Introduzindo Alice

7/25/2019 Introduzindo Alice

1/15

3

Introduzindo Alice

Ilustrao do livro

Alice no pas das Maravilhas um dos maiores clssicos da literatura

fantstica. O livro, que de incio parece uma simples histria, ganha maiores

contornos discursivos ao longo dos seus treze captulos. No romance, uma

menina chamada Alice cai em uma toca de coelho e vai parar num local

fantstico habitado por diversas criaturas igualmente fantsticas.

H inmeras interpretaes para o livro. Uma delas que a obra representa a

passagem tempestuosa entre a infncia e a adolescncia, cheia de situaes

inesperadas. A histria tambm um dos maiores clssicos do gnero

nonsense, uma expresso de lngua inglesa que denota situaes sem nexo,

perturbadoras e sem sentido.

Ao longo da histria da literatura mundial, muitos escritores criaram histrias

fantsticas e, consequentemente, personagens tambm, estes, repletos de

simbologia, que ganharam fora com passar dos anos, cristalizados no

imaginrio mundial atravs da comunicao entre a literatura e outras

linguagens, principalmente o cinema. uma das obras da literatura de lngua

inglesa com maior nmero de tradues intersemiticas, ficando atrs apenas


2/15

4

dos clssicos universais de William Shakespeare e da obra romntica da

escritora Jane Austen.

A histria de Alice foi criada em 1862, quando Lewis Carrol (pseudnimo de

Charles Lutwidge Dodgson) realizou um passeio pelo rio Tmisa com a suagrande amiga Alice Liddell, acompanhada de suas duas irms. Durante o

percurso, atravs dos dilogos e histrias fantsticas narradas para matar o

tempo, a pequena Alice solicitou ao escritor que escrevesse um conto. A obra

ganhou sucesso na poca e, por ter o aval de representantes da literatura,

como o escritor Oscar Wilde, e da poltica, como a Rainha Vitria, a histria de

Alice foi traduzida para mais de cinquenta lnguas, ganhando o mundo e

influenciando diversos escritores na posteridade, entre eles, os brasileiros

Guimares Rosa, Maria Clara Machado e Monteiro Lobato. O argentino JorgeLuis Borges tambm, num trecho que ser mais bem explicitado na prxima

parte deste especial.

Alice Liddel, inspirao para Lewis

Carroll escrever a fantstica histria em 1862.

Apesar de parecer uma simples histria, Alice no pas das Maravilhas uma

obra extremamente profunda, inquietante, fantstica e que talvez tenha se

tornado to popular devido a simplificao e filtros que a linguagem

cinematogrfica adotou em todas as transposies realizadas.


3/15

5

Alice no pas das maravilhas traz ilustraes de Edward Lear, famoso

ilustrador, pintor e escritor ingls, na poca, prestador de diversos servios

para a Rainha Vitria.

As viagens da literatura fantstica

Percebemos as influncias da literatura fantstica ao passear pela Menina de

l, de Guimares Rosa, pela simpatia e felicidade irradiadas por Pollyana, de

Eleanor Potter, por Dorothy no clssico O Mgico de Oz e muitos outros

exemplares da literatura mundial. Vale lembrar que no associo aqui as

influncias de Lewis Carroll como nicas para os autores acima citados. Este

especial no pretende ser categrico, evitando equvocos de interpretao,

visando dialogar com os temas e discusses acerca da literatura fantstica,estilo literrio que est diretamente ligado a todas as obras literrias aqui

citadas.

Edgar Allan Poe

(esq.) e Machado de Assis (dir.), escritores famosos da literatura inglesa e

brasileira.

Sabe-se que o alemo Hoffman e o americano Edgar Allan Poe so dois

grandes escritores clssicos da literatura fantstica. Temos outros grandes

exemplares em nossa literatura, basta lembrar, por exemplo, de Carlos


4/15

6

Drummond de Andrade (Flor, telefone, moa), nos contos Mariana e O

espelho, do mestre Machado de Assis, entre outros.

Segundo Todorov, o fantstico a hesitao experimentada por um ser que s

conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentementesobrenatural. Discute-se que um dos fins da narrativa de cunho fantstico

mostrar a irrealidade da realidade, partindo da pressuposio de que tudo que

no traga marca do real e do verossmil aborrece os leitores contemporneos.

Mas ser que era assim na poca da criao do mundo fantstico de Alice?

Como citado na introduo deste especial, Alice no pas das maravilhas uma

histria do sonho da personagem Alice, repleta de significados ocultos que

foram ganhando forma e sendo dissecados ao longo do tempo.

O fantstico mundo de Alice...

Os acontecimentos fantsticos iniciam-se da seguinte forma:

Alice estava comeando a se cansar de ficar sentada ao lado de

sua irm, sem nada para fazer, beira do riacho. Por uma ou

duas vezes tinha sido dado uma olhadela no livro que sua irm

estava lendo, mas ali no havia gravuras nem conversas. Ento,

Alice pensou consigo mesma:

- E para que serve um livro sem gravuras nem conversas?


5/15

7

Lewis Carroll

A literatura de Carroll representa o que conhecemos como realismo mgico: o

que fantstico e irreal funde-se com o concreto. Em torno do espao onrico

no qual a personagem Alice vive as mais absurdas e fantsticas aventuras,

encontram-se animais personificados e objetos como baralhos em forma

humana. Se tomarmos as ideias de Todorov e destrinch-las, perceberemos

que os acontecimentos de Alice so aceitveis a partir do momento que

percebemos o contexto em que elas se encontram. Repare neste outro trecho

do livro:

Mas quando viu o Coelho tirar um relgio de bolso do colete,

olhar as horas, e apressar o passo, Alice deu um pulo, pois

passou pela sua cabea que nunca na vida tinha visto um coelho

vestindo um colete, muito menos usando um relgio, e, morta de

curiosidade, saiu correndo pelo campo atrs dele e chegou bema tempo de v-lo se enfiar apressadamente dentro de uma toca

enorme embaixo de uma cerca.

Outros aspectos da obra de Lewis Carroll


6/15

8

Existem vrios dilogos entre a obra de Lewis Carroll e alguns contos do

argentino Jorge Luis Borges, como Sul, As Runas e O Jardim de Caminhos

que se Bifurcam. Borges aproveita a narrativa literria fantstica para fazer

criticas polticas, assim como o fez Lewis Carroll em Alice no pas das

maravilhas, como h de se ver neste trecho:

O argumento da Rainha era que se nada fosse feito logo para

resolver aquela situao, ela ia mandar cortar a cabea de todo

mundo. (E foi essa ltima observao que provocou ansiedade e

preocupao entre os presentes)

As imagens de labirinto so comuns a Borges. As metforas do tempo, do

espelho e do labirinto ajudam no decifrar de alguns textos de Borges, comocita Dorine Cerqueira no artigo Jorge Luis Borges e a literatura fantstica.

Segundo ela, ele ainda recria o mundo por meio da multiplicao lingustica,

que produz uma magia da linguagem. No seria o mesmo que Lewis Carroll faz

no mundo fantstico de Alice?

Mulheres vitorianas: imagem

annima ligada ao perodo aqui estudado.

Segundo fontes da pesquisa para este trabalho, Lewis Carroll critica a poltica

vitoriana do perodo atravs de passagens como essa, que mostram a rainha

do mundo maravilhoso visitado por Alice, como uma louca decidida a decapitar

todos aqueles que no seguissem as suas ordens. Mesmo que no haja

verossimilhana com os acontecimentos da poca da criao do livro, o fato de


7/15

9

criticar ocultamente o reino ingls j fazia de Lewis Carroll um literato

diferenciado de outros escritores da sua poca.

As ligaes entre literatura e cinema esto muito claras na obra de Lewis

Carroll, como este trecho:

Uma grande roseira crescia perto da entrada do jardim. As

rosas eram brancas, mas trs jardineiros estavam muito

ocupados pintando-as de vermelho. Alice achou isso muito

interessante, chegou mais perto para observ-los.

Alice no pas das Maravilhas e a literatura brasileira

Durante a leitura de Alice no pas das Maravilhas, deparei-me com uma srie

de concluses sobre as ligaes da narrativa fantstica de Lewis Carroll com

outros textos j lidos anteriormente. A mais bvia delas foi a ligao com os

personagens de Monteiro Lobato e o seu Stio do pica-pau amarelo, clssico da

nossa literatura infanto-juvenil. Percebi duas ligaes pertinentes entre os

personagens dos contos de Guimares Rosa e o universo de Lewis Carroll: A

menina de l e As margens da alegria. Nininha, personagem do belssimo

conto A menina de l,possui caractersticas fantsticas e a necessidade de ir

para um mundo distante, numa histria repleta de milagres. Influenciado ou no

por Lewis Carroll, Guimares cria uma personagem frgil e ao mesmo tempo

brilhante, com pinceladas de narrativa fantstica no decorrer do conto, que faz

parte do livro Primeiras estrias.


8/15

10

Uma das edies da clssica histria de Lewis

Carroll.

A proximidade maior talvez esteja no conto As margens da alegria. O conto

narrado em terceira pessoa e num tom lrico e reflexivo, mostra a primeira

viagem de um menino e a descoberta do mundo: a crueldade emoldurada pela

morte de um animal, o peru, a beleza e a felicidade representadas pelo vaga-

lume entre outros. Nesse conto, Guimares Rosa nos expe a descoberta do

mundo de um menino e suas experincias de dor e alegria, o caminho para a

maturidade, algo vivido de forma similar pela personagem Alice.


9/15

11

Guimares Rosa

(esquerda) e Jorge Luis Borges (direita). Ambos os escritores so marcos

de suas respectivas literaturas, sendo elas, a brasileira e a argentina.

No conto As margens da alegria,o olhar do menino um olhar que abarca as

coisas vistas por um mundo que descortinado a ele como num espetculo.

Em Alice, temos a mesma situao, apenas modificando o tempo de produo

de ambas as obras, lngua de produo e alguns aspectos sintticos e

discursivos das respectivas obras.

Para cabal entendimento das questes citadas neste tpico, indicamos a

consulta dos contos de Guimares Rosa e Jorge Luis Borges, dois excelentes

escritores obrigatrios para aqueles que curtem literatura.

Uma leitura em trs vias: cinema, literatura e teatro

Verso da Disney, de 1951.


10/15

12

O primeiro ngulo a iluminar neste tpico a verso clssica da Disney. um

filme de animao de longa-metragem, considerado um clssico, produzido

pelos estdios Disney em 1951. A produo deste filme durou cinco anos, e foi

anteriormente desenvolvido durante dez anos, concorrendo ao Oscar demelhor trilha-sonora. Em Portugal, o ttulo mudou no relanamento para Alice

no Pas das Fadas, mas na sua recente produo em DVD recebeu outra vez o

ttulo anterior.

Em 2008, outra adaptao ganhou o cinema: A menina no pas das maravilhas,

dirigido por Daniel Barnz. O filme um desafio: a histria de Alice no to

simplria quanto imaginvamos e traz-la para os dias de hoje, onde o pblico-

alvo encontra-se afoito pelos sedutores vampiros da saga Crepsculo, trata-sede tarefa de mestre. O filme funciona bem em quesitos acadmicos, mas no

que tange demanda da indstria de entretenimento, fica em dbito.

Adaptao de 2008, dirigida por Daniel

Barnz

O enredo o seguinte: Phoebe (Elle Fanning) uma menina rejeitada pelos

seus colegas de classe, que deseja mais do que tudo participar da pea de

teatro da escola, Alice no Pas das Maravilhas. Com o stress do dia a dia, o

comportamento de Phoebe piora cada vez mais, criando uma forte presso em


11/15

13

seus pais Hillary (Felicity Huffman) e Peter (Bill Pullman). Ambos tentam

compreender e ajudar a filha. Mas Phoebe se esconde em suas fantasias,

confundindo realidade com sonho. A menina ter que encarar um duro,

doloroso e emocionante processo, passando pela incrvel transformao, como

a de uma lagarta que se torna uma bela borboleta

Numa narrativa desse tipo, na qual o ambiente escolar serve de cenrio para o

desenrolar dos fatos, h espao para abordagens paralelas como o bullying,

sexualidade na infncia e professores revolucionrios. A Menina no Pas das

Maravilhas um filme um pouco longo, possui 122 minutos e timos atores.

Antes de adentrar no universo da adaptao de Tim Burton, cabe aqui explicitar

a outra via comentada no incio deste tpico. Trata-se da adaptao de Alicepara o campo teatral. No iremos abordar a montagem estrelada pela atriz

global Luana Piovanni. Aqui, iremos abordar a adaptao livre da diretora

Andrea Elia, que ainda est em cartaz no Teatro Castro Alves, em Salvador,

Bahia. A pea conta a histria de uma menina chamada Alice, que entediada

com a repetio de frmulas e mtodos na sala de aula comea a questionar o

fato do livro no ter figuras e como importante dar asas a imaginao para

que as histrias revelem as cores, cheiros e sabores de um lugar. Nessa

viagem ela avista um Tatu e, no meio da confuso, ela segue o bicho e cai nasua toca at chegar ao Serto das maravilhas.


12/15

14

A diretora Andrea

Elia (esquerda) e o pesquisador Leonardo Campos (centro),

acompanhados do elenco carismtico que nos forneceu a entrevista nos

bastidores.

Segundo a diretora Andrea Elia, em entrevista nos bastidores da pea, a

montagem oscila sua percepo e suas impresses entre os conceitos de

beleza e estranheza. Alice comea aos poucos a se encantar com aquele

universo at ento desconhecido, medida que vai encontrando os seus

personagens, conhecendo seus hbitos, expresses, musicalidade e os gostos

do serto.


13/15

15

Cartaz do filme Alice no Pas das

Maravilhas - Verso 2010.

Em sua mais nova verso, Alice foi para as telas dos cinemas atravs de Tim

Burton, cultuado diretor de cinema fantstico. Com influncias bvias do conto

de terror de Edgar Allan Poe, Burton nos oferece uma narrativa visualmente

perfeita, mas que no acrescentou muita coisa no universo j retratado por

Lewis Carroll. Alice in Wonderland conhecido tambm como Tim Burton's Alice

in Wonderland, o novo filme de Tim Burton, baseado no clssico Alice no

Pas das Maravilhas escrito por Lewis Carroll.


14/15

16

A Rainha de Copas, a Rainha Branca e o Chapeleiro Maluco.

O filme comeou a ser rodado em maio de 2008 e estreou dia 5 de maro de2010 nos Estados Unidos. O filme se passa 9 anos aps a histria original,

com Alice j com 19 anos. O filme tem no elenco Mia Wasikowska como Alice,

Johnny Depp como o Chapeleiro Maluco, Helena Bonham Carter como a

Rainha Vermelha e Anne Hathaway como a Rainha Branca.

Bastidores do filme

Alice: Tim Burton organizando o Set de filmagens.

Algumas referncias:

CARROL, L. Alice no pas das Maravilhas. Traduo e adaptao de Mrcia

Ferriotti Meira. So Paulo: Editora Martin Claret, 2005. 1 edio.


15/15

17

COUTINHO, Eduardo. Relendo o fantstico em Borges.

CERQUEIRA, Dorine. Jorge Luis Borges e a narrativa fantstica.

ROSA, Guimares. Primeiras estrias. Conto: A Menina de L.

ROSA, Guimares. Primeiras estrias. Conto: Nas margens da alegria.

Introduzindo Alice

Documents

Transcript of Introduzindo Alice