Isabel Maria Casimiro - codesria.org · de descasque e processamento de castanha de caju, à...

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07-11/12/2008 Yaoundé, Cameroun “As Mulheres Estão Mais Livres Apesar de Trabalharem Muito” 1 . Mulheres Camponesas Lutam Pela Dignidade Numa Aldeia de Moçambique Isabel Maria Casimiro Universidade Eduardo Mondlane CODESRIA 12th General Assembly Governing the African Public Sphere 12e Assemblée générale Administrer l’espace public africain 12a Assembleia Geral Governar o Espaço Público Africano رشع ةيناثلا ةيمومعلا ةيعمجلا اﻹﻓﺮﻳﻘﻰ اﻟﻌﺎم اﻟﻔﻀﺎء ﺣﻜﻢ

Transcript of Isabel Maria Casimiro - codesria.org · de descasque e processamento de castanha de caju, à...

07-11/12/2008 Yaoundé, Cameroun

CODESRIA

12th General Assembly Governing the African Public Sphere

12e Assemblée générale

Administrer l’espace public africain

12a Assembleia Geral Governar o Espaço Público Africano

ةيعمجلا ةيمومعلا ةيناثلا رشع حكم الفضاء العام اإلفريقى

“As Mulheres Estão Mais Livres Apesar de Trabalharem Muito”1. Mulheres Camponesas Lutam Pela Dignidade

Numa Aldeia de Moçambique

Isabel Maria Casimiro Universidade Eduardo Mondlane

CODESRIA

12th General Assembly Governing the African Public Sphere

12e Assemblée générale

Administrer l’espace public africain

12a Assembleia Geral Governar o Espaço Público Africano

ةيعمجلا ةيمومعلا ةيناثلا رشع حكم الفضاء العام اإلفريقى

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“As Mulheres Estão Mais Livres Apesar de Trabalharem Muito”1. Mulheres Camponesas Lutam Pela Dignidade Numa Aldeia de Moçambique2

Isabel Maria Casimiro3 As mulheres estão mais livres. Antes as mulheres tinham de fugir por causa das patrulhas. As mulheres antes não procuravam fazer negócio, não podiam, tinham de ficar em casa. O homem era escravizado pelo governo e por sua vez escravizava as mulheres. Se elas hoje trabalham é para o bem delas (...) As mulheres trabalham e compram o que acham necessário. Antigamente não tinham escolha. São mais livres hoje, apesar de trabalharem muito para conseguirem essas coisas. As mulheres hoje trabalham e então é difícil de se casarem. Numa casa podem viver uma ou três solteiras.

Viúva, Bairro Puli, Angoche, 64 anos, Ent41, 6/09/03 …Gostaria de ter um sítio onde fizessem justiça quando aparecem homens a maltratar-nos. Com emprego, talvez as mulheres pudessem dizer não, mas as mulheres nunca conseguem dizer não e os homens abusam, porque uma mulher solteira é incompleta.

Mulher Abandonada (FCM), membro da CDL4, 41 anos, Ent32, Mirrepe, 24/09/03

Os homens abandonam as mulheres com os filhos aqui em Angoche. As mulheres não sabem onde ir e então resignam-se. Mas é um problema que afecta muita gente e nós não encontramos solução para ele. Não sabemos a quem pedir auxílio pelo facto dos homens serem irresponsáveis. As mulheres são e estão a ser usadas como coisas descartáveis.

Mulher Abandonada (FCM), 36 anos, Ent50, Angoche, 30/09/03 Antes havia emprego mas levava-se porrada, não éramos seres humanos. Hoje não há serviço. Mas a Independência é uma coisa boa. Tempo colonial não tinha tempo. Era só sofrer, apanhar.

Secretário da Aldeia, 51 anos, Ent11, Mirrepe, 5/09/03

1 Palavras duma mulher viúva de 64 anos, numa Família Chefiada por Mulher (FCM), Bairro Puli, cidade de Angoche, (Distrito de Angoche, Província de Nampula), 06/09/03 (Ent41). 2 Artigo elaborado com base em entrevistas semi-estruturadas a mulheres e homens da cidade de Angoche e aldeia de Mirrepe, entre Maio e Outubro de 2003, enquadrado nos preparativos para o doutoramento em Sociologia. 3 Docente e investigadora, Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique. Membro das organizações Fórum Mulher e Cruzeiro do Sul – Instituto de Investigação para o Desenvolvimento José Negrão. 4 CDL, Comissão de Desenvolvimento Local, Mirrepe. Foi uma das primeiras CDL’s a ser constituída em Nampula.

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Introdução O processo de globalização e de reestruturação económica que o mundo viu acelerar-se a

partir da década de 70 e que se instalou depois de meados dos anos 80 e na década de 90 através dos modelos neo-liberais tem produzido impactos desiguais à escala local e individual e com consequências diferenciadas para mulheres e homens. Apesar das inovações ao nível dos processos de trabalho, das tecnologias de comunicação e informação e das condições que têm criado para reduzir a dureza do trabalho, os processos económicos globais têm incentivado a proletarização ou semi-proletarização e a crescente desigualdade à escala mundial, o desemprego, o aumento da migração internacional, a feminização da força laboral, a formação e recomposição das classes sociais a nível nacional e internacional, e a crescente importância das redes globais. A reestruturação económica desencadeou o aumento da quantidade total de trabalho realizado, o aparecimento de novas divisões de trabalho bem como uma distribuição mais desiquilibrada de todas as formas de trabalho ao nível dos agregados familiares. E ademais as divisões de trabalho dentro e entre as famílias, entre mulheres e homens de diversas idades, mudou do mesmo modo que mudaram também as divisões de trabalho a nível internacional (Santos, 2001, 1995); Martínez, Moya e Muñoz, 1995: 79, 96).

Nos anos 50 e 60 o optimismo do paradigma da modernização que dominava a produção teórica da Economia do Desenvolvimento, no período posterior à II Guerra Mundial, levou muitas pessoas a acreditar que as formas tradicionais de trabalho e de produção desapareceriam como resultado do progresso económico nos países desenvolvidos. Todavia à medida que as economias começavam a dar sinais negativos, os teóricos do desenvolvimento dedicaram-se ao estudo do que então se designava como sector tradicional, constatando que este sector não havia apenas persistido como ampliado dando origem a novos desenvolvimentos. Com as políticas neo-liberais a expandirem-se nos países desenvolvidos, muitos trabalhadores foram despedidos dos seus empregos formais e empurrados para o emprego informal. O termo sector informal começou a ser utilizado a partir de inícios da década de 70 transformando-se num tema de investigação não apenas ao nível da economia mas também da sociologia e da antropologia.

A partir de meados de 1990 muitos académicos começaram a utilizar o termo ‘economia informal’ para se referirem a um conceito mais lato que inclui empresas e diferentes tipos de emprego em países com vários níveis de desenvolvimento, reconhecendo tratar-se duma economia diversa que inclui em vários países do mundo membros de pequena escala e ocasionais (no geral vendedores de rua e recicladores de lixo) bem como empresas maiores, pessoal de empresas formais mas empregue informalmente, trabalho à peça, lavagem e confecção de roupa ao domicílio, preparação de refeições, fabrico de bebidas tradicionais, confecção de bolos e biscoitos, etc.

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A agenda política económica ficou quase que inteiramente subordinada ao pensamento económico neo-liberal do Washington Consensus, criando profundas e crescentes desigualdades de riqueza e de rendimento – pessoas cada vez mais empobrecidas, em especial as mulheres, que foram ficando marginalizadas no acesso a estratégias económicas e sociais seguras. A constatação destas situações tem conduzido académicos e activistas ligados aos Novos Movimentos Sociais, a considerar que a justiça económica e social só poderá ser alcançada através da segurança das estratégias de desenvolvimento e dum ambiente económico favorável (Sen, 2005: 10, 12, 15, 17).

É neste contexto que diante dos limites das políticas desenvolvimentistas que dominam a produção teórica da Economia do Desenvolvimento e do impacto das políticas neo-liberais em países com variados graus de desenvolvimento, começou a ganhar corpo uma outra abordagem para o desenvolvimento e para a pobreza a partir da década de 90. A pobreza deixou de ser definida apenas em termos económicos – como uma falta de rendimento ou Produto Nacional Bruto per capita – como acontecia antes da década de 70 para, depois dos anos 70, se começar a falar no conceito de necessidades básicas – incluindo o acesso a bens de consumo como também a bens colectivos – a educação e os serviços de saúde – e igualmente outros aspectos mais gerais de bem-estar (Espling, 2006: 4).

A perspectiva das necessidades básicas foi parcialmente abandonada nos anos 80 e foram ganhando terreno interpretações mais gerais de bem-estar passando a ser consideradas como parte integrante das dimensões críticas da pobreza a habilidade das pessoas para desempenhar várias funções, desenvolver e desdobrar as suas capacidades. Tomaram-se em consideração os direitos de mulheres e homens aos recursos e a vulnerabilidade dos mais pobres em face das mudanças no meio ambiente ecológico, económico e político, reconhecendo-se a relatividade do conceito de pobreza e a sua conexão íntima com os valores políticos, morais e culturais, de acordo com as características de cada sociedade e relacionando as condições de ‘exclusão social’ a todos estes factores (Chambers e Conway, 1992).

Nos anos 90 reconheceu-se o carácter multidimensional e contextualizado da pobreza e das suas causas considerando os aspectos económicos, ecológicos, sociais, culturais, políticos, o facto dos pobres não constituírem um grupo homogéneo e de não serem sujeitos passivos à espera de soluções para os seus problemas5. É a partir destas reflexões suportadas na investigação e na prática de trabalho em vários países do mundo que se desenha a perspectiva

5 A este propósito é importante referir que no documento do PARPA I, 2001-2005, elaborado pelo Governo Moçambicano se definia pobreza como a incapacidade dos indivíduos de assegurar para si e para os seus dependentes um conjunto de condições básicas mínimas para a sua subsistência e bem estar, segundo as normas da sociedade (PARPA: 10). Definição bastante contestada pelas organizações da sociedade civil e discutida ao nível do Grupo 20 que integra o Observatório da Pobreza criado pelo Governo para acompanhar os esforços a nível nacional no combate à pobreza em Moçambique. Esta definição faz recair sobre os pobres e suas famílias a responsabilidade da sua própria pobreza, não se abordando a questão da distribuição justa e sustentável dos benefícios e da igualdade de direitos e oportunidades no acesso e controlo dos recursos como referiu o Fórum Mulher num documento de reflexão sobre a ausência de perspectiva de género no PARPA I. Para além de que considera este combate a nível individual e como tendo por objectivo apenas a satisfação das necessidades básicas e não os aspectos globais que contribuem para o desenvolvimento das pessoas.

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das estratégias sustentáveis de sobrevivência (sustainable livelihoods), focando as atenções nas pessoas, nos bens e recursos ao seu alcance, assim como nas suas escolhas acerca das estratégias de sobrevivência múltiplas e em mudança por si adoptadas (Chambers e Conway, 1992).

Tomando como ponto de partida as soluções endógenas desenvolvidas a partir das

experiências quotidianas da economia familiar conducentes ao empoderamento dos seus

membros, mulheres e homens, e das comunidades, esta estratégia reconhece a participação de

diversos actores que intervêm nas acções das pessoas, desde as organizações comunitárias, as

redes de entreajuda, os organismos governamentais a vários níveis e o sector privado

(Espling, 2006).

No distrito de Angoche, província de Nampula, mulheres e homens desenvolvem

actividades múltiplas e variadas para fazer face às necessidades do quotidiano dificilmente

cobertas apenas pelos rendimentos auferidos através das actividades agrícolas ou dum

emprego assalariado, praticamente inexistente. Neste artigo abordo a experiência de mulheres

camponesas duma pequena aldeia deste distrito no norte costeiro de Moçambique.

Confrontadas com a pobreza e a necessidade de contribuir para o bem estar dos seus filhos,

um grupo de mulheres criou uma associação de fomento de cabrito em Mirrepe. Os múltiplos

problemas que foram obrigadas a enfrentar obrigaram-nas a mudar o foco da sua actividade

para a pulverização dos cajueiros, numa região em que o caju é uma das principais culturas de

rendimento.

1. Angoche: o caju e as plantações

Angoche foi, durante décadas, um importante centro económico, não só para a província de Nampula, mas também para Moçambique. A sua economia é predominantemente agrícola, representando a agricultura o principal meio de sustento para a maioria da população. As principais culturas alimentares são o arroz, o milho, a mandioca, a mapira, a mexoeira, o amendoim e os feijões (“Distrito de Angoche, Plano de Desenvolvimento Distrital, 1999-2003”, 1999: 22; da Conceição, 2003: 506).

As grandes empresas agrícolas, sobretudo de sisal e palmar ocupavam, durante o período colonial, vastas concessões, exploradas no geral em sistema de monocultura. As actividades industriais estavam associadas à economia de base agrária, as agro-indústrias, e destinadas à preparação e aproveitamento dos seguintes produtos: copra, sisal, algodão e sumaúma; caju, amendoim e coco; arroz. A Companhia Comercial de Angoche (CCA), uma companhia concessionária com sede na Suíça e com a administração na cidade de Angoche, era dona de imensas plantações de sisal e palmar, em Natire, Merrere e Nametória, que dispunham de maquinaria de desfibramento, lavagem, prensagem e enfardamento do sisal, e de uma fábrica

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de descasque e processamento de castanha de caju, à entrada da cidade de Angoche. O Banco da Agricultura era uma outra grande empresa agrícola com palmares e cajuais no distrito. Devido à imensa riqueza florestal havia também a exploração de madeira com umas poucas serrações espalhadas pelo distrito para além do aproveitamento dos produtos florestais a nível dos agregados familiares para o artesanato, cestaria, medicamentos e bebidas ricas em vitaminas. Era e ainda é conhecido o aroma e paladar do café de Angoche ou do Liúpo, que se encontra bravio e espontâneo. Apesar das boas condições para a pecuária, esta nunca esteve muito desenvolvida, para além das aves de capoeira, cabras e cabritos, a nível das famílias. Os bovinos e os suínos eram apenas criados nas grandes e médias empresas, como a CCA, que desenvolveu a pecuária nas Plantações de Merrere e Natiri, no Posto Administrativo de Boila-Nametória. A pesca foi sempre uma actividade importante, praticada tanto por grandes e médias empresas como pelos pescadores artesanais. Angoche dispunha duma empresa de pesca, com embarcações e armazéns, que abastecia a cidade e o mercado da província. Na cidade havia também uma fábrica de descasque de arroz e derivados (SINLA, Sociedade Industrial do Niassa Lda); Oficinas de Reparação Auto; Salinas; Padarias; Indústria de Transportes Terrestres (Machado, 1970: 589-604).

A maior parte destas agro-indústrias passou, depois da Independência em 1975, por processos de abandono por parte dos antigos proprietários, nacionalização pelo Estado Moçambicano e sua transformação em Empresas Estatais, paralisação ou semi-paralisação devido à guerra, privatização e reorientação com o Programa de Reajustamento Estrutural, e privatização e encerramento depois do Acordo de Paz entre o Governo Moçambicano e a Renamo, em 1992.

1.1. O sector do caju e a agro-indústria no distrito de Angoche

As pessoas agora estão a sofrer muito, principalmente as solteiras. Porque antes as solteiras trabalhavam nas fábricas. Agora não têm nada.

Ent47, FCM, abandonada, 42 anos, 30/09/03

…Nós fomos os primeiros trabalhadores a trabalhar, pois a CCA é a primeira fábrica. Uns foram indemnizados – os da CAJUCA – mas nós não. E nós não fomos para casa de propósito.

Viúva em casa da filha, 64 anos, Ent57, bairro Puli, 02/10/03

No período colonial, Moçambique foi um dos principais produtores de castanha de caju,

constituindo o sector do caju uma importante fonte de receitas da economia de exportação. O ano de 1972 foi apontado como o momento mais alto da sua produção. Em 1974 a economia do caju ganhava posição face ao algodão e ao açúcar, núcleos centrais de estruturação da economia de exportação colonial (representando respectivamente 11,1% e 20,9% do comércio externo do território). Moçambique impunha-se então como o maior produtor mundial de castanha de caju (190 mil ton, ou seja, 42,7% da produção total) (Leite, 1999: 3).

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Hoje é um pequeno competidor em concorrência com a Índia, o Brasil e o Vietname, os maiores produtores mundiais. A Índia é na actualidade o maior importador de castanha em bruto, importando a maior parte da produção comercializada de Moçambique, sendo também o maior exportador de castanha processada. São as famílias camponesas que têm as árvores e que comercializam a castanha de caju, uma das suas principais fontes de rendimento, nutrição e emprego6. Calcula-se que cerca de 95% da produção actual de caju seja feita pelos pequenos produtores e que perto de um milhão de agregados familiares rurais tenham cajueiros. O caju é processado a nível doméstico e industrial (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 5-6; Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 4-5, 7-9).

Na década de 70, registou-se uma baixa tanto na produção como na qualidade da castanha de caju. O sistema de economia centralizada, adoptado depois da Independência, a ruptura da rede de comercialização assente nos cantineiros, o controlo estatal do abastecimento num contexto de escassez estimulando o auto consumo e a desmonetarização da economia familiar, a ruptura das vias de acesso agravada pela guerra de desestabilização e a destruição das infra-estruturas no sector agrícola, originaram rupturas no funcionamento da economia do caju, que se reflectiram na sua produção e produtividade. Os movimentos da população devido à política de socialização do campo e a concentração das pessoas nas aldeias comunais, que se traduziam no afastamento e abandono ou semi-abandono das árvores, impedindo o seu tratamento ou substituição por novas sementeiras, tiveram implicações no envelhecimento do cajual e na diminuição da sua produtividade7. Os camponeses sentiam-se menos motivados a vender a castanha por causa do fraco poder aquisitivo do dinheiro, e o auto-consumo da castanha aumentou devido ao preço praticado, que não estimulava o produtor/apanhador. A produção média por árvore baixou para 2-4 kg quando se poderia produzir 10-15 kg. (Leite, 1999: 3-5; Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 5-6).

Depois da Independência o Estado, através da Caju de Moçambique E.E. (Empresa Estatal), fez a gestão de 7 unidades industriais que constituíam o parque industrial do sector do caju no período colonial dum total de 11 fábricas em funcionamento e 3 em fase de instalação (1 das quais em Angoche). Por intervencionar ficaram entre outras 1 da Anglo-América, a Mocita, e a CCA em Angoche. Esta última seria encerrada em 1983, para depois ser privatizada pela ENACOMO e a Gani Comercial, vindo a fechar definitivamente em 1998. No começo da década de 90, apenas se encontrava a funcionar a Fábrica de Caju do Monapo, do Grupo Português Entreposto. A paralisação do sector industrial provocou um

6 A castanha de caju é uma fonte de proteínas para as famílias e possui importantes derivados como o falso fruto, o sumo e o álcool.

7 Alfredo Gamito que foi Secretário de Estado do Caju na década de 80 (Governador da província de Nampula nos anos 90, mais tarde Ministro da Administração Estatal e actualmente deputado da AR), apontou numa entrevista a Joana Pereira Leite a 25 de Novembro de 1993 como principais razões para a decadência do caju após a independência, a socialização do campo e a concentração das pessoas nas aldeias comunais; a ruptura da rede de comercialização e o controlo estatal do abastecimento; e a ruptura das vias de acesso (Leite, 1999: 5, nota 6).

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excedente da castanha e o Ministério das Finanças e do Comércio suspendeu em finais de 1992 a política de interdição da exportação do caju que havia sido decidida em 1975 (Leite, 1999: 5-7, 38).

A partir de 1995, o governo Moçambicano liberalizou o sector do caju, por imposição do Banco Mundial, como condição para ter acesso a créditos dessa instituição, o que se traduziu num colapso do sector de processamento e da indústria nacional (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 6; Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 7). Na opinião do Banco Mundial, a liberalização da castanha de caju levaria a um aumento dos preços ao produtor bem como das intenções da oferta (Leite, 1999: 27).

Aproximadamente 10.000 trabalhadores estavam empregados nas fábricas antes da sua privatização e da liberalização do sector. A maior parte das fábricas estatais foi vendida a privados em 1994 e a maioria dos proprietários começou a reabilitá-las e a mudar a tecnologia para o descasque semi-mecanizado, o que requer mão-de-obra intensiva mas quebra menos amêndoas (Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 7).

De acordo com o estudo realizado pelo IIED (International Institute for Environment and

Development) e pela Universidade Eduardo Mondlane, a que se tem feito referência (2003 e 2004), depois da privatização e liberalização no sector do caju e antes do encerramento das unidades de produção, os salários e as condições de vida dos trabalhadores pioraram. Os trabalhadores passaram a ganhar à tarefa, laborando durante longas horas e muitas vezes sem auferir o salário mínimo nacional, desapareceram as creches e o posto de saúde, o que prejudicou sobretudo as trabalhadoras. As mulheres trabalham normalmente mais horas que os homens embora aufiram salários inferiores e raramente ocupam postos de chefia. Os sindicatos ou são inexistentes ou não defendem os interesses dos trabalhadores e os líderes são maioritariamente homens, situação não apenas deste sector mas característica dos sindicatos em Moçambique. Mas os empresários que privatizaram as antigas fábricas também se queixavam dos custos e de problemas como o absentismo e o roubo (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 20-21, 28-29; Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 18-19; Arthur, 2004: 173-206).

Em 1997 a maior parte das fábricas estava encerrada e apesar dos protestos públicos e nos meios de comunicação8, e dos debates no interior do governo e do Parlamento

8 Carlos Cardoso, jornalista e editor do jornal por fax Mediafax e depois proprietário e editor do jornal por

fax Metical (a partir de 25/06/97), assassinado a 22 de Novembro de 2000, foi dos que mais se bateu pelo processamento da castanha de caju em Moçambique e contra a estratégia do Banco Mundial. A AICaju – Associação dos Industriais do Caju – criada em 1992 e constituída por donos e/ou compradores das antigas grandes empresas estatais agora encerradas, também tem criticado a rápida liberalização e a abolição das taxas proteccionistas protagonizadas pelo Banco Mundial, bem como a política desastrosa do governo Moçambicano em relação ao sector do caju (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 8).

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Moçambicano, a maioria das fábricas não reabriu (Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 7). A Associação dos Industriais do Caju (AICAJU) também chamou a atenção para o facto do tratamento das árvores (pulverização) ser muito caro para os agricultores, e que se deveria priorizar o plantio de novas árvores9 (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 8).

O encerramento das fábricas verificou-se por diversas razões: os baixos níveis de produção; a necessidade de abastecer as fábricas com grandes quantidades de castanha em bruto; a diminuição das taxas proteccionistas sobre a castanha em bruto10. Em 1995, foi eliminada a directiva que estabelecia a obrigatoriedade de satisfazer as necessidades das fábricas nacionais antes da exportação da castanha em bruto e a sua taxa de exportação foi reduzida de 30 para 20% em 1995/96 (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 15).

A crise no sector do caju tem as suas origens nos conflitos de interesse que remontam à década de 50 relacionados com a partilha da castanha entre a indústria que então despontava e o antigo comércio exportador. Na década de 90 depois do Acordo de Paz entre o Governo de Moçambique e a Renamo e na vigência das políticas neo-liberais reacenderam-se os conflitos entre os interesses da indústria nacional e dos exportadores, e as instituições de Bretton Woods desempenharam um papel central no relançamento das antigas solidariedades mercantis entre Moçambique e a Índia, dando origem a um novo ciclo no desenvolvimento da economia do caju (Leite, 1999: 2, 7).

Os responsáveis pela política económica no governo, divididos entre as imposições do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e os interesses de grupos da sociedade moçambicana, não assumiram um posicionamento claro no respeitante à política para o sector do caju11. Os defensores dos diferentes interesses organizaram os seus lobbies e foram angariando apoio entre membros e sectores do Governo, do Parlamento e da Frelimo, partido no poder. Os representantes da indústria nacional do sector do caju denunciaram a acção de um lobby indiano que no BM agia no sentido de reter para a Índia o quase monopólio mundial de produção de amêndoa. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Caju, SINTIC, opunha-se à liberalização das exportações de castanha. A ACIANA – Associação Comercial,

9 A necessidade de plantio de novas árvores deveu-se ao facto das existentes estarem velhas, sofrerem

problemas relacionados com as pestes e com as queimadas descontroladas (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 11).

10 Esta situação aconteceu no momento em que os proprietários privados tinham acabado de adquirir as fábricas e que necessitavam de reabilitação, e quando as fábricas estavam em processo de mudança de tecnologia, de descasque por impacto para uma tecnologia de corte semi-mecanizado (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 15).

11 Joana Pereira Leite menciona no texto que alguns observadores faziam referência à falta de vontade política do Governo para levar avante as suas posições perante a política de liberalização do BM e do FMI e que parte das suas hesitações se deviam ao facto do processo de privatização da indústria do caju não se ter constituído enquanto espaço de emergência de um empresariado nacional. Apoiar as recém-privatizadas unidades de fabricação significaria proteger interesses estrangeiros ou estrangeirados de origem portuguesa, luso-moçambicana ou indo-moçambicana. Assim de acordo com algumas interpretações a estratégia do caju adoptada pelo BM era bem acolhida pelo governo moçambicano pois ela visava, não o apoio à reconversão das unidades existentes, uma vez que pertença de interesses estrangeiros, mas a criação das condições da emergência de uma indústria nacional (Leite, 1999: 34).

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Industrial e Agrícola, Nampula – defendia os interesses dos exportadores da castanha no norte do país (Leite, 1999: 10, 18-19, 22).

Alguns meios de comunicação, entre os quais o Mediafax e mais tarde também o Metical, animaram as reflexões em torno do caju, divulgando posições de interesses diferentes e atraindo a opinião pública para o debate (Leite, 1999: 26). Carlos Cardoso foi o principal porta-voz dos debates sobre a política do caju em Moçambique, chamando a atenção para o facto de que a liberalização havia beneficiado mais os comerciantes que o camponês e deixando claro que a melhor solução era a industrialização (Metical Nº53, 05/09/97, referido por Leite, 1999: 37).

Há evidências consideráveis de que a estratégia do Banco Mundial não

funcionou. Embora os preços tivessem de facto subido, os aumentos foram pequenos. Os preços dos alimentos e dos bens de consumo básicos também aumentaram. Tendencialmente, os comerciantes beneficiarem mais do que os produtores e, produtores que tinham capacidade para manter castanha armazenada até ao final da campanha de comercialização beneficiaram mais do que os outros. Contrariamente às expectativas, os produtores plantaram muito pouco novas árvores. Em conclusão, os ganhos líquidos dos produtores foram desanimadoramente baixos e grandemente contra-balançados pelo desemprego causado pelo colapso do sector de processamento (Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 7-8).

Com este importante sector da economia nacional em crise o Estado criou o Instituto de

Fomento do Caju (INCAJU) que iniciou em 1998 uma estratégia abrangente e integrada visando estimular as actividades nas áreas da produção, processamento e comercialização, através da colaboração entre o sector privado, o governo, as ONG’s e as comunidades. A sua intervenção incluiu a introdução de novas variedades – com o objectivo de obter árvores mais produtivas e mais resistentes às doenças – a pulverização das árvores para combater as doenças, a investigação, a formação e a extensão. Registaram-se algumas melhorias entre 1998-2003 em relação à produção de castanha mas as iniciativas apenas forneceram cerca de 2.000 postos de trabalho12 contra os 10.000 antes da liberalização. Nas fábricas de processamento de média escala há um equilíbrio entre trabalhadoras e trabalhadores, mas apenas no Sul do país, uma vez que no Norte há menos mulheres a trabalhar (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 12, 21; Kanji, Vijfhuizen, Braga e Artur, 2004: 8, 16).

12 Que correspondem sensivelmente a 1.100 homens e 940 mulheres a trabalhar nas fábricas de

processamento de média escala, 2 no Norte do país – Geba, distrito de Memba e Namige, distrito de Mogincual, ambas na província de Nampula – Madecaju, em Maputo; Invape e Maciacaju, na província de Gaza; e 2 na província de Inhambane (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 15).

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Nas novas fábricas em Nampula, objecto da pesquisa do IIED e da UEM, por exemplo na de Cageba, em Memba, há queixas sobre as relações laborais, e faz-se referência a um “clima de medo”. Nesta fábrica semi-mecanizada, instalada em 1995 em Geba, distrito de Memba, província de Nampula, trabalhavam 642 trabalhadores, em 2002, sendo 538 homens e 104 mulheres. Entretanto na fábrica de Namige, no Mogincual, que começou a funcionar em 2002 e que surgiu graças a uma colaboração entre o empresariado, o governo e algumas ONG’s13, os trabalhadores falam de melhores condições de trabalho, de uma refeição diária grátis, assistência médica, creche, férias anuais pagas, indemnização por acidentes de trabalho, e os trabalhadores estão organizados num sindicato. Aqui trabalham 92 trabalhadores, 56 homens e 36 mulheres. Ambas são fábricas de pequena escala (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 18-19).

Outras iniciativas são também de registar, ainda que na sua fase inicial. Referimo-nos a uma colaboração entre as ONG’s, SNV (Netherlands Development Organisation), TechnoServe14, ADPP-Moçambique e a AMODER (Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Rural) através do Programa CASCA (Componente de Apoio ao Sector do Caju15), integrando a formação direccionada à produção e processamento, implementada pela ADPP (Ajuda para o Desenvolvimento de Povo para Povo) e um programa de micro-crédito destinado ao processamento e implementado pela AMODER. Compete à SNV prestar assessoria e serviços de facilitação tendo Namige sido escolhido como primeira zona de intervenção. O programa CASCA é uma tentativa inovadora de ligar a produção, o processamento e a comercialização (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 22 e 29).

Em Angoche havia três fábricas de processamento de castanha de caju, todas encerradas na actualidade. O processamento da castanha de caju era a principal fonte de emprego para os habitantes da cidade e não só. As pesquisas e estudos que têm sido realizados sobre o sector do caju em Angoche fazem referência ao empobrecimento das mulheres e dos homens depois do encerramento das três fábricas. Mulheres e homens foram obrigados a dedicar mais tempo à agricultura para poderem sobreviver, mas as mulheres enfrentaram mais problemas pois perderam o emprego antes dos homens, quando as fábricas foram privatizadas, e foi-lhes mais difícil conseguir fontes alternativas de rendimento. Muitas delas eram chefes de família, divorciadas e viúvas, e quase todas tiveram de se voltar para o comércio informal, devido à dificuldade de viver apenas da agricultura. Todavia, a sobrevivência com base nos pequenos negócios comporta muitos riscos devido à estagnação da vida económica da cidade (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 16-17, 27-28).

13 Esta nova fábrica surgiu da iniciativa dum empresário com o apoio do governo, da TechnoServe e da

ONG Holandesa para o Desenvolvimento SNV. 14 ONG dos Estados Unidos da América, cujo objectivo é apoiar mulheres e homens nas zonas rurais a

organizarem negócios, para terem rendimentos, oportunidades e crescimento económico, para as suas famílias, comunidades e país (Vijfhuizen, Braga, Artur e Kanji, 2003: 7).

15 Que envolve a SNV, a ADPP (Ajuda de Povo para Povo) e a AMODER (Associação Moçambicana para o Desenvolvimento Rural).

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Em 1999 já se encontravam paralisadas quase todas as unidades industriais existentes no distrito de Angoche. A Companhia de Caju de Nacala - Grupo Entreposto, cuja actividade era o processamento de castanha de caju, na sede do distrito, a EMOPESCA E.E. (alugada à Angopesca Lda), cuja actividade era a pesca industrial, localizada na sede do distrito, e a Sociedade Industrial de Madeiras Moçambique Lda, cuja actividade era a serração e carpintaria, também na sede do distrito, eram as únicas unidades agro-industriais em funcionamento em 1998. Nesse mesmo ano já se encontravam paralisadas ou encerradas: a Angocaju-ENACOMO/Gani Comercial, cuja actividade era o processamento de castanha de caju, na sede do distrito, paralisada; a CCA – Fábrica, cuja actividade era o processamento da castanha de caju, na sede do distrito, encerrada; a CCA – Natiri, na Unidade de Produção de Natiri e a CCA – Merrere (antigas Plantações), cuja actividade era o desfibramento de sisal e a criação de gado, encerradas; e a Empresa Agrária de Angoche – SINLA (Sociedade Industrial do Niassa Lda), cuja actividade era o descasque de arroz, na sede do distrito, encerrada também, e hipotecada ao BCM. No que respeita à pequena indústria funcionavam em 1998, 3 Moageiras, 3 Padarias, 3 Salinas e 1 Olaria (“Distrito de Angoche, Plano de Desenvolvimento Distrital, 1999-2003”, 1999: 13-14, 26-27).

Em relação à actividade pesqueira industrial a EMOPESCA E.E., vocacionada para a pesca industrial, alugou as suas instalações a empresas privadas. A pesca artesanal era praticada por cerca de 10.500 pescadores operando com cerca de 1.600 embarcações de pesca, homens esses também responsáveis pela venda do pescado. As mulheres envolvem-se em pequenas actividades de pesca secundárias, com pequenas redes e capulanas, na apanha de marisco, para o reforço da dieta alimentar. Muitos são os conflitos entre os pescadores industriais e artesanais, a maior parte dos quais relacionados com a pesca de arrasto utilizada pelos industriais e que destroem as redes dos artesanais, pelo facto de não respeitarem os limites marítimos recomendados para a pesca industrial (“Distrito de Angoche, Plano de Desenvolvimento Distrital, 1999-2003”, 1999: 24-26; da Conceição, 2003, 501-521).

1.2. As Plantações O Posto Administrativo de Aúbe é o primeiro produtor de arroz do distrito de Angoche.

Para além do arroz este Posto Administrativo tem como culturas alimentares e de rendimento a mandioca, feijões variados, milho, amendoim, mapira, árvores de fruto - laranja, tangerina, toranja e limão fino - cajueiros, coqueiros, gado de pequeno porte, recursos marinhos e produção apícola.

Aqui em Mirrepe há terra e boa. Eu cultivo mandioca, amendoim, feijão jugo,

feijão ephuirri e feijão nhemba (mais perto do rio M’luli), arroz (um pouco), milho (não chega a 3 sacos) abóbora, coco. Tenho cabritos, galinhas, patos perus,

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galinhas do mato, mas há doenças que matam os animais. Aqui em Mirrepe houve fome em 1960. Mas não há fome hoje. (HV Mwene Mujhihia, Mirrepe, 18/06/03). Existiam no distrito de Angoche, nos Postos Administrativos de Aúbe e Nametória, as

Plantações de Palmar em Mirricué, da CCA de Sisal em Natiri e Merrere, e a de algodão em Merrere, todas encerradas na actualidade. A Unidade de Produção de Natiri, que antes pertencera à CCA e depois ao Estado, foi privatizada pela Gani Comercial a qual também privatizou outros sectores anteriormente pertencentes à CCA, mas só recomeçaria o plantio de sisal no ano de 2003. Habitantes de Mirrepe e da cidade de Angoche entrevistados ocuparam as terras da antiga Plantação de Natiri, mesmo depois de privatizadas pela Gani Comercial, já que estavam abandonadas pelos “antigos e novos donos”.

Os habitantes mais velhos de Mirrepe referiram-se, para o início do século XX, à cultura obrigatória do arroz e feijão cuti em Natire, Natepa e no Palmar de Mirricué, áreas próximas de Mirrepe. O trabalho forçado, obrigatório, xibalo, terminou em 1959, na Plantação da CCA de Natiri, em 1962 no Palmar de Mirricué e em 1963 naquela região (Relatório do Diagnóstico Rural participativo realizado com a Comunidade de Mirrepe, 1998: 14).

A vida era dura (no tempo colonial). Havia o trabalho contratado, nas

plantações, nas estradas, era preciso pagar imposto. E havia os Cabo de Terra e os Cipaios para fazer cumprir as ordens. Nas Empresas havia trabalho contratado, o contrato era por seis meses. Se faltavas ao serviço apanhavas pancada com a palmatória ou ias para a cadeia, ou para São Tomé. As Plantações onde os homens trabalhavam eram a de Sisal da CCA em Mirrere; Plantação de coco da Boror; Plantação de Palmar em Mirricué; Plantação de arroz. Nas machambas de arroz, cada um tinha de trabalhar 100 m2 por ano e tirar 6 sacos de arroz, se não ia para a cadeia. Em 1957 o salário era de 60$00 por mês em Mirricué. Em 1974 recebia-se 120$00 por mês. Quando o homem não trabalhava bem ou fugia, iam buscar a mulher para trabalhar. Muita gente fugiu daquela zona por causa das condições de trabalho e por causa do imposto (HV Mwene Mujhihia, Mirrepe, 18/06/03). Apenas uma entrevistada da área rural participou no trabalho obrigatório. Trata-se duma

mulher que referiu ter realizado trabalho forçado, sem remuneração, na construção da estrada de Angoche para Boila.

Outros entrevistados referiram ter participado em trabalho contratado nas plantações de sisal de Natire, Merrere e Mirricué e na Plantação de palmar de Mirricué. Seis (6) homens de Mirrepe trabalharam nas Plantações e dois (2) na fábrica MOCITA, na cidade de Angoche e

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na Boror16, na província da Zambézia. Quatro (4) homens e três (3) mulheres da área urbana são ex-trabalhadores de fábricas de caju em Angoche, nomeadamente a MOCITA, depois designada CAJUCA.

Seis meses de trabalho (contratado) sem adoecer ou morrer; depois ia

descansar. Pagavam 300 Escudos por 6 meses de trabalho. O trabalho era nas Plantações… O trabalho obrigatório terminou oficialmente antes da Independência (em 1963), porque foi depois da luta de libertação. Os contratos passam a ser de 1 mês e pagava-se 150 Escudos. Só os homens é que trabalhavam no Xibalo (HV Mwene Mukoroma, Mirrepe, 13/06/03).

2. As mulheres agora é que são a fábrica de descasque de arroz. A pluriactividade dos

membros dos agregados familiares As pessoas agora estão a sofrer muito, principalmente as solteiras. Porque antes as solteiras trabalhavam nas fábricas. Agora não têm nada. Eu pilo mandioca, mas não consigo vender toda. As mulheres agora é que são a fábrica de descasque de arroz. Elas estão no mercado a vender. Mas é raro apanhar cliente. Passam vale e ficam um mês à espera de pagamento.

FCM, abandonada, 42 anos, Ent47, 30/09/03

“…As pessoas antes não eram livres, eram muito atormentadas. Hoje o que faz mal à população é não ter emprego. Todo o homem aceita sofrer, mas o desemprego é o desespero”.

Líder Religioso, Mirrepe, 40 anos, Ent13, 19/09/03

Os membros dos agregados familiares desenvolvem estratégias de sobrevivência diversificadas que podem incluir o envolvimento no mercado de trabalho temporário ou não, poupanças, empréstimos e investimento, actividades produtivas e reprodutivas, estratégias combinadas de rendimento, trabalho e de recursos. As mulheres fomentam a criação e participação em redes sociais, associações ou redes económicas com base na reciprocidade, para mais facilmente aceder a recursos sobretudo financeiros que permitam a manutenção dos seus agregados familiares mas também efectuar investimentos de vária ordem que doutro modo não conseguiriam devido aos seus fracos rendimentos e quase nenhuma poupança (Kabeer, 2003).

Em Moçambique, as políticas neo-liberais introduzidas através do Programa de Reabilitação Económica (PRE) em meados dos anos 80 e mais recentemente do Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, 2001-2005 (PARPA I)17 originaram alterações nas condições sócio-económicas dos cidadãos, nas suas práticas quotidianas, bem como nos

16 Constituída no princípio do século XX e inspirada no regime dos antigos Prazos da Coroa, tinha extensões de palmares na Província da Zambézia na área dos Prazos de Namacurra – na Zambézia existiu um dos maiores palmares do mundo. Na província de Nampula, a Companhia da Boror também tinha grandes palmares, todos no distrito de Moma, sendo a copra exportada pelo porto de Moma utilizando os serviços da associada Boror Comercial (Machado, 1970: 589-590).

17 Em 2005 organizações da sociedade civil participaram em debates sobre a proposta do governo para o PARPA II, 2006-2009.

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sistemas de valores e representações. Estas alterações têm conduzido, no geral, à pluriactividade dos membros das unidades familiares mas com impactos diferenciados para mulheres e homens, e de acordo com a sua posição económica, estatuto, idade (Loforte, 2002: 137-138).

Para ser vendedor do mercado colhi muita mandioca e feijão ephuirri. Vendi e

tive muito dinheiro e então vi que dava para começar o negócio. Nos domingos vou para a Marcação vender18… Vendo blusas, fatos para crianças, brincos. Vou buscar a Nampula. O negócio está bom. Não costumo ter prejuízo (Ent38, responsável dum grupo cultural, homem, 27 anos, 25/09/03). Estas alterações têm também conduzido ao crescimento do sector não estruturado da

economia, ou seja da economia informal, que constitui a principal variável de ajuste do mercado laboral nos países do Terceiro Mundo, mas não só. O aumento do desemprego e de trabalho informal tem sido acompanhado de fortes descidas dos ingressos laborais e de uma rápida precariedade do emprego; aumentou o trabalho temporário e de tempo parcial e ao mesmo tempo baixou a qualidade do mesmo. Se é verdade que a presença das mulheres no pequeno comércio ou comércio a média e longa distância possa recuar, por vezes, até á época pré-colonial em muitos países Africanos, é na actulidade uma resposta à pressão económica, à perda de empregos assalariados onde estes existissem, à carestia de vida, ao desmantelamento das políticas sociais, especialmente nos sectores da educação e saúde, à falta de empregos e ao facto dos rendimentos agrícolas por si só não permitirem a manutenção e reprodução social das famílias. Há mulheres a realizarem, por questões de pobreza e de sobrevivência familiar, uma multiplicidade de tarefas, as quais constituem um alargamento do trabalho doméstico, sem qualquer visibilidade, reconhecimento ou apoio legal.

A noção de economia informal tem sido utilizada para cobrir uma enorme variedade de actividades geradoras de rendimento, caracterizadas por salários ou rendimentos baixos, actividades incertas, irregulares e descontínuas, condições de trabalho bastante adversas e desfavoráveis. São actividades que contam com maior proporção de mulheres que homens, realizando a maior parte das vezes tarefas/funções diferentes. Pelo peso que vem assumindo nas últimas décadas, a economia informal, longe de poder ser considerada marginal, residual ou em declínio, constituiu uma parte vital no conjunto da actividade económica desenvolvida pelos vários membros dos agregados familiares (Sen e Grown, 1988: 36-38; Loforte, 2002: 240-251).

De acordo com a OIT (2002), a economia informal contempla todas as actividades económicas de trabalhadores e unidades económicas que não estão cobertas – pela

18 Local onde se realiza uma das maiores feiras e mercados do Distrito e onde se vende de tudo; esta feira começou a desenvolver-se depois do fim da guerra. Chama-se Marcação porque fica no cruzamento da estrada que vem de Angoche para Moma e a da Plantação de Mirrere e Aúbe sede.

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legislação ou pela prática – pelas disposições oficiais que as enquadram, regulamentam e disciplinam; estão excluídas do seu campo, as actividades ilícitas, delituosas e criminosas (tráfico de armas e droga, contrabando, etc.) (CdoSul, 2006: 8-9, citando Feliciano et al, 2005: 2).

A economia informal é o lugar onde se têm estruturado as novas actividades produtivas, onde se geram novas relações sociais com um maior participação nas decisões a nível doméstico, de solidariedade e de novas legitimidades (Loforte, 2002:251). Ao realizar actividades fora do agregado familiar, as mulheres podem ir adquirindo margens de autonomia que lhes permitam dar sentido às suas condutas e às relações sociais em que se inserem. A sua incorporação no mercado de trabalho, estruturado ou não, permite estabelecer uma nova relação com o social, oferecendo-lhes uma base para a sua valorização individual e social, a possibilidade de maior protagonismo nas instâncias de tomada de decisão o que não acontece, a maior parte das vezes, com o trabalho doméstico (Abreu, 1995: 89; WLSA Moç. 1998).

A adesão das mulheres a novas formas de cooperação extra-agregado familiar empodera as mulheres por comparação a outros membros do agregado familiar. Muitas mulheres nestes grupos são viúvas ou separadas mas a pesquisa em vários países do mundo revela que as casadas também têm a possibilidade de operar com uma independência considerável dos seus maridos, mantendo orçamentos separados e por vezes até poupanças (Kabeer, 2003: 120-121). Esta situação foi constatada através da experiência das mulheres com o Projecto de Fomento de Cabrito, mais tarde de Pulverização dos Cajueiros, em Mirrepe, tratada no ponto 4, deste Capítulo. Umas mulheres da Associação são mães solteiras, outras os seus maridos não têm ocupação e é uma fonte de rendimentos. São as associadas que gerem e controlam os fundos, adiantando que não têm tido problemas com os maridos (Jacinta Mário, Ent39, 25/09/03).

Sou eu que controlo o dinheiro do fomento do cabrito, que tenho utilizado para

o filho que estuda em Angoche, mas para mim é complicado manter esta situação (Ent5, Piamwene, 55 anos, casada, 13/09/03). As actividades geradoras de rendimento, através de redes sociais fora do agregado

familiar, conferem às mulheres melhor possibilidade de negociação, maior grau de autonomia e de poder político, ainda que as relações desiguais de poder, o seu acesso desigual aos recursos e ao crédito, sejam motivos de desavença com os membros masculinos dos agregados familiares (Osório e Mejia, 2006; Casimiro, Bonate e Mungói, 2007). A participação das mulheres em associações por si organizadas permite-lhes adquirir não apenas recursos materiais – terra, trabalho e capital – mas também recursos políticos ou sociais acedendo aos mecanismos que lhes assegurem a continuidade do acesso aos recursos. A estima e influência das mulheres numa comunidade está intimamente relacionada com a sua

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adesão a associações extra-domésticas, sendo todavia necessário distinguir entre associações ‘defensivas’ baseadas na exclusão das mulheres das redes masculinas e associações mais ‘activas’ com origem e propósitos económicos através de ligações horizontais e não verticais entre os seus membros. Tal é o caso por exemplo das associações de crédito rotativo, tipo xitique, ou de diversos tipos de trabalho, que promovem e não apenas protegem a sua posição ao nível do agregado familiar e da comunidade (Kabeer, 2003: 121-122).

Pertenço a uma Associação de Mulheres orientada pela CARE. Abrimos uma

área para semear amendoim (…) Agora não sei quantas somos. Na primeira hora éramos 23 e agora não sei quantas resistiram. No grupo há mulheres separadas e casadas (Ent34, 24/09/03, FCM, abandonada, 33 anos, 2ª classe, Católica, teve 5 casamentos, todos patrilocais).

Grupo de Poupança. Este Grupo tem 21 mulheres. De 2ª a 6ª feira cada cabeça

tira 10.000,00MT. Temos duas malas para guardar o dinheiro. A que tem 50.000,00MT também pode deixar (guardar). Para cada quantia deixada existe um cartão. E fazemos um contrato de 6 meses ou 1 ano. Esta poupança chama-se PSR – trata-se dum projecto que saiu da CARE e depois passou para o IDPPE – Instituto de Pesca de Pequena Escala. Começou em 2001... Também participo num Grupo de Xitique que tem 11 mulheres. Cada mulher guarda 10.000,00MT de 3 em 3 dias. Quando estou à rasca peço dinheiro emprestado – 1 milhão, por exemplo – e pago depois com juro (10% de juro). Eu vou comprar peixe e levo esse peixe para Namitória e troco com mandioca. Com o lucro devolvo o empréstimo. Às vezes também posso trocar peixe com sura, carvão ou tomate (Ent70, 06/10/03, FCM, Muçulmana, Ancha Amade, 42 anos, 4ª classe e Madrassa, 3 casamentos patrilocais, separada)19. As experiências variadas de associativismo revelam o surgimento de uma consciência

sobre o papel das mulheres como produtoras de riqueza e maior visibilidade, num processo dinâmico de mudanças complexas e geradoras de conflitos e de novas situações também causadoras de tensões a que é necessário fazer face (Osório e Mejia, 2006: 89, 92). Uma das nossas entrevistadas dizia que a situação económica ‘empurra’ as mulheres para o trabalho fora de casa, o que era impensável antes, permitindo-lhes adquirir, gerir e controlar os bens necessários à sua sobrevivência, considerando-a positiva, mas resultando igualmente em maiores dificuldades nomeadamente para contrairem casamento (Ent41, FCM, 64 anos, 06/09/03).

19 A entrevistada referiu que também revende peixe.

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Ana Loforte na sua pesquisa sobre as relações de género e poder entre os Tsonga de Moçambique adianta que, num contexto de crise económica no País, de fraca capacidade de intervenção por parte do Estado e devido à exclusão no acesso aos serviços e aos sistemas de protecção social e institucional, os cidadãos desenvolvem alternativas variadas de sobrevivência.

Gerando laços sociais através destas redes, criam-se associações informais de

carácter económico e social onde os seus membros se arrogam ao direito de exercer as suas funções com procedimentos próprios, negociando e defendendo os seus interesses. Para as mulheres, algumas destas associações permitem o acesso a recursos básicos como a posse da terra, de insumos agrícolas, de instrumentos de produção e créditos; elas estão ainda presentes em organizações partidárias e religiosas, mediando conflitos, aconselhando e confortando os necessitados. A importãncia não só numérica, mas também em termos de liderança nestas associações, faz com que a sua posição nas redes de poder no interior da comunidade seja transformadora: ela pressupõe novos saberes novas informações. (…) O seu envolvimento rompe ainda com a sua condição de invisibilidade pública (Loforte, 2000: 250). 3. Mulheres e homens em actividades geradoras de rendimento Na província de Nampula…cerca de 70% da população vive com US$64.00 per capita

por ano (US$ 0.18 por dia) e somente 4% têm rendimentos brutos superiores a US$ 1.00 por dia (CdoSul, Projecto SEGUI, 2000: 8). O Censo de 1997 indicou que cerca de 80% dos seus habitantes vivia nas zonas rurais e 95% da produção agrícola era realizada pelas famílias rurais com um rendimento médio anual de 205US$.

Alguns entrevistados têm fontes de rendimento variadas e simultâneas, como por exemplo, ser membro dum grupo cultural e vendedor do mercado (Ent38); ser dum grupo cultural, cortar bambu para venda e fazer trabalho temporário na reparação da estrada (Ent37); ser professor da ‘Escolinha” e realizar trabalho temporário na reparação da estrada (Ent36); ser Técnica de laboratório e ter machamba; pertencer a um Grupo Parampa, a um de Xitique e revender peixe (Ent70), atestando a necessidade das pessoas criarem e recriarem estratégias de sobrevivência múltiplas e móveis que lhes permitam ter o suficiente para comer, para comprar os produtos necessários, pôr os filhos na escola e conseguir aceder ao Posto de Saúde e comprar medicamentos.

A machamba dá comida suficiente, não há fome. São os filhos que fazem tudo –

dão capulana, roupa, compram petróleo, etc. A família vive da machamba, que dá

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para consumo e para venda; outros filhos compram peixe e revendem (Ent6, Piamwene, 71 anos, 13/09/07).

Muito sofrimento porque as pessoas já não têm as machambas. Eu tenho a

minha filha e os netos e não sei como vou viver sem a machamba da Marcação que foi ocupada. Lá já começaram a plantar o sisal, portanto não temos nada. E as estruturas não ligam nenhuma. Uma vez o Administrador estava na Marcação e disse à população que devia fazer machamba. E então nós dissemos, ‘Mas nós vamos fazer machamba nas nossas casas porque nos estão a tirar as terras’ (Ent46, FCM, 50 anos, 30/09/03).

Identificámos como Outras Fontes de Rendimento a partir das entrevistas realizadas: a

Medicina Tradicional; a Coordenação dos Ritos de Iniciação Femininos em Mirrepe, o aconselhamento e a participação nos Ritos de Iniciação Femininos Parampara em Angoche; participação em grupos culturais; o Projecto de Fomento de Cabrito e de Pulverização dos Cajueiros; a participação em grupos de tipo xitique, para poupança e empréstimo de dinheiro; machamba associativa de amendoim envolvendo mulheres; o fabrico e venda de bebidas, bolos, biscoitos; venda de diversos produtos; a criação e venda de galinhas; pesca, compra e revenda de peixe; corte e venda de bambu e de palha; confecção de esteiras; trabalho temporário na reparação das estradas; barbearia, serralharia, carpintaria.

No caso da nossa pesquisa 48 entrevistados20, 24 na área rural e igual número na urbana, documentaram que têm outras fontes de rendimento para além da agricultura ou do emprego assalariado, podendo estas ser controladas pela mulher (22 entrevistadas, 8 na área rural e 14 na urbana), homem (18 entrevistados, 11 na rural e 7 na urbana) ou por ambos (8 entrevistados, 5 na rural e 3 na urbana). O trabalho assalariado apenas foi identificado em 12 respondentes – 7 na urbana, com 3 mulheres, e 5 na rural, com 1 mulher. Na área rural: Ent15, Director Escola Primária Mirrepe; Ent20, Professor da Madrassa do Conselho Islâmico, Mirrepe; Ent23, Parteira, Mirrepe; Ent31, Alfabetizador, Mirrepe. E na área urbana: Ent62, Professora da Escola primária, bairro Puli; Ent65, Parteira no Hospital Rural de Angoche; Ent67, Assistente Técnica de Laboratório, Hospital Rural de Angoche; Ent68, Enfermeiro, Hospital Rural de Angoche; Ent69, Professor da Escola Secundária, Angoche; Ent79, Professor da madrassa do Conselho Islâmico, bairro Inguri, Angoche.

No que respeita às actividades geradoras de rendimento, foram mencionadas as seguintes:

A Medicina Tradicional, compreendendo 4 curandeiros (Ents1, 2, 7 e 63) e 4 curandeiras (Ents3, 4, 43 e 66); o Projecto de Fomento de Cabrito e de Pulverização dos Cajueiros (todas

20 / Foram realizadas 80 entrevistas semi-estruturadas, 40 na cidade de Angoche e 40 na aldeia de Mirrepe, 24 mulheres e 16 homens no bairro Puli, cidade de Angoche, 21 mulheres e 19 homens em Mirrepe, totalizando 45 mulheres e 35 homens.

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mulheres, Ents5, 6 que são Piamwene, 39 e 40, Presidente da Associação); o fabrico de bebidas (Ents11, homem, e 17, mulher); ser Coordenadora e Coordenador dos Ritos de Iniciação Femininos e Masculinos da Igreja Católica em Mirrepe (Ents14 e 16); a criação e venda de cabritos por parte do pai da entrevistada e criação e venda de galinhas à responsabilidade da entrevistada (Ent29, mulher); o Grupo de Parampara, Ritos de Iniciação Femininos em Angoche (Ents53, 67 e 70, mulheres); ser conselheira dos Ritos de Iniciação Femininos em Angoche (Ent59); o grupo de poupança tipo xitique, Angoche (Ent70, mulher); a confecção de arrufadas para venda, Angoche (Ents50 e 55, mulheres); a Associação com machamba de amendoim apoiada pela Associação CARE, Mirrepe (Ent34, mulher); os grupos culturais, Mirrepe (Ents37 e 38, homens); ser Raissa da dança Tufo, Angoche (Ents75 e 78, mulheres); participar no grupo cultural da Dança Tufo, Angoche (Ent77, mulher); a pesca, Mirrepe e Angoche (Ents16, 27, 28, 37, 39, 40, 44, 49, 58, 59 e 8021); a compra e revenda de peixe, Angoche (Ents70, mulher e 72, homem); o corte de bambu para venda, Mirrepe (Ent37, homem); a venda no mercado, Mirrepe (Ent38, homem); o ensino na ‘Escolinha’, Mirrepe (Ent36, homem); o trabalho temporário na reparação da estrada que liga Aúbe-sede a Mirrepe (Ents36 e 37, homens); a barbearia, Angoche (Ent54, homem); a carpintaria, Angoche (Ent64, homem); a serralharia, Angoche (Ent73, homem); a venda de tomate aos montinhos em frente à casa, Angoche (Ent77, mulher) e a venda de amendoim torrado, Angoche (Ent75, mulher); o corte de palha para cobertura das casas, a confecção de esteiras e a pesca no tempo chuvoso, Angoche (Ent80, homem).

4. A Associação de Fomento de Cabrito e de Pulverização dos Cajueiros22 Maria Tadeu e Jacinta Mário são membros da Associação de Fomento de Cabrito na

Aldeia de Mirrepe, Posto Administrativo de Aúbe, Distrito de Angoche, Província de Nampula, Moçambique. Nascidas em aldeias vizinhas, Macogone e Mazica, ambas foram residir para Mirrepe quando se casaram. Maria Tadeu tem 45 anos, vive com o marido e cinco filhos, uma das quais já casada. Com 30 anos de idade, Jacinta Mário vive com o marido e quatro filhos, todos menores de 13 anos (Jacinta Mário, Ent39; Maria Tadeu, Ent40, Mirrepe, 25/09/03).

Mirrepe é uma aldeia pequena com cerca de 1500 habitantes. A maioria vive da agricultura de subsistência. As principais culturas são a mandioca, o arroz, o feijão jugo, o milho, a mapira, o gergelim, o inhame, a abóbora, a ervilha. À volta das casas encontram-se

21 São os homens que pescam. No caso das entrevistadas, houve duas informaram que são os irmãos que

vão à pesca (Ents27 e 28); o marido (Ent39); ou o filho (Ents49 e 59). 22 Parte deste texto foi preparado para integrar o livro Mulheres de Moçambique e da Finlândia, Fotos.

Women from Finland and Mozambique, Photos. Magi Vizjanen e Rui Assubuji, Embassy of Finland, Maputo, Libris Oy, com o título “Ajudar quem se ajuda a si próprio”, 2pp.; e também para o artigo “Mulheres de Mirrepe em defesa da sua dignidade”, integrado no livro Artigo Feminino: Das raízes da participação, AJP, Santa Maria da Feira, 2008, pp. 71-78.

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coqueiros e cajueiros, principais produtos de rendimento. Algumas casas também possuem árvores de fruta, entre as quais laranjeiras, tangerineiras, limoeiros e toranjeiras.

A alimentação base é constituída por caracata, uma ‘papa’ de farinha de mandioca. Poucos habitantes cultivam milho e este produto quase não faz parte da sua dieta alimentar, como é também o caso das verduras. No tempo chuvoso cultivam, sobretudo à volta das casas, o arroz, produto de consumo e de rendimento. Muitas famílias têm galinhas e patos e como Mirrepe não fica longe do mar há homens que pescam à linha, os mais jovens com anzol, e apanham caranguejo.

O principal problema nesta aldeia é a falta de água. Como refere M.ª Tadeu, Agora as mães quase que abandonam os filhos porque têm de ir ao poço, a toda a hora. No tempo seco, mulheres e raparigas chegam a despender cerca de 6 horas por dia na busca da água em aldeias vizinhas, pois os poços de Mirrepe secam. A situação é tão grave que chegamos a ver famílias inteiras a carregar água, com todas as implicações para a participação dos jovens na Escola, dos mais velhos nas aulas de alfabetização, para as doenças endémicas, a elevada mortalidade infantil e, sobretudo, a falta de tempo para outras actividades geradoras de rendimento e para o lazer. Até os homens participam nesta actividade utilizando as suas bicicletas.

A Associação de Fomento de Cabrito começou a ganhar corpo em finais dos anos 90, por iniciativa da SNV, uma Associação Holandesa para o Desenvolvimento radicada em Angoche e a operar nos distritos de Moma, Angoche, Mogovolas e Mogincual (Programa MAMM). Subjacente a esta iniciativa estava o desejo de envolver mulheres em projectos geradores de rendimento, de acordo com o objectivo geral da SNV em Moçambique de contribuir para a redução da pobreza, através do desenvolvimento institucional e o fortalecimento organizacional da governação local. Este projecto assenta na participação da sociedade civil, do governo local e do sector privado, devendo guiar-se por uma perspectiva de género na concepção e implementação das actividades (Honwana, 2003).

Tendo ouvido falar no fomento do cabrito, mulheres da Aldeia de Mirrepe abraçaram a iniciativa porque precisávamos para as crianças de livros, cadernos, esferográficas (M.ª Tadeu).

Jacinta Mário contou que, Éramos 44 senhoras no início. Reunimo-nos porque ouvimos falar que havia uma instituição que dava cabritos para criação. Falámos com a Comissão de Desenvolvimento Local, com o Sr. Carlos Ussene. A CDL falou com a SNV que veio aqui e disse que cada mulher tinha que dar 110.000,00MT (que ficaram guardados). Trouxeram os cabritos no tamanho de cria. Cada mulher recebia 2 fêmeas. No grupo de 44 devia haver grupos de 5 mulheres cada. Cada grupo de 5 tinha 1 bode. O bode circulava pelas 5 mulheres do grupo. Quando tivessem as crias deviam devolver. No caso de terem cabra devolviam o número recebido. Se tivessem 1 bode, ou devolviam o anterior, ou organizavam uma das senhoras para devolver o menor.

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Apesar das instruções para fazer capoeiras mais altas, porque as cabras não se podem deitar no chão” (M.ª Tadeu), os cabritos não aguentaram, foram morrendo, e algumas associadas ficaram apenas com 1 ou 2 cabritos. De notar que na Aldeia de Mirrepe há doenças periódicas que atingem os animais, em especial as galinhas, os patos e os cabritos, situação até agora não resolvida.

Mas as mulheres não desistiram. Reunimos outra vez e vimos que devíamos ter outra alternativa. Fomos buscar o dinheiro, comprámos arroz, revendemos e fomos comprar a bomba de pulverização, que custa 7 milhões de Meticais. Pagámos um milhão. Falámos com o Técnico de Extensão que está na Marcação (M.ª Tadeu).

As mulheres tiveram a ideia da pulverização dos cajueiros em 2002, pois acreditaram poder trazer mais dinheiro para casa. Algumas mulheres da Associação são mães solteiras, os maridos de outras não têm ocupação.

Apesar da persistência das mulheres da Associação, a verdade é que cada passo é moroso e acarreta muito dinheiro. O litro de remédio custa 300.000,00MT e a bomba também precisa de gasolina e óleo. Às vezes têm de comprar no mercado informal, porque os técnicos não levam os medicamentos para a pulverização às associadas. Prometeram botas, luvas, equipamentos, máscaras, que as associadas nunca receberam, protegendo o nariz e a boca com saco de plástico. Para adquirir os remédios, cada associada contribuía com um pouco de mandioca, juntavam 1 a 2 sacos, vendiam e compravam os remédios. Desta forma foi possível pulverizar os cajueiros da população de Mirrepe no primeiro ano de actividade. Não pudemos trabalhar muito porque era pouco medicamento de cada vez. Tínhamos de andar a pedir emprestado, pagar por vale, de cada vez (M.ª Tadeu). Por cada cajueiro pulverizado, a Associação recebe 2 kg de caju.

4.1. Historial Desde 1999 que existe na aldeia de Mirrepe uma Associação de Fomento de Cabrito,

composta unicamente por mulheres. Entrevistámos Jacinta Mário, com 29 anos de idade, casada com o Conselheiro dos Ritos de Iniciação Masculinos da Capela, duma família chefiada por homem, cunhada do Secretário da CDL, e Maria Tadeu, Presidente da Associação, com 44 anos de idade, também casada e numa família chefiado por homem. As entrevistas realizaram-se no dia 25/09/03.

Em relação à origem desta Associação. Uma de nós ouviu dizer que havia

fomento de cabrito em Namaponda. Pensávamos que era o Governo (mas era uma iniciativa da SNV)... Dissemos que temos de falar com o Técnico Fernando, quando residia em Aúbe (Fernando António, ADL da SNV). Ele foi falar com a Teresa Assane (também da SNV), que veio falar com este grupo de mulheres. Ela disse que cada uma devia dar 110.000,00MT (que ficaram guardados). Ela trouxe os cabritos

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que distribuiu a todo o grupo – 44 mulheres (das quais já saíram 26). Ficámos só 18 mulheres. Cada mulher recebia 2 crias fêmeas, e 1 bode por cada grupo de 5 mulheres (Mª Tadeu).

Mas, como adiantaram as entrevistadas, houve problemas e os cabritos morreram

quase todos. Por isso surgiu a ideia da pulverização dos cajueiros. A maioria já não tem cabritos. Morreram muitos, antes de ter cria. As que não

conseguiram devolver a cria, tiraram os cartões, mas não disseram nada (…) Passado algum tempo fomos buscar os 110.000,00MT. Comprámos arroz para revender. Revendemos o arroz. O dinheiro foi para a caixa. Outras senhoras tiraram o lucro para comprar cadernos ou roupa para a Escola. Com o dinheiro que ficou comprámos 6 sacos de milho que também vendemos. Depois saíram 26 mulheres do grupo. Estas receberam cada uma 60.000,00MT. E as outras 18 continuaram (Jacinta Mário).

Quando reunimos e procurámos uma maneira de reunir fundos, tudo o que

pensávamos dava um lucro insignificante. Então vimos que a pulverização dava mais. Com os produtos da machamba temos pago a gasolina e os medicamentos (depois de vendidos) (Mª Tadeu).

Então ouvimos falar da Bomba para Pulverizar os Cajueiros...“Porque

pensámos que podíamos trazer mais dinheiro para casa. Umas mulheres da Associação são mães solteiras, outras os seus maridos não têm ocupação e é uma fonte de rendimentos...Tentámos saber quem tinha, fomos à Marcação (um grupo de mulheres), pois disseram que os técnicos estavam lá. Demos 1 milhão de Meticais e adquirimos a Bomba23. Então para os remédios cada uma dava um pouco de mandioca, juntávamos 1 a 2 sacos, vendíamos e comprávamos os remédios. Neste 1º ano já pulverizámos os cajueiros da população de Mirrepe. Cada litro de remédio custa 300.000,00MT. O copo da medição não estava na Bomba, então utilizávamos uma tampa do frasco como medida. Depois trouxeram-nos a medida. Não sei quantos litros comprámos (Jacinta Mário).

Não sei o número de beneficiários cujos cajueiros foram pulverizados, mas

tenho a lista. Cobramos 2 kg de caju por cada cajueiro pulverizado. Alguns cajueiros não conseguiram completar a dose. Ainda não combinámos com os donos dos cajueiros qual vai ser o pagamento – só fizemos 2 pulverizações e deviam ser 3.

23 A bomba custou 7 milhões de Meticais (cerca de US250,00), de acordo com a informação prestada por Maria Tadeu.

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E já vimos que os que não completaram a dose não deram tanta castanha (Mª Tadeu).

Uns cajueiros não completaram a dose de medicamentos, pois deve haver 3

pulverizações num espaço de 20 dias, de cada vez. Os que ficaram com a pulverização completa têm de pagar 2 kg de castanha por cada cajueiro pulverizado. Se tivéssemos completado tudo, seriam 200 cajueiros. Não completámos porque a bomba precisava de gasolina, óleo, medicamentos, e o dinheiro não chegava (Jacinta Mário).

4.2. Organização, gestão e controlo dos fundos Esta Associação tem uma Presidente, Maria Tadeu e uma Caixa, Zaina Muihirere.

Somos 18 mulheres com este Programa, que começou este ano (pulverização

dos cajueiros). Vamos receber 2 tigelas de castanha (2 kgs) da pulverização de cada árvore (Jacinta Mário).

O calendário de pulverização é, Entre Julho, Agosto e princípios de Setembro. São 3

pulverizações, separadas por 20 dias. (Mª Tadeu). Desde que começaram com o fomento do cabrito que são as mulheres que integram a

associação, que gerem e controlam os fundos. Somos nós as mulheres e até os homens colaboram (Mª Tadeu) e Não temos problemas com os maridos por causa disso (Jacinta Mário).

Este é um daqueles exemplos em que o crédito faria a diferença. A falta de facilidades de crédito a nível rural e em condições apropriadas para as mulheres, é um impedimento para que as iniciativas locais tenham condições de vingar gerando rendimentos diversificados que permitam a acumulação de capital e o investimento; deste modo contribuindo para as mulheres desenvolverem habilidades e trabalho em rede, terem maior independência financeira e maior autonomia para gerir a sua vida e contribuindo para relações de poder mais equilibradas ao nível do agregado familiar e da comunidade.

Não pudemos trabalhar muito porque era pouco medicamento de cada vez. Tínhamos de andar a pedir emprestado, pagar por vale, de cada vez. A primeira grande necessidade é de um poço que tenha água todo o ano. A segunda é uma moagem (Mª Tadeu).

Ficaríamos satisfeitas se não fosse pelo preço dos combustíveis e medicamentos. Às vezes temos de comprar no mercado informal porque os técnicos não traziam até nós os medicamentos para a pulverização. Eles diziam que haviam

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de trazer botas, luvas, equipamentos, máscaras, mas nunca mais trouxeram. Assim, protegemos o nariz e a boca com saco de plástico (Jacinta Mário).

Eu gostaria de ter apoio em termos de combustível e medicamentos por causa das dificuldades. Depois de pagar 1 milhão pela Bomba, ainda temos uma dívida de 6 milhões. E como não pulverizámos todos os cajueiros, não sabemos como vamos liquidar a dívida. Eu não sei quem são os que vendem a Bomba. Nós fomos solicitadas para ir a vários lados (Jacinta Mário).

Esta é a única iniciativa colectiva de pulverização no Posto Administrativo de Aúbe. As

outras são privadas. Por isso Mª Tadeu adianta que,

Gostaria que tivéssemos ou apoio ou alguma instituição que desse crédito de gasolina, óleo, medicamentos. Ou seja, um credor por uma certa época, que podia reaver o dinheiro depois de cobrarmos a castanha. Das 44 mulheres que iniciaram o fomento de cabrito mantiveram-se 18 com o projecto

de pulverização dos cajueiros em Mirrepe. Apesar de todas as dificuldades M.ª Tadeu disse-nos no final da entrevista, Penso que não vai render. Mas não vamos desistir.

Em jeito de conclusão Os estudos realizados sobre Nampula, Moçambique e outras regiões Africanas ao Sul do

Sahara, mencionam que os membros das famílias, sobretudo as rurais, têm o seu tempo de trabalho completamente preenchido com as diversas actividades e que a pluriactividade de mulheres e meninas representa sérios constrangimentos ao seu envolvimento em actividades geradoras de rendimento, à frequência na escola, e no garante de melhores cuidados de saúde e de lazer (CdoSul, Projecto SEGUI, 1999: 66). Porém é inevitável a sua participação em actividades variadas ao nível da economia informal porque: asseguram emprego; são uma fonte de iniciativa criadora com elevado potencial de criação de riqueza; proporcionam preços baixos e alternativas comerciais competitivas; são uma reacção inevitável à carga fiscal não distribuída equitativamente pela população economicamente activa; inserem os pobres no consumo e melhoram o seu poder de compra (CdoSul, 2006: 13).

Entretanto, uma das alternativas para a situação de extrema pobreza, de desemprego e de falta de empregos, pode também passar pela valorização da machamba familiar e dos conhecimentos que as mulheres detêm sobre plantas, etc., como ponto de partida para a introdução de novas tecnologias, num país onde grande parte da população vive nas área rurais e tem como base de sustento a machamba familiar. A valorização pode ser conseguida estabelecendo diálogos entre conhecimentos locais e tecnologias externas e não impondo modelos que atentem contra as condições sociais e ambientais próprias das comunidades,

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correndo-se o risco de retirar às populações a sua capacidade para a segurança alimentar – aliás o que aconteceu em muitos países devido ao impacto dos programas de reajustamento estrutural (CdoSul, Projecto SEGUI, 1999: 38; Casimiro, 1999).

Em resposta a uma pergunta de como melhorar as condições de vida na Aldeia, um dos nossos entrevistados adiantou que,

Aqui no campo nunca pensámos numa iniciativa. Mas a única maneira de fazer

dinheiro é ter machambas grandes, para consumo e para excedentes (Ent11, Líder de Tipo Novo, Secretário da Aldeia e membro da CDL, 51 anos, 15/09/03).

As actividades geradoras de rendimento, através de redes sociais fora do agregado

familiar, conferem às mulheres melhor possibilidade de negociação, maior grau de autonomia e de poder político, ainda que as relações desiguais de poder, o seu acesso desigual aos recursos e ao crédito, sejam motivos de desavença com os membros masculinos dos agregados familiares (Osório e Mejia, 2006; Casimiro, Bonate e Mungói, 2007).

Um desafio considerável para a democracia, a autonomia dos cidadãos, em especial das mulheres, e a participação de todos nos processos de tomada de decisão está relacionado com as características hierarquizadas das sociedades rurais Africanas, submetidas a estímulos de mudança acelerados e que originaram a desintegração das sociedades pré-existentes, ou então a maior autoritarismo que pudesse garantir a acumulação de riqueza e poder por parte das elites dirigentes. As estruturas do Estado colonial, impuseram-se às sociedades rurais pela força, dependendo do tipo de região e da resistência havida, muitas vezes aproveitando anteriores sistemas de vassalagem e aliança (O’Laughlin, 2000).

A participação das mulheres em associações por si organizadas permite-lhes adquirir não apenas recursos materiais – terra, trabalho e capital – mas também recursos políticos ou sociais acedendo aos mecanismos que lhes assegurem a continuidade do acesso aos recursos. A estima e influência das mulheres numa comunidade está intimamente relacionada com a sua adesão a associações extra-domésticas, sendo todavia necessário distinguir entre associações ‘defensivas’ baseadas na exclusão das mulheres das redes masculinas e associações mais ‘activas’ com origem e propósitos económicos através de ligações horizontais e não verticais entre os seus membros. Tal é o caso por exemplo das associações de crédito rotativo, tipo xitique, encontradas em Mirrepe e Angoche ou de diversos tipos de trabalho, que promovem e não apenas protegem a sua posição ao nível do agregado familiar e da comunidade (Kabeer, 2003), situação verificada ao nível do Projecto de Fomento de Cabrito e da Pulverização dos Cajueiros em Mirrepe, através da experiência das mulheres nas machambas colectivas, do protagonismo das mulheres nos grupos culturais associados aos ritos de iniciação femininos.

As formas institucionais endógenas, constituídas por mulheres e com características pró-activas, encerram possibilidades emancipatórias permitindo o acesso a e o controlo de

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recursos, a melhoria das condições materiais, a auto-estima e respeito, a criação de condições para a auto-sustentabilidade, a maior visibilidade das actividades, e também o acesso a cargos de direcção, fazendo emergir saberes, conhecimentos e práticas ausentes do modelo patriarcal dominante.

Mapa 1 Moçambique

Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Moçambique_mapa.gif

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Mapa 2

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