Investimento x Cuidado de Si Candioto

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  • CUIDADO DA VIDA E CUIDADO DE SI: SOBRE A INDIVIDUALIZAO BIOPOLTICA CONTEMPORNEA

    Cesar Candiotto Pontifcia Universidade Catlica do Paran/CNPq

    ABSTRACT: In the 1979 course, entitled Naissance de la biopolitique, Michel Foucault proposes contemporary neoliberalism, especially in its North American variant, as one of the most expressive biopolitical governmentality instance of our time. This article examines if the care of the life and its articulation with the constitution of the individual as a free entrepreneur of himself, observable in this biopolitics, can be considered as a contemporary unfolding of the care of the self, the nuclear concept in Foucaults last writings. It suggests that the care of the self, understood as a principle of permanent concern whose scope is the transformation of the self and the creation of new ways of being and living, leads us away to point two conclusions: the first one is that the neoliberal care of the life is inseparable from the management of the individuals freedom; the second one is that the neoliberal self-government, considered by means of the calculation of economic self-investment, it is something from which one should get rid of. KEYWORDS: governmentality, politics, care of the life, care of the self. RESUMO: No curso de 1979, intitulado Naissance de la biopolitique, Michel Foucault prope que o neoliberalismo contemporneo, principalmente na sua variante norteamericana, seja lido como uma das mais expressivas configuraes da governamentalidade biopoltica de nossa poca. O artigo analisa se o cuidado da vida e sua articulao com a constituio do indivduo como livre empreendedor de si mesmo, observvel nessa biopoltica, podem ser considerados desdobramentos contemporneos do cuidado de si, conceito nuclear nos ltimos escritos de Foucault. Sugere-se que o cuidado de si, entendido como princpio de inquietude permanente cujo escopo a transformao de si mesmo e a criao de novas maneiras de ser e de viver, permite apontar duas concluses: a primeira delas, que o cuidado neoliberal da vida inseparvel da gesto da liberdade dos indivduos; a segunda, que o autogoverno neoliberal, considerado pelo clculo do investimento econmico em si mesmo, algo do qual convm desprender-se. PALAVRAS-CHAVE: governamentalidade, poltica, cuidado da vida, cuidado de si.

    Dissertatio [34] 469 491 vero de 2011

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    INTRODUO

    A problematizao da biopoltica em 1976, no livro Histoire de la sxualit, I: la volont de savoir e no curso Il faut defndre la socit, pareceu ter provocado na investigao de Foucault um deslocamento, da constituio do indivduo moderno como homem-mquina no poder disciplinar para a constituio da populao, definida no em termos geogrficos pelo conjunto de seres humanos pertencentes a uma unidade territorial, mas sim em seu aspecto vital, como espcie vivente agrupada em torno de uma caracterstica biolgica peculiar: doena, ascendncia gentica, insanidade e assim por diante.

    Essa perspectiva da biopoltica1 teve sua continuidade nas trs primeiras aulas do curso Scurit, territoire, population. A partir da quarta aula - dia 1. de fevereiro de 1978 - Foucault pareceu minimizar a biopoltica ao enfatizar a genealogia da governamentalidade, desde o pastorado cristo medieval do governo das almas at seus desdobramentos na poca contempornea, ao se referir ao modo como convm governar uma populao.

    Pelo vis da governamentalidade, a racionalidade poltica torna-se objeto da investigao foucaultiana pela primeira vez. Foucault aponta dois modus operandi herdados do poder pastoral religioso cristo, que continuam presentes, ainda que com objetivos diferentes e secularizados, na atuao das polticas liberais modernas e contemporneas: a totalizao e a individualizao. A totalizao corresponde aos processos de objetivao da populao por mecanismos que regulam seus fluxos vitais; j a individualizao, diz respeito aos processos de normalizao e modelao presentes nas prticas polticas que impelem algum a se reconhecer a partir de uma identidade que no foi criada por ele, mas uma espcie de autoimagem mimtica da qual ele se torna dependente.2

    1 Na verdade, no existe somente uma perspectiva da biopoltica em Foucault. Talvez fosse melhor situ-la no plural, como biopolticas. Essa pluralidade decorrente dos prprios deslocamentos da problemtica do poder em sua investigao. Para um estudo sobre a trajetria da biopoltica em Foucault, remetemos a E. Castro. Biopoltica: de la soberana al gobierno. In: Rev. latinoam. filos., Ciudad Autnoma de Buenos Aires, v. 34, n. 2, nov. 2008. 2 No liberalismo, entendido como doutrina poltica, o indivduo um pressuposto, tomo social para o qual deve ser garantida uma jurisdio sobre suas preferncias: ...o fundamento do liberalismo poltico se reconhece (...) ligado promoo do individualismo, se por isso entendemos o valor ltimo que um sistema poltico reconhece ao indivduo e sua singularidade expressa sob a forma de um grau de independncia substancial que lhe concedido por sua sociedade ou seu grupo de referncia.

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    A biopoltica moderna, resultado da aliana entre cincias humanas e soberania poltica estatal, afirma que cuida da vida do conjunto da populao e ao mesmo tempo protege os indivduos. Essa mtua imbricao entre totalizao e individualizao mostra que Foucault no abandonou a biopoltica e o poder disciplinar quando passa a discorrer sobre a governamentalidade. Na verdade, foi a partir dos procedimentos de totalizao (regulao biopoltica) e individualizao (normalizao disciplinar) que racionalidades polticas, como o liberalismo moderno e as vrias vertentes do neoliberalismo contemporneo, puderam ser entendidas como tcnicas de governamentalidade.

    Em 1979, no curso Naissance de la biopolitique, Foucault se detm em uma modalidade especfica de governamentalidade contempornea, que a neoliberal.3 Nesse curso que podemos entender por que ele situa o neoliberalismo como o maior exemplo de governamentalidade biopoltica de nossa poca.

    Nossa investigao pode ser formulada nestes termos: se o neoliberalismo uma modalidade de governamentalidade biopoltica centrada no cuidado da vida, seria esse cuidado um desdobramento

    (LAZZERI, 2000, p. 200). Foucault entende que uma fico liberal situar o indivduo como tomo social, como pressuposto filosfico. O que deixa de ser fictcio so os processos de individualizao, de constituio, fabricao e produo do indivduo nas prticas sociais e polticas (FOUCAULT, 1975, p. 172). Depreende-se que, no recorte de Foucault, o indivduo jamais o ponto de partida da sociedade, mas sempre ponto de chegada dos processos de individualizao. Em consequncia, a ideia que o indivduo um sujeito de ao, contnuo e idntico a si mesmo, deve ser abandonada; deve-se tambm abandonar a ideia de que o indivduo uma premissa, um dado, de que os atores que se relacionam com ele e o observador cientfico que o estuda, deveriam tom-lo como algo j adquirido. (PIZZORNO, 1988, p. 238). Em razo da pertinncia da leitura foucaultiana da governamentalidade biopoltica liberal e neoliberal, priorizamos o termo indivduo e a expresso processos de individualizao, ao mesmo tempo em que preterimos o termo e a expresso sujeito e processos de subjetivao, respectivamente. Estes ltimos somente sero preservados quando forem objetos de citao literal. 3 Como se sabe, a rigor inadequado e at pejorativo se referir ao liberalismo contemporneo como (neo) liberalismo. Todavia, no curso de 1979, Naissance de la biopolitique, Foucault usa esse conceito sem qualquer advertncia. Sua dmarche ajuda ainda a rever, retrospectivamente, a interpretao compacta e reducionista do neoliberalismo como pensamento nico, como apontaremos no decorrer do artigo. Desde a perspectiva do seu modus operandi, inexiste um nico neoliberalismo: h o ordoliberalismo alemo (principalmente em pensadores como Eucken, Rpke, Rstow, Mller-Armack), o anarcoliberalismo americano (inspirado em pensadores da Escola Austraca, tais como Mises e Hayek e membros da Escola de Chicago, como Milton Friedman, Gary Becker, Theodore Schultz), e o neoliberalismo francs, cuja importncia no curso no a mesma que a atribuda s modalidades anteriores. Neste artigo, iremos privilegiar a maneira como o assim chamado neoliberalismo norteamericano ou anarcoliberalismo prope um singular investimento da vida e constituio do indivduo. dele, portanto, que nossas concluses so deduzidas.

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    contemporneo do cuidado de si, que Foucault identificou mais tarde entre os antigos? Nesse sentido, nosso escopo examinar se a constituio do indivduo como livre empreendedor de si mesmo, tal como observvel na governamentalidade biopoltica neoliberal, uma modalidade de cuidado de si ou se, pelo contrrio, essa determinao constitui uma insidiosa tentativa contempornea de modelao do indivduo e controle de seus fluxos vitais.

    Nossa hiptese mostrar que, se tomarmos no somente o curso de 1979, mas tambm o conjunto de ditos e escritos dos anos seguintes, seria possvel avaliar criticamente o cuidado da vida e a constituio do indivduo empreendedor a partir da perspectiva do cuidado de si.

    Essa avaliao impe priorizar atribuies especficas tanto ao cuidado da vida quanto ao cuidado de si. O cuidado da vida neoliberal aquele voltado para a constituio do indivduo somente a partir do investimento em si mesmo, pensado nos limites racionais do clculo entre custos e benefcios econmicos. A noo de cuidado de si aqui, por sua vez, aquela que encontramos em Lhermneutique du sujet, como princpio de agitao e inquietude permanente (FOUCAULT, 2001, p. 9) cujo tlos a transformao de si mesmo e a criao de novas maneiras de ser e de viver. Somente a partir dessa atribuio que o cuidado de si pode auxiliar a apontar os limites e ambiguidades daquele cuidado da vida e seu processo de constituio do indivduo.

    Primeiro esboamos a percepo do neoliberalismo como programa poltico e ideologia, da qual Foucault se afasta; em seguida mostramos que foi a introduo da governamentalidade que lhe permitiu ver o neoliberalismo como uma configurao biopoltica; nuanamos posteriormente que Foucault v o neoliberalismo como uma maneira de pensar e de agir, de ser e de viver; consequentemente, um dos maiores projetos de investimento da vida e, por meio dela, de processos de individualizao. Enfim, tentamos demonstrar que a investigao subsequente de Foucault, centrada no fio condutor do cuidado de si, pode ser uma chave analtica para a determinao dos limites do autogoverno neoliberal.

    Neoliberalismo como programa poltico e ideologia

    A anlise de Foucault a respeito do neoliberalismo contemporneo mpar porque ele no o entende no quadro de uma doutrina poltica no sentido de Estado mnimo, mas como racionalidade poltica governamental.

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    A maioria dos crticos do neoliberalismo o situa como doutrina e programa poltico que se imps nos pases ocidentais a partir do final dos anos 1980 e provocou uma transformao na esfera ideolgica.

    Segundo Jason Read (2009, p. 26):

    O neoliberalismo, nos textos que o tm confrontado criticamente, geralmente entendido no somente como uma nova ideologia, mas uma transformao da ideologia, em suas condies e efeitos. Em termos de suas condies, uma ideologia que gerada no a partir do estado, da classe dominante, mas da experincia cotidiana de comprar e vender do mercado, que ento estendida atravs de outros espaos sociais, o mercado de ideias, para tornar-se uma imagem da sociedade. Em segundo lugar, uma ideologia porque se refere no somente esfera poltica, a um ideal de estado, mas plenitude da existncia humana. Ele exige apresentar no um ideal, mas uma realidade: a natureza humana.

    Perry Anderson (1995, p. 22), conhecido terico de esquerda, afirma o seguinte:

    (...) o neoliberalismo um movimento ideolgico em escala verdadeiramente mundial, como o capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, autoconsciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo sua imagem, em sua ambio estrutural e sua extenso internacional. Eis a algo muito mais parecido ao movimento comunista de ontem do que o liberalismo ecltico e distendido do sculo passado.

    Nessa mesma linhagem terica Ramonet (1997, p. 23), apresenta o neoliberalismo como um pensamento nico hegemnico, pois trata-se da traduo em termos ideolgicos da pretenso universal dos interesses de um conjunto de foras econmicas, em particular do capital internacional.

    Estudos relativamente recentes apontam que, nos anos oitenta, o neoliberalismo conseguiu uma notvel expanso, ao convencer at mesmo aqueles que sustentavam o desenvolvimento baseado no Estado, sejam capitalistas ou socialistas. Exemplo disso a implementao de polticas neoliberais em governos socialdemocratas europeus na Espanha, Frana,

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    Grcia, Itlia e Portugal, assim como em correntes nacionalistas e populistas na Amrica Latina, como no peronismo argentino e no Partido Revolucionrio Institucional, do Mxico. O neoliberalismo espraiou sua poderosa hegemonia em mbito mundial tanto como liderana intelectual quanto como fora poltica. Mas essa expanso, mais do que geogrfica, diz respeito tambm penetrao em domnios que ideologias polticas anteriores jamais haviam alcanado.

    Ainda segundo os crticos de linhagem marxista, esse iderio no se limita ao mbito econmico, j que ele estende seus tentculos ao modo de uma expanso integral no sentido de um novo projeto de sociedade imposto pela poltica exterior norte-americana.

    Ao contrrio dos desenvolvimentos tericos que apresentam o fim das grandes narrativas e dos grandes relatos (tais como o partido, a nao, Deus) na segunda metade do sculo XX4, o neoliberalismo permanece como um macrorrelato nico que reina soberanamente na poca atual (Cf. HINKELAMMERT, 1996). Esse relato hipostasia o mercado como instncia intocvel, controlvel por leis imutveis e dadas como as que regem a natureza. Em sntese: economicamente o neoliberalismo fracassou, pois no conseguiu nenhuma revitalizao bsica do capitalismo avanado. Socialmente, funcionou criando sociedades mais desiguais. Poltica e ideologicamente, teve grande sucesso, pois se imps como nica alternativa. Ou seja, constitui-se numa verdadeira fora hegemnica. (ANDERSON, 1995, p. 23).

    Na poca que Foucault ministrou seu curso, Naissance de la biopolitique, provavelmente no poderia chegar a concluses semelhantes. Uma das razes que a implantao, expanso e consolidao do neoliberalismo como programa poltico nos pases ocidentais e at mesmo do Leste europeu ocorrer somente nas duas dcadas seguintes. Foucault trata do neoliberalismo sem que ainda tenha outros parmetros para avaliar seus resultados poltico-econmico-sociais, como procederam outros tericos nos anos que se seguiram ao governo de Margareth Thatcher (1979), de Ronald Reagan (1980), Helmut Khol (1982) ou, no caso da Amrica Latina, as

    4 Cf. Jean Franos Lyotard. A condio ps-moderna. 5a. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1998.

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    experincias-piloto do Chile e da Bolvia e sua expanso como modelo poltico-econmico para os demais pases desse Continente.5

    A outra razo, mais fundamental, que para Foucault ainda hoje seria insuficiente analisar o neoliberalismo somente em termos de seu sucesso ou fracasso como programa poltico e ideologia, como faz Perry Anderson.

    Foucault se afasta da perspectiva que situa de um lado a prtica e de outro a teoria, a infraestrutura e a superestrutura, o poder unicamente como explorao econmica e sua justificao ideolgica ao nvel das crenas, das maneiras de pensar. No haveria unicamente uma ideologia poltica legitimadora daquilo que ocorre nas prticas de produo do capital e exclusivamente nessas prticas.6

    O problema da noo de ideologia que tacitamente tem sido apresentada em oposio virtual a alguma coisa que seria a verdade.

    5 A expanso do neoliberalismo para a Amrica Latina foi possibilitada pela crise do pagamento das dvidas externas (que eclodiu no Mxico em 1982). Com isso, funda-se um clube de credores externos, que passam a impor ajustes estruturais que impelem, por sua vez, o programa neoliberal. Entretanto, o neoliberalismo surge na Amrica Latina atravs de duas experincias isoladas: Chile e Bolvia. A ditadura de Pinochet no Chile foi a primeira experincia neoliberal sistemtica do mundo. O neoliberalismo chileno teve como pressuposto a abolio da democracia. O objetivo fundamental foi a quebra do movimento operrio, considerando que a democracia em si mesma jamais havia sido um valor central do neoliberalismo. Em contraposio, a Bolvia, a partir de 1985 sob o governo de Sachs, foi a experincia-piloto que serviu de exemplo para o neoliberalismo do Oriente ps-sovitico, aplicado principalmente na Polnia e na Rssia. Ao contrrio do Chile, porm, o objetivo na Bolvia consistia na conteno da hiperinflao. No houve nenhuma ditadura. Sachs era herdeiro do governo populista e nesse sentido pode-se afirmar que a Amrica Latina tambm iniciou a variante neoliberal progressista, mais tarde difundida no sul da Europa, nos anos de euro-socialismo. (ANDERSON, 1995, p. 20). No entanto, os casos de Chile e Bolvia foram experincias isoladas at o final dos anos 80 na Amrica Latina. Na verdade, a virada neoliberal continental comeou no Mxico (Salinas, 1988), estendeu-se Argentina (Menem, 1989), Venezuela (Carlos Andrs Perez, 1989), ao Brasil (Collor de Melo, 1990) e ao Peru (Fujimori, 1990). Tais governos caracterizaram-se pelo xito em curto prazo, pela abertura do mercado de capitais e o fim da economia de substituio de importaes, mas tambm pelo autoritarismo poltico e pelo crescimento da desigualdade social. Para uma anlise crtica do neoliberalismo na Amrica Latina, ver: Jos Comblin. Le nolibralisme. Pense unique. Paris: LHarmattan, 2003. 6 Lazzarato afirma que, enquanto Marx analisava somente as prticas econmicas, Foucault leva em considerao uma multiplicidade de prticas. A teoria marxiana concentra-se exclusivamente na explorao. As outras relaes de poder (entre homens/mulheres, mdicos/pacientes, professores/alunos) e as outras modalidades de exerccio do poder (dominao, sujeio, submisso) so negligenciadas em funo da dimenso ontolgica da categoria trabalho (LAZZARATO, 2006, p. 62). Mais adiante, ele sublinha que o marxismo reduziu as formas de subjetivao classe; submeteu a criao de possveis ao trabalho produtivo; achatou as relaes de poder e as transformou em explorao. A dialtica marxista acelerou o processo de nivelamento, ao remeter toda a sociedade relao capital/trabalho, a multiplicidade aos dualismos, a assimetria simetria, arrastando tudo para o Estado, fazendo assim dele a cama do capitalismo. (LAZZARATO, 2006, p. 191).

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    (FOUCAULT, 2000, p.7)7. Ao renunciar permanecer na partilha entre verdade e ideologia, Foucault volve seu olhar para a histria e aponta como so produzidos efeitos de verdade em discursos, em si mesmos, nem verdadeiros nem falsos. No incumbncia fundamental do pensamento a crtica dos contedos ideolgicos vinculados aos discursos. O problema no mudar a conscincia das pessoas, ou o que elas tm na cabea, mas o regime poltico, econmico, institucional de produo da verdade. (FOUCAULT, 2000, p.14). Agrega ainda:

    Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua poltica geral de verdade: isto , os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as tcnicas e os procedimentos que so valorizados para a obteno da verdade; o estatuto daqueles que tm o encargo de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2000, p.12)

    O afastamento de Foucault da anlise do neoliberalismo como uma transformao da ideologia liberal ou de um programa de governo caracterizado somente nos termos do estado mnimo consequncia do modo como ele h tempo situava as relaes de poder: elas no so projees superestruturais da infraestrutura das relaes de produo; tampouco emanam de uma teoria doutrinria do Estado. Foucault pensa as relaes de poder desde outra perspectiva, razo pela qual tambm o neoliberalismo estudado de outro modo.

    A governamentalidade biopoltica neoliberal

    Foucault situou o neoliberalismo como exemplo emblemtico de biopoltica contempornea. Gordon lembra que Foucault no faz juzos de valor sobre a doutrina neoliberal ou seu exerccio efetivo de governo.8 A

    7 Um dos objetivos de Foucault em seus estudos sobre as sociedades disciplinares romper com o economicismo e a cultura dialtica dos dualismos, e demonstrar a pobreza e o reducionismo das explicaes da dominao pela ideologia (LAZZARATO, 2006, p. 64). 8 Um dos atributos conspcuos das leituras da governamentalidade de Foucault sua serena e (num sentido weberiano) exemplar absteno de juzos de valores. Em um substancial prembulo ele rejeita o uso do discurso acadmico como um veculo de injuno prtica (gosto disso; odeio aquilo; faa isso;

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    principal razo dessa ausncia de juzos, favorveis ou no, se deve justamente ao fato de t-lo problematizado como racionalidade governamental. Enquanto tal, deixa de ser relevante discorrer sobre a prtica governamental efetiva ou como os governantes governam; tambm se torna secundria a abordagem das doutrinas que fundamentam uma administrao do Estado. Saber por que se governa ou qual o melhor regime de governo no lhe interessa e, sim, como governar e qual a melhor maneira de governar.9 A governamentalidade o mbito reflexivo das prticas de governo, a racionalizao da prtica governamental no exerccio da soberania poltica.

    Uma das razes da problematizao do poder pela governamentalidade a releitura do isomoformismo aristotlico entre conduo poltica, conduo pedaggica e conduo de si mesmo. Aristteles, conforme Foucault, entendia o governo poltico no como a nica maneira de governar, mas somente como um modo de governar entre outros.

    Essa releitura permitiu que Foucault se afastasse da doutrina liberal segundo a qual h uma diferena qualitativa entre a esfera da administrao pblica do Estado e a esfera das relaes sociais privadas. A doutrina liberal est assentada nessa diviso para postular que a sociedade civil o limite da ao do Estado; o direito, o limite da soberania desptica.

    J o modus operandi do neoliberalismo tem estimulado a fluidez entre estas diferentes esferas do governo. Exemplo disso a progressiva transferncia das responsabilidades estatais, como o cuidado da sade e os investimentos em educao para o mbito das escolhas e responsabilidades individuais. Essa fluidez de competncias, frequentemente vista como o fim

    recuse aquilo...), e rejeita a ideia de que as escolhas polticas prticas podem ser determinadas no interior do espao de um texto terico, como que trivializando o ato da deciso moral ao nvel de uma mera preferncia esttica. (GORDON, 1991, p.6). Isso no exclui a simpatia pelos tericos liberais e neoliberais que propem uma arte de governar inventiva, ao contrrio da cultura crtica de esquerda e do socialismo, que no possuem e jamais possuram sua prpria arte de governar especfica porque ficaram limitados problemtica do Estado. Em todo o caso, saibamos apenas que, se h uma governamentalidade efetivamente socialista, ela no est oculta no interior do socialismo e dos seus textos. No se pode deduzi-la deles. preciso invent-la. (FOUCAULT, 2004b, p. 95). 9 A questo colocada (...) no , portanto, prioritariamente: por que governar? (que ressoaria como um a que bem governar?) -, a menos que se considere o anarquismo como a verdade do liberalismo, enquanto que ele somente uma consequncia que, contudo, transitou por outras correntes (Foucault mesmo pde ser considerado por alguns como um pensador anarquista, o que est longe de ser manifesto) - mas bem, antes: como governar? Dito de outro modo, como fazer a distino entre um artifcio perturbador e um artifcio facilitador? (DELEULE, 2000, p. 104-105. Grifos do autor).

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    da poltica ou o imperialismo da lgica do mercado, somente efeito ou reestruturao das tcnicas de governamentalidade, na percepo de Foucault.

    Quando adotada a perspectiva da governamentalidade, possvel desenvolver uma forma dinmica de anlise que no est limitada a enunciar a ocaso da poltica ou o predomnio do mercado, seno que decodifica o to famoso fim da poltica como um programa poltico. A crise do keynesianismo e o desmantelamento das formas de interveno encarnadas no estado de Bem-estar no leva consigo tanto uma perda da capacidade do estado para governar, mas principalmente uma reestruturao das tecnologias de governo (LEMKE, 2006, p. 14).

    Em razo disso que Foucault v tambm no neoliberalismo uma inovadora tecnologia do eu, um regime de saber-poder que atua na constituio do indivduo. Alm de ser uma tecnologia de governo poltica, o neoliberalismo est relacionado constituio de uma nova maneira de pensar e de agir, de ser e de viver. Depreende-se que ele pode ser considerado um dos maiores projetos de investimento contemporneo da vida.

    O investimento da vida e a constituio do indivduo

    No curso Naissance de la biopolitique, Foucault analisa o modelo da teoria do capital humano do neoliberalismo da Escola de Chicago, cujos expoentes mais conhecidos so G. Becker e T. Schultz. Esses autores propiciam a reinterpretao de dois elementos fundamentais da teoria econmica clssica, a saber: o capital e o trabalho. Essa reinterpretao indica que a constituio do indivduo no liberalismo clssico no a mesma que se observa no neoliberalismo contemporneo.

    Em Les mots et les choses (1966), Foucault afirma que na Idade Clssica (meados do sculo XVII at o final do sculo XVIII) a nfase eram as trocas de riquezas e no as relaes de trabalho. Era a poca da anlise das riquezas, quando ainda inexistia a economia poltica moderna. Ressalta que os clssicos s se preocupavam com a produo de bens oriunda do fator terra e do fator capital, mas praticamente esqueciam ou desqualificavam o fator trabalho. Caso emblemtico de A. Smith, para o qual o trabalho fator de produo passivo e no fator fundamental da economia. Somente na

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    Modernidade (a partir do ltimo quarto do sculo XVIII) o trabalho considerado o principal fator de produo.

    Provavelmente, aquele que melhor fez uma anlise moderna do trabalho tenha sido Marx. Ele entende que o modo de produo capitalista depende fundamentalmente do fator trabalho. Por ele o homem transforma a realidade e transforma a si prprio. Significa que individuar-se como trabalhador um dos efeitos revolucionrios da modernidade, porque sem essa individuao no se pode transformar a realidade da explorao nas relaes de produo e tampouco possvel transformar a si mesmo, de indivduo alienado para um indivduo desalienado.10

    Em Naissance de la biopolitique Foucault lembra que os neoliberais da Escola de Chicago no dialogam com Marx; mas, caso este dilogo houve sido realizado, provavelmente o teriam acusado de no haver examinado o trabalho na sua realidade concreta. Com efeito, a extrao da fora e tempo do trabalho, que gera valor e da qual uma parte extorquida, considerada por Marx um efeito do modo capitalista de produo.

    Marx apresenta a diviso entre trabalho abstrato e trabalho concreto como algo estrutural do capitalismo. No obstante, no entender de G. Becker, essa diviso tributria exclusivamente do modo como o trabalho representado pela teoria econmica quando esta no leva em conta a lgica do capital e sua realidade histrica. Jamais, portanto, a diviso entre trabalho abstrato e trabalho concreto seria uma consequncia do prprio capitalismo. Transformado em fora de trabalho, medido pelo tempo, colocado no mercado e retribudo como salrio, o trabalho amputado de sua realidade humana e suas variveis qualitativas.

    10 Marx entendia que o poder era dotado de fundaes estruturais, no sentido de que ele no emana de uma vontade individual, mas da lgica das relaes de produo ou das necessidades funcionais das organizaes de um modo geral. Mas, como ressalta Pizzorno, a vtima do poder (...) era o indivduo enquanto tal que aquele poder estrutural impede de se desenvolver como ele teria podido faz-lo em outras condies. Marx, portanto, tem necessidade da pressuposio da imagem de um indivduo portador de interesses verdadeiros, claramente identificveis, vlidos, duradouros. Se a noo de conscincia falsa pode ser utilizada a fim de explicar a conduta verdadeira do trabalhador no sistema capitalista, porque existe uma conscincia verdadeira, um interesse verdadeiro que, pode-se supor, constitui a identidade real do indivduo sujeitado pelo poder. (PIZZORNO, 1988, p. 238). Essa a razo pela qual podemos entender o processo de desalienao pelo termo individuao, e no individualizao. A individuao aqui entendida como a constituio de si mesmo como conscincia verdadeira. Foucault, por sua vez, jamais trabalha com essa perspectiva da pressuposio de um indivduo portador de interesses identificveis e verdadeiros.

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    O indivduo empreendedor

    Pensadores, como G. Becker e T. Schultz, querem justamente situar o trabalho a partir de sua realidade concreta, a saber: o prprio trabalhador e suas escolhas racionais. Nesse sentido que a teoria do capital humano (construda entre os anos 1960 e 1970) quer ser uma anlise concreta do trabalho ao entend-lo como conduta econmica racionalizada calculada por aquele que trabalha. A concretude do trabalho mensurada pelo investimento que o trabalhador faz livremente em si mesmo, na condio de ser humano capitalizvel.

    Cito T. Schultz:

    A caracterstica distintiva do capital humano a de que ele parte do homem. humano porquanto se acha configurado no homem, e capital porque uma fonte de satisfaes futuras, ou de futuros rendimentos, ou ambas a coisas. Onde os homens sejam pessoas livres, o capital humano no um ativo negocivel, no sentido de que possa ser vendido. Pode, sem dvida, ser adquirido, no como elemento de ativo, que se adquire no mercado, mas por intermdio de um investimento no prprio indivduo. (SCHULTZ, 1973, p. 53, grifos do autor).

    Se nenhuma pessoa pode separar-se do capital humano que possui significa que sua acumulao e preservao tm a ver com a constituio do prprio indivduo. A acumulao desse capital humano envolve domnios exteriores e mais amplos que a clssica gesto do tempo de trabalho, pela qual era levado em considerao somente o trabalho exercido na fbrica.

    A concretude da realidade do trabalhador e suas escolhas supem um investimento extensivo vida em todos os seus momentos e dimenses. Trata-se de administrar o uso adequado da existncia completa do indivduo: os afetos, o cuidado desde a gestao, a educao fora do sistema formal, a sade, seus deslocamentos, seu tempo livre.11

    11 Esse investimento constitudo: 1) pelo tempo que os pais dedicam aos filhos fora das atividades educacionais propriamente tais; a criana ser muito mais adaptvel dependendo do tempo de nutrio, de afeio, dos cuidados dados, do nvel de cultura dos pais e dos estmulos recebidos; de onde uma anlise circunstancial da vida da criana que poder ser medida em termos de possibilidades de

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    O cuidado da vida como capital permanente a ser aperfeioado e gerido ser doravante a razo principal das escolhas racionais do trabalhador. Importante que o trabalhador deixe se se individualizar como objeto de oferta e procura em razo de sua fora de trabalho. Necessrio se constituir como um indivduo ativo, como algum que seu prprio capital, seu prprio produtor e a fonte de seus prprios lucros, alm de ser o autor de sua prpria satisfao. (FOUCAULT, 2004b, p. 232. Grifos nossos).

    A principal contribuio do neoliberalismo da Escola de Chicago ter ampliado os conceitos de capital e de empresa para alm do domnio econmico. Se capitalizar o objetivo econmico maior de uma empresa, investir em capital humano o escopo permanente do ser humano empreendedor. A vida do indivduo em todas as suas dimenses pensada da perspectiva de uma empresa mltipla, como, por exemplo, em sua relao com a famlia, com a propriedade e com a segurana. (FOUCAULT, 2004b, p. 247; ver p. 267, nota 2).

    Um dos efeitos da generalizao da forma-empresa do domnio econmico para outros domnios, como o da constituio do indivduo, a progressiva dissoluo da oposio clssica entre trabalhador e empreendedor.

    Evidentemente que essa generalizao pode ser atribuvel aos deslocamentos no modo de produo e distribuio da riqueza no capitalismo (do modelo fordista para o taylorista, por exemplo); mas ela tambm se deve inveno de tcnicas polticas, sociais e educacionais de modificao do meio em que se vive com o objetivo de modular as escolhas individuais na sua tentativa de adaptao permanente a esse meio modificvel.12

    investimento em capital humano (Cf. FOUCAULT, 2004b, p. 236); 2) pelos cuidados mdicos, a partir dos quais o capital humano pode ser aperfeioado e utilizado no maior tempo possvel; de onde as polticas de proteo sade bem como a higiene pblica; 3) pela capacidade de um indivduo de se deslocar, de sua mobilidade inclusive migratria. Ainda que a mobilidade represente um custo econmico e psicolgico que demandam adaptao, seu objetivo maior o investimento em melhorias salariais, status social e assim por diante. O migrante um investidor, um empreendedor de si mesmo que faz um nmero de despesas e de investimentos para obter uma determinada melhoria. (Cf. FOUCAULT, 2004b, p. 236); 4) pelo investimento em inovao, em novas tecnologias; novas formas de produtividade resultam dos investimentos que foram feitos ao nvel do prprio ser humano (cf. FOUCAULT, 2004b, p. 238). 12 O neoliberalismo investe na vida a partir de intervenes diretas na modificao do meio em que se vive e de tcnicas indiretas de gesto da liberdade dos indivduos, na medida em que a modificao do meio os leva a modificar seu comportamento e suas escolhas. Se o meio, cujas variveis so artificialmente modificadas pela biopoltica neoliberal, o mercado e sua lgica, ento os indivduos

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    Modificado o meio, produzido como fluxo de capitais e regulado a partir do critrio do clculo racional de custos e benefcios, o trabalhador se v como empreendedor, e sua fora de trabalho, como capital a ser gerido por ele mesmo. Assim que nas tcnicas de governamentalidade neoliberais o indivduo, porque se modula como empreendedor, precisa constituir-se em algum responsvel por suas escolhas e decises.

    Os efeitos em termos de individualizao so notveis: busca-se produzir um indivduo responsvel cuja qualidade moral esteja fundada na escolha racional de uma determinada ao em razo da relao entre custos e benefcios, ao mesmo tempo em que aes alternativas so relegadas a plano secundrio. Cada indivduo levado a considerar-se um igualmente desigual.13 Explorao, dominao e toda outra forma de desigualdade social so tornadas invisveis como fenmeno social ao ponto que cada condio social individual avaliada somente como efeito de suas prprias escolhas e investimentos (HAMANN, 2009, p. 43).

    Na governamentalidade neoliberal o indivduo constitudo no prioritariamente como tomo jurdico que obedece a regras em vista da persecuo do bem coletivo, mas como ser calculista e racional cuja responsabilidade maior velar pelo cuidado de sua vida, a saber: o correto investimento em seu capital humano. A vida no administrada considerada como fracasso moral do indivduo; quando isso ocorre ele objetivado como algum irresponsvel por suas escolhas.

    O indivduo competitivo e adaptvel

    Ao ser constitudo como um empreendedor e nico responsvel por suas decises e escolhas, tambm est em jogo na individualizao neoliberal a lgica da competitividade.

    constitudos em razo da adaptao a essas modificaes so aqueles que passam a ver-se e a perceber-se como livres empreendedores de si mesmos, portadores de um capital humano a ser mantido e potencializado, diferentemente das demais formas de capital. 13 O que nico no neoliberalismo que ele estabelece um continuum entre aqueles que esto confinados e os que no esto. Ao passo que o Hospital Geral descrito por Foucault servia para constituir uma diviso entre os sujeitos normais e patolgicos, a governamentalidade neoliberal aponta na direo da produo de algo como um plano social graduado ao constituir todo sujeito como igualmente desigual. Encarcerado ou no, todos os sujeitos neoliberais so presumidamente iguais e livres. (HAMANN, 2009, p. 50). As divises sociais existem, mas elas so atribudas como fracassos resultantes de escolhas e responsabilidades do indivduo.

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    Se no liberalismo clssico a troca era considerada o elemento natural das relaes exclusivamente econmicas14, no neoliberalismo a concorrncia se torna o elemento fundamental no somente da economia, mas tambm das relaes sociais e polticas (FOUCAULT, 2004b, p. 122). Entretanto, a concorrncia no vista como elemento natural da sociedade; ela situada como princpio formal15 a ser protegido pelo Estado diante da natural tendncia monopolista do mercado e da propenso intervencionista do prprio Estado.16

    Nessa lgica da concorrncia, algum empreendedor de si mesmo quando se subjetivar como indivduo competitivo. A competio deve ser promovida, incentivada, estimulada, proporcionando desdobramentos reflexivos importantes no modo pelo qual ele constitudo.

    14 Na idade clssica, sobretudo para Adam Smith, o homo oeconomicus, como homem da troca, era considerado um elemento intangvel em relao ao exerccio do poder poltico. A economia era pensada como limite da prtica poltica. De onde a afirmao de que O rei reina, mas no governa. Quer dizer, na medida em que a dinmica das relaes econmicas aquilo que escapa arbitrariedade da soberania poltica, o homem da troca aquele que desafia o prprio poder poltico. 15 Os liberais clssicos do sculo XVIII deduziam a economia de mercado a partir da centralidade da troca, como princpio natural do laisser-faire. Os liberais do sculo XIX, por sua vez, enfatizaram a concorrncia na economia de mercado, principalmente porque ela era considerada tambm um princpio natural do laisser-faire. Os ordoliberais alemes na verdade, a verso alem do neoliberalismo do ps-guerra -, avaliaram essa percepo da concorrncia como uma ingenuidade naturalista. Para eles, o laisser-faire no pode ser deduzido do princpio da concorrncia como forma organizadora do mercado. Os efeitos benficos da concorrncia no se devem a uma anterioridade natural, a um dado natural que traria consigo. A concorrncia tem uma lgica interna, ela tem sua estrutura prpria. Seus efeitos somente sero produzidos se esta lgica for respeitada. De algum modo, trata-se de um jogo formal entre desigualdades. Jamais se trata de um jogo natural entre indivduos e comportamentos (FOUCAULT, 2004b, p. 124). Ora, inexiste concorrncia pura; ela um objetivo histrico de uma arte de governo, jamais um princpio natural a ser respeitado. A atuao do Estado no se limita mais em garantir e em fiscalizar para que uma suposta concorrncia pura seja garantida; a atividade governamental estar inteiramente envolvida com a economia de mercado. A regra que definir as aes governamentais ter como ndice geral a economia de mercado. Conclui Foucault: necessrio governar para o mercado, antes que governar por causa do mercado. (FOUCAULT, 2004b, p. 125). O Estado dever intervir na economia somente em razo dos efeitos antissociais que a ausncia de concorrncia poderia produzir, como o caso dos monoplios. 16 Em A. Smith encontramos a tese de que o Estado deve se limitar a instaurar e conservar as condies gerais que permitem aos mecanismos concorrenciais produzir seus efeitos. (SMITH, 1991, p. 430). Ela se tornou quase um credo no Trait dconomie politique, de J.-B. Say e foi radicalizada na Escola Austraca, principalmente por F. von Hayek. Essa radicalizao admite que no somente as atividades mercadolgicas devem ser protegidas de toda interveno nefasta do poder poltico, mas (tambm) o prprio mercado pode ser elevado ao patamar de um princpio poltico porque, na medida em que ele institudo de modo a escapar a todo controle humano, encarna um princpio impessoal de alocao do maior nmero de recursos (riquezas, poderes, considerao), privando assim o poder poltico de toda interveno arbitrria nesses domnios (LAZZERI, 2000, p. 203).

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    Para ser algum competitivo dever sentir-se produtivo, flexvel e inovador em qualquer situao. A competitividade deixa de ser somente um mecanismo comum entre as empresas para estender-se de maneira avassaladora entre os prprios seres humanos e todas as relaes sociais.

    Ser objetivado como indivduo competitivo demanda, paradoxalmente, que ele seja adaptvel e manipulvel s modificaes nas variveis do meio. Como pondera Becker, o indivduo se subjetiva como homo oeconomicus quando ele aceita (livremente) essa realidade.17 Sua conduta somente considerada racional quando sensvel a essas modificaes nas variveis na lgica do mercado.18 Nessa lgica necessrio produzir um indivduo cuja resposta seja sempre sistemtica, jamais aleatria. A economia ser a cincia encarregada tambm do comportamento humano, da produo de respostas sistemticas s variveis da sociedade de mercado concorrencial (FOUCAULT, 2004b, p. 273). Essa sistemtica da governamentalidade neoliberal nos leva a refletir sobre a pertinncia da constituio do indivduo e a caracterizao do autogoverno como exerccio da liberdade.

    A Gesto da liberdade

    Foucault deixava entender em suas intervenes que inexiste uma liberdade natural do ser humano. O indivduo livre no poderia ser identificado ao portador de interesses, que persegue certos fins. Ser livre no se limita a agir sem impedimentos externos, sem a coero do poder pblico ou de outra natureza.19

    17 (...) aquele que manipulvel, e que responder sistematicamente s modificaes sistemticas que sero introduzidas artificialmente no meio. (...) o homo oeconomicus aparece agora como o correlativo de uma governamentalidade, que vai agir sobre o meio e modificar sistematicamente as variveis do meio. (FOUCAULT, 2004b, p. 274). 18 No liberalismo clssico, o mercado era visto como uma realidade quase-natural, j existente, situada entre uma espcie de reserva econmica em um espao supervisionado pelo Estado. No Ordoliberalismo a lgica do mercado no vista como algo natural, mas como constructo social desenvolvido que deve ser protegido e que, portanto, requer uma instituio positiva e um quadro jurdico para que o jogo da empresa funcione plenamente. (PETERS, M. A., 2001, p. 80). A Escola de Chicago, portanto, prolonga essa concepo do Ordoliberalismo alemo. 19 Essa era a concepo juridicamente codificada de liberdade, atrelada ao individualismo, se por este ltimo entendermos o valor ltimo que um sistema poltico reconhece ao indivduo e sua singularidade sob a forma de um grau de independncia substancial que lhe concedida pela sociedade. Essa independncia substancial protegida juridicamente o que Hugo Grotius, no clssico Le droit de la guerre et de la paix (1625), denominar de direito subjetivo, retomado por Hobbes como direito-liberdade e que mais tarde I. Berlim, depois dos estudos de J. Bentham e B. Constant, conceitua como liberdade negativa. Esta ltima, entendida como uma espcie de ato de cidadania mnima que na

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    Quando Foucault analisa o poder nos termos da governamentalidade, define esta como a arte da conduo de condutas ou a tentativa de determinao das possibilidades de ao de outrem como princpio do prprio agir.

    A liberdade identificada como efeito de aes que podem tanto limitar o campo de possibilidade de outras aes, como tambm no se deixar determinar inteiramente por elas. Significa que os indivduos so livres quando agem, diferentemente da concepo segundo a qual h aes livres quando emanadas de um indivduo j livre. Depreende-se a afirmao foucaultiana de que no existe a liberdade, mas prticas de liberdade que podem criar e produzir modos de se governar, como tambm limitar e resistir ao governo de outrem. O exerccio do governo a arte de gerir e delimitar o campo de possibilidades do exerccio da liberdade.

    Analisado pelo vis da governamentalidade o neoliberalismo muito mais do que uma doutrina econmica e muito menos do que uma doutrina poltica. Ele considerado uma racionalidade refletida que atua na organizao e gesto do campo possvel a partir do qual podemos nos considerar seres livres.20

    Por exemplo, o cuidado da vida e sua proteo so pensados no como atribuio do Estado, mas algo da esfera das decises, escolhas e responsabilidades livremente exercidas pelos indivduos. Sem deixar que eles se sintam livres para atuar, suas aes podem ser moduladas se forem modificadas as variveis do campo de possibilidades no qual ele vive.

    teoria consiste na defesa exclusiva dessa esfera de liberdade contra os impedimentos da potncia pblica quando ela obstaculiza a jurisdio do agente sobre suas preferncias a compreendidas, por consequncia quando ela formula uma demanda de servio cvico que consiste em constranger o agente a defender seus prprios direitos. (LAZZERI, 2000, p. 200). 20 Preservadas suas diferenas, raciocnio semelhante pode ser feito em relao ao liberalismo clssico. Se como doutrina poltica ele considerado a fonte das liberdades e garantias individuais e, como doutrina econmica, a origem da ideia de liberdade de mercado, j pelo vis da governamentalidade, o liberalismo a arte de produzir e consumir liberdades. De um lado o liberalismo consome e necessita da liberdade na medida em que funciona somente a partir de um determinado nmero de liberdades: de mercado, de circulao, de expresso; mas, de outro, tal maneira de governar administra o campo da liberdade, quer dizer, a gesto e organizao das condies a partir das quais se pode ser livre. O termo liberal se refere justamente a essa estreiteza da liberdade. A nova arte governamental vai apresentar-se portanto como gestora da liberdade, no no sentido do imperativo : seja livre, com a contradio imediata que esse imperativo pode trazer. (...) O liberalismo, no sentido em que eu o entendo, esse liberalismo que podemos caracterizar como a nova arte de governar formada no sculo XVIII, implica em seu mago uma relao de produo/destruio em relao liberdade. De um lado, preciso produzir liberdade, mas esse mesmo gesto implica que, de outro, se estabeleam limitaes, controles, coeres, obrigaes apoiadas em ameaas etc. (FOUCAULT, 2004b, p. 65).

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    Nesse sentido que Foucault afirma ser o neoliberalismo a condio de inteligibilidade da biopoltica de nossa poca (FOUCAULT, 2004b, p. 24). Se nas disciplinas atuava-se diretamente na normalizao do indivduo pela otimizao de seu corpo e o enfraquecimento de sua vontade, na biopoltica, desde a segunda metade do sculo XVIII, h uma atuao direta e constante na regulao do territrio e, indiretamente, na constituio de uma populao. No caso da biopoltica neoliberal, opera-se tambm sobre a vida, porm de modo indireto. No se trata somente de normalizar o indivduo ou de regular seus processos vitais como parte de uma populao, mas principalmente de modular condies, possibilidades e efeitos de suas aes pela interveno e delimitao recorrente no seu campo de possibilidades.

    Sem que o indivduo moderno tenha deixado de ser fabricado pelas tcnicas de poder disciplinares e seus mecanismos de normalizao que atuam sobre o corpo; sem que a populao tenha deixado de ser constituda pelo biopoder e as tcnicas reguladoras da vida em seu sentido biolgico, adentramo-nos na era das tcnicas de governamentalidade neoliberais, que atuam sobre as motivaes, desejos e aspiraes que impelem as aes. Ao mesmo tempo em que as tcnicas de governamentalidade neoliberais so menos restritivas e corporais ao no se preocuparem em confinar e fixar os corpos de maneira segmentada para o sistema produtivo; na medida em que elas no so essencialmente mecanismos de regulao e interveno que atuam diretamente sobre a vida biolgica, em compensao elas so intensas ao saturar o campo das aes livres possveis.

    Trata-se da administrao do clculo entre interesses, liberdades e riscos; e justamente para minimizar os riscos que atuam os dispositivos de segurana. Um dos efeitos da articulao entre tcnicas de governamentalidade e dispositivos de segurana a constituio de indivduos situados entre a livre competitividade e a insegurana social. Para garantir que algum se individualize como livre e competitivo, mister a produo de dispositivos e princpios de precauo21 que atenuem os perigos ameaadores segurana dos indivduos.

    A questo a ser posta a seguinte: em que aspecto esse cuidado da qualidade de vidados indivduos no seria o correlato de um controle intenso

    21 Sobre as dimenses filosficas, jurdicas e polticas do princpio de precauo (cf. EWALD, F.; GOLLIER, Ch.; SADELEER, N. de., 2008).

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    das possibilidades reais e virtuais de sua vida qualificada (Bios)? A politizao intermitente do campo vital por parte da governamentalidade neoliberal e as cincias que a apoiam, no teriam tornado a qualidade de vida em uma vida sem qualificaes?22 Este cuidado da vida pelo autogoverno neoliberal no desqualificou o cuidado de si, como princpio de inquietude e transformao de si mesmo?

    Consideraes finais

    Em diversos momentos, entre o final dos anos 1970 e incio do decnio de 1980, Foucault mostra uma srie de lutas estratgicas que os indivduos podem criar para que no sejam governados de uma determinada maneira por certos agentes, como a da populao que resiste a uma medicao ou a criao de estilos de viver que se contrapem a uma vida administrada. Essas lutas constituem posturas crticas a formas contemporneas de governamentalidade, especialmente s tcnicas administrativas que intervm constantemente num meio a fim de, indiretamente, modular as escolhas e decises individuais. Essas tcnicas procuram atribuir uma identidade aos indivduos pela constituio de um saber verdadeiro sobre eles; igualmente, elas buscam ofuscar as diferenas reais que fazem deles, seres irredutivelmente singulares.

    Foucault tem insistido que a partir do sculo XIX, o acesso verdade oferecido quase que exclusivamente pelo conhecimento cientfico. Cincias do homem, como a psicologia, a psiquiatria; cincias sociais aplicadas, como a administrao e a estatstica; e cincias da vida, com a biologia e a biomedicina, procuram mediar, pelo cuidado da vida e a modulao do comportamento, o acesso verdadeira identidade dos indivduos. Essas mediaes do cuidado da vida e da modulao das condutas exerceram um papel fundamental para as novas formas biopolticas de governamentalidade, como a do neoliberalismo.

    22 As sociedades, transformadas em populao (no dizer de Foucault na aula A governamentalidade: conjunto de seres vivos), inscrevem novas linhas do poltico, fazendo da sade, da fome, da segurana, da higiene, dos estilos de vida, uma instncia de permanente luta, interveno e politizao (recentemente, por exemplo, foi a qualidade de vida, essa frmula chave da era neoliberal, a que transformou os imaginrios da vida digna em oposio a uma vida sem qualificaes, sem valor, sem qualidade). (GIORGI, G.; RODRGUEZ, F., 2007, p.11).

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    Penso, porm, que jamais elas podem ser includas no conjunto das prticas envolvidas pelo fio condutor do cuidado de si, como problematizado por Foucault nos anos 1980, principalmente em Lhermeneutique du sujet.

    As tcnicas de governamentalidade neoliberais que operam pela individualizao/administrao da vida ao modo de uma empresa mltipla, no sentido de levar o indivduo a se reconhecer como responsvel, competitivo, produtivo e empreendedor de si mesmo, encontram-se nas antpodas do cuidado de si como o senhorio e domnio de si para consigo.

    Equvoca a suposio de que Foucault teria visto na individualizao neoliberal uma das possibilidades contemporneas da constituio do indivduo pelo cuidado de si. A modulao da vida de algum como empresa para si mesmo no pode ser considerada uma verso23 do cuidado de si. No mnimo, trata-se da incitao a um tipo de cuidado da vida do qual necessrio permanentemente descuidar-se.

    A compreenso do cuidado de si como descaminho para deixar de ser o que se ou como descuido de uma vida constantemente pensada somente nos limites do empreendedorismo fundamental em Foucault. O cuidado de si como princpio de agitao, princpio de movimento, princpio de inquietude permanente (FOUCAULT, 2001, p. 9) se afasta de qualquer apelo individualista ou identitrio; antes, ele incita o desprendimento contnuo de nosso eu normalmente administrado e competitivo que atua somente a partir de escolhas j estabelecidas.

    Cuidar de si desprender-se do conhecimento de ns mesmos atrelado s identidades que a sociedade da administrao e do empreendedorismo leva-nos a aceitar, a torn-las quase algo natural. As verdades associadas a tais identidades geralmente trazem embutidos efeitos de poder em funo dos quais somos classificados e objetivados de responsveis ou irresponsveis, empreendedores ou fracassados, competitivos ou inadaptados.

    Quando Foucault afirma que preciso desprender-se do eu, ele se refere a esse eu mimtico que individualizamos de maneira modulada. Paradoxalmente, o cuidado de si, como princpio de inquietude, implica num descuidar-se do eu livre, porm, administrado, da biopoltica neoliberal.

    23 Essa a posio de Michel A. Peters, em seu livro Poststructuralism, Marxism, and Neoliberalism (2001, p. 81).

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    Recebido em: junho de 2011 Aprovado em: setembro de 2011

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