ser a própria humanidade inteira. Assim, cada vez mais, os povos respeitam-se entre si.

Estátua de Auguste Comte em frente à Universidade Sorbonne, em Paris (França)

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SOCIOLOGIA

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Bandeira Nacional brasileira com a máxima política de Auguste Comte, “Ordem e progresso”

Os elementos da estática social existem em todas as sociedades. À medida que o tempo passa, a história acontece e esses elementos modificam-se, seguindo as leis da dinâmica social.

A frase “ordem e progresso”, então, pode ser aplicada como a combinação da estática com a dinâmica: como a sociedade só pode avançar se tiver os elementos da estática, “a ordem é a base do progresso”. Por outro lado, como os elementos em conjunto evoluem e modificam-se, “o progresso é o desenvolvimento da ordem”.

Da Filosofia à política e da política à religião

Para Comte, a Sociologia é importante para o ser humano conhecer a realidade, isto é, para satisfazer certa curiosidade, mas também para poder agir de maneira prática. A sua proposta, então, não era de um conhecimento desinteressado ou neutro: ele usava a frase “saber para prever a fim de prover”, ou seja, o conhecimento científico é necessário para que se aja preventivamente, evitando-se injustiças e necessidades.

Na época em que Comte vivia, pelo menos dois problemas sociais eram urgentes:

A crise moral e política que dividia a França entre as ideias do Antigo Regime (sociedade esta-mental, religião de Estado, Teologia) e as ideias da nova sociedade, propostas pela Revolução Francesa (liberdade, igualdade perante a lei, separação entre Igreja e Estado, etc.).

A miséria extrema, a exploração econômica e a exclusão social e política do proletariado, nos primeiros mo-mentos da Revolução Industrial.

A primeira questão era mais moral e política, ligada aos princípios gerais da nova sociedade; a segunda era mais política e econômica. Entretanto as duas exigiam novas formas de pensar e sentir para serem solucionadas.

A Sociologia de Comte, combinando a estática e a dinâmica sociais, é uma forma de considerar esses problemas e solucioná-los, propondo que novos valores sejam disseminados. Como?

No caso da primeira questão, é necessário o estado laico (ver Conceitos sociológicos) e republicano, ou seja, que não pode professar nenhuma doutrina oficial e deve legitimar-se pela sociedade e não mais pelo direito divino.

Além disso, o Estado deve apenas evitar tumultos e, quando for necessário, auxiliar no desenvolvimento econômico. Como não professa nenhuma doutrina, deve manter as liberdades de pensamento e de expressão, de modo que cada qual pense e diga o que quiser: com isso, o Estado terá legitimidade para governar, não será autoritário, e a própria sociedade poderá, livremente e em seu ritmo específico, desenvolver seus próprios valores.

Para resolver o problema da miséria, a proposta de Comte era o desenvolvimento da justiça social, da dignidade do tra-balho e do proletariado. Como solução de longo prazo para os problemas emergenciais, o Estado deveria criar programas de trabalho público para acabar com o desemprego e, com isso, forçar os empresários a aumentarem os salários e a melhorarem as condições de vida dos seus empregados.

Sem doutrina oficial de Estado, a sociedade civil tem au-tonomia e organiza-se. Assim, ela fiscaliza o Estado e os em-presários. Como o governo e a burguesia eram irresponsáveis com os trabalhadores, requeria-se que temporariamente um proletário assumisse o governo para desenvolver novos hábitos e valores. Se o comportamento dos empresários fosse ruim, deveria ser publicamente censurado e reprovado, se mesmo assim não agissem corretamente, caberiam medidas políticas (multas, cassação de licenças, etc.).

Essas medidas sociopolíticas seriam baseadas em valores, ideias e sentimentos novos, que por sua vez seriam sistematiza-dos por órgão da sociedade civil, separado do Estado. Esse órgão era a Religião da Humanidade, encabeçada pelo próprio Comte.

Bandeira Nacional brasileira com a máxima política de Auguste Comte,“Ordem e progresso”

da política à religiãoica à religião

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as ideias do Antigo Regime (sociedade esta-nova sociedade, propostas pela Revolução Francesa

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BRUNO, Pedro. Pátria. 1 óleo sobre tela, 278 cm x 190 cm. 1919. Museu da Repúplica, Rio de Janeiro.

Introdução à Sociologia26

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A humanidade como deusaO Brasil foi o país em que o positivismo religioso teve maior influência, se levarmos em conta o número de adeptos,

a criação de uma igreja e o impacto no pensamento e na política. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul foram os principais focos dessa influência, que se exerceu, sobretudo, no período entre 1880 e 1930. [...]

Os positivistas eram radicalmente contrários a revoluções, guerras e governos militares. Lembre-se [de] que o predomínio militar representava para eles o estado mais atrasado da humanidade. Lutaram contra o serviço militar obrigatório, pela solução pacífica das questões de fronteiras com os vizinhos, pela restituição dos troféus de guerra tomados ao Paraguai e pelo perdão da dívida de guerra desse país. [...]

Como se vê, suas campanhas nada tinham de loucura ou lunatismo, embora contradissessem práticas e ideias vigentes. Influenciaram o debate público, a política e movimentos sociais da época, como a Revolta da Vacina. Sua influência desceu até o samba. Noel Rosa e Orestes Barbosa compuseram o samba Positivismo, que dizia: “O amor vem por princípio,/E a ordem por base./O progresso é que deve vir por fim./Contrariando esta lei de Auguste Comte,/Tu foste ser feliz longe de mim”.

Um ponto em que nossos positivistas estavam, de fato, muito distantes da realidade brasileira era o da moral pública. Para eles, o interesse coletivo devia predominar sobre o individual. Todos, patrões e operários, eram funcionários da humanidade. Entendiam a república em seu sentido original, romano, de regime voltado para a realização do bem pú-blico. O cidadão republicano era, por definição, um cidadão virtuoso, dedicado à causa pública. Os chefes positivistas jamais aceitaram cargos públicos e não faziam qualquer concessão em matéria de moralidade pública. Repetiam a frase de José Bonifácio: “A sã política é filha da moral e da razão”. Os positivistas que ocuparam cargos públicos, como o Marechal Rondon, foram sempre funcionários exemplares, às vezes para desespero das famílias, que não podiam beneficiar-se da posição do chefe.

A nós que vivemos hoje, cem anos depois, numa República em que o público é alvo costumeiro da rapina de políticos, funcionários e empresários predadores, os positivistas parecem seres ainda mais estranhos, uns alienígenas, uns ETs.

CARVALHO, José Murilo de. A humanidade como deusa. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, n. 1, jul. 2005. Disponível em: <http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=67>. Acesso em: 15 fev. 2010.

Com base no texto, assinale a alternativa incorreta:

a) As ideias de Comte, incluindo suas concepções religiosas, tiveram grande influência em vários países, inclusive no Brasil.

b) Para José Murilo de Carvalho, os adeptos das ideias políticas de Comte foram cidadãos honestos e exemplares, mesmo em um ambiente corrupto.

c) Apesar de muitos positivistas, isto é, muitos adeptos das ideias religiosas de Comte terem sido militares, eles não eram beligerantes, pois entendiam que a guerra é uma forma atrasada de relacionamento entre os povos.

d) Ao chamar os positivistas brasileiros, adeptos da Religião da Humanidade, de ETs, José Murilo de Carvalho quer dizer que eles são lunáticos e fora da realidade.

e) As ideias religiosas de Comte conquistaram as classes populares no Brasil.

O B il f i í

1. (UEL – PR) Observe a charge ao lado:

Com base na charge e nos conhecimentos sobre método científico e método criacionista, é corre-to afirmar:

Disponível em: <http://janosbiro.blogspot.com/2008/06/mtodo-criacionista.html>.

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SOCIOLOGIA

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a) O método científico apoia-se na demonstra-ção permanente das conexões internas que constituem efetivamente o objeto, buscando distinguir, neste, a aparência da ausência.

b) O método científico aspira à construção de verdades absolutas e invariáveis no tempo e no espaço, motivo pelo qual ele resulta, de modo permanente, na construção de leis so-ciais gerais.

c) O pressuposto empírico orienta, em todas as etapas da pesquisa, a construção do método criacionista de análise da vida social.

d) A superioridade do método científico em re-lação ao criacionista está em que o primeiro é imune às ideologias e instrumentalizações políticas.

e) O método criacionista é típico de sociedades menos desenvolvidas economicamente, ao passo que o método científico é característi-co de organizações sociais industrializadas.

2. (UFPR) Referindo-se ao contexto científico, fi-losófico e histórico dos séculos XVIII e XIX, E. Hobsbawm assim se expressa:

“O mundo estava se transformando mais radical-mente nesta era do que em qualquer outra an-terior. Nenhuma pessoa que usasse o raciocínio poderia deixar de estar atemorizada, abalada e mentalmente estimulada por estas convulsões e transformações.”

Assinale a alternativa que inclui acontecimentos e processos que explicam a inquietação da socie-dade e dos filósofos da época:

a) Revolução Russa. Transformação da socieda-de feudal em sociedade capitalista. Desen-volvimento do liberalismo. Movimentos de independência na América. As grandes nave-gações. Extinção dos sistemas escravistas.

b) Revoluções artísticas e culturais. Reforma Pro-testante. Implantação de sistemas tayloristas de produção. Laicização do ensino. Colonialismo.

c) Desenvolvimento de teorias evolucionistas. Descobertas científicas sobre Geologia e Astronomia que destruíram convicções dos cientistas e filósofos. Passagem de uma so-ciedade agrária à industrial, na Europa. As-censão dos movimentos nazifascistas.

d) Processos, como os da Revolução Francesa e Revolução Industrial. As ideias iluministas que questionaram as instituições. Descobertas

científicas e invenções. Novas formas de co-municação, transporte e novas fontes de ener-gia. Fome, doenças, revoltas. Concentrações urbanas desordenadas, precárias condições sanitárias e novas formas de produção.

e) Expedições científicas à Antártica. Desenvolvi-mento da fibra óptica que viria, mais tarde, constituir-se em base para os sistemas de tele-comunicações. Revolução Francesa. Positivis-mo. Movimentos socialistas. Movimentos de independência nos países da América Latina.

3. (UFPR) Costuma-se falar em revolução social quando a sociedade passa por uma transforma-ção radical. Assim foi, por exemplo, na passagem do feudalismo para o capitalismo. Quais os dois eventos históricos que marcaram essa passagem e qual sua importância para o capitalismo?

4. (UFPR) Qual a especificidade da Sociologia em relação às demais Ciências Sociais?

a) A Sociologia tem por objeto a integração do indivíduo nos grupos sociais. Assim, quase não se distingue da Psicologia. Visa resolver os conflitos e dificuldades que o indivíduo en-frenta em seu cotidiano profissional e familiar.

b) A Sociologia visa estabelecer parâmetros ade-quados para o desenvolvimento futuro das diversas sociedades. Permite estabelecer pre-visões exatas quanto ao desenvolvimento de comunidades, ao passo que a História só pode contribuir com o desvendamento do passado.

c) A Sociologia analisa especificamente as con-sequências sociais das transformações físicas, econômicas e políticas do ecossistema. Cabe à Sociologia a tarefa de defender os princípios éticos da sociedade.

d) A especificidade da Sociologia revela-se em seu caráter normativo. Ela estabelece diretri-zes a serem seguidas pelos poderes instituí-dos.

e) A Sociologia tem como objeto de estudo os fatos sociais presentes e não os fatos individuais.

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Utiliza-se da História, pois a análise sociológica será sempre contextualizada. O pesquisador, em geral, faz parte do contexto pesquisado, o que dificulta seu trabalho enquanto cientista.

5. (UFPR) A Sociologia é uma forma objetiva de interpretação dos processos sociais e da vida social. A objetividade da Sociologia requer do sociólogo a utilização – entre outros – de dois instrumentos fundamentais: uma teoria consis-tente e um método adequado. O que se entende por teoria e o que se entende por método nas Ciências Sociais?

6. (UEM – PR) A respeito das características da so-ciedade industrial, assinale o que for correto:

(01) Existe uma separação entre indústria e círcu-lo familiar, ou seja, o local onde se trabalha não é o mesmo onde se compartilha a vida doméstica.

(02) Existe uma divisão social do trabalho basea-da na separação entre aqueles que detêm a propriedade dos meios de produção e aque-les que vendem sua força de trabalho.

(04) A crescente especialização do trabalho in-tensifica a interdependência das funções so-ciais.

(08) As indústrias necessitam de um sistema de planejamento para aprimorar cotidiana-mente as formas de controle e execução das tarefas, o que resulta na criação de profis-sionais especialistas na administração da empresa.

(16) A indústria é uma forma moderna de se-leção natural, recrutando os mais fortes e orientando os operários a adaptarem-se ao ambiente.

7. (UFPR) Durante muitos anos a Sociologia teve um certo desprezo pelo estudo da subjetividade, recusando-se a tomá-la como objeto de análise. Hoje, muitos sociólogos incorporam a subjetivi-dade em suas análises. É correto afirmar que o estudo da subjetividade conquistou seu lugar na Sociologia porque:

a) os sociólogos começaram a estudar mais an-tropologia e psicologia.

b) o socialismo e a teoria das classes provaram sua ineficácia histórica.

c) a sociedade contemporânea é mais individualista.

d) a sociedade contemporânea considera o indi-víduo acima de tudo.

e) a sociologia contemporânea introduziu em seu corpus teórico-metodológico a importân-cia do sujeito e suas diversas formas de mani-festação.

8. (UEM – PR) Sobre o tema “conflito social”, assi-nale o que for correto:

(01) De acordo com Max Weber, a única institui-ção que pode fazer uso legítimo da violên-cia para a solução de conflitos nas socieda-des modernas é o Estado.

(02) Para Émile Durkheim, a divisão do trabalho nas sociedades tradicionais resulta em in-tensos conflitos entre interesses individuais e coletivos.

(04) Para Karl Marx, as relações de produção na sociedade capitalista são essencialmente de dominação e conflito porque envolvem interesses antagônicos de classe.

(08) Auguste Comte define o conflito como pro-pulsor da mudança social em direção ao Es-tado positivo.

(16) Os movimentos sociais são ações coletivas que expressam condições e situações de conflito entre forças sociais e políticas exis-tentes na sociedade.

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SOCIOLOGIA

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O cidadão na passagem do feudalismo

ao capitalismo

Sabe-se que a emergência do cidadão livre ocorreu lentamente na Europa, entre os séculos XVII e XIX. Mas o que, exatamente, permitiu aos indivíduos se libertarem das amarras do modo de produção feudal? De início, o fator “trabalho” teve um papel decisivo. Nesta unidade, será respondida à seguinte pergunta: quais foram as condições históricas e os processos sociais que permitiram, na Europa Ocidental, o surgimento de um novo personagem – o indivíduo livre – que revolucionou as relações sociais?

Segundo o economista inglês e professor da Universidade de Cambridge Maurice Dobb (1900-1976), o feudalismo caracterizou-se pela conjunção entre servidão e exploração do produtor direto (os camponeses) em uma relação de dependência com seu senhor.

Nesta unidade serão estudadas as condições históricas e os processos sociais que permitiram, na Europa Ocidental o surgimento de um novo personagem – o indivíduo livre – que revolucionou as relações sociais.

Definição de feudalismo

A ênfase dessa definição [de feudalismo] estará baseada não na relação jurídica entre vassalo e suse-

rano, nem na relação entre produção e destinação do produto, mas na relação entre o produtor direto

(seja ele artesão em alguma oficina ou camponês cultivador de terra) e seu superior imediato, ou

senhor, e no teor socioeconômico da obrigação que os liga entre si.

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1980. p. 44.

D fi i ã

Trabalho livre e estratificação social

5

Organização

da sociedade

segundo

suas forças

produtivas

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Introdução à Sociologia30

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O declínio da relação senhor-servo e a possibilidade de vender livremente, no mercado, a sua força de trabalho foram características que melhor definiram o processo de emergência do cidadão livre, tal como se enten-de na atualidade, e a nova estratificação social (isto é, a nova forma de hierarquia e de distribuição das classes na sociedade) que então começou a se organizar.

Propriedade feudal, com o servo trabalhando as terras, e o castelo do senhor ao fundo

Terra sendo arada com trator

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LIMBOURG, Paul; HERMANN, Jean. As ricas horas do duque de Berry (março). 1411-1416. 1 iluminura em pergaminho: color.; 22,5 cm x 13,6 cm. Museu de Condé, Chantilly.

Esse cidadão livre rompeu com a “obrigação” devida ao senhor feudal (a talha, a corveia, as banali-dades e toda uma série de tributos tradicionais) e conquistou direitos e mobilidade social, anunciando lentamente o fim do feudalismo. O capitalismo beneficiou-se dessas mudanças e foi-se impondo com pequenas variações em cada país europeu. Em termos gerais, entre os séculos XVII e XIX, o indivíduo passou a ser livre não apenas em termos econômicos, mas igualmente em termos políticos e sociais, embora o conceito de liberdade apresentasse significados diferentes em cada país ou região. Mas, sem a existência desse cidadão que se movimentou e vendeu livremente a sua força de trabalho, não seria possível pensar na autoexpansão do capitalismo, que se sustentou graças à capacidade de extrair cada vez mais lucro dos processos produtivos industriais.

O capitalismo no mundo de hojeO sistema econômico dominante no mundo de hoje é o capitalismo. As economias capitalistas têm

duas características distintivas:

1. Propriedade privada dos meios de produção. Nas economias capitalistas, os indivíduos e as corpo-

rações detêm quase todos os meios de produção de bens e serviços. Indivíduos e corporações são,

assim, livres para comprar e vender terra, recursos naturais, prédios, bens manufaturados, serviços

médicos e quase tudo mais. [...].

2. Competição visando ao lucro. A segunda característica do capitalismo é que aqueles que produzem,

motivados pela perspectiva dos lucros, competem a fim de oferecer aos consumidores bens e servi-

ços ao menor preço possível.

BRYM, Robert et al. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Cengage Learning, 2008. p. 306.

Estratificação

e desigualdade

na sociedade

brasileira

@SOC496

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SOCIOLOGIA

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Debatam as seguintes questões:a) Como entender que a liberdade alcançada pelos indivíduos no final do feudalismo resultou

na maior parte das vezes na “obrigação” de procurar trabalho, nas cidades industriais, para sobreviver?

b) A vida nas cidades representou um avanço no reconhecimento dos direitos individuais?c) Na atualidade, a função do trabalho está relacionada apenas à sobrevivência? Em caso

negativo, que outras motivações as pessoas teriam para trabalhar?

O cidadão e os estratos sociais

segundo os clássicos

A velocidade com que o sistema capitalista se expandiu nos mais diversos países europeus (alcançando quase todo o mundo na atualidade) foi fruto e consequência de características que ultrapassaram os limites da economia ou da busca do lucro. Fatores políticos e culturais e situações históricas particulares também explicam a grande diferença que se pode perceber hoje nos direitos e deveres dos cidadãos. O mercado livre é, porém, o denominador comum que sustenta as relações entre os indivíduos, colocando-os sempre diante do dilema entre a liberdade civil e a sobrevivência. São as diferentes opções que os indivíduos tomaram ou foram forçados a tomar – as profissões escolhidas e/ou os lugares para onde (cidades ou países) migraram – que explicam a estratifi-cação social (ver Conceitos sociológicos).

Os clássicos da Sociologia trabalhados aqui – Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim – procuraram explicar não só como os indivíduos passaram a se relacionar com o mercado – com a necessidade de trabalhar –, mas também como foram classificados em termos de sua posição na estrutura social.

Karl Marx (Alemanha, 1808-Inglaterra, 1883) definiu a sociedade capitalista como uma unidade contraditória. Ele considerou o fim do feudalismo e o início do capitalismo como um momento re-volucionário e, principalmente, previu as revoltas operárias e o advento do comunismo. As antigas estruturas sociais e as classes – sobretudo a nobreza e os servos – cederam espaços à classe burguesa (comercial, industrial e financeira) e à classe proletária, (ver Conceitos sociológicos) basicamente os trabalhadores que vendiam sua força de trabalho nas indústrias nascentes, mas mantiveram viva a classe dos proprietários rurais. Essas três grandes classes tinham por fonte de renda, respectivamente, o lucro, o salário e a renda fundiária.

Marx mostrou que o lento processo de formação de classes na sociedade capitalista libertava o indivíduo das amarras da sociedade feudal. Mas, ao mesmo tempo que falava da libertação da “idiotia da vida rural” (que ocorria quando os camponeses migravam para as cidades), falava também das péssimas condições de trabalho nas cidades (longas jornadas em espaços insalubres sem descanso semanal e outros direitos trabalhistas).

Friedrich Engels (Alemanha, 1821-Inglaterra, 1898), parceiro intelectual de Marx, descre-veu com realismo as moradias modestas que os operários ocupavam nos arredores poluídos de Manchester, uma das principais cidades industriais na Inglaterra de então (ver Leitura sociológica abaixo e ainda o quadro de uma paisagem de Londres em 1872 do pintor e ilustrador francês Gustave Doré, 1832-1883).

Gustave Doré é

considerado um dos mais importantes

pintores e ilustradores de livros do século XIX.

Ilustrou as Fá-bulas de Jean de la Fontaine

e as obras de François

de Rabelais, entre outros

autores.

32 Introdução à Sociologia

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Moradias de trabalhadores em Manchester (Inglaterra)

Numa depressão de terreno bastante funda, numa curva do Meldock, e cercada pelos quatro lados

por grandes fábricas e margens altas cobertas de casas ou aterros, estão cerca de 200 casas re-

partidas em dois grupos, sendo frequentemente a parede de trás a divisória; habitam aí cerca de

4 000 pessoas, quase todas irlandesas. As casas são velhas, sujas e do tipo mais pequeno: as ruas

são desiguais, cheias de saliências, em

parte sem pavimento nem canais de

escoamento; por todo o lado há uma

quantidade considerável de imundícies,

detritos e lama nauseabunda entre os

charcos estagnados; a atmosfera está

empestada com suas emanações, ene-

grecida e pesada pelos fumos de uma

dúzia de chaminés de fábricas.

ENGELS, Friedrich. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Porto: Afronta-mento, 1975. p. 96.

DORÉ, Gustave. Over London by rail. 1872. 1 xilogravura: 25 cm x 19,5 cm. Londres.

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LAs condições

de moradia

e trabalho

dos operários

londrinos no

contexto da

Revolução

Industrial

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O conceito marxista de classe implica a contradição fundamental entre apenas duas classes: os que vendem e os que compram força de trabalho. Essa contradição foi denominada de luta de classes (ver Conceitos sociológicos). Sua origem era o lucro ou mais-valia (ver Conceitos sociológicos) que era transferido dos trabalhadores aos capitalistas durante sua jornada de trabalho. Contudo, em termos históricos concretos, Marx percebeu que seu esquema de três classes (grandes proprietários rurais, burgueses e operários) não correspondia perfeitamente às realidades sociais da Europa de sua época. Assim, ele falou em frações da grande burguesia, em setores da pequena burguesia, na classe dos pequenos proprietários, etc. Ele diferenciou ainda a classe camponesa (rural) da classe operária (urbana). O fundamental, contudo, era que esses grupos acabariam por se definir em relação à posição que ocupavam no modo de produção capitalista: compradores ou vendedores de força de trabalho.

As classes segundo Marx

Os proprietários de mera força de trabalho, os de capital e os de terra, os que têm por fonte de receita, respectiva-

mente, salário, lucro e renda fundiária, em suma, os assalariados, os capitalistas e os proprietários de terras, constituem

as três grandes classes da sociedade moderna baseada no modo capitalista de produção.

Sem dúvida, a estrutura econômica da sociedade moderna desenvolveu-se mais ampla e classicamente na Inglater-

ra. Não obstante, mesmo nesse país não se patenteia pura essa divisão em classes. Também lá, as camadas médias e

intermediárias obscurecem por toda a parte as linhas divisórias (embora muito menos nas zonas rurais que nas urba-

nas). Esse fato, contudo, não tem importância para nossa análise.

Vimos ser tendência constante e lei do desenvolvimento do modo capitalista de produção separar cada vez mais do

trabalho os meios de produção e concentrar em constelações cada vez maiores os meios de produção dispersos, ou seja,

converter o trabalho em trabalho assalariado e os meios de produção em capital.

MARX, Karl. O capital. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 1012. Livro Terceiro, v. 6.

Ensino Médio | Modular 33

SOCIOLOGIA

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As classes segundo WeberEm nossa terminologia, “classes” não são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e frequen-tes, de ação comunal. Podemos falar de uma “classe” quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições de mercado de produtos ou mercado de trabalho.

WEBER, Max. Classe, estamento e partido. In: GERTH, H. H.; MILLS, C. W. (Org. e int.). Max Weber. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. p. 212. (Ensaios de Sociologia).

Max Weber (Alemanha, 1864-1920), em seus trabalhos, procurou analisar por que o capita-lismo só teria se desenvolvido numa época determinada da história da humanidade. Propôs-se a investigar, assim, para além da questão econômica proposta por Marx, o significado cultural das sociedades capitalistas que se organizavam sob a base do mercado livre. Nessas sociedades, os indivíduos adotavam comportamentos racionais para alcançar seus objetivos. Entretanto, esses comportamentos eram influenciados também por valores sociais e culturais. Assim, os indivíduos nem sempre agiam movidos apenas por interesses econômicos. Weber definiu outras variáveis para explicar a ação social (ver Conceitos sociológicos), propondo uma estratificação social diferenciada. Entre essas outras variáveis, incluiu o prestígio, a honra, além do poder. Por isso, afirmou que o poder “meramente econômico” nem sempre seria reconhecido como uma honra social.

Émile Durkheim

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Ao contrário de Karl Marx, Weber não acreditava que os trabalhadores se reconheceriam como membros de uma única classe. Mesmo sendo todos trabalhadores, eles não partilhavam necessa-riamente os mesmos valores ou hábitos culturais e, em consequência, não poderiam apresentar um comportamento social único.

Em vista da posição em que se situavam em relação ao mercado – se vendedores ou compradores de bens, serviços ou força de trabalho – os indivíduos poderiam se constituir em uma ou outra clas-se. Weber chamou isso de situação de classe, ou seja, uma situação que dependeria da posição

(comprador ou vendedor) momentaneamente ocupada. Sendo variável, a posição ocupada na estrutura produtiva não poderia ser o único fator de estratificação social, nem mesmo estar na origem das revoltas políticas que levariam ao fim do capitalismo, como foi visto em Marx.

A Sociologia de Weber possibilitou estudar o fenômeno da estratificação social por meio de perspectivas diversas. Além disso, sua Sociologia, chamada de compreensiva, procurou relacionar as diferentes esferas da vida social – política, econômica e social ou cultural – afirmando que são todas importantes na determinação da posição do indivíduo na sociedade.

A preocupação em determinar a posição e o papel do indivíduo na sociedade está presente também em Émile Durkheim.

Émile Durkheim (França, 1858-1917) afirmou que a sociedade era formada por um conjunto de forças morais (ver Conceitos sociológicos), criadas pelas sucessivas gerações. Esse conjunto

acabaria por se impor aos indivíduos por meio de sanções, unindo-os uns aos outros, não importando sua origem social, econômica ou religiosa.

Faça uma pesquisa sobre a greve geral que ocorreu no Brasil em 1917. Enumere as reivindicações dos operá-rios e produza um texto sobre a capacidade que os critérios de Marx revelam para explicar situações reais.

Apresente suas conclusões para a turma.

Max Weber, em 1917

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Introdução à Sociologia34

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Analisando as sociedades modernas europeias, afirmou que as antigas formas de estratificação social (como as hordas ou os clãs familiares) seriam substituídas pelos grupos profissionais originários da divisão do trabalho ou por grupos políticos e de funcionários públicos oriundos da consolidação de espaços específicos, como a sociedade política.

No primeiro dos quatro grandes livros que publicou em vida, A divisão do trabalho social (1893), Durkheim afirmou que a divisão e a especialização do trabalho eram uma tendência inevitável no desenvolvimento das sociedades modernas. Além desse, outros fatores de estratificação social seriam: o crescimento populacional, a urbanização, o incremento das redes de comunicação e o aumento da densidade das relações sociais.

A divisão do trabalho tenderia a assegurar o exercício da liberdade individual porque permitiria que cada um seguisse sua vocação ou desejo profissional. Para que a realização das vocações pessoais, anunciada pela especialização cada vez maior do trabalho, não entrasse em conflito com a necessidade de manter a socieda-de unida e coesa, era necessário que se estabelecessem regras e normas claras que eliminassem o “estado de anomia (ver Conceitos sociológicos) jurídica e moral em que atualmente se encontra a vida econômica” (DURKHEIM, 1977, p. 8).

Uma vez regulamentadas as tarefas e estabelecidas regras e normas entre empregados e patrões, a divisão evitaria a luta de classes prevista por Marx. Além disso, aproximaria os indivíduos, porque os faria dependentes uns dos outros. A esse processo, Durkheim chamou de solidariedade orgânica e a concebeu como uma consequência social da divisão do trabalho.

Resumindo, em vez de se ater ao impacto da divisão sobre a produtividade do trabalho ou sobre os conflitos entre as classes, Durkheim estudou os seus benefícios e a sua capacidade de garantir solidariedade entre cada um dos grupamentos profissionais ou classes.

Nos três autores clássicos, um fato é comum: com o fim do feudalismo, uma nova estrutura de classes se constituiu. Marx acreditava que as novas classes se-riam antagônicas porque sua relação estava pautada na exploração de uma sobre a outra. Já Weber negou a centralidade do fator econômico na determinação do comportamento dos indivíduos e só em algumas situações específicas previu a “luta de classes”, en-quanto Durkheim vislumbrou o surgimento de uma solidariedade entre elas.

Todos concordam, porém, que a figura do cidadão livre surgiu em uma nova forma de organização social, mais dinâmica e propícia a produzir novas identidades e também novos conflitos. Calçadão comercial do centro de Jundiaí – SP

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As classes e a divisão do trabalho em DurkheimA instituição das classes ou das castas constitui uma organização da divisão do trabalho e é uma orga-

nização estreitamente regulamentada; todavia, ela é frequentemente uma fonte de dissensões. As classes

inferiores, não estando, ou deixando de estar satisfeitas com o papel que lhes está reservado pelo costume

ou pela lei, aspiram a funções que lhes estão interditas e procuram desapossar delas aquelas que as exercem.

Daí as guerras intestinas que são devidas à maneira como o trabalho é distribuído.

DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Lisboa: Editorial Presença; São Paulo: Martins Fontes, 1977. p. 169. v. 2.

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SOCIOLOGIA

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Fatores damudança e dareprodução social

6

Desde Auguste Comte (França, 1798-1857), considerado o criador da Sociologia como atividade científica, pensadores sociais preocupam-se em explicar quais os fatores (isto é, as causas) que levam à mudança social. Tal preocupação confunde-se com a própria história da Sociologia porque essa ciência nasceu e se desenvolveu em um mundo em transformação, tendo sido, por isso mesmo, chamada de “narrativa do mundo moderno” (IANNI, 1989, p. 7-27).

Trabalhando com os processos de mudança, os clássicos identificaram não apenas os fatores que levam à transformação, mas também aqueles que a impedem, ou seja, os chamados fatores da “reprodução social”.

Karl Marx e o fator político: revoltas,

revoluções e superação do capitalismo

Conforme foi visto na unidade anterior, Marx definiu o capitalismo como um modo de produção contraditório. Segundo ele, a acumulação de capital, motor do capitalismo, necessitava apropriar-se, incessantemente, do excedente do trabalho humano (a chamada mais-valia). O salário pago seria sempre mantido em níveis os mais baixos possíveis, devido ao grande número de trabalhadores sem emprego (o exército industrial de reserva). Esse quadro social produziria nos trabalhadores sentimentos de revolta, greves e movimentos de reivindicação por melhores salários e condições de trabalho, tal como se vê até os dias atuais. De fato, na Europa, durante o século XIX, poucos foram os dias em que não se teve notícia de um movimento de greve ou, simplesmente, uma revolta espontânea.

Introdução à Sociologia36

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Trecho da Carta do Povo

Nós dizemos à honrada Câmara [da Grã-Bretanha] que [...] a lei que cria a carestia de alimentos e as que rareiam o dinheiro devem ser abolidas. Os im-postos devem recair sobre a proprieda-de, não sobre a indústria. O bem-estar de grande número, único fim legítimo, deve ser a única preocupação também de governo [...]

Agrade pois, à respeitável Câmara, [...] esforçar-se, [...] em fazer [...] uma lei que garanta a todo cidadão mascu-lino maior, são de espírito e inocente de qualquer crime, o direito de votar para deputados do Parlamento, e que institua o voto secreto para todas as eleições parlamentares futuras.ARNAUT, Luiz D. H. Textos e do-cumentos. Departamento de História/Fafich/UFMG. s.d.

Multidão assistindo à entrega da Grande Petição Nacional (Carta do Povo), assinada por três milhões de trabalhadores ao Parlamento da Grã-Bretanha, em 1842

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Com o passar do tempo, com o acúmulo de revoltas, Marx acreditou que os trabalhadores acabariam por perceber que seu maior inimigo não era um ou outro patrão em particular. Tomariam consciência também de fazer parte de uma classe, independentemente do país em que residissem ou trabalhassem. Daí a famosa convocação de Marx: “Trabalhadores de todos os países, uni-vos!”, presente no Manifesto comunista (1848). A percepção de que faziam parte de uma classe não serviria apenas para uni-los, mas também para mostrar que eles estavam em luta contra a classe dos patrões – a burguesia. Essa classe detinha o poder econômico – o capital – e também o controle do Estado – o poder político. As revoltas e greves serviriam assim para que os trabalhadores ultrapassassem a questão econômica – a exploração a que estavam submetidos nas fábricas – e compreendessem a questão política.

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Foi por esse motivo que movimentos de trabalhadores, nos mais diversos países do mundo, procu-raram se organizar em sindicatos. Alguns formaram partidos políticos ou jornais periódicos a fim de obter conquistas sociais e políticas.

O proletariado e a Revolução (ver Conceitos sociológicos)Já antes vimos que o primeiro passo na revolução operária é a passagem do proletariado à classe

dominante, à conquista da democracia pela luta.

O proletariado usará o seu domínio político para ir arrancando todo o capital das mãos da burguesia,

para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organiza-

do como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível a massa das forças produtivas.

Naturalmente que isto a princípio só pode acontecer mediante intervenções despóticas no direito

de propriedade e nas relações de produção burguesas, através de medidas, portanto, que economica-

mente parecem insuficientes e insustentáveis mas que no decurso do movimento levam para além de si

mesmas e são inevitáveis como meios para revolucionar todo o modo de produção.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto comunista. In: MARX e Engels. Lisboa: Avante; Moscou: Progresso, 1982. p. 124. tomo I. (Obras escolhidas).

Para melhor compreender a dimensão socioeconômica da vida política, faça uma pesquisa na sua cidade sobre os partidos políticos existentes.

Pesquise entre seus familiares se, por ocasião de eleições, a escolha do candidato baseia--se na personalidade individual dos políticos ou em programas partidários.

Produza um texto e expresse a sua opinião sobre a forma como você acredita que deve ser feita a escolha dos candidatos.

Capa do jornal L´Humanité, de 18 abr. 2008Capa do jornal Causa Operária, n. 532, maio 2009

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Max Weber e o fator econômico-religioso:

afinidades entre o espírito do capitalismo

e a ética protestante

Analisando o desenvolvimento do capitalismo, Weber descobriu afinidades entre muitas das práti-cas profissionais nele adotadas e o comportamento de protestantes. Concluiu, então, que o interesse pelo trabalho deveria ter outra origem, talvez a ética religiosa, e não somente a avidez pelo lucro. Para chegar a esse entendimento, Weber compreendeu o capitalismo como uma “cultura moderna” (uma conduta de vida) e o denominou de espírito do capitalismo (ver Conceitos sociológicos). Em seguida, ele definiu, com base no estudo das diversas religiões protestantes, o que denominou de ética protestante (ver Conceitos sociológicos). A base dessa ética era o estímulo ao trabalho duro, por meio do controle disciplinado e diário do próprio corpo. A essa prática rigorosa e cotidiana de controle chamou de protestantismo ascético (ver Conceitos sociológicos). Afirmou enfim que, para os protestantes, esse controle do corpo para o trabalho seria a melhor forma de cumprir a vontade de Deus na Terra.

Fonte: THE INTERNACIONAL Religious Freedom Report, 2008. Disponível em: <www.state.gov/d/drl/rls/irf/2008/c26409.htm>. Acesso em: 5 nov. 2009. Adaptação.

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Religiões na Europa – Século XVI

SOCIOLOGIA

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Weber chegou à conclusão de que havia uma afinidade, uma racionalidade comum, entre as vo-cações religiosas e profissionais, ou seja, entre as práticas protestantes e as atividades comerciais e industriais próprias do capitalismo. “Por essa via, apresentava-se a ideia de que determinado tipo de orientação de conduta [o trabalho metódico, a disciplina, a não ostentação] religiosa – a ética protestante – poderia ser encarado como uma causa do desenvolvimento da conduta racional em moldes capitalistas [minimizar os esforços e maximizar os resultados] na esfera econômica” (COHN, 1979, p. 23). De certo modo, estaria na religião, no compromisso com o trabalho diário, um importante fator de mudança social e de desenvolvimento do próprio capitalismo.

Émile Durkheim e o fator social: normas

e educação na produção/reprodução da

sociedade

Émile Durkheim conheceu de perto muitos dos conflitos que opuseram trabalhadores e patrões, especialmente na França de sua época, como estudado na unidade anterior. Sua geração viveu a derrota militar na Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), o que provocou a derrocada do Segundo Império Francês (1852-1870) e cedeu lugar à Terceira República (1870-1940).

Foi um grupo que ficou marcado pela necessidade de reorganizar o Estado e a nação. Para isso, concentrou seu esforço teórico em demonstrar que somente um conjunto de valores e um conjunto de regras originários da vida social – a moral social – garantiria estabilidade social e política para todos os indivíduos. Para consolidar o respeito a esses novos valores e regras, propôs a organização de um sistema educacional laico, obrigatório para todos. Desde a infância, a escola deveria ensinar o respeito a instituições nacionais, como o Estado, para além mesmo dos valores domésticos.

Durkheim expôs muitas dessas ideias entre o final do século XIX e o início do século XX em diversos trabalhos, em particular no livro Educação e Sociologia (1922).

A educação teria como objetivo central a socialização (ver Conceitos sociológicos) das novas gerações, transformando-as em seres sociais aptos a desempenharem os papéis que a sociedade lhes destinaria no futuro. Esses jovens aprenderiam, assim, não apenas conteúdos escolares, mas, sobre-tudo, a respeitar uma disciplina moral e a se submeter à autoridade política. Uma vez que o sistema de ensino alcançasse a todos, a educação seria um poderoso fator de manutenção da sociedade, produzindo-a e reproduzindo-a continuamente.

A preocupação de Durkheim, contudo, não era apenas conservar ou manter, mas, sim, criar as condições para que a sociedade se reproduzisse de maneira relativamente harmônica, poupando-a dos conflitos que ameaçavam a sua existência. Para isso, o respeito às regras, aprendido dentro do ambiente escolar, seria uma importante ferramenta. Funcionaria, por exemplo, como um freio aos atos de delinquência. Por outro lado, é certo que, por meio da universalização da educação, as sociedades seriam captadas tecnicamente e se desenvolveriam economicamente. A educação, principalmente dos jovens, seria, assim, um importante fator de mudança social e de progresso.

Em resumo, mesmo reconhecendo os limites da visão de Durkheim sobre os processos de mudança social, seus escritos sobre educação continuam sendo valiosos instrumentos para se pensar o cotidiano de nossas sociedades e para o exercício da cidadania.

40 Introdução à Sociologia

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Fator educacionalMas, de fato, cada sociedade, considerada num

momento determinado do seu desenvolvimen-

to, tem um sistema de educação que se impõe

aos indivíduos como uma força irresistível. É

inútil pensarmos que podemos criar nossos

filhos como queremos. Há costumes com os

quais temos de nos conformar; se os infringir-

mos, eles vingam-se nos nossos filhos. Estes,

uma vez adultos, não se encontrarão em condi-

ções de viver no meio dos seus contemporâne-

os, com os quais não estão em harmonia.

DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Lisboa: Edições 70, 2007. p. 47.

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Leia este texto e responda à questão:

Muitas pessoas acreditam que as escolas identificam e selecionam os alunos com base em seu mérito e esforço individual e que o sistema educacional é uma fonte segura de mobilidade social ascendente. De acordo com essa visão, os melhores e mais inteligentes tendem ao sucesso acadêmico, sejam quais forem suas origens econômicas, étnicas, ra-ciais ou religiosas. O sucesso escolar seria, em grande medida, resultado direto do talento individual e do trabalho árduo.

BRYM, Robert et al. Sociologia. Sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Cengage Learning, 2008. p. 416.

A origem (seja ela econômica, étnica, religiosa ou mesmo de gênero) dos estudantes tem influência em seu sucesso escolar?

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SOCIOLOGIA

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Estadosmodernos ecidadania

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O Estado é uma instituição organizada social, política e juridicamente com base em uma lei máxima chamada Constituição. É reconhecido interna e externamente (pela comunidade internacional) e, por meio de um governo, em geral eleito pelos cidadãos, exerce soberania irrestrita sobre um território.

Em termos conceituais, a forma como a questão do Estado foi analisada pelos três clássicos respeitou os grandes prin-cípios da definição acima. Em Marx, contudo, o governo se serve da estrutura do Estado como instrumento do exercício do poder da classe dominante sobre o conjunto da sociedade; em Weber, o Estado é uma instituição burocrática que detém o monopólio do uso da violência física, sendo, portanto, uma fonte legítima do poder em uma dada sociedade; finalmente, em Durkheim, o Estado promove e protege os direitos dos indivíduos perante os grupos sociais a que ele pertence, seja, por exemplo, um sindicato ou sua própria família.

O fundamental em toda a discussão é que o Estado moderno – fruto da Revolução Francesa (1789) ou da constitucionalização das monarquias absolutistas europeias (Revolução Gloriosa na Inglaterra, por exemplo) – é um órgão dotado de um corpo de funcionários treinados e contratados por concursos públicos legais em exames que avaliam seu saber específico e sua competência técnica. O Estado é ainda regido por regras relativamente estáveis e, dessa forma, é o executor do poder político. É por meio dele que age o governo.

Apenas nos casos de Estados democráticos é possível considerar um cidadão realmente livre; em condições de exigir seus direitos e ter garantida a liberdade de exprimir suas convicções políticas, religiosas, preferências sexuais, independente-mente de sua origem social, econômica, etc.

DELACROIX, Ferdinand Victor Eugéne. A liberdade guiando o povo. 1830. 1 óleo sobre tela: color.; 260 cm x 325 cm. Museu do Louvre. Paris.

KEY, Adrien Thomasz. Guilherme de Orange. 1 óleo sobre painel: color.; 48 cm x 35 cm. Rijksmuseum, Amsterdã.

Estado weberiano, marxista, sua

ligação com a ideia de nação e

governo

@SOC321

Introdução à Sociologia42

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Observe como cada um dos autores clássicos enfrentou a tarefa de definir conceitualmente o Estado:

O Estado em Marx

Os escritos de Marx sobre o Estado são trabalhos realizados com seu parceiro intelectual Friedrich Engels. Para eles, o Estado não é o representante da sociedade ou do interesse de todos, mas uma instituição a serviço de um grupo (a classe dominante) e contra outros grupos no interior da sociedade. É a “natureza de classe” do Estado.

Para Marx, o poder dos dominantes era garantido por meio dos aparelhos repressivos do Estado (Ver Conceitos sociológicos), que compreendem, além do próprio governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as prisões, etc. Contudo, outros pensadores marxistas, como Gramsci (1891-1937), consideram que, para manter o poder, o Estado contaria também com outros aparelhos, os aparelhos ideológicos de Estado (ver Conceitos sociológicos), cuja função seria controlar a ideologia (ver Conceitos sociológicos) – as ideias dos indivíduos. Entre esses aparelhos ideológicos, estariam o sistema religioso (as diversas igrejas), o sistema escolar e o sistema familiar.

Entretanto, o próprio Marx procurou investigar de diversas formas como o poder dos dominantes era exerci-do e como o Estado parecia se tornar autônomo em relação à sociedade civil (ver Leitura sociológica a seguir). Ele explicou que, no interior da estrutura do Estado, existiam diversas instâncias administrativas. São os níveis decisórios de poder, controlados de maneira conflituosa pelas diversas frações da classe burguesa dominante.

No mundo concreto, a estrutura do Estado está organizada sob formas de Secretarias ou Ministérios de Estado. Quem ocupa esses postos acaba por deter uma parcela real de poder político. Por isso, esses cargos são muito disputados pelos membros do partido (ou da coligação de partidos) que está no poder. Marx afirmou que a conquista do Estado é o objetivo da luta política e o principal espólio do partido vencedor.

Finalmente, cabe lembrar o clássico texto de Marx sobre a liberdade religiosa – "A questão judaica". Nele, Marx desenvolveu a ideia de que, embora os Estados modernos tivessem garantido a liberdade religiosa, – o que não era possível na Idade Média, além de ser a causa das inúmeras guerras religiosas – isso não resultou na emancipação política do cidadão. Ao contrário, ele continuou submetido às desigualdades econômico-sociais típicas de uma sociedade capitalista.

Como o Estado se tornou autônomo na França entre os séculos XVIII e XIXMas sob a monarquia absoluta, durante a primeira Revolução, sob Napoleão, a burocracia era apenas o meio

de preparar o domínio da classe da burguesia. Sob a Restauração, sob Luís Felipe, sob a república parla-

mentar, era o instrumento da classe dominante, por muito que lutasse por estabelecer seu próprio domínio.

Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se completamente autônomo. A máquina

do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que basta ter à frente o chefe

da Sociedade 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por uma soldadesca embria-

gada, comprada com aguardente e salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas. Daí

o pusilânime desalento, o sentimento de terrível humilhação e degradação que oprime a França e lhe

corta a respiração. A França se sente desonrada.

E, não obstante, o poder estatal não está suspenso no ar. Bonaparte representa uma classe, e justamen-

te a classe mais numerosa da sociedade francesa, os pequenos (Parzellen) camponeses.

MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. In: MARX, Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelman. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p.114-115.

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SOCIOLOGIA

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Trabalhadores, em 1.º de maio de 1942, carregam foto de Getúlio Vargas. Em seu governo (1930-1945), o

Estado brasileiro foi dotado de estruturas burocráti-cas e de uma legislação que defendeu o direito do

trabalhador. Rio de Janeiro – RJ

Para compreender a relação entre as elites econômicas e o poder político, faça uma pesquisa em relação aos governantes do seu Estado. Quem é o Chefe do Executivo? Quem são as elites políticas locais? O Chefe do Executivo é originário das elites econômicas?

O Estado em Weber

Weber concebeu o Estado como uma das formas históricas da política, aquela que trata especifi-camente dos modos de distribuição do poder em uma sociedade determinada. Definiu o poder como a capacidade de obter obediência a uma ordem dada. Das três formas de poder (e de dominação) que identificou – carismática, tradicional e racional-legal (ver Conceitos sociológicos) – apenas a última corresponderia ao Estado moderno.

Em Weber, o Estado moderno era uma manifestação do movimento de racionalização da civiliza-ção moderna. Tratava-se assim da materialização de uma estrutura burocrática. Fundamentava-se em regras juridicamente estabelecidas (normas, decretos e leis) e era dotado de poderes específicos independentes (os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário). Era responsável por garantir a paz e a ordem pública interna e externamente, por meio das forças policiais e das forças armadas.

Weber ainda se referiu ao Estado como o resultado da lenta separação entre o chefe político e os meios (estrutura administrativa) pelos quais ele exercia sua autoridade. O exercício das funções admi-nistrativas ficava a cargo, nas sociedades modernas, de um corpo de funcionários que agia de acordo com uma série de regras definidas por autoridades competentes, e isso de forma racional e legal. A esse conjunto de regras e funcionários, hierarquicamente organizados, Weber chamou de burocracia.

Ação repressiva do Estado durante o Golpe Militar de 1964 na Rua da Praia, em Porto Alegre – RS

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Teoria weberiana

acerca das

formas de

dominação

política e de

legitimação do

poder

@SOC369

Introdução à Sociologia44

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BurocraciaA burocracia moderna funciona da seguinte forma específica:

I. Rege o princípio de áreas de jurisdição fixas e oficiais ordenadas de acordo com regulamentos, ou seja, por leis ou normas administrativas [...].

II. Os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação, no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores.

Esse sistema oferece aos governados a possibilidade de recorrer de uma decisão de uma autoridade inferior para a sua autoridade superior, de uma forma regulada com precisão.

WEBER, Max. In: GERTH, H. H.; MILLS, C. W. (Org. e introd.). Max Weber. 5. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1982. p. 229-230. (Ensaios de Sociologia).

Diferentemente de Marx, Weber não acreditava que o Estado ficaria refém de um grupo ou da classe dominante, uma vez que sua estrutura racional, burocrática e legal impediria sua utilização para fins particulares. Weber afirmou que a burocratização é o resultado da especialização das funções adminis-trativas. Seu fundamento era o desenvolvimento da ciência e da organização técnica, e ela ocorria tanto no setor público quanto no setor privado. Grandes empresas e corporações que possuíam considerável número de funcionários na parte administrativa podiam ter sua estrutura comparada com a do Estado moderno. Por isso, os escritos de Weber são muito estudados nos cursos universitários de Administração e de Contabilidade, sem falar nos cursos de Direito, devido à importância que Weber conferia ao aspecto legal da estrutura burocrática.

Foram instaladas 104 câmeras de vigi-lância, na cidade de Salvador (BA), para

auxiliar na segurança durante o carnaval

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DiplomataO diplomata trabalha essencialmente para o Estado, representando-o e defendendo os seus interesses

internacionalmente. Essa representação não está vinculada aos governos, que podem mudar dependendo dos processos eleitorais, mas ao país. O perfil do profissional da área é de um estudioso autoditada, que goste de viajar e, muitas vezes, morar fora do país.

Esse profissional deve ser formado em Direito, Economia, Administração ou Relações Internacionais e, após a graduação, fazer preparação específica para a função, em diversos cursos existentes no Brasil. Além disso, deve dominar línguas estrangeiras. A função é, ainda, basicamente estatal, ou seja, o diplomata é um funcionário do Estado e seu espaço de atuação é na esfera pública. Contudo, com a globalização e a criação de mercados comuns, as grandes empresas passaram a contratar esses profissionais.

A definição weberiana de Estado e de burocracia aplica-se à maior parte das democracias constitucionais em vigor na atualidade. Não é surpresa, portanto, que o termo “Estado” esteja sempre associado ao termo “burocracia”, como se sinônimos fossem. Isso quer dizer, na maior parte das vezes, que muitos dos Estados atuais aumentaram bastante seu espaço de atuação, criando fundações, autarquias e empresas públicas, de onde administram diretamente importantes setores da economia. No entanto, alguns Estados atuais, aparentemente, burocratizaram-se em demasia, ou seja, têm funcio-nários e regras (normas, procedi-mentos, etc.) em excesso e, em consequência, tornaram-se lentos e inoperantes, além de custosos.

SOCIOLOGIA

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Pesquise como se organiza a prefeitura em seu município: Quantas secretarias ela tem? Qual a atribuição de cada uma delas?

No filme Inimigo de Estado (EUA, 1998), a história gira em torno do as-sassinato de um congressista esta-dunidense que era contra a votação de uma lei a qual permitiria a total invasão da privacidade dos cidadãos em nome da segurança nacional.

Verifique, em sua cidade, como está a instalação de câmeras de vídeo nas avenidas e logra-douros públicos.

O crescimento da estrutura burocrática nos Estados levou a um aumento de poder na mão dos governos e ao controle excessivo dos cidadãos por meio do acesso de dados pessoais informatizados, câmeras, satélites, etc.

Isso permite aos dirigentes políticos restringirem, em alguns casos, muitas das liberdades indivi-duais. Seja como for, para o cidadão moderno, o Estado racional-legal weberiano foi a melhor garantia de respeito, liberdade e aperfeiçoamento das leis, por meio da eleição democrática dos membros do Congresso Nacional.

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O Estado em Durkheim

Aparentemente, a questão política não foi central na obra de Durkheim. Em muitos manuais de Sociologia, é possível encontrar certos juízos de valor, afirmando que Durkheim era um “conservador” ou que era um sociólogo preocupado apenas com a manutenção da sociedade. Isso não se sustenta. O mestre francês não apenas viveu a política de seu tempo (por exemplo, posicionou-se contra a Pri-meira Guerra Mundial e a favor da universalização do ensino básico), como também escreveu sobre as liberdades civis, as formas de poder e as relações entre o indivíduo e o socialismo.

Em uma de suas obras (Lições de Sociologia, 1950), Durkheim definiu o Estado como um grupo especial de funcionários encarregados de exercer a autoridade (ou o poder) em uma dada sociedade.

Em grupos, organizem um debate em torno da seguinte questão: essas câmeras restrin-gem a liberdade (porque invadem a privacidade) ou aumentam a segurança (permitindo, por exemplo, que se ande tranquilamente nas ruas)?

Para melhorar o debate, os grupos podem entrevistar responsáveis pela segurança pú-blica, donos de empresas que as instalam e os cidadãos que estão sendo filmados (vigiados?).

Cena do filme Inimigo de Estado (EUA, 1998)

Introdução à Sociologia46

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Autoridade e EstadoComo é necessário haver uma palavra para designar o grupo especial de funcionários encarregados de repre-

sentar essa autoridade, conviremos em reservar para esse uso a palavra Estado. [...] Porém, como é bom que

haja termos especiais para realidades tão diferentes quanto a sociedade e um de seus órgãos, chamaremos mais

especificamente de Estado os agentes da autoridade soberana, e de sociedade política o grupo complexo de

que o Estado é o órgão eminente. Dito isso, os principais deveres da moral cívica são, evidentemente, os que o

cidadão tem para com o Estado e, reciprocamente, os que o Estado tem para com os indivíduos. Para compreender

quais são esses deveres, é importante então, antes de tudo, determinar a natureza e a função do Estado.

DURKHEIM, Émile. Lições de Sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 67.

O Estado é um “órgão eminente”, uma espécie de instituição com funções sociais definidas. Tal como para Weber, Durkheim advogava a tese de que eram os Estados modernos que garantiam as liberdades individuais, mesmo quando, em tempos de guerra, as liberdades individuais diminuíam. Durkheim afirmava que, com o aumento do poder do Estado, os direitos do indivíduo também se desenvolveram. Isso porque, de certa maneira, o indivíduo era um dos produtos da atividade do Estado. Para ele, foi o Estado que “[...] subtraiu a criança à dependência patriarcal, à tirania doméstica; foi ele que livrou o cidadão dos grupos feudais, mais tarde comunais, foi ele que livrou o operário e o patrão da tirania corporativa [...]”. (DURKHEIM, 2002, p. 89).

Percebe-se aqui uma compreensão bastante moderna das funções do Estado. Pode-se pensar, por exemplo, que são os conselhos tutelares que defendem as crianças de eventuais maus-tratos de seus pais ou que é o Estado quem regula a atividade dos sindicatos (corporações para Durkheim). Da mesma forma, o Estado impediria a família de definir a vida de seus membros, como acontece nas sociedades em que os casamentos são arranjados. Assim, todo o aparato legal e administrativo, todo o corpo de funcionários necessário à realização da função de proteção e de promoção do indivíduo seriam bem-vindos.

Durkheim não desenvolveu, contudo, a ideia de uma burocratização da esfera estatal, nem se pre-ocupou em definir como deveriam ser contratados e treinados seus funcionários. Reconheceu apenas que, em sua época, as estruturas burocráticas do Estado haviam se expandido em demasia. Isso não prejudicaria os direitos individuais. Ao contrário, seriam reforçados.

Em resumo, sua visão espelha uma tendência da época: a necessidade de definir juridicamente o papel do indivíduo nas sociedades modernas e democráticas. Nesse sentido, os escritos de Durkheim também contribuíram para o fortalecimento do cidadão moderno.

Verifique se há na sua cidade um conse-lho tutelar. Em caso afirmativo, quais são as suas atribuições?

Apresente, individualmente ou em grupo, os direitos dos cidadãos que podem ser deduzidos das definições de Estado, apresentadas pelos autores clássicos.

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SOCIOLOGIA

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Socialismo, valorese sistema social 8

No decorrer do século XIX, várias correntes socialistas se organizaram politicamente em diversos países europeus (Inglaterra, França, Alemanha, Bélgica, etc.). Elas pretendiam ser uma resposta ao mesmo tempo teórica e prática aos conflitos que opunham patrões e empregados tanto nas indústrias quanto nas minas de carvão, tanto em pequenas quanto em grandes cidades. O “socialismo” que ins-pirou a maior parte das revoltas no século XIX é, na realidade, um conjunto heterogêneo de doutrinas sociais. Na maior parte do tempo, ele funcionou simplesmente como um guia, um norte para a ação coletiva. Essas ações pregavam ora a ruptura com a ordem estabelecida, ora medidas de reforma social ou política, como a implantação do sufrágio universal.

Marx e Engels denominaram a maior parte dos criadores dessas doutrinas “socialistas” existentes no século XIX de socialistas utópicos. Em oposição aos socialismos utópicos, eles cunharam a expressão socialismo científico, que marcou profundamente todas as ciências sociais (ver Leitura sociológica da página 25). Weber e Durkheim, cada um à sua maneira, contestaram e procuraram superar a posição de Marx e Engels, não apenas sobre o modo de entender e explicar a sociedade capitalista, mas também sobre o desenvolvimento histórico que os socialistas científicos imaginaram para os países europeus na segunda metade do século XIX. Por isso, as concepções de socialismo, como sistema social (isto é, como uma forma de governo e um sistema econômico), e sua dimensão especificamente cultural (a questão dos valores humanos) variaram bastante em cada um dos clássicos trabalhados neste material.

É preciso ficar claro que, em relação a esse tema, não estavam em jogo apenas definições teóricas ou questões puramente conceituais, mas sobretudo o futuro – político e econômico – de todos os países que consolidavam o sistema capitalista e mesmo daqueles periféricos que lentamente seriam envolvidos por ele. Tanto Marx e Engels como Weber e Durkheim, impuseram-se a tarefa de pensar essa ideologia política – o socialismo – e a perspectiva histórica que se abria com sua possível vitória sobre o capitalismo, em especial na Europa, na passagem do século XIX para o século XX. Quais são, basicamente, as diferenças entre esses sistemas de pensamento diante do “socialismo”?

O socialismo segundo Marx e Engels

Inevitavelmente, as contradições do capitalismo (tendência geral à queda na taxa de lucro, mecanização da produção, pobreza dos trabalhadores e consequente luta de classes) já em curso levariam ao socialismo. Marx via o socialismo como uma fase intermediária entre o desmoronamento do capitalismo e o comunismo. Nessa fase, seriam socializados os meios de produção (a terra e as máquinas antes con-centradas nas mãos das classes dominantes) e o poder do Estado seria enfraquecido.

Karl Marx

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Sobre este tema, é muito difícil separar

teoricamen-te Marx e

Engels. Os escritos deles

se complemen-tam e são fruto

de inúmeras discussões que

tiveram durante os mais de 40 anos em que conviveram.

Mecanização da produção: quer dizer que

as empresas investiriam sempre em tecnologia

(máquinas mais produtivas) que

pouparia mão de obra, levando a um desempre-

go crescente.

Regimes

políticos e a

institucionalização

do poder ao longo

da história

@SOC789

Introdução à Sociologia48

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Na fase “socialista”, persistiriam ainda as classes sociais, trabalhadores e empresários. Cada um continuaria a receber um salário de acordo com a sua produção. O importante é que, pela primeira vez na história, os meios de produção estariam a serviço daqueles que produziam: os trabalhadores. Por isso, Marx e Engels afirmavam que, com o socialismo, seria inaugurada a ditadura do proletariado (ver Conceitos sociológicos ).

Para alcançar o socialismo, só uma solução seria possível: a revolução. Esse foi o motivo pelo qual tanto Marx quanto Engels se envolveram diretamente com os trabalhadores, participando ativamente da organização de suas associações, como foi o caso da Primeira Associação Internacional Socialista (1864).

Deve-se compreender que, para os dois, o socialismo não era apenas um sistema social como os outros, mas a única possibilidade que os trabalhadores tinham para se libertar da exploração e da alie-nação (ver Conceitos sociológicos) a que estavam submetidos no capitalismo. Era a possibilidade de sua emancipação (ver Conceitos sociológicos). E essa emancipação libertaria também os empresários da busca desenfreada pelo lucro (na atualidade, é chamada de concorrência) para prosperar nos negócios.

O socialismo era, enfim, uma etapa de um processo que havia começado, em termos gerais, com a Revolução Industrial, e cujo final seria o comunismo, concebido como um modo de produção em que estariam abolidos a propriedade privada dos meios de produção, as classes sociais e o Estado – um sistema que libertaria tanto empresários quanto trabalhadores, implantando a igualdade entre os indivíduos e permitindo a humanização das relações sociais.

Socialismo científico segundo EngelsA ordem social vigente – verdade reconhecida hoje por quase todo o mundo – é obra das

classes dominantes dos tempos modernos, da burguesia. O modo de produção característico

da burguesia, ao qual desde Marx se dá o nome de modo capitalista de produção, era incom-

patível com os privilégios locais e dos estados, como o era com os vínculos interpessoais da

ordem feudal. A burguesia lançou por terra a ordem feudal e levantou sobre suas ruínas o

regime da sociedade burguesa, o império da livre concorrência, da liberdade de domicílio, da

igualdade de direitos dos possuidores de mercadorias, e tantas outras maravilhas burguesas.

[...]. Mas, do mesmo modo que em seu tempo a manufatura e o artesanato, que continuava

desenvolvendo-se sob sua influência, se chocavam com os entraves feudais das corporações,

a grande indústria, ao chegar a um nível de desenvolvimento mais alto, já não cabe no estrei-

to marco em que é contida pelo modo de produção capitalista. [...] O socialismo moderno não

é mais que o reflexo desse conflito material na consciência, sua projeção ideal nas cabeças, a

começar pelas da classe que sofre diretamente suas consequências: a classe operária.

ENGELS, Friedrich. Do socialismo utópico ao socialismo científico. 6. ed. São Paulo: Global, 1984. p. 55-56.

Comunismo: somente nos

países em que já estivesse implantada

uma economia socialista

poderia surgir o comunismo.

Histórico da

Revolução

Comunista

Chinesa

@SOC095

Socialismo

utópico,

científico e

anarquismo

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Faça uma pesquisa comparando países em que foi implantado o socialismo e outros em que a implantação não ocorreu. Compare indicadores de escolaridade (ou alfabetização), acesso aos serviços de saúde, infraestrutura urbana, taxa de mortalidade, liberdades individuais, desenvolvimento tecnológico, acesso a veículos de infor-mação (internet, jornais, livros, etc.), entre outros aspectos. O que se pode concluir disso?

Ensino Médio | Modular 49

SOCIOLOGIA

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O socialismo segundo Weber

Para Max Weber, o sistema socialista não seria a consequência inevitável do capitalismo, tal qual afirmaram Marx e Engels. Isso porque sua Sociologia não estabeleceu como ponto de partida a luta de classes, conforme Marx (unidade 6). Não obstante, embora discordasse de Marx em muitos pontos, Weber reconheceu que o conflito entre trabalhadores e patrões alimentava as ideologias e os partidos políticos, em especial o Partido Social-Democrata Alemão.

A discussão de Weber sobre o socialismo está presente em seu livro clássico Economia e socie-dade. Weber apresentou o socialismo do ponto de vista da economia (economia coletivista) e do controle da produção pelos funcionários (ou operários). Ele contrapôs a anarquia da produção (ou seja, a concorrência entre os empresários no sistema capitalista) ao controle e à planificação. Nesse sistema, o Estado participaria dos lucros e das decisões.

Socialismo científico segundo WeberQue seria então o socialismo, entendido num sentido positivo, em contraposição a esse sistema [ca-

pitalista]? No significado mais amplo da palavra, [é] aquilo que também costuma ser definido como

“economia coletivista”. Uma economia, portanto, em que em primeiro lugar não exista o lucro, que é a

condição de base em que os empresários privados regulam a produção sob seu próprio risco e em seu

próprio benefício. Em vez disso, ela se encontraria sob a direção de funcionários de uma união popular

que assumiria a sua gestão [...]. Em segundo lugar, não existiria a denominada “anarquia de produção”,

isto é, a concorrência entre os empresários.

WEBER, Max. Conferência sobre o socialismo. In: FRIDMAN, Luís Carlos (Org.). Socialismo. Émile Durkheim, Max Weber. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993, p. 104.

Weber concordava com Marx na dimensão estatizante do socialismo. Contudo, dele rapidamente se distanciava quando afirmava que, nesse sistema social, o Estado continuava preocupado com a renta-bilidade da atividade produtiva. Dirigidas por funcionários do Estado ou por empresários, o objetivo das empresas continuava o mesmo: o lucro. Assim, os trabalhadores não perceberiam muita diferença na passagem do capitalismo para o socialismo.

Weber apresentava a função do Estado no socialismo como próxima àquela já desempenhada em relação às empresas públicas no sistema capitalista: um sistema burocrático, mas preocupado com a rentabilidade. Dizia que, por isso, a social-democracia alemã teria recusado a intervenção governamen-tal na economia. Um governo socialista planificando a economia, resumiu ele, resultaria apenas em burocratização.

Ao final da referida conferência, Weber fez comentários sobre o Manifesto comunista, de Marx e Engels. Primeiro, contestou a tese de que a concorrência entre os empresários bloquearia o desenvolvimento. Para exemplificar, lembrou dos cartéis que então se formavam, amenizando os conflitos e a concorrência entre os empresários individuais. Contestou, em seguida, a tese da uniformização da classe operária, mostrando o surgimento de uma nova categoria de funcionários na empresa, justamente aqueles técnicos diplomados, por exemplo, nas escolas de comércio (são as escolas de administração atuais). Mas, ele reconheceu que os “operários serão sempre socialistas num sentido ou em outro”. Como sistema social, afirmou que o socialismo não se realizaria nos moldes propostos por Marx. Entretanto, continuaria a inspirar muitos e muitos trabalhadores. Sobre esse ponto, a história deu razão a Weber.

Introdução à Sociologia50

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O socialismo segundo Durkheim

O primeiro contato de Durkheim com o tema do socialismo foi logo no início de sua carreira intelectual, no final dos anos 1880, quando imaginou escrever uma tese sobre as relações entre o individualismo e o socialis-mo. A questão que o preocupava, então, era o fato de o excesso de individualismo ameaçar a coesão social. A razão desse individualismo estava na divisão do trabalho e era característico das sociedades modernas.

O socialismo, para Durkheim, teria sido criado como uma resposta aos problemas de coesão social e aos graves conflitos entre patrões e trabalhadores. Era, portanto, uma ideia ou uma doutrina moral, mas não um sistema social, nem mesmo uma saída para os problemas econômicos de sua época. Foi nesse sentido que ele o analisou, reconhecendo-lhe qualidades essenciais.

Para o mestre francês, antes de ser um sistema econômico ou político, o socialismo apresentava-se es-sencialmente como uma questão de reforma moral. Dentro de sua linguagem sociológica, era um problema de mudanças nas regras de comportamento coletivo. Dizia respeito à coletividade, à sociedade, não estando restrito a um único partido político, à classe operária ou a uma única ideologia.

Partindo desse ponto de vista, Durkheim afirmava que o socialismo se orientava para o futuro. Não era uma ciência ou uma sociologia em miniatura, dizia ele, contrapondo-se ao socialismo científico de Marx e Engels. Era um fato social (ver Conceitos sociológicos) como outro qualquer e devia ser estudado friamente, sem preconceitos e por meio de um método sociológico. Mas, era igualmente um “grito de dor” de homens que viviam “nosso mal-estar coletivo”. Por esse motivo é que suscitava o interesse, exatamente como fazia a um médico quando ouvia um “gemido do doente” (ver Leitura sociológica a seguir).

Por que estudar o socialismo?Mas o socialismo pode ser examinado sob um outro aspecto bem diverso. Se não é uma

expressão científica dos fatos sociais, ele mesmo é um fato social, e da mais alta importância. Se não é obra de ciência, é objeto de ciência. Esta não quer se ocupar dele para tomar-lhe emprestada esta ou aquela proposição pronta, mas sim para conhecê-lo, para saber o que ele é, de onde vem e qual é sua tendência. Estudar o socialismo desse ponto de vista é interessante por uma dupla razão. De início, pode-se esperar que ele nos ajude a compreender os estados sociais que o suscitaram. Exatamente por-que deriva desses estados sociais, ele os exprime e manifesta à sua maneira e, por isso mesmo, fornece

mais um meio para compreendê-los. Certamente, não os reflete com exatidão.

DURKHEIM, Émile. Definição de Socialismo. In: FRIDMAN, Luís Carlos (Org.). Émile Durkheim, Max Weber: socialis-mo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993. p. 38-39.

O socialismo, Durkheim afirmava, tem sempre por ob-jetivo a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Ele concordava com Marx em dois pontos: as condições de vida eram de fato ruins, e o socialismo era uma resposta possível a elas.

Contudo, enquanto Marx acreditava que o socialismo era uma resposta inevitável da classe operária ao capitalismo, Durkheim via nele a possibilidade de reforma e de integração de todos os membros da sociedade em torno de valores comuns. Essa é a diferença entre os dois clássicos.

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Condição de vida precária em Paris (1884)

MYRBACH-RHEINFELD, Felicien de. Poverty in Paris: The Passage Gergovie. 1884. litogravura: color.; 61 cm x 46 cm. Bibliotheque des Arts Decoratifs, Paris.

Ensino Médio | Modular 51

SOCIOLOGIA

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Em seguida, Durkheim discutiu as teorias socialistas então em voga, afirmando que elas se relacio-navam às funções econômicas e aos órgãos diretores e conscientes da sociedade. Essas teorias eram estudadas como um fato social, na verdade, fatos ideológicos (porque são ideologias socialistas) cuja função seria guiar os indivíduos e cuja existência seria reflexo de problemas econômicos concretos. Não havia, portanto, como pensar o socialismo como um acontecimento revolucionário, mas, sim, como um sistema social. O socialismo poderia ser resultado de um processo democrático de construção de uma nova cidadania que superasse o egoísmo dos indivíduos. Concluindo, o socialismo era apenas um sistema social que organizaria a sociedade sob valores mais solidários.

Ação social: segundo Weber, a Sociologia justificava-se pela necessidade de compreender a ação dos indivíduos em sociedade. Daí por que se fala em uma “sociologia compreensiva”. Definiu ação social como a ação em que o sentido subjetivamente visado por um ou mais indivíduos estivesse relacionado à conduta de outros, orientando-se por essa conduta em seu desenvolvimento.Alienação: segundo a visão de Marx, é o processo que, no capi-talismo, separa o trabalhador do conjunto do processo produtivo (compartimentando sua atividade e isolando-o dos outros trabalha-dores) e do fruto de seu trabalho, impedindo que ele tenha acesso ao que produz. O conceito foi desenvolvido no texto Manuscritos econômico-filosóficos (1844). Em termos gerais, tem seu signifi-cado ligado à tradição jurídica. Significa cessão, doação ou venda.Anomia: ausência de organização natural ou jurídico-legal. Essa definição traduz a realidade de conflito e desorganização que Durkheim percebia na realidade francesa de sua época.Aparelhos do Estado: segundo a tradição marxista, existem os aparelhos repressivos (política, tribunais, etc.) e os aparelhos ideológicos (Escola, Igreja, etc.). Os aparelhos ideológicos foram trabalhados pelo filósofo francês Louis Althusser (1918-1990).Classe proletária ou proletariado: segundo Marx, era a classe social obrigada a vender sua força de trabalho para sobreviver na sociedade capitalista.Concepção imanentista, imanente: é a concepção segundo a qual a realidade física em que se vive é a única existente, não havendo outros níveis (planos, dimensões).Ditadura do proletariado: é a fase em que ocorre a dominação do proletariado sobre a burguesia. Nessa fase, o proletariado garante a hegemonia sobre toda a sociedade, levando-a em direção ao comunismo. Diacrônicas, diacrônico: consiste na perspectiva analítica que leva em consideração a variável “tempo” ou, de maneira mais específica, considera a história de uma sociedade.Emancipação: segundo Marx, trata-se do processo inverso ao da alienação, quando os indivíduos se reencontram consigo mesmos, rompendo a dominação do sistema capitalista e conquistando a igualdade. O conceito foi desen-volvido no texto Manuscritos econômico-filosóficos (1844). Fala-se em “emancipação feminina”, significando a conquista da igualdade entre homens e mulheres. Em termos gerais, tem seu significado ligado à tradição jurídica: Significa aquisição de certos direitos civis quando se é menor de idade. Espírito do capitalismo: segundo Weber, esse conceito dizia respeito exclusivamente ao capitalismo de sua própria época. Era o que ele chamava de “conceito histórico”. Apesar de outros períodos históricos terem conhecido o interesse pelo lucro e pelos ganhos comerciais, somente o mundo moderno submeteu suas práticas comerciais à vocação profissional. Eis por que Weber também entendeu o “espírito” do capitalismo como a expressão de valores (ethos profissional), definindo-o em termos culturais (a “moderna cultura do capitalismo”) e não apenas econômicos. Por exemplo: a crença (cultural) de que o trabalho profissional é o que dá sentido à vida.

O filme Tempos modernos (EUA, 1936), dirigido e estrelado por Charles Chaplin, é

um excelente exemplo do duplo processo de alienação a que o trabalhador é submetido

no capitalismo

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Introdução à Sociologia52

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Estratificação social: de maneira geral, esse termo indica o processo pelo qual indivíduos e grupos ocupam posições e espaços sociais diferenciados e hierarquizados dentro da sociedade. A tradição marxista fala em classes sociais enquanto a tradição weberiana prefere o termo “estrato”.Ética protestante: segundo Weber, era o conjunto de princípios morais de conduta e juízos de valor que caracterizaria o comportamento e a visão de mundo dos indivíduos adeptos do protestantismo. Por exemplo: o trabalho árduo e metódico.Explicações sobrenaturais: é a explicação que, para definir como funciona “este mundo”, recorre a uma realidade externa, a um “outro mundo” ou a uma “outra realidade”.Explicação transcendental, transcendente: é a concepção de que existe uma realidade além da que vivemos. As explicações transcendentais são aquelas que se referem ao transcendente para explicar o mundo, ou seja, que afirmam que “este mundo” só é explicável pelo que acontece no “outro mundo”.Fato social: definido por Durkheim como toda maneira de agir, fixa ou não, mas geral em uma sociedade determinada, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior.Forças morais: conjunto de regras de conduta a que está ligada uma sanção. Durkheim acreditava que o estabelecimento de um consenso geral sobre o conjunto de regras a serem seguidas por todos garantiria estabilidade e coesão da sociedade.Formas de dominação: segundo Weber, eram três os tipos de dominação legítima que emanavam do poder. O poder carismático (em que a obediência é fruto do carisma do líder), o poder tradicional (em que se obedece às tradições) e o poder racional-legal (em que a obediência é fruto de normas estabelecidas de forma legal, racional e burocrática).Ideologia: o termo “ideologia” tem muitos sentidos. Em Marx, designava a “falsa consciência” que resultava da posição de classe dos atores sociais. Usou o termo para se referir às ideias burguesas que visavam manter o domínio da classe burguesa sobre o conjunto da sociedade. Em termos gerais, utiliza-se o termo “ideologia” para definir todo conjunto de ideias que tem por objetivo manter ou conquistar o poder, especialmente o poder político.Luta de classes: para Marx, tratava-se da contradição fundamental entre os que vendem e os que compram força de trabalho na sociedade capitalista. Contudo, a luta de classes teria ocorrido em toda a história da humanidade. Para Weber, significava apenas uma oposição que ocorreria entre compradores e vendedores de bens e trabalho em uma situação específica de mercado. Por isso, não haveria uma estrutura de classes geral. Em resumo, os conceitos sociológicos não possuem sempre o mesmo significado. Devem ser entendidos em relação aos autores que os utilizam.Mais-valia: também chamada de trabalho excedente. Era a parte do trabalho diário que não era paga ao trabalhador, propiciando, dessa forma, a acumulação de capital nas mãos da classe burguesa.Materialismo: é o princípio filosófico que afirma que é possível explicar a realidade a partir da matéria.Método sociológico: conjunto de procedimentos criados por Durkheim para o estudo dos fatos sociais. São eles: tratar os fatos como coisas (tomadas em seu conjunto) de forma objetiva e histórica e se afastar das pré-noções.Métodos quantitativos: são métodos que buscam generalizações por meio da análise padronizada de grande quantidade de indivíduos.Modelo mecanicista, mecanicismo: é a concepção de que a realidade funciona de maneira mecânica e matemática, com princípios semelhantes à Física newtoniana.Organicista, organicismo: concepção que afirma que a sociedade deve ser vista como um organismo, em que as diversas partes mantêm relações mútuas de dependência e, por isso, não podem entrar em conflito umas com as outras.Protestantismo ascético: conjunto de atos de controle austero e disciplinado do próprio corpo por meio do trabalho diário e metódico. Segundo Weber, era a melhor forma de cumprir, no meio do mundo, a vontade de Deus e de realização do dever religioso.Revolução: Marx utilizava esse termo para se referir à tomada do poder pela classe operária que destruiria o capitalismo. Socialização: segundo Durkheim, era o processo pelo qual as gerações mais velhas ensinavam às mais jovens os códigos e valores sociais de determinada sociedade. Em muitos manuais de Sociologia, está descrita apenas como “processo que ensina e transmite valores sociais aos indivíduos”. Nessa definição, o conceito se aplica a qualquer situação social. Além da família, empresas, escolas, igrejas, clubes, associações, etc., são todos agentes e locais em que ocorre a socialização.

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1. (UEM – PR) Sobre as teorias sociológicas a respei-to do Estado, assinale o que for correto:

(01) Algumas teorias sociológicas afirmam que o Estado é necessário para garantir a unidade de uma sociedade dividida em classes so-ciais, favorecendo, assim, os interesses das classes dominantes.

(02) Para alguns sociólogos, o que diferencia o Estado das demais instituições é o fato de ele ter o direito legítimo e exclusivo do uso da força.

(04) Segundo alguns sociólogos, em socieda-des complexas, o Estado é uma instituição fundamental para garantir a coesão social, sobrepondo-se às demais instituições e re-gulando sua coexistência.

(08) Há um consenso na sociologia de que o Estado é um fenômeno exclusivamente ocidental e próprio do modo de produção capitalista. Nas demais sociedades, não se encontram instituições que assumam fun-ções correlatas.

(16) De acordo com algumas interpretações, o Estado é fundamental para assegurar as próprias condições de funcionamento da economia de mercado, embora muitos libe-rais rejeitem sua intervenção.

2. (UEMA) Assinale a alternativa que corresponde ao conceito de “Dominação legítima”, formula-da pelo sociólogo alemão Max Weber: a) Capacidade de impor a própria vontade den-

tro de uma relação social.b) Capacidade de liderar numa determinada si-

tuação social.c) Probabilidade de impor a sua vontade numa

determinada situação social.d) Probabilidade de operar através de atos ou

uso da violência. e) Probabilidade de encontrar obediência a um

determinado mandato.

3. (UEMA) Segundo Karl Marx, “o modo de pro-dução da vida material condiciona o desenvol-vimento da vida social, política e intelectual em geral”.Essa tese resume a sua teoria da história, tam-bém denominada de:

a) socialismo científico. b) materialismo histórico.

c) racionalismo cartesiano.d) fenomenologia do espírito.e) individualismo metodológico.

4. (UFBA) Por trás das mudanças provocadas pela Revo-lução Industrial, estava a possibilidade de am-pliação dos lucros. As invenções voltadas para a produção de mercadorias tinham uma intenção econômica definida. Além disso, as alterações introduzidas no processo produtivo refletiram-se em todas as instâncias da vida social. Do ponto de vista geográfico, intensificaram-se cada vez mais as relações entre territórios distantes, assim como intensificou-se o fenômeno da urbanização

(LUCCI, 1999, p. 15).

Tomando-se como base as informações do texto e os conhecimentos sobre as alterações sociais e econômicas ocorridas, no mundo, com o adven-to do capitalismo industrial, pode-se afirmar:

(01) A necessidade de ampliação dos lucros le-vou, entre outras consequências, a mudan-ças nas práticas comerciais internacionais, sendo o fim do exclusivo comercial, um dos fenômenos mais relevantes.

(02) A histórica vocação comercial da cidade de Salvador foi significativamente influenciada pela expansão do capitalismo financeiro no início do século XX, verificando-se, então, re-formas urbanas com a abertura de novas ruas e reformulação do traçado da área portuária.

(04) Os meios de produção necessários à estru-turação do capitalismo industrial no século XIX estavam diretamente associados ao uso coletivo da terra e dos instrumentos agríco-las por proprietários e trabalhadores.

(08) A oposição entre o sistema capitalista e o so-cialista no século XX fundamenta-se, entre outros fatores, na concepção militar agres-siva, no controle da informação e da opção religiosa registrados nos países capitalistas, contrapondo-se à política pacifista, ao con-trole das armas atômicas e à autonomia da imprensa, cultivados no bloco socialista.

(16) Práticas capitalistas existentes na China an-tes da Revolução de 1949, mantidas pelos governos socialistas que se seguiram, for-taleceram os laços de dependência daquele país frente ao Japão e à Coreia.

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(32) A desagregação do socialismo real, na dé-cada de 90 do século XX, está diretamente associada às reformas políticas (glasnost) e econômicas (perestroika) desencadeadas no governo Gorbatchev, com o objetivo de modernizar o poder monolítico instalado na União Soviética pelos governos anteriores.

(64) A Cuba socialista, embora sofrendo o blo-queio econômico mantido pelos Estados Unidos, tem conseguido contornar as dificul-dades dessa barreira, estabelecendo acordos comerciais e de investimentos com países da América Latina e da União Europeia.

5. (UFMA) O modo de produção que se caracteriza pela relação entre trabalho assalariado e capital é definido como modo de produção:

a) asiático.

b) camponês.

c) mercantilista.

d) capitalista.

e) socialista.

6. (UFU – MG) A teoria de Karl Marx sustenta que a alienação (ou estranhamento) no capitalismo relaciona-se:a) a uma dimensão inelutável de toda e qualquer

sociedade humana, uma vez que o trabalho alienado é condição natural do homem.

b) estritamente à esfera econômica, não com-portando desdobramentos sobre os outros momentos da totalidade social.

c) fundamentalmente ao fenômeno do Estado, porque este cria o fetichismo da mercadoria.

d) como primeira manifestação, à separação entre o produtor direto e estas dimensões: o produto do trabalho, o processo do trabalho, outros produtores diretos, o gênero humano.

7. (UEG – GO) “Homem livre e escravo, patrício e plebeu, se-nhor e servo, mestre de corporação e compa-nheiro, numa palavra o opressor e o oprimido permaneceram em constante oposição um ao outro, levada a efeito numa guerra ininterrupta, que terminou, cada vez, ou pela reconstrução re-volucionária de toda sociedade ou pela destrui-ção das classes em conflitos.”

O trecho acima citado manifesta a teoria socio-lógica da:

a) racionalização e especialização das esferas, de Max Weber.

b) passagem da solidariedade mecânica para a solidariedade orgânica, de Émile Durkheim.

c) luta de classes, de Karl Marx.

d) evolução social, de Herbert Spencer.

8. (UEG – GO) Enquadrar as pessoas em determinada classe so-cial é sempre um processo arbitrário, no Brasil e em qualquer país. Alguns pesquisadores usam como critério apenas a renda. Outros levam em conta fatores como patrimônio, ocupação ou ní-vel de escolaridade. Em sua pesquisa, a FGV de-finiu como classe média as famílias com renda mensal entre R$ 1.065 e R$ 4.591.

Esse universo de 100 milhões de brasileiros é for-mado sobretudo pelos ex-pobres que acabam de pôr o pé na classe média. Alguns estudiosos chamam esse segmento de classe média baixa, outros falam em classe C. Para muitos, é difícil classificá-los. O certo é que melhoraram de vida. Anos atrás, não tinham conta em banco, consu-miam apenas o essencial e seu principal objetivo na vida era chegar ao fim do mês com as contas pagas. Hoje, estão comprando o primeiro carro zero, construindo um cômodo a mais na casa, se vestem melhor. “Nossa maneira de olhar a clas-se média é meio americana”, diz o economista Marcelo Neri, coordenador da pesquisa e diretor do Centro de Políticas Sociais da FGV. “A classe média tradicional brasileira sempre comparou seu poder aquisitivo ao dos países desenvolvidos”.

Época. São Paulo, 11 ago. 2008. p. 94-95.

De acordo com as teorias sociológicas de Max Weber e Karl Marx, a análise apresentada no texto acima relaciona a posição social com qual conceito?

a) O conceito marxista de classes sociais. b) O conceito marxista de grupos de status. c) O conceito weberiano de castas e estamentos.

d) O conceito weberiano de grupos de status.

9. (UEM – PR) Na verdade, a sociologia, desde o seu início, sem-pre foi algo mais do que uma mera tentativa de reflexão sobre a sociedade moderna. Suas expli-cações sempre contiveram intenções práticas, um forte desejo de interferir no rumo desta civiliza-ção. Se o pensamento científico sempre guarda uma correspondência com a vida social, na socio-logia esta influência é particularmente marcante.

MARTINS, Carlos B. O que é Sociologia. São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 8.

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Tendo como referência o texto acima e seus co-nhecimentos sobre o surgimento da Sociologia, assinale o que for correto:

(01) A análise da sociedade moderna se deu a partir de um debate harmonioso e consen-sual entre diferentes pensadores.

(02) A sociologia tem uma dimensão política, e seus conceitos e suas teorias contribuem para manter ou alterar as relações de poder existentes na sociedade.

(04) As duas Revoluções do século XVIII, a Indus-trial e a Francesa, são marcos importantes para pensar a instalação definitiva da socie-dade capitalista.

(08) As consequências da rápida industrialização e urbanização do capitalismo (prostituição, suicídio, alcoolismo, infanticídio, crimina-lidade, violência, epidemias, etc.) não são objetos de reflexão sociológica.

(16) As explicações sociológicas devem buscar a neutralidade científica, evitando interfe-rir nos rumos escolhidos por determinados grupos sociais.

10. (UEL – PR) Leia o texto a seguir:Do ponto de vista do cidadão, a equação de tra-balhar sem prazer para viver livremente nos pe-ríodos de folga é dura demais, se considerarmos que passamos mais de 60% do dia envolvidos com o trabalho. E, como não há notícia de um ser humano que tenha conseguido desligar o cé-rebro durante suas tarefas, somos nós mesmos durante o labor.

Dá pra ser feliz no trabalho? Época, 13 jul. 2009. p. 68.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre a visão sociológica do trabalho, considere as afir-mativas a seguir:

I. Segundo a teoria marxista, só é possível ava-liarmos que “passamos mais de 60% de nos-sas vidas envolvidos com o trabalho” devido à organização capitalista que, em razão da propriedade privada dos meios de produção e do assalariamento, separa tempo de traba-lho e tempo de não trabalho.

II. Para Max Weber, o desafio da explicação sociológica era o de reconstruir o processo por meio do qual se passou a aceitar o tra-balho de forma disciplinada com um fim em si mesmo, tornando-o passível de uma ava-liação moral positiva. Foi essa sua intenção ao analisar as afinidades eletivas do trabalho capitalista com a ética protestante.

III. O sentimento do trabalhador em relação à sua atividade estava ausente nas ideias da sociologia clássica, já que a felicidade ou não dos sujeitos no trabalho é uma preocupação da sociedade contemporânea globalizada, que se baseia em valores individualistas e he-donistas.

IV. Segundo a linha de explicação de Émile Durkheim, a questão do prazer ou felicida-de no trabalho não depende diretamente do número de horas trabalhadas, mas se há uma compreensão em cada indivíduo da importância de cada um no trabalho geral, em que exercemos nossa individualidade, “somos nós mesmos na execução de nossas especialidades”.

Assinale a alternativa correta:

a) Somente as afirmativas I e IV são corretas.b) Somente as afirmativas II e III são corretas.c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.

11. (UEL – PR) Leia o texto a seguir e responda à questão:Ao separar completamente o patrão e o empre-gado, a grande indústria modificou as relações de trabalho e apartou os membros das famílias, antes que os interesses em conflito conseguis-sem estabelecer um novo equilíbrio. Se a função da divisão do trabalho falha, a anomia e o perigo da desintegração ameaça todo o corpo social e quando o indivíduo, absorvido por sua tarefa se isola em sua atividade especial, já não percebe os colaboradores que trabalham ao seu lado e na mesma obra, nem sequer tem ideia dessa obra comum.

DURKHEIM, E. A divisão social do trabalho. Apud QUINTEIRO, T.; BARBOSA, M. L. O.; OLIVEIRA, M. G. M. Toque de Clássi-cos. vol. 1. Durkheim, Marx e Weber. Belo Horizonte: UFMG, 2007. p. 91.

De acordo com K. Marx, uma situação seme-lhante à descrita no texto, em que trabalhadores isolados em suas tarefas no processo produtivo “não percebem seus colaboradores na mesma obra, nem tem ideia dessa obra comum, é expli-cada pelo conceito de:

a) alienação.b) ideologia.c) estratificação social.d) anomia social.e) identidade social.

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