Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as...

5
28 Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018 Introdução M uitas são as estratégias de ensino que os professores buscam implementar para mo- tivar seus alunos a estudar física. Principalmente quando desejamos trans- mitir uma imagem sobre a ciência e o processo de construção do conhecimento científico mais próximos da realidade, a utilização da investigação ou ensino a partir de problemas, aliados à experimen- tação tem se mostrado uma alternativa promissora: Investigando a partir de atividades experimentais, o professor promove o interesse dos alunos com situações pro- blematizadoras. É exatamente a tenta- tiva de resposta a essas questões, a qual leva à elaboração de hipóteses (con- cepções prévias), que inicia o processo de construção do conhecimento cientí- fico de forma ativa e investigativa, e não apenas paciente. A realização do experimento, a análise dos resultados obtidos e a pesquisa documental cor- roboram ou não as hipóteses, prática pela qual se estimula a interação entre os colegas e com o professor, de modo que se discutam tentativas de explicar determinado conceito ou fenômeno científico e não se imponha determi- nada visão pronta, abstrata [1, p. 44]. Fenômenos elétricos são comuns em nosso cotidiano, só que na maioria dos casos eles passam despercebidos. Quem, ao aproximar o braço da tela de um tele- visor de tubo em funcionamento, não sentiu os pelos serem atraídos por ele? Ou quando em dias muito secos ao manusear sacolas plásticas, daquelas que se usam em supermercados e nas bancas de ver- duras, não sentiu os pelos no braço serem atraídos por ela? De acordo com Assis [2]: [...] foi com experiências do mesmo tipo que teve início toda a ciência da eletricidade! Desde Platão (aproxima- damente 428-348 a.C.), pelo menos, já se conhecia que o âmbar atritado atrai corpos leves colocados em suas redondezas[...] [2, p.7]. O estabelecimento da Lei de Coulomb Ao redor de dois milênios depois, segundo Chaves [3], coube a Charles Augustin Coulomb (1736-1806) desen- volver um aparato experimental (balança de torção, ver Fig. 1) utilizado para medir forças entre cargas elétricas e relacionar o comportamento dessa força com a dis- tância entre as cargas. E após realizar medidas diretas ele pôde assim demons- trar, em 1785, a lei do inverso quadrado para forças elétricas. Este autor afirma que: [...] Contrariamente ao que às vezes se afirma Coulomb foi incapaz de de- Ronaldo Furtado de Oliveira Programa de Mestrado em Ensino na Educação Básica, CEUNES/UFES, São Mateus, Espírito Santo, Brasil. E-mail: [email protected] Marcia Regina Santana Pereira Programa de Mestrado em Ensino na Educação Básica, CEUNES/UFES, São Mateus, Espírito Santo, Brasil. E-mail: [email protected] Neste trabalho foi realizada uma atividade ex- perimental utilizando um aparato histórico (versório de Gilbert), com o objetivo de verificar experimentalmente o comportamento da força elétrica resultante entre duas cargas em repouso, em função da distância entre elas. Na introdução são dados exemplos de manifestação fenome- nológica do cotidiano de formas de eletrização e força elétrica, assim também como uma pe- quena abordagem histórica sobre o assunto. No decorrer do trabalho foram explorados conceitos físicos e matemáticos. Também foi utilizado um software matemático para desenho de funções chamado GeoGebra. No tópico aparato experi- mental foi relacionado todo o material necessário para a realização da atividade, assim como a explicação detalhada da construção dos apara- tos, e também dicas de onde esses materiais pos- sam ser encontrados. No tópico procedimento experimental foi detalhada passo a passo toda a realização do experimento. Na análise dos dados foram discutidos os resultados obtidos por medidas diretas e experimentais. Foram abor- dados vários conceitos físicos e matemáticos, assim como a construção de aparatos experi- mentais utilizando material acessível e de baixo custo. Espera-se que esse trabalho seja uma fer- ramenta importante para que professores de física do ensino médio e superior possam tra- balhar conceitos físicos de forma experimental. O versório de Gilbert magnetizado Figura 1: Balança de torção desenvolvida por Coulomb e por ele utilizada para medir forças entre cargas elétricas. Fonte: Ref. [3].

Transcript of Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as...

Page 1: Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as linhas de forças produzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3). Nesse caso, o versório

28 Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018

Introdução

Muitas são as estratégias deensino que os professoresbuscam implementar para mo-

tivar seus alunos a estudar física.Principalmente quando desejamos trans-mitir uma imagem sobre a ciência e oprocesso de construção do conhecimentocientífico mais próximos da realidade, autilização da investigação ou ensino apartir de problemas, aliados à experimen-tação tem se mostrado uma alternativapromissora:

Investigando a partir de atividadesexperimentais, o professor promove ointeresse dos alunos com situações pro-blematizadoras. É exatamente a tenta-tiva de resposta a essas questões, a qualleva à elaboração de hipóteses (con-cepções prévias), que inicia o processode construção do conhecimento cientí-fico de forma ativa e investigativa, enão apenas paciente. A realização doexperimento, a análise dos resultadosobtidos e a pesquisa documental cor-roboram ou não as hipóteses, práticapela qual se estimula a interação entreos colegas e com o professor, de modoque se discutam tentativas de explicardeterminado conceito ou fenômenocientífico e não se imponha determi-nada visão pronta, abstrata [1, p. 44].

Fenômenos elétricos são comuns emnosso cotidiano, só que na maioria doscasos eles passam despercebidos. Quem,ao aproximar o braço da tela de um tele-visor de tubo em funcionamento, nãosentiu os pelos serem atraídos por ele? Ouquando em dias muito secos ao manusearsacolas plásticas, daquelas que se usamem supermercados e nas bancas de ver-duras, não sentiu os pelos no braço serematraídos por ela? De acordo com Assis [2]:

[...] foi com experiências do mesmo tipoque teve início toda a ciência da

eletricidade! Desde Platão (aproxima-damente 428-348 a.C.), pelo menos,já se conhecia que o âmbar atritadoatrai corpos leves colocados em suasredondezas[...] [2, p.7].

O estabelecimento da Lei deCoulomb

Ao redor de dois milênios depois,segundo Chaves [3], coube a CharlesAugustin Coulomb (1736-1806) desen-volver um aparato experimental (balançade torção, ver Fig. 1) utilizado para medirforças entre cargas elétricas e relacionar ocomportamento dessa força com a dis-tância entre as cargas. E após realizarmedidas diretas ele pôde assim demons-trar, em 1785, a lei do inverso quadradopara forças elétricas. Este autor afirmaque:

[...] Contrariamente ao que às vezes seafirma Coulomb foi incapaz de de-

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Ronaldo Furtado de OliveiraPrograma de Mestrado em Ensino naEducação Básica, CEUNES/UFES, SãoMateus, Espírito Santo, Brasil.E-mail: [email protected]

Marcia Regina Santana PereiraPrograma de Mestrado em Ensino naEducação Básica, CEUNES/UFES, SãoMateus, Espírito Santo, Brasil.E-mail: [email protected]

Neste trabalho foi realizada uma atividade ex-perimental utilizando um aparato histórico(versório de Gilbert), com o objetivo de verificarexperimentalmente o comportamento da forçaelétrica resultante entre duas cargas em repouso,em função da distância entre elas. Na introduçãosão dados exemplos de manifestação fenome-nológica do cotidiano de formas de eletrização eforça elétrica, assim também como uma pe-quena abordagem histórica sobre o assunto. Nodecorrer do trabalho foram explorados conceitosfísicos e matemáticos. Também foi utilizado umsoftware matemático para desenho de funçõeschamado GeoGebra. No tópico aparato experi-mental foi relacionado todo o material necessáriopara a realização da atividade, assim como aexplicação detalhada da construção dos apara-tos, e também dicas de onde esses materiais pos-sam ser encontrados. No tópico procedimentoexperimental foi detalhada passo a passo toda arealização do experimento. Na análise dos dadosforam discutidos os resultados obtidos pormedidas diretas e experimentais. Foram abor-dados vários conceitos físicos e matemáticos,assim como a construção de aparatos experi-mentais utilizando material acessível e de baixocusto. Espera-se que esse trabalho seja uma fer-ramenta importante para que professores defísica do ensino médio e superior possam tra-balhar conceitos físicos de forma experimental.

O versório de Gilbert magnetizado

Figura 1: Balança de torção desenvolvidapor Coulomb e por ele utilizada para medirforças entre cargas elétricas. Fonte: Ref. [3].

Page 2: Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as linhas de forças produzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3). Nesse caso, o versório

29Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018

monstrar que a força é proporcionalao produto das cargas, pois não dis-punha de um método independente demedir a carga elétrica. Assim, a lei deCoulomb, conforme anunciado abaixo,foi inferida por analogia com a lei dagravitação [3, p.7].

Uma partícula de carga q1, no pontor11111, exerce sobre uma partícula com cargaq2, no ponto r22222 e em repouso em relação àprimeira, uma força F dada por:

(1)

Desenvolvendo o experimento

O objetivo principal deste trabalho éfornecer uma ferramenta para que pro-fessores de física do Ensino Médio e doEnsino Superior possam com seus alunosinvestigar experimentalmente a relação daforça elétrica entre duas cargas em repou-so com a distância entre elas. Trabalharcom o regate de um experimento históricopara pesquisar algum fenômeno físico deformar contextualizada poderá ser umaferramenta muito importante para des-pertar nos alunos o interesse pela ciênciae pelo método científico. De acordo com[4 p.1139].

[...] a reprodução de experimentos his-tóricos relevantes constitui recursosque podem contribuir grandementepara que os estudantes tenham o seuinteresse despertado para a construçãode novos conhecimentos e, além disso,compreendam alguns aspectos ine-rentes às ciências, como o seu caráterempírico, que deve ser abordado de mo-do contextualizado.

E isso poderá ser feito utilizandomaterial de baixo custo e de fácil aquisição.Para isso, vamos utilizar um aparato ex-perimental histórico chamado versório,que foi idealizado por William Gilbert(1544-1603), segundo Assis [2]:

O termo versório vem de uma palavralatina, versorium, que tem o significado deinstrumento girador ou aparato girante.O versório é um instrumento que normal-mente consiste de duas partes: um mem-bro vertical, que age como um suporte fixoem relação à Terra, e um membro hori-zontal capaz de girar livremente sobre oeixo vertical definido pelo suporte [3, p. 26].

O membro horizontal pode ser feitode vários materiais como madeira, plás-tico e metal. Para este trabalho foi esco-lhido o metal para confeccionar o membrohorizontal, um colchete n° 06, e para omembro vertical um alfinete n° 32 e umaborracha como base de fixação (Fig. 2).

Como o colchete pode girar livremen-

te em relação à base, o versório é um ins-trumento muito sensível a torques ex-ternos muito pequenos. Portanto, pode serutilizado para detectar torques exercidospela a força elétrica de um corpo eletri-zado. A aproximação de um corpo eletri-zado de uma das extremidades do versórioinduz uma redistribuição de cargas nele,atraindo às cargas de sinal oposto as car-gas do corpo eletrizado, para a extremi-dade do versório mais próxima a ele, e ex-pulsando as cargas de mesmo sinal paraa extremidade mais afastada. Isso faz comque a extremidade do versório mais pró-xima ao corpo seja atraída por ele e aextremidade mais afastada seja repelida.Como o movimento do versório é perpen-dicular à força gravitacional, essa nãoexerce torque sobre ele. A única força res-ponsável pelo torque é a força elétrica en-tre a carga do corpo eletrizado e a cargainduzida no versório. Assim o versóriotende a alinhar-se com as linhas de forçasproduzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3).

Nesse caso, o versório é capaz de veri-ficar se um corpo está eletrizado e mostrara direção das linhas de força do campoelétrico emitido por ele, embora seja maisdifícil saber a intensidade da força elétricaexistente entre o corpo eletrizado e o ver-sório, tampouco fazer uma relação entrea intensidade da força elétrica e a distânciaentre a carga induzida no versório e a car-ga do corpo eletrizado.

Uma alternativa é magnetizarmos oversório, assim ele sentirá a presença daforça magnética, que de maneira análogaexercerá um torque sobre ele. Na ausência

de um corpo eletrizado nas proximidadesdo versório magnetizado, o mesmo seposicionará paralelamente às linhas decampo magnético da Terra, comportando-se como uma bússola.

Se colocarmos um corpo eletrizadonas proximidades de uma das extremi-dades do versório magnetizado, ele estarásob a ação de ambas as forças, portantonem se alinhará na direção das linhas decampo de força elétrica nem paralelamenteàs linhas do campo magnético da Terra.Nesse caso o versório estará sob a ação daforça resultante e sua orientação formaráum ângulo Ω diferente de zero, com aslinhas do campo magnético da Terra, equanto mais próximo o corpo carregadoficar do versório, maior será esse ângulo(Fig. 4).

Podemos considerar constante o mó-dulo da força magnética que atua sobre oversório magnetizado, assim quantomaior o ângulo que o versório faz com aslinhas de campo magnético, maior será omódulo da força elétrica que atua sobreele. Assim, se variarmos a distância entreo corpo eletrizado e o versório magneti-zado, variamos também o módulo da for-ça elétrica exercida entre eles, podendoentão relacionar a força elétrica com a dis-tância entre as cargas.

Montagem do aparato experimental

Para a realização desse experimentoserão utilizados os seguintes itens:

• 1 borracha escolar;• 2 alfinetes número 32;• 1 colchete número 06;• 1 folha de papel milimetrado;• 1 folha de isopor 20 cm × 20 cm;• 100 m de fio de cobre esmaltado de

0,5 mm de diâmetro;• 1 carretel de plástico;• 1 transformador 127 V alternado

para 12 V contínuo;• 1 fita crepe;• 1 mangueira de polietileno de 8mm

de diâmetro por 25 cm de compri-mento;

O versório de Gilbert magnetizado

Figura 2: Versório montado com borra-cha, alfinete no 32 e colchete no 06.

Figura 3: Corpo eletrizado próximo aoversório e induzindo uma redistribuiçãode cargas nele, fazendo com ele se alinhecom as linhas de força elétrica emitida pelocorpo.

Figura 4: Ângulo Ω que o versório faz comas linhas de campo magnético terrestre(em vermelho), na presença de umamangueira de polietileno eletrizada.

Page 3: Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as linhas de forças produzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3). Nesse caso, o versório

30 Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018

• 1 régua de 30 cm.

O versório

Primeiramente montamos a base,utilizando o alfinete e a borracha. É muitoimportante que o alfinete fique centrali-zado e perpendicular à superfície da bor-racha, conforme a Fig. 5B, para não mas-carar as medidas diretas.

Para a montagem do membro hori-zontal do versório vamos utilizar o colcheten° 06, primeiramente desdobrando-o edepois, com o auxílio de um prego 12 × 12e um martelo, fazendo uma saliência emseu centro, conforme a Fig. 5A.

Devemos ter cuidado para que o pre-go não fure o colchete, pois a saliência ser-virá de apoio giratório para a ponta doalfinete. Para que o versório fique estabi-lizado na horizontal, a saliência feita como prego deve ficar o mais próximo possíveldo centro de massa do colchete. Para issopodemos fazer duas retas diametralmenteopostas, conforme a Fig. 5A, para marcaro ponto onde a saliência deve ser feita. Epara abaixar o centro de massa podemosdobrar o colchete na forma de um V inver-tido conforme a Fig. 5B, o que lhe darámais estabilidade. Depois do versóriomontado, ele ficará conforme a Fig. 5B.

Depois de montado o versório, pre-cisamos magnetizá-lo para que ele sintaa presença da força magnética gerada pelocampo magnético da Terra. Para tal tarefapodemos utilizar um ímã natural ou ar-tificial ou um solenoide. Para este trabalhofoi utilizado um solenoide para magne-tizar o versório.

A construção do solenoide

Para a construção do solenoide vamosprecisar de 100 m de fio de cobre esmal-tado de 0,5 mm de diâmetro e um carretelde plástico. O fio de cobre esmaltado éaquele utilizado no rebobinamento de mo-tores elétricos e o carretel é aquele em quevem a solda branca utilizada em circuitoseletrônicos. Ambos podem ser encontradosem oficinas de rebobinamento de motores.

A fim de se formar um solenoide,deve-se enrolar o fio de cobre no carretel edevem sobrar duas pontas de fio de maisou menos 5 cm (Fig. 6); elas serão utili-zadas para conectar o transformador de

127 V alternado para 12 V contínuo.

Magnetização do versório

Para magnetizar o versório vamosutilizar o solenoide feito com o carretel, ofio de cobre e o transformador. Pegue ocolchete que foi utilizado como membrohorizontal do versório, e introduza umade suas extremidades no orifício do sole-noide, conforme vemos na Fig. 6; conecteo solenoide ao transformador na saída de12 V contínuo e logo após ligue o trans-formador na tomada de 127 V. Espere uns5 segundos e o versório estará magneti-zado. Esse solenoide será muito útil paramagnetizar chaves de fenda e philips quepoderão serem usadas para segurar pe-quenos parafusos.

Depois de magnetizado, o versório secomportará como uma bússola, sendoque o polo norte da bússola será atraídopelo polo sul magnético da Terra e o polosul da bússola será atraído pelo polo nortemagnético da Terra. Assim, o versório sealinhará paralelamente às linhas de campomagnético da Terra.

Corpo eletrizado

Neste trabalho foi utilizado como cor-po eletrizado uma mangueira de polieti-leno de 8 mm de diâmetro por 25 cm decomprimento, facilmente encontrada emlojas de material para irrigação, e fixamosum alfinete no 32 utilizando cola quentena base da mangueira (Fig. 7). Esse alfinetena base da mangueira será útil para fixara mangueira perpendicularmente ao planoque contém o papel milimetrado e a folhade isopor.

Base do aparato experimental

Para a base do aparato experimentalfoi utilizada uma folha de isopor de20 cm × 20 cm e uma folha de papel mili-metrado; para fixar o papel na folha deisopor, foi utilizado alfinete do tipo per-cevejo, encontrado facilmente em pape-laria. É importante não utilizar cola para

fixar o papel milimetrado no isopor parafacilitar a troca do papel milimetrado, casoseja necessário repetir o experimentoutilizando outra folha.

Preparação do aparato experi-mental

Primeiramente preparamos a base, fi-xando o papel milimetrado na folha deisopor; depois fizemos um furo com o al-finete da mangueira de polietileno nocentro da base, coincidindo com uma daslinhas do papel milimetrado. Isso seráimportante para alinharmos essa linha dopapel milimetrado com as linhas de campomagnético da Terra, cuja direção seráindicada pelo versório magnetizado.Depois, medimos o comprimento do col-chete, que foi utilizado como membrohorizontal do versório, partindo da saliên-cia até uma de suas extremidades. Utili-zando essa medida como raio, fizemos umcírculo com o centro, coincidindo com ofuro feito no cetro da base: esse círculoserá importante para marcarmos a posi-ção que a extremidade do versório mag-netizado apontará na presença da man-gueira de polietileno eletrizada.

Para variar a distância da mangueiraeletrizada da extremidade do versório, fo-ram feitos alguns furos na base com espa-çamento de 5 mm utilizando um alfinete,partindo da extremidade do versório até aborda da base (Fig. 8).

Para eletrização da mangueira de poli-etileno, foi utilizada uma folha de papelA4, mas podem-se usar diversos materiaiscomo: flanela de algodão, pedaço de panode seda, pano de lã etc. A natureza domaterial utilizado para eletrizar a man-gueira pode influenciar na quantidade eno sinal da carga adquirida por ela. O si-nal da carga, no entanto, não influenciana intensidade do torque que a força elé-trica exerce sobre o versório, mas a quan-

O versório de Gilbert magnetizado

Figura 5: Em A, versório desdobrado comuma saliência no centro e em B, versóriodobrado em forma de V invertido.

Figura 6: Versório sendo magnetizado pelosolenoide.

Figura 7: Mangueira de polietileno comum alfinete no 32 fixado na base.

Figura 8: Base com furos espaçados de 5em 5 mm, para a movimentação damangueira eletrizada.

Page 4: Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as linhas de forças produzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3). Nesse caso, o versório

31Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018

tidade de carga sim. É importante que amangueira seja eletrizada em um pontoque fique na mesma altura do membrohorizontal do versório, para que o mesmofique estabilizado na horizontal (Fig. 3).Isso ocorre porque o polietileno é ummaterial isolante, que não permite que ascargas elétricas se desloquem com facili-dade, assim elas se manterão na mesmaregião em que foram ‘produzidas’ poratrito.

Procedimento experimental

Primeiramente, alinhamos as linhasdo papel milimetrado da base com aslinhas do campo magnético da Terra.Depois, a mangueira de polietileno foi atri-tada com uma folha de papel A4 atéadquirir uma carga que, ao aproximar doversório magnetizado, exercesse um tor-que sobre ele, fazendo-o girar em seu pró-prio eixo na direção dela. Ao verificar quea mangueira atingiu um grau de eletri-zação satisfatório, alinhamos o versórionovamente com a reta norte, representadana Fig. 8, e então aproximamos a man-gueira eletrizada da extremidade do ver-sório, utilizando os furos feitos na base,até que ele começasse a girar em torno deseu próprio eixo. Em seguida, com o auxí-lio de um lápis de madeira, marcamos aposição em que a extremidade do versórioparou. Essa posição foi denominada B01eo furo em que a mangueira eletrizadaficou foi nomeado de A01; depois, a man-gueira foi para o próximo furo, denomi-nado A02, e o versório girou mais umpouco em torno de seu próprio eixo. Essanova posição da extremidade do versóriofoi denominada B02, e assim sucessiva-mente até a posição da mangueira A06 e

da extremidade do versório B06, conformepodemos ver na Fig. 9.

Utilizando uma régua, tomamos asmedidas diretas de distância entre os pon-tos A01 e B01, A02 e B02, A03 e B03,A04 e B04, A05 e B05 e A06 e B06 daFig. 9 e, de posse dessas medidas, foipreenchida a Tabela 1.

Sabemos que o campo magnético daTerra é mais forte nos polos e vai enfra-quecendo à medida que se aproxima dalinha do equador. Se circundarmos a Terracom uma linha imaginária perpendicularàs linhas de campo magnético, teremosque o campo é constante ao longo dessalinha. Assim, considerando que asdimensões do experimento são desprezí-veis em relação à variação do campo mag-nético, podemos considerar constante omodulo da força magnética Fm que atuana extremidade do versório magnetizado.

Desenhando um vetor Fm de móduloarbitrário nos pontos B01 a B02 (Fig. 11),vemos então que as forças que atuam na

O versório de Gilbert magnetizado

Figura 9: Marcação das posições da mangueira eletrizada em relação às posições daextremidade do versório, os pontos de A01 a A06 representam as posições da mangueiraeletrizada; os pontos de B01 a B06, as posições em que a extremidade do versório parou,e as retas tracejadas, as distâncias entre eles.

Figura 10: As linhas de campo magnético representadas em vermelho, as linhas de forçaelétrica representadas em azul, o vetor força magnética representado em vermelho, o vetorforça elétrica representado em azul e o vetor força resultante representado em preto.

extremidade do versório em cada pontosão as forças magnética Fm e elétrica Fele.Assim, o versório vai apontar na direçãoda força resultante Fr, como podemos verna (Fig. 10).

Assim, sabendo, que o vetor Fm é cons-tante e que o versório aponta na direção daforça resultante da soma das forças elétricae magnética, desenhamos, utilizando aregra do paralelogramo, um vetor forçaelétrica Fele nos pontos de B01 a B06, comopodemos observar na Fig. 11.

Com o auxílio da Fig. 11 e utilizandouma régua, foram tiradas as medidas dire-tas do modulo do vetor da força elétrica,representada em vermelho na (Fig. 11), e deposse desses dados preenchemos a Tabela 1.

De posse dos dados da Tabela 1, cons-truímos o gráfico da força elétrica Fm emfunção da distância. Para o esboço dessegráfico foi utilizado o programa Geogebra.Na janela de comando do programa es-crevemos a função , depois adicio-namos uma constante de proporciona-lidade à função, até a curva do gráfico seajustar aos pontos coletados experimen-talmente, como podemos ver a Fig. 12.

Análise dos dados

O principal objetivo deste trabalho foiinvestigar experimentalmente o compor-tamento da força elétrica entre duas cargasem repouso, em função da distância en-tre elas. Isso foi demostrado experimen-talmente por Coulomb em 1785, utilizan-

Tabela 1: Dados experimentais das medi-das diretas da distância e do módulo daforça.

Distância (mm) Fele (mm)

63,6 1,256.5 1,847,5 3,139,7 4,832,5 7,725,6 14,9

Page 5: Introdução eletricidade! Desde Platão (aproxima- M · 2019-12-16 · tende a alinhar-se com as linhas de forças produzidas pelo corpo eletrizado (Fig. 3). Nesse caso, o versório

32 Física na Escola, v. 16, n. 1, 2018

Referências

[1] M.C. Batista, P.A. Fusinato and R.B. Blini,Acta Scientiarum. Human and SocialSciences 31, 43 (2009).

[2] A.K.T. Assis, Os Fundamentos Experi-mentais e Históricos da Eletricidade(Livraria da Física, São Paulo, 2011),266 p.

[3] A. Chaves, Física Básica: Eletromag-netismo (LTC, Rio de Janeiro, 2007).

[4] A.J. de J. Santos, M.R. Voelzke e M.S.T.de Araújo, Caderno Brasileiro deEnsino de Física 29, 1137 (2012).

O versório de Gilbert magnetizado

do um aparato experimental chamado de“balança de torção”. Assim, não houvepreocupação em quantificar o módulo daforça elétrica, mas só o comportamentodela quando se varia a distância entre ascargas. Não foi feita também a propaga-ção de erro nas medidas diretas, já que oobjetivo do trabalho não era quantificar.

De acordo com os dados experimen-tais obtido e a análise gráfica vetorial, foiobservado o decaimento da força elétricaresultante entre a mangueira e a pontado versório eletrizado, bem próxima doinverso do quadrado da distância. Essecomportamento aproximado com o in-verso do quadrado da distância é razoávelse levarmos em consideração que foitrabalhada a atração entre um isolante ele-trizado e um condutor que tem cargas in-duzidas devido à presença do isolanteeletrizado. Nesse caso, a quantidade decargas que ficam na ponta do versório não

Figura 11: Vetor força magnética representada em azul, vetor força elétrica representadoem vermelho e força resultante representado em preto apontando ao longo da direçãodo versório. As posições de A01 a A06 são as posições em que a mangueira eletrizadaficou posicionada; as posições de B01 a B06, as posições em que o versório ficou, e alinha pontilhada, as distâncias entre os pontos.

é constante. Assim, quanto mais próximado versório está a mangueira de polietilenoeletrizada, maior será a quantidade decargas induzidas no versório, fazendo comque a força resultante entre a mangueirae a ponta do versório eletrizado não varieexatamente com o inverso do quadradoda distância. Na seção 7.10 do livro Osfundamentos experimentais e históricos daeletricidade, Assis [2] traz uma discussãosobre esse assunto.

Só foi possível investigar experimen-talmente o comportamento da forçaelétrica entre duas cargas em repouso coma distância entre elas utilizando um ver-sório magnetizado porque a força magné-tica que atua na extremidade do membrohorizontal permanece constante em mó-dulo e direção, independendo da posiçãoda extremidade do membro horizontal doversório. Assim, a força magnética podeser utilizada como força restauradora,

Figura 12: Gráfico da força elétrica em função da distância.

que, na ausência de outras forças,mantém o versório magnetizado apon-tando sempre na direção norte-sul. O ve-tor força magnética que atua na extremi-dade do versório é constante em móduloe direção. Sabendo que o versório apontana direção da força resultante da soma dasforças elétrica e magnética, foi possível de-senhar um vetor força elétrica para cadaponto em que a extremidade do versórioparou em função da aproximação damangueira eletrizada, tornando possívela análise gráfica vetorial dos resultados.

Conclusão

Este trabalho baseou-se em umexperimento histórico datado do século XVIe utilizou material de baixo custo. Esseprocedimento pode ser muito proveitoso.A construção do aparato experimental nospermite trabalhar com conceitos físicos taiscomo: força elétrica, decomposição de for-ças, linhas de campo elétrico, eletrizaçãopor atrito, indução de cargas, força mag-nética, linhas de campo magnético da terra,magnetização, centro de massa, equilíbriode um corpo rígido e torque. Também fo-ram explorados conceitos matemáticoscomo; análise vetorial, lei do paralelogramoe análise gráfica de uma função.

Esperamos que esse trabalho possa serutilizado por professores do ensino médioe superior, a fim de fornecer uma ferra-menta que torne o ensino de física maisatraente para os alunos. Também poderáser usado de forma interdisciplinar, pois sãoabordados conceitos físicos, matemáticose de artes na construção dos equipamentos.É muito importante que o professor, ao su-gerir a realização desse trabalho, enfatizeque cada aluno construa seu próprio apa-rato experimental, já que o custo para cons-truí-lo é muito baixo e o material é de fácilaquisição. Além disso, o processo de cons-trução desse aparato experimental já seráum aprendizado enorme para eles. Assim,cada aluno poderá levar esse material paracasa e realizar os experimentos para fami-liares e amigos, tornando possível que cadaum deles seja um disseminador da ciência.