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“Só Deus sabe, padre, as coisas de que uma mesma mão e uma mesma alma são capazes” Erico Verissimo Resumo. Este trabalho versa sobre a investigação policial de homicídios dolosos, de autoria inicialmente desconhecida, realizada Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre. Em um levantamento bibliográfico preliminar, constatou-se a escassez de literatura nacional acerca do tema, diversamente da bibliografia estrangeira. Objetivou-se, dessa forma, identificarem-se os métodos e técnicas empregados na investigação policial de homicídios. Foram duas as hipóteses norteadoras deste estudo, quais sejam: a) a modalidade de investigação desenvolve-se sob bases empíricas, através de métodos dedutivos, indutivos e até intuitivos, estando freqüentemente alicerçada apenas em provas testemunhais e confissões, tendo frágil amparo técnico-científico; b) a solução dos crimes de homicídio não decorre de boas estruturas técnicas, metodológicas e de logística, mas está relacionada à dedicação profissional e ao tratamento prioritário destinado a essa espécie delitiva. A metodologia empregada neste estudo foi de caráter qualitativo, o que propiciou uma inserção no modus faciendi do processo investigatório e uma melhor compreensão * Este texto integra a monografia de conclusão apresentada ao Curso de Especialização em Segurança Cidadã: Violência, Criminalidade e Polícia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em março de 2005, sob orientação da Profa. M.Sc. Nara Rejane S. Widholzer. ** Policial Civil – Escrivão de Polícia - Instituição de vínculo: Polícia Civil – Corregedoria-Geral de Polícia (COGEPOL) Porto Alegre/RS.

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INVESTIGAÇÃO POLICIAL DE HOMICÍDIOS: análise de métodos, técnicas e do procedimento policial*

José Meneghini Ferraresi**

“Só Deus sabe, padre, as coisas de que uma mesma mão e uma mesma alma

são capazes” Erico Verissimo

Resumo. Este trabalho versa sobre a investigação policial de homicídios dolosos, de autoria inicialmente desconhecida, realizada Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre. Em um levantamento bibliográfico preliminar, constatou-se a escassez de literatura nacional acerca do tema, diversamente da bibliografia estrangeira. Objetivou-se, dessa forma, identificarem-se os métodos e técnicas empregados na investigação policial de homicídios. Foram duas as hipóteses norteadoras deste estudo, quais sejam: a) a modalidade de investigação desenvolve-se sob bases empíricas, através de métodos dedutivos, indutivos e até intuitivos, estando freqüentemente alicerçada apenas em provas testemunhais e confissões, tendo frágil amparo técnico-científico; b) a solução dos crimes de homicídio não decorre de boas estruturas técnicas, metodológicas e de logística, mas está relacionada à dedicação profissional e ao tratamento prioritário destinado a essa espécie delitiva. A metodologia empregada neste estudo foi de caráter qualitativo, o que propiciou uma inserção no modus faciendi do processo investigatório e uma melhor compreensão

* Este texto integra a monografia de conclusão apresentada ao Curso de

Especialização em Segurança Cidadã: Violência, Criminalidade e Polícia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em março de 2005, sob orientação da Profa. M.Sc. Nara Rejane S. Widholzer.

** Policial Civil – Escrivão de Polícia - Instituição de vínculo: Polícia Civil – Corregedoria-Geral de Polícia (COGEPOL) Porto Alegre/RS.

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sobre o assunto. Para constituição da amostra dos entrevistados, observou-se o maior número de remessas de procedimentos policiais por parte dos respectivos órgãos de trabalho, selecionando-se dez policiais civis por critérios de função e notório saber. Foram confirmadas as hipóteses da pesquisa, constatando-se ainda, entre outras descobertas, que a prioridade dada à investigação de homicídios impossibilita a apuração de outros delitos e que os policiais aplicam, em suas investigações, métodos doutrinários consagrados, apesar de não terem recebido essa orientação em seus cursos de formação, o que demonstra a capacidade de superação por parte do policial civil. Palavras-chave: Investigação de homicídios; Polícia Civil; crime; sociologia da violência. Introdução

O presente estudo acerca da investigação policial

sinteticamente demonstra a gênese da persecução penal. No complexo mecanismo persecutório, encontra-se a investigação policial, que subsidiará a ação penal a ser promovida pelo Ministério Público e eventual denúncia, pronúncia e condenação perante o soberano Tribunal do Júri, tornando-se, assim, por via oblíqua o instrumento que conduz o investigado ao sistema penitenciário.

A atividade policial tem possibilitado constatar os dilemas da investigação criminal e seu complexo processo de desenvolvimento. A investigação policial deve ser um processo de conhecimento que não se baseie exclusivamente no empirismo, mas que se utilize de um aparato científico capaz de transformar simples vestígios em indícios, e estes, em prova. Paralelamente, essa investigação deve ser desenvolvida dentro do estrito cumprimento do dever legal, com respeito à dignidade humana, preservando-se a imagem da vítima, de seus familiares e do investigado.

Uma vez que a pretensão deste estudo é levar a conhecer a metodologia e os procedimentos utilizados na investigação

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policial de homicídios, torna-se aqui interessante apenas o exame da prática de homicídios dolosos e, ainda, com autoria inicialmente desconhecida.

Partindo-se da hipótese de que a investigação policial de homicídios é desenvolvida, predominantemente, com base empírica, através de métodos dedutivos, indutivos e até intuitivos, com frágil amparo técnico-científico, sendo por vezes alicerçada apenas em provas testemunhais e confissões, o que pode levar a conclusões equivocadas. Por outro lado, quando o desenvolvimento das investigações processa-se com emprego de métodos e técnicas científicas, se constituirá uma prova mais qualificada e confiável, afastando-se, assim, eventuais equívocos. A hipótese secundária é a de que, atualmente, as soluções dos crimes de homicídio estão diretamente relacionadas à dedicação profissional e ao tratamento prioritário destinado a essa espécie de delito, não sendo decorrência de boas estruturas de recurso

Pelo exposto, com este estudo, objetiva-se identificar os métodos, técnicas, procedimentos e instrumentos empregados na investigação policial de homicídios, buscando-se também, a partir desse diagnóstico, aferir a eficácia do processo. Deseja-se também, com a compreensão do fenômeno em questão, subsidiar o trabalho dos investigadores, traçando-se princípios de uniformização e padronização de procedimentos investigadores no que tange aos delitos de homicídio, contribuindo-se para o desenvolvimento doutrinário da instituição policial, que necessita de parâmetros científicos melhor definidos.

Quanto à metodologia empregada na pesquisa optou-se por um estudo exploratório, descritivo e de análise qualitativa, com exame de casos restritos à região de Porto Alegre. Como instrumento de pesquisa, elegeu-se a entrevista semi-estruturada, buscando-se acessar e identificar as condutas de investigação (métodos e técnicas) adotadas pela Polícia Civil, contemplando aspectos como a formação e o aprendizado da investigação de homicídios. Paralelamente às entrevistas, procedeu-se às análises de cinco inquéritos policiais de homicídios, iniciados sem autoria

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conhecida, circunscritos à região metropolitana de Porto Alegre e já remetidos ao Poder Judiciário.

A investigação policial de homicídios: métodos técnicas e do procedimento

Mingardi (2001) salienta que, com o advento da carta

constitucional de 1988, a produção investigatória no estado de São Paulo, nos primeiros anos, teve sensível queda, em razão de a polícia não estar preparada para investigar sem o emprego de métodos violentos. Logo, o impacto desse texto constitucional demonstra que, apesar de as instituições policiais brasileiras empreenderem enorme esforço, resta claro que não foram reorientadas para atuarem eficazmente em um Estado democrático de direito.

A palavra investigar advém do latim, investigatio, de investigare, e, conforme Rocha (2003, p.22), significa indagar com cuidado, observar os detalhes, examinar com atenção, seguir vestígios, descobrir. A investigação policial, por sua vez, constitui uma pesquisa acerca de fatos relacionados a uma ação delituosa.

Para Richardson (1999), não existe uma fórmula mágica e única para a realização de uma pesquisa ideal, uma vez que a investigação é um produto humano, e seus produtores são falíveis, exigindo-se, assim, necessário conhecimento da realidade, noções de metodologia, técnicas de pesquisa e um sério trabalho em equipe. Conforme O’Conell (1975, p. 331), “Naturalmente que para cada crimen hay uma manera particular de enfrentarse a él buscarle la solucion.” A astúcia humana torna-se cada vez mais sofisticada, empreendendo cada vez mais recursos para fugir da revelação da autoria do delito, o que exige o emprego de métodos e técnicas das mais variadas ciências para a constituição da prova, como destaca França (1998).

Ensina Rocha (2003, p. 23) que a investigação desenvolve-se sob um raciocínio que parte do conhecido para o desconhecido, retrocedendo no tempo até a obtenção de

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elementos que projetem as suas pesquisas para o momento do crime.

Ao prefaciar Vítimas e Criminosos, a obra de Frederico A. de Oliveira (1996) Copetti afirma que as investigações policiais não aproveitam os conhecimentos criminológicos e criminalísticos que poderiam potencializar as evidências processuais. Diz ainda o autor que, a cada procedimento, tudo se repete, a improvisação e o total desconhecimento de métodos de investigação de homicídios. Seria muito diferente se as investigações de homicídios obedecessem a critérios lógicos e se a vitimologia convertesse-se em indispensável aliada ao desvendamento dos crimes, pois a história das vítimas tem profunda ligação com a própria história de seus algozes, sendo o círculo de relações a chave para a busca da autoria do homicídio.

Conforme Rocha (2003) o investigador poderá se valer, em um mesmo trabalho, de métodos dedutivos, indutivo, analógicos, por vezes até mesmo o intuitivo, sendo que diante de um crime misterioso o investigador pensará e formulará uma suposição preliminar, conjeturando com base em sua experiência e construirá mentalmente hipóteses de como teria ocorrido o crime e quem o teria praticado.

O método dedutivo é um processo eficiente para o estabelecimento da validade de um argumento, permitindo chegar-se à conclusão a partir de premissas, mediante raciocínios elementares, cada um dos quais se sabendo como válido. Essa é uma maneira de se pensar em que se parte do geral para o particular, formulando silogismos. Cobra (1976, p. 162) elucida, através de exemplos, a dedução: “a descoberta de determinado tipo de poeira, no calçado de alguém ou num veículo, pode autorizar a conclusão de que aquela pessoa ou veículo passaram por determinado local.”

O método indutivo desenvolve-se através de um raciocínio que parte do particular para o geral, porém qualquer conclusão obtida por esse método pode acabar sendo refutada, por generalizar. Assim, por exemplo, a coleta de uma digital pode conduzir à identificação do autor de um crime, obtendo-se

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resultado geral a partir do exame particular da digital presente no local de crime.

Na prática policial, conforme Cobra (1976, p.163), raciocina-se por analogia, fazendo-se comparações, para se verificar e constatar as semelhanças entre os fatos que estão sendo investigados e outros ocorridos anteriormente. As semelhanças de circunstâncias entre casos distintos podem conduzir a resultados idênticos, razão pela qual o investigador deve examinar o modus operandi dos delinqüentes, pois criminosos habituais agem freqüentemente do mesmo modo, com o emprego de semelhantes recursos, propiciando o emprego do método analógico.

Conforme mencionado, o método intuitivo também pode ser empregado na investigação policial. Para Rocha (2003, p. 37), intuição é a visão direta de alguma coisa, o conhecimento de algo independentemente de raciocínio lógico, porém, que não pode ser confundido com palpite, devendo seu emprego ser reservado para situações ausentes de outras possibilidades.

Conforme Cobra (1976), a investigação policial é desenvolvida em três fases, quais sejam: fase das constatações, quando ocorrem observações, colheita preliminar de informações e conhecimento das provas objetivas; fase do raciocínio, quando o investigador inicia processos de emprego de métodos dedutivos, indutivos, analógicos e até intuitivos, formulando hipóteses; e fase da verificação de hipóteses, quando se poderá obter convicção ou certeza acerca de determinado caso. Para Cobra (1976), a partir do conhecimento de um crime, como por exemplo, um homicídio, os policiais passarão a formular hipóteses acerca do evento criminoso, de seus detalhes, de suas circunstâncias, analisando o modo como o crime foi praticado, os detalhes, os motivos e a possibilidade das autorias, tornando as hipóteses suposições provisórias. O autor (id., p.166) leciona:

No trabalho de verificação de hipóteses, os encarregados de investigações ficam em situação idêntica a do viandante que, andando por terras estranhas e desejando alcançar determinado lugar, encontra, à certa altura da estrada, ponto donde saem

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diversos caminhos, tendo de fazer uma opção, podendo seguir um rumo e ter, até mesmo, que retroceder quando constatar que seu norte não é o da verdade. O trabalho de exame de detalhes ou circunstâncias objetiva a descoberta da autoria do evento criminoso, e será para a captura de detalhes e das circunstâncias que os encarregados da investigação, por vezes, terão que tomar novos caminhos para atingir o objetivo principal. A partir da exclusão de hipóteses, restarão aquelas, em tese, correspondentes à realidade, sendo que, destas, algumas conduzirão à convicção, outras à almejada certeza.

Restará presente a convicção quando os elementos probatórios forem unicamente subjetivos, isto é, sem apoio de provas materiais, de elementos objetivos. Cobra (id.) exemplifica afirmando que, por melhores que sejam a prova testemunhal e a confissão, só permitirão a convicção porque faltará elemento material corroborador.

Para Hespanha (1996, p. 179), a fidelidade ou a infidelidade do testemunho não depende apenas das qualidades morais, culturais, intelectuais ou biogenéticas da testemunha e dos numerosos fatores relacionados aos sentimentos de sua vida psíquica. A verdade ou o erro e a fidelidade ou a infidelidade do testemunho são resultados, também, do conhecimento científico, da competência profissional daqueles que interpretam as declarações da testemunha. Tourinho Filho (1997, p. 285, v.3) afirma que a experiência tem demonstrado que não se pode e nem se deve, em princípio, atribuir valor probatório absoluto para a confissão.

Por sua vez, haverá certeza quando os elementos objetivos – provas materiais – permitam concluir, sem sombra de dúvidas, sobre os acontecimentos. Assim, se, num local de homicídio, é encontrada uma impressão digital, e seu dono confessa a prática do crime e aponta o lugar onde está o instrumento utilizado no crime, possibilitando a sua apreensão, não haverá apenas convicção, mas certeza da autoria, em decorrência do conjunto objetivo. No plano concreto, nem sempre é possível a obtenção da certeza da autoria ao final da

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investigação, porém esta restará completa tanto com a certeza quanto com a convicção, por assim ter atingido a última fase do processo investigatório, disponibilizando a possibilidade de conclusão sobre a autoria delitiva.

Conforme Dorea (1995, p.208), os departamentos de polícia norte-americanos adotam um procedimento técnico-metodológico padrão para as investigações de casos com morte denominado método dos círculos concêntricos. Esse método consiste simplesmente em se considerar a vítima como o centro de uma série de círculos e, iniciando-se as investigações a partir daquele que dela se encontre mais próximo, ampliando-se ao infinito, abrangem-se todos os círculos de relação da vítima. A prática desse método de investigação, somada ao emprego de técnicas de coleta e análise de indícios, poderá constituir-se em um procedimento capaz de apontar a autoria e as circunstâncias de um crime. Uhnak (apud Dorea, 1995) sustenta que, na maioria dos casos, o assassino é encontrado dentro de quatro paredes da casa da vítima, sendo que, ao invés de andar pelas ruas, procurando novas vítimas, em geral ele está em casa, ajudando nos preparativos do enterro.

Para Rocha (2003), a complexidade da investigação confronta-se com a necessidade de uma apuração dinâmica, rápida e firmada em conhecimentos interdisciplinares, pois, em matéria investigatória, persiste a máxima de Locard, para quem o tempo que passa é a verdade que foge.

A oxigenação da doutrina de polícia judiciária brasileira, atualmente, ressurge com Queiroz (2000). O autor propõe uma maior qualificação ao inquérito policial, apresentando, para isso, a técnica da recognição visiográfica, utilizada pelo FBI e introduzida no Departamento de Homicídios da Polícia Civil do Estado de São Paulo em 1995. Conforme essa técnica, o policial que atende ao homicídio relata minuciosamente o que viu e sentiu no local, baseando-se na heurística e na semiótica.

A necessidade pela busca de novos métodos e técnicas, tanto para a investigação quanto para a prevenção de homicídios motivou a Metropolitan Police da Inglaterra, ou, mais

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especificamente, sua unidade de prevenção de homicídios, trabalhar no sentido de estudar a mente dos criminosos, objetivando a criação de um perfil psicológico que defina os sinais de perigo para ser utilizado tanto de forma preventiva como no auxílio à investigação policial, (cf. Herbert, 2005). Corrobora Douglas (2002), pioneiro na análise investigativa do comportamento criminal e responsável pela criação do perfil psicológico de criminosos no FBI.

Categorias de Análise

Formação policial e aprendizado da investigação de

homicídios Esta categoria comporta dois momentos o da concepção

dos entrevistados acerca da formação policial e o segundo, ao aprendizado prático da investigação de homicídios. De acordo com os sujeitos, a instrução recebida durante formação é de extrema relevância, porém criticaram as deficiências dessa instrução. Veja:

A academia deu apenas o rumo. [...] a academia tinha que ser assim, inquérito policial e investigação criminal, só o que precisava. Eu fiz um concurso público, era formado em Direito e aí fiquei estudando mais um ano e meio de Direito em pleno curso de delegado. O que eu tinha que ter e não tive é com o que vou trabalhar, que é a investigação. Na realidade, a gente não sabia, a gente se achava, achava que estava preparado, mas daí, no dia-a-dia, a gente foi vendo que muitas coisas só se aprendia trabalhando.

Os entrevistados, em seu conjunto, afirmam que o ensino

da investigação, especialmente de homicídios, é apresentado a partir de experiências pessoais e profissionais dos instrutores, não havendo a reunião de métodos didático-pedagógicos e,

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conseqüentemente, inexistindo qualquer orientação que objetive a padronização de procedimentos.

Em sua absoluta maioria, os policiais não demonstraram conhecimento de métodos doutrinários de investigação, salvo os ensinamentos sumariamente recebidos durante o curso de formação. Entretanto, condutas instaladas reflexivamente no cotidiano policial a partir do conhecimento prático demonstram a aplicação espontânea de conceituados métodos de investigação de homicídios, apesar do desconhecimento doutrinário. Um exemplo de tal prática é a utilização do método dos círculos concêntricos, desenvolvido por Uhnak (1995), o qual sustenta a probabilidade de o homicida pertencer ao círculo de relações da vítima. Observem-se as falas a seguir apresentadas:

Na realidade, o homicídio, quando não tem autoria, é fundamental que a gente inicie investigando a vítima. A peculiaridade do delito de homicídio é a investigação da vítima [...] isso é a lógica do dia-a-dia que vai mostrando para a gente. Eu sigo uma rotina que a gente aprendeu na prática, a gente conseguiu esclarecer casos e foi aprendendo. Eu oriento o meu pessoal agora que estou chefiando a investigação. [...] saber se a vítima tinha inimigos, se era usuário de drogas, se pagava corretamente seus fornecedores, quem eram seus amigos.

Esses procedimentos vão ao encontro do que expõe

Rocha (2003, p. 23) ao escrever que, em uma ocorrência de homicídio, o primeiro passo do investigador é identificar a vítima e saber tudo a seu respeito, enquanto os peritos fazem o exame de local. Depois, com os elementos obtidos no local, o policial iniciará a busca pelas pessoas relacionadas à vitima e, possivelmente, com o crime. Essa constatação corrobora a teoria dos círculos concêntricos, pela qual o homicida apenas excepcionalmente não freqüenta os círculos de relações das vítimas.

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De acordo com as entrevistas transcritas, apenas um dos dez entrevistados recebeu instrução específica para a investigação de homicídio após ter concluído o curso de formação. Logo, foi recorrente a informação de que o processo de aprendizado da investigação teria se dado por meio da própria prática, a partir da análise de casos em puro exercício de empirismo, o que veio a confirma uma das hipóteses do estudo em tela. Veja:

[...] a partir dos casos do dia-a-dia, nosso conhecimento vai se ampliando... também se aprende fazendo estudo de caso. Eu aprendi a investigar homicídio na prática e também com policiais mais velhos. [...] o que a gente aprende mesmo, principalmente na investigação de homicídio, é na prática, depois de formado.

Ficou assim demonstrada a capacidade de o policial civil

abstrair, a partir de experiências do cotidiano, o desenvolvimento de métodos que, inconscientemente, são projetados nas investigações.

Os entrevistados também se manifestaram acerca das carências de recursos que vão desde a escassez de papel até a inexistência de equipamentos de proteção individual. Observem-se as falas:

Falta pessoal. A nossa deficiência maior é de pessoal e tecnologia. Tomando por base que a Polícia Civil, já em 1980, previa um efetivo maior do que tem hoje e o crescimento populacional, posso afirmar que há carência de recursos humanos. Também temos carência de material, faltam filmadoras, computadores, não existe material de escuta ambiental em quantidade necessária.

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[...] tá faltando computador, uma filmadora facilitaria, uma máquina digital, dessas modernas, daria para tirar fotos do local e fazer levantamentos, mas não dispomos.

Os entrevistados com mais de dez anos de serviço perceberam ter havido melhoras estruturais nas condições de investigação em relação à época de seus respectivos ingressos. Foi, inclusive, salientado por alguns policiais que, no início de suas carreiras, não conheciam computador e que nem imaginavam que esse instrumento fosse capaz de possibilitar tantos benefícios para a investigação policial. Pôde-se observar ainda que houve uma sensível evolução qualitativa nos quadros funcionais da Polícia Civil nos últimos dez anos, em razão das maiores exigências de qualificação para o acesso à carreira policial e pela melhora na formação.

Na minha época, 1980, a polícia era uma polícia romântica, né. Tu trabalhava pela paixão... na época, se amarrava cachorro com lingüiça, tinha que empurrar viatura, só existia revólver, a prática de tiro era com .22 porque a munição era mais barata que o .38... a polícia mudou um monte.

Todos os entrevistados conferiram extrema relevância ao

isolamento e preservação dos locais de crime, para posterior exame, porém, entendem que essas medidas cautelares seriam maximizadas se houvesse um serviço pericial mais bem estruturado.

[...] a gente fica brabo com os brigadianos quando eles mexem no local do crime, mas às vezes eles preservam tudo, e aí não adianta nada, porque a perícia não aproveita o local preservado, por falta de meios... não que o perito não seja bom, mas é como a gente, não dispõe de meios. Segurança pública não é prioridade.

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As considerações expostas pelos sujeitos ilustram, ainda que superficialmente, a crise estrutural da instituição policial encarregada do desenvolvimento da investigação criminal, que se mantém graças à dedicação e qualificação de seus integrantes.

Padrões adotados pela Polícia Civil nas investigações

de homicídios Apesar das peculiaridades de cada homicídio, há

procedimentos genéricos de investigação que podem ser observados no esclarecimento dos crimes. Não se pretendendo, com isso, estabelecer formulas mágicas nem, o emprego inflexível de métodos ou técnicas, devendo tão somente se buscar uma padronização racional de métodos e técnicas apuratórias. Entre eles, estão o isolamento e a preservação do local do crime, o exame preliminar de vestígios e indícios, o exame pericial do que inicialmente era imperceptível pelo investigador e a realização de interrogatórios com observâncias técnicas, entre outros.

Conforme Rocha (2003), os métodos de investigação policial tendem a ser os mesmos em todos os países, diferindo, porém, a forma de se documentarem as investigações, de acordo com o sistema jurídico de cada país. Pelas falas recorrentes surgidas nas entrevistas, pôde-se observar o emprego de alguns procedimentos técnicos e metodológicos nesse processo investigativo. Salientou-se a necessidade de isolamento e preservação do local do crime, além da tomada de conhecimento do círculo de relações das vítimas e testemunhas, e do imediato comparecimento ao local, pois segundo Cabe lembrar que, para Locard (1939), “o tempo que passa é a verdade que foge”. Observem-se as falas a seguir:

[...] a investigação se inicia pelo imediato comparecimento, quanto mais cedo, menos contaminação do local... às vezes, acontecem alterações imprescindíveis, como no caso de socorro, em que o cenário é alterado pela

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necessidade, o que pode trazer dificuldades à leitura do local. A segunda providência será o isolamento do local para análise da vítima, quando possível, das manchas, objetos e coleta dos demais vestígios que poderão contribuir para a elucidação do crime. Quando ocorre um crime, tem-se que retroceder no tempo, partindo-se do conhecido para o desconhecido. Deve-se iniciar o terceiro momento pela busca de informações e, posteriormente, surgirá a fase de avaliação e construção de inferências..., o local de crime fala. O primeiro passo é ter a informação do fato o mais rápido possível, para que se possa encaminhar alguém para fazer o local, com o local preservado... e se passa à coleta de informações. Não existe fórmula mágica... [...]o homicídio tem que ter uma rotina, observar princípios básicos... o principal de todos é a preservação do local... depois do local, os próximos passos são as testemunhas, familiares...

A presença dos policiais nos locais de crimes, também

foi destacada pelos entrevistados como ponto relevante para apuração de um crime e de suas circunstâncias. Alguns chegaram mesmo a afirmar que, em muitos casos, a solução do crime é obtida já no próprio cenário do homicídio.

Os padrões identificados foram lecionados na Academia de Polícia, antiga Escola de Polícia, e são observados pelos policiais civis. O mesmo não ocorre, com o aprendizado empírico, por exemplo, quanto ao método dos círculos concêntricos, que, muito embora aplicável reflexivamente, não chega a ser observado como procedimento padrão. Isso porque, para sua implementação, faz-se necessário um suporte pedagógico, o que só poderá ocorrer mediante o ensinamento teórico.

Pelo discurso dos informantes, percebeu-se sua grande disponibilidade em relação à profissão, o que pode se explicar, novamente, pelo fato de terem ingressado na polícia por motivos

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vocacionais, o que comprova a hipótese desta pesquisa segundo a qual a eficácia da solução de homicídios está relacionada à dedicação profissional dos policiais.

Em razão da gravidade do delito, pela mobilização psicossocial que deflagra e por sua repercussão no meio, a apuração dos crimes de homicídio recebe tratamento diferenciado dos demais casos.

O homicídio é tratado como prioridade em razão da gravidade e pela carência de recursos para atender a todos os casos.

Normalmente, é dada prioridade ao homicídio, porque a investigação não tem pessoal para atender a todos os casos, então, tem que responder com a apuração dos crimes mais graves, como homicídio, estupro, latrocínio, que também são aqueles de maior repercussão.

[...] eu penso que todos deveriam receber o mesmo tratamento, mas, infelizmente, não dispomos de meios para atender a todos os casos. Por muitas vezes, se tem que parar toda a delegacia para investigar um homicídio.

Isso se torna cristalino quando da confrontação com os

dados disponibilizados pela DIPLANCO/PC referentes ao ano de 2003, pelos quais se constata que foram registradas 325 ocorrências de homicídio, instaurados 434 inquéritos policiais e remetidos ao Poder Judiciário 218 procedimentos inquisitoriais, o que perfaz uma média de 50,23%. Nesse mesmo período, foram registrados 8.103 furtos de veículos, instaurados 6.840 e remetidos ao Poder Judiciário 706 procedimentos policiais, ou seja, apenas 10,32% das ocorrências, situação que se repete para outras modalidades delitivas, que demandam investigação, como no furto/em veículo. Comprova-se, assim, que a dedicação prioritária ao crime de homicídio, considerado de maior gravidade, acaba por inviabilizar a persecução penal dos demais crimes, em decorrência das carências estruturais dos órgãos

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policiais, o que se confirma pelo depoimento de um dos informantes:

Foi um retrocesso quando, há três anos, se retirou da Delegacia de Homicídios [DHD/DEIC] a investigação dos homicídios de autoria desconhecida. O distrito não tem condições. Quando acontece um homicídio, tem que parar todas as outras investigações. Pára tudo, porque o pouco pessoal que se dispõe terá que se dedicar ao homicídio.

Assim, diante desses dados, pode-se afirmar que a solução dos homicídios está diretamente relacionada ao tratamento prioritário destinado ao atendimento dessa espécie de delito e pela dedicação dos policiais encarregados da investigação, que se voltam quase que exclusivamente ao desvendo de assassinatos. Isso pode explicar os consideráveis índices de solução de crimes de homicídio e respectivas remessas de inquéritos policiais ao Poder Judiciário, em detrimento de outras modalidades criminosas menos privilegiadas pela dedicação dos serviços de investigação.

Dos casos de homicídio referidos nas entrevistas, foram examinados cinco inquéritos, que, por razões éticas e legais, não serão identificados. Três inquéritos foram encaminhados ao Poder Judiciário com apuração da autoria dos homicídios, restando porém, em um dos casos, o acusado absolvido pelo Tribunal do Júri por insuficiência de provas. Nos outros dois casos, não foi possível o apontamento da autoria, em que pese, em um desses casos, o convencimento policial ventilar chances de se elucidar o caso. Assim, partindo-se do exame dos casos em que foram identificadas as respectivas autorias e posteriormente aqueles não-solucionados, pôde-se observar o que segue.

Em um dos casos, o registro de ocorrência policial apresentava-se incompleto, havendo carências de dados elementares, como a identificação de quem teria efetuado o recolhimento do cadáver e testemunhas, uma vez que não se conheciam a identidade da vítima, sua origem e, obviamente, a identidade do criminoso. Apenas em um dos casos solucionados houve a observação dos peritos sobre a não-preservação do local

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do crime. A materialidade do crime foi comprovada através de laudos necroscópicos e, em um dos casos, por meio de exame e DNA. A prova pericial demonstrou-se com maior robustez em um único caso, em que só restou comprovada a autoria por subsídios de exames papilares, residuográficos e balístcos. Nos demais casos, a investigação policial apontou a autoria com base em testemunhos e em uma confissão, o que, segundo a fala dos próprios informantes, pode ser comprometedor:

[...] a prova indiciária involuntariamente pode acabar se direcionando ao suspeito... é o caso xxx, onde desapareciam “pessoas”, e três testemunhas avistaram um suspeito com uma das vítimas, exatamente no dia de seu desaparecimento. E o que acontece? Um policial é procurado por uma das testemunhas, que diz: “Olha, a pessoa que desapareceu esteve aqui, e um funcionário anotou o nome do acompanhante e o seu “RG”. Três testemunhas afirmaram que o desaparecido tinha estado no local... Não havia outra hipótese. Tudo levava a crer que o suspeito era o autor do crime, porém, não tínhamos uma prova direta, que levasse à certeza da autoria, era convicção firmada nos testemunhos, indícios que os confirmavam e uma confissão.

Segundo Hespanha (1996, p. 175), a fidelidade do

testemunho nada mais é do que o resultado de um processo psíquico do sensível e do racional que cada pessoa pode perceber, sendo que o testemunho de uma pessoa conterá a verdade que ela conseguiu percepcionar em relação aos fatos da realidade. Logo, a testemunha de uma personalidade normal poderá ser submetida a procedimentos sugestivos, interpretando a realidade dos fenômenos de uma forma falsa ou errada. Da mesma forma, segundo Tourinho Filho (1997), a confissão deve ser vista com reservas.

Por sua vez, quanto aos casos não-solucionados, pôde-se perceber, pelas leituras dos respectivos inquéritos policiais e dos relatos dos entrevistados, que não houve a adequada preservação

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do local de crime em um dos casos e no outro, apesar da preservação, a perícia não conseguiu fornecer subsídios consideráveis para a investigação policial.

Constatou-se também que, nos casos sem apuração da autoria, inexistem, em seus respectivos inquéritos policiais vários documentos relacionados a investigação. Nos autos desses dois procedimentos, as únicas peças periciais dizem respeito à materialidade do crime.

Assim, com o exame desses procedimentos, constatou-se a freqüente constituição da prova indiciária com base em testemunhos e confissões, o que, como visto, pode conduzir ao equivocado apontamento da autoria de um homicídio. Além disso, também demonstrou-se o frágil amparo técnico-científico que recebem as investigações.

Conclusão: Proposta de uma metodologia de investigação de crimes de homicídios

Neste momento, torna-se oportuno fazer uma apreciação

a respeito das motivações e dos propósitos deste trabalho e das conclusões a partir dele obtidas. Primeiramente, cabe lembrar que a experiência profissional do pesquisador na área policial foi o fator desencadeante da pesquisa, seguido da consciência da necessidade de alteração da prática investigativa a partir da Constituição Federal de 1988, que repele o emprego de violências. Somou-se a isto a conscientização da imprescindibilidade de um norteamento institucional capaz de proporcionar condições para o estabelecimento de uma padronização no que tange à investigação dos crimes de homicídio. Igualmente, tem-se a convicção de que a repressão a essa espécie de delito resulta no desestímulo à vingança privada e no conseqüente fortalecimento do Estado.

Genericamente, a pesquisa teve por objetivo identificar os métodos e técnicas empregados na investigação policial de homicídios, sendo que, a partir desse objeto geral, apresentaram-se outros específicos. A análise da eficácia do processo

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investigador demonstrou resultados satisfatórios, assim como o fito de proporcionar subsídios ao trabalho investigativo, podendo-se, a partir das conclusões da pesquisa, estabelecer um traçado padrão, isso tudo associado ao desejo de, pretensiosamente, contribuir-se para o desenvolvimento doutrinário da instituição policial.

Confirmou-se a hipótese de que a investigação policial de homicídio é desenvolvida sob bases empíricas, com emprego de métodos dedutivo, indutivo e intuitivo, mas com frágil amparo técnico-científico. Pôde-se ainda comprovar que essa investigação funda-se, sobretudo, em testemunhos e confissões e que a solução dos casos relaciona-se diretamente à dedicação profissional dos investigadores e ao tratamento prioritário destinado a essa espécie criminosa. Corroborou-se que o tratamento prioritário destinado à investigação dos crimes de homicídios acaba por intervir no desenvolvimento da apuração de outras espécies de crimes, em decorrência do emprego de todos os recursos humanos e materiais nas diligências pertinentes ao homicídio, em detrimento dos demais. Finalmente, constatou-se que, através do aprendizado empírico, forjado no cotidiano das investigações, os policiais abstraem lições que são empregadas no desenvolvimento de um método que se assemelha ao consagrado pela doutrina de investigação policial de homicídios, demonstrando-se, assim, a elevada capacidade de percepção do policial civil, o que vem a justificar a terceira hipótese.

Através dos dados fornecidos pela DIPLANCO/PC e pelo Poder Judiciário, pôde-se constatar a eficácia da investigação policial de homicídios, como revelou o número considerável de remessas de inquéritos policiais, além das condenações dos acusados denunciados pelo Ministério Público e levados ao Tribunal do Júri. Esse desempenho compromete as atoardas que trazem à baila a discussão acerca da capacidade persecutória da polícia judiciária. Deve-se ressaltar que, se o desenvolvimento da investigação encontra dificuldades, isso se deve, em parte, ao fato de a polícia não estar acompanhando o

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concomitante processo evolutivo, chegando inclusive a regredir no que tange ao efetivo policial.

Nesse contexto dinâmico, apresentam-se os dilemas das investigações policiais de homicídios, cabendo, por fim, reprisar que este estudo engalanou-se na utopia que deve viver a investigação policial moderna, qual seja, a obtenção de convicções probatórias que afastem quaisquer hipóteses que possam levar ao erro judiciário, muitas vezes fatal. Com tranqüilidade, não apenas pelas observações do cotidiano policial vividas pelo pesquisador, mas sobretudo pelos dados oficiais e de campo apresentados, pode-se afirmar que a investigação policial distanciou-se do emprego da prática de tortura essencialmente por duas razões: porque a natureza do Estado Democrático de Direito em vigência não tolera tal prática e porque a nova geração policial reconhece que o valor da confissão como prova é de presunção relativa, pelo que essa prática vem sendo desprezada.

Por fim, consigne-se que políticas de respeito à dignidade humana vem sendo divulgadas pelos órgãos de segurança, com especial incentivo por parte da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJ), que realiza excelente trabalho e supre uma lacuna na estrutura de segurança nacional. A despeito das carências de toda ordem enfrentadas pela polícia civil deste estado, apresenta-se a investigação policial de homicídios com resultados satisfatórios, afastada do emprego de métodos violentos, adaptando-se assim ao ordenamento constitucional de 1998.

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