Isaac Asimov - Fundação - Fundação II

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FUNDAO IIHari Seldon previu que a humanidade perderia seu domnio sobre a galxia. Para evitar esse desastre, elaborou um plano que, seguido risca, em mil anos deveria fazer surgir uma nova era de glrias para o homem. Mas ele no contava com o Mulo, um ser mutante que colocaria todo o plano a perder. Seu objetivo derrotar a Fundao para que um novo Imprio se erga em torno de seus fantsticos poderes mentais. Mas, para consolidar sua vitria, ainda ter de enfrentar um inimigo igualmente poderoso, conhecido como a Segunda Fundao.

Ttulo original: "Foundations Edge". Copyright 1951 by Isaac AsimovFC Hemus

Dedicado a Betty Prashker, que insistiu, e a Lester del Rey, que atormentou

Prlogo

O Primeiro Imprio Galctico estava caindo. Estivera decaindo e se fragmentando por sculos, e s um homem percebeu completamente o fato. Era Hari Seldon, o ltimo grande cientista do Primeiro Imprio, e foi ele que aperfeioou a psico-histria - a cincia do comportamento humano reduzida a equaes matemticas. O ser humano individual imprevisvel, mas as reaes das multides humanas, Seldon descobriu, podiam ser tratadas estatisticamente Quanto maior a multido, maior a preciso que poderia ser atingida. E o tamanho das massas humanas com que Seldon trabalhava era nada menos que a populao de todos os milhes de mundos habitados da Galxia. As equaes de Seldon lhe diziam que, deixado a si mesmo, o Imprio cairia e que trinta mil anos de misria e agonia se passariam antes que um Segundo Imprio se re-erguesse das runas. Ainda assim, se se pudessem ajustar algumas das condies j existentes, aquele Interregno poderia ser diminudo para um s milnio - apenas mil anos. Foi para garantir isto que Seldon estabeleceu duas colnias de cientistas, que ele chamou Fundaes. Com inteno deliberada estabeleceu-as em extremos opostos da Galxia. A Primeira Fundao, centrada na cincia fsica, foi estabelecida luz do sol da publicidade. A existncia da outra, a Segunda Fundao, um mundo de cientistas psico-histricos e mentlicos, foi afogada no silncio. Na Trilogia da Fundao, narrada a histria dos primeiros quatrocentos anos do Interregno. A Primeira Fundao (comumente conhecida simplesmente como Fundao, pois que a existncia de uma outra era desconhecida de quase todos) comeou como uma pequena comunidade perdida no vazio da Periferia Exterior da Galxia. Periodicamente defrontava-se com uma crise em que as variveis das relaes humanas e das correntes econmicas e sociais da poca se fechavam sua volta. Sua liberdade de movimento ficava apenas ao longo de uma certa linha, e quando se deslocava naquele sentido, um novo horizonte de desenvolvimento se abria diante dela. E tudo havia sido planejado por Hari Seldon, morto havia muito. A Primeira Fundao, com sua cincia superior, tomou os planetas barbarizados que a circundavam. Defrontou-se com os chefetes anrquicos que rompiam com o Imprio moribundo e derrotou-os. Defrontou-se com o prprio remanescente do Imprio, sob seu ltimo Imperador forte e seu ltimo general forte - e bateu-o. Parecia que o Plano de Seldon estava se desenvolvendo suavemente e que nada evitaria que o Segundo Imprio fosse estabelecido em tempo - e com um mnimo de devastao intermediria.

Mas a psico-histria uma cincia estatstica. Sempre h pequena chance que algo d errado, e algo deu errado - algo que Hari Seldon no poderia ter previsto. Um homem, chamado o Mulo, apareceu do nada. Tinha poderes mentais numa Galxia que no os tinha. Podia moldar as emoes humanas e conformar suas mentes de modo que seus oponentes mais encarniados se transformavam em seus servidores mais devotados. Os exrcitos no podiam, e no queriam combat-lo. A Primeira Fundao caiu e o Plano de Seldon parecia estar em runas. E sobrou a misteriosa Segunda Fundao, que foi apanhada despreparada pela sbita apario do Mulo, mas que agora estava elaborando lentamente um contra-ataque. Sua grande defesa era sua localizao desconhecida. O Mulo procurou-a para tornar completa a sua conquista da Galxia. Os leais ao que foi deixado da Primeira Fundao procuraram-na para obter ajuda. Nenhum dos dois a encontrou. O Mulo foi detido pela ao de uma mulher, Bayta Darell, e que ganhou tempo suficiente para a Segunda Fundao organizar uma ao adequada, com o que pde deter o Mulo permanentemente. Lentamente, prepararam-se para restabelecer o Plano de Seldon. Mas, de certa maneira, o disfarce da Segunda Fundao tinha-se ido. A Primeira Fundao sabia da existncia da Segunda, e a Primeira no queria um futuro em que fosse sobrepujada por mentalistas. A Primeira Fundao era superior em fora fsica, ao passo que a Segunda Fundao era prejudicada no s por este fato, mas por encarar uma tarefa dupla: no s tinha de deter a Primeira Fundao, mas reconquistar sua anonimidade.. Esta Segunda Fundao, sob seu maior Primeiro Orador, Prim Palver, conseguiuo. Primeira Fundao concedeu-se uma vitria aparente, parecendo derrotar a Segunda Fundao, e avanou rumo a uma fora cada vez maior, pela Galxia, totalmente ignorante de que a Segunda Fundao ainda existia. Agora, estamos a quatrocentos e noventa e oito anos depois do nascimento da Primeira Fundao. Est no pice de sua fora, mas h um homem que no aceita aparncias...

-I-

CONSELHEIRO

1.- No acredito nisso, claro - disse Golan Trevize, na ampla escadaria do Seldon Hall, contemplando a cidade a rebrilhar ao sol. Terminus era um planeta ameno, com uma elevada relao gua/terra. A introduo do controle climtico tornara-o ainda mais confortvel e consideravelmente menos interessante, costumava pensar Trevize. - No acredito em nada disso - ele repetiu, sorrindo. Seus dentes brancos e regulares brilharam em seu rosto juvenil. Seu amigo e colega Conselheiro, Munn Li Compor, que adotara um nome intermedirio, desafiando a tradio de Terminus, abanou a cabea, recalcitrando. - Em que voc no acredita? Que salvamos a cidade? - Ah, nisso acredito. Conseguimos, no ? E Seldon disse que conseguiramos, e que estaramos certos ao faz-lo, ele sabia de tudo h uns quinhentos anos. A voz de Compor caiu de tom e disse, num quase-sussurro: - Olhe, eu no me importo que voc fale disso comigo, porque aceito essas coisas como simples conversa, mas se voc ficar gritando essas coisas no meio do povo, outros ouviro e, francamente, no quero estar por perto quando um raio o atingir. No estou certo se a pontaria vai ser boa. O sorriso de Trevize era inabalvel. - H algum mal em dizer que a cidade est salva? E que o fizemos sem uma guerra? - No havia uma guerra para lutar - disse Compor. Tinha o cabelo de um amarelomanteiga, olhos de cu azul, e sempre resistiu ao impulso de alterar aqueles tons j fora de moda. - J ouviu falar da guerra civil, Compor? - Trevize era alto, cabelos negros, com uma suave ondulao,e tinha o habito de andar com os polegares encaixados no cinto de fibra macia que sempre usava. - Uma guerra civil na rea da capital? - A questo foi suficiente para acarretar uma Crise Seldon. Destruiu a carreira poltica de Hannis. Colocou voc e eu no Conselho na ltima eleio e a questo permaneceu... - E torceu a mo lentamente, para um lado e para o outro, como uma balana procurando o equilbrio. Parou na escadaria, ignorando os outros membros do governo e meios de comunicao, bem como os tipos da alta sociedade que cavaram um convite para testemunhar a volta de Seldon (ou a volta de sua imagem, pelo menos). Todos estavam descendo a escada, conversando, rindo, rejubilando-se com a correo de tudo, banhados na aprovao de Seldon. Trevize deixara-se ficar, deixava a multido passar sua volta. Compor, tendo descido dois degraus, fez uma pausa - um cordo invisvel se distendendo entre eles. Disse: - Voc no vem? - No h pressa. No vo comear a reunio do Conselho at que a Prefeita Branno tenha revisado a situao de sua maneira usual, arrastando os ps, slaba por s-

laba. No tenho pressa de suportar outro discurso pesado. Veja s a cidade! - Estou vendo. J a vi ontem, tambm. - Sim, mas voc a viu quinhentos anos atrs, quando foi fundada? - Quatrocentos e noventa e oito - corrigiu-o Compor automaticamente. - Daqui a dois anos, teremos a celebrao do sesquimilnio e a prefeita Branno ainda estar no cargo, se no contarmos com eventos, esperemos, de menor probabilidade. - Esperemos - disse Trevize, secamente. - Mas, como era h quinhentos anos, quando foi fundada? Uma cidade! Uma vila, ocupada por um grupo de homens preparando uma Enciclopdia que nunca foi acabada! - Claro que foi acabada. -- Voc est se referindo Enciclopdia Galctica que temos agora? O que temos no aquilo em que eles estavam trabalhando. A que temos est num computador, e revisada diariamente. J viu o original incompleto? - Quer dizer, o do Museu Hardin? - O Museu Salvor Hardin das Origens. Digamos o nome inteiro, por favor, j que voc to cuidadoso sobre datas exatas. J o examinou? - No. Deveria? - No, no vale a pena. Mas, de qualquer maneira - l estavam eles - um grupo de enciclopedistas, formando o ncleo de uma cidade - um vilarejo num mundo virtualmente desprovido de metais, rodeando um sol isolado do resto da Galxia, margem, bem no limite. E agora, quinhentos anos depois, somos um mundo suburbano. Todo o local um grande parque, com todo o metal que queremos. Estamos no centro de tudo, agora! - No de fato - disse Compor. - Ainda estamos circulando volta de um sol isolado do resto da Galxia. Ainda nos limites da Galxia. - Ah, no, est falando isso sem pensar. esse o tema de toda esta pequena Crise Seldon. Somos mais que o mundo isolado de Terminus. Somos a Fundao, que estende seus tentculos por toda a Galxia e a governa de sua posio limtrofe. Podemos faz-lo porque no estamos isolados, exceto pela posio, e isto no conta. - Est bem; aceito. - Compor estava claramente desinteressado e desceu mais um degrau. O cordo invisvel entre eles estendeu-se mais. Trevize estendeu a mo, como que para puxar seu companheiro escada acima, de novo. - No percebe a significncia, Compor? H esta enorme mudana, mas no a aceitamos. Em nossos coraes, queremos a pequena Fundao, aquela operao pequena, num mundo s, que tnhamos nos velhos tempos - os tempos dos heris de ferro e nobres santos, que se foram para sempre. - Ora, vamos! - Estou falando srio. Olhe s o Seldon Hall. Para comear, nas primeiras crises, nos tempos de Salvor Hardin, era s a Cpsula do Tempo, um pequeno auditrio onde a imagem hologrfica de Seldon aparecia. E era tudo. Agora, um mausolu colossal, mas h uma rampa de campo de fora no lugar? Uma esteira deslizante? Um ascensor gravtico? No, s estes degraus, e subimos e descemos por eles como Hardin teria de fazer. Em momentos estranhos e imprevisveis, nos agarramos, com medo, ao passado. Estendeu os braos, apaixonadamente. - H algum componente estrutural metlico visvel? Nenhum. No ficaria bem, pois no tempo de Salvor Hardin no havia metal nativo algum, e pouqussimo metal importado. Instalamos mesmo plstico envelhecido, rosado pela idade, quando construmos esse enorme amontoado, de modo que visitantes de outros mundos possam parar e dizer: Pela Galxia! Que adorvel plstico antigo! Estou lhe dizendo, Compor, uma impostura.

- E em que voc no acredita, ento? No Seldon Hall? - Em todo o seu contedo - disse Trevize sussurrando com raiva. - No acredito realmente que haja algum sentido em esconder-se aqui, na fronteira do Universo, s porque nossos ancestrais assim o fizeram. Acredito que deveramos estar l, no meio de tudo. - Mas Seldon diz que voc est errado, O Plano Seldon est funcionando como deveria. - Eu sei, eu sei. E toda criana em Terminus educada acreditando que Hari Seldon formulou um Plano, que previu tudo h cinco sculos, que estabeleceu a Fundao de tal modo que ele poderia localizar essas crises, e que sua imagem apareceria holograficamente durante essas crises, a nos dizer o mnimo que precisaramos saber at a prxima crise, e assim nos levar atravs de mil anos de histria, at que pudssemos seguramente constituir um Segundo e Maior Imprio Galctico sobre as runas da estrutura velha e decrpita que estava caindo aos pedaos h cinco sculos, e h dois sculos desintegrara-se completamente - Por que est me contando tudo isto, Golan? - Para lhe mostrar que uma impostura. tudo uma farsa. Ou se era real no comeo, uma farsa agora! Agora somos senhores de ns mesmos. No somos ns que estamos seguindo o Plano. Compor olhou para o outro, interrogativo. - Voc j disse coisas como esta antes, Golan, mas eu sempre pensei que estava dizendo coisas ridculas s para me provocar. Pela Galxia, de fato, creio que voc fala srio. - claro que estou falando srio! - No pode estar. Ou isto alguma piada complicada s minhas expensas, ou voc perdeu a cabea. - Nem um, nem outro - disse Trevize, quieto agora, pendurando os polegares em seu cinto, como se no mais precisasse dos gestos das mos para pontuar sua paixo. - Especulei sobre isto antes, admito, mas era apenas intuio. A farsa desta manh, porm, tomou tudo subitamente muito simples para mim e pretendo, por outro lado, tornar tudo muito claro para o Conselho. Compor retrucou: - Voc est louco! - Est bem, venha comigo e oua. Os dois desceram a escadaria. Eram os nicos a ficar para trs - os ltimos a completar a descida. E ao Trevize adiantar-se ligeiramente, os lbios de Compor moveram-se silenciosamente, lanando uma palavra sem voz na direo das costas do outro: - Seu louco!

2.A Prefeita Harla Branno convocou o incio da sesso do Conselho Executivo. Seus olhos olharam, sem nenhum sinal visvel de interesse, para a reunio, mas ningum duvidava que ela anotara todos os que estavam presentes, e todos os que ainda no chegaram. Seu cabelo grisalho estava penteado de modo que no era marcadamente feminino, nem imitao do masculino. Era simplesmente o penteado dela, nada mais. Seu rosto comum no era notado pela beleza, mas de certa forma, nunca era beleza que algum procurava nele. Era a administradora mais capaz do planeta. Ningum podia, ou realmente a acusava do brilho dos Salvor Hardins e dos Hober Mallows, cujas histrias enriqueceram os primeiros dois sculos da existncia da Fundao, mas tampouco algum a associaria insensatez dos Indburs hereditrios que dirigiram a Fundao pouco antes dos tempos do Mulo. Seus discursos no exaltavam, nem ela possua o dom do gesto dramtico, mas tinha a capacidade de tomar decises silenciosas e segui-las enquanto estivesse convencida de ter razo. Sem qualquer carisma bvio, tinha a habilidade de persuadir os eleitores de que aquelas decises silenciosas seriam as melhores. Como pela doutrina Seldon, a mudana histrica em grande parte difcil de desviar (sempre descontando o imprevisvel, algo que a maioria dos seldonistas esquece, a despeito do catastrfico incidente do Mulo), a Fundao poderia ter retido sua capital em Terminus sob quaisquer condies. Apenas poderia. Seldon, em sua ltima apario, na qualidade de um simulacro de quinhentos anos de idade, calmamente colocara a probabilidade de ela continuar em Terminus em 87,2 por cento. No obstante, mesmo para os seldonistas, isso significava haver uma probabilidade de 12,8 por cento que a mudana para algum ponto mais perto do centro da Federao da Fundao poderia ter sido feita, com todas as temveis consequncias que Seldon delineara. Que esta chance, dentre oito, no ocorreu, devia-se Prefeita Branno. Era certo que ela no a permitiria. Atravs dos perodos de considervel impopularidade, ela ateve-se deciso de que Terminus era a sede tradicional da Fundao e que l permaneceria. Seus inimigos polticos caricaturaram seu forte maxilar como se feito de granito, para ilustrar sua teimosia (com o que atingiram algum efeito, devese admitir). E agora Seldon apoiara o ponto de vista dela, e pelo menos por hora, isto lhe daria uma esmagadora vantagem poltica. Informou-se que, um ano antes, ela dissera que se na prxima apario de Seldon este a apoiasse, consideraria sua tarefa completada com sucesso. Ento se aposentaria e assumiria o papel de decana dos polticos, ao invs de arriscar futuros embates polticos. Ningum realmente acreditara nela, estava em casa, em meio aos embates polticos, a um ponto que poucos predecessores estiveram, e agora que a imagem de Sel-

don viera e se fora, no havia nela o menor sinal de aposentadoria. Ela discursava numa voz perfeitamente clara, e num desavergonhado sotaque da Fundao (ela uma vez servira como embaixatriz em Mandress, mas no adotara o antigo estilo de discursar do Imprio, que estava agora to em voga - e era parte do que quase tinha sido um impulso quase Imperial em direo s Provncias Interiores). Disse ela: - A Crise Seldon passou, e uma tradio, e uma tradio sbia, que nenhuma represlia de qualquer espcie - em aes ou verbalmente - seja tomada contra os que apoiaram o lado errado. Muitas pessoas honestas acreditaram ter boas razes para desejar o que Seldon no desejou. No h sentido em humilh-las a ponto de s poderem reconquistar seu auto-respeito denunciando o prprio Plano de Seldon. Por outro lado, um forte e desejvel costume que aqueles que apoiaram o lado perdedor aceitem a derrota com alegria, e sem mais discusses. O assunto est ultrapassado para ns, ambos os lados, para sempre. Fez uma pausa, e encarou firmemente as faces ali reunidas por um momento, e continuou: - Metade do tempo passou, povo do Conselho - metade do intervalo de mil anos entre os Imprios. Foi um tempo de dificuldades, mas j caminhamos bastante. De fato, j somos quase um Imprio Galctico, e no restam inimigos externos significativos. - O Interregno duraria trinta mil anos, se no fosse pelo Plano de Seldon. Aps trinta mil anos de desintegrao, poderia no restar fora alguma com que fundar um Imprio de novo. Restariam apenas mundos isolados, e provavelmente agonizantes. - O que temos hoje, devemos a Hari Seldon, e em sua mente, h muito morta, que devemos confiar quanto ao resto. O perigo, daqui por diante, Conselheiros, somos ns mesmos, e deste ponto em diante, no deve haver dvida oficial quanto validade do Plano. Concordemos agora, tcita e firmemente, que no deve haver dvidas oficiais, criticismos, ou condenaes do Plano. Devemos apoi-lo inteiramente. Provou a si mesmo por mais de cinco sculos. a segurana da humanidade, e no se deve brincar com ele - De acordo? Houve um murmrio abafado. A Prefeita mal ergueu os olhos para buscar prova visual de argumento - Ela conhecia cada membro do Conselho, e como cada um reagiria. Na onda da vitria, no haveria objees: No ano seguinte, talvez. Mas no agora. Ela abordaria os problemas do ano seguinte no ano seguinte. Sempre excetuando... - Controle do pensamento, Prefeita Branno? - perguntou Golan Trevize, descendo pelo anfiteatro e falando em voz alta, como que para compensar o silncio dos demais. No se preocupou em tomar o assento que, por ele ser membro novo, era na ltima fileira. Branno ainda no erguera os olhos: - Sua opinio, Conselheiro Trevize? - que o governo no pode impor uma proibio liberdade de expresso, que todos os indivduos - certamente, acima de tudo, incluindo os Conselheiros e Conselheiras que foram eleitos para este fim - tm o direito de discutir assuntos polticos do dia, e que nenhum assunto poltico pode possivelmente ficar divorciado do Plano de Seldon. Branno cruzou as mos e ergueu o olhar; seu rosto estava sem expresso: - Conselheiro Trevize, o senhor entrou neste debate irregularmente e estava fora da ordem, ao faz-lo. Entretanto, pedi-lhe para expressar a sua opinio, e agora vou responder-lhe. No h limite liberdade de expresso no contexto do Plano de Seldon. s o Plano em si mesmo que nos limita, por sua prpria natureza. Pode haver mui-

tas maneiras de interpretar os eventos antes que a imagem de Seldon force a deciso final, mas uma vez tomada esta deciso, no mais pode ser questionada no Conselho. Nem pode ser questionada antecipadamente, como se algum dissesse: Se Hari Seldon dissesse assim e assim, ele estaria errado. - E se algum honestamente achasse assim, Senhora Prefeita? - Ento algum poderia diz-lo, se fosse em particular, discutindo o assunto privadamente. - Quer dizer ento que as limitaes liberdade de expresso que a senhora prope devem-se aplicar inteira e especificamente aos funcionrios do governo? - Exatamente. E este no um princpio novo da lei da Fundao. Foi aplicado antes por Prefeitos de todos os partidos. Um ponto de vista particular nada significa; uma expresso oficial de opinio tem peso e pode ser perigosa. No chegamos to longe a ponto de arriscar algum perigo, at agora. - Posso apontar, Senhora Prefeita, que este seu princpio tem sido aplicado, esparsa e ocasionalmente, a atos especficos do Conselho. Nunca foi aplicado a algo to vasto e indefinvel como o Plano de Seldon. - O Plano de Seldon o que mais precisa de proteo, pois precisamente a que o questionamento pode ser fatal. - A senhora no consideraria, Prefeita Branno - e Trevize voltou-se, dirigindo-se agora s fileiras onde estavam sentados os membros do Conselho, que pareciam ter a um s tempo perdido a respirao, como que esperando o resultado de um duelo. - Vocs no considerariam, membros do Conselho, que h toda razo para pensar que no h nenhum Plano de Seldon? - Todos testemunhamos sua eficcia hoje - disse a Prefeita Branno, mais calma, enquanto Trevize alteava a voz, e tornava-se mais exaltado. - Precisamente por termos visto sua eficcia hoje, Conselheiros e Conselheiras, que podemos ver que o Plano de Seldon, como nos foi ensinado a acreditar que , no pode existir. - Conselheiro Trevize, o senhor est fora de ordem e no deve continuar nessa linha. - Tenho o privilgio do cargo, Prefeita. - Aquele privilgio foi retirado, Conselheiro. - A senhora no pode retirar o privilgio. Sua afirmao limitando a liberdade de expresso no pode, em si, ter fora de lei. No houve voto formal do Conselho, Prefeita, e mesmo que houvesse, eu teria o direito de questionar a sua legalidade. - A remoo, Conselheiro, nada tem a ver com minha afirmao de proteo ao Plano de Seldon. - Do qu, ento, depende? - O senhor acusado de traio, Conselheiro. Desejo fazer ao Conselho a cortesia de no prend-lo dentro da Cmara do Conselho, mas esperando porta, h membros da Segurana que o levaro sob custdia, quando o senhor sair. Peo-lhe agora que saia em silncio. Se fizer qualquer gesto impensado, ento isso ser considerado um perigo real e a Segurana entrar na Cmara. Acredito que o senhor no tornar isso necessrio. Trevize fez uma expresso de desagrado. Havia um silncio sepulcral na sala. (Ser que todos esperavam isto - todos, exceto ele e Compor?) Olhou para trs, para a sada. No viu ningum, mas no tinha dvidas de que a Prefeita Branno no estava blefando. Gaguejou, com raiva: - Eu repre... represento um eleitorado importante, Prefeita Branno.

- Sem dvida, eles ficaro desapontados com voc. - Sobre que evidncia a senhora faz essa acusao absurda? - Isso aparecer no devido momento, mas esteja certo de que temos toda evidncia de que precisamos. O senhor um rapaz sumamente indiscreto, e deveria perceber que algum, mesmo sendo seu amigo, no desejaria acompanh-lo na traio. Trevize girou para encontrar os olhos azuis de Compor. Encontrou-os como que de pedra. A Prefeita Branno disse calmamente: - Todos so testemunhas disto, agora que fiz minha ltima declarao: que o Conselheiro Trevize voltou-se para fitar o Conselheiro Compor. O senhor nos deixar agora, Conselheiro, ou nos forar a nos envolver na indignidade de uma priso dentro da Cmara? Golan Trevize virou-se, subiu os degraus de novo, e porta, dois homens uniformizados, e bem armados, surgiram de cada lado. E Harla Branno, acompanhando-o com o olhar, impassvel, sussurrou com os lbios entreabertos: - Seu louco!

3.Liono Kodell fora Diretor da Segurana por toda a administrao da Prefeita Branno. No era um trabalho estafante, como ele gostava de dizer, mas quer estivesse mentindo ou no, no se podia saber ao certo. Ele no parecia mentiroso, mas isso no queria dizer necessariamente alguma coisa. Ele parecia vontade e amigvel, e pode bem ser que isso fosse apropriado para o seu trabalho. Tinha estatura abaixo da normal e peso acima do normal, usava um basto bigode (muito inusitado para um cidado de Terminus) que agora era mais branco que grisalho, olhos castanhos luminosos, e uma faixa de cor primria marcando o bolso do peito de seu sobretudo: - Sente-se, Trevize, vamos manter isto numa base amigvel, se possvel. - Amigvel? Com um traidor? - Trevize enganchou os polegares em seu cinto e ficou de p. - Acusado de traidor. Ainda no chegamos ao ponto em que a acusao - mesmo pela prpria Prefeita - equivalente a condenao. Acredito que jamais chegaremos a isso. Meu trabalho livr-lo, se eu puder. Gostaria muito de faz-lo agora, enquanto nenhum mal foi feito - exceto, talvez, ao seu orgulho - ao invs de ser forado a transformar isto em assunto de julgamento pblico. Espero que voc esteja comigo neste sentido. Trevize no amoleceu: - No nos preocupemos com gentilezas. Seu trabalho me considerar como se eu fosse um traidor. No sou um, e sinto a necessidade de que isso lhe seja satisfatoriamente demonstrado. Por que voc no precisa provar a sua lealdade para mim? - Em princpio, nada impede. O triste, porm, que tenho o poder do meu lado, e voc no tem nenhum. Por causa disto, meu privilgio questionar, e no seu. Se qualquer suspeita de deslealdade ou traio casse sobre mim, alis, creio que seria substitudo, e ento eu seria questionado por algum mais, que,espero sinceramente, no me trataria pior do que pretendo trat-lo. - E como voc pretende tratar-me? - Eu espero que como amigo e igual, se me tratar assim. - Devo oferecer-lhe uma bebida? - perguntou Trevize, amargo. - Depois, talvez, mas por hora, apenas sente-se. Estou pedindo como amigo. Trevize hesitou, ento sentou-se. Qualquer outro desafio pareceu-lhe sem sentido. - E agora? - Agora, posso pedir-lhe para responder s minhas perguntas sincera e completamente, e sem evasivas? - E se no? Qual a ameaa por detrs disto? Uma Sonda Psquica? - Acredito que no. - Tambm no acredito nisso. No num Conselheiro. No revelar traio alguma, e quando eu for liberado, terei a sua cabea, e tambm a da Prefeita, talvez. Talvez valha a pena fazer voc experimentar uma Sonda Psquica.

Kodell franziu o sobrolho e abanou a cabea: - Ah, no, no. Muito perigo de dano cerebral. demorado de curar, s vezes, e no valeria a pena. Definitivamente, no. Sabe, s vezes, quando a Sonda usada em desespero de causa... - Uma ameaa, Kodell? - Estou enunciando um fato, Trevize. No me interprete mal, Conselheiro. Se eu tiver que usar a Sonda, vou us-la, e mesmo que voc seja inocente, no ter outro recurso. - O que voc quer saber? Kodell calcou um boto da mesa sua frente: - O que eu perguntar e o que voc responder s minhas perguntas ser gravado, som e imagem. No quero nenhuma afirmao voluntria sua ou qualquer coisa no-cooperativa. No agora. Voc entende, estou certo. - Entendo que voc vai gravar apenas o que lhe agradar - disse Trevize, com desprezo. - Est certo, mas de novo, no me leve a mal. No vou distorcer nada do que voc disser. Vou usar ou no, e tudo. Mas voc sabe que eu no vou usar a gravao, e voc no vai perder o seu tempo e o meu. - Veremos. - Temos razo para pensar, Conselheiro Trevize - e o toque formal de sua voz era evidncia bastante de que ele estava gravando -, que o senhor afirmou abertamente, e em numerosas ocasies, que no acredita na existncia do Plano de Seldon. Trevize falou lentamente: - Se eu o disse to abertamente, e em numerosas ocasies, o que mais voc precisa? - No percamos nosso tempo com jogos de palavras, Conselheiro. O senhor sabe que o que eu quero uma afirmao clara com sua prpria voz, caracterizada por sua prpria impresso vocal, em condies em que o senhor esteja senhor de si e em plena conscincia. - Porque, eu suponho, o uso de qualquer hipno-efeito, qumico ou outro, alteraria as impresses vocais? - Muito notavelmente. - E voc est ansioso por demonstrar que no fez uso de qualquer mtodo ilegal ao interrogar um Conselheiro? No o culpo. - Ainda bem que no me culpa, Conselheiro. Ento, vamos continuar. O senhor afirmou abertamente, e em numerosas ocasies, que no acredita na existncia do Plano de Seldon. Admite isso? Trevize respondeu lentamente, escolhendo as palavras: - No creio que o que chamamos Plano de Seldon tenha o significado que usualmente aplicamos ao termo. - Uma afirmao vaga. Quer explicar melhor? - Minha opinio que o conceito usual de que Hari Seldon, h quinhentos anos, fazendo o uso da cincia matemtica da psico-histria, elaborou o curso dos eventos humanos at o ltimo detalhe e que estamos seguindo um curso destinado a nos levar do Primeiro Imprio Galctico ao Segundo Imprio Galctico ao longo da linha de probabilidade mxima, ingnuo. No pode ser assim. - O senhor quer dizer que, em sua opinio, Hari Seldon nunca existiu? - No, absolutamente; claro que ele existiu. - Ou que ele nunca tenha desenvolvido a cincia da psico-histria? - No, claro que no quero dizer tal coisa. Veja, Diretor, eu teria explicado isto ao Conselho, se me tivesse sido permitido, e vou explicar a voc. A verdade do que vou dizer to simples... O Diretor de Segurana, calma e obviamente, desligara o dispositivo de gravao.

Trevize interrompeu-se, contrariado: - Por que fez isso? - Est desperdiando o meu tempo, Conselheiro. No estou lhe pedindo discursos. - Est pedindo para explicar minha opinio, no ? - No, absolutamente. Estou pedindo que responda a perguntas - simples, direta e sinceramente. Responda apenas s perguntas e no oferea nada que eu no esteja pedindo. Faa isso e no vai levar muito tempo. - Voc quer dizer que vai omitir as minhas afirmaes que reforcem a verso oficial do que se supe que eu tenha feito? - Estamos pedindo apenas que faa afirmaes verdadeiras, e garanto-lhe que no vamos distorc-las. Por favor, deixe-me tentar de novo. Estvamos falando sobre Hari Seldon. - O gravador estava funcionando mais uma vez e Kodell repetiu calmamente: - Ou que ele nunca tenha desenvolvido a cincia da psico-histria? - Claro que ele desenvolveu a cincia que chamamos de psico-histria - respondeu Trevize, no conseguindo mascarar sua impacincia, e gesticulando, exasperado. - Que o senhor definiria... como? - Pela Galxia! usualmente definida como o ramo da matemtica que trata das reaes gerais de grandes grupos humanos a dados estmulos, sob dadas condies. Em outras palavras, supe-se que prediga mudanas histricas e sociais. - O senhor diz supe-se que. O senhor questiona isso do ponto de vista do conhecimento matemtico? - No; no sou um psico-historiador. Mas tampouco o qualquer membro do governo da Fundao, ou qualquer cidado de Terminus, ou... A mo de Kodell ergueu-se. Disse baixinho:- Conselheiro, por favor! - E Trevize calou-se. - O senhor tem qualquer razo para supor que Hari Seldon no fez a anlise necessria que combinaria, to eficientemente quanto possvel, os fatores de probabilidade mxima e durao mnima, no caminho que leva do Primeiro ao Segundo Imprio, por intermdio da Fundao? - Eu no estava l; como posso saber? - respondeu Trevize, sardonicamente. - O senhor pode saber se ele no o fez? - No. - O senhor talvez negue que a imagem hologrfica de Hari Seldon que apareceu em cada uma de um certo nmero de crises histricas nos ltimos quinhentos anos seja, de fato, uma reproduo do prprio Hari Seldon, feita no ltimo ano de sua vida, pouco antes do estabelecimento da Fundao? - Suponho que no posso negar isso. - O senhor supe. O senhor se importa em dizer se uma fraude, uma falsificao imaginada por algum, na histria passada, com algum propsito? Trevize suspirou: - No, no estou sustentando isso. - O senhor est disposto a sustentar que as mensagens que Hari Seldon transmite de algum modo so manipuladas por algum? - No; no tenho razo para pensar que tal manipulao seja possvel, ou til. - Percebo, O senhor testemunhou a apario mais recente da imagem de Seldon O senhor acha que esta anlise - preparada h quinhentos anos - no se adequa s atuais condies, bem de perto? - Ao contrrio - disse Trevize, subitamente animado. - Correspondeu bem de perto. Kodell pareceu indiferente emoo do outro. - No entanto, Conselheiro, aps a apario de Seldon, o senhor ainda insiste que o Plano de Seldon no existe. - Claro que sim! Insisto que no existe precisamente por que a anlise foi to per-

feitamente adequada... Kodell tinha desligado o gravador. - Conselheiro - disse, abanando a cabea -, o senhor me d ainda o trabalho de apagar. Pergunto se ainda conserva essa estranha crena, e o senhor comea a me dar razes. Deixe-me repetir a pergunta. E ainda: - No entanto, Conselheiro, aps a apario de Seldon, o senhor ainda insiste que o Plano de Seldon no existe. - Como sabe disso? Ningum teve chance de falar com meu amigo delator, Compor, depois da apario. - Vamos dizer que adivinhamos, Conselheiro. E digamos que o senhor j respondeu Claro que sim. Se o senhor disser isso mais uma vez sem voluntariamente acrescentar informao, podemos continuar. - Claro que sim - disse Trevize, ironicamente. - Bem, eu vou escolher qual dos Claro que sim soa mais natural. Obrigado, Conselheiro - e o gravador foi desligado de novo. - Isso tudo? - Para o que preciso, sim. - O que voc precisa, muito claramente, de um conjunto de perguntas e respostas que possa apresentar a Terminus e toda a Federao da Fundao que ele governa, para mostrar que eu aceito a lenda do Plano de Seldon totalmente. O que tornar qualquer retratao que venha a fazer quixotesca ou totalmente maluca. - Ou mesmo traio, aos olhos de uma multido excitvel, que v o Plano como essencial segurana da Fundao. Talvez no seja necessrio dar isto a pblico, Conselheiro Trevize, se pudermos chegar a alguma espcie de acordo, mas se for necessrio, faremos com que a Federao venha a saber. - O senhor louco o bastante - replicou Trevize - para estar totalmente desinteressado no que eu realmente tenho a dizer? - Enquanto ser humano, estou muitssimo interessado, e havendo um momento apropriado, escut-lo-ei com interesse, e uma certa quantidade de ceticismo. Enquanto Diretor de Segurana, porm, no momento presente, tenho exatamente o que quero. - Espero que voc saiba que isto no lhe causar nenhum bem, e tampouco Prefeita. - esquisito, mas no sou dessa opinio. Agora, o senhor sair. Sob guarda, claro. - Para onde devo ser levado? Kodell meramente sorriu. - At logo, Conselheiro. O senhor no foi perfeitamente cooperativo, mas no seria realista esperar que fosse. Estendeu a mo. Trevize, erguendo-se, ignorou-a. Alisou os vincos de seu cinto, e disse: - Voc s vai adiar o inevitvel. Outros devem pensar como eu agora, ou pensaro, mais tarde. Aprisionar-me ou matar-me s servir para levantar suspeitas, e eventualmente acelerar tal forma de pensar. Ao fim, a verdade e eu venceremos. Kodell retraiu a mo e abanou a cabea, lentamente: - Trevize, voc um louco.

4.S quando chegou a meia-noite foi que dois guardas vieram remover Trevize daquilo que era, ele tinha de admitir, uma sala luxuosa no Quartel-general da Segurana. Luxuosa, mas trancada. Uma cela de priso, fosse qual fosse o seu nome. Trevize teve mais de quatro horas para interrogar a si mesmo, amargamente, andando incansavelmente por todo esse tempo. Por que confiou em Compor? E por que no? Parecia concordar to claramente! No, no foi isso. Ele parecia to pronto para aceitar a argumentao! No, tampouco isso. Ele pareceu to estpido, to facilmente dominvel, to certamente sem ideia e opinio prprias que Trevize aproveitou a oportunidade de us-lo como uma confortvel caixa de ressonncia. Compor ajudara Trevize a improvisar e burilar suas opinies. Fora til, e Trevize confiara nele por nenhuma outra razo que no fora a convenincia de faz-lo. Mas agora, era intil decidir se deveria ter adivinhado sobre Compor. Deveria ter seguido a generalizao simples: no confie em ningum. No entanto, como algum pode atravessar uma vida sem confiar em ningum? Claramente, era preciso. E quem diria que Branno teria a audcia de remover um Conselheiro do Conselho... e que nenhum dos outros Conselheiros se moveria para proteger um deles mesmos? Muito embora tivessem discordado de Trevize no mais fundo do corao, mesmo que estivessem prontos a apostar sobre seu sangue, gota a gota, pela correio de Branno; ainda, por princpio, deveriam ter-se interposto contra esta violao de suas prerrogativas. Branno de Bronze, ela era por vezes chamada, e certamente atuava com um rigor metlico... A menos que ela mesma j estivesse nas garras... No! Isso o levaria paranoia! E ainda assim... Sua mente andava em crculos, na ponta dos ps, e no tinha rompido o crculo inutilmente vicioso quando os guardas vieram. - O senhor ter de vir conosco, Conselheiro - o mais graduado dos dois disse, com gravidade sem emoo. Sua insgnia indicava ser um tenente. Tinha uma pequena cicatriz na face direita, e parecia cansado, como se estivesse j h muito naquele trabalho, e feito muito pouco - como se poderia esperar de um soldado cujo povo estivera em paz por um sculo. Trevize no se moveu: - Seu nome, tenente. - Sou o tenente Evander Sopellor, Conselheiro. - Voc percebe que est transgredindo a lei, tenente Sopellor? No pode prender um Conselheiro. - Temos ordens diretas, senhor - respondeu o Tenente. - Isso no importa. Voc no pode receber ordem de prender um Conselheiro. Deve entender que se arrisca a uma corte marcial, como resultado.

- O senhor no est sendo preso, Conselheiro. - Ento, no preciso ir com voc, preciso? - Fomos instrudos para escolt-lo at sua casa. - Eu sei o caminho. - para proteg-lo, no caminho. - De qu? Ou de quem? - De qualquer multido que possa se reunir. - meia-noite? - Por isso esperamos pela meia-noite, senhor. E agora, para sua proteo, devemos pedir que nos acompanhe. Devo dizer, no como ameaa, mas a ttulo de informao, que estamos autorizados a usar a fora, se necessrio. Trevize percebera os chicotes neurnicos de que estavam armados. Levantou-se com o que, esperou, fosse dignidade. - Para minha casa, ento. Ou ser que descobrirei que vo me levar para a cadeia? - No fomos instrudos para lhe mentir, senhor - disse o tenente, com um orgulho todo dele. Trevize tomou conscincia de que estava na presena de um profissional que exigiria uma ordem direta antes de mentir; e mesmo assim, sua expresso e o tom de voz o trairiam. - Peo-lhe desculpas, tenente. No quis implicar que duvidava de sua palavra. Um veculo terrestre estava esperando por eles l fora. A rua estava vazia e no havia sinal de vivalma, quanto mais uma multido, mas o tenente fora sincero. No disse que haveria uma multido l fora, ou que se formaria uma. Referira-se a qualquer multido que possa se reunir. Disse apenas que possa. O tenente cuidadosamente manteve Trevize entre ele e o carro. Trevize no poderia ter-se esgueirado e correr, O tenente entrou imediatamente e sentou-se ao seu lado, no banco de trs. O carro saiu. - Um vez estando eu em casa, poderei dedicar-me a meus negcios livremente, isto , poderei sair, se quiser? - No temos ordens para interferir com o senhor, Conselheiro, de qualquer maneira, exceto que devemos proteg-lo. - At que ponto? O que isso significa, neste caso? - Estou instrudo para dizer-lhe que uma vez estando em casa, no poder deixla. As ruas no so seguras para o senhor e eu sou responsvel pela sua segurana. - Quer dizer que estou sob priso domiciliar. - No sou advogado, Conselheiro. No sei o que isso significa. Olhava diretamente para a frente, mas seu cotovelo o tocava de lado, Trevize no podia se mover, mesmo que levemente, sem que o tenente viesse a saber, O carro parou na frente da pequena casa de Trevize, no subrbio de Flexner. Naquele momento, ele no tinha companheira. Flavella tinha se cansado da vida errtica a que o Conselheiro era forado, de modo que no esperava ningum em casa. - Posso sair agora? - perguntou Trevize. - Sairei primeiro, Conselheiro. Vamos escolt-lo at l dentro. - Para minha segurana? - Sim, senhor. Havia dois guardas esperando junto porta de entrada, do lado de dentro. Um quebra-luz estava brilhando, mas as janelas estavam opacas, e nada se via do lado de fora. Por um momento, ele ficou indignado com a invaso, mas logo deu de ombros. Se o Conselho no podia proteg-lo na prpria Cmara do Conselho, ento certamente

sua casa no seria o seu castelo. - Quantos de vocs h aqui no total? Um regimento? - No, Conselheiro - veio uma voz dura e montona -, s uma pessoa, alm das que v, e estive esperando pelo senhor h um bom tempo. Harla Branno, Prefeita de Terminus, estava junto porta que levava sala de estar. - J est bem em tempo, no acha, para conversarmos? Trevize comeou: - Todo esse palavrrio para... Mas Branno imps, em voz baixa: - Calma, Conselheiro. E vocs quatro, fora! Tudo estar bem aqui dentro. Os quatro guardas saudaram e fizeram meia-volta. Trevize e Branno ficaram a ss.

- II -

PREFEITA

5.Branno estivera esperando por uma hora, pensando calmamente. Tecnicamente, ela era culpada de arrombamento e invaso. E mais: violara bem inconstitucionalmente os direitos de um Conselheiro. Pelas leis estritas que regulavam as aes dos Prefeitos - desde os dias de Indbur III e do Mulo, quase dois sculos antes - ela era passvel de impeachment. Neste dia em particular, porm, por vinte e quatro horas, ela no poderia errar. Mas isso passaria. Ela no poderia deixar de ficar inquieta. Os primeiros dois sculos foram a Idade de Ouro da Fundao, os Tempos Heroicos; pelo menos em retrospecto, mas no para aqueles infelizes que viveram naqueles tempos inseguros. Salvor Hardin e Hober Mallow foram os dois grandes heris, semi-deificados a ponto de rivalizar com o incomparvel Hari Seldon. Os trs estavam numa trpode sobre a qual repousava toda a lenda da Fundao (e mesmo sua histria). Naqueles dias, entretanto, a Fundao fora um mundinho insignificante, com um fraco poder sobre os Quatro Reinos, e apenas com uma fraca conscincia da extenso com que o Plano de Seldon estava mantendo sua mo protetora sobre ela, cuidando dela mesmo contra o remanescente do poderoso Imprio Galctico. E quanto mais poderosa a Fundao ia ficando enquanto entidade poltica e comercial, menos significantes seus governantes e militares pareciam ficar. Lathan Devers foi quase esquecido. Se que ele era lembrado, era mais por sua trgica morte nas minas de escravos do que por sua luta desnecessria mas bem-sucedida contra Bel Riose. Quanto a Bel Riose, o mais nobre dos adversrios da Fundao, ele tambm fora esquecido, ou colocado na sombra, pelo Mulo, que s, dentre os inimigos, rompeu o Plano de Seldon e derrotou e governou a Fundao. S ele fora o Grande Inimigo de fato, o ltimo dos Grandes. Era pouco lembrado que o Mulo fora, essencialmente, derrotado por uma s pessoa, uma mulher: Bayta Darell, e que ela conquistou esta vitria sem a ajuda de ningum, sem sequer o apoio do Plano de Seldon. Assim tambm foi esquecido que seu filho e sua neta, Tor e Arcdia Darell tinham derrotado a Segunda Fundao, deixando a Fundao, a Primeira Fundao, suprema. Estes vitoriosos dos ltimos dias no mais eram figuras heroicas A poca tornarase expansionista demais para fazer algo alm de diminuir os heris dimenso de mortais ordinrios. Em compensao, no passado, a biografia que Arcdia escreveu de sua av a reduzira de herona a personagem de romance. E desde ento, no houve mais heris, nem mesmo figuras de romance. A guerra kalganiana foi o ltimo momento de violncia a engolfar a Fundao, e esse foi apenas um conflito menor. Quase dois sculos de virtual paz! Cento e vinte anos sem sequer uma nave arranhada. Tinha sido uma boa paz, Branno no o negava, e uma paz lucrativa. A Fundao no tinha fundado um Segundo Imprio Galctico; estava apenas a meio caminho,

pelo Plano de Seldon, mas enquanto Federao da Fundao, mantinha um forte controle econmico sobre um tero das unidades polticas esparsas da Galxia, e influenciava aquelas sobre as quais no tinha controle. Havia poucos lugares onde o Eu sou da Fundao no inspirava respeito. No havia ningum mais respeitado em todos os milhes de mundos habitados do que o Prefeito de Terminus. Aquele ainda era o ttulo Foi herdado do lder de uma s cidadezinha quase despercebida, num mundo solitrio, na fronteira mais distante da civilizao, uns quinhentos anos antes, mas ningum sonharia em mud-lo ou dar-lhe um tomo de glria a mais ao ttulo. Tal como estava, s o quase esquecido ttulo de Majestade Imperial poderia rivalizar com ele em portento. Exceto no prprio Terminus, onde os poderes do Prefeito eram cuidadosamente cerceados. A memria dos Indburs ainda permanecia. No era sua tirania que o povo no conseguia esquecer, mas o fato de que perderam para o Mulo. E ali estava ela, Harla Branno, a mais forte a governar desde a morte do Mulo (e ela sabia disso), e apenas a quinta mulher a faz-lo. Apenas neste dia ela pde usar sua fora abertamente. Lutou por sua interpretao do que julgara estar certo e o que deveria estar, contra a oposio encarniada daqueles que ansiavam pelo prestigioso Interior da Galxia, e pela aura do poder imperial; e fora vitoriosa. Mas ainda no, dizia ela. Ainda no! Pule muito cedo para o interior, e perder de um e de outro lado. E Seldon aparecera e a apoiara numa linguagem quase idntica. Tornou-a temporariamente to sbia quanto Seldon, aos olhos da Fundao. Sabia, no entanto, que eles podiam esquecer disso a qualquer momento. E esse rapaz se atrevia a desafi-la neste dia dos dias! E se atrevia a ter razo! Esse era o perigo. Ele estava certo! E, estando certo, poderia destruir a Fundao! E agora, ela o encarava, e estavam a ss. Disse tristemente: - Voc no poderia ter-me visitado privadamente? Tinha de gritar tudo na Cmara do Conselho, em seu desejo idiota de fazer-me de tola? O que fez, rapaz insensato?

6.Trevize sentiu-se corar, e lutou para controlar sua fria. A Prefeita era uma senhora que faria sessenta e trs anos em seu prximo aniversrio. Ele hesitava em se engajar numa briga verbal com algum quase com o dobro de sua idade. Alm do que, ela era traquejada em lutas polticas e sabia que se pudesse fazer com que o oponente perdesse o equilbrio logo de incio, a batalha estava meio-vencida. Mas era preciso uma audincia para tornar uma tal ttica eficaz, e no havia ningum perante quem algum pudesse ser humilhado. S estavam ali os dois. Assim, ele ignorou as palavras dela e fez o mximo para observ-la desapaixonadamente Ela era uma senhora vestindo a moda unissex que j prevalecia h dois sculos. Mas no lhe era adequada. A Prefeita, lder da Galxia - se que poderia haver um lder galctico - era apenas uma velha que podia ser confundida com um velho; exceto que seu cabelo cinza-feno estava bem puxado e preso atrs, ao invs de solto, ao estilo masculino. Trevize sorriu simpaticamente. Por mais que um oponente de idade procurasse fazer o epteto rapaz soar como um insulto, este rapaz em particular tinha a vantagem da juventude e boa aparncia - e toda a conscincia de ambos. Reconheceu: - verdade. Tenho trinta e dois e portanto sou um rapaz, de certa forma. E sou um Conselheiro, e portanto, a ex oficio, insensato. A primeira condio inevitvel. Quanto segunda, s posso dizer que lamento. - Sabe o que fez? No fique a procurando parecer brilhante. Sente-se. Ponha sua mente para funcionar, se puder, e responda-me racionalmente - Sei o que fiz. Disse a verdade tal como a vi. - E neste dia que voc tentou me desafiar com ela? Num dia em que o meu prestgio tal que eu poderia expuls-lo da Cmara do Conselho e prend-lo, sem que ningum protestasse? - O Conselho recuperar o flego, e vai protestar. Podem estar protestando agora mesmo. E vo me escutar mais ainda pela perseguio a que a senhora est me submetendo - Ningum vai escut-lo, porque se eu achasse que voc poderia continuar, eu o consideraria um traidor segundo todo o peso da lei. - Ento, eu teria de ser julgado. E teria o meu dia no tribunal. - No conte com isso. Os poderes de emergncia de um Prefeito so enormes, mesmo que raramente usados - Em que base a senhora declararia uma emergncia? - Inventaria as bases. Tenho a engenhosidade suficiente para tanto, e no temo assumir os riscos polticos. No me provoque, meu rapaz. Vamos chegar a um acordo aqui ou voc nunca ficar livre de novo. Ficar aprisionado pelo resto da vida, pode estar certo disso. Encaravam-se: Branno de cinza, Trevize em vrios tons de marrom. - Que tipo de acordo?

- Ah! Voc est curioso! Assim melhor. Ento podemos encetar uma conversao, ao invs de uma confrontao. Qual o seu ponto de vista? - A senhora bem o sabe. J esteve rastejando na lama com o Conselheiro Compor, no ? - Quero ouvir de voc; e luz da Crise Seldon que acabamos de passar - Muito bem, se isso que a senhora quer... Senhora Prefeita! - Ele estivera a ponto de dizer sua velha! - A imagem de Seldon estava correta, muito impossivelmente correta, depois de quinhentos anos. a oitava vez que aparece, segundo creio. Em algumas ocasies, ningum estava l para ouvi-lo. Em pelo menos uma ocasio, no tempo de Indbur III, o que ele tinha a dizer estava totalmente fora de sincronia com a realidade; mas aquele foi o tempo do Mulo, no ? Mas quando, em qualquer dessas ocasies, ele esteve to correto quanto agora? Trevize permitiu-se um pequeno sorriso: - Nunca antes, Senhora Prefeita, tanto quanto concerne a nossos registros do passado, Seldon conseguiu descrever a situao to perfeitamente, em todos os seus mnimos detalhes - sua sugesto, pois, que a apario de Seldon, a imagem hologrfica, falsificada; que as gravaes de Seldon foram preparadas por um contemporneo, assim como eu, quem sabe, e que um ator estava fazendo o papel de Seldon? - No impossvel, Senhora Prefeita, mas no o que eu quero dizer. A verdade muito pior. Acredito que a imagem de Seldon que vemos real, e que a sua descrio do momento histrico presente a descrio que ele preparou h quinhentos anos atrs. Disse o mesmo para o seu homem, Kodell, que cuidadosamente guioume por uma charada na qual eu parecia apoiar as supersties do fundacionista irracional. - Sim, a gravao ser usada, se necessrio, para permitir que a Fundao nunca o deixe ficar realmente na oposio Trevize abriu os braos: - Mas estou. No h Plano de Seldon no sentido em que acreditamos haver, e no tem havido por talvez dois sculos. J h dois anos que suspeito disso, e o que passamos na Cpsula do Tempo, h doze horas, s serve de prova. - Porque Seldon foi muito preciso? - Isso mesmo. No sorria. a prova definitiva. - No estou sorrindo, como pode ver. Continue. - Como ele poderia ter sido to acurado? H dois sculos, a anlise de Seldon do que era ento o presente, estava completamente errada. Trezentos anos se passaram desde que a Fundao nasceu, e ele estava longe do alvo. Completamente! - Isso, Conselheiro, o senhor explicou h uns momentos atrs. Foi por causa do Mulo. O Mulo era um mutante com um intenso poder mental e no haveria maneira de prev-lo no Plano. - Mas de qualquer modo, l estava ele, previsto ou no. O Plano de Seldon descarrilou. O Mulo no governou por muito tempo e no teve sucessor. A Fundao reconquistou sua independncia e seu domnio, mas como o Plano de Seldon poderia ter voltado ao alvo depois de um rasgo to grande em sua trama? Branno estava apreensiva e suas mos nodosas estavam firmemente entrelaadas: - Voc sabe a resposta a isto. ramos uma de duas Fundaes. Voc leu os livros de histria. - Li a biografia que Arcdia escreveu, de sua av; leitura obrigatria na escola, afinal, e li suas novelas, tambm. Li a verso oficial da histria, e a do Mulo, depois. Permite-me duvidar dela? - Em que sentido?

- Oficialmente ns, a Primeira Fundao, devamos reter o conhecimento das cincias fsicas, e faz-las progredir. Devamos operar abertamente, nosso desenvolvimento histrico seguindo, quer soubssemos ou no, o Plano de Seldon. Havia, porm, a Segunda Fundao, que deveria preservar e desenvolver mais as cincias psicolgicas, inclusive a psico-histria, e sua existncia deveria permanecer um segredo at para ns. A Segunda Fundao era o agente de ajuste fino do Plano, visando ajustar as correntes da histria Galctica, quando se desviassem dos caminhos delineados pelo Plano. - Ento, voc responde a si mesmo. Bayta Darell derrotou o Mulo, talvez sob inspirao da Segunda Fundao, muito embora sua neta insista que no foi assim. Foi a Segunda Fundao, sem dvida, que trabalhou para trazer a histria galctica de volta ao Plano, depois que o Mulo morreu e, muito obviamente, tiveram sucesso. Em nome de Terminus, do que o senhor est falando, Conselheiro? - Senhora Prefeita, se seguirmos o relato de Arcdia Darell est claro que a Segunda Fundao, ao fazer a tentativa de corrigir a histria galctica, minou todo o esquema de Seldon, pois que na tentativa de corrigir, destruiu seu prprio anonimato. Ns, a Primeira Fundao, percebemos que nossa imagem especular, a Segunda Fundao, existia, e no podamos continuar vivendo com o conhecimento de que ramos manipulados. Assim, labutamos para encontrar a Segunda Fundao e destru-la. Branno assentiu: - E tivemos sucesso, de acordo com a narrativa de Arcdia Darell, mas muito obviamente, no antes que a Segunda Fundao tivesse colocado a histria galctica firmemente de volta nos trilhos, depois de sua disrupo pelo Mulo. E ainda est nos trilhos. - A Senhora consegue acreditar nisso? A Segunda Fundao, de acordo com a narrativa, foi localizada, e seus vrios membros eliminados. Isso foi em 378 E.F., h cento e vinte anos. Por cinco geraes, supostamente estivemos operando sem a Segunda Fundao, e ainda assim, ficamos to perto do alvo, no que concerne ao Plano, que a senhora e a imagem de Seldon falaram quase identicamente. - Isto pode ser interpretado como eu ter percebido o significado do desenvolvimento histrico com uma notvel intuio. - Desculpe-me. No quero lanar dvida sobre sua notvel intuio, mas a mim me parece que a explicao mais bvia que a Segunda Fundao nunca foi destruda. Ainda nos dirige. Ainda nos manipula. E por isso que voltamos aos trilhos do Plano de Seldon.

7.Se a Prefeita parecia chocada pela assertiva, no mostrava nenhum sinal. J passava da uma hora, e ela queria desesperadamente acabar com aquilo, mas no podia apressar-se. O rapaz tinha de ser cansado, e ela precisava dar corda, para no perd-lo. No queria se livrar dele inutilmente, quando ele que poderia ser o primeiro a servir a determinada funo. Respondeu ela: - De fato? Voc diz ento que a histria da guerra kalganiana, de Arcdia, e a destruio da Segunda Fundao eram falsas? Inventadas? Uma brincadeira? Uma mentira? Trevize deu de ombros: - No precisam ser. Isso est alm do assunto. Suponha que o relato de Arcdia fosse completamente veraz, ao mximo de seu conhecimento. Suponha que tudo ocorreu exatamente como Arcdia disse; que o ninho dos segundo-fundacionistas fora descoberto, e que eles foram eliminados. Como poderamos dizer, porm, que acabamos com todos? A Segunda Fundao estava mexendo com toda a Galxia. No estavam manipulando isoladamente a histria de Terminus, ou mesmo da Fundao, apenas. Suas responsabilidades envolviam mais que nosso mundo-capital, ou toda nossa Federao. Poderia haver segundo-fundacionistas a mil parsecs de distncia, ou mais. Ser provvel que tenhamos agarrado todos? E se falhamos em agarrar todos, poderamos dizer que vencemos? O Mulo poderia t-lo dito, em seu tempo? Ele tomou Terminus, e com ele, todos os mundos que controlava diretamente, mas os Mundos Mercantes Independentes ainda restaram. Ele tomou os Mundos Mercantes, mas ainda restaram trs fugitivos: Ebling Mis, Bayta Darell e seu marido. Manteve ambos os homens sob controle e deixou Bayta, e s Bayta, sem controle. Fez isto por sentimentalismo, se devemos acreditar no romance de Arcdia. E bastou apenas isto. De acordo com o que nos diz Arcdia, uma pessoa, apenas Bayta, foi deixada para agir como quisesse, e por causa de suas aes, o Mulo no conseguiu localizar a Segunda Fundao, e assim foi derrotado. - Uma pessoa deixada intocada - continuou ele - e tudo foi perdido! Eis a importncia de um indivduo, a despeito de todas as lendas que cercam o Plano de Seldon, quanto a que o indivduo nada e a massa tudo. E se deixamos no apenas um segundo-fundacionista para trs, mas vrias dzias, como parece perfeitamente possvel, o que ento? No se reuniriam, reconstruiriam suas fortunas, retomariam suas carreiras, multiplicariam seu nmero por recrutamento e treinamento, e de novo fazendo pees de ns? Branno disse gravemente: - Voc acredita nisso? - Tenho certeza. - Mas diga-me, Conselheiro, por que deveramos nos preocupar? Por que um lamentvel remanescente continuaria se agarrando a uma tarefa que no bem-vinda por ningum? O que os leva a manter a Galxia ao longo de seu caminho rumo ao Segundo Imprio Galctico? E se o pequeno bando insiste em cumprir esta misso, por que deveramos nos preocupar? Por que no aceitarmos a trajetria do Plano e

ficarmos gratos porque eles cuidaro que no vamos nos per der? Trevize esfregou os olhos. A despeito de sua juventude, ele parecia o mais cansado dos dois. Fitou a Prefeita e disse: - No posso acreditar! A senhora est sob a impresso de que a Segunda Fundao est fazendo tudo isso por ns? Que eles so alguma espcie de idealistas? No lhe claro, pelo seu conhecimento da poltica, dos assuntos prticos do poder e da manipulao, que eles esto fazendo isso por si mesmos? Somos o bordo de ataque. Somos o motor, a fora. Trabalhamos e suamos, e sangramos e choramos. Eles meramente controlam, ajustando um amplificador aqui, fechando um contato ali, e fazendo tudo com facilidade e sem risco para eles. Ento, quando tudo estiver pronto e quando, depois de mil anos de trabalho duro, tivermos estabelecido o Segundo Imprio Galctico, o povo da Segunda Fundao vir com a mudana, na qualidade de elite governante. E Branno disse: - Quer eliminar a Segunda Fundao, ento? A meio caminho do Segundo Imprio, voc quer arriscar-se a completar a tarefa por si mesmo, e servindo como a sua prpria elite? isso? - Certamente! Isso mesmo! No o que a senhora quer tambm? Ns no vamos viver para ver isso, mas a senhora tem netos, e algum dia, eu poderei t-los, e eles tambm tero os seus netos, e assim por diante. Quero que eles tenham os frutos de nosso trabalho, e quero que eles olhem para ns, no passado, como a origem, e que nos elogiem pelo que cumprimos. No quero que tudo caia como uma conspirao oculta idealizada por Seldon, que no um heri meu. Digo-lhe que ele uma ameaa maior que o Mulo, se deixarmos que este Plano chegue a termo. Pela Galxia, desejaria que o Mulo afinal tivesse acabado totalmente como Plano, e para sempre! Teramos sobrevivido a ele. Ele era o nico da espcie, e mortal. A Segunda Fundao parece ser imortal. - Mas voc gostaria de destruir a Segunda Fundao, no mesmo? - Se eu soubesse como! - J que voc no sabe como, no acha provvel que ela que vai destru-lo? Trevize tomou um ar de desprezo: - Pensei que mesmo a senhora poderia estar sob o controle deles. Sua adivinhao acurada quanto ao que a imagem de Seldon diria, e seu subsequente tratamento em relao a mim, tudo isso poderia ser da Segunda Fundao. A senhora poderia ser uma concha oca, recheada com a Segunda Fundao. - Ento por que est falando comigo desse modo? - Porque se a senhora est sob o controle da Segunda Fundao, estou perdido, de qualquer jeito, e posso muito bem desabafar um pouco da minha raiva, e porque, de fato, estou jogando, acreditando que a senhora no est sob o controle deles, que a senhora est simplesmente sem conscincia do que est fazendo. Ao que respondeu Branno: - E voc ganha o jogo, de qualquer modo. No estou sob o controle de ningum, seno no meu prprio. Ainda assim, voc no pode ter certeza de que estou dizendo a verdade? E se eu estivesse sob o controle da Segunda Fundao, ser que eu o admitiria? Ser que mesmo eu saberia estar sob o controle deles? Mas, nada se ganha com tais perguntas. Acredito no estar sob o controle deles, e voc no tem chance se no acreditar tambm. Considere o seguinte, porm: se a Segunda Fundao existe, certo que sua maior necessidade certificarse de que ningum na Galxia sabe que eles existem. O Plano de Seldon s funciona direito se os pees, isto , ns, no tm conscincia de como o Plano funciona e como so manipulados. Foi porque o Mulo focalizou a ateno da Fundao sobre a Segunda Fundao que esta foi destruda no tempo de Arcdia. Ou deveria dizer quase destruda, Conselheiro?

- A partir disto - prosseguiu Branno - podemos deduzir dois corolrios. Primeiro, podemos supor razoavelmente que, de modo geral, eles interferem o mnimo que podem. Podemos presumir que seria impossvel nos dominar a todos. Mesmo a Segunda Fundao, se existe, deve ter limites para seu poder. Dominar alguns e deixar que outros adivinhem o ato introduziria distores no Plano. Consequentemente, chegamos concluso de que sua interferncia to delicada, indireta e esparsa quanto possvel, e que portanto no estou controlada. Tampouco voc. - Esse um corolrio, e eu tendo a aceit-lo; talvez unicamente por um pensamento positivo. Qual o outro? - Um mais simples e mais inevitvel. Se a Segunda Fundao existe e quer guardar essa existncia em segredo, ento uma coisa certa. Qualquer um que pense que ela ainda existe, e falar sobre o assunto, e o anunciar, e gritar para toda a Galxia, deve, de alguma maneira sutil, ser removido imediatamente por eles, varrido, eliminado. No seria essa sua concluso, tambm? - Por isso a senhora me colocou sob custdia, Prefeita? Para me proteger da Segunda Fundao? - De certa maneira. At certo ponto. A cuidadosa gravao feita por Liono Kodell, de suas crenas, ser publicada no s para manter o povo de Terminus e da Fundao sem ser perturbado por sua conversa mole, mas para no perturbar a Segunda Fundao. Se ela ainda existe, no quero que sua ateno se dirija para voc. - Imagine s - disse Trevize, com uma pesada ironia. - Por minha segurana? Por meus adorveis olhos cor de mel? Branno inquietou-se e ento, sem aviso, riu-se baixinho: - No sou to velha, Conselheiro, para no perceber que o senhor tem adorveis olhos cor de mel e h trinta anos, poderia ter sido um bom motivo. Agora, porm, no me moveria um milmetro para salv-los, ou o resto de voc, se mesmo seus olhos estivessem envolvidos. Mas se a Segunda Fundao existe, e se a ateno deles for atrada para voc, podero no se contentar s com voc. H a minha vida a considerar, e a de numerosos outros, bem mais inteligentes e valiosos que voc e que todos os planos que voc tenha feito. - Ah, a senhora ento acredita que a Segunda Fundao existe, a ponto de reagir to cuidadosamente possibilidade de uma resposta dela? Branno desceu o punho sobre a mesa sua frente: - Mas claro que acredito, seu louco consumado! Se no soubesse da existncia da Segunda Fundao, e se no a estivesse combatendo to dura e eficazmente quanto pudesse, eu me importaria do que voc poderia dizer sobre tal assunto? Se a Segunda Fundao no existisse, importaria que voc anunciasse o contrrio? H meses que tenho desejado cal-lo, antes que viesse a pblico, mas no tinha o poder poltico para maltratar um Conselheiro. A apario de Seldon melhorou a minha imagem e deu-me o poder - mesmo que temporrio - e naquele momento, voc veio a pblico. Movi-me imediatamente, e agora vou mat-lo sem a menor dor de conscincia, ou microssegundo de hesitao, se no fizer exatamente como eu disser. - Toda nossa conversa agora - acrescentou -, numa hora em que preferiria muito estar na cama, dormindo, destinou-se a faz-lo acreditar em mim. Quero que saiba que o problema da Segunda Fundao, que tive o cuidado de fazer voc delinear, d-me razo suficiente e inclinao para acabar com o seu crebro, sem julgamento. Trevize quase ia se erguendo. Branno interrompeu-o: - Vamos, no tente qualquer movimento. Sou apenas uma velha, como voc sem dvida est dizendo para si mesmo, mas antes que pudesse pr a mo em mim, estaria morto. Estamos sendo observados, rapazinho tolo, por

gente minha. Trevize sentou-se de novo. Disse, um pouco abalado: - Voc no faz sentido. Se acreditasse que a Segunda Fundao existe, no estaria falando dela to livremente. No se exporia aos perigos que diz que eu estou me expondo a mim mesmo. - Ah, reconhece que eu tenho um pouco mais de bom senso que voc. Em outras palavras, voc acredita que a Segunda Fundao existe, mas fala livremente sobre ela, porque insensato. Eu acredito que ela existe, e tambm falo livremente, mas tomo minhas precaues. Como parece que voc leu cuidadosamente a histria de Arcdia, talvez se lembre que ela fala de seu pai como tendo inventado o que ela chamou de Dispositivo de Esttica Mental. Serve como escudo contra o tipo de poder mental da Segunda Fundao. Ainda existe, e foi muito aperfeioado, tambm, sob condies do mais alto segredo. Esta casa, no momento, est razoavelmente segura contra a espionagem deles. Isso entendido, deixe-me dizer o que deve fazer. - E o que ? - Deve descobrir se o que voc e eu pensamos de fato assim. Deve descobrir se a Segunda Fundao ainda existe, e caso afirmativo, onde. Isso significa que voc dever deixar Terminus e ir no sei para onde - mesmo que resulte, como nos dias de Arcdia, que a Segunda Fundao existe no meio de ns. Significa que voc no retornar at ter algo para nos contar; e se no tiver nada para contar, nunca voltar, e a populao de Terminus ter um doido a menos. Trevize encontrou-se gaguejando: - Como, por Terminus, posso procur-los sem me denunciar? Simplesmente arranjaro uma morte conveniente para mim, e voc no saber de nada a mais. - Ento no procure por eles, criana ingnua. Procure algo diferente. Procure por algo com todo seu corao, com toda sua mente, e se, no processo, cruzar com eles porque eles no se preocuparam em lhe dar ateno, ento tanto melhor! Voc pode, neste caso, nos enviar a informao por hiper-onda fechada e codificada, e ento poder voltar, como recompensa. - Suponho que a senhora tenha algo em mente para que eu procure. - Claro que tenho. Conhece Janov Pelorat? - Nunca ouvi falar. - Vai conhec-lo amanh. Ele vai lhe dizer pelo que vo procurar, e ele vai partir com voc numa de nossas naves mais avanadas. S iro vocs dois, pois dois j o bastante para arriscar. E se porventura voltarem sem nos satisfazer de que tm o conhecimento que queremos, ento explodiro no espao antes de chegarem a um parsec de Terminus. E isso tudo. Esta conversa est encerrada. Levantou-se, olhou para suas mos, e lentamente colocou suas luvas. Voltou-se para a porta, e por ela entraram dois guardas, armas na mo. Abriram alas para deix-la passar. porta, virou-se: - H outros guardas l fora. No faa nada para perturb-los, ou nos poupar o trabalho de atur-lo vivo. - Ento perder tambm os benefcios que eu poderei trazer-lhe - respondeu Trevize, e com esforo, conseguiu diz-lo sem rancor. - Arriscaremos isso - disse Branno, com um sorriso nada surpreso.

8.L fora, Liono Kodell estava esperando por ela: - Escutei tudo, Prefeita. A senhora foi extraordinariamente paciente. - E estou extraordinariamente cansada. Acho que o dia teve setenta e duas horas. Voc assume, agora. - Claro, mas diga-me... Havia realmente um Dispositivo de Esttica Mental volta da casa? - Ora, Kodell - disse Branno, cansada. - Voc bem sabe. Qual a chance de algum estar espiando? Imagina que a Segunda Fundao est espionando tudo, em todo lugar, sempre? No sou uma jovem romntica, como o Trevize; ele pode pensar isso, mas no eu. E mesmo se fosse esse o caso, a presena de um DEM no nos denunciaria imediatamente? E portanto, seu uso no indicaria Segunda Fundao a existncia de um escudo contra seus poderes - uma vez que detectassem uma regio mentalmente opaca? O segredo da existncia de um tal escudo - at que estejamos prontos para us-lo totalmente - no algo que vale mais que Trevize, mas tambm algo que vale mais que voc e eu juntos? E no entanto... Estavam no veculo terrestre, Kodell dirigindo: - E no entanto... - repetiu Kodell - E no entanto, o qu? - disse Branno. - Ah, sim. E aquele rapaz inteligente. Chamei-o de tolo de vrias maneiras, meia dzia de vezes, s para mant-lo no seu lugar, mas ele no nada bobo. jovem, e leu muitas das novelas de Arcdia Darell, e fizeram-no pensar que assim que a Galxia - mas ele tem intuies rpidas sobre si mesmo, e seria uma pena perd-lo. - Est certa ento que ele vai se perder? - Bem certa - respondeu Branno, triste. - De qualquer modo, melhor assim. No precisamos de jovens romnticos investindo cegamente por a e esmagando, talvez num instante, o que levamos anos para construir. Alm do que, ele servir a um propsito: Certamente atrair a ateno dos segundo-fundacionistas - sempre presumindo que eles existam, e realmente estejam preocupados conosco. E enquanto forem atrados para ele, talvez nos ignorem. Talvez ainda possamos ganhar mais que a boa sorte de sermos ignorados. Podero, esperemos, inadvertidamente se mostrar a ns, em sua preocupao com Trevize, e nos deixando uma oportunidade e tempo para pensar em contra-medidas. - Trevize, ento, atrai o raio. Os lbios de Branno torceram-se: - Ah, a metfora que tenho procurado! Ele o nosso para-raios, absorvendo o golpe e nos protegendo do mal. - E esse tal Pelorat, que tambm estar no trajeto do raio? - Ele poder sofrer, tambm. Isso no se pode evitar. Kodell assentiu: - Bem, voc sabe que Salvor Hardin costumava dizer: Nunca deixe o seu senso moral evitar que voc faa o que certo. - No momento, no tenho um senso moral - murmurou Branno -, tenho um senso de estar esgotada at os ossos. E ainda.. . poderia mencionar muitas pessoas que eu

preferiria perder, ao invs de Golan Trevize. Ele um belo rapaz. E claro, sabe disso. - Suas ltimas palavras foram borradas, ao fechar os olhos e cair num sono profundo.

- III -

HISTORIADOR

9.Janov Pelorat tinha os cabelos brancos e sua face, em repouso, parecia inexpressiva. E raramente estava em outro estado que no em repouso. Tinha altura e peso medianos, e tendia a se mover sem pressa e falar ponderadamente. Parecia consideravelmente mais velho do que seus cinquenta e dois anos. Nunca deixara Terminus, algo muito inusitado, especialmente para algum da sua profisso. Ele mesmo no estava certo se suas maneiras sedentrias se deviam ou eram a despeito de sua obsesso pela histria. A obsesso o assaltara bem de sbito, aos quinze anos, quando, durante uma indisposio, foi-lhe dado um livro de lendas antigas. Nele, encontrou repetidamente o motivo de um mundo s e isolado - um mundo que nem mesmo tinha conscincia de seu isolamento, pois que nunca conhecera nada alm. Sua indisposio comeou a passar imediatamente. Em dois dias, tinha lido o livro trs vezes, e estava fora da cama. No dia seguinte, estava no terminal de um computador, verificando quaisquer registros que a Biblioteca da Universidade de Terminus poderia ter sobre lendas semelhantes. Foram precisamente essas lendas que o ocuparam desde ento. A Biblioteca da Universidade de Terminus de modo algum fora um grande recurso, sob este aspecto, mas quando ficou mais velho, descobriu as alegrias dos emprstimos entre bibliotecas. Tinha cpias em sua posse que haviam sido tomadas de sinais hiper-redirecionais to distantes quanto Ifnia. Tornara-se professor de histria antiga e agora comeava sua primeira licena sabtica - uma que ele solicitara com a ideia de fazer uma viagem espacial (sua primeira) a Trantor mesmo - trinta e sete anos depois de ter comeado a carreira. Pelorat tinha bem conscincia de que era muito incomum para uma pessoa de Terminus nunca ter estado no espao. Nunca fora sua inteno se notabilizar desta maneira. Mas sempre que ele poderia ter ido para o espao, algum novo livro, algum novo estudo, alguma nova anlise aparecia no seu caminho. Ento ele adiaria sua projetada viagem at ter dissecado o material novo, e ter acrescido, se possvel, mais um item de fatos, ou especulao, ou imaginao, montanha j colecionada. Ao fim, s lamentava que aquela viagem a Trantor, em especial, nunca fora feita. Trantor tinha sido a capital do Primeiro Imprio Galctico. Fora o trono dos Imperadores por doze mil anos e, antes disso, capital de um dos mais importantes reinos pr-imperiais, que aos pouquinhos foi dominando ou absorvendo outros reinos at fundar o Imprio. Trantor tinha sido uma cidade que abrangeu um mundo inteiro, uma s cidade, toda de metal. Pelorat lera sobre isto nas obras de Gaal Dornick, que a visitara no tempo do prprio Hari Seldon. O volume de Dornick no mais circulava, e o que Pelorat tinha poderia ter sido vendido por metade do salrio anual do historiador. A sugesto de que ele poderia vend-lo causaria grave ofensa. claro que, no que concernia a Pelorat, o importante de Trantor era a Biblioteca Galctica que, nos tempos imperiais (quando era a Biblioteca Imperial), fora a maior

da Galxia. Trantor foi a capital do maior e mais populoso imprio que a humanidade j vira. Uma s cidade, atingindo o planeta inteiro, com uma populao bem alm dos quarenta bilhes, e sua Biblioteca, o registro reunido de todo trabalho criativo (s vezes, no to criativo) da humanidade, sumrio completo de seu conhecimento. E tudo estava computadorizado de maneira to complexa, que eram precisos especialistas para manejar os computadores. E mais, a Biblioteca tinha sobrevivido. Para Pelorat, era o que havia de mais surpreendente. Quando Trantor caiu e foi saqueada, quase dois sculos e meio antes, sofreu assombrosa destruio, e as histrias de misria humana e morte eram insuportveis de repetir - mas a Biblioteca tinha sobrevivido, protegida (pelo que se dizia) pelos estudantes da Universidade, que usaram armas engenhosamente concebidas. (Alguns pensavam que a defesa pelos estudantes bem poderia ter sido muito romantizada.) Em qualquer caso, a Biblioteca suportou o perodo de devastao. Ebling Mis outrora tinha trabalhado numa Biblioteca intacta, num mundo arruinado, quando quase localizara a Segunda Fundao (de acordo com a crena do povo da Fundao, mas que os historiadores sempre encararam com reserva). As trs geraes de Darells: Bayta, Tor e Arcdia - cada uma, em uma ou outra ocasio, estiveram em Trantor. Porm, Arcdia no visitara a Biblioteca, e desde seu tempo, a Biblioteca no mais afetou a histria galctica. Nenhum fundacionista houvera estado em Trantor, em cento e vinte anos, mas no havia razo para crer que a Biblioteca ainda no estivesse l. Que no tinha sofrido nada era a evidncia mais segura de que ainda devia estar l. Sua destruio teria causado algum rudo. A Biblioteca estava fora de moda, arcaica - j estava assim desde o tempo de Ebling Mis - mas, tanto melhor. Pelorat sempre esfregava as mos de excitao quando pensava numa Biblioteca velha e fora de moda. Quanto mais velha e obsoleta, mais provvel ter o que ele precisava. Em seus sonhos, ele entrava na Biblioteca, e perguntava, alarmado, sem flego: - A Biblioteca foi modernizada? Vocs jogaram fora as antigas fitas e computadorizaes? E sempre imaginava a resposta de velhos e empoeirados bibliotecrios: - Assim como era, professor, ainda . E agora, seu sonho seria realidade. A prpria Prefeita lhe assegurara isso. Como ela veio a saber de seu trabalho, no tinha certeza. Ele no conseguira publicar muitas obras. Pouco do que fizera era slido o bastante para ser aceitvel para publicao, e o que aparecera, no deixou sinal. Ainda assim, diziam que Branno de Bronze sabia tudo do que acontecia em Terminus, e tinha olhos nos extremos de cada dedo, das mos e dos ps. Pelorat quase acreditava nisto, mas se ela reconhecia o seu trabalho, por que, por Terminus, ela no viu sua importncia, e lhe deu um pequeno apoio financeiro antes? De algum modo, pensou ele, com tanto amargor quanto ele podia gerar, a Fundao tinha os olhos firmemente no futuro. Era o Segundo Imprio e seu destino, o que a absorvia. No tinham tempo, nem desejo de espiar de volta o passado - e irritavam-se com os que o faziam. Tanto mais estpidos isto os tornava, mas ele no podia varrer sozinho a insensatez. E talvez fosse bom, assim. Ele poderia abraar-se grande pesquisa, forte contra seu peito, e viria o dia quando seria lembrado como o grande Pioneiro do Importante. Isso significava, claro (e ele era intelectualmente demasiado honesto para se recusar a perceb-lo) que ele tambm estaria absorvido no futuro - um futuro em que ele seria reconhecido, e em que ele seria um heri, lado a lado com Hari Seldon. De

fato, ele seria o maior, pois como a elaborao de um futuro claramente visualizado de um milnio se poderia comparar com a elaborao de um passado perdido de pelo menos vinte e cinco milnios? E chegou o dia; este era o dia. A Prefeita dissera que seria no dia depois daquele em que a imagem de Seldon aparecesse. Essa era a nica razo pela qual Pelorat estivera interessado na Crise Seldon que por meses ocupara toda mente em Terminus, e de fato, quase todas as mentes da Federao. Parecera-lhe da mais completa insignificncia se a capital da Fundao permanecesse em Terminus, ou se mudasse para qualquer outro lugar. E agora que a crise fora resolvida, permanecia incerto quanto a que lado da matria Hari Seldon defendera, ou se a questo disputada fora sequer mencionada. Era suficiente que Seldon tinha aparecido, e que agora, este era o dia. Foi pouco depois das duas da tarde que um veculo terrestre deslizou at parar na calada de sua casa um tanto isolada, um pouco longe de Terminus propriamente dita. Uma porta traseira deslizou para trs. Um guarda com o uniforme do Corpo de Segurana da Prefeitura saiu, ento um rapaz, e mais dois guardas. Pelorat, malgrado ele mesmo, ficou impressionado. A Prefeita no s conhecia o seu trabalho, mas claramente o considerava da mais alta importncia. A pessoa que deveria ser o seu companheiro merecia uma guarda de honra, e fora-lhe prometida uma nave de primeira classe, que seu companheiro estaria capacitado a pilotar. Muito desvanecedor! Muito. A governanta de Pelorat abriu a porta. O rapaz entrou e os dois guardas tomaram posio a cada lado da entrada. Pela janela, Pelorat viu que o terceiro guarda permanecia l fora, e que um segundo carro havia chegado. Guardas adicionais! Perturbador! Voltou-se, para encontrar o rapaz em sua sala, e surpreendeu-se ao reconhec-lo. J o tinha visto nas holo-noticias: - Voc aquele Conselheiro. Voc Trevize! Golan Trevize. Isso mesmo. E o senhor o Professor Janov Pelorat! - Sim, sim - respondeu Pelorat. - Voc aquele que... - Seremos companheiros de viagem - respondeu Trevize, marmreo. - Ou pelo menos assim me disseram. - Mas voc no um historiador. - No, no sou. Como disse, sou um Conselheiro, um poltico. - Sim, mesmo - mas, o que estou dizendo? Eu sou o historiador, portanto que necessidade tenho de um outro? Voc sabe pilotar uma espaonave. - Sim, at que sou bom nisso. - Bem, tudo o que precisamos. Excelente! Receio no ser um esprito prtico, como vocs; de modo que, meu rapaz, se por acaso voc o , faremos uma boa equipe. Esperemos, ento, que eu possa superar minhas incertezas sobre o espao. Nunca estive no espao, voc sabe, Conselheiro. Sou um bicho da terra, sabe? Alis, gostaria de uma xcara de ch? Posso pedir a Kloda que nos prepare algo. Pelo que sei, ainda h algumas horas antes de partirmos, afinal. No entanto, j estou totalmente preparado. Tenho tudo o que necessrio para ns dois. A Prefeita tem sido muito cooperativa. Surpreendente... o interesse dela no projeto. - O senhor sabia a respeito disto, ento? J h quanto tempo? - A Prefeita entrou em contato comigo - aqui Pelorat fez uma careta, parecendo fazer alguns clculos - h duas, talvez trs semanas atrs. E agora tenho bem claro na mente que preciso de um piloto, e no de um segundo historiador, e tambm estou contente que meu companheiro seja voc, meu caro rapaz.

- Duas, talvez trs semanas atrs - repetiu Trevize, soando um pouco atordoado. Ento, ela esteve preparada todo este tempo. E eu... - e silenciou. - Como disse? - Nada, professor. Tenho o mau hbito de resmungar para mim mesmo. algo com que o senhor ter de se acostumar, se nossa viagem se estender muito. - E vai, e vai - disse Pelorat, empurrando o outro para a mesa da sala de refeies, onde um elaborado ch estava sendo preparado por sua governanta. - A Prefeita disse que deveramos demorar tanto quanto quisssemos, e que a Galxia inteira estava nossa frente, e de fato, onde quer que fssemos, poderamos requisitar fundos da Fundao. Ela disse, claro, que deveramos ser razoveis. O que tambm prometi. - Riu-se e esfregou as mos. - Sente-se bom rapaz, sente-se. Esta pode ser nossa ltima refeio em Terminus, por um longo tempo. Trevize sentou-se. - O senhor tem famlia, professor? - Tenho um filho. Ele est na faculdade, Universidade de Santanni. Ele qumico, creio, ou algo assim. Puxou pela me. Ela no est comigo h j um bom tempo, de modo que no tenho responsabilidades, e creio que voc tambm no tem nenhuma... sirva-se de sanduches, rapaz. - Nenhum dependente, no momento. Umas poucas mulheres. Elas vo e vm. - Sim; sim, delicioso, quando funciona. Ainda mais delicioso quando voc descobre que no precisa levar nada a srio. Sem filhos, ento? - Nenhum. - timo! Voc sabe, estou no melhor dos humores. Fiquei meio ressabiado quando voc chegou, admito, mas acho tudo muito animador, agora. O que preciso de juventude e entusiasmo, e algum que saiba os caminhos da Galxia. Estamos numa busca, voc sabe. Uma pesquisa notvel. - O rosto e a voz tranquilos de Pelorat atingiram uma animao inusitada, sem nenhuma mudana particular de expresso ou entonao. - Imagino se lhe contaram algo a respeito. Os olhos de Trevize se estreitaram. - Uma busca notvel? - Sim, realmente. Uma prola de grande valor est escondida entre as dezenas de milhes de mundos habitados na Galxia, e no temos nada, seno as pistas mais tnues para nos guiar. Mesmo assim, ser um prmio incrvel se pudermos encontrla. Modstia parte... nossos nomes ressoaro por todas as eras, at o fim dos tempos - O prmio de que o senhor fala, essa prola de grande valor... - Pareo Arcdia Darell, a escritora, voc sabe, falando da Segunda Fundao, no mesmo? No admira que voc esteja admirado. - Pelorat inclinou a cabea para trs, como se fosse gargalhar, mas meramente sorriu: - Nada to tolo e sem importncia, asseguro-lhe. - Se o senhor no est falando da Segunda Fundao, professor, de que est falando? Pelorat ficou subitamente grave, como se pedisse desculpas: - Ah, ento a Prefeita no lhe contou? Estranho... Passei dcadas ressentido com o governo e sua incapacidade de entender o que estou fazendo, e agora a Prefeita Branno est sendo notavelmente generosa! - Sim - respondeu Trevize, no tentando esconder um tom irnico -, ela uma mulher de uma notvel filantropia oculta, mas ela no me contou sobre o que tudo isto vem a ser. - Voc no est informado de minha pesquisa, ento? - Lamento, mas no estou. - No precisa se desculpar. Est perfeitamente bem. No tenho sido exatamente

um sucesso estrondoso. Ento, deixe-me contar. Voc e eu vamos procurar, e encontrar, pois tenho uma excelente possibilidade em mente: a Terra.

10.Trevize no dormiu bem naquela noite. Repetidamente, ele percorria a cadeia que aquela velha construra em torno dele. E de modo algum podia encontrar uma sada. Estava sendo levado ao exlio, e nada podia fazer. Ela fora calmamente inexorvel, e nem se deu ao trabalho de mascarar a inconstitucionalidade de tudo aquilo. Ele confiara em seus direitos de Conselheiro, e de cidado da Federao, e ela nem mesmo formalmente os respeitara. E agora esse Pelorat, esse estranho acadmico que parecia se encontrar no mundo, sem fazer parte dele, disse-lhe que a temvel megera estivera fazendo arranjos para isto havia semanas. Ele sentiu-se como o menino como ela o chamara. Devia ser exilado junto com um historiador que ficava sempre chamando-o de caro rapaz, e que parecia estar sob um silencioso ataque de alegria por comear uma busca por toda a Galxia pela... Terra? E o que, em nome da av do Mulo, era a Terra? Ele perguntara, mas claro! E no momento mesmo em que foi mencionada. - Desculpe, professor, sou um ignorante na sua especialidade, e confio que o senhor no se irritar se eu pedir uma explicao em termos simples: o que a Terra? Pelorat observou-o gravemente, enquanto vinte segundos lentamente se passavam. - um planeta; o planeta original. Aquele onde os seres humanos primeiro apareceram, meu caro rapaz. Trevize olhou, com cara de bobo: - Primeiro apareceram? Vindos de onde? - De lugar algum. o planeta onde a humanidade se desenvolveu por um processo evolucionrio, a partir de animais inferiores. Trevize ficou pensando, ento abanou a cabea: - No sei do que o senhor est falando. Uma expresso de enfado cruzou brevemente o rosto de Pelorat. Limpou a garganta e disse: - Houve um tempo em que Terminus no tinha seres humanos em sua superfcie. Foi povoado por humanos a partir de outros mundos. Voc sabe disso, eu suponho? - Sim, claro - retrucou Trevize, impaciente. Estava irritado com o sbito tom professoral do outro. - Muito bem, e isso vlido para todos os outros mundos: Anacreon; Santanni; Kalgan... todos eles. Todos eles, em algum momento do passado, foram descobertos. As pessoas chegavam neles, vindas de outros mundos. Isso vlido mesmo para Trantor. Pode ter sido uma vasta metrpole por vinte mil anos, mas antes, no era nada. - Ora,e o que foi, antes? - Um deserto! Pelo menos, de humanos. - difcil de acreditar.

- verdade; os antigos registros mostram isso. - E de onde vieram as pessoas que primeiro povoaram Trantor? - Ningum tem certeza. H centenas de planetas que alegam ter sido populados nas nuvens difusas da antiguidade, e cujo povo apresenta lendas intrincadas sobre a natureza da primeira chegada da humanidade. Os historiadores tendem a descartar essas coisas, e discutir em torno da Questo das Origens. - E o que isso? Nunca ouvi falar. - O que no me surpreende. No um problema histrico popular, agora, admito, mas houve um tempo, durante a decadncia do Imprio, quando levantou uma certa celeuma entre os intelectuais. Salvor Hardin o menciona brevemente, em suas memrias. a questo da identidade e localizao daquele planeta onde tudo comeou. Se olharmos para trs, no tempo, a humanidade vai refluindo para dentro, dos mundos mais recentemente povoados, para os mais antigos, e para outros ainda mais antigos, at que tudo se concentra num s - o original. Trevize pensou logo na falha bvia do argumento: - No poderia haver um grande nmero de planetas originais? - Claro que no. Todos os seres humanos, por toda a Galxia, so de uma s espcie. Uma s espcie no pode se originar em mais de um planeta. Totalmente impossvel. - Como sabe? - Em primeiro lugar... - Pelorat indicou o primeiro dedo de sua mo esquerda com o primeiro dedo da direita, e ento pensou melhor no que seria sem dvida uma longa e intrincada exposio: - Meu caro rapaz, dou-lhe minha palavra de honra - foi o que disse, colocando as mos na cintura, e falando com grande seriedade. Trevize assentiu formalmente e disse: - Eu nem sonharia em duvidar, professor Pelorat. Digamos, ento, que haja um planeta de origem, mas no poderia haver centenas a reclamar essa honra para si? - No s poderia, mas h. Mas todas as alegaes so desprovidas de mrito. Nenhum dessas centenas que aspiram ao crdito da prioridade mostra qualquer trao de uma sociedade pr-hiperespacial, quanto mais qualquer trao de evoluo humana a partir de organismos pr-humanos. - Ento o senhor est dizendo que h um planeta original, mas que, por alguma razo, no reclama o ttulo para si? - Acertou precisamente a questo. - E o senhor vai procur-lo? - Ns vamos. E essa nossa misso. A Prefeita Branno j arranjou tudo. Voc vai pilotar nossa nave at Trantor. - Para Trantor? No o planeta da origem! O senhor o disse agora h pouco. - Claro que no Trantor; a Terra. - Ento por que no me diz para pilotar a espaonave at a Terra? - Creio que no estou me fazendo muito claro. Terra um nome lendrio. Est encerrado em mitos antigos. No tem significado do qual possamos estar certos, mas conveniente usar a palavra, como um sinnimo de duas silabas para: o planeta de origem da espcie humana. Exatamente que planeta no espao real estamos definindo como Terra, isso no conhecido. - E conhecido em Trantor? - Espero encontrar informao l, certamente. Trantor possui a Biblioteca Galctica, a maior do sistema. - Certamente essa biblioteca foi pesquisada pelas pessoas que o senhor disse estarem interessadas na Questo das Origens, no tempo do Primeiro Imprio.

Pelorat assentiu, pensativo: - Sim, mas talvez no o suficiente. Aprendi muito sobre a Questo das Origens, que talvez os imperiais de h cinco sculos no sabiam. Poderia pesquisar os antigos registros com uma maior compreenso, percebe? Tenho pensado nisso por muito tempo, e tenho uma excelente possibilidade em mente. - O senhor contou tudo isto Prefeita Branno, eu imagino, e ela aprovou? - Aprovou? Meu caro rapaz, ela ficou extasiada. Disse-me que Trantor era exatamente o lugar onde encontrar tudo o que eu precisaria saber. - Sem dvida - resmungou Trevize. E isso era parte do que o ocupava naquela noite. A Prefeita Branno o estava mandando descobrir o que podia sobre a Segunda Fundao. Estava enviando-o com Pelorat, de modo que ele poderia mascarar o seu real objetivo com a pretensa busca da Terra, uma busca que poderia carreg-lo para qualquer ponto da Galxia. Era um disfarce perfeito, de fato, e ele admirou o engenho da Prefeita. Mas, Trantor? Qual o sentido disso? Uma vez em Trantor, Pelorat se embarafustaria pela Biblioteca Galctica e nunca emergiria de l. Com pilhas infinitas de livros, filmes e gravaes, com inumerveis computadorizaes e representaes simblicas, ele certamente no quereria sair nunca mais. Alm do que... Ebling Mis fora uma vez a Trantor, no tempo do Mulo. A histria dizia que ele descobrira a localizao da Segunda Fundao ali, onde morreu antes de poder revella. Mas, ento veio Arcdia Darell, e ela tambm conseguiu localizar a Segunda Fundao. Mas o local que ela encontrou foi o prprio Terminus, e ali o ninho da Segunda Fundao foi varrido. Onde quer que a Segunda Fundao estivesse agora seria em qualquer outro lugar; ento, o que mais Trantor teria para revelar? Se ele estava procurando pela Segunda Fundao, era melhor ir a qualquer lugar que no Trantor. Alm do que... Que outros planos Branno teria, ele no sabia, mas no podia especular junto a ela. Branno ento ficara extasiada sobre uma viagem a Trantor, hein? Se Branno queria Trantor, eles n