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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO IV – Nº 23 – FEV-MAR 2015 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes Sandro Mauricio de Abreu Trindade COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly Leonardo Schmitt De Bem COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Angelo Vargas, Ben Benoliel, Breiner Ricardo Diniz Resende Machado, Carlos Santiago da Silva Ramalho, Danyelle Gonçalves de Assis, Edio Hentz Leitão, Gustavo Lopes Pires de Souza, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Louis Dolabela, Marcelo Luiz Pereira, Marcio de Souza Peixoto, Paulo Bracks, Paulo Celso Berardo, Sylvio Ferreira, Thairine de Oliveira Rocha, Valmir Rodrigues, Vanessa Alessi ISSN 2236-9414

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano IV – nº 23 – FeV-MAr 2015

DIretor executIVoElton José Donato

Gerente eDItorIAl e De consultorIAEliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAlCristiano Basaglia

eDItorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos PaesSandro Mauricio de Abreu Trindade

coMItê técnIcoAlexandre Ramalho Miranda

Caroline Nogueira AcciolyLeonardo Schmitt De Bem

colAborADores DestA eDIçãoAngelo Vargas, Ben Benoliel, Breiner Ricardo Diniz Resende Machado,

Carlos Santiago da Silva Ramalho, Danyelle Gonçalves de Assis, Edio Hentz Leitão, Gustavo Lopes Pires de Souza, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Louis Dolabela,

Marcelo Luiz Pereira, Marcio de Souza Peixoto, Paulo Bracks, Paulo Celso Berardo, Sylvio Ferreira, Thairine de Oliveira Rocha, Valmir Rodrigues, Vanessa Alessi

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 4, n. 23 (fev./mar. 2015)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo escolhemos como Assunto Especial o tema “Registro de Transferências de Atletas de Futebol”, com a participação dos Mestres Paulo Bracks, Breiner Ricardo Diniz Resende Machado e Marcelo Luiz Pereira.

Entre os textos publicados, destacamos o dos Drs. Breiner Ricardo Diniz Resende Machado e Marcelo Luiz Pereira:

O objetivo da medida divulgada pela FIFA foi o de extirpar do futebol quem não seja clube ou atleta, por meio de um egocêntrico devaneio veementemente defendido por Michel Platini, ex-craque de futebol e ‘atual herdeiro do trono’ da UEFA. Fato é que, ‘incomodado’ com a ca-pacidade negocial de diversos investidores e agentes de atletas, Platini externou ao mundo o seu descontentamento com a repartição, por ter-ceiros, de direitos econômicos provenientes de transferência de atletas, convencendo assim Joseph Blatter e, consequentemente, a FIFA, de que tal prática deveria ser imediatamente combatida pelo ‘bem do futebol’.

Já na Parte Geral desta edição levamos a você, leitor, um vasto conteúdo com a publicação de diversos Acórdãos na Íntegra, Ementário de Jurisprudência, Doutrinas e Seções Especiais.

Na Seção de Doutrinas, temos os seguintes doutrinadores: Gustavo Lopes Pires de Souza, Carlos Santiago da Silva Ramalho, Danyelle Gonçalves de Assis, Thairine de Oliveira Rocha, Edio Hentz Leitão, Angelo Vargas, Sylvio Ferreira, Vanessa Alessi, Ben Benoliel, Valmir Rodrigues, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Marcio de Souza Peixoto e Paulo Celso Berardo.

Por fim, destacamos a Seção Especial “Prática Processual” com uma peça redigida pelo Advogado Dr. Louis Dolabela.

Desejamos a você uma excelente leitura!

Eliane Beltramini Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .......................................................................... 7

Assunto EspecialRegistRo de tRansfeRências de atletas de futebol

doutRinas

1. Não Queime Depois de Ler! Regulamento de Registro e Transferência é o Novo Arquivo dos ClubesPaulo Bracks ................................................................................................... 9

2. Banimento dos “Terceiros” do Futebol pelo Novel Regulamento de Registro de Transferências de Atletas de Futebol Editado pela FIFA e CBF: Um Enfoque JurídicoBreiner Ricardo Diniz Resende Machado e Marcelo Luiz Pereira ..................................................................................... 12

Parte GeraldoutRinas

1. Torcida Única: Despreparo ou Incompetência?Gustavo Lopes Pires de Souza, Carlos Santiago da Silva Ramalho, Danyelle Gonçalves de Assis e Thairine de Oliveira Rocha .......................... 25

2. As Cláusulas Gerais da Boa-Fé Objetiva e do Fim Social do Contrato Previstas no Artigo 27-C, Inciso V, da Lei PeléEdio Hentz Leitão ......................................................................................... 42

3. Os Princípios Fundamentais do Desporto, seu Amparo Constitucional e sua EfetivaçãoAngelo Vargas, Sylvio Ferreira, Vanessa Alessi, Ben Benoliel e Valmir Rodrigues .......................................................................................... 55

4. Bolsa Aprendizagem e as Consequências pelo Não PagamentoLouis Augusto Dolabela Irrthum .................................................................... 78

5. Violência no Âmbito DesportivoMarcio de Souza Peixoto .............................................................................. 83

6. Fair Play, Evolução do Esporte e Oligopólios EsportivosPaulo Celso Berardo .................................................................................... 98

JuRispRudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1102. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1193. Superior Tribunal de Justiça ........................................................................ 1264. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1395. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região ............................................... 165

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6. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ..................................................... 1777. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná ..................................................... 183

ementário

1. Administrativo e Constitucional .................................................................. 1892. Civil ............................................................................................................ 1903. Penal .......................................................................................................... 2004. Previdenciário ............................................................................................. 2025. Trabalhista .................................................................................................. 2036. Tributário .................................................................................................... 210

Seção EspecialpRática pRocessual

1. Habeas Corpus Louis Dolabela ............................................................................................ 212

Clipping Jurídico ................................................................................................... 215

Bibliografia Complementar ....................................................................................... 221

Índice Alfabético e Remissivo ................................................................................... 222

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Registro de Transferências de Atletas de Futebol

Não Queime Depois de Ler! Regulamento de Registro e Transferência é o Novo Arquivo dos Clubes

PAULO BRACKSAuditor da 4ª Comissão Disciplinar do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) do Fute-bol, Auditor da 1ª Comissão Disciplinar do STJD do Basquete, Auditor do Pleno e Presidente do TJDMG (Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais) do Futebol 7 Society, Vice-Presidente do IMDD (Instituto Mineiro de Direito Desportivo), Coordenador do 1º Curso de Pós Graduação em Direito Desportivo de MG, Especialista em Ciências Penais, Assessor Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Não se trata do CD perdido pelo analista da CIA interpretado por John Malkovich, que acaba caindo nas mãos do professor de muscula-ção representado por Brad Pitt. Nada de arquivo ultrassecreto que deva ser eliminado sem vestígios. O recém-publicado Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol da CBF tem de ser lido, aprendido e preservado pelos clubes.

Entre as várias disposições do alto de seus setenta artigos, algumas merecem destaque.

Está oficializado o passaporte para jogador não profissional. Não para vistos da alfândega, mas para garantir que todas as informações daquele trabalhador, desde a sofrida várzea até o éden do profissionalis-mo, estejam registradas. Qual objetivo? Garantir eventual solidariedade entre clubes, lá na frente, quando ele estiver usando um passaporte de verdade e for negociado por milhares de euros. O passaporte permite ao modesto clube que joga no campo de terra receber, quem sabe, cifras estrangeiras por ter criado e lançado ao mercado aquele jogador.

Em obediência às novas regras da FIFA, a vedação aos terceiros/investidores ganhou destaque. Não só para definir conceitos, como o de terceiro sendo qualquer um que não os dois clubes negociantes, mas para fixar datas (a partir de maio, fim de papo) e, talvez o mais nebuloso,

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transferir para os tribunais desportivos a competência de impor medidas disciplinares a quem infringir esta rígida regra. STJD julgando esta maté-ria? Faltou, como diria Garrincha, “combinar com os russos”.

Falando em transferência, conceito e comissões financeiras, o re-gulamento sedimenta a figura do intermediador, eis que a denomina-ção de agente já subiu no telhado faz tempo. A desregulamentação da atividade bradada pela FIFA há anos deu lugar ao intermediário, cujo nome deve necessariamente constar no contrato quando partícipe da negociação.

Definiram-se também números para transferências ao longo da temporada. Durante os 365 dias do ano, mas excluídas as Copas Verde, Nordeste e afins, além dos estaduais, o atleta somente poderá estar regis-trado por três clubes. Aquele que já atuou por dois, não pode jogar por um terceiro. De todo modo, continua sendo responsabilidade exclusiva do clube certificar a condição de jogo de seus atletas1.

O pré-contrato, tão lembrado em finais e inícios de ano, agora tem uma inovação. A partir do novo regulamento, o clube que pretende assinar o pré-contrato (que continua sendo no prazo de até 6 meses do fim do pacto anterior) deverá, primeiro, notificar aquele com o qual o atleta tem vínculo. Se não o fizer, multa de R$ 50.000,00. A obrigação está escrita, restam aos dirigentes questioná-la ou cumpri-la2.

Agora, talvez a maior das novidades, a mais curiosa e, por que não, a questionável, é referente à transferência do menor em formação. Os clubes formadores (aqueles que obtiveram, por mérito, o certificado da CBF – dos 20 da Série A, pouco mais da metade o tem) poderão re-gistrar contrato de formação com atletas a partir dos 14 anos. Todavia, que soem as trombetas: o registro do atleta no novo clube fica condicio-nado ao pagamento de um valor indenizatório! Sim, o pagamento desta indenização é condição imprescindível para permitir o novo registro. Atenção, mundo da bola, está instituído o “passinho”! Uma nova mo-dalidade de passe, mas para adolescentes a partir dos 14 anos. Pequeno nome, mas com grandes consequências. É certo que o texto permite a transferência se o clube formador (que acabou de perder seu diamante)

1 Caso Eduardo com o América-MG.2 Casos Paolo Guerrero (Corinthians) e Guilherme (Atlético-MG).

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concordar. Mas isto é surreal! Como limitar o direito deste atleta de se transferir, deixando a decisão na – às vezes péssima – relação entre clubes? A regra será o pagamento, mas ele não poderia ser um requisito ao registro. Preferência, sim, mas condição? O “passinho” tem de ser levado para passear, não nos campos, mas ao Ministério Público e às autoridades. Além de ser uma legislação fora de lugar e motivo, o “pas-sinho” não pode crescer.

Questão também corriqueira em campeonatos é presenciar aquele atleta que fora emprestado não poder atuar contra seu clube. Vai co-memorar se fizer gol? Os contratos têm trazido previsão de multa se o clube quiser usar o cedido. Mas, no novo regulamento, isto está proibi-do. Seguindo precedentes europeus, é nula e de nenhum efeito cláusula que vise limitar, condicionar ou onerar a livre utilização do atleta em empréstimo3.

Por fim, já com certidão de nascimento, mas ainda sem corpo, foi criada a Câmara Nacional de Resolução de Disputas. Este novo tribunal julgará litígios entre os clubes e atletas referentes aos seus contratos. Uma espécie de arbitragem sem acionar o Judiciário. Casos de transferências dificultadas, mecanismos de solidariedade e suas fatias e questões de clubes formadores, já têm, ao menos na teoria, seu “tapetão” definido4.

Material longe de ser enigmático e confidencial, o regulamento está selado, registrado e carimbado. Esperamos que a FIFA, a CBF e os clubes entrem em sintonia com este novo arquivo do futebol brasileiro, para que não tenhamos de acionar a CIA, a KGB ou os irmãos Coen.

3 Caso Courtois (Atlético de Madrid e Chelsea).4 Caso Dudu, hoje no Palmeiras. Cruzeiro, Coritiba e Grêmio têm dinheiro a receber por formação.

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Assunto Especial – Doutrina

Registro de Transferências de Atletas de Futebol

Banimento dos “Terceiros” do Futebol pelo Novel Regulamento de Registro de Transferências de Atletas de Futebol Editado pela FIFA e CBF: Um Enfoque Jurídico

BREINER RICARDO DINIZ RESENDE MACHADOAdvogado, Especialista em Direito Processual e Desportivo, Mestre em Direito Empresarial.

MARCELO LUIZ PEREIRAAdvogado, Especialista em Direito Desportivo e Negócios no Esporte, Especialista em Direito de Empresa.

No meio desportivo, veio a público a “recente” decisão da Fédéra-tion Internationale de Football Association (FIFA) em banir, a partir de 1º de maio de 2015, a participação de “Terceiros” sobre quaisquer resulta-dos econômicos decorrentes de transferências de atletas1.

O objetivo da medida divulgada pela FIFA foi o de extirpar do fu-tebol quem não seja clube ou atleta, por meio de um egocêntrico deva-neio veementemente defendido por Michel Platini, ex-craque de futebol e “atual herdeiro do trono” da UEFA.

Fato é que, “incomodado” com a capacidade negocial de diver-sos investidores e agentes de atletas, Platini externou ao mundo o seu descontentamento com a repartição, por terceiros, de direitos econômi-cos provenientes de transferência de atletas, convencendo assim Joseph Blatter e, consequentemente, a FIFA, de que tal prática deveria ser ime-diatamente combatida pelo “bem do futebol”.

A bem da verdade, deixando de lado a hipocrisia, não obstante as diversas justificativas apresentadas por ambas as instituições (diga-se

1 Em inglês, “TPO”, que refere a third-party ownership.

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de passagem, com pouca ou quase nenhuma fundamentação prática), o principal motivador do referido banimento pela UEFA e FIFA é o fato de que ambas as instituições não usufruem de qualquer benefício financei-ro oriundo destas cessões de direitos creditórios, ficando tais benesses sob a exclusiva propriedade dos “Terceiros”. Esta é a verdade!

Pegando carona na medida imposta autoritariamente pela FIFA, a Confederação Brasileira de Futebol fez publicar o seu Regulamento Na-cional de Registro de Transferências de Atletas de Futebol, por meio de uma resolução interna, puxando a fila entre as federações internacionais a introduzir em seu âmbito desportivo pátrio a vedação da participação de investidores, agentes, empresários, enfim, revolucionando o mercado da bola, como comumente é alcunhado.

Em que pese os diversos problemas jurídicos criados pelo novo Regulamento, certo é que o banimento dos “Terceiros” beneficia tão somente os clubes que são autossuficientes e que, portanto, não preci-sam de ajuda de investidores na aquisição de direitos federativos (direito do clube de futebol de registrar o vínculo desportivo do atleta na res-pectiva federação, permitindo assim o atleta atuar somente por aquele clube), pelo que se pode, a título de exemplo, citar os clubes europeus Paris Saint Germain, Manchester United, Manchester City, Chelsea, Real Madrid, entre outros.

Ora, neste cenário, como ficariam os clubes da América do Sul, famosos por suas condições financeiras precárias que exigem a presença obrigatória de investidores como forma de trazer ao seu público carente a própria beleza do espetáculo, permitindo, por exemplo, o retorno ao Brasil de atletas como Kaká, Robinho e Ronaldinho Gaúcho, com suas enormes capacidades de marketing e venda de ingressos? Ou, ainda, tra-zendo à baila uma análise ainda mais comercial, como ficaria a própria Major League Soccer, liga americana de futebol que tem como principal chamariz a presença de craques milionários que atuaram em grandes clubes europeus, o que somente é possível mediante a interveniência de investidores? Restariam a estes clubes (nada ou pouco autossuficientes!) a prática de um espetáculo de menor qualidade e sem atratividade? E os clubes formadores? Categorias de base? Como manter um jovem atleta no futebol argentino sem a ajuda de um investidor, por exemplo?

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Definitivamente, por meio desta impetuosa regulação em desfavor dos “Terceiros”, tem-se por certo que a FIFA, por meio agora também da CBF, poderá ceifar definitivamente o bom espetáculo do futebol por estes “cantos do mundo” afora, é claro, interferindo flagrantemente em cláusulas constitucionais pétreas, como o direito de propriedade e a so-berania nacional para editar normas de cunho civil.

É com preocupação que o mercado assiste o desiderato da FIFA ser prontamente atendida pela CBF, não somente pela flagrante violação aos ditames mais fundamentais de modernas cartas magnas promulga-das sob a égide de Estados Democráticos, como também pela própria passividade dos protagonistas que passarão a ser diretamente afetados a partir de maio/2015.

O banimento ora proposto pela FIFA merece ser urgente e veemen-temente combatido perante o Judiciário, sob pena de, caso confirmada a inércia atualmente vigente, se coadunar com a exclusiva vontade po-lítica de uma instituição privada (FIFA) em detrimento do fundamento da própria ordem econômica universal, qual seja a livre iniciativa, que envolve, entre outros, a garantia de aplicação dos princípios do livre exercício de qualquer atividade econômica e, principalmente, a da li-berdade de contratar.

Brilhantemente assevera o eminente constitucionalista, Dr. Celso Ribeiro Bastos2, in verbis:

A livre iniciativa é uma manifestação dos direitos fundamentais e no rol daqueles devia estar incluída. De fato, o homem não pode realizar-se plenamente enquanto não lhe for dado o direito de projetar-se através de uma realização transpessoal. Vale dizer, por meio da organização de outros homens com vistas à realização de um objetivo.

No que tange à liberdade de contratar, nas palavras de André Ramos Tavares, em sua obra Direito Constitucional Econômico (SP: Mé-todo, 2003, p. 249), tal princípio envolve:

1) a faculdade de ser parte de um contrato;

2) a faculdade de se escolher com quem realizar o contrato;

2 Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, v. 7, 1990.

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3) a faculdade de escolher o tipo de negócio a realizar;

4) a faculdade de fixar o conteúdo do contrato segundo as con-dições e conveniências das partes; e,

5) o poder de acionar o Judiciário para fazer valer as disposi-ções contratuais (garantia estatal da efetividade do contrato por meio de coação.

Neste sentido, considerando as exposições supramencionadas, pode-se extrair claramente que a regra geral é a liberdade, ou seja, que o fundamento da livre iniciativa, pelo qual o homem realiza o seu objeti-vo, bem como a liberdade de se contratar objetos lícitos, seja com quem for, e com a faculdade de se fixar um conteúdo conveniente ao interesse das partes, no caso em tela a cessão de direitos creditórios oriundos da transferência de atletas de futebol, são garantias universais de ordem econômica e que, portanto, se sobrepõem em muito à egoísta vontade privada da FIFA em coagir (na prática, proibir!) os clubes e atletas a não mais celebrar contratos com “Terceiros”, sendo, neste sentido, tal ato, de per si, uma verdadeira afronta aos preceitos que sustentam um Estado Democrático de Direito.

Sendo assim, sob a ótica apresentada, para um pleno entendimen-to, importante adentrar no próprio ato violador da FIFA, apresentando assim um breve histórico, especificidades, formas e consequências.

Em setembro/2014, Joseph Blatter, presidente da FIFA, anunciou que a entidade máxima do futebol tinha a intenção de impedir a conti-nuidade de participação de terceiros (a princípio, grupos de investidores, pessoas jurídicas e/ou físicas) nos resultados econômicos decorrentes de transferência de atletas de futebol, criando, para tanto, um grupo de tra-balho que, após “fundamentados” estudos, daria guarida à regulação da matéria, possibilitando, assim, a implementação de tal proibição pela FIFA, que seria realizada dentro de um prazo razoável de transição.

Pois bem, para a surpresa geral, em 22 de dezembro de 2014, antecipando inclusive a conclusão de estudos do próprio grupo de tra-balho criado, a FIFA, por meio da Carta Circular nº 1464, assinada pelo Sr. Jérôme Valcke (secretário geral), alterou o seu “Regulations on the Status and Transfer of Players” (Regulamento de Transferências da FIFA), prevendo agora novas disposições relacionadas ao TPO, quais sejam:

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– Inclusão do item 14 em “Definitions” – para prever a definição de “Terceiros” como sendo qualquer parte diversa que não os dois clubes envolvidos em uma transferência de atleta de futebol. Ou seja, a partir desta definição, são considerados “Terceiros” todo e qualquer investi-dor, fundos de investimentos, sociedades, agentes, parentes do atleta e, pasmem, inclusive o próprio Atleta.

– Alteração do Art. 18bis, que trata sobre a influência de Terceiros para prever que nenhum clube deverá celebrar um contrato que permita à outra parte ou terceiros adquirir a capacidade de influenciar em as-suntos trabalhistas e relacionados a transferências, sua independência, suas políticas ou o desempenho de seus times, mantendo-se ainda a previsão de que o Comitê Disciplinar da FIFA poderá impor medidas disciplinares aos clubes que não observarem as obrigações constantes deste artigo.

– Inclusão do Art. 18ter para tratar da propriedade e participação de Ter-ceiros, fazendo as seguintes previsões:

(i) nenhum clube ou atleta deverá celebrar um contrato com terceiro no qual este terceiro obtenha o direito de participar, no todo ou em parte, em qualquer resultado econômico derivado de nego-ciação futura de atleta de um clube para outro ou lhe seja cedido qualquer direito relativo à transferência futura de atleta;

(ii) tal disposição contida no item (i) entrará em vigor no dia 1º de maio de 2015;

(iii) contratos de TPO celebrados até 31 de dezembro de 2014 terão suas vigências respeitadas, contudo, não podendo ser prorroga-dos;

(iv) contratos de TPO celebrados entre 01 de janeiro de 2015 e 30 de abril de 2015 terão, obrigatoriamente, vigência máxima de 1 (um) ano, contado da data de sua celebração;

(v) todos estes Contratos de TPO deverão ser registrados até o dia 30 de abril de 2015 junto ao Transfer Matching System (TMS) da FIFA;

(vi) por fim, o Comitê Disciplinar da FIFA poderá impor medidas dis-ciplinares a clubes ou atletas que não observarem as obrigações constantes deste artigo.

– Ambos os artigos (18bis e 18ter) entram em vigor a partir de 1º de ja-neiro de 2015.

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A CBF então, praticamente copiando a normativa da FIFA, editou o seu Regulamento, prevendo, em seu art. 66, in verbis:

Art. 66 – Em obediência aos artigos 18bis e 18ter do Regulamento so-bre o Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA, nenhum clube ou jogador poderá celebrar um contrato com um terceiro por meio do qual este terceiro obtenha o direito de participar, parcial ou integralmente de um valor de transferência pagável em razão da futura transferência dos direitos de registro de um atleta de um clube para outro, ou pelo qual se ceda quaisquer direitos em relação a uma futura transferência ou valor de transferência.

§ 1º Para efeito deste artigo, entende-se como terceiro quaisquer outras partes que não sejam os dois (2) clubes participantes da transferência do atleta ou qualquer outro clube ao qual o atleta tenha sido registrado anteriormente.

§ 2º A vedação prevista no caput deste artigo entra em vigor em 1º de maio de 2015.

§ 3º Os contratos dessa natureza que tenham sido celebrados no período entre 1º de janeiro e 30 de abril de 2015 só poderão ter validade máxima de um (1) ano, vedada qualquer mutação, extensão ou prorrogação, seja a que título for.

§ 4º Os contratos abrangidos pelo caput deste artigo, se já existentes a partir da entrada em vigência do respectivo dispositivo vedatório, conti-nuarão em vigor até o seu prazo original de encerramento, não podendo ser, em nenhuma hipótese, modificados, prorrogados ou estendidos.

§ 5º Até o dia 30 abril de 2015, todos os contratos existentes e abrangidos pelas hipóteses constantes deste artigo devem ser registrados perante o Departamento de Registro e Transferência da CBF.

§ 6º A obrigação referida no parágrafo anterior impõe a todos os clubes e atletas que tenham, a qualquer tempo, firmado estes tipos de contrato envolvendo potenciais direitos de terceiro remetê-los para a CBF em ar-quivo digital visando o seu registro na íntegra, inclusive com os anexos ou aditivos, além de especificar, pelo menos, os detalhes identificadores do terceiro envolvido, o nome completo do jogador e o prazo de valida-de do respectivo contrato.

§ 7º É de competência do Comitê Disciplinar da FIFA, dos Tribunais de Justiça Desportiva e do Superior Tribunal de Justiça Desportiva impor

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medidas disciplinares aos clubes e/ou atletas que infrinjam as prescrições cogentes previstas neste artigo.

Ora, como se pode perceber, com a edição e vigência do novo Regulamento de Transferência, a situação realmente tornou-se crítica, principalmente do ponto de vista da segurança jurídica, merecendo, portanto, a guarida do advogado desportivo, diante do flagrante vilipên-dio constitucional, a se analisar sobre o prisma do Brasil. FIFA e CBF, sem a devida habilitação e investidura, afora a ausência de capacidade legislativa, pretendem provocar a limitação do direito de contratar, cei-fando direitos e atropelando profissões.

Inexoravelmente, necessário analisar sob a ótica jurídica nacional, eis que não se pode negar a colisão frontal com o Ordenamento Jurídico pátrio.

Trata-se o novel Regulamento de Transferência de determinação advinda de uma instituição privada que “obriga” seus membros associa-dos (federações de diversos países e, por via de consequência, clubes), por força de cláusula compromissória espontaneamente firmada e aceita quando da respectiva adesão, a obedecer todas as regras a eles impostas, sob pena de, em caso de não observância, aplicação das medidas disci-plinares específicas.

A princípio, considerando o seu compromisso firmado junto à FIFA/Federação e CBF, ao clube não resta outra alternativa senão obe-decer as novas regras “anti-TPO” impostas em função da alteração do Regulamento de Transferências, podendo, contudo, por opção em caso de não aceitação, evitando assim a aplicação de futuras sanções, reque-rer espontaneamente a sua “desfiliação” junto à respectiva federação e, consequentemente, perante a entidade máxima do futebol, o que, por certo, no contexto atual do futebol mundial, o clube não o fará e muito menos recomenda-se que o faça.

Neste sentido, em função da nova regra imposta, a partir de 1º de maio de 2015, os clubes não mais poderão celebrar contratos com Terceiros que tenham como objeto a participação destes no resultado econômico decorrente de transferências futuras de atletas, extinguindo, assim, definitivamente, um nicho de mercado licitamente explorado por investidores, agentes, empresas e o próprio atleta.

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Como dito alhures, a FIFA, tampouco a CBF, podem influir, muito menos ceifar, o direito de “Terceiros” ao proibir que clubes celebrem contratos particulares daquela natureza com estes, sob pena de flagrante violação ao fundamento de ordem econômica intitulado livre iniciativa, cuja titularidade pertence aos “Terceiros”, ferindo também, diretamente e por via de consequência, o princípio magno da liberdade de contratar veementemente garantido em um Estado Democrático de Direito.

É preciso dizer que as fontes do Direito, que têm como a sua prin-cipal a Constituição Federal/1988, obedecem uma hierarquia, seguindo--se pela Emenda Constitucional, Lei Complementar, Lei Delegada, Lei Ordinária etc., não havendo qualquer espaço para uma Resolução da CBF revogar ou derrogar qualquer dispositivo constitucional ou legal. Em outras palavras, por sua qualidade e por seu conteúdo, a Resolução da CBF não pode negar vigência ao Texto Constitucional, ou mesmo ao texto da legislação ordinária federal, in casu, o Código Civil/2002, que regula a relação entre civis, bem como a liberdade de contratar.

A inconstitucionalidade das medidas da dobradinha FIFA/CBF atinge o exercício profissional até mesmo dos próprios agentes de joga-dores, os quais foram licenciados pelas próprias entidades, fato que soa perturbador e contraditório, senão vejamos:

A Constituição Federal prevê como cláusulas pétreas, de direi-tos e garantias fundamentais, uma série de situações elencadas no seu art. 5º. Nesse particular, importante atentar para a previsão do seu inciso XIII, que diz: “XIII – É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Ora, ao suprimir a participação de agentes, investidores e empre-sas da atividade e dos lucros advindos das transações desportivas, não estaria a FIFA/CBF decretando o fim de várias profissões, tornado ilícito o que sempre foi e continua ser legal? Que autonomia tem as referidas instituições para contradizer de modo direto o Texto Constitucional?

Deve ser ressaltado que o papel de agentes, investidores e em-presas no meio do futebol é essencial para o seu desenvolvimento e sustentação, eis que, sabidamente, os clubes de futebol não conseguem recursos espontaneamente sequer para arcar com suas contas mais bási-cas, tais como salários, tributos, contribuições previdenciárias etc.

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Sem o agente, o atleta não desenvolve sua carreira e, muitas ve-zes, se perde nos estudos, vícios de toda a sorte, ainda em tenra idade, justamente por não ter orientação suficiente que acompanhe seus inte-resses. Sem o agente e o investidor, os clubes não conseguem captar e desenvolver futuros craques, de forma que muitos podem até mesmo ser extintos. Sem o agente, o investidor e as empresas de marketing e parti-cipação esportivas, os clubes perdem seus principais parceiros, que ora auxiliam na contratação, no acompanhamento da carreira desportiva, no marketing necessário ao clube, mas também, cada vez mais frequen-te, com o pagamento de salários que o clube não pode suportar.

E não pára por aí: ao decretar a “ilegalidade” dos pactos que ver-sem sobre a repartição ou cessão de direitos econômicos, FIFA e CBF violam o sagrado direito de propriedade, circunstância imutável do nos-so Ordenamento Pátrio. Isso porque, se uma empresa, um agente ou um investidor adquiriram percentuais nos direitos econômicos dos atletas junto aos clubes, é porque investiram muito tempo, serviço e muito di-nheiro para almejar um retorno futuro. É certo que o negócio que per-meia o futebol envolve risco, mas daí admitir que um órgão paraestatal, sem gabarito jurídico, decrete a perda dos investimentos e, portanto, da propriedade, quer parecer inadmissível, senão vejamos o que diz o inciso XXII do mesmo art. 5º da CR/1988: “XXII – é garantido o direito de propriedade; [...]”.

Ora, por qualquer ângulo que se debruce, mais sólido fica o argu-mento de que o novo Regulamento de Transferências é demasiadamente equivocado e fora de contexto jurídico, não devendo se irradiar de efi-cácia.

Concluindo o conflito com o Ordenamento, veja-se o que diz o art. 22 da CR/1988: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”.

A FIFA e CBF não se confundem com a União e jamais poderia a União Federal delegar poderes a quem quer que seja para o fazer, por questão de soberania e segurança nacional. Constituindo os pactos de cessão de direitos econômicos em modalidade civil, somente a União poderá regular de forma diferente.

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Que fique claro que o que aqui se defende é que o Regulamento de Transferência não tem competência e legitimidade para definir con-ceitos e proibições como o fez, pois o Ordenamento Jurídico o repele. Não se revestindo de legalidade, os dispositivos dos Regulamentos da FIFA/CBF devem ser entendidos como letra não escrita, inócua, ineficaz.

Mais uma vez, importante citar a Constituição Federal no seu cé-lebre inciso II do art. 5º, verbis: “II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]”.

Como já visto, Regulamento de Transferência, seja da FIFA ou da CBF, nem de longe se confundem com a lei.

A propósito, a lei cogente e que rege o direito de contratar e se obrigar no cenário nacional é o Código Civil3, o qual diz, a respeito das obrigações e contratos:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei;

Ora, os clubes, atletas, agentes, investidores e empresas têm ca-pacidade e legitimidade para contratar. O objeto é lícito, pois se tratam de direitos creditórios a se realizarem ou não no futuro. E a forma dos contratos de cessão não são proibidas pelo Ordenamento, conforme se pode colher do art. 286 do mesmo Código Civil, que trata do capítulo: “Da cessão de crédito”. “Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação”.

Note-se que o Código ainda dispensa uma série de artigos para regular a cessão de crédito. No futebol, quem pode ceder o crédito? Como exemplos: (i) o clube a um investidor, banco ou empresa, por ter ajudado a contratar um atleta ou em retribuição a um empréstimo, fomento, pagamento de salários e etc.; (ii) o clube ao agente, por ter

3 Lei federal nº 10.406/2002.

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descoberto e trazido o atleta, promovendo meios de publicidade e marketing revertidos ao clube e etc.; (iii) o clube ao próprio atleta, mui-tas vezes como parte integrante de uma negociação em que, ao invés de o clube aumentar a paga salarial, cede um percentual maior ao atleta em caso de eventual e futura transação; (iv) por fim, o próprio atleta e sua fa-mília a um agente, em reconhecimento por conduzir a sua carreira, por ter encontrado oportunidades em clubes, “peneiras”4, por ter custeado roupas, uniformes, chuteiras, mimos de toda espécie e, enfim, por todo o trabalho ao longo de anos, durante a puberdade até a maioridade, da infância até o profissionalismo, longos anos lado a lado, apenas apostan-do, despendendo tempo e dinheiro no afã de que, um dia, aquele atleta possa se tornar um ícone do esporte e dar o retorno do investimento.

Para sepultar a discussão, o art. 421 do Código Civil retrocitado declama: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Traduzindo: Não há limite para contratar, desde que lícito. Os clubes e atletas não podem ser com-pelidos a deixar de contratar se quiserem e lhes parecerem justo.

Lado outro, quer parecer que a FIFA e a CBF, ao formalizarem o banimento dos investidores, esqueceu-se de um detalhe crucial, qual seja, o fato de que os tais “Terceiros”5, ao contrário dos clubes, não são signatários de qualquer compromisso junto à FIFA/CBF que os obrigue a aceitar as regras por elas impostas, tornando, também por esse viés, inválida a referida imposição, posto que afeta diretamente a liberdade de contratar destes “Terceiros”.

Assim sendo, entende-se que absolutamente legítima eventual pro-vocação de investidores, agentes e empresas que se sentirem vilipendia-das junto ao Judiciário na tentativa de garantir (i) a manutenção de seu direito constitucional à liberdade de contratação consubstanciado no fundamento de ordem econômica da livre iniciativa, visto que viola di-retamente o “exercício regular de contratar” por parte dos “Terceiros” e (ii) o ressarcimento por eventuais danos gerados, incluindo-se eventuais lucros cessantes suportados por estes investidores por força de tal supres-são do direito de propriedade. Cada caso é um caso, enquadrando-se em

4 Seleção de atletas amadores.5 Agentes, investidores, bancos, empresas, associações, assessorias em geral.

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um determinado perfil, motivo pelo qual merece ser cuidadosamente analisado por profissionais especializados no tema.

Não obstante a passividade “geral” (que até então impera) dos protagonistas afetados, alguns agentes e investidores, surpresos e deses-perados com a implicação negativa que a recente imposição trará aos seus negócios, têm questionado quanto a uma eventual solução que os permita continuar, de alguma forma, com a cessão dos direitos relativos à transferência de atletas.

Para estes, de maneira bem transparente, é importante esclarecer que não existe um “modelo pronto” a ser seguido, apesar dos diver-sos institutos jurídicos aplicáveis. Fato é que federações do futebol pelo mundo já ameaçam questionar a FIFA judicialmente, eis que já há notí-cia de insurgência, v. g., da Liga Espanhola e da Federação Argentina de Futebol, notoriamente contrárias às novas regras.

O grande ponto é que tais negociações e contratos sempre envol-verão o clube (lembrem-se, este sim compromissado com as regras da FIFA/CBF), motivo pelo qual sempre existirá o risco de que a FIFA venha a interpretar o negócio como uma tentativa de “burlar” as novas regras “anti-TPO”, sujeitando-os às medidas disciplinares cabíveis, pelo que se acredita que, em um futuro próximo, os clubes que adotarem uma po-lítica conservadora na condução de seus negócios por certo refutarão a celebração de qualquer contrato conduzido sob esta linha de estratégia e que possa vir a ser interpretado como uma tentativa de “manobra” com o objetivo de partilhar direitos econômicos.

Neste sentido, após avaliar cuidadosamente o caso concreto e es-gotar todas as outras possibilidades, caso não existam ou não possam ser implementadas, não se vislumbra outra alternativa diante deste contexto caótico gerado pelas FIFA e CBF senão a propositura da adequada me-dida judicial com fulcro na argumentação supramencionada, afastan-do assim qualquer penalização ao clube e tratando, tão somente, das violações e prejuízos causados pela FIFA aos “Terceiros”. Caberá aos Terceiros deixarem de lado o suposto desconforto e a relativa incon-veniência institucional que tal medida poderia gerar, posicionando-se formalmente de maneira contrária, enérgica e contundente ao recente posicionamento da CBF no âmbito brasileiro. A mesma recomendação poder-se-ia se dar aos clubes sul-americanos e demais que necessitam

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de investidores para garantir ao seu público o merecido espetáculo em sua praça de desporto sem interferência alienígena e autoritária.

Essa discussão provavelmente desbordará para os tribunais, mas espera-se que vença a soberania, a força da Constituição Republicana, a solidez das leis ordinárias nacionais e o bom senso em rebate à tirania exógena.

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Parte Geral – Doutrina

Torcida Única: Despreparo ou Incompetência?

GUSTAVO LOPES PIRES DE SOUZADoutorando em Direito Desportivo e Mestre em Direito Desportivo pelo INEFC/Universitat de Lleida (Espanha), Coordenador Adjunto e Professor na Faculdade de Direito de Contagem (FDCON), Diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), Membro do Conselho Editorial da Revista SÍNTESE de Direito Desportivo. Professor e autor de livros e artigos.

CARLOS SANTIAGO DA SILVA RAMALHOAdministrador pela Universidade Vale do Rio Verde – Unincor, Graduando do 5º período de Direito – Faculdade de Direito de Contagem (FDCON), Membro da Associação Internacional de Poetas. Autor de livro.

DANYELLE GONÇALVES DE ASSISGraduanda do 5º período de Direito – Faculdade de Direito de Contagem (FDCON).

THAIRINE DE OLIVEIRA ROCHAGraduanda do 5º período de Direito – Faculdade de Direito de Contagem (FDCON).

RESUMO: Os debates em torno da violência relacionada ao futebol nunca estiveram tão em voga quanto nos últimos anos. Uma das controversas formas quem vêm sendo utilizadas na tentativa de coibir atos violentos entre torcidas é a realização de jogos com torcida única. Esta medida, entretan-to, é polêmica e divide opiniões tanto de especialistas da área quanto de torcedores. Além de ser um desserviço à sociedade, a instituição de torcida única ofusca o brilho de uma das mais festejadas paixões dos brasileiros: o futebol. O presente artigo tem por objetivo realizar uma breve analise jurídi-ca acerca do tema no tocante a identificar o possível despreparo/incompetência dos entes públicos quando o assunto é violência no futebol.

PALAVRAS-CHAVE: Torcida única; futebol; violência; despreparo; incompetência.

ABSTRACT: The debates around the football-related violence has never been so fashionable as in recent years. One of the controversial forms who has been used to try to prevent violence among supporters is playing games with unique twists. This measure, however, is controversial and divides opinions of both experts in the field as fans. Besides being a disservice to society the only crowd institution obscures the brightness of one of the most celebrated of Brazilian passions: soccer. This article aims to make a brief legal analysis on the subject with respect to identifying the possible lack of preparation/incompetence of public entities when it comes to football violence.

KEYWORDS: Fans single; football; violence; unpreparedness; lack.

SUMÁRIO: Introdução; I – Torcidas organizadas e violência no futebol; II – A violência no futebol; III – Da torcida única; IV – A atuação do estado no combate à violência no futebol; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

A violência é um fenômeno antissocial que se verifica nas mais diversas modalidades esportivas, inclusive no futebol, comumente acen-tuada em razão do fanatismo e pelos desvios de personalidade daqueles torcedores que utilizam as cores do time como pretexto para a prática de atos ilícitos.

No contexto mencionado, o genuíno significado do torcer acaba por ganhar contornos balizados pelas expressões e sentimentos de seus torcedores. E é nesta linha que se manifestam diferentes tipos de torce-dores.

Reis (1998) destaca existir os espectadores, os torcedores, os torce-dores uniformizados e os torcedores organizados. Os espectadores são aqueles que apenas assistem aos jogos. Os torcedores são aqueles que se envolvem nas partidas. São os torcedores e não os espectadores que cantam, xingam, fazem coreografias, choram, empurram o time e agri-dem verbalmente – às vezes até fisicamente – os adversários e o árbitro. O torcedor uniformizado “usa a camisa de sua equipe, demonstrando assim sua predileção por um time de futebol”. Já o torcedor organizado, por sua vez, “faz parte de uma facção torcedora, que tem uma estrutura organizacional independente do clube pelo qual torce”.

Ainda, segundo a Professora Heloísa Helena Baldy dos Reis,

as manifestações violentas envolvendo torcedores de futebol em dias de jogos, dentro ou fora dos estádios, são atualmente um problema de se-gurança pública e um objeto de pesquisa da sociologia do esporte em vários países, já que o fenômeno reúne as características de estabilidade e persistência, ocorrendo com regularidade, e tendo como lugar os es-tádios de futebol e as suas imediações, não sendo raras também as ma-nifestações violentas em outros locais das cidades onde ocorrem jogos. (Reis, 2006)

Outrossim, como ressalta Márcio de Souza Peixoto, “lamentavel-mente, em que pese todo seu caráter lúdico e moral, o fenômeno da violência associada ao desporto sempre existiu. O esporte é uma forma de luta ritualizada especial, produto da vida cultural humana” (Peixoto, 2011).

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Pimenta (1997) destaca que

a mudança de comportamento do torcedor nas arquibancadas dos está-dios começa a ser sentida num viés de violência, truculência e agressivi-dade – nos moldes atuais – pelo torcedor comum e agentes envolvidos com o esporte, e passa a ser veiculada com maior frequência pelos órgãos de impressa, a partir dos anos noventa. Simultaneamente, grupos de jo-vens e adolescentes engrossam as fileiras associativas das “organizadas”.

A relação entre violência e esporte é complexa, com maior visibi-lidade no futebol por causa do tamanho e da importância deste esporte como um dos principais fenômenos socioculturais do século XX e do alargamento da projeção do futebol-show como um dos principais pro-dutos da indústria cultural.

Sob essa complexidade, várias ciências, cada uma à sua maneira, têm buscado identificar as origens e os motivos da violência no futebol.

No entanto, esta complexidade não deve ser um motivo de inativi-dade profissional ou científica. As carências identificadas devem ser, ao longo do tempo, substituídas por pesquisas e trabalhos

Como bem acentua Madir Isidre Ramon (2003),

[...], Machado opina que es normal que la agresividad se manifieste en el deporte desde el mismo momento en que el juego se confunde con la realidad social, en la agresividad surge como uno de los varios com-ponentes del comportamiento humano en lucha por la búsqueda de su espacio y su prestigio dentro de la sociedad.

Diante disso, este trabalho busca analisar o estabelecimento de torcidas únicas como forma de combate à violência nos estádios de fu-tebol.

I – TORCIDAS ORGANIZADAS E VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

Pimenta (1997) questiona se existiria “uma relação efetiva entre a mudança no comportamento do torcedor e o aumento vertiginoso de jovens e adolescentes associando-se às Torcidas Organizadas”.

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Toledo (1996), por seu turno, ressalta que a violência é um fe-nômeno que sempre caminhou junto aos atores do futebol, sejam eles jogadores ou torcedores. As torcidas organizadas, surgidas no final da década de 1960 e início de 1970, por sua vez, têm sido responsabiliza-das pela crescente rivalidade no esporte.

Muito embora a crescente violência no futebol seja atribuída às torcidas organizadas, não há relação direta, objetiva que se amolde às questões aventadas por Pimenta e Toledo.

Destarte, apesar de muitos atribuírem a causa da violência às torci-das organizadas, Heloisa Helena Baldy dos Reis, socióloga e coordena-dora de pesquisa da Unicamp/CNPQ, em artigo publicado pela revista GAlleu, de setembro de 2009, destacou que “torcidas organizadas agora recebem o rótulo de facções, numa tentativa de relacioná-las ao mundo do crime. A realidade é diferente. Torcedor organizado não é bandido!”.

E completa que

costuma-se generalizar, mostrando que as mortes têm a ver só com as torcidas, o que não é verdade. Por isso, pregar a extinção das organizadas para estancar a violência é a mesma coisa que defender o fim do senado para acabar com a corrupção. (Reis, 2009, p. 96)

As causas da violência estão além dos torcedores:

Enquanto alguns culpam apenas as torcidas organizadas, outros respon-sáveis pelo problema são poupados. Há o Estado, que muitas vezes não oferece um policiamento de qualidade, preparado para atuar em jogos de futebol. Jogadores e dirigentes incitam a violência com declarações impensadas. E grande parte da imprensa, na ânsia de encontrar respostas imediatas a um problema histórico, comete equívocos básicos, como não ouvir todas as partes envolvidas. O resultado é uma visão deturpada e preconceituosa, que não contribui para a superação do problema. (Reis, 2009, p. 96)

Completa, a professora:

De forma rápida, em uma análise micro, pode-se dizer que os fatores geradores de violência relacionada ao futebol são: a impunidade, a falta de infraestrutura dos estádios, a falta de competência na organização dos espetáculos futebolísticos, a irresponsabilidade dos promotores de even-

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tos esportivos, os limites dos agentes de segurança que trabalham em estádios de futebol, além da falta de uma política pública de segurança preventiva. (Reis, 2006)

II – A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

Imprescindível uma análise mais profunda nos contextos históri-cos, políticos e sociais para que se identifiquem as reais causas da vio-lência.

Entretanto, não se pode afastar que as causas da violência provém da própria sociedade:

As causas da violência no esporte devem ser buscadas na sociedade. E aqui não há como escapar ou negar que a exclusão social é um fator preponderante dentre as múltiplas causas da violência. A pobreza, as péssimas condições de vida, o desemprego, a falta de escola, de moradia, de cultura, de lazer, etc.1

A violência relacionada ao esporte deve ser compreendida em um sistema de metabolismo social contemporâneo.

O argentino Daniel M. Cesari Hernandéz acrescenta:

La violencia social, consecuencia, muchas veces, de la propia naturaleza humana y otras tantas de factores económicos, políticos y hasta religio-sos, es uno de los factores que El Estado ha intentado controlar a través del derecho penal, aunque no con mucha efectividad.

[...]

Es sabido que la práctica deportiva genera violencia en si misma, pro-ducto del espíritu violento del ser humano, que ve en el contrictante no a un mero competidor, sino a alguien que pretende arrebatarle, su presa, representando, en consecuencia, al enemigo en dicha contienda. (Hernandéz, 2009)

Os episódios de violência veiculados pela mídia, na maioria das vezes, envolvem confrontos diretos entre torcedores rivais, o que acaba

1 CHINAGLIA, A. “A violência nos estádios de futebol: sua origem prevenção e repressão”. In: A violência no esporte. Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, São Paulo.

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por gerar perplexidade e disseminar a sensação de insegurança entre a população e os pacatos frequentadores de jogos em estádios de futebol.

A edição on-line de 09.12.2013, do site LANCE!Net trouxe ma-téria intitulada “Violência entre torcidas já matou 234 pessoas, sendo 30 este ano”, repercutindo atos de violência ocorridos em Joinville/SC entre Atlético-PR e Vasco, em jogo válido pela série A do Campeonato Brasileiro.

Assim dispôs o periódico em sua edição on-line.

As imagens de selvageria em Joinville (SC), durante o primeiro tempo de Atlético-PR x Vasco, repercutiram em tempo real por todo país. Afinal, o jogo era válido pela Série A do Brasileiro e estava sendo transmitido ao vivo pelas principais emissoras do país. Porém, a violência ligada ao futebol já acontece desde os primeiros dias deste ano, sendo “escondida” pelo fato de a imensa maioria das vítimas ter acontecido fora do eixo Rio-São Paulo, ou seja, de menor acompanhamento pela mídia nacional.

Já foram contabilizadas 30 mortes ligadas ao futebol, sendo que os es-tados Norte e Nordeste são os que mais sofreram com essa intolerância entre os torcedores, principalmente, daqueles que pertencem às facções uniformizadas.

No dia 3 de abril de 2012, o LANCE!Net trouxe um levantamento ex-clusivo que dava conta de 155 mortes ligadas ao futebol desde abril de 1988, quando se tem registro da primeira vítima ligada ao futebol – Cléo, presidente da Mancha Verde, em São Paulo. Neste momento, porém, o número é bem superior. Já são 234 mortes ligadas ao futebol no país.2

Com o título “Violência mancha o futebol”, a edição on-line do site UOL Esporte, de 20.07.2009, publicou estudo realizado pelo soci-ólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mauricio Murad, em que o Brasil ostenta o trágico 1º lugar no ranking de mortes ligadas ao futebol.

Registrou o periódico em sua edição on-line.

O fato de o Brasil estar ocupando o trágico primeiro lugar no número de óbitos em conflitos de torcedores deve-se, segundo o professor, ao fato

2 LANCENET! Disponível em: <http://www.lancenet.com.br/minuto/Violencia-torcidas_organizadas0_ 1044495544.html#ixzz3MqDCqpHZ>. Acesso em: 24 dez. 2014.

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de não ter ocorrido aqui uma reação a esse tipo de violência, tal como fez a Itália, promovendo reformas na legislação até para punir os dirigen-tes que incitam a violência. “No Brasil, infelizmente, não houve reação satisfatória e consistente”, concluiu.

Mas a violência não é algo típico apenas do mundo esportivo. “Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada vez maio-res”, concluiu o sociólogo.3

Enfim, a violência no futebol corresponde a um fenômeno bastan-te complexo oriundo das mais diversas causas.

III – DA TORCIDA ÚNICA

Na tentativa de minorar o lastimável quadro de violência em jogos de futebol, o Poder Público passou a sugerir a realização de jogos com torcida única como forma preventiva diante dos latentes riscos de segu-rança e ordem pública.

A medida, entretanto, divide opiniões4:

Uma das vozes mais atuantes neste sentido é a do Promotor do Ministério Público de SP, Dr. Paulo Castilho. Para ele, trata-se de “uma medida transitória e emergencial para conter esta onda de violência, até conseguirmos estabilizar a situação”.

Também favorável à medida, o ex-Ministro do Esporte, Orlando Silva, menciona que “não faz sentido futebol sem público, mas é hora da torcida única como medida emergencial nas decisões”.

Segundo Irinaldo Pacheco, o Nadinho, diretor-geral da Fanáuti-co, principal torcida do Náutico, “a única torcida visitante que vai ao estádio é a organizada, e sempre tem confusão. Por isso, sou a favor da torcida única”.

3 UOL ESPORTE. Disponível em: <http://esporte.uol.com.br/futebol/violencia-no-futebol/2009/07/20/ ult7499u20.jhtm>. Acesso em: 22 dez. 2014.

4 UOL ESPORTE. Disponível em: <http://esporte.uol.com.br/futebol/violencia-no-futebol/contra.jhtm#>. Acesso em: 26 dez. 2014.

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Para o ex-presidente do Atlético-MG, Alexandre Kalil, “apesar de Minas Gerais não ser o maior exemplo de violência entre torcedores no país, não temos outra opção”.

Na esteira dos contrários à torcida única, pondera o Cel. Marcos Marinho, ex-comandante da PM de SP, que “a sensação de segurança fica maior, e os riscos menores, mas acho que ainda não é o momento”.

Para o diretor da Mancha Alviverde, Rafael Scarlatti, torcida única seria “uma vitória da violência, já que as torcidas terão de pagar por uma ineficiência do Estado”. Avalia o vice-presidente da Torcida Jovem do Sport, Marcelo Domingues:

Quem quer brigar vai para a “pista” de todo jeito. A violência em Pernambuco é fora dos estádios, e isso só vai fazer com que as brigas mudem de local. O que é preciso fazer é interditar as vias de acesso aos estádios, em dia de clássicos, e dividi-las entre as torcidas dos dois times.

O Deputado Federal paulista Silvio Torres afirma que “iremos es-camotear o problema, deixar de nos atentar para as causas envolvidas e confessar a impotência das autoridades”.

Na opinião do saudoso jurista desportivo, Marcilio Krieger, a me-dida

é uma forma de segregação que a Constituição não permite, além de ser uma declaração da falência do estado para manter a tranquilidade social. Essa é uma briga de gato e rato, mas não será com torcida única que a violência será coibida. Isso tira o direito de um inocente assistir a um jogo, embora ele não tenha agido de forma contrária à lei.

Vale ressaltar que o fenômeno da violência envolvendo futebol não ocorre apenas no Brasil, mas em vários países, especialmente da América Latina, como é o caso da Argentina, onde instituíram jogos com torcida única como medida preventiva de segurança contra as temidas Barra Bravas.

As barra bravas na Argentina são muito tradicionais, mas também consi-deradas perigosas. Representam a alma e garra das equipas locais. Estas são responsáveis pelo apoio incondicional a equipe. São famosas por cantarem até quando o time está perdendo e no momento em que sofre um gol.

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Contudo, as mesmas são responsáveis por espetáculos de violência e também do narcotráfico, afetando socialmente toda a Argentina. Desde o primeiro assassinato ocorrido em 1939 até o princípio de 2000, foram registradas 138 vítimas fatais e uma enorme quantidade de feridos em confrontos entre as barra bravas.5

A medida adotada pela Argentina, assim como no Brasil, também é bastante debatida.

Em matéria datada de 28.08.2013, sobre torcida única, o jornal La Nación, em sua coluna Canchallena, destacou o posicionamento do presidente da AFA – Associação do Futebol Argentino, em que mencio-nou terem sido decisões pouco inteligentes.

Assim dispôs o La Nación em sua edição on-line:

“Fueron decisiones poco inteligentes. Acá nos salvamos todos o nos hun-dimos todos”, dijo el presidente de AFA en la reunión con los represen-tantes de los clubes.6

Na mesma matéria sobre as perdas para os clubes de futebol, o La Nación colacionou a fala do segundo vice-presidente do Belgrano de Córdoba.

Registrou o periódico:

Para tener una idea del perjuicio que significa para los clubes el hecho de no poder habilitar las tribunas visitantes, Abraham Rufail, vicepresi-dente 2º de Belgrano (Córdoba), había contado hace unas semanas que la institución dejaría de facturar “$ 3 millones” en el partido de hoy frente a Boca.7

No Brasil, do ponto de vista jurídico, a adoção de torcida úni-ca encontra um de seus fundamentos, o disposto no art. 17 da Lei nº 10.671/2003, conhecida como Estatuto do Torcedor, que prevê, entre outras ações, medidas preventivas de segurança em partidas com excep-cional expectativa de público.

5 WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Barra_brava>. Acesso em: 26 dez. 2014.6 LA NACIÓN. Disponível em: <http://canchallena.lanacion.com.ar/1614659-vuelven-los-visitantes-al-futbol-

pero-solo-plateistas>. Acesso em: 26 dez. 2014.7 Idem.

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Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referen-tes à segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

[...]

§ 2º Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de público.8

Mas afinal, considerando que o futebol é um patrimônio cultural brasileiro reconhecido mundialmente, a adoção de torcida única estaria ligada ao despreparo ou incompetência pública?

IV – A ATUAÇÃO DO ESTADO NO COMBATE À VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

A Constituição Federal de 1988 preconiza o direito de ir e vir de todos os cidadãos, conforme se verifica no art. 5º da Carta Magna: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”9.

Conforme se extrai dos ensinamentos de Ávila (2004), o art. 5º, em seu caput, eleva a segurança à condição de direito fundamental. Assim como os demais, tal direito deve ser universalizado de maneira igual, não podendo deixar de ser prestada aquela parcela mais pobre da popu-lação, ou ainda fazê-la de modo seletivo.

De forma precisa, a Carta Política dispõe no caput do art. 144 acerca do dever de segurança pública.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabi-lidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

8 BRASIL. Lei nº 10.671 de 15 de maio de 2003. Dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.671.htm>. Acesso em: 26 dez. 2014.

9 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 dez. 2014.

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III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.10

Como se observa, o caput do art. 144 determina que políticas go-vernamentais de segurança sejam direcionadas no tocante à “preserva-ção da ordem pública” e à “incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

Sobre a questão em comento, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento assentado tendo se pronunciando por meio de diversos julgamentos, como os transcritos a seguir, em que reitera a ordem consti-tucional da atribuição ao Estado do dever de prestar segurança e manter a ordem pública.

O direito à segurança é prerrogativa constitucional indisponível, garanti-do mediante a implementação de políticas públicas, impondo ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo aces-so a tal serviço. [...].11

O conceito jurídico de ordem pública não se confunde com incolumi-dade das pessoas e do patrimônio (art. 144 da CF/1988). Sem embargo, ordem pública se constitui em bem jurídico que pode resultar mais ou menos fragilizado pelo modo personalizado com que se dá a concreta violação da integridade das pessoas ou do patrimônio de terceiros, tanto quanto da saúde pública (nas hipóteses de tráfico de entorpecentes e dro-gas afins). Daí sua categorização jurídico-positiva, não como descrição do delito nem cominação de pena, porém como pressuposto de prisão cautelar; ou seja, como imperiosa necessidade de acautelar o meio social contra fatores de perturbação que já se localizam na gravidade incomum da execução de certos crimes. Não da incomum gravidade abstrata desse ou daquele crime, mas da incomum gravidade na perpetração em si do crime, levando à consistente ilação de que, solto, o agente reincidirá no delito. Donde o vínculo operacional entre necessidade de preservação da ordem pública e acautelamento do meio social. Logo, conceito de ordem pública que se desvincula do conceito de incolumidade das pes-soas e do patrimônio alheio (assim como da violação à saúde pública),

10 Idem.11 STF. RE 559.646-AgR, Relª Min. Ellen Gracie, J. 07.06.2011, Segunda Turma, DJe 24.06.2011. No mesmo

sentido: ARE 654.823-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, J. 12.11.2013, Primeira Turma, DJe 05.12.2013. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigobd.asp?item=%201359>. Acesso em: 26 de dezembro de 2014.

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mas que se enlaça umbilicalmente à noção de acautelamento do meio social.12

Ainda no que pese a fundamentação jurídica, não podemos deixar de transcrever o que dispõe o art. 1º-A da Lei nº 10.671/2003.

Art. 1º-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do Poder Público, das confederações, federações, ligas, clubes, associa-ções ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de tor-cedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou partici-pam dos eventos esportivos.13

Em um primeiro momento, poder-se-ia arguir se o artigo mencio-nado não fere diretamente disposições constitucionais, pois, conforme já se verificou neste estudo, o dever de segurança pública, tanto no âmbito preventivo quanto repressivo, é de competência da Administração Pú-blica, ou seja, do Estado.

A grande questão que se coloca é qual o limite da responsabilida-de dos atores elencados no referido artigo para que de fato se produzam os efeitos preventivos desejados. A questão é muito discutida tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina especializada.

A título ilustrativo, encontra-se em análise na Câmara dos Deputa-dos Projeto de Lei do Poder Executivo que cria o SUSP – Sistema Único de Segurança Pública. O capítulo VII do referido projeto trata “Da Segu-rança Cidadã”.

Por meio da transcrição de alguns dispositivos do projeto em co-mento, verifica-se não haver, pelo menos no tocante à “Segurança Cida-dã”, novas propostas ou mecanismos legais que já não se encontrem à disposição do Estado para que este atue no estrito cumprimento de seu dever constitucional.

12 STF. HC 101.300, Rel. Min. Ayres Britto, J. 05.10.2010, Segunda Turma, DJe 18.11.2010. Disponível em: <www.stf.jus.br/portal/ constituicao/artigobd.asp?item=%201359>. Acesso em: 26 dez. 2014.

13 Idem.

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DA SEGURANÇA CIDADÃ

Art. 30. A segurança cidadã consiste na situação política e social de se-gurança integral e cultura da paz em que as pessoas têm, legal e efetiva-mente, garantido o gozo pleno de seus direitos fundamentais, por meio de mecanismos institucionais eficientes e eficazes, capazes de prever, prevenir, planejar, solucionar pacificamente os conflitos e controlar as ameaças, as violências e coerções ilegítimas.

Art. 31. É responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a construção e execução de políticas públicas voltadas para a implementação da segurança cidadã.

§ 1º O objetivo da segurança cidadã é dar efetividade às ações de preven-ção da violência e da criminalidade e tem como meta garantir a inclusão social e a igualdade de oportunidades, por meio de políticas públicas que [...].14

O Estado deve atuar de forma repressiva, punitiva e, ainda, pre-ventiva. Os documentos do Conselho da Europa concluíram que a dete-rioração das instalações dos estádios pode vir a ser um fator gerador de violência envolvendo espectadores de futebol dentro dos estádios, assim como a má organização do futebol e de seu espetáculo.

Tal como ocorreu na proibição do consumo de bebidas alcoóli-cas, o Poder Público, na ânsia de dar uma reposta à sociedade e apontar soluções para a crescente violência nos estádios de futebol, escolheu a rivalidade como vilã.

Como ressaltou o Professor Gustavo Lopes Pires de Souza, em arti-go publicado na Revista Síntese, nº 14: “Tal indicação sem fundamentos torna-se ainda mais cristalina ao se buscar as reais causas da violência nos estádios de futebol [...]”.

Assim, deve haver um conjunto coordenado de ações entre en-tidades privadas e o Poder Público para atacar a violência no futebol,

14 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 3.734/2012. Disciplina a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, nos termos do § 7º do art. 144 da Constituição, institui o Sistema Único de Segurança Pública – SUSP, dispõe sobre a segurança cidadã, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesweb/fichadetramitacao?idproposicao=542102>. Acesso em: 26 dez. 2014.

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especialmente com a maior qualidade dos produtos de entretenimento esportivo.

CONCLUSÃO

Diante de todo exposto, conclui-se que resta evidente a urgen-te necessidade de se encontrar caminhos alternativos que garantam o pleno exercício de direitos fundamentais constante na Carta Magna, os quais se encontram em rota de colisão. Ou seja, é preciso garantir o di-reito às liberdades individuais e coletivas alinhadas à segurança e ordem pública.

Urge destacar que, mediante o quadro de violência que tomou conta do futebol, o Estado tem se mostrado despreparado e por vezes incompetente em sua função outorgada pela Constituição, o que acaba por legitimar, dado os anseios da sociedade, a adoção da medida de Tor-cida Única, o que, nos dizeres de Marcos Lopes, da Tribuna do Norte, “é o atestado de falência da segurança pública de um estado, é o atestado da perda de espaço dos bons, a vitória dos maus, a consolidação da violência e – insisto – a prova definitiva da incompetência do estado em garantir a segurança do bom torcedor”15.

A Inglaterra, por exemplo, após a morte de 96 torcedores em Hillsborough, realizou profundo estudo conhecido como “Report Taylor”, que apontou as causas da tragédia e sugeriu uma série de medi-das a serem adotadas, como as destacadas por Luiz César Cunha Lima:

Revisão da capacidade de público de todos os estádios; instalação de assentos numerados em todos os setores dos estádios; novas provisões a respeito de primeiros socorros e serviços de emergência em todos os campos de futebol; estabelecimento de grupos locais encarregados de fornecer conselhos sobre a segurança nos estádios; retirada dos alambra-dos e monitoramento do público na arena desportiva. (Lima, 2008)

Por fim, importante destacar a atuação do Poder Público espanhol, na qual as medidas de segurança adotadas pela Comissão Nacional con-tra a Violência nos Espetáculos Esportivos fizeram com que o corpo de

15 BLOG TRIBUNA DO NORTE. Disponível em: <http://blog.tribunadonorte.com.br/marcoslopes/100716>. Acesso em: 27 dez. 2014.

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segurança do Estado tivesse plena fiscalização e controle dos espectado-res dentro dos estádios e em suas imediações, por meio de câmeras de vídeo e um trabalho sincronizado entre os diferentes agentes de seguran-ça que trabalham durante um evento futebolístico.

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Parte Geral – Doutrina

As Cláusulas Gerais da Boa-Fé Objetiva e do Fim Social do Contrato Previstas no Artigo 27-C, Inciso V, da Lei Pelé

EDIO HENTZ LEITÃOPós-Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Cursando Gestão e Direito Desportivo pela SATeducacional, Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Advogado.

RESUMO: Visando uma nova regulamentação na relação entre atletas e agentes desportivos, a Lei nº 12.395/2011 inseriu na Lei Pelé importantes modificações. Com efeito, por meio do inciso V do art. 27-C, positivaram-se as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e do fim social do contrato, cuja fina-lidade é pautar tal relação em uma atmosfera ética de trocas equânimes e leais, evitando-se assim os abusos contratuais consubstanciados essencialmente na busca do lucro financeiro em detrimento do desporto.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil; Lei Pelé; interdisciplinaridade; autônima privada; cláusulas gerais; boa-fé objetiva; fim social do contrato; atleta; agente desportivo.

ABSTRACT: Aiming at a new regulation on the relationship between athletes and sports agents to Law nº 12.395/2011 Pelé Law entered in important changes. Indeed, by means of item V of article 27-C, were positive general clauses of good faith objective and the end of the social contract whose purpose is guided this relationship in an atmosphere of ethical equitable and fair trade, thus avoiding contractual abuses embodied primarily in the pursuit of financial gain at the expense of the sport.

KEYWORDS: Civil Law; Pelé Law; interdisciplinarity – private autonomy; terms general; good faith; social purpose of the contract; athlete; sports agents.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Breves apontamentos sobre a autonomia privada nos contratos; 2 Conside-rações sobre as cláusulas gerais; 2.1 Da função social do contrato e da boa-fé objetiva; 3 Cláusulas gerais da boa-fé objetiva e do fim social do contrato previstos no Inciso V do Artigo 27-C da Lei Pelé; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Não obstante entenda-se o Direito Desportivo como um ramo au-tônomo do Direito, que possui como fonte normas materiais e formais, além das específicas do desporto e das competições esportivas, não se pode negar que ele também utiliza outros ramos do direito para sua aplicação e, nesse particular, vislumbra-se a interdisciplinaridade com o Direito Civil.

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Como o estudo do tema proposto por este artigo se debruça nas alterações legislativas que a Lei Pelé sofreu pela Lei nº 12.395/2011, mais especificamente no inciso V do art. 27-C, não se pode negar a in-fluência do “Código Reale” sobre a Lei Geral do Desporto, razão pela qual vislumbra-se a pertinência no estudo tangenciado entre esses dois ramos do Direito.

Diferente do Código Civil de 1916, que apresentava o individua- lismo e o patrimonialismo como características marcantes, o Código Ci-vil de 2002 trouxe uma estruturação diferente em que o aspecto social ganha destaque e, em especial, a pessoa humana, que é essencialmente valorizada a ponto de ser vista como fundamento de orientação e apli-cação de suas regras.

Estando o atual código civilista estruturado sob princípios como, por exemplo, o Princípio da Eticidade, cujo escopo é dar relevância a valores como a ética, a moral, a probidade, as trocas justas e equânimes, as cláusulas gerais da função social do contrato e da boa-fé objetiva con-ferem aos operadores do Direito uma nova mentalidade de raciocínio quando da elaboração e estudo dos contratos, como também confere ao juiz uma maior liberdade de julgamento para a busca daqueles valores.

E esses valores éticos agora se encontram materializados na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), pois a observância das cláusulas gerais da boa--fé objetiva e do fim social do contrato reclama a consciência de que as questões envolvendo a relação entre atletas e agentes desportivos devem ser raciocinadas e resolvidas de acordo com as particularidades do caso concreto, com certa liberdade para se criar a decisão mais equânime e justa, desapegada do “rigorismo conceitual para uma contínua atualiza-ção dos preceitos jurídicos”1.

Assim, para evitar abusos contratuais consubstanciados essencial-mente na busca despudorada do lucro financeiro, as cláusulas gerais da boa-fé objetiva e do fim social do contrato previstas no inciso V do art. 27-C da Lei nº 9.615/1998 visam, de certa forma, fortalecer a es-

1 REALE, Miguel. Visão geral do novo código civil. Pronunciamento na sessão de 29 de novembro de 2001, como membro da Academia Paulista de Letras – APL, reconstituído pelo autor, e publicado pela mesma Academia. Novo Código Civil Brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2002.

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sência do esporte, sempre dentro de uma relação de trocas justas e leais entre atletas e agentes desportivos.

1 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A AUTONOMIA PRIVADA NOS CONTRATOS

Buscando estudar o conceito de contrato, Silvio Rodrigues2 ensi-nava que,

dentro da teoria dos negócios bilaterais, é tradicional a distinção entre os atos unilaterais e os bilaterais. Aqueles se aperfeiçoam pela manifestação da vontade de uma das partes, enquanto estes dependem da coincidên-cia de dois ou mais consentimentos. Os negócios bilaterais, isto é, os que decorrem de acordo de mais de uma vontade, são os contratos. Portanto, o contrato representa uma espécie do gênero negócio jurídico. (desta-ques do original)

Caio Mário da Silva Pereira3 doutrinava que o contrato tem um fundamento ético calcado na vontade humana, condicionado, porém, ao atendimento da ordem jurídica.

Evidencia-se que não há como negar a importância que o elemen-to volitivo apresenta na formação de um contrato, porém, atualmente não deve mais ser visto com a mesma importância de outrora. É impor-tante ponderar que aquela visão clássica dos contratos consubstanciada essencialmente na autonomia privada como fonte ímpar das obrigações não guarda consonância com a nossa realidade social, justamente por-que essa autonomia está condicionada pelas cláusulas gerais da boa-fé objetiva, função social do contrato.

E esse condicionamento não é gratuito porque apresenta fun-damento constitucional, já que é objetivo da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, conforme art. 3º, I, da CF, refletindo o valor constitucional do Solidarismo.

Dando corpo ao quanto exposto, Francisco Amaral, citado por Flávio Tartuce, ensina que

2 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade. 6. ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2004. p. 9.

3 PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. atual. Por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 2003. p. 7.

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emprestar ao direito uma função social significa considerar que os inte-resses da sociedade se sobrepõem ao do indivíduo, sem que isso impli-que, necessariamente, a anulação da pessoa humana, justificando-se a ação do Estado pela necessidade de acabar as injustiças sociais.4

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS CLÁUSULAS GERAIS

Judith Martins Costa, citada por Cláudio Bueno de Godoy, observa que a cláusula geral

constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta, fluida ou vaga, caracteri-zando-se pela ampla extensão de seu campo semântico. Essa disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas.5

Diante do caso concreto, poderá o julgador criar uma nova regra para se obter a decisão mais justa e equânime, porém com consciência de que respectiva atividade não deve se lastrear em um subjetivismo divorciado do sistema jurídico, mesmo porque, quando da aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, consoante art. 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito.

Cláudio Luiz Bueno de Godoy pondera:

Na verdade, os valores, proposições ou padrões de comportamento so-cialmente apreciáveis a que recorra o juiz, quando dá conteúdo à cláu-sula geral, conquanto não explícitos no ordenamento – e este o ponto fulcral, talvez causa de alguma confusão, envolvendo valores, princípios, dados, enfim, explicitamente contidos no sistema, e, outros, nele inex-pressos, mas que, realce-se, também o integram –, devem ao menos ser dele inferíveis, encontráveis em seus lindes.6

Nesse passo, é necessário que o julgador tenha a consciência de que a questão posta necessita ser raciocinada de acordo com as especi-

4 TARTUCE, Flávio. Direito civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 3. ed. São Paulo: Método, v. 3, 2008. p. 79/80.

5 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princípios contratuais. 1. ed. Coleção Prof. Agostinho Alvim. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 105.

6 Idem, p. 107.

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ficidades do caso concreto, com certa liberdade para se criar a decisão mais equânime e justa.

A sociedade evolui e, com ela, o conceito dos preceitos jurídicos; logo, a cada caso concreto, imperioso a modificação na maneira de se interpretar a regra de acordo com aquela realidade social, o que nos leva a um processo de alterações no significado e na forma de interpretação da norma tendo como instrumental as cláusulas gerais, principalmente às que são objetos desse nosso estudo.

2.1 Da função social Do contrato e Da boa-fé objetiva

A função social do contrato será resguardada quando a finalidade social for atingida, ou seja, quando o contrato materializar trocas justas, úteis e leais, servindo, assim, como um limitador da autonomia da von-tade.

Como observa Carlos Roberto Gonçalves7:

A função social do contrato constitui, assim, princípio moderno a ser ob-servado pelo intérprete na aplicação dos contratos. Alia-se aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam.

Pela função social, o contrato não pode ser usado como elemento de dominação do mais forte sobre o mais fraco, com ganhos de um em detrimento do outro, mas sim como um concretizador da justiça social, pois é imperiosa a consciência de que o individualismo cedeu lugar ao social, às trocas justas, ao razoável, ao sentimento ético de que ninguém pode ou deve levar vantagem sobre outrem.

Na medida em que a função social é cláusula geral, Nelson Nery Junior, citado por Carlos Roberto Gonçalves, sinaliza que o juiz poderá preencher os claros do que significa essa função social com valores jurí-dicos, sociais, econômicos e morais, sempre diante daquilo que o caso concreto apresentar8 e, no caso de uma demanda em que se discute a

7 GONÇALVES, Roberto Carlos. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6. ed. Saraiva. São Paulo: Saraiva, v. III, 2009, p. 6.

8 Idem, p. 8.

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relação entre atleta e agente desportivo, as peculiaridades do desporto como um elemento social deverão ser a tônica desse processo.

Continuando, o fim social necessariamente vem acompanhado da boa-fé objetiva.

Agir de acordo com a boa-fé objetiva é conduzir seu comporta-mento de maneira proba, honesta, reta, traduzindo a ideia do senso ético que deve nortear os contratos, já que entre os contratantes há expecta-tivas justas e legítimas para concretização de um negócio. Destaque-se, por essa razão, que não se deve confundir a boa-fé objetiva com a sub-jetiva, eis que esta significa a ignorância ou desconhecimento de que se está agindo de maneira contrária à norma.

A boa-fé objetiva guarda intrínseca relação com o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, devendo o julgador de uma demanda na qual se discute uma relação contratual presumir a existência da boa-fé – porque a má-fé deve ser provada – que exige do homem médio conduta reta, honesta, leal, segundo as peculiaridades dos usos e costumes do lugar9.

3 CLÁUSULAS GERAIS DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO FIM SOCIAL DO CONTRATO PREVISTOS NO INCISO V DO ARTIGO 27-C DA LEI PELÉ

Antes mesmo das alterações que a Lei nº 12.395, de 2011, produ-ziu na Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), e que inclusive culminou na inserção do inciso V do art. 27-C, objeto deste estudo, a doutrina jusdesportiva já clamava por alterações legislativas visando regular a atuação entre atletas (ou seus procuradores) e agentes desportivos.

A prática cotidiana demonstrava que um novo delineamento calcado em valores éticos deveria modificar essa relação, tanto que as ponderações e reflexões de Álvaro de Melo Filho, um dos doutri-nadores mais respeitados na seara desportiva, materializaram-se na Lei nº 12.395/2011:

Vale dizer, sem dar o mais mínimo contributo à formação de atletas ou fazendo apenas investimento especulativo, os empresários e “atravessa-

9 Idem, p. 33.

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dores desportivos” usam instrumentos contratuais e procuratórios que malferem postulados e princípios jurídicos, “escravizam” e vinculam promissores atletas para a vida desportiva futura, além de “apropriarem--se” de receitas exclusivas e privativas dos clubes, que, como conse-quência, acabam inibindo o reinvestimento nas categorias de base. Por isso mesmo, não podem nem devem receber blindagem e proteção jurí-dica os numerosos “contratos de prestação de serviços”, com cláusulas injurídicas, abusivas ou atentatórias à boa-fé objetiva ou ao fim social dos contratos pactuados entre empresários e atletas (ou seus responsáveis quando menores).10 (destaques do autor)

Com efeito, veio a lume a Lei nº 12.395/2011, trazendo importan-tes mudanças na Lei Geral do Esporte, incluindo expressamente em seu art. 27-C, inciso V, a nulidade de pleno direito dos contratos firmados pelo atleta ou seu representante legal com agente desportivo, bem como as cláusulas contratuais ou de instrumentos procuratórios que malferi-rem os princípios da boa-fé objetiva e do fim social do contrato.

Assim, tendo em vista que as cláusulas gerais do fim social do contrato e da boa-fé objetiva foram positivadas pela lei em comento, não há dúvidas de que o legislador quer que a relação entre atleta ou seu representante legal e agente desportivo seja pautada eticamente em uma seara de trocas leais, justas, sinceras e equilibradas em prol não somente do desenvolvimento esportivo do atleta e da atividade econômica do agente, mas também do bem comum do esporte.

Com isso, a relação contratual não mais se mostra como um instru-mento de dominação econômica do mais forte sobre o mais fraco.

Bem por isso é que, em nosso humilde sentir, entendemos que não havia necessidade de o legislador dispor expressamente em inciso anterior – inciso IV –, que as obrigações abusivas e desproporcionais seriam motivadoras de nulidade contratual, pois esse comportamento já é caracterizador de ofensa à boa-fé objetiva e ao fim social do contrato, logo, o abuso e a desproporção não seriam elementos autônomos.

10 MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. 1. ed. São Paulo: Thomson IOB, 2006. p. 138.

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Amparando-nos mais uma vez dos ensinamentos de Álvaro Melo Filho, que, com muita propriedade, justifica a alteração legislativa em estudo, verificamos que,

assim, ao trilhar este caminho, os empresários da seara desportiva ol-vidam que, muitas vezes, o lucro imediato transforma-se em prejuízo de longo prazo, infringindo a lei do mercado, na avidez do ganho fá-cil, fazendo com que o interesse de alguns prevaleça sobre o interesse de muitos. Nesse contexto, a lex sportiva não poderia ficar insensível e omissa diante da atuação dos “mercadores de ilusão que vendem sonhos a jovens de tenra idade, integrantes de famílias de baixa renda, prome-tendo-lhes um reino encantado com muita fortuna e sucesso pessoal”, sem qualquer preocupação com o futuro desses atletas, porque movidos exclusivamente pelo animus lucrandi.11 (destaques do autor)

É importante que atletas ou seus representantes legais e respec-tivos agentes, mormente no futebol, tenham a consciência de que, se o esporte tem como essência a disputa de competições dentro de uma atmosfera de flair play, necessariamente esse mesmo espírito deve ser seguido fora das quatro linhas, já que as entidades desportivas não poderão sofrer os reflexos negativos de uma relação contratual fadada de injuridicidades.

Porquanto, a busca do retorno desportivo12 deve ser uma conduta ética de todos os envolvidos – atletas ou representantes legais e agentes –, que poderão se pautar na busca do retorno financeiro, desde que equalizados com a boa-fé objetiva e o fim social do contrato.

Ademais, dentro da importância que os contratos apresentam no cenário econômico, porque instrumento de circulação de riquezas, é inerente ao fim social do contrato o Princípio da Preservação dos Con-tratos, tanto que o Enunciado nº 21 da I Jornada de Direito Civil da Jus-tiça Federal assevera: “Art. 421: A função social do contrato, prevista no artigo 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio da conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”.

Destarte, entendemos que a redação do caput do art. 27-C poderia seguir a linha do art. 421 do Código Civil (“A liberdade de contratar será

11 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. 1. ed. Rio de Janeiro: Maquinaria, 2011. p. 99.12 Idem, p. 100.

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50 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – DOUTRINA

exercida em razão e nos limites da função social do contrato”), porém, buscou ser a mais explicativa possível, pois, como é cediço, o desres-peito a essas cláusulas gerais leva inexoravelmente à nulidade de pleno direito, eis que são matérias de ordem pública.

Mas não nos esqueçamos de que, diante do caso concreto, a solu-ção mais adequada pode ser a revisão contratual ou a nulidade de uma ou mais cláusulas, e não do contrato como um todo, já que a preserva-ção contratual é uma característica intrínseca do fim social, principal-mente quando, em certas ocasiões, a declaração de nulidade de todo o contrato poderá prejudicar uma das partes envolvidas.

Em reforço ao quanto expendido:

Cláusulas gerais: normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigi-das precipuamente ao juiz, vinculando-o, ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir. São elas formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato, cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral. [...] As cláusulas gerais resultaram basicamente do convencimento do legislador de que as leis rígidas, definidoras de tudo e para todos os casos, são necessariamen-te insuficientes e levam seguidamente a situações de grave injustiça.13 (destaques do autor)

Nesse diapasão, quando destacamos que a cláusula geral do fim social do contrato e da boa-fé objetiva traduz uma disposição livre e diri-gente da atividade jurisdicional, impende destacar que referida atividade deverá ser exercitada em uma liberdade consentânea com as nuances do Direito Desportivo.

Seguindo a linha de raciocínio de Gustavo Lopes Pires de Souza:

Não se pode pensar simplesmente em aplicar a legislação comum ao desporto se as leis que forem aplicadas não estiverem dotadas do espírito desportista, pois o esporte não pode ser tratado como tão somente mais um ramo do Direito.

13 GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit., p. 7.

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O desporto é dotado de seus princípios próprios, de suas singulares ca-racterísticas, e qualquer lei que não busque tais conceitos basilares será injusta e carecerá de legitimidade.14

Como se não bastasse, em que pese o inciso V não descrever em que momento da relação contratual a boa-fé deve ser atendida, diferente do Código Civil – que obriga o seu respeito na conclusão e execução do contrato –, silenciando-se, porém, sobre a fase pré e pós-contratual, imperioso pontuar que o padrão de retidão, lealdade, probidade e equi-líbrio contratual não pode ficar restrito apenas quando do cumprimento contratual, mas também deve ser atendido nas tratativas preliminares e após a devida execução.

Na fase pré-contratual, por exemplo, é possível agressão à boa--fé objetiva quando se criar expectativas legítimas de contratação, mas, injustificadamente esta não vem a se realizar, gerando, reflexamente, responsabilização pelos prejuízos sofridos.

Evidente que ninguém está obrigado a contratar; todavia, depen-dendo da forma como essas tratativas são conduzidas e do adiantado estágio de negociação, é possível a criação de expectativas justas por parte do outro contratante, que pode ter se preparado, inclusive com a geração de despesas, e, posteriormente, ser surpreendido com a inespe-rada desistência do negócio.

Interessante que a boa-fé veda comportamentos contraditórios dis-sonantes da lealdade, da confiança, já que, em sentido amplo, a nin-guém é dado o direito de se apresentar com um determinado compor-tamento e posteriormente pautar-se de modo absolutamente incoerente, com exigências contraditórias.

Entrementes, se todo contrato apresenta um escopo ou objeto prin-cipal, é importante destacar que a boa-fé objetiva não se prende somente a isso, existindo também a necessidade de observância de uma gama de deveres paralelos, como a assistência, sigilo, cooperação e informação, inexoravelmente agregados à prestação principal do contrato.

14 SOUZA, Gustavo Lopes Pires. Estatuto do torcedor. A evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei nº 10.671/2003). Belo Horizonte: Alfstudio, 2010. p. 59.

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A importância se revela na medida em que consequências jurídi-cas poderão emergir não somente quando a obrigação principal não for cumprida, mas também quando esses deveres paralelos forem desrespei-tados, como, por exemplo, o dever de sigilo.

Imaginemos a resolução contratual entre jogador e agente, em que houve troca de informações sigilosas. Ora, nenhum deles poderá usar dessas informações para benefício próprio ou prejuízo alheio, sob pena de responsabilização por ofensa a um dever paralelo advindo da boa-fé objetiva.

Outro exemplo interessante:

Imaginemos uma jovem promessa do futebol brasileiro que, ainda assis-tido por seus pais, celebre contrato de agenciamento com determinado empresário. Contudo, o citado agente deixa de adimplir suas obrigações e vai, paulatinamente, deixando de prestar serviço ao garoto. Não o leva a treinos, não edita seu DVD promocional, não prospecta oportunidades, nem, tampouco, adianta o numerário prometido à família do futuro cra-que. Em síntese, abandona-o à própria sorte, gerando no atleta e em sua família a convicção legítima de que não mais o agenciava.

Passado considerável período de tempo, sem que tenha ocorrido formal rescisão do contrato de agenciamento, o menino é contratado por grande clube europeu sem qualquer ajuda daquele seu agente original.15

Sem dúvida que o “diligente” agente não poderia cobrar qualquer tipo de participação na negociação em destaque por violação à boa-fé objetiva.

CONCLUSÃO

Por força do que fora exposto, é importante destacar que a autono-mia privada e tampouco o pacta sunt servanda estão sendo expurgados do sistema jurídico, mas sim redimensionados, pois o contrato será lei entre as partes, quando o fim social do contrato e a boa-fé objetiva forem observados.

15 MARIN, Luis Fernando. Curso de direito desportivo sistêmico. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luís Geraldo Sant’Ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (Coord.). São Paulo: Quartier Latin do Brasil, v. II, 2011. p. 420.

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Não se está desprestigiando a autonomia privada, mas apenas criando elementos para que essa autonomia não seja utilizada de ma-neira abusiva com nuances de dominação, concretizando-se dentro da seara contratual uma finalidade social na qual todos os contratantes pos-sam ganhar.

Toda essa nova sistematização advinda do uso das cláusulas gerais da boa-fé objetiva e do fim social do contrato nos leva a considerar certo afastamento da técnica usual da subsunção do plano fático à norma, eis que agora o julgador tem liberdade para solução do caso posto à sua apreciação, razão pela qual é preciso que a magistratura, mormente quando estamos diante de questões jusdesportivas, tenha a consciência de que o Direito Desportivo possui princípios próprios e uma essência particular e ímpar dos demais ramos do Direito.

Para isso, diante das características do caso concreto em paralelo com a liberdade outorgada pelas cláusulas gerais da boa-fé objetiva e do fim social do contrato, o julgador poderá e deverá buscar a decisão que melhor equalize a dignidade humana do atleta, a atividade profissional dos agentes desportivos, o interesse social das entidades desportivas e o bem comum do esporte.

REFERÊNCIAS

GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos princí-pios contratuais. Coleção Prof. Agostinho Alvim. São Paulo. Saraiva, 2004.

GONÇALVES, Carlos. Direito civil brasileiro: contratos e atos unilaterais. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MARIN, Luis Fernando. Curso de direito desportivo sistêmico. In: MACHADO, Rubens Approbato; LANFREDI, Luís Geraldo Sant’Ana; TOLEDO, Otávio Augusto de Almeida; SAGRES, Ronaldo Crespilho; NASCIMENTO, Wagner (Coord.). São Paulo: Quartier Latin do Brasil, v. II, 2011.

MELO FILHO, Álvaro. Direito desportivo: aspectos teóricos e práticos. 1. ed. São Paulo: Thomson IOB, 2006.

______. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. 1. ed. Rio de Janeiro: Maquinaria, 2011.

PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. atual. Por Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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REALE, Miguel. Pronunciamento na sessão de 29 de novembro de 2001, como membro da Academia Paulista de Letras – APL, reconstituído pelo autor, e publicado pela mesma Academia. Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2002.

RODRIGUES, Silvio. Direito civil. Parte geral. São Paulo: Saraiva, v. I, 2003.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires. Estatuto do torcedor. A evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei nº 10.671/2003). Belo Horizonte: Alfstudio, 2010.

TARTUCE, Flávio. Direito civil. Lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, v. I, 2006.

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Parte Geral – Doutrina

Os Princípios Fundamentais do Desporto, seu Amparo Constitucional e sua Efetivação

ANGELO VARGASProfessor responsável pela cátedra de Direito Desportivo da FND/UFRJ, Coordenador do GEED/FND.

SYLVIO FERREIRAAluno da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, Membro pesquisador do GEED/FND.

VANESSA ALESSIAluno da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, Membro pesquisadora do GEED/FND.

BEN BENOLIELAluno da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, Membro pesquisador do GEED/FND.

VALMIR RODRIGUESAluno da Faculdade Nacional de Direito/UFRJ, Membro pesquisador do GEED/FND.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A distinção entre princípios e regras; 2 O princípio da autonomia desportiva; 3 O princípio da diferenciação; 4 Princípio da soberania; 5 Princípio da segurança; 6 Princípio da de-mocratização; 7 Princípios incluídos pela Lei nº 10.672/2003; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Os princípios fundamentais do desporto estão positivados no art. 2º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), sendo em grande parte reprodu-ção do art. 2º da Lei nº 8.672/1993 (Lei Zico), que antecedeu a atual legislação sobre normas gerais do desporto. Muitos desses princípios encontram amparo constitucional, constituindo alguns deles meras re-petições de princípios já consagrados na Lei Maior. Porém, outros desses princípios, apesar de estarem em harmonia com a Constituição, foram positivados sob inspiração diversa.

O debate sobre a efetivação dos princípios exige que se conheçam certos pressupostos importantes, quais sejam a função dos princípios no

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ordenamento jurídico e os critérios de distinção entre regras e princípios, sobretudo o critério qualitativo defendido por Ronald Dworkin, o qual define que tais atributos seriam mandados de otimização, podendo ser cumpridos em diversas medidas de acordo com as circunstâncias fático--normativas, diferentemente das regras, que seguiriam a lógica do all or nothing1. A doutrina consagra três funções principais desempenhadas pelos princípios: função interpretativa, orientando a aplicação das regras do ordenamento jurídico; função supletiva, preenchendo as lacunas do sistema legal; e função fundamentadora, irradiando os valores que fun-cionam como o pilar fundamental do ordenamento jurídico. Segundo Barroso:

No plano jurídico, eles funcionam como referência geral para o intér-prete, como um farol que ilumina os caminhos a serem percorridos. De fato, são os princípios que dão identidade ideológica e ética ao sistema jurídico, apontando objetivos e caminhos. Em razão desses mesmos atri-butos, dão unidade ao ordenamento, permitindo articular suas diferentes partes – por vezes, aparentemente contraditórias – em torno de valores e fins comuns. Ademais, seu conteúdo aberto permite a atuação integrativa e construtiva do intérprete, capacitando-o a produzir a melhor solução para o caso concreto, assim realizando o ideal de justiça.2

Decorre da própria natureza dos princípios, apontando fins e es-tabelecendo valores, a necessidade do estabelecimento de mecanismos que ofereçam a mediação entre o objetivo normativo e a realidade. As regras, no mais das vezes, desempenham esse papel, sendo que os prin-cípios, ao estabelecerem o horizonte axiológico do ordenamento jurídi-co, não deixam de orientar a concepção das regras. Portanto, um estudo sobre a efetividade dos princípios deve tanto verificar se os mesmos es-tão de fato influenciando a interpretação dos dispositivos legais (no nos-so caso, dos dispositivos legais atinentes ao subsistema jusdesportivo) e servindo de fundamento para a edição de novas normas, quanto se as regras que deveriam lhe conferir efetividade estão sendo de fato observa-das. Podemos falar então de uma efetividade imediata dos princípios, no que diz respeito àquelas funções precípuas já analisadas, e de uma efe-tividade mediata, ao se tratar da real observância daqueles dispositivos

1 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 39-40.2 BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p.209.

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que vêm concretizar os fins impostos pelos princípios. Nesse sentido, Cezar Peluso infere que

nenhum intérprete racional, por mais crédulo que seja, poderia ter con-vicção sincera de que uma legislação federal sobre competições esporti-vas que fosse pautada apenas pelo uso de substantivos abstratos, como, por exemplo, princípios de “transparência”, “respeito ao torcedor”, “pu-blicidade” e “segurança”, pudesse atingir um mínimo de efetividade so-cial sem prever certos aspectos procedimentais imanentes às relações de vida que constituem a experiência objeto da normação. Leis que não servem a nada não são, decerto, do que necessita este país e, menos ainda, a complexa questão que envolve as relações entre dirigentes e associações desportivas.3

1 A DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS E REGRAS

A fundamental importância da distinção entre princípios e regras se deve ao maior ou menor espaço de apreciação conferido ao intér-prete. Ao longo do tempo, foram construídos alguns critérios para dis-tinguir os princípios das regras, sendo os principais deles: o critério do caráter hipotético condicional; o critério do modo final de aplicação e o critério do conflito normativo. A relevância da análise desses critérios nesse intento diz respeito ao fato de a Lei nº 9.615/1998 tratar, no seu art. 2º, como princípios o conteúdo de alguns mandamentos presentes no art. 217 da CRFB. Isso, indubitavelmente, trouxe muitos inconvenien-tes, pois, se entendermos os incisos do art. 217 da CRFB como princí-pios, poderia ocorrer uma confusão entre princípios constitucionais e infraconstitucionais de mesmo conteúdo e, se entendermos como regras, então a confusão se daria quanto ao espaço de apreciação deixado ao aplicador do Direito.

O critério hipotético condicional defende que as regras possuem uma hipótese e uma consequência que predeterminam “a decisão, sen-do aplicadas ao modo se, então; os princípios, a seu turno, indicam o fundamento a ser utilizado pelo aplicador para, futuramente, encon-trar a regra aplicável ao caso concreto”4. Ora, os incisos do art. 217 da

3 ADI 2937/DF. Inteiro Teor do Acórdão, 2012, p. 18-19. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doctp=tp&docid=2086302>. Acesso em: 30 set. 2014.

4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31.

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CRFB impõem comportamentos concretos ao Estado e não objetivos a serem alcançados. O Estado deve respeitar a autonomia das entidades desportivas, deve promover a destinação de recursos públicos priorita-riamente para o desporto educacional, deve tratar de modo diferenciado o desporto profissional e o não profissional e deve proteger e incenti-var as manifestações desportivas de criação nacional. Não se tratam de diretrizes que necessitem do caso concreto para que comportamentos realizadores sejam idealizados, mas de comportamentos específicos do Estado em relação ao desporto. Porém, Humberto Ávila já demonstrou de maneira magistral a fragilidade desse critério de distinção, “porque a existência de uma hipótese de incidência é questão de formulação linguística e, por isso, não pode ser elemento distintivo de uma espécie normativa”5. Pois bem, essa diferença de formulação linguística é justa-mente o que encontramos quando comparamos alguns incisos do art. 2º da Lei nº 9.615/1998 com os incisos do art. 217 da CRFB, e indica o cui-dado que devemos ter ao falarmos que o dito mandamento constitucio-nal contém princípios somente porque a legislação infraconstitucional o sugere. A seguir, o art. 217 da CRFB e o art. 2º da Lei nº 9.615/1998, respectivamente:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:

I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quan-to a sua organização e funcionamento;

II – a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o do desporto de alto rendimento;

III – o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não pro-fissional;

IV – a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.6

Art. 2º O desporto, como direito individual, tem como base os princípios:

I – da soberania, caracterizado pela supremacia nacional na organização da prática desportiva;

5 Idem, p. 32.6 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

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II – da autonomia, definido pela faculdade e liberdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva;

[...]

V – do direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais e não-formais;

VI – da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não-profissional;

VII – da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às mani-festações desportivas de criação nacional;

[...].7

Outrossim, vemos pela redação do caput do art. 217 da CRFB que o constituinte originário não quis fossem os incisos daquele artigo trata-dos como princípios, pois pela análise sistemática da Lex Magna vemos que artigos que tratam de princípios o fazem explicitamente como o art. 170 ou o art. 206 da CRFB, por exemplo:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho hu-mano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

[...]

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

[...].8

O critério do modo final de aplicação diz que os princípios po-deriam ser distinguidos das regras pelo fato de estas serem aplicadas de modo absoluto, “ou tudo ou nada”, enquanto aquelas de modo gradual, “mais ou menos”9. Dworkin afirma

7 BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.

8 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.9 ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 35.

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que as regras são aplicadas de modo tudo ou nada (all-or-nothing) no sentido de que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida. Os princípios, ao contrário, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, que devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros prin-cípios.10

Por fim, temos o critério do conflito normativo, que é aquele que mais nos interessa por sua implicação na efetivação das normas. Se-gundo esse critério, a antinomia entre as regras constitui conflito a ser solucionado com a declaração de invalidade de uma das regras ou com a criação de uma exceção, ao passo que o relacionamento entre os prin-cípios consiste em um imbricamento, a ser decidido mediante uma pon-deração que atribui uma dimensão de peso a cada um deles11. É exata-mente esse conceito que causa maior perplexidade por os princípios do art. 2º da Lei Pelé reproduzirem o conteúdo das regras do art. 217 da CRFB. Regras constitucionais que deveriam permitir menor liberdade ao aplicador no seu manuseio podem acabar sendo mais facilmente relati-vizadas se travestidas de princípios infraconstitucionais.

2 O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DESPORTIVA

Por sua relevância e recente discussão dos seus limites pelo Supre-mo Tribunal Federal, merece análise separada o princípio da autonomia desportiva (princípio na Lei nº 9.615/1998, mas regra no art. 217 da CRFB, conforme discussão anteriormente suscitada). A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, no inciso I do art. 217, o prin-cípio da autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento. Tal princípio é corolário da liberdade de associação, direito fundamental assegurado no inciso XVIII do art. 5º da Lei Maior, e se encontra reproduzido no rol de princípios do desporto elencados no art. 2º da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé). Esse princí-pio impõe ao Estado um dever de abstinência no que toca à intervenção na organização e no funcionamento das entidades desportivas, exigindo

10 DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously, 6. tir., p. 26; e “Is law a system of rules?”. The Philosofy of Law, p. 45. apud ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 35-36.

11 ÁVILA, Humberto. Op. cit., p. 42.

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para a sua efetivação um não fazer do Estado. Esse princípio teve sua abrangência discutida pelo Supremo Tribunal Federal durante o julga-mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.937/DF, que pedia que alguns dispositivos normativos da Lei nº 10.671/2003 (Estatuto do Torcedor) fossem considerados inconstitucionais, entre outros motivos, por desrespeitarem a autonomia das entidades desportivas. Tal foi a ar-gumentação do requerente:

O princípio da autonomia desportiva, aplicável às associações e entida-des desportivas dirigentes, no que toca a sua organização e funciona-mento, impediria a existência de leis que se imiscuíssem nas questões internas da administração esportiva, ostentando tal garantia plena com-patibilidade com um regime democrático e não-autoritário. A forma de organização e funcionamento das entidades desportivas é assunto interna corporis, a respeito do qual não deve haver intromissão estatal.

[...]

De forma diversa, a autonomia desportiva não teria nenhum condicio-nante ou limitação nos princípios e normas constitucionais, não havendo nenhuma restrição, explícita ou – o que seria inadmissível – implícita a ela. Portanto, a legislação ordinária desportiva não pode derrogar, e nem mesmo regulamentar (à falta da expressão “nos termos da lei”), o prin-cípio da autonomia desportiva, cuja sede é constitucional, devendo-se afastar o dirigismo desportivo consubstanciado no estatuto do torcedor. A autonomia, que é garantia constitucional e cláusula pétrea, traduz-se nos direitos à autorregulação e à auto-organização, compreendidos no direi-to de associação (liberdade de associação e vedação de interferência es-tatal no seu funcionamento, previstos no art. 5º, XVII e XVIII), afigurando--se inconstitucional restringi-la por intermédio de legislação ordinária.12

Em um ponto havemos de concordar com o requerente: a liberda-de de associação só pode ser limitada visando à concretização de outro princípio constitucional, e não por meio de legislação ordinária. Não se está defendendo aqui que no caso em questão houve limitação a esse princípio, mas que tal só poderia ocorrer no caso de conflito com ou-tro princípio de índole constitucional que o intérprete no caso concreto

12 ADI 2937/DF. Inteiro Teor do Acórdão, 2012, p. 7-8. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302>.

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julgasse importante realizar em mais alto grau. Nesse sentido, ensina Barroso:

Ocorre que, em uma ordem jurídica pluralista, a Constituição abriga princípios que apontam em direções diversas, gerando tensões e even-tuais colisões entre eles. [...] Como todos esses princípios têm o mesmo valor jurídico, o mesmo status hierárquico, a prevalência de um sobre outro não pode ser determinada em abstrato; somente à luz do caso con-creto será possível atribuir maior importância a um do que a outro.13

A Advocacia do Senado Federal, propondo a improcedência da ação, fundamentou seu entendimento, no pertinente ao tema deste estu-do, nas seguintes razões a seguir resumidas:

A autonomia desportiva não é absoluta, devendo-se avaliar o limite entre liberdade de organização e independência administrativa, de um lado, e o respeito ao ordenamento jurídico pátrio, de outro. Deve-se harmonizar a autonomia desportiva com a fixação de normas gerais sobre desporto, pois não se pode confundir aquela com ausência anárquica de normas. As entidades desportivas e associações “devem respeito integral às nor-mas previstas na legislação. [...] Ao mesmo tempo em que são livres para decidir sobre questões interna corporis de suas organizações, não estão desobrigadas do cumprimento dos demais ditames constitucionais, bem como das diretrizes estabelecidas pelas legislações civil, tributária, traba-lhista, penal e previdenciária”.14

Nesse ponto é importante realizar uma distinção. Não se deve confundir a relação entre as entidades desportivas e a legislação ordiná-ria, com a relação entre uma norma constitucional e a legislação infra-constitucional. É claro que as entidades desportivas devem obediência à legislação ordinária, mesmo que se entenda que ela fere um direito constitucional (deve-se lembrar que, no Brasil, quem detém a compe-tência para dizer se uma norma é ou não constitucional é o Supremo Tribunal Federal, e, até que ele declare a inconstitucionalidade de uma norma, considera-se que ela é constitucional e, portanto, deve ser cum-prida). Mas isso não significa que o preceito constitucional da autono-mia das entidades desportivas deva observância à legislação ordinária.

13 BARROSO, Luis Roberto. Op. cit., p. 208.14 ADI 2937/DF. Inteiro Teor do Acórdão, 2012, p. 14. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/

paginador.jsp?docTP=TP&docID=2086302>.

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Isso subverteria a hierarquia do nosso sistema jurídico e é a essa questão que, a nosso ver, se refere a argumentação do requerente.

O princípio da autonomia desportiva, ao ponto que mantém ínti-ma relação com a liberdade de associação, se conecta com o princípio da liberdade, expresso pela livre prática do desporto, de acordo com a capacidade e o interesse de cada um, associando-se ou não à entidade do setor, conforme enuncia o inciso IV do art. 2º da Lei nº 9.615/1998. Eis que esse princípio também encontra suas bases constitucionais na li-berdade de associação, nomeadamente no inciso XX do art. 5º da Cons-tituição da República Federativa do Brasil, segundo o qual ninguém po-derá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

3 O PRINCÍPIO DA DIFERENCIAÇÃO

O princípio da diferenciação consubstancia-se no tratamento es-pecífico dado ao desporto profissional e o não profissional, conforme enuncia o inciso IV do art. 2º da Lei nº 9.615/1998. Trata-se de repetição do conteúdo do inciso III do art. 217 da Constituição, que na verdade não se trata de um princípio, mas de uma regra que impõe que o Estado trate de maneira diferenciada o desporto profissional e o não profissio-nal. Em análise mais acurada, o profissionalismo não está relacionado ao desporto, mas ao atleta que o pratica. Atleta profissional é aquele que possui um contrato especial de trabalho desportivo com uma entidade de prática desportiva. “Art. 28. A atividade do atleta profissional é ca-racterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente: [...]”15.

Toda a espécie de desporto pode ser praticada de modo profissio-nal ou não. O desporto educacional, o desporto militar e o praticado por menores de até dezesseis anos são obrigatoriamente não profissionais por força do art. 44 da Lei Pelé.

Art. 44. É vedada a prática do profissionalismo, em qualquer modalidade, quando se tratar de:

15 BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.

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I – desporto educacional, seja nos estabelecimentos escolares de 1º e 2º graus ou superiores;

II – desporto militar;

III – menores até a idade de dezesseis anos completos.16

O que se quis garantir com esse princípio foi de um lado impedir que as exigências quanto à organização e disciplina desportiva abran-gessem seus praticantes não profissionais, e, de outro, que as obrigações das entidades desportivas como entes exploradores de atividade eco-nômica se estendessem além do desporto praticado profissionalmente. A seguir, o conceito legal de entidade desportiva profissional, na Lei nº 9.615/1998:

Art. 27. [...]

[...]

§ 10. Considera-se entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de adminis-tração de desporto profissional.17

Esse segundo viés desse princípio vem enunciado no inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei Pelé. O princípio da diferenciação não deixa de estar relacionado com a destinação prioritária de recursos para o desporto educacional, modalidade obrigatoriamente não profissional por força do art. 44, I, da Lei nº 9.615/1998. A destinação prioritária de recursos também tem índole constitucional, sendo tratada no inci-so II do art. 217 da nossa Constituição e reproduzida no inciso VIII do art. 2º da Lei nº 9.615/1998 como o princípio da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e par-ticipante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional.

Vale ressaltar que o princípio da diferenciação de tratamento en-tre o desporto profissional e o não profissional em nada fere o princí-pio constitucional da igualdade, pois as categorias jurídicas são tratadas

16 Idem.17 Idem.

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de maneira distinta pelo motivo razoável de não se exigir prestações desproporcionais daqueles que praticam o desporto sem vínculo pro-fissional, e essa distinção é constitucionalmente relevante, ao ponto de figurar no art. 217, III, da CRFB. Nesse ínterim, vale lembrar as lições de Bandeira de Mello sobre o princípio da igualdade:

Há ofensa ao preceito constitucional da isonomia quando:

I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determi-nado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.

II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferencia-ção de regimes, elemento não residente nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial.

III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção a fator de desdrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de regimes outorgados.

IV – A norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato, mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de qual-quer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.

V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, dese-quiparações que não professadamente assumidas por ela de modo claro, ainda que por via implícita.18

4 PRINCÍPIO DA SOBERANIA

O princípio da soberania caracterizado pela supremacia nacional na organização da prática desportiva relaciona-se com a própria sobera-nia do Estado, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Houve uma recente discussão, consubstanciada principalmente na ADI 4.976, se a Lei nº 12.663/2012 (Lei Geral da Copa) feriria esse princípio. A Lei Geral da Copa dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Con-federações FIFA 2013, à Copa do Mundo FIFA 2014 e à Jornada Mundial da Juventude 2013, altera as Leis nºs 6.815/1980 e 10.671/2003, e con-

18 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 47-48.

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cede prêmio em dinheiro e auxílio especial mensal aos jogadores das seleções campeãs do mundo em 1958, 1962 e 1970. A questão relevan-te para a nossa análise é se ela estaria ferindo o princípio da soberania ao positivar na nossa legislação garantias exigidas pela FIFA para que o Brasil sediasse os eventos esportivos citados. Perfeita foi a argumentação da Advocacia-Geral da União, nesse sentido:

A Lei Geral da Copa insere-se no arcabouço normativo elaborado com o fim de viabilizar a realização dos grandes eventos esportivos no Brasil. O referido diploma legal constitui instrumento utilizado para internalizar, no plano jurídico, garantias conferidas pelo País à FIFA – Fédération Internationale de Football Association, associação suíça de direito priva-do que regula o futebol em nível mundial. Como se sabe, a realização da Copa do Mundo de 2014 no Brasil e, consequentemente, da Copa das Confederações de 2013, não constitui ato decorrente de imposição da FIFA ao País, pois resulta de um processo de escolha, pela entidade internacional, da candidatura espontânea do Brasil para sediar tais even-tos, mediante a adesão voluntária das condições fixadas pela Federação. Assim, o cumprimento dos compromissos adotados pelo governo brasi-leiro perante a FIFA é a contrapartida oferecida pelo País para obter os benefícios proporcionados pela realização desses eventos esportivos. [...] Acerca das garantias oferecidas pelo governo brasileiro à FIFA, Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos e Luiz Felipe Guimarães Santoro, trazem o seguinte entendimento: [...] a FIFA solicitou ao Governo Federal a assi-natura de doze garantias governamentais para a realização do evento no Brasil. Mais ainda, esta própria entidade que é reconhecida pelo orde-namento jurídico brasileiro como integrante de um sistema, que possui a prerrogativa de regrar suas atividades especiais voltadas à organiza-ção do esporte, solicitou à União a edição de normas que possibilitem a aplicação das mesmas garantias acima citadas em território nacional. Desse modo, ainda à época da candidatura do Brasil a sediar a Copa de 2014, houve a decisão soberana de nosso país em se comprometer com o conjunto de garantias apresentadas. É justamente por se portar como potência soberana, respeitante de sua construção enquanto um estado democrático de direito, que a aplicação dos compromissos internamente se dará sempre de acordo com o que dita a Constituição Federal e os princípios regentes de nossa República.19

19 ADI 4976. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adi_4976_voto_mrl.pdf>. Acesso em: 2 out. 2014.

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5 PRINCÍPIO DA SEGURANÇA

O princípio da segurança no desporto dispõe sobre a proteção e garantia psicofísica de seu praticante, elencado no art. 2º, XI, da Lei nº 9.615 (Lei Pelé). Este dispositivo legal, amparado pelas garantias funda-mentais expressamente previstas na Lex Magna, conecta-se a uma das mais importantes finalidades do desporto, qual seja a promoção da saú-de, que pode ser observada, ainda, no art. 196 da Constituição Federal.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido median-te políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.20

Diante disto, evidencia-se a necessidade de que o princípio da segurança esteja presente em todas as dimensões da prática desportiva, descritas na Lei Pelé, quais sejam, educacional, de participação e alto rendimento. Vale ressaltar que, embora seja um pilar comum a todas estas dimensões do desporto, irá conduzi-las de diferentes formas, aten-dendo às prioridades de que cada uma necessita.

O desporto educacional, cuja finalidade é possibilitar o desenvol-vimento do indivíduo em amplitude ético-profissional e socioeducativa, muito comum em centros acadêmicos de formação da criança e do ado-lescente, estabelece meios para que os praticantes exercitem não só suas capacidades motoras, tais como reflexo e percepção, como também sua formação como cidadão.

Neste sentido, a integridade mental a que se refere o princípio da segurança, no desporto educacional, deve ser compreendida a partir de uma interpretação teleológica, como desenvolvimento psicológico, no qual o praticante, ao conviver em grupo, ao respeitar às regras da moda-lidade e ao absorver as noções de disciplina, estará sendo formado para tal finalidade.

Em consonância ao raciocínio supracitado, faz-se necessário in-terpretar a integridade física aos moldes do desenvolvimento psíquico, isto é, compreender que a função do desporto educacional no âmbito

20 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

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físico também propicia a formação corpórea, estimulando os sistemas muscular, respiratório e cardiovascular, entre outros inúmeros benefí-cios à saúde.

Portanto, o princípio da segurança na dimensão desportiva edu-cacional, na forma do art. 3º, I, da Lei nº 9.615, destaca a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo, restando indubita-velmente indispensável sua observância e aplicabilidade nesta seara do desporto, de acordo com as ideias elencadas.

Entre as três dimensões do desporto, estabelecidas pela Lei nº 9.615/1998, é na de rendimento que o princípio da segurança en-contra mais relevante incidência. Isto ocorre devido à intensidade com a qual esse é disputado e à sua finalidade, determinada pelo art. 3º, III, da referida lei:

Art. 3º O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes ma-nifestações:

[...]

III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalida-de de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.21

É esta “finalidade de obter resultados” que muitas vezes leva os desportistas a não questionarem os meios empregados na busca do ob-jetivo esportivo. Diante disso, muitas vezes os atletas treinam e disputam as competições sem reais condições físicas e mentais, precisando de tra-tamentos médicos paliativos como injeções de anti-inflamatórios antes das disputas, por exemplo. Aliados a isso estão os interesses de explora-ção econômica sobre as modalidades desportivas.

Devido a esse contexto, o princípio da segurança tem a importante função de incidir sobre as normas que regem o desporto de rendimen-to, visando proteger os atletas de situações degradantes para a própria saúde, entendendo que sua integridade física, mental e sensorial precisa ser resguardada. Por isso, na Lei nº 9.615/1998, além de estar elencado

21 BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.

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no art. 2º, o princípio da segurança é o que oferece fundamento para o art. 45, o qual obriga as entidades de prática desportiva a contratarem seguro de vida e acidentes pessoais para os atletas. In verbis:

Art. 45. As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar se-guro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.22

Ocorre, porém, que o art. 94 da Lei nº 9.615/1998 restringe os limites dessa obrigação apenas às entidades de prática desportiva de futebol:

Art. 94. O disposto nos arts. 27, 27-A, 28, 29, 29-A, 30, 39, 43, 45 e no § 1º do art. 41 desta Lei será obrigatório exclusivamente para atletas e entidades de prática profissional da modalidade de futebol.23

Tal cenário evidencia um distanciamento grande entre os princí-pios norteadores do direito desportivo e a prática desportiva de rendi-mento. Trata-se de mais um reflexo de termos uma lei que se propõe a instituir normas gerais do desporto, mas que foi visivelmente pensada para o futebol. Devido ao negligenciamento das entidades de prática desportivas do futebol no cumprimento da obrigação extraída do art. 45 da Lei Pelé, existe o Projeto de Lei do Senado Federal nº 531, de 2011, que altera o art. 45 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), para exigir a com-provação de contratação de seguro como condição para participação de atletas e treinadores nas competições que especifica. Eis a justificativa para o projeto de lei:

Atribuindo à entidade responsável pelo registro do atleta a obrigação de exigir comprovação de contratação dos seguros, estaremos dividindo a responsabilidade pela fiscalização do cumprimento da lei entre o Estado, as entidades administradoras e a própria sociedade civil, em especial os meios de comunicação. Acreditamos que o resultado da aplicação des-sa modificação que propomos na Lei Pelé, se aprovada pelo Congresso Nacional, será a multiplicação de agentes fiscalizadores do efetivo cum-primento do disposto no art. 45 e seus parágrafos.24

22 Idem.23 Idem.24 PLS 531/2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_

mate=101929>. Acesso em: 15 out. 2014.

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No desporto de participação, o princípio da segurança, mesmo irradiado de forma menos literal do que nas demais dimensões citadas anteriormente, parece atendê-lo na diretriz de uma qualidade de vida coletiva, isto é, mais do que garantir a integridade psicofísica individual e sua formação como cidadão, veicula o esporte a uma corrente social e abrangente, concentrando diferentes grupos a um mesmo denominador comum, em que não há divisão por critérios religiosos, sexuais, raciais, ideológicos, performance física, faixa etária ou de renda. Há, portanto, uma preocupação diametralmente oposta, ditada pela união das diferen-ças para afirmação e integração, no tempo e no espaço, da cultura social do desporto, pautando-se, desta forma, em projetos de universalização do acesso ao esporte, de demanda aos idosos e de formação de agentes e gestores.

6 PRINCÍPIO DA DEMOCRATIZAÇÃO

O princípio da democratização do desporto é caracterizado pelo livre acesso de todo cidadão à prática desportiva, sem qualquer tipo de discriminação, como versa o inciso III do art. 2º da Lei nº 9.615/1998. Nas palavras de Tubino, “democratizar o esporte é assegurar a igualdade de acesso à prática esportiva para todas as pessoas”25.

Este princípio possui estreita relação com o princípio da isono-mia retratado na Lei Maior e que abre o título destinado aos chamados Direitos e Garantias Fundamentais. Conforme artigo da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natu-reza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]26 (grifo nosso)

O Constituinte brasileiro ainda faz menções expressas de rejeição ao racismo e à discriminação contra mulheres nos incisos XLII e I do artigo constitucional supracitado. Apesar desta previsão constitucional, Tubino assinala:

25 TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 2001. p. 24.26 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

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Atualmente, a ausência de uma prática democrática esportiva é observá-vel nas modalidades que restringem a participação popular pelo alto cus-to do material a ser utilizado e pela impossibilidade financeira de acesso para pessoas de estratos sociais de nível mais baixo.27

No âmbito desportivo, o Estatuto da FIFA, entidade máxima do futebol, também faz menção à luta contra a discriminação em seu art. 3º:

3. Não discriminação e luta contra o racismo.

Discriminação de qualquer gênero contra um País, pessoa privada ou grupo de pessoas devido à raça, cor de pele, etnia, origem nacional ou social, gênero, idioma, religião, opção política ou de qualquer outro tipo, condição econômica, nascimento ou qualquer outra condição, orienta-ção sexual ou qualquer outra razão é estritamente proibida e punível por suspensão ou expulsão.28 (tradução nossa)

A Justiça Desportiva Brasileira não fica para trás e possui previsão expressa do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, cuja sanção pode atingir não apenas o atleta, como também a entidade de prática despor-tiva e aos torcedores, que também podem enfrentar consequências em outras esferas:

Art. 243-G. Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, rela-cionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

§ 2º A pena de multa prevista neste artigo poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios nele tipificados, e os torcedores identificados ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.29

Vale ressaltar ainda que o amplo acesso de todos ao esporte é be-néfico a toda a sociedade, como nos mostram as ideias de Cotta (1981), citado por Tubino:

27 TUBINO, Manoel José Gomes. Op. cit., p. 25-26.28 FIFA. Estatuto da Fédération Internationale de Football Association, edição de agosto de 2014. Disponível em:

<http://www.fifa.com/mm/document/affederation/generic/02/41/81/55/fifastatuten2014_e_neutral.pdf>. Acesso em: 6 out. 2014.

29 BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. São Paulo: IOB, 2010.

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[...] dizendo que ele: a) é um meio de socialização; b) favorece, pela atividade coletiva, o desenvolvimento da consciência comunitária; c) é uma atividade de prazer, ativa para os praticantes e passiva para os que assistem aos espetáculos esportivos; d) exerce uma função de coesão social, ora favorecendo a identificação social, ora representando sim-bolicamente o corpo esportivo da nação; e) desempenha um papel de compensação, pelo prazer, contra o excesso de industrialização.30

7 PRINCÍPIOS INCLUÍDOS PELA LEI Nº 10.672/2003

A “Lei de Moralização do Futebol”, como ficou conhecida a Lei nº 10.672/2003, trata-se de conversão em lei da Medida Provisória nº 79/2002. Ela alterou uma série de dispositivos da Lei Pelé e incluiu no rol de princípios fundamentais do desporto do art. 2º uma série de preceitos ligados à exploração do desporto como atividade econômica. Lei nº 9.615/1998:

Art. 2º [...]

[...]

Parágrafo único. A exploração e a gestão do desporto profissional cons-tituem exercício de atividade econômica sujeitando-se, especificamente, à observância dos princípios:

I – da transparência financeira e administrativa;

II – da moralidade na gestão desportiva;

III – da responsabilidade social de seus dirigentes;

IV – do tratamento diferenciado em relação ao desporto não profissional; e

V – da participação na organização desportiva do País.31

Esses princípios talvez sejam os que mais carecem de efetivação, pois são aqueles que estabelecem os fins mais distantes da realidade vi-

30 TUBINO, Manoel José Gomes. Op. cit., p. 16-17.31 BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras

providências.

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venciada no desporto brasileiro. Nessa linha de pensamento, Ana Paula de Barcelos (2002) ensina:

A realidade é, por natural, um elemento indissociável do pensamento ju-rídico, embora não caiba a este reproduzi-la, pois se o direito se limitasse a repetir a realidade, seria totalmente desnecessário. Porém, existe uma distância máxima que há de mediar entre o dever ser normativo e o ser do mundo dos fatos, para que continue a existir comunicação entre os dois mundos e a realidade mantenha, assim, um movimento progressivo de aproximação do dever ser. Ultrapassado esse limite, e rompido esse equilíbrio, o direito perde a capacidade de se comunicar com os fatos.32

Analisando a exposição de motivos da referida lei, vemos quão atuais são seus fundamentos e quão pouco avançamos na consecução dos seus objetivos.

A prática do desporto profissional tem se tornado cada vez mais comum no Brasil. Esse fato deve-se a variados fatores, dentre eles, principalmen-te, a habilidade dos atletas nacionais e a ampla difusão do esporte por todos os cantos deste imenso país.

2. Ocorre, entretanto, que o esporte profissional não é somente patrimô-nio cultural de interesse geral, mas, também, configura atividade econô-mica. Patrocínios, transações envolvendo jogadores, venda dos direitos de transmissão, enfim, a atividade envolve contratos milionários e tem, como principal objetivo, a obtenção de lucro.

3. Desse modo, não há como negar a natureza econômica da gestão e exploração do desporto profissional.

4. Hoje, entretanto, as entidades desportivas envolvidas em competições de desporto profissional – entidades de prática desportiva, entidades de administração do desporto e ligas – têm a natureza jurídica de associa-ções civis. Esse fato impede a fiscalização, seja por parte do Governo, dos eventuais investidores, seja dos próprios associados, que não dis-põem de instrumentos para obrigar seus dirigentes a adotar políticas de austeridade e transparência dentro das entidades esportivas.

5. A situação econômico-financeira das entidades esportivas, principal-mente das entidades de prática desportiva, é crítica. A evasão de rendas

32 BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de janeiro: Renovar, 2002. p. 235.

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e as enormes dívidas com a Previdência Social, com a Receita Federal e as decorrentes de condenações trabalhistas geram uma espécie de para-lisação financeira de muitos dos maiores clubes do Brasil. Além disso, o modelo de gestão adotado por essas entidades é motivo de desconfiança por parte dos potenciais investidores, reduzindo, cada vez mais, o capital injetado no setor.33

Anteriormente em nosso estudo, fizemos a distinção entre a efi-cácia imediata dos princípios, a qual se refere à efetivação das funções precípuas dos princípios, tais quais a função de vetor hermenêutico para a interpretação das regras e a própria orientação na elaboração de me-canismos legais que assegurem a persecução dos fins nela consagrados; e a eficácia mediata, garantida na real observação dos mecanismos le-gais que confiram executividade aos princípios e na eventual sanção decorrente de sua violação. Enquanto a eficácia imediata dos princípios está mais relacionada com a atuação dos Poderes Judiciário e Legis-lativo, este elaborando regras para mediar a atuação dos princípios e aquele utilizando os princípios como filtro interpretativo no momento de aplicação das normas ao caso concreto, a eficácia mediata se refere em maior grau ao Poder Executivo, pois dele depende a organização do aparato institucional que permitirá a fiscalização da real observância dos mecanismos legais que conferem a mediação entre os princípios e o mundo fático, assim como a eventual punição dos responsáveis. No caso dos princípios elencados nos incisos do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.615/1998, podemos afirmar que a falha se encontra no campo da efetividade mediata, pois a legislação desportiva, na medida do possível, criou regras passíveis de auxiliarem na persecução dos ob-jetivos propostos.

Na lição de Paulo Schimidt, é possível compreender a semelhança dos princípios sob análise com os da Lei de Responsabilidade Fiscal:

Após uma análise detalhada dos princípios acima referenciados, pode-mos nominá-la de uma ““medida de boas intenções”. O por quê desse rótulo? Todos os princípios eleitos foram emprestados do conceito de Responsabilidade Fiscal inseridos explícita ou implicitamente na própria

33 EM 49/MET. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/exm/2002/49-met-02.htm>. Acesso em: 8 out. 2014.

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LRF. Vejamos alguns princípios da LRF citados por Edson Ronaldo do Nascimento e Ilvo Debus e que comparamos com a sobredita lei:

Equilíbrio e planejamento – não gastar mais do que se arrecada e pla-nejar, antes de executar (LRF) = moralidade na gestão desportiva (Lei nº 10.672/2003)

Transparência – prestar contas e informar à sociedade (LRF) = Transpa-rência financeira e administrativa (Lei nº 10.672/2003)

Participação – governar com o cidadão e não contra o cidadão (LRF) = Participação na organização desportiva do país (Lei nº 10.672/2003)

Álvaro Melo Filho (Novo Regime Jurídico do Desporto, p. 14) afirma que a Lei Pelé é um clone jurídico em 53% da Lei Zico. Então, teríamos com a Lei nº 10.672/2003 um clone conceitual ou principiológico da LRF?34

CONCLUSÃO

Os princípios fundamentais do desporto, devido à importância do complexo axiológico que consagram, representam o pilar fundamental em que deve se assentar a análise da legislação desportiva. Porém, deve--se recordar que o art. 217 da Constituição da República Federativa do Brasil, fundamento de validade de todo o Ordenamento Jurídico Brasi-leiro, impõe deveres ao Estado que não podem, sob as vestes de legisla-ção infraconstitucional, ser relativizados perante os princípios elencados no art. 2º da Lei Pelé.

São assaz perigosos os efeitos que uma confusão de tal gênero pode causar, pois consistiria hipótese em que a legislação ordinária pos-sibilita a deturpação pelos operadores do direito de deveres estabele-cidos pelo Poder Constituinte Originário. Não se pode olvidar que aos deveres do Estado elencados no art. 217 da CRFB correspondem aos direitos dos cidadãos, que, quando tolhidos pelo próprio Estado, tornam a efetividade social das leis tarefa cada vez mais árdua. Nos ensinamen-tos de Dworkin:

34 SCHIMIDT, Paulo Marcos. Regime jurídico e princípios do direito desportivo, p.16-17. Disponível em: <http://www.esporte.pr.gov.br/arquivos/File/regime_juridico.pdf>. Acesso em: 8 out. 2014.

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O governo não irá restabelecer o respeito pelo direito se não conferir à lei alguma possibilidade de ser respeitada. Não será capaz de fazê-lo se negligenciar a única característica que distingue o direito da brutalidade organizada. Se o governo não levar os direitos a sério, é evidente que também não levará a lei a sério.35

REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2005.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo: Malheiros, 1999.

BARCELOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de janeiro: Renovar, 2002.

BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva. São Paulo: IOB, 2010.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

TUBINO, Manoel José Gomes. Dimensões sociais do esporte. São Paulo: Cortez, 2001.

referências eletrônicas

ADI 2937/DF. Inteiro Teor do Acórdão, 2012. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?doctp=tp&docid=2086302>. Acesso em: 30 set. 2014.

ADI 4976. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adi_4976_voto_mrl.pdf>. Acesso em: 2 out. 2014.

EM 49/MET. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/exm/2002/49-met-02.htm>. Acesso em: 8 out. 2014.

FIFA. Estatuto da Fédération Internationale de Football Association. Edição de agosto de 2014. Disponível em: <http://www.fifa.com/mm/document/affede-ration/generic/02/41/81/55/fifastatuten2014_e_neutral.pdf>. Acesso em: 6 out. 2014.

35 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 314.

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PLS 531/2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=101929>. Acesso em: 15 out. 2014.

SCHIMIDT, Paulo Marcos. Regime jurídico e princípios do direito desportivo, p. 16-17. Disponível em: <http://www.esporte.pr.gov.br/arquivos/File/regime_juridico.pdf>. Acesso em: 08 out. 2014.

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Parte Geral – Doutrina

Bolsa Aprendizagem e as Consequências pelo Não Pagamento

LOUIS AUGUSTO DOLABELA IRRTHUMAdvogado do Escritório Lucchesi Dolabela, atuando com Direito Civil, Consumidor, Família e Desportivo, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG, Membro do Insti-tuto Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, Especialista em Direito Desportivo e Negócios, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais.

RESUMO: O presente artigo pretende discutir as consequências pelo não pagamento da bolsa de aprendizagem prevista no art. 29, § 4º, da Lei Pelé.

PALAVRAS-CHAVE: Bolsa aprendizagem; ausência pagamento; consequências; Lei Pelé.

ABSTRACT: This article discusses the consequences for no-payment of the learning scholarship pro-vided for in art. 29, § 4º, of the Act Pelé.

KEYWORDS: Learning Scholarship; no payment; consequences; Pelé Law.

O art. 29, § 4º, da Lei Pelé, incluído pela Lei nº 10.672/2003, permite que o atleta não profissional em formação, maior de quatorze e menor de vinte anos de idade, receba auxílio financeiro da entidade de prática desportiva formadora, sob a forma de bolsa de aprendizagem livremente pactuada mediante contrato formal, sem que seja gerado vín-culo empregatício entre as partes.

Segundo a Lei Pelé, é considerada formadora de atleta a entidade de prática desportiva que:

I – forneça aos atletas programas de treinamento nas categorias de base e complementação educacional; e

II – satisfaça os seguintes requisitos:

a) estar o atleta em formação inscrito por ela na respectiva entidade re-gional de administração do desporto há, pelo menos, um ano;

b) comprovar que, efetivamente, o atleta em formação está inscrito em competições oficiais;

c) garantir assistência educacional, psicológica, médica e odontológica, assim como alimentação, transporte e convivência familiar;

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d) manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, segurança e salubridade;

e) manter corpo de profissionais especializados em formação técnico--desportiva;

f) ajustar o tempo destinado à efetiva atividade de formação do atleta, não superior a 4 (quatro) horas por dia, aos horários do currículo es-colar ou de curso profissionalizante, além de propiciar-lhe a matrícula escolar, com exigência de frequência e satisfatório aproveitamento;

g) ser a formação do atleta gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva;

h) comprovar que participa anualmente de competições organizadas por entidade de administração do desporto em, pelo menos, duas catego-rias da respectiva modalidade desportiva;

i) garantir que o período de seleção não coincida com os horários esco-lares.

Por sua vez, o contrato formal mencionado pelo art. 29, § 4º, nos termos do § 6º do artigo em questão, e incluído pela Lei nº 12.395/2011, deverá conter obrigatoriamente a identificação das partes e dos seus re-presentantes legais, duração do contrato, direitos e deveres das partes contratantes, inclusive garantia de seguro de vida e de acidentes pesso-ais para cobrir as atividades do atleta contratado e especificação dos de gasto para fins de cálculo da indenização com a formação desportiva.

Em nossa rotina profissional, diariamente somos consultados por pais de atletas que dizem que a entidade de prática desportiva formado-ra não vem realizando o pagamento da bolsa aprendizagem descrita no art. 29, § 4º, da Lei Pelé, e prevista no contrato de formação desportivo celebrado entre o atleta não profissional em formação e o clube. “O que fazer?”

Salvo melhor juízo, a questão posta é de fácil solução. Contudo, acreditamos que a Lei Pelé poderia ter previsão escrita quanto às con-sequências pelo não pagamento da bolsa aprendizagem pela entidade de prática desportiva formadora. Entre elas, poderia prever a Lei que o clube não cumpridor de suas obrigações deveria indenizar o atleta em formação em valor correspondente à totalidade da bolsa aprendizagem prevista no contrato de formação, eis que culpado por sua rescisão pre-

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matura, bem como prever a perda do certificado de clube formador, sendo talvez essa referida penalidade a mais gravosa de todas.

Isto porque, ao perder a qualidade de clube formador, a entidade de prática desportiva perderá todas as garantias legais, entre elas a possi-bilidade de receber indenização caso fique impossibilitada de assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo com o atleta.

Pois bem. Ao não realizar o pagamento da bolsa aprendizagem, a entidade de prática desportiva formadora permite ao atleta em formação o ajuizamento de ação em que buscará a rescisão do contrato de forma-ção e a obtenção de atestado liberatório para que possa ser contratado por outras entidades esportivas e exercer legalmente sua profissão.

O prejuízo causado à entidade de prática desportiva por não cum-primento de suas obrigações é imenso. A uma: o atleta conseguirá na Justiça a obtenção de atestado liberatório para que possa ser contra-to por outra entidade, sem qualquer ônus. A duas: ao descumprir suas obrigações, a entidade formadora perderá o direito ao recebimento de indenização pela formação do atleta, a qual se encontra prevista no art. 29, § 5º, da Lei Pelé.

Leciona o Mestre Carlos Eduardo Ambiel (Direito do Trabalho Desportivo. Os aspectos jurídicos da Lei Pelé frente às alterações da Lei nº 12.395/2011. LTr, 2013, p. 167):

Desde a assinatura de um contrato de formação com o atleta aprendiz, a entidade de prática desportiva passa a ter uma série de obrigações, sem as quais nenhuma das vantagens que a lei confere pela formação poderá ser exigida. Algumas dessas obrigações devem constar do próprio contra-to de formação, como a fixação dos valores e beneficiários de seguro de vida e acidentes pessoais.

A justiça vem concedendo aos atletas em formação o atestado li-beratório em razão do não pagamento de bolsa aprendizagem pela en-tidade formadora.

A legislação assegura ao menor a ampla liberdade de praticar es-portes, e reza a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 227, que

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é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimen-tação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, explora-ção, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/1990, disci-plina, em seu art. 4º, ser

dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos re-ferentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

E o art. 16 desta mesma Lei diz que o direito à liberdade compre-ende brincar, praticar esportes e divertir-se.

É certo que o art. 29 da Lei Pelé faculta a assinatura do primeiro contrato especial de trabalho desportivo com a entidade formadora. A entidade de prática desportiva formadora tem apenas a preferência à celebração do primeiro contrato especial de trabalho como profissional, mas isso não significa que o atleta em formação está obrigado a vincu-lar-se à entidade, especialmente quando esta descumpre o contrato de formação, seja com a não realização do seguro de vida e acidentes pes-soais, ou com o não pagamento da bolsa de aprendizagem.

Do contrário, caso se entende pela obrigatoriedade de vinculação à entidade formadora, estaríamos vivenciando nova espécie de escravi-dão e verdadeira violação à liberdade de trabalhar e contratar.

Cabe à justiça, quando provocada, ao verificar o não cumprimen-to do contrato de formação pela entidade de prática desportiva, decla-rar o mesmo rescindido e conceder o atestado liberatório ao atleta em formação para que possa ser contratado por outras entidades esportivas e exercer legalmente sua profissão, não podendo a entidade formadora exigir ressarcimento dos custos de formação ou qualquer compensação financeira.

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REFERÊNCIAS

AMBIEL, Carlos Eduardo. Direito do Trabalho Desportivo. Os aspectos jurídi-cos da Lei Pelé frente às alterações da Lei nº 12.395/2011. LTr, 2013.

www.planalto.gov.br

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Parte Geral – Doutrina

Violência no Âmbito Desportivo

MARCIO DE SOUZA PEIXOTOBacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Pós-Graduado em Direito Público e Privado pela Escola Superior do Ministério Público, Professor Universitário e Pós--Graduado em Segurança Pública pela UFRJ.

SUMÁRIO: Introdução; I – Gênese da violência; II – A violência no contexto brasileiro; III – A res-ponsabilização no universo desportivo; Referências; IV – Anexo.

INTRODUÇÃO

Minha viagem nas extensas avenidas do Direito Desportivo, no meio acadêmico e na área relativa à segurança pública, instigou a ten-tativa de contribuir para o enriquecimento deste significativo tema. Não há a pretensão de esgotar o assunto, nem de fazer uma enciclopédia da violência e agressividade no âmbito das torcidas organizadas, mas esti-mular o leitor a fomentar e promover práticas com o intuito de banir ou mitigar ações deletérias tendentes a desarmonizar o interesse coletivo envolvido em eventos desportivos.

Diligencio no sentido de examinar algumas ações marginais, tanto em abstrato quanto em casos concretos, que envolvam a violência prati-cada por membros de torcidas organizadas em face dos preceitos advin-dos do estatuto de defesa do torcedor, respeitando os limites objetivos e subjetivos dos direitos e das garantias fundamentais, assim como os efeitos decorrentes do comportamento social das torcidas organizadas.

I – GÊNESE DA VIOLÊNCIA

No meio desportivo, a violência consiste na transgressão das re-gras esportivas por parte de quem pratica e da violação das normas de natureza criminal no comportamento social por parte de torcedores, em regra, determinados ou determináveis. Os gregos da antiguidade esta-vam habituados ao conceito de catarse ou descarga purificante, e os psicanalistas sabem muito bem quantas ações perfeitamente derivam de

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impulsos. O fenômeno eruptivo de violência no desporto já fazia parte do conhecimento da civilização grega, que, em última análise, constitui o contorno e o conteúdo do fair play no mundo ocidental. Em todas as épocas e em todas as sociedades sempre houve conflitos, pois a própria história da civilização, em certo sentido, é essencialmente a contenção e a reafirmação de violência humana. Porém, em alguns casos, ela apa-rentemente se institucionaliza, despertando a necessidade de se questio-nar o modelo social.

Seguindo neste diapasão, Norbert Elias1 descreve que o anonimato causa frustração, e que, por sua vez, pode causar violência. Quando se gera um indivíduo desequilibrado emocionalmente em virtude de pai-xões e frustrações excessivas, fornece-se matéria prima para a violência. Não significa que você vá gerar um criminoso, mas vai gerar um indiví-duo que, dentro da sociedade, é instável. E essa instabilidade social, so-mada à instabilidade de outros tantos torcedores em um “caldeirão des-portivo”, gera a violência potencial. Ademais, é no coletivo da torcida que o indivíduo encontra a oportunidade de extravasar seus sentimentos e instintos reprimidos pela sociedade.

Hannah Arendt, uma das expoentes da filosofia política do século XX, apresenta outro fator de erupção conflituosa. Ela busca em toda sua obra desmascarar o fenômeno da violência e a consequente banalização do conceito por todos aqueles que procuram ver a violência como “um fenômeno marginal”, ou, por outro lado, confundem poder com violên-cia, glorificando-a. Em Sobre a violência2, Angelo Vargas (1994, p. 85) escreve que

nem a violência nem o poder são fenômenos naturais, isto é, uma mani-festação do processo vital; eles pertencem ao âmbito político dos negó-cios humanos, cuja qualidade essencialmente humana é garantida pela faculdade do homem para agir, a habilidade para começar algo novo.

Percebo assim que, à semelhança de alguns animais, também de-marcamos territórios à medida que delimitamos espaços em arquiban-cadas por meio de gritos, ofensas e atitudes mais bruscas, afastando o torcedor “adversário”.

1 ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Uma história de costumes. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.2 VARGAS, Angelo. Esporte e realidade. Conflitos contemporâneos. Rio de Janeiro: Shape, 2006. p. 85.

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Contudo, percebe José Maria Cagigal que a agressividade é adap-tável, controlável e pode ser eliminada; e o método para erradicar este hábito é a sua própria cultura, pois pela mesma via pela qual foi introdu-zida, culturalmente pode ser abolida.

Por conseguinte, é fundamental criar uma consciência não agres-siva. O Poder Público, associações, educadores, políticos, sociólogos, os meios de comunicação, artistas populares, produtores de cinema e outros atores deveriam participar de uma campanha, em forma de enga-jamento cívico geral, com ideias que favoreçam e efetivem a não agres-sividade e estimulem a convivência pacífica.

Ao que parece, a agressividade humana terá que sofrer mitigação, e o primeiro passo para conseguir esta sensível diminuição é reconhecer que a violência está profundamente ligada às origens históricas e cul-turais das espécies, da fisiologia e da organização comportamental de cada indivíduo, levando-se em consideração significativamente a sua curva biográfica, que até pode sugerir um comportamento marginal.

Insiste-se também que, sob a ótica do observador, pesquisador e especialista em segurança pública, é possível diferenciar claramente a agressividade encaminhada, tendo em vista a produção de danos em um ambiente competitivo de alto rendimento, resultado de um estado fisiológico que o organismo alcança por influência de certos hormônios como a adrenalina, da violência da torcida organizada, em que a com-plexidade da origem do embate e seus respectivos contornos devem ser analisados de forma multidisciplinar.

Nota-se que a violência foi aparentemente institucionalizada, tan-to dentro como fora dos limites das disputas desportivas. Alguns estádios e arenas carregam o estigma de ser um local natural e propício para práticas de covardias e barbáries. Insta gizar que a violência no desporto não se resume às ações de determinadas torcidas organizadas; outros atores protagonizam este comportamento patético e circense. Assim, jo-gadores, técnicos, árbitros, policiais, “camelôs”, gandulas, “guardadores de automóveis”, jornalistas, diretores de clubes e fiscais participam des-se eventual espetáculo. Educar o ser humano é imprescindível, tendo em vista que, em regra, o atleta e os outros atores saíram do seio de uma sociedade caótica e que costumam frequentar lugares onde transitam os clientes da marginalidade, quando estes não são os próprios.

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Como assevera Angelo Vargas (2007)3, o esporte é um dos univer-sais da cultura, e as formas de manifestação esportiva encontram suas relações de causa e efeito, na lógica dos contextos sociais.

No magistério de Esteves:

[...] só há uma forma de entender o fenômeno desportivo: nas perspec-tivas das estruturas sociais. O que há de característico e fundamental no deporto é justamente o que define e caracteriza a sociedade em que ele pratica e se desenvolve [...]. (Esteves, 1999, p. 21)

As relações violentas no desporto, sem dúvida alguma, estão rela-cionadas aos fenômenos políticos, ideológicos e econômicos. Melo de Carvalho, no seu Desporto e Revolução, infere que

o capitalismo fascista utilizou sempre o desporto como fonte de lucro, reduzindo-o a uma autêntica mercadoria, que serviu exclusivamente aos seus interesses... É também indispensável rejeitar a concepção reacio-nária que reduz a prática desportiva à compensação dos males da civi-lização industrial, funcionando como um processo de evasão. (Melo de Carvalho, 1975, p. 25)

Um episódio marcante ocorreu na China, em 13 de outubro de 2010, em que a equipe de basquete de Joinville (Brasil) só conseguiu deixar o hotel em que estava hospedada com escolta policial; pois os torcedores chineses estavam exaltados e excitados, após serem estimu-lados pelo técnico americano do time chinês a praticarem violência gra-tuita. Outro triste evento, também recente, foi o confronto entre Itália e Sérvia. A xenofobia é apontada como fator de expansão dos impulsos primários neste caso específico. Os sérvios agrediram tudo e todos que viram pela frente. Alguns torcedores foram presos e deportados.

Inquestionavelmente, observa-se a expansão das pulsões primárias reprimidas pelo meio social cotidiano, bem como a vocação para mani-festar suas repulsas e fazer coisas que não faria isoladamente no seio da sociedade, seja por necessidade de tomar atitudes que o habilite a per-tencer ao grupo, seja por motivo de ritual de passagem. De certa forma,

3 LAMARCA, Braz Rafael. Violência no desporto: hooliganismo em questão. 1º Seminário de Direito Desportivo. Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

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e em última análise, é a manifestação do sentimento de impotência e da frustração pessoal diluídos no coletivo das arquibancadas.

II – A VIOLÊNCIA NO CONTEXTO BRASILEIRO

No Brasil, as torcidas organizadas estão, infelizmente, associadas à violência, e essa simbiose tem provocado o esvaziamento nos estádios. Mas nem sempre foi assim. Entre 1940 e 1960, as torcidas organizadas se manifestavam por meio de “charangas”. Manifestações externadas por meio de cânticos, marchinhas e ações éticas que, por si só, dificul-tavam a prática de delitos mais graves. A partir da década de 1960, as torcidas organizadas passaram a apresentar um padrão tipicamente mi-litar, reflexo do regime autoritário em que vivíamos à época. As atribui-ções de cada membro eram específicas e a hierarquia era rigidamente respeitada. Pelotões, famílias e batalhões eram e são utilizados até hoje como nomenclatura organizacional. À guisa de exemplos, a torcida jo-vem do Flamengo denomina-se “exército rubro-negro”, tem um tanque de guerra com três canhões como símbolo e dividiu-se em pelotões, ou seja, grupos espalhados em diversos pontos do Rio de Janeiro. A força Jovem do Vasco formou suas “famílias”, buscando sua inspiração na máfia italiana.

A década de 1980 foi considerada economicamente como perdi-da. O Poder Público, em fase de transição política, não atuava visando ao interesse coletivo, facilitando assim a maturação da violência em nos-sos estádios de futebol.

Na década de 1990, os confrontos passaram a ser mais graves; vis-to que bombas e armas de fogo eram utilizadas com maior frequência. E o combate à agressividade visível por parte do Poder Público em face das torcidas organizadas foi dado de forma tímida. Contudo, devido à possibilidade de o Brasil sediar os principais megaeventos desportivos na década corrente, foram implementadas algumas normativas com o objetivo de frenar o avanço da violência. O estatuto de defesa do tor-cedor é um marco positivo no sentido de, pelo menos em tese, imputar responsabilidades a torcedores organizados ou até mesmo de fato. A verdade é que pelo menos foi delimitado um campo de atuação para que o julgador se apoie.

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Em São Paulo, entretanto, os efeitos da sentença, no que respeita ao término das atividades de algumas torcidas organizadas, não alcan-çaram o objetivo finalístico. A decisão da justiça foi infrutífera, pois os integrantes de algumas torcidas mudaram naturalmente de nome, filian-do-se ao carnaval paulistano. O auge do problema aconteceu com a batalha campal no Pacaembu, entre palmeirenses e são-paulinos, em 20 de agosto de 1995, na final da Supercopa São Paulo de Juniores. Na confusão, que aconteceu após o jogo, vencido pelo Palmeiras, houve um saldo de 110 feridos. Um torcedor morreu. Outras torcidas também continuaram suas atividades de fato ou atuavam clandestinamente.

Atrativos para justificar a associação a uma dessas torcidas orga-nizadas não faltam; a coesão do grupo, a vertigem ao extremo, força motivadora, vestimenta e sentimento de acolhimento. Não possuem, em regra, um ideal político, alguém em que possam se espelhar e se inspirar. A necessidade de autoafirmação é uma busca, sentimentos de solida-riedade intralócus e companheirismo são premissas essenciais para a própria sobrevivência do grupo.

Marcam-se confrontos medievais por intermédio da rede mundial de computadores em diversos sites de relacionamento, além de trama-rem emboscadas para atingir a integridade física do torcedor adversário. É de se notar que os embates, principalmente em eventos futebolísti-cos, são iniciados em uma base coerente, organizada e bem estruturada; além do mais, os membros de cada torcida organizada conhecem aque-les de todas as outras.

Por sua vez, os membros ligados às torcidas organizadas rebatem os argumentos expostos no âmbito da prática de violência, eximindo-se de responsabilidades, culpabilizando pontualmente outros atores e fatos decorrentes do espetáculo desportivo, podendo abranger, assim, desde a estrutura administrativa dos estádios e uma ação mais enérgica por parte de policiais, até detalhes relacionados com a decisão do árbitro ou do auxiliar. Uma série de aparentes minúcias pode inflamar a torcida e criar uma verdadeira crise de gerenciamento por parte das autoridades públicas. A título exemplificativo, um estádio completamente lotado que não tem água potável, não tem banheiro utilizável em um ambiente de calor excessivo, com a força policial utilizando instrumentos de conten-ção desproporcionais ao tipo de evento e com arbitragens tendenciosas,

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tornam dificultoso manter o equilíbrio de um indivíduo emocionalmente dependente do lúdico.

Ademais, a importância exagerada concedida a qualquer preço, o nível de violência permitido em cada esporte, os treinadores irrespon-sáveis, regras inadequadas, incompetência dos árbitros, baixo nível de habilidade técnica, influência dos meios de comunicação e ausência de valores morais aumentam a probabilidade do embate.

Assim, essas tempestades de explicações ressoam, tais como: má distribuição de renda, exploração por parte dos dirigentes e líderes de torcidas, ausência de expectativa de futuro, ausência do estado, en-quanto direcionador de políticas públicas de formação social, efeitos da pobreza, afrouxamento da ordem legal e das posturas repressivas das instituições de segurança e justiça, falta de emprego, miséria generali-zada, familiarização com a clientela da marginalidade, falta de infraes-trutura nos estádios de futebol, má arbitragem, gozações de adversários, frustração decorrente de uma partida de futebol, consumo excessivo de bebidas alcoólicas e consequente entorpecimento durante e depois dos jogos, amadorismo predominante dos dirigentes responsáveis, primiti-vismo da organização dos espetáculos, entre outros fatores, são aponta-dos por torcedores, autoridades públicas, estudiosos e responsáveis por entidades desportivas como possíveis causas de embates violentos.

O que se quer é o fim do medo. É poder torcer, vibrar, inconfor-mar-se sem ser punido pela cruel lógica de não ser da mesma torcida do agressor potencial. O que se quer é poder sair do estádio, rindo ou sofrendo, conforme o resultado, sem a agonia de fugir da violência anô-nima, vestida de gangue uniformizada.

O desporto, espetáculo como qualquer manifestação pública, mo-vimenta multidões para recintos fechados ou abertos, exigindo a inter-venção das forças de ordem pública e levando as entidades governa-mentais, perante casos de violência ocorridos em certos desportos, a criar medidas de segurança. O Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671/2003, com suas respectivas alterações, inova na obrigatoriedade de policia-mento nos encontros desportivos federados e na figura do ouvidor e apli-cação de medidas que vão desde a interdição de estádios e arenas até a destituição de dirigentes.

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Para garantir um adequado funcionamento das diversas frentes no combate à violência gratuita, é evidente que a legislação brasileira deve estar modernizada e consequentemente capaz de resolver temas emer-gentes da sociedade, assim como dispor de meios eficientes com objeti-vo de executar possíveis sanções.

Quando analiso os preceitos da FIFA, as normas penais em vigor e os regulamentos de natureza administrativa e privada, para aferir se há lacuna na legislação pátria, aparente conflito de normas ou obsolescên-cia grave em alguma abordagem relativa às ações para a gestão da se-gurança pública por ocasião dos megaeventos desportivos, entendo, em princípio, que os “safety regulations da FIFA”, por exemplo, não possuem autoridade para afastar ou suspender a lei local. Não há necessidade, portanto, de inovação na seara jurídica em relação aos regulamentos de grandes entidades desportivas. Nos estádios estarão garantidas as forças policiais com suas respectivas atribuições, deve ser aplicado o estatuto de defesa do torcedor, não se permitindo o consumo de bebida alcoólica nos estádios, bem como a utilização de fogos de artifício, bandeiras com suas hastes e recipientes de vidro, além de outras determinações legais.

Mas é de se observar que as grandes organizações, federações ou entidades desportivas em nenhum momento impuseram ou obrigaram a candidatura para sediar estes grandes eventos, não sendo razoável a inversão lógica do ônus fático no que tange à aplicação de determina-da normativa específica. Logo, tornam-se necessários pequenos ajustes no âmbito normativo para que, na ponderação de interesses diversos, o interesse coletivo seja preservado sem, no entanto, causar prejuízo no combate à violência por parte de algumas torcidas organizadas.

III – A RESPONSABILIZAÇÃO NO UNIVERSO DESPORTIVO

Os dirigentes de clubes e entidades esportivas atribuem a ocorrên-cia de tumultos à insuficiência da segurança necessária aos torcedores, e já a polícia rebate, culpando os clubes por cederem ingressos e arte-fatos que podem ser utilizados como meio para prática de violência às torcidas organizadas. Uma simbiose perfeita, pois, para serem eleitos, dependem, dentro de determinadas circunstâncias, do apoio das torci-das organizadas, sob o manto da promessa de que, quando empossados, nomeiem os chefes das torcidas para cargos privilegiados dentro dos

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clubes; até porque há casos em que os grupos organizados de torcedo-res foram criados ou incentivados pelos clubes e por eles muitas vezes financiados e prestigiados.

Bem da verdade, existem outros aspectos a serem contemplados nesta análise. Alguns dirigentes brasileiros se veem reféns da violência desses torcedores que, em muitos casos, invadem os clubes para amea-çar e até mesmo agredir jogadores e membros da diretoria, quando suas reivindicações, quaisquer que sejam, não são atendidas, culminando, via de regra, em danos morais e materiais.

Vale reforçar que a pretensão deste singelo trabalho é trazer a violência praticada por torcedores incautos para o centro do debate, direcionando a melhor forma de propor uma intervenção social e ju-rídica, responsabilizando-os, assim como os dirigentes irresponsáveis, buscando estabelecer o seu papel na construção de uma realidade de convivência, fraternidade e libertação. Com o advento das mídias eletrô-nicas, mais do que nunca o esporte virou um produto, uma mercadoria, um objeto de consumo. E o cidadão não pode ficar à margem desta re-alidade. O direito à dignidade da pessoa humana, neste caso, deve pre-valecer sobre os interesses empresariais e midiáticos. E este abandono tem sido denunciado de maneira tímida e pontual; sendo consideradas dissonantes e diminutas as vozes que emanam de pontos equidistantes do centro de atenção e interesse, ecoando no vazio e adentrando em um profundo buraco negro as poucas manifestações. Contudo, o direito pe-nal contemporâneo se acha unilateral e equivocadamente voltado para o interesse midiático e empresarial.

Em relação à prevenção do dever de segurança, nota-se que essa obrigação ganha consistência em virtude das inovações introduzidas pelo Estatuto do Torcedor, Lei nº 12.299/2010, que fixou uma “aparente” responsabilidade objetiva das entidades de práticas desportivas detento-ras do mando de jogo e responsáveis pela organização da competição, bem como de seus dirigentes, que passaram a responder solidariamente pelos prejuízos causados que decorram de falhas de segurança nos es-tádios e eventuais omissões previsíveis quanto à violência praticada por membros de torcidas organizadas.

Art. 1-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do Poder Público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações

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ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedo-res, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.

[...]

Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

II – informar imediatamente após a decisão acerca da realização da par-tida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higie-ne, os dados necessários à segurança da partida, especialmente:

a) o local;

b) o horário de abertura do estádio;

c) a capacidade de público do estádio; e

d) a expectativa de público;

[...]

Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento.

Esta interpretação deve ser feita de forma sistemática e principioló-gica, levando-se em consideração a ratio legis, que, por sua vez, decor-reu do interesse público, que é mitigar ou quiçá acabar com a violência dentro e fora das arquibancadas. A intenção “do legislador” é tão evi-dente que o art. 41-B, § 1º, inc. I, do Estatuto do Torcedor estipula limites espaciais para evidenciar, discutivelmente, um possível nexo de causali-dade. Cabendo à entidade de prática desportiva, por sua vez, afastar sua culpabilidade, comprovando que diligenciou no sentido de observar o dever objetivo de cuidado e comprovar a culpa da vítima, caso fortuito, força maior ou culpa concorrente, conforme o caso concreto.

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Eis a norma: “I – promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realiza-ção do evento; [...]”.

O art. 14 do Estatuto do Torcedor traz no seu bojo a solicitação ao Poder Público a presença de agentes públicos de segurança por parte da entidade de prática desportiva e seus dirigentes responsáveis pelo mando de jogo. Assim sendo, é de fundamental importância saber quais são os atores responsáveis por esta segurança estatal e se estes estão de fato atuando dentro dos limites de suas respectivas atribuições. Confor-me preceitua o art. 144 da Constituição Federal de 1988, os órgãos de segurança pública legitimados em nível estadual a atuar são as polícias militares, corpo de bombeiros militares e as polícias civis dos Estados. Ainda, levando-se em consideração os outros legitimados passivos que por força de lei estão também incumbidos de fazer parte da prevenção de ações descabidas no evento desportivo, representantes dos órgãos de transportes e higiene deveriam atuar conjuntamente.

Infelizmente, nem os órgãos estritamente policiais têm atuado de forma integrada. Não há dentro do contexto normativo do estatuto do torcedor quem fiscalize a aplicação de fato. Todavia, defendo uma maior atuação do Ministério Público, já que a sua principal atribuição é fiscalizar o cumprimento de normas, e se restringir aos famigerados termos de ajustamentos de condutas. As solicitações das entidades de prática desportivas no tocante à segurança, em regra, não colocam to-dos os envolvidos no mesmo ambiente de reunião. Ao contrário, alguns são tratados como coadjuvantes e outros sumariamente excluídos. Assim sendo, não fica difícil responsabilizar a entidade de prática desportiva quando esta se omite ou trata com desídia assuntos que dizem respeito aos torcedores/consumidores.

Contudo, em caso de dúvida quanto à culpa do representante do clube, é mister verificar a forma como se deu a reunião que deve ser registrada em ata e o nexo causal do foco de violência da torcida orga-nizada no caso concreto, ponderando princípios norteadores descritos no art. 5º da Constituição Federal e em legislações infraconstitucionais, sob pena de cometermos injustiças irreparáveis na aplicação da norma seca, fria e, às vezes, sem essência. Não obstante, a partir do momento

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em que a legalidade estrita expõe uma situação de injustiça, a lei se torna infrutífera.

O clube, como instituição, tem, de certo modo, o controle da tor-cida, uma vez que fornece ingressos e materiais caracterizados para que haja pressão no time adversário, possibilitando certa intimidação, em-bora seja claro que a torcida pode controlar a si mesma, até por uma questão de hierarquia. Os mesmos torcedores podem apontar e, de fato, apontam uma resposta diferente, segundo acontecimentos a que estão expostos. Neste diapasão, é de se perguntar: Quem controla a massa? Tenho a convicção de que este controle é definido pelas circunstâncias concretas e suas respostas são casuísticas.

O filósofo Gabriel Tarde, The Penal Philosophy (1912), aduz que a multidão é um fenômeno estranho. É uma reunião de elementos hete-rogêneos que se desconhecem mutuamente (a exceção de determinados aspectos essenciais, como nacionalidade, religião e classe social); mas tão logo uma chispa de paixão, detonada por um desses elementos, in-flama esta confusa massa, uma espécie de repentina organização se ins-taura; uma abiogênese. Tal incoerência torna-se coesão, tal rumor torna--se uma voz, e, logo, esses milhares de homens amontoados formam tão somente um único animal, uma fera selvagem sem nome, a marchar rumo a uma meta com irresistível determinação. A maioria desses ho-mens terá se juntado ali por mera curiosidade, porém a febre de alguns deles não tarda em atingir a mente de todos, emergindo em delírio cole-tivo. O mesmo homem que veio às pressas para se opor ao assassinato de um inocente é o primeiro a sucumbir ao contágio homicida e, mais que isso, nem sequer ocorre a ele sentir-se perplexo pelo acontecido.

O fato é que, no âmbito social, ainda estamos em evolução e pre-cisamos muito de educação em sentido amplo; e não é fácil adquiri-la. Cito um pequeno trecho, ainda atualíssimo de R. Baden-Powel, Scouting for boys (Escotismo para meninos), de 1908.

[...] Milhares de garotos e jovens, espécimes pálidos, de peito estreito, encurvados e miseráveis, fumando cigarros sem parar, muitos dos quais fazendo apostas, aprendendo todos a serem histéricos, a se lamuriar ou festejar em estremecedor uníssono com seus vizinhos – sendo o pior ru-ído dentre todos o da gargalhada histérica que acolhe qualquer tropeço

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ou queda de um jogador. Afastai os moços de tal prática – ensinai-os a se portarem como homens.

E chego à conclusão de que o futuro pertence às multidões, tanto para o bem quanto para o mal.

REFERÊNCIAS

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BROHM, Jean Marie. Esporte, grande negócio. Le Monde Diplomatique, Paris, a. 1, n. 5, jun. 2000.

CAGIGAL, José Maria. Deport y Agresion. Madri: Alianza, 1990.

CAPEZ, Fernando. Consentimento do ofendido e violência desportiva: reflexos a luz da teoria da imputação objetiva. São Paulo: Saraiva, 2003.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, v. I, 1994. 2 v.

ESTEVES, José. O desporto e as estruturas sociais. Lisboa: Universitárias Lusó-fonas, 1999.

HUIZINGA, J. Homo Ludens. São Paulo: Perspectiva S.A., 1980.

LAMARCA, Braz Rafael. Violência no desporto: hooliganismo em questão. 1º Seminário de Direito Desportivo. Câmara Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006, p. 11.

MIRANDA, Martinho Neves. O direito no desporto. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

SANMARTIN, Melchor. Valores Sociales y Deporte. Madri: Gymnos, 1995.

TUBINO, Manoel. As teorias da educação física e do esporte. Barueri: Manole Ltda., 2002.

VARGAS, Angelo. Esporte e realidade. Conflitos contemporâneos. Rio de Janeiro: Shape, 2006.

______. Bioética. Impactos da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lecsu, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa.

BRASIL. Estatuto do Torcedor.

referências eletrônicas

<http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,jogo-de-basquete-entre-brasil-e--china-acaba-em-briga-generalizada,623907,0.htm, acesso em 13/05/2011>.

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<http://futebolememoria.com/2011/05/03/torcidas-organizadas-parte-23-a--violencia-como-forma-de-expressao/>.

<http://www.conjur.com.br/2004-out-21/sao-paulinos_juri_homicidio_omis-sao_socorro

http://forum.portaldovt.com.br/forum/index.php?showtopic=81164>.

IV – ANEXO

1 – alGuMas traGéDias no MunDo DesPortivo

ANO PARTIDA LOCAL TORNEIO VÍTIMAS CONDIÇÕES

1964 PERU X ARGENTINA

LIMA (PERU) TORNEIO PRÉ--OLÍMPICO

318 MORTOS

MAIS DE 500 FERIDOS

A Argentina ganhava por 1 a 0 quan-do o árbitro resolveu anular um gol do Peru, o que despertou a ira dos 54 mil torcedores que superlotavam o Estádio Nacional de Lima. Pedras e garrafas voavam no campo enquanto torcedores invadiam o gramado. A polícia interveio e milhares de tor-cedores correram para as saídas do estádio. Com os portões trancados, centenas de pessoas foram esma-gadas.

2001 HEARTS OF OAK X KUMASI

ASHANTI KOTOKO

ACCRA (GANA) CAMPEONA-TO GANES

126 MORTOS

90 FERIDOS

A briga foi intensa entre os torcedores dos times de maior rivalidade no fu-tebol ganês. A polícia tentou conter a briga com bombas de gás lacrimogê-neo e os torcedores que tentaram es-capar da confusão encontraram todas as saídas de emergência trancadas.

1989 NOTTINGHAM FOREST X

LIVERPOOL

SHEFFIELD (INGLATERRA)

COPA DA INGLATERRA

96 MORTOS

MAIS DE 200 FERIDOS

O jogo era válido pela semifinal e o estádio Hillsborough estava superlo-tado. Cerca de 5 mil torcedores sem ingressos forçaram a entrada no está-dio até que a polícia abriu os portões. A “torcida” avançou, esmagando quem já ocupava as arquibancadas. A tragédia só não foi maior porque alguns torcedores conseguiram pular para dentro do campo.

1988 MUKTIJODHA X JANAKPUR

KATMANDU (NEPAL)

AMISTOSO 93 MORTOS E MAIS DE 100

FERIDOS

Jogo de futebol no Nepal entre um time local e outro de Bangladesh não terminou bem. Mas desta vez o horror não ficou só dentro de campo. Tudo ia bem até começar uma chuva de granizo. A multidão correu para se proteger e dezenas de pessoas foram pisoteadas e esmagadas contra os portões.

1996 GUATEMALA X COSTA RICA

CIDADE DA GUATEMALA

(GUATEMALA)

ELIMINATÓRIAS DA COPA DO

MUNDO

84 MORTOS E MAIS DE 150

FERIDOS

Cerca de 60 mil ingressos foram vendidos, embora o Estádio Mateo Flores não suporte mais de 45 mil es-pectadores. Antes de o jogo começar, muitas pessoas foram sufocadas devi-do à superlotação. O presidente do país, presente no estádio, suspendeu a partida na hora e a Fifa interditou o estádio por dois anos.

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ANO PARTIDA LOCAL TORNEIO VÍTIMAS CONDIÇÕES

1968 RIVER PLATE X BOCA JUNIORS

BUENOS AIRES (ARGENTINA)

CAMPEONATO ARGENTINO

74 MORTOS E MAIS DE 150

FERIDOS

O clássico mais tradicional da Ar-gentina nunca é muito tranquilo. Mas, dessa vez, a torcida exagerou, armando um incêndio a partir de uma pilha de papéis picados. O fogo assustou os torcedores, que correram em direção às saídas do estádio. No corre-corre muita gente caiu, foi pisoteada ou esmagada contra os portões.

1982 SPARTAL MOSCOU X HAARLEM

MOSCOU (RÚSSIA)

COPA DA UEFA 66 MORTOS (MAS 340 EXTRA--OFICIALMENTE)

100 FERIDOS

O Spartak precisava de três gols de vantagem, mas vencia por 1 a 0. A torcida já ia embora quando saiu o segundo gol. Muita gente voltou para ver o fim do jogo, gerando tumulto e dezenas de torcedores espremidos.

1971 CELTIC X ANGERS

GLASCOW (ESCÓCIA)

CAMPEONATO ESCOCÊS

66 MORTOS

100 FERIDOS

O Celtic abriu o placar faltando um minuto para o final. Mas, já nos acréscimos, o Rangers surpreenden- temente empatou. A festa foi tão in-tensa que uma escadaria cedeu.

1974 ZAMALEK X DUKLA PRAGA

CAIRO (EGITO) AMISTOSO 49 MORTOS

50 FERIDOS

O jogo não valia nada, mas torcida compareceu em massa: o estádio que tinha capacidade para 40 mil pessoas, teve que suportar 80 mil! A estrutura não resistiu.

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Parte Geral – Doutrina

Fair Play, Evolução do Esporte e Oligopólios Esportivos

PAULO CELSO BERARDO Advogado atuante e especialista em Direito Desportivo-MBA pela Universidade Paulista/IBDD--SP, Pós-Graduando em Direito Internacional pela UESARJ, atuante em contratos internacio-nais desportivos, projetos sociais esportivos, gestão profissional em clubes, leis de incentivo ao esporte, litígios internacionais desportivos.

O desporto não é apenas uma diversão, é atividade organizada, possuidora de regras e normas, e seu surgimento se deu como evolução natural da prática recreativa1. Daí porque sábia é a assertiva de João Lyra Filho: “Sabemos que o jogo é anterior à cultura, ao contrário do des-porto, e que a cultura é fator incondicionado à existência da sociedade humana”2. Sem dúvida o jogo é anterior à cultura que, por sua vez, dá origem ao desporto, pois permite sua organização. Segundo Eduardo Viana, “o homem sempre conheceu as atividades lúdicas, necessárias que são à sua existência como meio de contrabalançar a luta pela vida”3. Essas influências surgiram, inicialmente, sob a forma de jogos naturais (play), de modo espontâneo, como um relaxamento mental para seu es-pírito; posteriormente, em um estágio superior da civilização, evoluiu para a competição, dos jogos desportivos, sempre ultrapassando o ime-diatamente utilitário, pois não renunciaram jamais à condição de fontes de prazer.

Além das inestimáveis contribuições da civilização grega nos cam-pos da filosofia, da política, das artes, os helenos também deram origem ao Direito Desportivo, por meio das normas e regras observadas para a prática dos jogos helênicos. Tais normas foram aprovadas pelos sábios da época, o que dá a exata dimensão da importância atribuída ao espor-te. A ordem jurídica que regia o desporto na Grécia era o sistema legal, um corpus uniforme, frequentemente eivado de contradições, não con-tando com a unidade, que é a função básica da Justiça. Os jogos eram dirigidos pelos hellanodice (árbitros ou juízes), e supervisionados pelos

1 SOUZA, Pedro Trengrouse Laignier de. Princípios de Direito Desportivo. Revista IBDD, n. 7, p. 65/67; PERRY, Valed. O Direito Desportivo. Revista IBDD, n. 1, p. 18/23.

2 LYRA FILHO, João. Introdução à sociologia dos desportos. 1. ed. (Preâmbulo), Rio de Janeiro: Bloch, 1973.3 VIANA, Eduardo. Realidade Esportiva Brasileira, Revista IBDD, n. 5, p. 81.

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alitarcos (comissários de polícia). Exemplo de uma das sanções previs-tas: o atleta deveria prestar juramento antes do início dos jogos, um ritual sagrado que tinha como finalidade atestar sua pura estirpe helênica e fazer crer que estava praticando treinamento compulsório durante vários meses. Caso houvesse infidelidade a essas regras, aplicar-se-iam penas corporais e pecuniárias4.

A filosofia grega sempre exaltou a necessidade de um equilíbrio perfeito entre o corpo e a alma: “Platão atribuiu à educação na arte de conduzir a criança pelos caminhos da razão – o dever de fortalecer o corpo tanto possível e elevar a alma ao seu mais alto grau de aperfeiço-amento”. A frase atribuída ao satírico latino Juvenal (cf. Juvenal. Sátira X, p. 325), “Orandum est, ut si mens sana in corpore sano”, deu origem à expressão “mens sana in corpore sano” (mente sã em corpo são”).

Com o colapso da civilização grega, os romanos foram os respon-sáveis pela continuidade da prática desportiva. Entretanto, a presença do espírito religioso no desporto grego diferenciava-o do romano, o que sem dúvida contribuiu para o surgimento do profissionalismo do espor-te. A conquista da Grécia pelos macedônios e depois pelos romanos amorteceu o espírito combativo dos gregos, e os espetáculos romanos não herdaram da Grécia subjugada nenhum acento que valorizasse as provas atléticas. Os jogos de pelota e os atrativos dos balneários foram privativos da classe rica. Nenhum esforço desinteressado prosperou. Os romanos deram origem ao famoso bordão político do “panis et circensis” (pão e circo), pois já identificavam o alcance e a importância do esporte para o desenvolvimento e o controle de uma sociedade. Tal era a pre-sença do esporte na sociedade romana que se pode constatar presença de regras desportivas na própria Bíblia: “Efetivamente também o que combate nos jogos públicos não é coroado, senão depois que combateu, segundo as regras”5.

Já na Idade Média, tendo o Império Romano sido tomado pelos bárbaros e com ele qualquer esperança de vida social capaz de estimu-lar a prática desportiva, encontrou-se um relaxamento dos costumes. Foi esse um período marcado pela epopeia das cruzadas e alianças feudais, em que as práticas eram isoladas em torneios festivos. Todos esses jo-

4 CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza jurídica do contrato de esporte. Revista IBDD, n. 11, p. 13.5 2ª Epístola de São Paulo a Timóteo.

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gos tinham cunho recreativo, as regras do jogo da palma, impressas em 1599, diziam, em seu art. 1º: “Senhores que desejais divertir-vos e jogar o frontão, haveis de jogar a fim de recrear o corpo e deleitar o espírito, sem jurar nem blasfemar o nome de Deus em vão”6.

A monarquia absoluta, com sua ostentação e luxo desmedido, venceu pela vida de ócio e prazeres fáceis o natural pendor humano para a cultura física. Segue-se um período de inatividade no terreno es-portivo, que cede lugar, no século XVIII, ao renascimento dos antigos ideais olímpicos.

Com a Era Moderna surgiu o “Pai do Olimpismo Moderno”, o edu-cador francês Pierre Frèdy, conhecido como Barão de Coubertain, que conviveu com os horrores da Primeira Guerra. Foi ele o difusor do lema: “A coisa mais importante nos Jogos Olímpicos não é vencer, mas parti-cipar, assim como a coisa mais importante da vida não é a vitória, mas a luta. O essencial não é conquistar e sim lutar bem”. Tal frase tinha sido proferida pelo bispo da Pensilvânia, Ethelbert Talbot, durante os Jogos de Londres em 19487. Além disso, atribui-se a Coubertain a criação da bandeira olímpica, cujos cincos arcos olímpicos entrelaçados represen-tam os cincos continentes (África, América, Ásia, Europa e Oceania) e simbolizam o encontro de paz e harmonia entre os atletas para o even-to competitivo mais importante do mundo. Afirmou ainda ele que “o desporto como normas de valores cujo objetivo é a integração social é, aos nossos olhos, a concepção de uma cultura muscular, apoiado pelo espírito cavalheiresco (“fair play”) no culto do que é belo e agraciado”8.

Assim sendo, ao longo dos tempos, o esporte, notadamente o fu-tebol, foi se tornando uma grande atividade comercial, passando do lazer para o negócio (business). Em consequência disso, foi abandonada de vez a atitude de “cavaleiros feudais”, deixando-se de lado o espíri-to do fair play, do cavalheirismo, do jogo limpo. Orientados por uma mente leviana e influenciada pelo espírito de uma paixão clubística, na administração de uma entidade de prática desportiva, certos dirigentes passaram a praticar atos que mais se assemelham às “operações mãos

6 PERRY, Valed. Ob. cit., p. 24/26.7 Disponível em: <http://solbrilhando.com.br/_esportes/olimpiadas/os_simbolos_o.htm>. Acesso em: 18 fev.

2006.8 SENGER, Carlos João Eduardo. Aula Inaugural do Curso de Pós-Graduação lacto sensu em Direito Desportivo,

Turma 2006, IBDD/UNIP/SP.

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sujas”, tal como alguns ocupantes de cargos do mais alto escalão de nosso país, que usam e abusam do poder em seu próprio benefício. Uns e outros deveriam dar exemplos de ética, de idoneidade para o cidadão mais humilde de nosso País, carecedor de conhecimento e de proteção estatal. Infelizmente, certos “cavaleiros”, não cavalheiros, adotam uma política da demagogia, do charlatanismo, valendo-se de um verdadeiro marketing de pirataria e dotado de um “sistema monárquico” de admi-nistração.

É nítido o atual mercado do negócio desportivo que engloba con-tratos milionários, publicidade e propaganda, patrocínio nos uniformes de competição, licenciamento de produtos dos clubes, comercialização de marcas desportivas, investimentos em suas praças etc. e várias outras formas de parcerias das Entidades de Prática Desportiva profissionais com empresas. Enfim, são esses fatos que evidenciam o grau de mercan-tilização que atingiu o desporto, formando uma infindável rede de negó-cios. Todavia, infelizmente, existem aqueles que deturpam e usufruem de tal rede, verdadeiros homens-aranha dentro de uma enorme teia, com atitudes irresponsáveis, antiéticas, ilícitas, às vezes, patrocinados por ca-valeiros feudais de má-fé, contribuindo para o derruir do desporto, cujo lema central é contribuir para a harmonização social e a pacificação mundial e não o assolar de uma nação, de uma sociedade, de uma co-munidade, de um povo, enfim, de uma associação, de uma Entidade de Prática Desportiva Profissional.

Fazendo um paralelo entre os primórdios do esporte (lazer) e a pas-sagem da “mercantilização” (business), constatamos a nova realidade do esporte, em especial no futebol, e corroborando assim conforme fonte fidedigna do Jornal Estadão9 na pesquisa jornalística do dia 07.04.2013, direto de Genebra na Suíça, igualmente afirmando que, assim como su-pracitado, o futebol internacional se transformou em uma nova ordem econômica de “negociatas oligopolistas magnatas”, criando desta forma uma nova dimensão “cartelizada” na compra de clubes. Se a “antiga onda” teve início com os magnatas russos invadindo o futebol europeu há mais de dez anos, comprova-se atualmente que se estendeu por mais de 50 clubes que estão “oligopolizados”.

9 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/esportes,bilionarios-brincam-com-times-de-futebol, 1017849,0.htm>.

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Um exemplo disso é o homem mais rico do mundo, na frente do megamultimiliónario Bill Gates, da informática, que é o magnata me-xicano Carlos Slim (fortuna avaliada em US$ 73 bilhões de dólares no ano de 2013). Conforme fonte do Jornal Estado de São Paulo, direto de Genebra:

Ele mesmo admite que a bola não é seu esporte preferido, mas negócios são negócios, e que o esporte é um dos caminhos para estender seu patri-mônio financeiro. Em setembro de 2012, sua empresa, a América Móvil, comprou 30% das ações do Grupo Pachuca, que por sua vez controla dois times no México: o C.F. Pachuca e Club León. Três meses depois, comprou parte do espanhol Real Oviedo, que estava à beira da falência.

Slim não se contenta tão somente com a modalidade esportiva fu-tebol; assim, em março de 2013 assinou um contrato com o COI para ter o direito exclusivo de transmitir para toda a América Latina – exceto o Brasil – os Jogos do Rio de 2016. Jacques Rogge, presidente do COI, não citou quanto Slim pagou pelo negócio. Mas não escondia sua satisfação.

Ademais, o interesse de magnatas pelo futebol não é novo. Silvio Berlusconi, dono do Milan, mostrou já nos anos 90 como um clube pode catapultar alguém para o cargo de primeiro-ministro de um País. Na França, o dono da Gucci e Yves Saint Laurent, François Pinault, controla o Rennes há 15 anos.

Igualmente, o “cartel oligopolizado” cresceu nos últimos anos. Dietrich Mateschitz, outro magnata croata, que em 2004 havia compra-do a equipe de Fórmula 1 Jaguar Racing da Ford, é também proprietário do Red Bull Salzburg e do New York Red Bulls. Dmitry Rybolovlev com-prou o Monaco, que estava em sérias dificuldades. Lakshmi Mittal, liga-do à área siderúrgica, dono da Arcelor Mittal, magnata indiano e dono de uma das maiores fortunas do mundo, avaliada em US$ 16,5 bilhões (R$ 33 bilhões), adquiriu o Queens Park Rangers.

Na Espanha, o empresário Amâncio Ortega – dono da loja Zara e um dos magnatas mais afortunados do planeta Terra, é o dono do De-portivo La Coruna.

Assim, sem contar com os “petroleiros xeiques árabes”, tais como o megamilionário Abdullah Bin Nasser Al-Thani, que adquiriu, em 2010, o modesto Málaga por 36 milhões (R$ 92,8 milhões), e o clube chegou

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a disputar as quartas de final da UEFA Champions League no corrente ano de 2013. Outro árabe, o xeique Mansour bin Zayed Al Nahyan, desembarcou no Manchester City gerando muita resistência e acusado de “tirar a alma do clube”. Isso até conquistar o título inglês para o que era até poucos anos atrás um clube sem muita expressão na Liga Inglesa.

A invasão árabe não terminou, sem falar que o Catar fora “esco-lhido” pela FIFA para sediar a Copa do Mundo de 2022. Outro xeique árabe, príncipe do Catar, Nasser Al-Khelaifi, um proprietário de uma das maiores fortunas do mundo, é hoje presidente do PSG dos brasileiros Lucas, David Luiz e Thiago Silva.

Roman Abramovich, um dos mais conhecidos e com um patrimô-nio de mais de US$ 10 bilhões de dólares, foi um dos precursores na era do início dos anos 2000. Ele adquiriu em 2003 o Chelsea por 233 mi-lhões (R$ 601,1 milhões). Seu projeto atingiu o ápice com a conquista da Liga mais importante e rica do mundo futebolístico, a UEFA Champions League, conquistada no ano de 2012.

Outro oligarca mega-investidor é o ucraniano Rinat Akhmetov, que, com seu patrimônio de US$ 15,4 bilhões (R$ 30,8 bilhões), trans-formou o Shakhtar Donetsk em um clube de elite na CEE (Comunidade Econômica Européia). Uma aliança ainda entre o magnata americano Stan Kroenke com o russo mais rico do mundo, Alisher Usmanov, garan-te uma renda estável para o Arsenal, enquanto o Tottenham é bancado pelo também norte-americano Joe Lewis. No Manchester United, George Soros mantém 7,8% das ações. E o americano Malcolm Glazer é o pro-prietário do clube, dono da maioria das ações.

Assim sendo, mais de 50 clubes estão nos poderes de magnatas em todo o mundo. Russos, norte-americanos e árabes são os que mais aparecem como mecenas.

Fazendo uma analogia ao princípio esportivo do fair play, evolu-ção do esporte do lazer ao mundo do business, ao mundo atual “ogopo-lizado cartelizado” de clubes ao redor do mundo, vejamos a seguir um princípio esportivo que vai além das “linhas do campo”, a ser seguido não só pelos “atores esportivos” dessa atividade tão lúdica, cativante que é o futebol, e a ser seguido por todos os homens pelos “cinco can-tões floridos” de nosso planeta, da transparência da gestão financeira, do

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jogo limpo nas “negociatas”, do respeito e pelas leis de mercado e dos blocos econômicos, evitando assim a concorrência desleal, respeitando as regras dos contratos de direito internacional privado e seus princípios tais como os do “princípios do unidroit” (com o fito de harmonizar os contratos internacionais privados de comércio), bem como os do pacta sunt servanda, autonomia da vontade e boa-fé... igualmente também em de não afrontar o princípio da soberania do Estado.

O fair play assim pauta-se pelo “bom senso esportivo e humano”, o direito “é a arte do bom senso” e gestão profissional esportiva sem disciplina, bom senso, sem equilíbrio nas “negociatas esportivas” torna--se uma relação “oligopolista dominadora” ou uma relação de gestão profissional “amadora ditatorial”... assim como dizia com sapiência um filósofo: “a virtude é um meio entre dois vícios” (Aristóteles)... e assim como diz com propriedade e extrema sabedoria de espírito, Albert Eins-tein, ser iluminado na Terra, “a vida é como andar de bicicleta, temos que saber nos equilibrar a todo momento para não cair”, e também não cair na tentação da ostentação do “canibalismo esportivo” frente à “ética esportiva”, na “ambição ilusória” de “palácios esportivos”, ao invés de “arenas esportivas multiuso”, gerando fontes de receita para os clubes, que são outrossim a casa do espetáculo aos “agentes do mundo esporti-vo”, assim sendo em sua trilogia principal: “mente sã e corpo docente e discente” de uma entidade de prática desportiva (dirigentes, funcionários etc.), atletas (a alma do clube) e seus sócios torcedores (o seu coração).

Fair Play, a princípio, significa “jogo limpo”, cavalheirismo, “ética esportiva frente o canibalismo esportivo”, como diz com propriedade Álvaro Melo Filho, jurista renomado na seara do Direito Desportivo. Fair Play, de maneira abrangente, significa respeitar as regras do jogo, valo-rizando o respeito pelo próximo, em sua maneira de agir. Entre outros significados, é traduzido livremente como “espírito desportivo”, “ética desportiva”, “jogo limpo”. Não se limita a um comportamento, mas sua falta acarreta outros problemas, por exemplo, relacionados com o uso da malícia, o doping, a violência (física e verbal), a desigualdade de oportu-nidades, diversas “fontes de corrupção”, a vitória advinda de um modo antiético, desonesto, dotado de atos de má-fé. A base do fair play está enraizada no cavalheirismo, na nobreza de caráter, nos valores cristãos e humanistas na época do Renascimento. Esse espírito cavalheiresco era a base do comportamento que definia um gentleman, o ideal de homem

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na sociedade inglesa do século XIX. A transposição para o âmbito espor-tivo dessa atitude social foi idealizada e empregada desde o surgimento do Movimento Olímpico contemporâneo, afirmando a relação de pro-jeção que existe entre sociedade-cultura e movimento olímpico-esporte.

É um conceito positivo, por considerar o desporto como atividade sociocultural que enriquece a sociedade, a amizade entre as nações, realizado com um caráter legal. O desporto encarado de modo leal per-mite ao indivíduo conhecer-se melhor, a exprimir-se e a realizar-se, isto é, a desenvolver-se de forma plena, aprendendo uma arte e demonstran-do as suas capacidades. Facilita ainda a interação social e constitui uma fonte de prazer e de promoção do desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, com o fito de contribuição para a harmonização dos povos e a pacificação mundial.

Neste sentido, o fair play vai além do respeitar de regras, sendo todo um processo de desenvolvimento e aquisição de valores que a so-ciedade e o indivíduo em particular devem interiorizar com vistas à evo-lução coletiva e individual. Promove a harmonia, o respeito pelos outros e pela natureza e, o mais importante, pelo próximo. Enfim, valoriza no desporto assim como na vida que o que vale é a luta, “luta limpa, e não somente a vitória”.

A expressão fair play foi empregada pela primeira vez por Shakespeare, em 1595, sem qualquer relação direta com o desporto. Após, em 1880, foi adotado como a base do movimento olímpico, tendo como seu maior inspirador o Barão Pierre de Coubertain, resumindo-a na frase: “O mais importante nos Jogos Olímpicos não é vencer, mas participar, assim como a coisa mais importante da vida não é a vitória, mas a luta. O essencial não é conquistar e sim lutar bem”.

Para todos integrantes do “mundo desportivo” deveria ficar muito claro, tão cedo quanto possível, que a vitória não representa tudo, nem é a única coisa; o fracasso não é a mesma coisa que a derrota e o sucesso não é equivalente à vitória.

Os praticantes desportivos e os integrantes do mundo desportivo devem aprender que o sucesso se encontra no esforço realizado para se alcançar a vitória, Os treinadores, apoiados por todos os restantes res-ponsáveis, deverão ensinar aos atletas que eles nunca serão “derrotados”

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se derem o máximo do seu esforço, se nunca renunciarem à luta! Não será de todo descabido recordar o lendário treinador de basquetebol norte-americano John Wooden, que, à frente da equipe masculina da Universidade da Califórnia, Los Angeles (a celebérrima UCLA), conquis-tou dez campeonatos na extremamente competitiva NCM, sete dos quais consecutivos, e que, antes dos jogos, costumava dizer aos seus pupilos:

Não poderão encontrar um jogador das minhas equipes da UCLA que vos possa dizer que me tenha ouvido mencionar “temos de ganhar este jogo de basquetebol”. Ele poderá dizer-vos que eu deixei isso implícito nalgumas das minhas palavras, mas nunca que mencionei “vitória”. No entanto, a última mensagem que deixava aos meus jogadores, mesmo an-tes do início do jogo, antes de entrarem em campo, era: “quando o jogo terminar, quero-vos de cabeça levantada – e eu só conheço uma forma que vos permita sair de cabeça levantada: vocês saberem que fizeram o vosso melhor... Isto significa o melhor que vocês podem fazer. Isso é o melhor, ninguém pode fazer mais do que isso... Façam esse esforço.10

Comentando sobre o fair play, assim se expressa Mariano A. Salcedo: “es el juego limpo, la comunión de los contendientes [...], ese delicado equilibrio que supone la equidad entre los adversarios y que resulta consubstancial con la práctica deportiva. [...] Esta es la verdadera esencia del deporte.11

Por derradeiro, há que se dizer que todos os atores dessa infindá-vel “rede esportiva” deverão pautar-se por um “espírito de cavalheiris-mo” e “profissionalismo”, ou seja, pelo dever este inserido no âmago do seu ser, no sentido de respeito ao próximo, de integridade, lisura, hones-tidade e ética profissional nas relações do mundo do esporte mundial mercantilizado. Assim, pautando-se sempre pela relação transparente na mente, na alma aberta do coração (pelo amor e não por uma paixão cé-tica), assim, dar-se-ão créditos acima dos créditos no aspecto econômico em si, e sim pelos créditos entre os homens cavalheiros do bem, cavalei-ros do além do esporte e da vida, abrindo assim as portas para a ilumi-nação das almas e aquecer corações como o mais lindo sol a brilhar nos dias mais invernosos a caminho do abraço da paz e felicidade em que

10 RÚBIO, Kátia. Da Europa para a América: A trajetória do Movimento Olímpico Brasileiro. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-200.htm>.

11 De Porte y Derecho, Trilhas, p. 89.

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o futebol, assim como o esporte é instrumento maior para a unificação e instrumento de paz, harmonia entre os povos da humanidade, assim como os arcos olímpicos entrelaçados, entrelaçados pela união e amor entre os homens da Terra...”

Outrossim, assim como afirma Roberto Pugliese Jr.12, “com a evo-lução do futebol ao longo das últimas décadas, esse deixou de ser mero lazer e se transformou em um “negócio” fenomenal, com índices físi-cos e técnicos cada vez melhores dentro de campo e igualmente com expressivos números que os norteiam fora de campo. É impreterível a aplicação de gestão profissional em cada setor da administração dos clubes, a fim de melhorar a administração geral, tornando-se assim uma mentalidade empresarial profissional, pautando-se sobretudo em ter-se o princípio do “fair play esportivo” (jogo limpo nas negociatas esportivas), ética profissional, assentando-se no tripé da Governança Corporativa (equidade, transparência e prestação de contas). Com isso, a “sociedade empresária desportiva”13 irá gerar resultados financeiros e desportivos (o que não é tão fácil, tendo em vista que o esporte, por si só, tem como uma de suas peculiaridades a incerteza do resultado). Pela dimensão espacial atingida pela mercantilização do desporto, inserido no mundo do business, é de fundamental importância a preservação da marca do clube por meio de sua credibilidade, de seu orçamento que será a porta de entrada, o “cartão de visitas” para futuros investidores. Aliados a essa filosofia de trabalho, juntamente com esses fatores deverão elaborar um trabalho profissional, bem ordenado, de marketing desportivo, visando à expansão da marca (do nome do clube) conjuntamente com a marca da empresa, formando assim o modelo mais próximo do ideal de gestão profissional desportiva (resultado financeiro juntamente com resultado desportivo), além de seguir as regras dentro das 4 linhas, e lex mercatoria do mundo dos negócios comerciais desportivos e das relações interna-cionais de direito privado e regras da FIFA (entidade máxima que orde-na a “lex esportiva mundial”, inclusive com o direito de a entidade de

12 PUGLIESE JR., Roberto. “Profissional dos departamentos jurídicos dos clubes de futebol”. Revista IBDD, IOB, p. 94, n. 14, jul./dez. 2008.

13 CARLEZZO, Eduardo, Direito empresarial desportivo, p. 78: “A Sociedade Empresária Desportiva, muito mais do que um conceito ou um registro na Junta Comercial, deve ser uma nova formatação para a administração das entidades de prática desportiva, pautando-se pelos princípios básicos da gestão empresarial e pelos objetivos desportivos ínsitos a sua natureza. Aliás, este binômio essencial desta nova formatação: resultados desportivos e resultados financeiros. [...] A conjugação destes fatores, embora não seja fácil, é a razão de existir desta nova concepção”.

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prática pleitear o direito de mecanismo de solidariedade FIFA e direitos de formação, previstos no regulamento de transferências internacionais FIFA14.

Ademais, obter-se a soma de todos esses fatores elencados an-teriormente é uma tarefa extremamente complicada. Sendo o homem produto de suas vontades, enquanto ele sobrepuser seus interesses egoís ticos privados acima do coletivo, não haverá sociedade perfeita, independentemente de formatação jurídica imposta, quer seja o clube uma associação ou clube empresa. É preciso, pois, não ter “essa men-talidade ginasiana com relação ao real significado do que seja uma boa administração – que não pode ser embrulhada no mesmo pacote dos êxitos no campo de jogo, aliás, com os quais nada tem a ver”15. É de se constatar que o sucesso tão só dentro das “4 linhas” do campo nada ge-rará frutos no tocante as suas grandes questões estruturais e conjunturais, salvo a massagem no ego de seus “poderosos chefões”.

Todos do mundo dos negócios esportivos e além dele devem se pautar pela ética, transparência e idoneidade em suas relações humanas, para que se possa construir um nome, uma marca, enfim, uma credibi-lidade, pois o bem mais precioso que carregamos conosco é o nosso nome, a nossa trajetória retilínea de vida. A afirmativa de Goethe no sentido de que “a vida é uma pedra preciosa em que devemos mode-lar, esculpir e preservar nosso caráter” aplica-se tanto às pessoas físicas como às jurídicas. Reforça-se a lição de Platão de que “não há mais nada vergonhoso do que alguém ser honrado pela sua má-fama do seu passa-do que pelo seu próprio merecimento”.

Demais disso, assim como afirma Álvaro de Melo Filho, “não se pode perder a consciência de que nenhuma lei converte sonhos em reali-dade, conquanto os sonhos somente se plasmam em realidades pela von-tade, responsabilidade e ação decidida dos homens e das instituições”16. Ademais, não adianta ter leis se estas também não são cumpridas, e se, infelizmente, os homens priorizam interesses privados acima do bem comum, pode haver leis perfeitas, dentro da seara desportiva, enquanto

14 BEZERRA, Rommell Cezar Romeiro. “Indenização aos clubes formadores de jogadores de futebol face a Lei Pelé e as normativas da FIFA”, Revista IBDD, RT, n. 18, p. 188/235, julho/dez. 2010.

15 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube empresa – Preconceitos, preceitos e conceitos (o 1001º gol), Safe.16 MELO FILHO, ÁLVARO. Direito Desportivo – Aspectos Teóricos e Práticos, IOB, 2006, p. 15.

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existir administradores amadores, meros “cavaleiros feudais” nos seus pensamentos levianos, imbuídos de um “espírito egoístico”, e não sob o mandamento supremo do desporto que é o espírito do fair play, do cavalheirismo, quer em uma instituição, associação, comunidade, so-ciedade, enfim, uma nação, será nada mais do que mera utopia, sendo que, infelizmente, nosso País é o campeão no setor corrupção, pois a impunidade é o seu fomento.

Por derradeiro, não basta tão somente o “resultado desportivo”, mas sim a “vitória desportiva”. Assim como no jogo da vida, tal vitória em que nós jogadores devemos acreditar e, sobretudo lutar, lutar pelo bem, lutar com amor, até o apagar das luzes deste grande espetáculo, pois o amor é o fundamento da vida, conforme diz com sapiência no âmago do ser, Dalai Lama, em que “o amor é o centro da vida...”, e, com propriedade, Michelangelo: “é a asa mais veloz que Deus deu à alma para que ela voe até o céu, independentemente do placar final deste jogo. A vida não tem placar final, é eterna, e somos responsáveis pelo nosso caminho, caminho de luz, caminho este fundamentalmente imbuí do sob o espírito do “fair play”, enfim, do jogo limpo, do cavalhei-rismo, da nobreza de alma, mesmo que esse jogo seja realizado, promo-vido sob “mares de lama”.

Por fim, assim sendo, independentemente de doutrina, fé, crença, dogma, etnia, raça ou religião... “O dia em que os homens deixarem de postar seus olhos para si mesmos (na filosofia cega do culto ao “ego), e sim olharem para a coletividade, sobretudo na seara desportiva, im-buídos sob o espírito do fair play (jogo limpo), deixarão de ser meros “homo-sapos”, tornando-se verdadeiros homens” sapiens – sábios de luz...de alma”, e aí sim estarão dando um grande passo para a evolu-ção moral, espiritual de seus seres”, e aí sim serão mais equânimes uns com os outros e consigo mesmos... assim como diz com propriedade um jurista espanhol: “las leyes son perecedoras e inestables como los hombres, pero la justicia es inmutable como Dios”.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso em Habeas Corpus nº 47.835 – RJ (2014/0114108‑3)Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis MouraRecorrente: Narcisio Alves UchôaAdvogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de JaneiroRecorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

eMenta

DIREITO PENAL – RECURSO EM HABEAS CORPUS – ESTATUTO DO TORCEDOR – CAMBISMO – ART. 41-F DA LEI Nº 10.671/2003 – TIPICIDADE – ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE PRÉVIA AFERIÇÃO DE ESGOTAMENTO DOS INGRESSOS NA BILHETERIA – NÃO ACOLHIMENTO – RECURSO IMPROVIDO

1. Dentre os plúrimos interesses que subjazem na venda de in-gressos em grandes eventos esportivos, destaca-se a paixão do torcedor. Como ondas humanas, os seguidores dos diversos clu-bes desaguam nos estádios, levando consigo todo um sentimento, esquecendo-se, amiúde, da realidade, dura, do dia-a-dia. Não é possível olvidar que vivemos num Estado muitas vezes chamado de o “País do Futebol”. E é sobre tal fenômeno que se debruçou o legislador para tratar do “cambismo”. Trata-se de comportamento dotado de reprovabilidade penal, pela simples razão de envolver a exploração, artificiosa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Desta maneira, abusando de certo privilégio decor-rente de se chegar antes ao guichê, adquirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio. É desinfluente a circunstância, even-tual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas, porque, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto materializa-se exploração do preço, em mercado de bem finito, operado por um único for-necedor. Gera-se indevida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela exclusividade nas vendas.

2. Recurso improvido.

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acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Ericson Maranho (Desembargador convocado do TJ/SP) votaram com a Sra. Mi-nistra Relatora.

Brasília, 09 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Maria Thereza de Assis Moura Relatora

relatÓrio

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora):

Cuida-se de recurso em habeas corpus, interposto por Narcisio Alves Uchôa, assistido pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, diante da denegação, pelo Tribunal de Justiça daquela Unidade da Federação, do HC 00595117020138190000.

Na origem, foi impetrado habeas corpus buscando a declaração de atipicidade da conduta imputada ao paciente e pela qual já restou condenado pela 2ª Turma Recursal Criminal do Rio de Janeiro/RJ, após o julgamento da apelação, na qual se sustentou idêntica tese defensiva. Narrou-se que a conduta descrita no art. 41-F da Lei nº 10.671/2010 é a mesma contida anteriormente na Lei de Economia Popular, sendo certo que para a caracterização do delito de cambismo, seria imprescindível a comprovação de que não havia ingressos disponíveis na bilheteria pelo preço neles estampados, para que se evidencie que sua aquisição não se deu por conveniência do torcedor.

A ordem, contudo, foi denegada, litteris:

Rejeito a preliminar de não conhecimento suscitada pelo parquet e, no mérito, denego a ordem, acolhendo parcialmente a orientação do pa-recer.

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Reconhece-se, sem dúvida a competência para o julgamento de ha-beas corpus impetrado contra decisão proferida por Turmas Recursais, pois, há muito, houve mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, nos exatos termos postos na inicial da impetra-ção, conforme jurisprudência colacionada, tanto na inicial quanto no parecer ministerial (STF HC 89378 RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, J. 28.11.2006, 1ª T., publ. DJ 15.12.2006), cuja ementa abstenho-me de transcrever, a fim de evitar repetições.

No que tange ao manejo da impetração para alcance da mesma matéria rechaçada por ocasião do julgamento do recurso de apelação, de fato, como bem salientado pelo digno procurador de justiça, tal procedimento não se compatibiliza com o entendimento dos Tribunais Superiores que tem prezado pela excepcionalidade da ação constitucional de habeas corpus e repudiado sua utilização como substitutivo do recurso cabível.

Contudo, a tese de atipicidade, acaso acolhida, importaria na configu-ração de constrangimento ilegal pela manutenção do decreto condena-tório, com reflexo na liberdade ambulatorial do paciente. Assim, conhe-ce-se da impetração, refutando-se a preliminar destacada pela doutra procuradora de justiça.

No mérito, repisando-se o teor da decisão que indeferiu o pleito de limi-nar, desde logo se nota que o acórdão impugnado não se afigura teratoló-gico e, por esta razão, não há que se conceder a ordem. O writ busca, na verdade, revisitar as teses defensivas articuladas na apelação, já julgada de forma regular pelo órgão de segunda instância competente, qual seja, a Turma Recursal.

Admitir-se o seguimento do habeas corpus não significa que se deva acolher a pretensão do impetrante, que pretende a reanálise do próprio recurso já julgado. A concessão da ordem importará, de fato, em institui-ção de uma terceira instância, o que não pode ser admitido sob pena de violar-se o sistema recursal pátrio.

Por outro lado, insta salientar que a interpretação que se deu ao artigo de lei em comento e a adoção de tese doutrinária divergente daquela sus-tentada pela defesa não constitui patente ilegalidade e, portanto, não está caracterizada a hipótese de incidência da ação constitucional.

Com efeito, a decisão impugnada e inquinada de ilegalidade, em razão da alegada atipicidade da conduta encontra-se escorada em entendimen-to doutrinário e jurisprudencial, não sendo possível afirmar-se a atipici-dade da conduta, em razão do dissenso jurisprudencial sobre a matéria.

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Merece destaque o trecho da sentença proferida em primeiro grau, e con-firmada pela Turma Recursal, pela consistência de sua fundamentação:

[...]

Nem se diga que não é lícito se tinha o torcedor a possibilidade de ad-quirir ingressos pela via normal na bilheteria, quando se sabe que a ação é criminosa porque atinge a coletividade ao impor preços abusivos e dificultar a livre escolha dos lugares.

A lei quer impedir o ágio.

E “ágio não é sinônimo de conveniência.” A verdade é que ao menos os potenciais ocupantes dos lugares a serem vendidos deixarão de ter o mesmo tratamento econômico que os demais.

Em outras palavras, se todos quiserem assistir o espetáculo, ao menos os possíveis ocupantes dos locais possuídos pelos cambistas deixarão de usufruir do mesmo preço.

E se existem outros locais a serem vendidos, ao menos aqueles, não po-derão ser escolhidos, havendo “perda do direito” de escolha do consu-midor.

Não se trata, apenas, de vender o conforto de não entrar em filha.

Mas, sim, de impedir, por “venda não tabelada” que todos sejam na ci-tada relação de consumo possuidores das mesmas condições de compra e venda.

Irrelevante que a bilheteria estivesse aberta.

[...] Ademais, o delito pelo qual foi condenado o paciente – art. 41-F da Lei nº 1.0671/2003 – foi incluído pela Lei nº 12.299/2010, de 27 de julho de 2010 e a jurisprudência colacionada pela impetração, com todas as vênias, não se presta a fundamentar a pretensão de reconhecimento da atipicidade da conduta, inclusive porque não atualizada.

Analisando-se o inteiro teor do acórdão da lavra do eminente Des. Ricardo Bustamante, cuja ementa se transcreve na inicial, verifica-se que, embora datado de 02.02.2011, fundamenta-se no entendimento de três julgados do Conselho Recursal da Capital, todos de 2008, que cuidam do art. 2º, IX da Lei de Economia Popular.

Por outro lado, o acórdão da lavra do eminente Des. Siro Darlan de Oliveira, cuida, por igual do delito do art. 2º, IX da Lei nº 1.521/1951,

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utilizando-se, como fundamento, de julgados anteriores à edição da Lei nº 12.299/2010.

Ademais, a tipicidade da conduta descrita no art. 41-F da Lei nº 1.0671/2003 (Vender ingressos de evento esportivo, por preço supe-rior ao estampado no bilhete) prescinde, por sua redação, de qualquer circunstância especial para sua configuração.

Por fim, de se consignar que não há que se cogitar de tolerância à con-duta ou de necessidade de descrição de circunstâncias outras (tais como o esgotamento dos ingressos da bilheteria ou a bilheteria fechada) para a caracterização do tipo penal, diante da manutenção da conduta no Anteprojeto do Código Penal, já aprovado pelo Senado Federal, com a seguinte redação, verbis: Art. 252 – Vender ingressos de evento esportivo ou cultural por preço superior ao estampado no bilhete.

Pena – prisão, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único. Se o agente fornece, desvia ou facilita a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete.

Pena – prisão de um a três anos.

Pelo exposto, dirijo meu voto no sentido de denegar a ordem. (fls. 119-124).

Não se conformando, comparece perante esta Corte, reavivando, essencialmente, o quanto asseverado na origem.

Pede a absolvição do recorrente pela atipicidade.

O Ministério Público Federal apresentou parecer, fls. 269-280, da lavra do Subprocurador-Geral da República Wagner N. Batista, opinan-do pelo não conhecimento do recurso e, caso conhecido, pelo seu im-provimento.

Em contanto telefônico com a 2ª Turma Recursal e com o V Jui-zado Especial Criminal do Rio de Janeiro/RJ, obteve-se a informação de que já houve a baixa definitiva dos autos da ação penal, confirmada a condenação do recorrente (um ano de reclusão e dez dias-multa, substi-tuída a privativa de liberdade por restritiva de direito), tendo sido expe-dida intimação para o cumprimento da pena.

É o relatório.

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eMenta DIREITO PENAL – RECURSO EM HABEAS CORPUS – ESTATUTO DO TORCEDOR – CAMBISMO – ART. 41-F DA LEI Nº 10.671/2003 – TIPICIDADE – ALEGAÇÃO DE NECESSIDADE DE PRÉVIA AFERIÇÃO DE ESGOTAMENTO DOS INGRESSOS NA BILHETERIA – NÃO ACOLHIMENTO – RECURSO IMPROVIDO

1. Dentre os plúrimos interesses que subjazem na venda de in-gressos em grandes eventos esportivos, destaca-se a paixão do torcedor. Como ondas humanas, os seguidores dos diversos clu-bes desaguam nos estádios, levando consigo todo um sentimento, esquecendo-se, amiúde, da realidade, dura, do dia-a-dia. Não é possível olvidar que vivemos num Estado muitas vezes chamado de o “País do Futebol”. E é sobre tal fenômeno que se debruçou o legislador para tratar do “cambismo”. Trata-se de comportamento dotado de reprovabilidade penal, pela simples razão de envolver a exploração, artificiosa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Desta maneira, abusando de certo privilégio decor-rente de se chegar antes ao guichê, adquirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio. É desinfluente a circunstância, even-tual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas, porque, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto materializa-se exploração do preço, em mercado de bem finito, operado por um único for-necedor. Gera-se indevida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela exclusividade nas vendas.

2. Recurso improvido.

voto

Ministra Maria Thereza de Assis Moura (Relatora): O objeto da insurgência cinge-se à verificação da tipicidade da conduta de “cambis-mo” irrogada ao recorrente.

Consta da inicial acusatória, formulada oralmente:

Na data de hoje, por volta das 16:00 horas, nas imediações do Estádio João Havelange, o denunciado Narciso Alves Uchoa, de forma livre e consciente, vendia ingressos para o jogo Botafogo x Flamengo, válido

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pelo Campeonato Brasileiro – 2011, pelo valor superior ao estampado no bilhete.

Consta dos autos que o denunciado promovia o mercado dos ingressos pelos valores de R$ 50,00 (cinqüenta reais), e RS 40,00 (quarenta reais), valores acima do estampado nos bilhetes, quais sejam, RS 40,00 (quaren-ta reais) e 30,00 (trinta reais), respectivamente.

Além da especulação em detrimento aos interesses dos torcedores, o comportamento ilícito ainda determina grande prejuízo ao interesse so-cial, uma vez que o atuar dos cambistas acaba monopolizando os bilhe-tes para, pelo livre arbítrio. estabelecer o preço de conveniência especu-lativa. (fl. 59).

A argumentação defensiva toda gravita na ausência de demonstra-ção, na denúncia, de que, quando da oferta, não haveria mais ingressos à venda na bilheteria. Nesse raciocínio, caso ainda se dispusesse de ofer-ta oficial, em verdade, os cambistas apenas seriam uma opção, lícita, de se contornar a permanência nas filas.

Eis o teor do tipo penal em foco, que é um dos dispositivos do Estatuto do Torcedor, Lei nº 10.671/2003:

Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:

Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010).

Com todo respeito que deve ser tributado ao exercício da Defesa, entendo que a exegese que se pretende conferir ao tipo penal em foco não prospera.

Os grandes eventos esportivos, em que são vendidos ingressos, movimentam muitos interesses. Gostaria de me concentrar, na presente análise, em apenas um deles: a paixão do torcedor. Como ondas huma-nas, os seguidores dos diversos clubes desaguam nos estádios, levan-do consigo todo um sentimento, esquecendo-se, amiúde, da realidade, dura, do dia-a-dia. Não é possível olvidar que vivemos num Estado mui-tas vezes chamado de o “País do Futebol”. Pois bem, é sobre tal fenôme-no que se debruçou o legislador para tratar do “cambismo”.

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Trata-se de comportamento dotado de reprovabilidade penal, pela simples razão de envolver a exploração, artificiosa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Desta maneira, abusando de certo privilégio decorrente de se chegar antes ao guichê, adquirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio.

Como ensina a doutrina:

O crime em comento visa combater o “câmbio negro”, invariavelmen-te feito nas imediações dos estádios, nos dias de jogos ou nos que os antecedem, pelos “cambistas”. (DELMANTO. Roberto, et al. Leis penais especiais comentadas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 750).

Entendo que a compreensão albergada pelas anteriores instâncias encontra-se prenhe de lucidez e juridicidade. É desinfluente a circuns-tância, eventual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas, por-que, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto materializa-se exploração do preço, em mercado de bem finito, operado por um único fornecedor. Gera-se inde-vida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela exclusividade nas vendas.

Nesse contexto, não diviso qualquer motivo para modificação da condenação, que, nesta quadra, já alcançou definitividade.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário.

É como voto.

certiDão De julGaMento seXta turMa

Número Registro: 2014/0114108-3

RHC 47.835/RJ

Matéria Criminal

Números Origem: 00292721220118190208 0059511-70.2013.8. 19.0000 00595117020138190000 292721220118190208

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Em Mesa Julgado: 09.12.2014

Relatora: Exma. Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Fatima Aparecida de Souza Borghi

Secretário: Bel. Eliseu Augusto Nunes de Santana

autuação

Recorrente: Narcisio Alves Uchôa

Advogado: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro

Assunto: Direito penal – Crimes previstos na legislação extravagante

certiDão

Certifico que a egrégia Sexta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos ter-mos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior (Presidente), Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Ericson Maranho (Desembargador convo-cado do TJ/SP) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaAgRg no Recurso Especial nº 1.472.852 – DF (2014/0194183‑2)Relator: Ministro Humberto MartinsAgravante: Fazenda NacionalAdvogado: Procuradoria‑Geral da Fazenda NacionalAgravado: Club Athlético PaulistanoAdvogados: João Carlos Meza

Miguel Luiz Favalli Meza e outro(s)

eMentaTRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC – ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – IMPOSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DO STF – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS NÃO MANTENEDORAS DE CLUBE DE FUTEBOL – PERMANÊNCIA DO REGIME DA LEI Nº 5.939/1973 ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 9.528/1997

1. A eventual nulidade da decisão monocrática calcada no art. 557 do CPC fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, na via de agravo regimental.

2. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de violação a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competên-cia do STF.

3. O regime especial de contribuição previdenciária empresarial instituído pela Lei nº 5.939, de 1973, relativamente à associações desportivas não mantenedoras de clube de futebol, somente foi revogado pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997.

(REsp 1.171.442/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, J. 03.09.2013, DJe 10.09.2013) Agravo regimental improvido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo re-gimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs.

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Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministro Humberto Martins Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator):

Cuida-se de agravo regimental interposto pela Fazenda Nacional contra decisão monocrática de minha relatoria que apreciou recurso especial interposto com o objetivo de reformar acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, assim ementado (fl. 240, e-STJ):

“TRIBUTÁRIO – PREVIDENCIÁRIO – PRESCRIÇÃO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA AMADORA – LEI Nº 5.939/1973 – LEI Nº 7.787/1989 – LEI Nº 8.212/1991 – LEI Nº 8.641/1993 – REVOGAÇÃO EXPRESSA – PERMANÊNCIA NO RE-GIME DA LEI Nº 5.939/1973 ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 8.641/1993

1. Para os créditos previdenciários sujeitos a lançamento por homologa-ção, a prescrição da ação de restituição somente ocorre decorridos dez anos, a partir do fato gerador, acrescido de mais dez anos, contados da homologação tácita. Arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991.

2. Para a autora ser enquadrada na forma da tributação instituída pela Lei nº 5.939/1973, deve demonstrar ser entidade integrante obrigatória do Sistema Desportivo Nacional, organizada sob a forma comunitária (con-forme disposto na Lei nº 6.251/1975, art. 20 c Decreto nº 77.210/1976) e anualmente comprove manter a prática de esportes olímpicos’ e ter participado de competição em cada uma dessas modalidades (Decreto nº 77.210/1976, art. 30, caput, e parágrafo único).

3. O legislador em todos os momentos definiu, expressamente, o modo como ocorreria a tributação das entidades desportivas amadoras. Se a Lei nº 8.212/1991 não explicitou a forma de contribuição, faz-se crer que a Lei nº 5.939/1973 permaneceu em vigor até o advento da Lei nº 8.641/1993, que expressamente a revogou.

4. Apelação parcialmente provida.”

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A decisão agravada deu provimento ao recurso especial do agra-vado, nos termos da seguinte ementa (fl. 428, e-STJ):

“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS NÃO MANTENEDORAS DE CLUBE DE FUTEBOL – PER-MANÊNCIA DO REGIME DA LEI Nº 5.939/1973 ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 9.528/1997 – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.”

Aduz a agravante, preliminarmente, violação do art. 557 do CPC ante a ausência de precedentes da 2ª Turma ou da 1ª Seção do STJ.

No mérito, alega que “A Lei nº 5.939/1973 não foi recepcionada pela Carta Magna de 1998, pois a base de cálculo ali prevista não se enquadrou entre as elencadas no art. 195 do CF” (fl. 445, e-STJ).

Sustenta, também, que “a contribuição sob a modalidade prevista na Lei nº 8.641/1993, posteriormente substituída pela Lei nº 9.528/1997, é devida, exclusivamente, pelos clubes de futebol profissional, assim en-tendidas todas as associações desportivas que patrocinam a prática de futebol profissional e estejam filiadas à entidade federal de administra-ção do desporto. Quanto às demais associações desportivas, como no caso em tela, sujeitam-se a contribuição sobre a folha de salários, tal como previsto na Lei nº 8.212/1991” (fl. 445, e-STJ).

Pugna, por fim, caso não seja reconsiderada a decisão agravada, submeta-se o presente agravo à apreciação da Turma.

Dispensada a oitiva da agravada.

É, no essencial, o relatório.

eMenta TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC – ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – IMPOSSIBILIDADE – COMPETÊNCIA DO STF – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS NÃO MANTENEDORAS DE CLUBE DE FUTEBOL – PERMANÊNCIA DO REGIME DA LEI Nº 5.939/1973 ATÉ O ADVENTO DA LEI Nº 9.528/1997

1. A eventual nulidade da decisão monocrática calcada no art. 557 do CPC fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, na via de agravo regimental.

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2. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de violação a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competên-cia do STF.

3. O regime especial de contribuição previdenciária empresarial instituído pela Lei nº 5.939, de 1973, relativamente à associa-ções desportivas não mantenedoras de clube de futebol, somen-te foi revogado pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997. (REsp 1.171.442/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, 1ª T., J. 03.09.2013, DJe 10.09.2013)

Agravo regimental improvido.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Não merecem prosperar as alegações da agravante.

De início, não comporta conhecimento a alegação de violação ao art. 557 do CPC, visto que, consoante interativa jurisprudência do STJ, eventual nulidade de decisão singular fica superada com a reapreciação da demanda pelo colegiado.

Outrossim, não cabe ao STJ, em recurso especial, a análise de su-posta violação de dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competência do STF.

No mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL – DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS – VIOLA-ÇÃO DO ART. 535 DO CPC – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA Nº 284/STF – CONSUMO DE ÁGUA ELEVADO – HIDRÔ-METRO SEM DEFEITOS – VAZAMENTOS – REVISÃO – MATÉRIA FÁTI-CO-PROBATÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/STJ – DESTINATÁ-RIO DA PROVA – JUIZ

1. Não se presta o Recurso Especial ao exame de suposta afronta a dispo-sitivos constitucionais, por se tratar de matéria reservada à competência do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, III, da Constituição Federal.

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2. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recor-rido, atrai a aplicação do disposto na Súmula nº 284/STF.

3. Hipótese em que o Tribunal de origem consignou que o elevado con-sumo de água tem como causa vazamentos nas tubulações, nas cisternas ou nos vasos sanitários. Além disso, que ‘a versão da autora não é veros-símil. Não há prova dos fatos por ela alegados’.

4. É inviável analisar a tese defendida no Recurso Especial, pois inarre-dável a revisão do conjunto probatório dos autos. Aplica-se o óbice da Súmula nº 7/STJ, o que também impede o exame da divergência jurispru-dencial na medida em que as peculiaridades do caso concreto, decisivas à solução conferida pela Corte de origem, não possuem identidade com os paradigmas trazidos à colação.

5. Sendo o juiz o destinatário final da prova, cabe a ele, em sintonia com o sistema de persuasão racional adotado pelo CPC, dirigir a instrução probatória e determinar a produção das provas que considerar necessá-rias à formação do seu convencimento. Assim impossível nesta instância verificar a força probatória do laudo produzido por engenheiro, além dos outros documentos apontados pela autora, os quais supostamente seriam aptos a comprovar sua tese recursal.

6. Agravo Regimental não provido.” (AgRg no REsp 1474097/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 25.11.2014, DJe 04.12.2014)

No mérito, maior sorte não assiste à Fazenda Nacional.

Conforme demonstrado na decisão agravada, a revogação da Lei nº 5.939/1973 somente ocorreu com a Medida Provisória nº 1.523/1996, convertida na Lei nº 9.528/1997, pois a Lei nº 8.212/1991 não dispôs expressamente sobre a contribuição específica das entidades desportivas amadoras e a Lei nº 8.641/1993 apenas estabeleceu normas de contri-buição às associações desportivas mantenedoras de clubes de futebol.

Ao contrário, o § 4º do art. 1º da Lei nº 8.641/1993 manteve o recolhimento discutido, conforme as disposições da Lei nº 8.212/1991 e legislação subsequente e, por certo, em relação às demais associações desportivas.

Confira-se:

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“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – ASSOCIAÇÕES DESPORTIVAS NÃO MANTENEDORAS DE CLUBE DE FUTEBOL – LEI Nº 5.939/1973

O regime especial de contribuição previdenciária empresarial instituí-do pela Lei nº 5.939, de 1973, relativamente à associações desportivas não mantenedoras de clube de futebol, somente foi revogado pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997.

Recurso especial não provido.” (REsp 1.171.442/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, Primeira Turma, Julgado em 03.09.2013, DJe 10.09.2013)

Logo, a revogação da Lei nº 5.939/1973 somente ocorreu com a Medida Provisória nº 1.523/1996 convertida na Lei nº 9.528/1997.

Desse modo, sem argumento capaz de modificar a decisão agrava-da, mantenho-a por seus próprios e jurídicos fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como penso. É como voto.

Ministro Humberto Martins Relator

certiDão De julGaMento seGunDa turMa

AgRg no REsp 1.472.852/DF

Número Registro: 2014/0194183-2

Números Origem: 00069951520014013400 200134000070014 69951520014013400 7292002

Pauta: 18.12.2014 Julgado: 18.12.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Humberto Martins

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Maria Sílvia de Meira Luedemann

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

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autuação

Recorrente: Club Athlético Paulistano

Advogados: Miguel Luiz Favalli Meza João Carlos Meza e outro(s)

Recorrido: Fazenda Nacional

Agravante: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Agravado: Club Athlético Paulistano

Advogados: Miguel Luiz Favalli Meza e outro(s) João Carlos Meza

Assunto: Direito Tributário – Contribuições – Contribuições previden-ciárias

aGravo reGiMental

Agravante: Fazenda Nacional

Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

Agravado: Club Athlético Paulistano

Advogados: Miguel Luiz Favalli Meza e outro(s) João Carlos Meza

certiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de JustiçaSentença Estrangeira Contestada nº 11.529 – Ex (2014/0136915‑1)Relator: Ministro Og FernandesRequerente: Al‑Gharafa Sports ClubAdvogado: André O. de Meira RibeiroRequerido: Clemerson de Araujo SoaresAdvogado: Paulo Henrique S. Pinheiro e outro(s)

eMentaDIREITO INTERNACIONAL – PROCESSUAL CIVIL – SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA – PLEITO DE HOMOLOGAÇÃO – INADIMPLEMENTO DE CONTRATO – SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA – IRREGULARIDADES FORMAIS – AUSÊNCIA – POSSIBILIDADE – PRECEDENTE – COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL – DEFINIDO POR ELEIÇÃO EM CONTRATO PELAS PARTES, COM ATENÇÃO À CONVENÇÃO ARBITRAL – NÃO VERIFICADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 34, 37, 38 E 39 DA LEI Nº 9.307/1996 – PRESENÇA DOS REQUISITOS DE HOMOLOGAÇÃO

1. Cuida-se de pedido de homologação de sentença arbitral, pro-ferida no estrangeiro, que versa sobre inadimplemento de contrato comercial firmado entre associação esportiva estrangeira e jogador de futebol brasileiro.

2. A sentença estrangeira de que se cuida preenche adequadamen-te os requisitos estabelecidos nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Resolução nº 9/2005, desta Corte Superior de Justiça, bem como no art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e dis-posições pertinentes da Lei de Arbitragem (arts. 34, 37, 38 e 39).

3. Verifica-se que a sentença arbitral estrangeira, embora se trate de provimento não judicial, apresenta natureza de título executivo judicial, sendo passível de homologação (art. 4º, § 1º, da Resolu-ção nº 9/2005, do STJ).

4. A regularidade formal encontra-se atendida, uma vez que pre-sente nos autos a documentação exigida pelas normas de regência.

5. O requerido, em sua contestação, insurge-se, ainda, contra suposta ausência de citação e falta de “trânsito em julgado” da sentença arbitral que se pretende homologar. Sem razão, no en-tanto. É fato incontroverso que, em 2011, o requerido atuava no

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Fluminense e que as notificações se deram no órgão empregador, constando informação comprovada quanto à sua recusa a receber a notificação. As informações dos autos denotam que não houve violação do contraditório ou ampla defesa, pois o requerido to-mou conhecimento do procedimento arbitral no Tribunal do CAS. Precedente.

6. O ato que materializa o “trânsito em julgado”, no caso do pro-cedimento arbitral estrangeiro sub examinem, consta dos autos.

7. Não houve violação da ordem pública, na medida em que: i) pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o paga-mento se efetive pela conversão em moeda nacional; e ii) embora a matéria de fundo trate de direito individual trabalhista, foram discutidas, no procedimento de arbitragem, questões meramente patrimoniais que decorreram da rescisão antecipada do contrato de trabalho pelo requerido, o que resultou na aplicação da multa rescisória. Em outras palavras, não houve abdicação a direito labo-ral (indisponível), mas apenas aplicação de multa rescisória, cons-tante de cláusula prevista no contrato, o que autorizou a utilização da arbitragem. Não houve, também, ofensa à previsão constante da Lei nº 9.605/98, pois não se apreciou matéria referente à disci-plina e competição desportiva.

8. Pedido de homologação deferido.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, deferiu o pedido de homologação de sen-tença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão.

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Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Sustentou oralmente, pelo requerido, o Dr. Paulo Henrique S. Pinheiro.

Brasília, 17 de dezembro de 2014 (data do Julgamento).

Ministra Laurita Vaz Presidente

Ministro Og Fernandes Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): Trata-se de pedi-do de homologação de sentença arbitral estrangeira formulado por Al Gharafa Sports Club, agremiação afiliada à Associação de Futebol do Catar, em face do atleta Clemerson de Araujo Soares.

Alega o requerente que em 12.05.2009 as partes celebraram um contrato de trabalho para que o atleta, ora requerido, pudesse atuar pelo requerente no período de 20.08.2010 a 31.07.2011 e que, segundo re-ferido instrumento, as partes poderiam rescindir o contrato de trabalho antes de seu vencimento, por meio de acordo.

Narra que, em janeiro de 2011, o requerido comunicou ao Reque-rente o seu interesse em rescindir o referido contrato para que pudesse atuar pelo clube de futebol Fluminense.

Salienta o requerente que a adversa parte deveria pagar-lhe a quantia de EUR 600.000,00 (seiscentos mil euros), como indenização pela rescisão antecipada, em três parcelas iguais e sucessivas, sendo os vencimentos em 20.01.2011, 20.02.2011 e 21.03.2011.

Argumenta que cumpriu sua obrigação e emitiu o Certificado In-ternacional de Transferência do Requerido (ITC) no Transfer Matching System (TMS), que corresponde a um sistema on-line da FIFA para trans-ferência internacional de jogadores entre clubes. Contudo, não recebeu o valor especificado e, na data de vencimento da última parcela, enca-minhou formalmente uma notificação ao requerido, lembrando-lhe de

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suas obrigações contratuais e solicitando o pagamento do valor total do débito com adição de multa de 10% e juros à taxa anual de 15%, con-forme disposto na cláusula 2.4 do contrato de rescisão.

Aduz que o requerido manteve-se inerte e descumpriu o contrato então celebrado, não realizando o pagamento do valor devido, razão pela qual instaurou o procedimento arbitral em face do requerido.

Ressalta que o requerido em nenhum momento apresentou qual-quer argumentação, documentação probatória ou participou do proces-so arbitral de qualquer forma, conforme mencionado inúmeras vezes no bojo da própria sentença arbitral.

Ao final, obteve sentença arbitral a seu favor, proferida por árbitro único da Court of Arbitration for Sport – CAS (FIFA).

Pugna pela homologação da referida sentença arbitral estrangeira.

Em contestação (e-STJ, fls. 171/222), o requerido alegou: a) ir-regularidade da representação processual, tendo em vista ausência de comprovação de poderes para atuação do Sr. Jassim Mohd AlMansoori (e-STJ, fl. 174); b) violação do art. 39, I, da Lei nº 9.307/1996, pois trata-se de direito individual do trabalho, havendo impossibilidade de ser objeto de arbitragem no Brasil; c) ausência de citação do requerido no processo arbitral e, assim, afronta ao art. 38, III, da Lei nº 9.307/1996, c/c o art. 5º, II, da Resolução nº STJ 9/2005, pois as ditas cartas foram encaminhadas ao Fluminense, referentes às intimações quanto ao procedimento arbitral instaurado pelo requerente no CAS. Sustenta que, embora empregador do requerido no ano de 2011, o Fluminense é pessoa totalmente diversa e não possuía poder para receber qualquer ato em seu nome; d) viola-ção do art. 5º da Lei de Arbitragem, pois não houve notificação para instauração do compromisso arbitral; e) ausência de trânsito em julgado da sentença arbitral; f) inexistência de prova da existência da legislação alienígena e do código procedimental do CAS, pois a tradução estaria limitada aos arts. 31 R e 38R/46R do código procedimental do CAS; g) violação do art. 1º, caput e § 3º do Decreto Federal nº 22.626/1993 (Lei de Usura), em razão da previsão de juros contratuais moratórios acima de 12% a.a.; h) malferimento ao art. 6º da Lei nº 8.880/1994 em razão da indexação de pagamento à variação cambial.

Manifestação do requerente (e-STJ, fls. 229/240).

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O MPF, inicialmente, ofertou Parecer (e-STJ, fls. 432/455), opinan-do pela concessão de prazo para regularização processual e, em sendo regularizada a situação, pela homologação. Após juntada de documen-tos pela parte requerente (e-STJ, fls. 473/483), o MPF pugnou pela homo-logação (e-STJ, fl. 491).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes (Relator): A sentença estran-geira de que se cuida preenche adequadamente todos os requisitos refe-ridos nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Resolução nº 9/2005, desta Corte Supe-rior de Justiça, bem como no art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e disposições pertinentes da Lei de Arbitragem (arts. 34, 37, 38 e 39).

Inicialmente, verifica-se que a sentença arbitral estrangeira, em-bora trate de provimento não judicial, possui natureza de título executi-vo judicial, sendo passível de homologação (art. 4º, § 1º, da Resolução nº 9/2005, STJ). Sobre o tema, não se pode olvidar os dispositivos legais que amparam a natureza jurídica do mencionado documento, verbis:

Resolução nº 9/2005 (STJ)

Art. 4º A sentença estrangeira não terá eficácia no Brasil sem a prévia homologação pelo Superior Tribunal de Justiça ou por seu Presidente.

§ 1º Serão homologados os provimentos não-judiciais que, pela lei brasileira, teriam natureza de sentença.

[...]

CPC Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:

[...]

IV – a sentença arbitral; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

[…]

VI – a sentença estrangeira, homologada pelo Superior Tribunal de Justiça; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

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RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ����������������������������������������������������������������131

Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)

Art. 34. A sentença arbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de conformidade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei.

Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.”

No que diz respeito à documentação exigida pela legislação vigen-te, verifica-se a sentença arbitral cuja homologação é pretendida (e-STJ, fls. 77/91), traduzida por tradutor público (e-STJ, fls. 99/120) devidamen-te autenticada pelo Consulado-Geral do Brasil em Genebra; contrato celebrado entre requerente e requerido (e-STJ, fls. 27/33), traduzido por tradutor público às e-STJ, fls. 37/41, e devidamente autenticado pela embaixada do Brasil em Doha; cópia do termo de rescisão do contrato (e-STJ, fls. 44/54), autenticado pela embaixada do Brasil em Doha. Dessa forma, também se encontram acostados os documentos prescritos, de acordo com o que determina o ordenamento, verbis:

Resolução nº 9/2005 (STJ)

Art. 3º A homologação de sentença estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações constantes da lei processual, e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e autenticados.

Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)

Art. 37. A homologação de sentença arbitral estrangeira será requerida pela parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações da lei processual, conforme o art. 282 do Código de Processo Civil, e ser instruída, necessariamente, com:

I – o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, autenticada pelo consulado brasileiro e acompanhada de tradução oficial;

II – o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial.

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O requerido, em sua contestação, insurge-se, ainda, contra supos-ta ausência de citação e a ausência de “trânsito em julgado” da sentença arbitral que se pretende homologar. Sem razão.

É fato incontroverso que, em 2011, o requerido atuava no Flumi-nense e que as notificações se deram no órgão empregador. Ademais, na tradução da sentença arbitral, consta a seguinte informação:

27. Em 21 de novembro de 2011, a Secretaria do Tribunal do CAS recebeu um fax do Fluminense FC, declarando que a carta de 8 de no-vembro de 2011 havia sido apresentada ao Requerido em 11 de novem-bro de 2011, mas que o Requerido havia se recusado a receber a carta (e-STJ, fl. 103).

Não se pode olvidar o que nosso ordenamento estabelece como exigência para que o requisito da intimação/notificação conste como atendido. Transcrevo:

Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)

Art. 38. Somente poderá ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:

[...]

III – não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa;

As informações dos autos denotam que não houve violação do contraditório ou ampla defesa, pois o requerido tomou conhecimento do procedimento arbitral no Tribunal do CAS. Não é demais colacionar a jurisprudência deste Colendo Superior Tribunal de Justiça, sobre o tema:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA – CUM-PRIMENTO DOS REQUISITOS FORMAIS – JUÍZO DE DELIBAÇÃO

[...]

3. A citação, no procedimento arbitral, não ocorre por carta rogatória, pois as cortes arbitrais são órgãos eminentemente privados. Exige-se, para a validade do ato realizado via postal, apenas que haja prova inequívoca de recebimento da correspondência.

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4. Sentença estrangeira homologada.

(SEC 8.847/EX, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, Julgado em 20.11.2013, DJe 28.11.2013)

O ato que materializa o “trânsito em julgado”, no caso do procedi-mento arbitral estrangeiro sub examinem, consta nos autos, verbis:

Artigo R46, §§ 2º e 3º do Código de Esportes do CAS

O laudo notificado pela Secretaria do tribunal do CAS será final e vinculante em relação às partes. Não poderá ser contestado através de uma ação rescisória, na medida em que as partes não tenham domicílio, residência habitual ou estabelecimento comercial na Suíça, e que tenham expressamente excluído todos os processos rescisórios no acordo de arbitragem ou em um acordo subsequente, particularmente no início da arbitragem (e-STJ fl. 74).

A autoridade que proferiu o ato era competente, conforme legisla-ção de regência (e-STJ, fl. 50).

Portanto, cumpridas as demais exigências formais exigidas pela Resolução nº 9/2005 (STJ) e LINDB:

Resolução nº 9/2005 (STJ)

Art. 5º Constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:

I – haver sido proferida por autoridade competente;

II – terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

III – ter transitado em julgado; e

IV – estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil.

LINDB:

Art. 15. Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;

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c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal. (Vide art.105, I, i da Constituição Federal)

Parágrafo único. (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).

Há, ainda, a prova de legislação alienígena e do Código Procedi-mental da “Cort of Arbitration for Sport” (CAS), ao contrário do que alega a parte requerida (e-STJ, fls. 242/399).

Por sua vez, resta o exame dos requisitos formais subjetivos, con-sistente na inexistência de ofensa aos bons costumes, à ordem pública e à soberania nacional.

A mencionada exigência negativa consta, também, no nosso orde-namento jurídico. Transcrevo:

Art. 6º Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem pública.

(Resolução nº 9/2005, do STJ)

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. (DL 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB)

Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem)

Art. 39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal constatar que:

I – segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;

II – a decisão ofende a ordem pública nacional.

Alega o requerido que houve afronta à soberania nacional, em razão da indexação de pagamento à variação cambial, o que atentou contra o art. 6º da Lei nº 8.880/1994. Sobre o tema, o Ministério Público

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Federal, em aplaudido Parecer, demonstra a não ocorrência da apontada violação. Transcrevo (e-STJ, fls. 442/443):

Dispõe referido dispositivo de lei:

Art. 6º É nula de pleno direito a contratação de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior.

Ocorre que o referido dispositivo de lei está inserido no contexto de plano econômico que objetivava a estabilização econômica do país, e não veda a celebração de contratos internacionais com previsão de obrigações em moeda estrangeira, mormente quando a execução está prevista para se dar no exterior (Catar), desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.

Nesse sentido:

DIREITO CIVIL E COMERCIAL – CONTRATAÇÃO EM MOEDA ESTRANGEIRA – PAGAMENTO MEDIANTE CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL – INDEXAÇÃO DE DÍVIDAS PELA VARIAÇÃO CAMBIAL DE MOEDA ESTRANGEIRA – CONTRATO CIVIL DE MÚTUO – ALEGAÇÃO DE AGIOTAGEM – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA DE REGULARIDADE JURÍDICA DAS RESPECTIVAS OBRIGAÇÕES

– O art. 1º do Dec. 23.501/1933 proíbe a estipulação de pagamentos em moeda estrangeira, regra essa mantida pelo art. 1º do DL 857/1969 e pelo art. 1º da Lei nº 10.192/2001 e, mais recentemente, pelos arts. 315 e 318 do CC/2002. A vedação aparece, ainda, em leis especiais, como no art. 17 da Lei nº 8.245/1991, relativa à locação. A exceção a essa regra geral vem prevista no art. 2º do DL 857/1969, que enumera hipóteses em que se admite o pagamento em moeda estrangeira.

– A despeito disso, pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.

– O entendimento supra, porém, não se confunde com a possibilidade de indexação de dívidas pela variação cambial de moeda estrangeira, vedada desde a entrada em vigor do Plano Real (Lei nº 8.880/1994), excepcionadas as hipóteses previstas no art. 2º do DL 857/1969.

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– Quando não enquadradas nas exceções legais, as dívidas fixadas em moeda estrangeira não permitem indexação. Sendo assim, havendo previsão de pagamento futuro, tais dívidas deverão, no ato de quitação, ser convertidas para moeda nacional com base na cotação da data da contratação e, a partir daí, atualizadas com base em índice de correção monetária admitido pela legislação pátria.

– Não obstante o art. 3º da MP 1.965-14/00, cuja última reedição se deu sob o nº 2.172-32/2001, impute ao credor ou beneficiário de contratos civis de mútuo o ônus de provar a regularidade jurídica das correspondentes obrigações, a inversão do ônus da prova é vinculada à demonstração, pelo devedor, da verossimilhança de suas alegações.

Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 804.791/MG, Relª Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, J. 03.09.2009, DJe 25.09.2009)

Portanto, não há a apontada violação e, por conseguinte, ofensa à soberania nacional que impeça a homologação pretendida.

No mesmo sentido, não verifico violação da ordem pública. Em-bora a matéria de fundo trate de direito individual trabalhista, foram discutidas, no procedimento de arbitragem, questões meramente patri-moniais que decorreram da rescisão antecipada do contrato de trabalho pelo requerido, o que resultou na aplicação da multa rescisória. Em ou-tras palavras, não houve abdicação a direito laboral (indisponível), mas apenas aplicação de multa de rescisão, constante em cláusula prevista no contrato, o que autorizou o uso da arbitragem. Não houve, também, ofensa à previsão constante da Lei nº 9.605/1998, pois não se apreciou matéria referente à disciplina e competição desportiva. Transcrevo:

Art. 90-C. As partes interessadas poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, vedada a apreciação de matéria referente à disciplina e à competição desportiva. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

Parágrafo único. A arbitragem deverá estar prevista em acordo ou convenção coletiva de trabalho e só poderá ser instituída após a concordância expressa de ambas as partes, mediante cláusula compro-missória ou compromisso arbitral. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

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Por fim, o vício de representação foi devidamente sanado, após decisão (e-STJ, fl. 459). Documentos: e-STJ, fls. 473/483 e 492/497.

Com essas considerações, atendidas as exigências formais objeti-vas e subjetivas, defiro o pedido de homologação.

Custas ex lege.

É como voto.

certiDão De julGaMento corte esPecial

Número Registro: 2014/0136915-1

Processo Eletrônico SEC 11.529/QA

Número Origem: 201400492246

Pauta: 17.12.2014 Julgado: 17.12.2014

Relator: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Min. Laurita Vaz

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Ela Wiecko Volk-mer de Castilho

Secretária: Belª Vania Maria Soares Rocha

autuação

Requerente: Al-Gharafa Sports Club

Advogado: André O. de Meira Ribeiro

Requerido: Clemerson de Araujo Soares

Advogado: Paulo Henrique S. Pinheiro e outro(s)

Assunto: Direito internacional – Contratos internacionais

sustentação oral

Sustentou oralmente, pelo requerido, o Dr. Paulo Henrique S. Pinheiro.

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certiDão

Certifico que a egrégia Corte Especial, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, deferiu o pedido de homologação de sentença, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Felix Fischer, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, João Otávio de Noronha e Luis Felipe Salomão.

Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoPoder JudiciárioJustiça do TrabalhoProcesso nº TST‑ARR‑57300‑49.2009.5.02.0057Acórdão(8ª Turma)GDCJPS/mcf/rom

I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – DIREITO DE ARENA – REDUÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO FIXADO EM LEI – IMPOSSIBILIDADE

A jurisprudência desta Eg. Corte firmou-se no sentido da invalida-de da pactuação que reduz o percentual mínimo fixado em lei a título de direito de arena. Precedentes.

Recurso de Revista conhecido e provido.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO – PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Ante a ausência de indicação de violação aos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Constituição, aplica-se o óbice da Orien-tação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1.

DIREITO DE ARENA – COMPETIÇÕES INTERNACIONAIS

O direito de arena foi exercido pelo Clube mediante autorização da transmissão dos jogos disputados em competições internacio-nais e recebimento de vantagens financeiras pelo uso da imagem, ainda que sob diversas nomenclaturas. Portanto, deve ser reco-nhecido o direito do jogador à participação na exploração finan-ceira do direito de arena relativa aos eventos desportivos interna-cionais de que tomou parte, assegurado no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998.

DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA

O direito de arena do atleta profissional, conquanto configure par-cela paga por terceiros, relaciona-se à própria prestação de servi-ços, possuindo natureza salarial.

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Precedentes.

Agravo de Instrumento a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST-ARR-57300-49.2009.5.02.0057, em que é Agravan-te e Recorrido São Paulo Futebol Clube e Agravado e Recorrente Diego Tardelli Martins.

O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em acórdão de fls. 189/198, complementado às fls. 215/217, deu parcial provimento ao Recurso Ordinário do Reclamado.

O Reclamante e o Reclamado interpõem Recursos de Revista às fls. 225/252 e 276/306, respectivamente.

Por meio do despacho de admissibilidade de fls. 325/336, negou--se seguimento ao Recurso do Reclamado e admitiu-se o do Reclamante.

O Reclamado apresenta contrarrazões (fls. 339/355) e interpõe Agravo de Instrumento às fls. 358/368.

O Reclamante apresenta contraminuta e contrarrazões às fls. 377/406.

Dispensada a remessa dos autos ao D. Ministério Público do Tra-balho, nos termos regimentais.

É o relatório.

voto

I – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE

requisitos eXtrínsecos De aDMissibiliDaDe

Preenchidos os requisitos extrínsecos de admissibilidade – tempes-tividade (fls. 220 e 225), representação processual (fl. 25) e dispensado o preparo –, passo ao exame dos intrínsecos.

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DIREITO DE ARENA – REDUÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO FIXADO EM LEI – IMPOSSIBILIDADE

a) conheciMento

O Eg. Tribunal de origem afirmou a validade do acordo em que reduzido o direito de arena para 5% (cinco por cento), aos seguintes fundamentos:

1. Vigera o contrato de trabalho entre as partes entre 05.12.2002 e 15.01.2008. Exercera o demandante a função de jogador profissional de futebol.

Discute-se no presente feito o direito a diferenças relativas a direito de arena de 5% (pago) para 20% (conforme previsão legal), além do título em relação a competições internacionais, bem como a natureza jurídica da parcela.

A r. sentença asseverou que o parágrafo 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 dispõe que o direito de arena deve observar o valor mínimo de 20% do preço total da autorização, já que a “convenção em contrário” somente poderia “estipular um percentual maior, nunca menor, ante a expressa previsão do percentual mínimo respectivo” (fls. 103). O julgado de Origem, ainda, considerou que o acordo firmado perante a 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro em setembro de 2000 referiu-se a parcelas então pendentes, não se aplicando ao contrato do autor, posteriormente firmado. Reconheceu também o direito em relação às competições internacionais.

No que respeita à natureza jurídica do direito de arena, declarou ser salarial e, pois, entendeu devidos reflexos sobre os demais títulos do contrato de trabalho.

Condenou o reclamado ao pagamento de 1/14 avos do percentual de 20% do direito de arena relativos a campeonatos específicos (na forma do pedido), com reflexos em gratificações natalinas, férias com abono de um terço e FGTS. Determinou a compensação dos valores pagos sob os mesmos títulos.

2. Recorre o demandado, asseverando que o acordo entabulado com o Sindicato profissional (Sapesp) pacificou discussão sobre a base de cálculo do direito de arena que ocorreu até o ano de 2000 – incidência apenas sobre o valor pago pela transmissão das partidas ou também sobre os demais ganhos advindos do contrato de televisionamento (licença pela exploração de nomes, símbolos e insígnias dos clubes; licença

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para realização de eventos e promoções com o nome do torneio e dos próprios clubes; licença de utilizar todos os jogos e imagens na produção de programas da emissora). Salienta que a lei prevê expressamente a discussão de percentual diverso. Aduz que o repasse então passou a ser feito pelo Sindicato e não mais pelo Clube. Ressalta que a avença com o Sindicato “[...] em termos relativos corresponde a uma parte de um acordo complexo, que compensou a redução do percentual com a ampliação da base de apuração”.

3. Razão em parte assiste ao recorrente.

A Lei é expressa quanto à possibilidade de redução do percentual relativo ao direito de arena. Nesse sentido, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998:

Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

[...] (grifo nosso)

Incontroversa a existência de acordo judicial entabulado entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado de São Paulo – Sapesp e o Clube dos Treze nos autos do Processo nº 97.01.141973-5 – 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro/RJ, reduzindo o percentual de 20% para 5%:

Cláusula Quarta:

No que se refere aos procedimentos a serem adotados, doravante, de modo a que o “direito de arena seja exercido e quitado de forma que as partes entendam justo e legal, pactuam que, de todos os contratos relativos a televisionamento de jogos de futebol, que viverem a ser firmados pelos Segundos Transatores, em que atuarem os atletas filiados ao Primeiro Transator e que estejam participando os Clubes Paulistas, deverá ser destinada ao Primeiro Transator a quantia obtida com a seguinte operação:

a) ao valor total do contrato firmado, envolvidas todas as rubricas estabelecidas, será aplicado um percentual de 5% (cinco por cento), referente ao valor que caberá a todos os atletas envolvidos nos jogos de futebol objeto do contrato. [...]

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(doc. 1 do volume de documentos em apartado da reclamada, grifo nosso)

A Lei nº 8.073 de julho de 1990, dispõe em seu artigo terceiro que:

As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria”.

A concretização do instituto no âmbito coletivo representa a aspiração realizada do interesse das categorias profissionais. Desloca-se a ação do empregado, dificultando possíveis reações adversas no relacionamento patrão empregado após a reclamação.

No dizer do eminente Wagner D. Giglio, ocorreria a “despersonalização do trabalhador-reclamante”. É ampla a abrangência da substituição, não limitada pela lei vigente. Não deve causar espécie tal atuação, pois já admitida no Direito Processual Civil na defesa dos chamados “interesses difusos”.

Comentando a matéria a que propositadamente denomina “Substituição Processual Trabalhista”, salienta o autor:

Uma rápida incursão pelo Direito Comparado comprova a existência de ações do Consumidor, na Suécia, Alemanha e na França; de Ações Edílicas, contra as edificações modernas, desfigurados da arquitetura de cidades típicas da idade média, na Itália; de “Class Actions, nos Estados Unidos; e das “Relator Actions”, na Inglaterra.

Na doutrina basta lembrar os estudos, no campo novo dos interesses difusos, feitos por Mauro Capelletti e Vitório Denti, na Itália e por Barbosa Moreira e a já citada Ada Grinover, no Brasil.

Pelas mesmas razões o Direito Processual do Trabalho, ainda em for-mação, mais flexível e mais facilmente adaptável às necessidades de um Direito (material) do trabalho em rápida e incessante evolução, não se deve apegar a princípios rígidos que nem mesmo o Direito Processual Civil respeita, sob pena de descumprir sua missão precí-pua no mundo jurídico de fornecer os meios para atuação dos direitos subjetivos e se transformar, paradoxalmente, num empecilho a con-cretização da Justiça (GIGLIO, Wagner D. A Substituição Trabalhista e a Lei número 8.073: In Revista LTr; v. 55, n. 02, fevereiro de 1991).

Arion Sayão Romita vai além ao negar a figura da substituição, considerando a hipótese de legitimação ordinária. Neste sentido leciona:

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Afinal, Sindicato existe em função dos interesses coletivos abstratos de todo o grupo, quer interesses individuais ou supraindividuais homogêneos, pertinentes aos integrantes do grupo. A finalidade institucional do Sindicato não é primordialmente assistencial (o sindicato pode ter, também, finalidade assistencial) mas sim reivindicatória. Ele pode em conseqüência, agir em defesa destes interesses, independentemente da outorga de poderes (Suplemento da Revista LTr, n. 70/91).

Dispõe o art. 8º, III, da Constituição Federal que o sindicato tem legitimidade para agir judicial ou extrajudicialmente na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais da categoria profissional que representa.

A interpretação do significado concernente a “direitos individuais da categoria” gera polêmica.

Para Salvador Franco de Lima Laurino a “adequação das peculiaridades da tutela coletiva com as garantias do devido processo legal foi obtida com a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor – CDCon – ao processo do trabalho” (A Função Social da Justiça do Trabalho na Tutela dos Interesses Coletivos. Caderno Jurídico, ano 1, nº 4, agosto de 1999, fl. 02, Publicação da Amatra II).

Em seu magistério, o Sindicato está legitimado a agir como substituto processual em relação ao direito que tenha origem comum. Não o sendo, entende que a substituição nesse caso preserva sua natureza excepcional, justificando, então, a interpretação restritiva da Súmula nº 310 do C. TST, cancelada pela Resolução do C. TST nº 119/2003, DJ 01.10.2003).

Na hipótese em exame, a avença entabulada com o Sindicato referiu-se a direito comum à categoria. Ainda, não houve qualquer disposição posterior que alterasse o pactuado, sendo perfeitamente aplicável a redução do percentual do direito de arena a 5%.

Incontroverso o recebimento do direito de arena à razão de 5% em relação aos eventos nacionais (Campeonatos Paulista e Brasileiro). Não remanescem diferenças a esse título.

4. No que respeita aos eventos internacionais, prevalece a condenação, alterada apenas para que seja observado o percentual de 5%.

Aplicável a mesma disposição legal (Lei nº 9.615/1998) à matéria, já que o vínculo de emprego é um só.

A negociação com as entidades internacionais que organizam esses eventos continua a ser feita pelo Clube, obrigado a repassar ao trabalhador

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o quinhão que lhe cabe. Irrelevante o nome que o recorrente dê aos valores recebidos dessas entidades. (fls. 190/196)

O Recorrente sustenta a invalidade do acordo que reduziu o per-centual relativo ao direito de arena de 20% (vinte por cento) para 5% (cinco por cento). Afirma que os campeonatos internacionais não foram abrangidos pelo acordo, porquanto este não foi firmado pela entidade de administração organizadora desses campeonatos (Conmebol). Requer o pagamento de 1/14 do percentual de 20% do direito de arena relativo aos jogos em que participou no Campeonato Paulista de 2005, nos Cam-peonatos Brasileiros de 2005 e 2007, na Copa Libertadores da América de 2005 e nas Copas Sulamericanas de 2005 e 2007. Aponta ofensa aos arts. 42, caput e § 1º, da Lei nº 9.615/1998; 114, § 2º, da Constituição da República; 9º, 444, 611, 613 e 614 da CLT; 103, § 1º, do CDC. Traz arestos.

Esta, a redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), vigente à época das participações do Reclamante nos jogos de futebol:

Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

O referido dispositivo foi alterado pela Lei nº 12.395/2011, que ensejou a redução da cote-parte do atleta profissional partícipe do even-to divulgado para 5% do preço total da autorização, salvo convenção coletiva de trabalho em contrário.

No caso, os fatos que deram origem à lide ocorreram na vigência do texto original do art. 42, § 1º, da Lei Pelé. A controvérsia cinge-se à aferição da possibilidade da redução, por meio de acordo judicial, do percentual de 20% referente ao direito de arena que a norma destinava aos atletas.

A jurisprudência desta Eg. Corte firmou-se no sentido da invalida-de da pactuação que reduz o percentual mínimo fixado em lei a título de direito de arena. Nesse sentido, os seguintes precedentes:

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[...]

A celeuma se estabelece aí, em definir se o patamar estabelecido legalmente para repasse pode ou não ser reduzido por convenção das partes.

Segundo a dicção do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, não há dúvida em relação ao percentual a ser rateado entre os participantes, pois é clara ao prever que o valor referente ao direito de arena seria, no mínimo, de 20%. A expressão “salvo convenção em contrário” se refere apenas à possibilidade de se aumentar referido adicional.

Dessa forma, não poderia o Sindicato profissional renunciar a direito já incorporado ao patrimônio jurídico dos atletas, porquanto restringiu direito mínimo legalmente assegurado ao reclamante.

Alice Monteiro de Barros, em Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho. 3. ed. 2008. São Paulo: LTr, p. 123, diz: “O direito de arena é disciplinado pela Lei nº 9.615, de 1998, cujo § 1º assegura o percentual de 20% do preço total da autorização aos atletas, como mínimo e garante às entidades de prática desportiva os direitos de negociar, autorizar ou proibir a fixação, transmissão ou retransmissão da imagem de espetáculos ou eventos de que participem.”

Conclui-se, então, não ser possível a redução do valor de 20%, ante a clareza da lei. (RR – 51800-19.2009.5.01.0028, 8ª Turma, Relª Min. Dora Maria da Costa, DEJT 14.03.2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – RECUR-SO DE REVISTA – SPORT CLUB INTERNACIONAL – DIREITO DE ARENA – ACORDO JUDICIAL – PERCENTUAL INFERIOR AO MÍ-NIMO LEGAL – No caso, houve transação judicial celebrada entre o sindicato dos atletas de futebol e a entidade os empregadores, estipu-lando o percentual de 5% a título de direito de arena a ser repassado aos atletas. Contudo, o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, vigente à época, estipulava a distribuição obrigatória de no mínimo 20% do direito de arena. A transação fundada na autonomia coletiva privada pressupõe a observância de certos requisitos, como a criação de nor-mas que tragam benefícios aos trabalhadores ou que versem normas de indisponibilidade relativa. Desta forma, é inválida a transação em que estipulado percentual inferior ao mínimo estabelecido em lei, em prejuízo dos atletas. Agravo de instrumento desprovido. (AIRR 56500-72.2009.5.04.0022, 7ª T., Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 15.08.2014)

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RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – DIREITO DE ARENA – REDUÇÃO DO PERCENTUAL POR MEIO DE ACORDO JUDI-CIAL – IMPOSSIBILIDADE – Discute-se a possibilidade de redução do percentual referente ao direito de arena, por meio de acordo ju-dicial. Segundo a jurisprudência desta Corte, o percentual de 20%, estabelecido no art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 para o cálculo do direito de arena, é o percentual mínimo assegurado que será distri-buído aos atletas profissionais, pelo que não poderá ser reduzido por acordo judicial nem por negociação coletiva. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (RR 952-80.2010.5.01.0064, 6ª T., Relª Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 09.05.2014)

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE – JOGADOR DE FUTE-BOL – DIFERENÇA DE DIREITO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PER-CENTUAL LEGAL POR ACORDO JUDICIAL ENTRE CLUBE E SIN-DICATO – IMPOSSIBILIDADE – Trata a controvérsia da validade de acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual legal pago aos jogadores profissionais de futebol a título de direito de are-na. Conforme redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, com redação vigente à época em que o reclamante manteve o con-trato de emprego com o clube reclamado (2007 e 2008), exceto na existência de convenção em sentido contrário, o direito de arena era fixado em 20% do preço total da autorização, distri-buído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. É entendimento majoritário da c. 6ª Turma que nem a negociação coletiva, e tampouco o acordo judicial entre o clube reclamado e o sindicato, têm o condão de afastar a incidência do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que, a previsão o percentual de 20%, mais benéfica e em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respei-tada como patamar mínimo da norma, em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Ressalva de entendi-mento pessoal do Ministro Relator. Recurso de revista conhecido e provido.

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA SALARIAL – É certo que a parcela paga a título de direito de arena visa remunerar o atleta, não sendo possível afastar o entendimento de que se trata de parcela de natureza salarial, decor-rendo daí os reflexos pretendidos pelo autor. Nesse sentido a jurispru-dência desta c. Corte vem firmando o entendimento, quando alude

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especificamente ao direito de arena como parcela que, sendo paga por terceiros, deve ser integrada ao salário do atleta, por aplicação analógica da Súmula 354 do c. TST. Precedentes do c. TST. Recurso de revista conhecido e desprovido. (RR – 148000-42.2009.5.01.0011, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 28.03.2014)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NORMA COLETIVA QUE REDUZ O PERCENTUAL MÍNIMO PREVISTO EM LEI – INVA-LIDADE – Cinge-se a controvérsia à validade da norma coletiva que reduziu o percentual legalmente previsto para o direito de arena. Na diretriz do § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998: -Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização como mínimo será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participan-tes do espetáculo ou evento-. Desse modo, o percentual para o direito de arena pode ser maior, mas nunca inferior aos 20% legalmente pre-vistos, sendo certo que a expressão -salvo convenção em contrário– somente pode referir-se à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à ampliação do percentual, mas não à sua redução. Vale ainda considerar que a Lei não possui palavras inúteis e o vocábulo – mínimo – inserto na indigitada norma não poderia ser desprezado. Não obstante o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal amplie a abran-gência de atuação dos sindicatos para as negociações das condições de trabalho, não há autorização para que procedam à renúncia de direitos mínimos assegurados em lei. Faz jus o Autor, portanto, às diferenças postuladas a título de direito de arena. Precedentes. Recur-so de Revista conhecido e provido. (RR – 3899-20.2011.5.02.0202, 4ª T., Relª Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 06.12.2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – DESCA-BIMENTO – DIREITO DE ARENA – ALTERAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE LEI POR ACORDO ENTRE OS INTERESSADOS – IM-POSSIBILIDADE – 1. O direito de arena se refere à prerrogativa ofe-recida às entidades de prática desportiva para autorização ou não da fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qualquer ou-tro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo, sendo que, do valor pago a essas entidades, vinte por cento, como mínimo, será destinado aos atletas participantes, dividido em partes iguais, confor-me previsão legal. 2. Por sua vez, a base constitucional da parcela é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que as-segura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 3. A Lei é clara ao prever que o valor refe-

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rente ao direito de arena será no mínimo de vinte por cento, pelo que a expressão -salvo convenção em contrário– se refere à forma de distribuição do percentual entre os atletas ou à possibilidade de am-pliação do percentual. Decorre daí que não é possível a diminuição do valor de vinte por cento definido em Lei. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR 1699-66.2011.5.02.0064, 3ª T., Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 27.09.2013)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – À luz do art. 42, § 1º, da Lei nº 6.915/1998, a parcela “direito de arena” é decorrente da participação do profissional de futebol em jogos e eventos esportivos, estando diretamente relacionada à própria prestação laboral do atleta e não apenas ao uso de sua imagem. Com efeito, referido direito é vinculado ao trabalho prestado pelo autor, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que desempenha a sua atividade específica de profissional jogador de futebol. Observe-se, por relevante, que o mencionado art. 42 é flexível somente no que se refere à percentagem a ser ajustada – e ainda assim, garantindo ao trabalhador atleta um li-mite de 20 por cento. Entende-se, portanto, devida a contraprestação, a qual deverá ser previamente ajustada, respeitando-se aquele per-centual mínimo, o que não significa retirar-se sua natureza salarial, como entendeu o eg. TRT. Recurso de revista conhecido e provido. (RR 130400-49.2003.5.04.0006, 2ª T., Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 01.10.2010)

Conheço, por violação ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (an-tiga redação).

b) Mérito

A consequência do conhecimento do recurso por violação legal é o provimento.

Ante o exposto, dou provimento ao Recurso de Revista para resta-belecer a r. sentença, no particular.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO

1 conheciMento

Conheço do Agravo de Instrumento, porque preenchidos os requi-sitos de admissibilidade.

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2 Mérito PreliMinar De nuliDaDe Por neGativa De Prestação jurisDicional

No que interessa, assim se pronunciou o Eg. TRT:

Como bem ressalta a Vara de Origem, a despeito das alegações do reclamado de incorreção do número de partidas indicadas pelo demandante, sequer as aponta especificamente. Deverão ser consideradas as informações de fls. 22/24. (fl. 197)

O Eg. Tribunal de origem rejeitou os Embargos de Declaração, aos seguintes fundamentos:

Equivocada a alegação do autor de que há omissão do acórdão embargado quanto aos reflexos do direito de arena sobre os demais títulos.

Fora dado provimento parcial ao recurso ordinário do reclamado apenas para afastar a condenação em 1/14 avos do percentual de 20% do direito de arena relativo aos campeonatos nacionais, bem como para reduzir a 5% o percentual do direito de arena quanto aos campeonatos internacionais.

Não houve, contudo, exclusão dos reflexos da parcela sobre os demais títulos.

Ao contrário, analisou-se o recurso da demandada quanto à natureza jurídica do direito de arena, afirmando ser salarial e, pois, devendo integrar a remuneração nos termos do art. 457 da CLT.

Prevalece os termos da r. sentença de Primeiro Grau no particular.

4. Contradição existe quando a própria decisão acolhe fatos ou fundamentos contrários ou excludentes entre si, o que não ocorre no acórdão embargado.

Diversamente do que afirma o demandante, o acórdão não traz afirmação de que os campeonatos internacionais não estão abrangidos pelo acordo entabulado com o sindicato.

Entendeu aplicável a mesma disposição legal à matéria, posto que o vínculo de emprego é um só.

5. Quanto às alegações do reclamado no que respeita ao direito de arena em relação aos eventos internacionais, como referido, o vínculo de emprego é um só.

Para a aplicação da Lei nº 9.615/1998 é irrelevante o local de realização das partidas. A norma se refere à autorização conferida pelo Clube para

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transmissão da imagem do trabalhador, irrelevante não ter o empregador participado da negociação para a transmissão dessas partidas.

Também não impressiona o fato de não ter havido pagamento sob a rubrica em referência. Serão considerados todos os valores recebidos pelo Clube para participação no evento (premiação, ajuda de custo, cota de participação), que se referem à remuneração pela utilização do direito de imagem.

6. A Súmula nº 297 do C.TST diz que se considera “prequestionada a matéria ou questão quando na decisão impugnada haja sido adotada, explicitamente, tese a respeito”, incumbindo “à parte interessada, desde que a matéria haja sido invocada no recurso principal, opor embargos declaratórios objetivando o pronunciamento sobre o tema, sob pena de preclusão”, bem como que se considera “prequestionada a questão jurí-dica invocada no recurso principal sobre a qual se omite o Tribunal de pronunciar tese, não obstante opostos embargos de declaração”.

Desta forma, o pré-questionamento é essencial e desafia embargos de declaração quando houver omissão de questão sobre a qual o juiz era obrigado a se manifestar e não o fez. Servem os embargos, portanto, para provocar a complementação ou aperfeiçoamento formal de uma decisão, sob algum aspecto obrigatório, trazido à baila no curso do processo, no momento adequado, e que não tenha sido objeto de manifestação explícita do juízo.

No caso, ainda que não tenham sido mencionados expressamente todos os dispositivos legais aludidos pelos embargantes, não houve omissão do acórdão embargado sobre as matérias referidas.

Nos termos da OJ 118 da SDI-I/TST, “havendo tese explícita sobre a matéria, na decisão recorrida, desnecessário contenha nela referência expressa do dispositivo para ter-se como prequestionado este”.

7. No mais, cuidam os embargantes de alterar os termos do julgado, procedimento incabível através da via estreita dos embargos de declaração. (fls. 215/216)

No Recurso de Revista, o Reclamado suscitou preliminar de nu-lidade por negativa de prestação jurisdicional, pugnando pelo retorno dos autos ao Eg. TRT, para análise dos critérios de apuração do valor a ser repassado a título de direito de arena. Alegou que o Eg. Tribunal Re-gional não atentou para a existência de impugnação específica quanto ao número de partidas indicadas pelo Reclamante em planilha anexa à

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exordial. Salientou que foi indicado o número correto de partidas dis-putadas em sede de contestação e de Recurso Ordinário, bem como nos Embargos de Declaração opostos à sentença e ao acórdão regional. Acrescentou que a alegação encontrava respaldo nas súmulas de jogos e contratos de televisionamento acostados à defesa. Indicou violação aos arts. 5º, LIV e LV, da Constituição; e 302, caput e III, do CPC.

Os argumentos do recurso principal são renovados no Agravo de Instrumento.

O Eg. TST, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1, pacificou o entendimento de que apenas se conhece de prelimi-nar de negativa de prestação jurisdicional, quando há menção explícita aos arts. 458 do Código de Processo Civil, 832 da Consolidação das Leis do Trabalho ou 93, inciso IX, da Carta Magna. Não invocado nenhum desses dispositivos, o recurso não se viabiliza, pela preliminar suscitada.

DIREITO DE ARENA – COMPETIÇÕES INTERNACIONAIS

No ponto, o Juízo primeiro de admissibilidade negou seguimento ao Recurso de Revista, aos seguintes fundamentos:

Categoria Profissional Especial/Atleta Profissional.

Alegação(ões):

– violação do(s) art(s). 5º, II, LIV e LV, da CF.

– violação do(s) art(s). 42, § 1°, da Lei nº 9.615/1998, 302, III, 333, I, 449, 468, do CPC, 818 da CLT, 100 da Lei nº 5.988/1973.

O recorrente (clube de futebol) sustenta não ser devida a parcela denominada “direito de arena”, para competições internacionais. O recorrente também alega que não houve prova de que recebeu valores por essas transmissões, razão pela qual nada havia que ser repassado.

Consta do v. Acórdão:

1. Vigera o contrato de trabalho entre as partes entre 05.12.2002 e 15.01.2008. Exercera o demandante a função de jogador profissional de futebol.

Discute-se no presente feito o direito a diferenças relativas a direito de arena de 5% (pago) para 20% (conforme previsão legal), além do título

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em relação a competições internacionais, bem como a natureza jurídica da parcela.

A r. sentença asseverou que o parágrafo 1º do artigo 42 da Lei nº 9.615/1998 dispõe que o direito de arena deve observar o valor mínimo de 20% do preço total da autorização, já que a “convenção em contrário” somente poderia “estipular um percentual maior, nunca menor, ante a expressa previsão do percentual mínimo respectivo” (fls. 103). O julgado de Origem, ainda, considerou que o acordo firmado perante a 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro em setembro de 2000 referiu-se a parcelas então pendentes, não se aplicando ao contrato do autor, posteriormente firmado. Reconheceu também o direito em relação às competições internacionais. No que respeita à natureza jurídica do direito de arena, declarou ser salarial e, pois, entendeu devidos reflexos sobre os demais títulos do contrato de trabalho.

Condenou o reclamado ao pagamento de 1/14 avos do percentual de 20% do direito de arena relativos a campeonatos específicos (na forma do pedido), com reflexos em gratificações natalinas, férias com abono de um terço e FGTS. Determinou a compensação dos valores pagos sob os mesmos títulos.

2. Recorre o demandado, asseverando que o acordo entabulado com o Sindicato profissional (Sapesp) pacificou discussão sobre a base de cálculo do direito de arena que ocorreu até o ano de 2000 – incidência apenas sobre o valor pago pela transmissão das partidas ou também sobre os demais ganhos advindos do contrato de televisionamento (licença pela exploração de nomes, símbolos e insígnias dos clubes; licença para realização de eventos e promoções com o nome do torneio e dos próprios clubes; licença de utilizar todos os jogos e imagens na produção de programas da emissora). Salienta que a lei prevê expressamente a discussão de percentual diverso. Aduz que o repasse então passou a ser feito pelo Sindicato e não mais pelo Clube. Ressalta que a avença com o Sindicato “[...] em termos relativos corresponde a uma parte de um acordo complexo, que compensou a redução do percentual com a ampliação da base de apuração”.

3. Razão em parte assiste ao recorrente.

A Lei é expressa quanto à possibilidade de redução do percentual relativo ao direito de arena. Nesse sentido, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998:

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Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de ne-gociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

[...] (grifo nosso)

Incontroversa a existência de acordo judicial entabulado entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado de São Paulo – Sapesp e o Clube dos Treze nos autos do Processo nº 97.01.141973-5 – 23ª Vara Cível do Rio de Janeiro-RJ, reduzindo o percentual de 20% para 5%:

Cláusula Quarta:

No que se refere aos procedimentos a serem adotados, doravante, de modo a que o “direito de arena seja exercido e quitado de forma que as partes entendam justo e legal, pactuam que, de todos os contratos relativos a televisionamento de jogos de futebol, que viverem a ser firmados pelos Segundos Transatores, em que atuarem os atletas filiados ao Primeiro Transator e que estejam participando os Clubes Paulistas, deverá ser destinada ao Primeiro Transator a quantia obtida com a seguinte operação:

a) ao valor total do contrato firmado, envolvidas todas as rubricas estabelecidas, será aplicado um percentual de 5% (cinco por cento), referente ao valor que caberá a todos os atletas envolvidos nos jogos de futebol objeto do contrato.

[...]

(doc. 1 do volume de documentos em apartado da reclamada, grifo nosso)

A Lei nº 8.073 de julho de 1990, dispõe em seu artigo terceiro que:

As entidades sindicais poderão atuar como substitutos processuais dos integrantes da categoria.

A concretização do instituto no âmbito coletivo representa a aspiração realizada do interesse das categorias profissionais. Desloca-se a ação do empregado, dificultando possíveis reações adversas no relacionamento patrão empregado após a reclamação.

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No dizer do eminente Wagner d. Giglio, ocorreria a “despersonalização do trabalhador-reclamante”. É ampla a abrangência da substituição, não limitada pela lei vigente. Não deve causar espécie tal atuação, pois já admitida no Direito Processual Civil na defesa dos chamados “interesses difusos”.

Comentando a matéria a que propositadamente denomina “Substituição Processual Trabalhista”, salienta o autor:

Uma rápida incursão pelo Direito Comparado comprova a existência de ações do Consumidor, na Suécia, Alemanha e na França; de Ações Edílicas, contra as edificações modernas, desfigurados da arquitetura de cidades típicas da idade média, na Itália; de “Class Actions, nos Estados Unidos; e das “Relator Actions”, na Inglaterra. Na doutrina basta lembrar os estudos, no campo novo dos interesses difusos, feitos por Mauro Capelletti e Vitório Denti, na Itália e por Barbosa Moreira e a já citada Ada Grinover, no Brasil.

Pelas mesmas razões o Direito Processual do Trabalho, ainda em for-mação, mais flexível e mais facilmente adaptável às necessidades de um Direito (material) do trabalho em rápida e incessante evolução, não se deve apegar a princípios rígidos que nem mesmo o Direito Processual Civil respeita, sob pena de descumprir sua missão precí-pua no mundo jurídico de fornecer os meios para atuação dos direitos subjetivos e se transformar, paradoxalmente, num empecilho a con-cretização da Justiça (GIGLIO, Wagner D. A Substituição Trabalhista e a Lei número 8.073: in Revista LTr. v. 55, n. 02, fevereiro de 1991).

Arion Sayão Romita vai além ao negar a figura da substituição, con-siderando a hipótese de legitimação ordinária. Neste sentido leciona:

Afinal, Sindicato existe em função dos interesses coletivos abstratos de todo o grupo, quer interesses individuais ou supraindividuais homogêneos, pertinentes aos integrantes do grupo. A finalidade institucional do Sindicato não é primordialmente assistencial (o sindicato pode ter, também, finalidade assistencial) mas sim reivindicatória. Ele pode em conseqüência, agir em defesa destes interesses, independentemente da outorga de poderes (Suplemento da Revista LTr, nº 70/91).

Dispõe o art. 8º, III, da Constituição Federal que o sindicato tem legitimidade para agir judicial ou extrajudicialmente na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais da categoria profissional que representa.

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A interpretação do significado concernente a “direitos individuais da categoria” gera polêmica.

Para Salvador Franco de Lima Laurino a “adequação das peculiaridades da tutela coletiva com as garantias do devido processo legal foi obtida com a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor – CDCon – ao processo do trabalho” (A Função Social da Justiça do Trabalho na Tutela dos Interesses Coletivos – Caderno Jurídico, ano 1, nº 4, agosto de 1999, fl. 02, Publicação da Amatra II).

Em seu magistério, o Sindicato está legitimado a agir como substituto processual em relação ao direito que tenha origem comum.

Não o sendo, entende que a substituição nesse caso preserva sua natureza excepcional, justificando, então, a interpretação restritiva da Súmula nº 310 do C. TST, cancelada pela Resolução do C. TST nº 119/2003, DJ 01.10.2003).

Na hipótese em exame, a avença entabulada com o Sindicato referiu-se a direito comum à categoria. Ainda, não houve qualquer disposição posterior que alterasse o pactuado, sendo perfeitamente aplicável a redução do percentual do direito de arena a 5%.

Incontroverso o recebimento do direito de arena à razão de 5% em relação aos eventos nacionais (Campeonatos Paulista e Brasileiro).

Não remanescem diferenças a esse título.

4. No que respeita aos eventos internacionais, prevalece a condenação, alterada apenas para que seja observado o percentual de 5%.

Aplicável a mesma disposição legal (Lei nº 9.615/1998) à matéria, já que o vínculo de emprego é um só.

A negociação com as entidades internacionais que organizam esses eventos continua a ser feita pelo Clube, obrigado a repassar ao trabalhador o quinhão que lhe cabe. Irrelevante o nome que o recorrente dê aos valores recebidos dessas entidades.

(fls. 190/196)

[...]

6. Como bem ressalta a Vara de Origem, a despeito das alegações do reclamado de incorreção do número de partidas indicadas pelo deman-dante, sequer as aponta especificamente. Deverão ser consideradas as informações de fls. 22/24.

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Em relação à natureza jurídica do direito de arena e sua aplicabilidade para competições internacionais, não se viabilizam as violações legais e constitucionais apontadas, a uma, porquanto não demonstradas de forma literal e inequívoca; a duas, tendo em vista que a matéria tratada no presente recurso é interpretativa, sendo imprescindível para seu reexame, a apresentação de tese oposta específica, a teor do disposto no item I, da Súmula nº 296 da Corte Superior, o que não se verifica.

Quanto ao recebimento, pelo clube de valores a título de direitos pela transmissão das partidas de futebol, não obstante as afrontas legais e constitucionais aduzidas, inviável o apelo, uma vez que a matéria, tal como tratada no v. acórdão e posta nas razões recursais, reveste-se de contornos nitidamente fático-probatórios, cuja reapreciação, em sede extraordinária, é diligência que encontra óbice na Súmula nº 126 do C. Tribunal Superior do Trabalho. (fls. 329/334)

No Recurso de Revista, o Reclamado sustentou ser indevido o re-passe de qualquer valor de arena oriundo de competições internacionais, ao argumento de que os clubes brasileiros não são titulares do direito de negociar ou autorizar a transmissão de jogos nesses campeonatos para as emissoras de televisão. Insurgiu-se, ainda, contra a condenação ao repasse sobre os valores relativos à ajuda de custo e à premiação, por inexistir respaldo legal ou comercial. Apontou violação aos arts. 5º, II, da Constituição e 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998.

Os argumentos do Recurso de Revista são renovados em Agravo de Instrumento.

O Eg. TRT entendeu que a aplicação da Lei nº 9.615/1998 inde-pende do local de realização das partidas. Asseverou que a autorização do Clube para transmissão da imagem do jogador implicou exercício do direito de arena, remunerado pelos valores auferidos pela participação no evento (prêmios, ajuda de custo ou cota de participação).

Assim, concluiu que o atleta tem jus à parcela remuneratória aces-sória correspondente, independentemente da nomenclatura dada aos valores recebidos das entidades organizadoras.

O direito de arena, segundo o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), consiste em assegurar, às entidades de prática desportiva, o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou

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retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem, mediante o repasse de, no mínimo, 20% (vinte por cen-to) do preço total da autorização, salvo convenção em contrário, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento.

Observa-se que o exercício do direito de arena não se restringe à existência de poder de negociação pelo Clube, pois o texto legal tam-bém abarca a hipótese de autorização da transmissão dos jogos.

In casu, o Reclamado exerceu seu direito de arena mediante au-torização da transmissão dos jogos disputados em competições interna-cionais, auferindo vantagens financeiras pelo uso da imagem, ainda que sob diversas nomenclaturas. Conforme asseverou o Eg. TRT, a participa-ção do Clube nas competições organizadas por entidades internacionais envolve o recebimento de valores (prêmios, cotas de participação) que remuneram o direito autorizado.

Portanto, deve ser reconhecido o direito do jogador à participação na exploração financeira do direito de arena relativa aos eventos despor-tivos internacionais de que tomou parte, assegurado pelo art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998.

Nesse sentido cito os seguintes precedentes: ARR 233900-12.2008.5.02.0007, 3ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT 10.10.2014; AIRR 249400-23.2008.5.02.0071, 5ª T., Rel. Min. João Batista Brito Pereira, DEJT 28.06.2013; AIRR 162241-60.2006.5.02.0023, 3ª T., Relª Min. Rosa Maria Weber, DEJT 03.12.2010.

Ademais, o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 não fixa qualquer restrição ao direito de arena em razão do local em que disputados os jogos. Não há falar, portanto, em violação literal, na forma do art. 896, c, da CLT.

Por fim, o acórdão regional lastreou-se na lei ordinária que dis-ciplina o tema, de maneira que não é possível divisar afronta direta e literal ao art. 5º, II, da Constituição.

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DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA

No ponto, o Juízo primeiro de admissibilidade negou seguimento ao Recurso de Revista, aos seguintes fundamentos:

Remuneração, Verbas Indenizatórias e Benefícios.

Alegação(ões):

– violação do(s) art(s). 100, da Lei n° 5.988/1973.

– divergência jurisprudencial.

Sustenta que o direito de arena não tem natureza salarial.

Consta do v. Acórdão:

5.Quanto à natureza jurídica do direito de arena, altero entendimento anterior.

Considero salarial a parcela, devendo incidir em FGTS, férias e gratifica-ções natalinas.

Em obediência ao art. 457, da CLT, tal importância integra a remunera-ção. Constitui-se parcela salarial pois infrutífera a discussão sobre a anti-nomia salário e remuneração, conceitos idênticos na sistemática da CLT.

Aplico, de forma analógica, o que dispõe a Súmula nº 354 do C. TST.

Nesse sentido, vem decidindo aquela Corte Superior:

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA E IMAGEM – TRANSMISSÃO EM EVENTOS DESPORTIVOS – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) – NATUREZA SALARIAL DA PARCELA – PROVIMENTO – Regulamentando o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) o direito de as entidades desportivas autorizarem a transmissão de espetáculo ou evento desportivo, com a determinação de que estas distribuam um percentual de 20% sobre o preço total da autorização aos atletas profissionais que participarem do evento, percebe-se que a parcela é devida em decorrência da relação de emprego, pois está diretamente vinculada à atividade profissional. Deve ser reconhecida, portanto, a natureza salarial da parcela. Precedentes da Corte. Revista conhecido e parcialmente provido. (RR 38100-70.2005.5.04.0015, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT de 03.09.2010).

ATLETA PROFISSIONAL – FUTEBOL – LEI PELÉ – DIREITO DE ARE-NA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – A jurispru-dência desta Corte tem se inclinado no sentido de atribuir natureza

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de remuneração às parcelas em discussão qual seja direito de imagem e direito de arena, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros. Nos termos do art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), pertence à entidade desportiva empregadora, o direito de autorizar a transmissão de imagem de eventos desportivos, de cuja arrecadação é destinado 20% a ser distribuído entre os atletas que participarem dos eventos. Por essas razões a parcela recebida pelo atleta e esse título tem natureza salarial. Todavia, adotando-se por analogia a diretriz da Súmula nº 354 deste Tribunal, os valores cor-respondentes aos direitos de imagem e de arena compõem o salário apenas para fins de cálculo do FGTS, do 13º salário e das férias. BI-CHOS – NATUREZA JURÍDICA – Não demonstrada divergência ju-risprudencial. Recurso de Revista de que não se conhece. (RR 16300-65.2004.5.03.0106, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª T., DEJT de 25.09.2009).

DIREITO DE IMAGEM – DIREITO DE ARENA – NATUREZA – Diver-gência jurisprudencial ocorrente. O direito de arena e o de imagem possuem natureza remuneratória, pois não têm por finalidade inde-nizar o atleta profissional pelo uso de sua imagem, mas remunerá--lo por sua participação nos espetáculos esportivos, cujos direitos de transmissão são negociados pelo clube a que pertence com terceiros. Precedentes desta Corte. Recurso de revista a que se dá provimento. (RR 88240-93.2005.5.04.0020, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, 4ª T., DEJT de 26.06.2009).

Sobre o tema, o C. TST firmou o entendimento no sentido atribuir a natureza jurídica de remuneração ao valor referente ao que o clube recebe como direito de arena e repassa ao jogador, de forma semelhante às gorjetas nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro, sendo considerada como sendo componente da remuneração – art. 457 da CLT – e não uma verba salarial, devendo, entretanto, compor apenas o cálculo do FGTS, 13º salário, férias e contribuições previdenciárias, visto que a Súmula nº 354 do TST, aplicada por analogia ao caso, exclui sua incidência do cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal.

Nesse sentido, os seguintes precedentes: RR 60800-81.2007. 5.04.0011, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª T., DEJT 13.05.2011; RR 130400-49.2003.5.04.0006, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª T., DEJT 01.10.2010; RR 61700-70.2002.5.04.0001, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª T., DEJT 01.10.2010;

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RR 27781/2000-006-09-00.7, Rel. Min. Carlos Alberto Reis de Pau-la, 3ª T., DEJT de 21.11.2008; RR 104900-39.2002.5.15.0093, Relª Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 3ª T., DEJT 22.05.2009; RR 38100-70.2005.5.04.0015, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 03.09.2010; RR 882/2005-020-04-40.3, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, 4ª T., DEJT de 26.06.2009; RR 146200-07.2009.5.04.0007, Rel. Min. Milton de Moura França, 4ª T., DEJT 25.11.2011; RR 283700-08.2008.5.09.0009, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 13.05.2011; RR 16300-65.2004.5.03.0106, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª T., DEJT 25.09.2009; RR 9890200-24.2004.5.09.0009, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª T., DEJT 06.05.2011; RR 118400-17.2008.5.04.0402, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª T., DEJT 21.10.2011; RR 156900-80.2008.5.01.0065, Rel. Min. Emmanoel Pereira, 5ª T., DEJT 16.12.2011; ARR 76700-19.2007. 5.01.0034, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª T., DEJT 18.11.2011; RR 86000-72.2007.5.04.0017, Relª Min. Dora Maria da Costa, 8ª T., DEJT 02.12.2011.

Assim, a função uniformizadora do Tribunal Superior do Trabalho já foi cumprida na pacificação da controvérsia, o que obsta o seguimento do presente recurso que defende tese diversa, quer por divergência, quer por violação de preceito de lei ou da Constituição Federal (art. 896, § 4º, da CLT c/c Súmula nº 333 do TST).

Conclusão

Denego seguimento ao Recurso de Revista. (fls. 334/336)

No Recurso de Revista, o Reclamado sustentou que o direito de arena constitui modalidade de direito conexo e não ostenta natureza salarial, não devendo repercutir nas demais verbas. Argumentou que a nova redação do art. 42 conferida pela Lei nº 12.395/2011 respalda a conclusão de que se trata de direto autoral por obra coletiva, com natu-reza civil. Apontou ofensa ao art. 42, caput e § 1º, da Lei nº 9.615/1998. Trouxe julgados.

No Agravo de Instrumento, o Reclamado renova as alegações do recurso denegado.

A jurisprudência desta Eg. Corte firmou-se no sentido de que o direito de arena do atleta profissional, conquanto configure parcela paga

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por terceiros, relaciona-se à própria prestação de serviços, ostentando natureza salarial. Nesse sentido, os precedentes:

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – O direito de arena possui natureza remuneratória, uma vez que é vin-culado ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos jogadores profissionais aos clubes, ainda que pago por terceiros. Assim, aplicam-se por analogia as disposições do artigo 457 da CLT e da Súmula 354 desta Corte superior e permite-se o reflexo dessa parcela apenas sobre férias, acrescidas de 1/3; 13º salário, e FGTS. Precedentes. Recurso de revis-ta conhecido e parcialmente provido. (RR – 51800-19.2009.5.01.0028, 8ª T., Relª Min. Dora Maria da Costa, DEJT 14.03.2014)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) – NATUREZA SALARIAL DA PARCELA – O art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) regulamenta o direito de as en-tidades desportivas autorizarem a transmissão de espetáculo ou evento desportivo, com a determinação de que seja distribuído um percentual de 20% sobre o preço total da autorização aos atletas profissionais que participarem do evento Percebe-se, assim, que a parcela é devida em decorrência da relação de emprego, pois está diretamente vinculada à atividade profissional. Deve ser reconhecida, portanto, a natureza sala-rial da parcela. Precedentes da Corte. Recurso de Revista não conheci-do. (RR 790-60.2012.5.09.0010, 4ª T., Relª Min. Maria de Assis Calsing, DEJT 10.10.2014)

RECURSO DE REVISTA – [...] DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍ-DICA – APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA Nº 354/TST – PROVI-MENTO PARCIAL – É certo que a parcela paga a título de direito de arena é paga por terceiros e visa remunerar o atleta, restando evidenciada a sua natureza remuneratória. Nesse sentido, a jurisprudência desta c. Corte fir-mou entendimento pela aplicação analógica da Súmula nº 354 do c. TST, quanto aos reflexos devidos. Assim, correto o deferimento de reflexos em 13º salários, férias acrescidas do terço constitucional e FGTS. Recurso de revista conhecido e não provido. [...] (RR 610-95.2011.5.04.0017, 6ª T., Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 26.09.2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO DE REVISTA – ATLETA PRO-FISSIONAL DE FUTEBOL – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍ-DICA SALARIAL – PERÍODO ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011 – Inicial-mente, cumpre ressaltar que, por força do princípio tempus regit actum, a questão ora em apreço será analisada pela Lei nº 9.615/1998, sem as alterações introduzidas pela Lei nº 12.395/2011, em virtude de o con-

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trato de trabalho objeto da presente lide ser anterior à lei modificadora (processo autuado em 2009). A licença ou cessão de imagem é o direito de exploração da imagem pessoal do atleta para efeito de publicidade, através de um contrato civil paralelo ao de emprego. O jogador tem a faculdade de negociar com terceiros o recebimento de parcelas de pro-paganda (nome, retrato em bonés, tênis e roupas) ou de uso da imagem (figurinhas), ou mesmo o de impedir que ele ocorra. A percepção dos valores correspondentes através de gerenciamento feito pelo próprio em-pregador gera, por analogia à norma legal pertinente à integração das gorjetas (art. 457 da CLT e Súmula nº 354 do TST), a sua projeção nas parcelas de natureza remuneratória, uma vez que o próprio tomador pro-picia e administra o ganho extra para o atleta.

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMADO – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – INTEGRAÇÃO À REMUNERA-ÇÃO – A doutrina e a jurisprudência vêm-se posicionando no sentido de que o direito de arena previsto no art. 42 da Lei nº 9.615/1998, a exemplo das gorjetas, que também são pagas por terceiros, integra a remuneração do atleta, nos termos do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista conhecido e não provido. [...] (RR 8800-58.2004.5.04.0028, 1ª T., Rel. Des. Conv. José Maria Quadros de Alencar, DEJT 08.11.2013)

Ressalte-se que, conforme consignado no acórdão recorrido, o contrato de trabalho extinguiu-se em 15.01.2008. Não se lhe aplica, as-sim, a redação conferida pela Lei nº 12.395/2011 ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998. Nesse sentido, trago à colação julgado desta C. Turma:

NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE ARENA – O direito de arena é regulado pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998. É cediço que a redação original do referido dispositivo legal não definia, de forma expressa, a natureza jurídica do aludido. Não obstante a ausência de definição legal a esse respeito, a jurisprudência deste Tribunal Superior manifestava-se no sentido da sua natureza salarial. Tal entendimento decorria do fato de que, sendo o aludido direito resultante da participação dos atletas profissionais sobre o valor negociado pela entidade desportiva com ór-gãos responsáveis pela transmissão e retransmissão de imagens, o valor percebido, vale dizer, condicionado à participação no evento, resulta da contraprestação por este ato, decorrente da relação empregatícia, pos-suindo, então, natureza jurídica de salário. Precedentes. Cumpre esclare-cer, por outro lado, que a alteração no § 1º do referido dispositivo legal

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implementada pela Lei nº 12.395 de 16.03.2011, no sentido de que o direito de arena é parcela de natureza civil, não se aplica à hipótese dos autos, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei. Recurso de revista não conhecido. (RR 86000-72.2007.5.04.0017, Relª Min. Dora Maria da Costa, 8ª T., DEJT 02.12.2011)

Não há falar, assim, na apontada violação.

Os arestos colacionados encontram-se superados pela jurispru-dência iterativa desta Corte, atraindo o óbice da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 4º, da CLT.

Ante o exposto, nego provimento.

isto Posto

Acordam os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – negar provimento ao Agravo de Instru-mento do Reclamado; e II – conhecer do Recurso de Revista do Recla-mante, por violação ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 (antiga reda-ção), e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a r. sentença, no particular.

Brasília, 03 de dezembro de 2014.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006). João Pedro Silvestrin Desembargador Convocado Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1329

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª RegiãoPoder Judiciário Federal

Justiça do Trabalho

Gab. Des. Antonio Carlos de Azevedo Rodrigues

Processo: 0000937‑09.2012.5.01.0431 – RO

Acórdão

9ª Turma

Ao editar a Lei nº 12.395/2011, o legislador procurou dissipar to-das as dúvidas até então existentes quanto à antiga cláusula penal desportiva, expurgando-a do nosso sistema jurídico para abrir ca-minho a duas novas cláusulas obrigatórias aos contratos despor-tivos: a cláusula indenizatória desportiva, tendo como exclusiva beneficiária a entidade esportiva; e a cláusula compensatória des-portiva, destinada exclusivamente aos atletas profissionais nos ca-sos em que o empregador dá causa ou toma a iniciativa da ruptura contratual.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário, em que são partes: Rodrigo de Oliveira Costa, como Recorrente, e Associa-ção Desportiva Cabofriense, como Recorrida.

Inconformado com a r. sentença proferida pela D. Juíza Patrícia da Silva Lima, da MMª 1ª Vara do Trabalho de Cabo Frio, que julgou Parcialmente procedente o pedido, interpõe o Autor Recurso Ordiná-rio, insistindo no reconhecimento da resolução indireta do contrato de trabalho, por culpa da empregadora, com a condenação da Ré ao pa-gamento das verbas daí decorrentes, além de sustentar a procedência do pedido de pagamento da cláusula compensatória desportiva e das multas previstas nos arts. 467 e 477, ambos da CLT.

Contrarrazões às fls. 96/101.

É o relatório.

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voto

CONHECIMENTO

Conheço do Recurso interposto, eis que preenchidos os pressu-postos legais de admissibilidade.

Mérito

DA FORMA DE EXTINÇÃO DO CONTRATO

Noticiou o Acionante que fora contratado pela Ré, na condição de “atleta profissional de futebol”, para prestar serviços no período compre-endido entre 05.11.2011 e 31.07.2012, alegando que não recebeu o sa-lário correspondente ao mês de janeiro de 2012 nem pagamento algum a partir do dia 10.03.2012, apontando, ainda, a ausência de depósitos do FGTS e de recolhimentos previdenciários. Pretendeu, assim, por meio da presente ação, ajuizada em 14.06.2012, o reconhecimento de que o contrato de trabalho foi obliquamente rompido na data de 31.07.2012, em razão da prática de várias faltas graves cometidas pela ora Recorrida, com a condenação desta ao pagamento das verbas daí decorrentes.

Em que pese a Demandada tenha deixado de comparecer à audiência em que deveria prestar depoimento pessoal, a I. Magistrada a quo houve por bem rejeitar o pedido de resolução indireta do contrato de trabalho, por entender que a prova documental produzida pelo pró-prio Autor já evidencia, por si só, que o contrato já havia sido antecipa-damente rompido pela empregadora antes mesmo do ajuizamento da presente ação.

Em razões recursais, o Demandante renova os argumentos lança-dos na Inicial, além de destacar que permaneceu vinculado à Acionada perante a CBF – Confederação Brasileira de Futebol até o termo final do contrato, 31.07.2012, data em que pretende ver reconhecida a ocorrên-cia da resolução do contrato, inclusive com a respectiva anotação em sua CTPS.

Pois bem.

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A Lei nº 9.615/1998, que regulamenta a prática desportiva em geral, prevê hipótese restritiva em relação ao descumprimento contra-tual que seja suficiente para ensejar a terminação contratual por culpa do empregador, afastando-se das premissas menos gravosas do art. 483 consolidado.

Assim é que se mostra necessária a mora contumaz, por período igual ou superior a três meses, para que se caracterize a possibilidade de resolução do contrato, na forma do seu art. 31, situação que abarca também o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e a ausência de recolhimentos do FGTS e das contribuições previdenciárias, na forma dos §§ 1º e 2º do indigitado dispositivo legal, verbis:

Art. 31. “A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

§ 1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.

§ 2º A mora contumaz será considerada também pelo não recolhimento do FGTS e das contribuições previdenciárias.”

Domingos Sávio Zainaghi, em sua obra “Nova Legislação Des-portiva – Aspectos Trabalhistas” (Editora LTr, fevereiro/2002 – p. 36), resume as obrigações dos clubes:

“Registrar o contrato de trabalho na CTPS do atleta, bem como encaminhá-lo à entidade de prática responsável pelo registro; pagar os salários na forma e prazo da lei; recolher as verbas devidas ao INSS, recolher o FGTS etc.”

In casu, a imputação que pesa sobre os ombros da Acionada é a de haver descumprido obrigações elementares do contrato de trabalho, deixando de quitar o salário de janeiro de 2012 e de efetuar qualquer

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pagamento a partir de 10.03.2012, além de não realizar os depósitos do FGTS e não recolher as contribuições previdenciárias.

E destas infrações não se defendeu a Demandada, já que não com-pareceu à audiência inaugural, deixando, consequentemente, de ofere-cer resistência às pretensões deduzidas na exordial, razão pela qual foi considerada revel e confessa quanto à matéria de fato.

Cumpre gizar, contudo, que revelia não é pena, mas mera situação que surge como consequência de uma das possíveis atitudes do Réu, in casu a omissão que se traduz na sua contumácia pela ausência de resistência às pretensões do Autor, e assim, como sombra indefinida de justiça não pode ser admitida fora da hipótese perfeitamente delimitada.

Então, não contestado o feito presumem-se verdadeiros os fatos afirmados pelo Autor, como textualmente impõe o art. 319 do CPC. Po-rém, diferentemente do reconhecimento que vincula o julgador, esta confissão ficta que decorre da revelia pode ser elidida por outras cir-cunstâncias que envolvam a causa, uma vez que o processo tem por escopo maior dirimir conflitos de interesse com vistas à verdade real.

E, como bem observado pela I. Magistrada a quo, a pretensão de reconhecimento da ocorrência da falta grave a ensejar a resolução do contrato de trabalho por culpa da empregadora restou plenamente fulminada pela narrativa contida na Inicial e pelos documentos a ela acostados, que deixaram patente a circunstância de o contrato já ter sido antecipadamente rompido pela Ré antes mesmo do ajuizamento da presente ação.

Com efeito, a própria peça inaugural traz a informação de que, “em 15 de marco de 2012, o reclamante foi dispensado pela reclamada” e, prossegue, embora a vigência de seu contrato de trabalho perdure até 31 de julho de 2012 (fls. 03). Mais à frente, no tópico intitulado “Da Cláusula Compensatória”, há o relato de que “a reclamada de maneira desleal e covarde, dispensou e ainda deixou de arcar com o pagamento do salário do atleta desde o dia 10 de março de 2012, em razão de uma derrota para o time de Angra dos Reis” (fls. 06). A ciência do Acionan-te quanto à ruptura antecipada do pacto fica ainda mais evidente pela formulação de pedido de pagamento da multa prevista no art. 477 da CLT, argumentando que “as verbas rescisórias deveriam ter sido quitadas

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ate o 10º dia contado da demissão sem justa causa do obreiro, estando até a presente data sem receber as verbas rescisórias” (fls. 07, primeiro parágrafo).

No campo da prova documental, merece ser destacada a matéria jornalística veiculada pelo Jornal Eletrônico “Na Jogada” em 15.03.2012, carreada aos autos pelo próprio Demandante e que relata a dispensa de 9 (nove) jogadores integrantes da equipe de futebol profissional da Ré, entre os quais ele mesmo, na notícia referido pelo seu sobrenome (“da Costa”), como era conhecido no “meio futebolístico”, verbis:

“A derrota da Cabofriense para o Angra dos Reis no último sábado e a lanterna do grupo B não passou impune. Nesta terça-feira, a diretoria da Cabofriense, com o respaldo do treinador Dário Lourenço, dispensou nove jogadores, entre eles ‘Da Costa’ e Marcelo Cardoso, titulares nos últimos jogos.” (fls. 21 – grifos acrescentados)

Nesse contexto, ainda que, pela presunção decorrente da ficta confessio, se admita como verídica a alegação de que a entidade despor-tiva tenha descumprido diversas de suas obrigações legais e contratuais, certo é que a pretensão com vistas ao reconhecimento de que o contrato de trabalho teria sido obliquamente rompido na data de 31.07.2012 é materialmente impossível, já que o vínculo não mais subsistia no mundo jurídico desde o dia 15.03.2012. Ressalte-se que o Autor não persegue a conversão da modalidade de extinção do pacto, mas apenas e tão somente a resolução indireta de um contrato que, a seu entender, ainda estaria vigente à época do ajuizamento da presente ação, sendo dever do julgador manter-se vinculado ao pedido constante da Inicial.

Nem se argumente que o simples fato de o Autor ter permanecido vinculado à Ré perante a CBF – Confederação Brasileira de Futebol teria o condão de, por si só, manter vigente, contra a vontade do empregador, o contrato de trabalho firmado entre as partes, porque não se confundem o denominado “vínculo desportivo”, relacionado ao registro perante a entidade de administração de desporto (CBF), e o vínculo de emprego, sendo aquele acessório deste, extinguindo-se juntamente com este, con-forme expressamente estabelecido no art. 28, § 5º, da Lei nº 9.615/1998. Cabia, pois, ao Autor, buscar a sua liberação da Demandada no registro da CBF a fim de que pudesse negociar com outras entidades esportivas,

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tal como fez na exordial, inclusive requerendo a antecipação da tutela para este fim.

Nesse contexto, tratando-se de uma incontroversa ruptura anteci-pada do contrato a prazo determinado, tal como expõe a causa petendi, o pedido só poderia ser o que visasse ao pagamento da indenização pre-vista no art. 479 da CLT, caso já não tenha sido quitada pela Ré, situação de que não se tem notícia nos presentes autos, já que a referida indeni-zação não foi vindicada – sequer mencionada – pelo Demandante, não podendo ser, assim, objeto de condenação, sob pena de extrapolação dos limites da lide.

Por fim, há de se observar que, a despeito de o vínculo ter se encerrado em 15.03.2012, a D. Juíza de origem determinou, muito pro-vavelmente por equívoco material, a anotação da baixa contratual na CTPS com a data de 10.04.2012, o que se mantém, à míngua de insur-gência da Ré a esse respeito, e também em atenção ao princípio do non reformatio in pejus.

Destarte, afigura-se irreprochável a r. decisão da I. Magistrada a quo que, atenta à prova dos autos, rejeitou o pedido, tal como formula-do, no particular.

Nego Provimento.

DA CLAUSULA COMPENSATÓRIA DESPORTIVA

Buscou o Autor a condenação da Acionada ao pagamen-to da cláusula compensatória desportiva prevista no art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998, que, a seu dizer, lhe garantiria indenização equivalente ao “valor total dos salários mensais a que teria direito até o término do contrato”.

A D. Magistrada a quo, consignando que “após a edição da Lei nº 12.395/2011 o art. 28 da Lei nº 9.615/98 foi revogado”, bem como que, mesmo antes da revogação, a interpretação sistemática induzia à conclusão de que a beneficiária exclusiva da penalidade seria a própria entidade desportiva, houve por bem rejeitar o pedido.

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Inconformado, interpõe o Demandante o presente apelo, no qual critica o posicionamento da I. Julgadora primígena, sustentando que a Lei nº 12.395/2011 trouxe novos contornos para a discussão, deixando claro que a referida cláusula também seria devida aos atletas nos casos de “rescisão” decorrente de inadimplemento contratual, “rescisão indi-reta” e dispensa imotivada.

Pois bem.

Ab initio, impende destacar que o contrato de trabalho havido en-tre as partes foi celebrado em 05.11.2011, quando já estava em vigor a Lei nº 12.395/2011, publicada em 17.03.2011, sendo, assim, indubitá-vel que o pacto foi firmado já sob a égide da referida lei.

Antes do seu advento, o art. 28 constante da Lei predecessora, invocado pelo Autor, tinha a seguinte redação:

“A atividade do atleta profissional de todas as modalidades desportivas é caracterizada por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado, que deverá conter, obrigatoriamente, cláusula penal para as hipóteses de descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral.”

Em meio ao grande debate que se instalou acerca da interpreta-ção da referida norma, tornou-se majoritário, nesta Justiça Especial, o entendimento segundo o qual a cláusula penal ali prevista tinha aplica-bilidade unilateral, ou seja, seria devida apenas pelo atleta a entidade desportiva, sempre que desse azo ao rompimento antecipado do pacto. A tese ancorava-se no argumento de que, após a extinção da figura do “passe”, a entidade desportiva tinha que ser protegida em função dos investimentos despendidos com a formação e manutenção do jogador.

Contudo, com o advento da Lei nº 12.395/2011 – que alterou as Leis nº 9.615/1998 e nº 10.891/2004, revogou a Lei nº 6.354/1976, e deu outras providências – o cenário foi radicalmente alterado, uma vez que o citado art. 28 passou a ostentar redação completamente distinta, bem mais direta e didática, verbis:

Art. 28. “A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

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I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente a entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipó-teses:

[...]

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.

[...]

§ 3º O valor da cláusula compensatória desportiva a que se refere o in-ciso II do caput deste artigo será livremente pactuado entre as partes e formalizado no contrato especial de trabalho desportivo, observando-se, como limite máximo, 400 (quatrocentas) vezes o valor do salário mensal no momento da rescisão e, como limite mínimo, o valor total de salários mensais a que teria direito o atleta até o término do referido contrato.

[...]

§ 5º O vínculo desportivo do atleta com a entidade de prática desportiva contratante constitui-se com o registro do contrato especial de trabalho desportivo na entidade de administração do desporto, tendo natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais:

I – com o término da vigência do contrato ou o seu distrato;

II – com o pagamento da cláusula indenizatória desportiva ou da cláusula compensatória desportiva;

III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de respon-sabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei;

IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e

V – com a dispensa imotivada do atleta.”

Não requer demasiado esforço intelectivo constatar que, ao editar a Lei nº 12.395/2011 e, assim, trazer roupagem completamente nova para o art. 28, da Lei nº 9.615/1998, o legislador procurou dissipar to-das as dúvidas até então existentes quanto à antiga “cláusula penal des-portiva”, expurgando-a do nosso sistema jurídico para abrir caminho a duas novas cláusulas obrigatórias nos contratos desportivos: a cláusula

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indenizatória desportiva, tendo como exclusiva beneficiária a entidade esportiva; e a cláusula compensatória desportiva, destinada exclusiva-mente aos atletas profissionais nos casos em que o empregador da causa ou toma a iniciativa da ruptura contratual.

Nesse bem fincado palco, percebe-se sem maiores dificuldades que, com todas as vênias, equivocou-se a D. Magistrada a quo: em pri-meiro lugar, por consignar que a Lei nº 12.395/2011 teria revogado o art. 28 da Lei nº 9.615/1998, quando, na verdade, a referida alteração legislativa foi editada com finalidade diametralmente oposta, procuran-do sepultar, por meio de uma redação altamente didática, as controvér-sias até então existentes em relação à interpretação da referida norma; em segundo lugar, por trazer à lume a posição que era majoritária antes da edição da Lei nº 12.395/2011, envolvendo a antiga cláusula penal desportiva, o que é irrelevante ao deslinde da controvérsia, já que o contrato havido entre as partes foi firmado já sob a égide da referida lei, quando a figura da “cláusula penal desportiva” já havia sido abolida do ordenamento jurídico brasileiro, dando lugar às novas cláusulas indeni-zatória e compensatória desportivas.

A bem da verdade, o caso sub examine não requer maior apro-fundamento acerca da subsunção dos fatos em relação ao art. 28, na medida em que o contrato de trabalho foi imotivadamente extinto por iniciativa imotivada da Ré, enquadrando-se perfeitamente na moldura do inciso V do § 5º, tal como acima transcrito.

Não bastasse, há de se observar que o próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes (fls. 19/20) previa expressamente, em sua Dé-cima “cláusula Geral”, a denominada “cláusula compensatória desporti-va”, não só fazendo remissão ao art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998, como, inclusive, registrando uma a uma as hipóteses em que seria devida ao atleta, entre as quais está elencada, como não poderia deixar de ser, a “dispensa imotivada do jogador” (fls. 20).

Destarte, merece ser provido o presente apelo, no particular, para condenar a Ré ao pagamento da cláusula compensatória desportiva, pre-vista no art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998, com a nova redação que lhe foi dada em 17.03.2011 pela Lei nº 12.395/2011, e no instrumento contra-tual, sendo certo que, não tendo as partes estipulado um valor determi-nado para a sanção, e atento aos limites do pedido, aplica-se o quanto

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disposto na parte final do § 3º daquela mesma norma, segundo a qual a indenização deve corresponder ao valor total de salários mensais a que teria direito o Demandante entre a data da efetiva dispensa imotivada (10.04.2012) até aquela prevista para o término do contrato de trabalho (31.07.2012).

Dou provimento.

DAS MULTAS PREVISTAS NOS ARTIGOS 467 E 477, AMBOS DA CLT

Pugnou o Acionante pelo pagamento da multa a que se refere o art. 477 da CLT, argumentando que a quitação das verbas não teria ocor-rido dentro do decêndio legal. Buscou, ainda, a condenação da Ré ao pagamento da penalidade prevista no art. 467 da CLT, caso as referidas parcelas não fossem pagas até a data da primeira audiência.

A D. Juíza a quo, a despeito do estado da revelia, houve por bem rejeitar ambos os pedidos, ao fundamento de que o término do vínculo de emprego teria sido reconhecido em juízo, estando, assim, sub judice.

Inconformado, o Acionante insiste no pagamento das sanções em apreço, destacando a revelia em que incorreu a Demandada.

Pois bem.

Uma leitura minimamente atenta do quanto passou a dispor o art. 467 da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 10.272, de 05.09.2001, nos remete ao inconteste convencimento de que a sanção ali preconizada tem lugar quando, resilido o pacto, existe controvérsia sobre o montante das verbas rescisórias (sic), impondo-se a quitação da parte incontroversa até a data de comparecimento perante a Justiça do Trabalho.

In casu, conforme já destacado, a Ré foi revel. Ora, para além de não se estabelecer controvérsia sobre as parcelas vindicadas, seria um contrassenso pensar que a omissão da Demandada pudesse beneficiá-la com a absolvição da aludida sanção.

Cumpre destacar que há muito a matéria se encontra pacificada no âmbito da jurisprudência do C. TST, por meio da súmula nº 69, verbis:

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RESCISÃO DO CONTRATO – REVELIA – VERBAS RESCISÓRIAS COM ACRÉSCIMO DE 50% – A partir da Lei nº 10.272, de 05.09.2001, havendo rescisão do contrato de trabalho e sendo revel e confesso quanto à matéria de fato, deve ser o empregador condenado ao pagamento das verbas rescisórias, não quitadas na primeira audiência, com acréscimo de 50% (cinquenta por cento).

No que diz respeito à multa prevista no art. 477 do mesmo di-ploma celetista, impõe-se destacar que excedidos quaisquer dos prazos previstos no § 6º do art. 477 da CLT para quitação das resilitórias, e não restando demonstrado que a demora decorreu de culpa do interessado, inquestionável ser devida a multa equivalente a 01 salário último per-cebido pelo ex-empregado, conforme preceito insculpido no § 8º do mesmo dispositivo legal, estabelecendo-se assim critério objetivo para ser imposta a sanção.

E é justamente essa a hipótese do caso sub examine, em que dito prazo não foi observado, uma vez que, reconhecida a ruptura contratual por iniciativa da empregadora em 10.04.2012, até a presente data não foram pagos os haveres resilitórios, conclusão que se infere da contumá-cia da Demandada, sendo devida, pois, a sanção pecuniária buscada na inicial.

Dou Provimento.

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário e, no mérito, dou-lhe parcial provimento, para acrescer à condenação o pagamento das mul-tas previstas nos arts. 467 e 477, ambos da CLT, bem como da “cláusula compensatória desportiva” prevista no art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998 e no instrumento contratual, na forma da fundamentação supra, que a este dispositivo se integra.

Acordam os Desembargadores da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, nos termos da funda-mentação do voto do Exmo. Sr. Relator, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para acrescer à condenação o pagamento das multas previstas nos arts. 467 e 477, ambos da CLT, bem como da cláusula compensatória desportiva prevista no art. 28, II, da Lei nº 9.615/1998 e no instrumento contratual, que a este dispositivo se integra.

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Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 2014.

Desembargador do Trabalho Antonio Carlos de Azevedo Rodrigues Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1330

Tribunal de Justiça do Estado do Paraná1ª Turma RecursalEstado do ParanáRecurso Inominado nº 0000069‑86.2014.8.16.0174Juizado Especial Cível de União da VitóriaRecorrente: Clube Atlético ParanaenseRecorrido: Alan Jair RosenschegRelatora: Renata Ribeiro BauRelatora Designada: Liana de Oliveira Lueders

RECURSO INOMINADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA NÃO CONFIGURADA – JOGO DE FUTEBOL – RECLAMANTE SE EVADIU DO LOCAL DIANTE DA BRIGA ENTRE AS TORCIDAS QUE ENSEJOU A SUSPENSÃO DO JOGO – DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS – NECESSIDADE DE RESSARCIMENTO DO VALOR DO INGRESSO – DANOS MORAIS NÃO DEMONSTRADOS

1. É legítima a parte que ingressa com ação judicial a fim de se ver ressarcida material e moralmente diante de problemas ocorridos em evento desportivo, não configurando busca de tutela de direi-tos coletivos.

2. O torcedor impossibilitado de assistir evento desportivo diante do não cumprimento das obrigações previstas na Lei nº 10.671/2003 por parte da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, acarreta a compensação pelos danos materiais percebidos e comprovados.

3. A impossibilidade de acompanhar partida de futebol diante de briga entre torcidas dentro do estádio só enseja a reparação por dano moral se houver demonstração de dano efetivo sofrido pelo torcedor, o que não restou demonstrado no caso dos autos, razão pela qual se impõe o afastamento da condenação neste ponto.

4. Recurso conhecido e parcialmente provido.

i – relatÓrio

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada por Alan Jair Rosenscheg em face de Clube Atlético Paranaense.

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Aduziu, em síntese, ter em 08.12.2013 ido assistir a uma partida de fute-bol na cidade de Joinville/SC, todavia durante a partida houve uma briga entre as torcidas, tentou fugir do local mas foi impedido por existirem muitos torcedores do time rival ao lado de fora, conseguindo fugir ao fim. Por ter sido o “mando de jogo” do reclamado entende ser respon-sabilidade dele o ressarcimento pelos danos materiais e morais sofridos.

O juízo singular (item 40.1) julgou parcialmente procedente o pe-dido formulado pelo reclamante, condenando o Clube Atlético Parana-ense ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de indenização por danos morais e R$ 100,00 a título de indenização por danos materiais.

Irresignado, a o reclamado, interpôs recurso inominado (item 46.1) requerendo o reconhecimento da ilegitimidade ativa, bem como a refor-ma da sentença, a fim de ser isentado do pagamento de qualquer tipo de condenação seja a título de danos materiais ou morais.

O requerente apresentou contrarrazões (item 51.1), requerendo a manutenção do julgado.

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Satisfeitos estão os pressupostos processuais viabilizadores da ad-missibilidade deste recurso, tanto os objetivos quanto os subjetivos, ra-zão pela qual deve ser ele conhecido.

Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa do recorrido para propor demandas coletivas. Incorre em equívoco o recorrente neste pon-to, não há no caso em apreço qualquer pretensão de tutela de direitos coletivos, mas sim apenas o ora recorrido está se insurgindo por enten-der ter sido afetado em sua esfera psíquica diante de situações de vio-lência que presenciou. Também pleiteou o recorrido o ressarcimento do valor gasto para assistir ao evento esportivo, questão de direito subjetivo seu (transporte, alimentação e ingresso). Desta forma, não há que se falar em ilegitimidade ativa in casu.

Superada a questão preliminar, impõe ressaltar que não há dúvi-das acerca da responsabilidade do recorrente pela segurança no evento.

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Veja-se que uma partida de futebol por certo gera a aglomeração de pessoas e deixa de maneira exposta torcidas rivais, razão pela qual a entidade esportiva que possui o mando de jogo e acaba auferindo lucro com o evento deve primar pela segurança dos torcedores que pagam para assistir ao jogo.

Nesta esteira, conforme bem estabelecido na sentença, a teor do que dispõe a Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor, a responsabili-dade pelo evento é da entidade desportiva detentora do mando de jogo. Neste esteio, era responsabilidade do clube recorrente propiciar de ma-neira adequada que todos os torcedores assistissem ao jogo de maneira confortável e segura, o que não ocorreu no caso dos autos, sendo que os problemas de segurança no evento foram amplamente divulgados na mídia. Tendo faltado com essa obrigação não há como afastar a respon-sabilidade sobre os danos sofridos.

Assim, reputo acertada a decisão singular que condenou o clube recorrente ao pagamento pelos danos materiais, no caso relativos ao valor pago pelo ingresso, já que a falta de segurança no evento ensejou a suspensão do jogo por mais de uma hora obrigando a parte recorrida a deixar o evento por temer sua segurança, o que é compreensível e aceitável.

Em relação aos danos morais, entretanto, incabível a condenação no caso em apreço, já que não houve demonstração de dano efetivo sofrido pelo torcedor recorrido. Veja-se que grandes eventos, que re-sultam em aglomeração de pessoas, naturalmente expõem as pessoas a situações de tumultos, sendo que nesses casos para o reconhecimento do dano moral impõe a demonstração efetiva do dano sofrido pelo tor-cedor, o que não se vislumbra no caso dos autos. Vale ressaltar que o recorrido não estava envolvido na briga, sendo um dos torcedores que deixou o estádio quando o tumulto começou.

Conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justi-ça o dano moral não reside no ilícito eventualmente praticado, mais que isso é necessária a afetação da dignidade da pessoa, causando-lhe ofen-sa relevante. Portanto, inexistindo consequências pontuais da situação vivenciada, não se verificam danos à personalidade aptas à reparação moral, neste sentido:

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RESPONSABILIDADE CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – ATRASO EM VOO DOMÉSTICO NÃO SIGNIFICATIVO, INFERIOR A OITO HORAS, E SEM A OCORRÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS GRAVES – COMPANHIA AÉREA QUE FORNECEU ALTERNATIVAS RAZOÁVEIS PARA A RESOLUÇÃO DO IMPASSE – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO

1. O cerne da questão reside em saber se, diante da responsabilidade objetiva, a falha na prestação do serviço – atraso em voo doméstico de aproximadamente oito horas – causou dano moral ao recorrente.

2. A verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocor-rência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. Daí porque doutrina e jurisprudência têm afirmado, de forma uníssona, que o mero inadimplemento contratual – que é um ato ilícito – não se revela, por si só, bastante para gerar dano moral.

3. Partindo-se da premissa de que o dano moral é sempre presumido – in re ipsa (ínsito à própria ofensa) –, cumpre analisar a situação jurídica controvertida e, a partir dela, afirmar se há ou não dano moral indenizável.

4. No caso em exame, tanto o Juízo de piso quanto o Tribunal de origem afirmaram que, em virtude do atraso do voo – que, segundo o autor, foi de aproximadamente oito horas –, não ficou demonstrado qualquer prejuízo daí decorrente, sendo que a empresa não deixou os passageiros à própria sorte e ofereceu duas alternativas para o problema, quais sejam, a estadia em hotel custeado pela companhia aérea, com a ida em outro voo para a capital gaúcha no início da tarde do dia seguinte, ou a realização de parte do trajeto de ônibus até Florianópolis, de onde partiria um voo para Porto Alegre pela manhã. Não há, pois, nenhuma prova efetiva, como consignado pelo acórdão, de ofensa à dignidade da pessoa humana do autor.

5. O aborrecimento, sem consequências graves, por ser inerente à vida em sociedade – notadamente para quem escolheu viver em grandes centros urbanos –, é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. Como leciona a melhor doutrina, só se deve reputar como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento

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RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ����������������������������������������������������������������181

psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Precedentes.

6. Ante a moldura fática trazida pelo acórdão, forçoso concluir que, no caso, ocorreu dissabor que não rende ensejo à reparação por dano moral, decorrente de mero atraso de voo, sem maiores consequências, de menos de oito horas – que não é considerado significativo –, havendo a companhia aérea oferecido alternativas razoáveis para a resolução do impasse.

7. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1269246/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, J. 20.05.2014, DJe 27.05.2014) (destaquei)

É certo e indiscutível a ocorrência do fato, qual seja, a briga no estádio durante o jogo, como relatado na inicial. Todavia, o tumulto ocorrido não é apto a atingir a honra, moral, imagem ou intimidade do recorrido, na medida em que não houve, ao fim, qualquer dano efetivo, não tendo sido atingido ou agredido. Indubitavelmente é reconhecida a existência de transtornos para sair do local, mas ainda assim, o mero descontentamento, insatisfação com o ocorrido, não enseja reparação moral. Nesta toada, é certo que apesar do fatídico ocorrido, inexiste dano moral a ser reparado, motivo pelo qual deve ser afastada a conde-nação ao pagamento de indenização por danos morais aplicada.

Desta sorte, deve o presente recurso ser conhecido e parcialmente provido para, tão somente ser afastada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Logrando êxito parcial em seu recurso, deve arcar com o pagamento de 50% das custas processuais e verba ho-norária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995.

III – DISPOSITIVO

Face o exposto, decidem os Juízes integrantes da 1ª Turma Recur-sal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Paraná, por maioria de votos, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, para o fim de afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos morais nos exatos termos deste voto, permanecendo no mais a sentença

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tal como lançada, sendo vencida a relatora originária Dra. Renata Ribeiro Bau.

O julgamento foi presidido pela Senhora Juíza Ana Paula Kaled A. Rodrigues da Costa, sem voto, e dele participaram a Senhora Fernanda Bernert Michielin, a Senhora Renata Ribeiro Bau (relatora originária) e a Senhora Juíza Liana de Oliveira Lueders (relatora para o acórdão).

Curitiba, 20 de novembro de 2014.

Liana de Oliveira Lueders Juíza Relatora para o Acórdão

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal de Justiça do Estado do Paraná1ª Turma RecursalRecurso Inominado nº 0000076‑78.2014.8.16.0174Juizado Especial Cível de União da VitóriaRecorrente: Clube Atlético ParanaenseRecorrido: Emerson Cleiton de AlmeidaRelatora: Renata Ribeiro BauRelatora Designada: Liana de Oliveira Lueders

RECURSO INOMINADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – ILEGITIMIDADE ATIVA NÃO CONFIGURADA – JOGO DE FUTEBOL – RECLAMANTE SE EVADIU DO LOCAL DIANTE DA BRIGA ENTRE AS TORCIDAS QUE ENSEJOU A SUSPENSÃO DO JOGO – DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS – NECESSIDADE DE RESSARCIMENTO DO VALOR DO INGRESSO – DANOS MORAIS NÃO DEMONSTRADOS

1. É legítima a parte que ingressa com ação judicial a fim de se ver ressarcida material e moralmente diante de problemas ocorridos em evento desportivo, não configurando busca de tutela de direi-tos coletivos.

2. O torcedor impossibilitado de assistir evento desportivo diante do não cumprimento das obrigações previstas na Lei nº 10.671/2003 por parte da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo, acarreta a compensação pelos danos materiais percebidos e comprovados.

3. A impossibilidade de acompanhar partida de futebol diante de briga entre torcidas dentro do estádio só enseja a reparação por dano moral se houver demonstração de dano efetivo sofrido pelo torcedor, o que não restou demonstrado no caso dos autos, razão pela qual se impõe o afastamento da condenação neste ponto.

4. Recurso conhecido e parcialmente provido.

i – relatÓrio

Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada por Emerson Cleiton de Almeida em face de Clube Atlético Pa-ranaense. Aduziu, em síntese, ter em 08.12.2013 ido assistir a uma parti-

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da de futebol na cidade de Joinville/SC, todavia durante a partida houve uma briga entre as torcidas, tentou fugir do local mas foi impedido por existirem muitos torcedores do time rival ao lado de fora, conseguindo fugir ao fim. Por ter sido o “mando de jogo” do reclamado entende ser responsabilidade dele o ressarcimento pelos danos materiais e morais sofridos.

O juízo singular (item 40.1) julgou parcialmente procedente o pe-dido formulado pelo reclamante, condenando o Clube Atlético Parana-ense ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de indenização por danos morais e R$ 100,00 a título de indenização por danos materiais.

Irresignado, a o reclamado, interpôs recurso inominado (item 46.1) requerendo o reconhecimento da ilegitimidade ativa, bem como a refor-ma da sentença, a fim de ser isentado do pagamento de qualquer tipo de condenação seja a título de danos materiais ou morais.

O requerente apresentou contrarrazões (item 51.1), requerendo a manutenção do julgado.

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Satisfeitos estão os pressupostos processuais viabilizadores da ad-missibilidade deste recurso, tanto os objetivos quanto os subjetivos, ra-zão pela qual deve ser ele conhecido.

Preliminarmente, arguiu a ilegitimidade ativa do recorrido para propor demandas coletivas. Incorre em equívoco o recorrente neste pon-to, não há no caso em apreço qualquer pretensão de tutela de direitos coletivos, mas sim apenas o ora recorrido está se insurgindo por enten-der ter sido afetado em sua esfera psíquica diante de situações de vio-lência que presenciou. Também pleiteou o recorrido o ressarcimento do valor gasto para assistir ao evento esportivo, questão de direito subjetivo seu (transporte, alimentação e ingresso). Desta forma, não há que se falar em ilegitimidade ativa in casu.

Superada a questão preliminar, impõe ressaltar que não há dúvi-das acerca da responsabilidade do recorrente pela segurança no evento.

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Veja-se que uma partida de futebol por certo gera a aglomeração de pessoas e deixa de maneira exposta torcidas rivais, razão pela qual a entidade esportiva que possui o mando de jogo e acaba auferindo lucro com o evento deve primar pela segurança dos torcedores que pagam para assistir ao jogo.

Nesta esteira, conforme bem estabelecido na sentença, a teor do que dispõe a Lei nº 10.671/2003 – Estatuto do Torcedor, a responsabili-dade pelo evento é da entidade desportiva detentora do mando de jogo. Neste esteio, era responsabilidade do clube recorrente propiciar de ma-neira adequada que todos os torcedores assistissem ao jogo de maneira confortável e segura, o que não ocorreu no caso dos autos, sendo que os problemas de segurança no evento foram amplamente divulgados na mídia.

Tendo faltado com essa obrigação não há como afastar a respon-sabilidade sobre os danos sofridos.

Assim, reputo acertada a decisão singular que condenou o clube recorrente ao pagamento pelos danos materiais, no caso relativos ao valor pago pelo ingresso, já que a falta de segurança no evento ensejou a suspensão do jogo por mais de uma hora obrigando a parte recorrida a deixar o evento por temer sua segurança, o que é compreensível e aceitável.

Em relação aos danos morais, entretanto, incabível a condenação no caso em apreço, já que não houve demonstração de dano efetivo sofrido pelo torcedor recorrido. Veja-se que grandes eventos, que re-sultam em aglomeração de pessoas, naturalmente expõem as pessoas a situações de tumultos, sendo que nesses casos para o reconhecimento do dano moral impõe a demonstração efetiva do dano sofrido pelo tor-cedor, o que não se vislumbra no caso dos autos. Vale ressaltar que o recorrido não estava envolvido na briga, sendo um dos torcedores que deixou o estádio quando o tumulto começou.

Conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de Justi-ça o dano moral não reside no ilícito eventualmente praticado, mais que isso é necessária a afetação da dignidade da pessoa, causando-lhe ofen-sa relevante. Portanto, inexistindo consequências pontuais da situação

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vivenciada, não se verificam danos à personalidade aptas à reparação moral, neste sentido:

RESPONSABILIDADE CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – ATRASO EM VOO DOMÉSTICO NÃO SIGNIFICATIVO, INFERIOR A OITO HORAS, E SEM A OCORRÊNCIA DE CONSEQUÊNCIAS GRAVES – COMPANHIA AÉREA QUE FORNECEU ALTERNATIVAS RAZOÁVEIS PARA A RESOLUÇÃO DO IMPASSE – DANO MORAL NÃO CONFIGURADO

1. O cerne da questão reside em saber se, diante da responsabilidade objetiva, a falha na prestação do serviço – atraso em voo doméstico de aproximadamente oito horas – causou dano moral ao recorrente.

2. A verificação do dano moral não reside exatamente na simples ocor-rência do ilícito, de sorte que nem todo ato desconforme o ordenamento jurídico enseja indenização por dano moral. O importante é que o ato ilícito seja capaz de irradiar-se para a esfera da dignidade da pessoa, ofendendo-a de maneira relevante. Daí porque doutrina e jurisprudência têm afirmado, de forma uníssona, que o mero inadimplemento contratual – que é um ato ilícito – não se revela, por si só, bastante para gerar dano moral.

3. Partindo-se da premissa de que o dano moral é sempre presumido – in re ipsa (ínsito à própria ofensa) –, cumpre analisar a situação jurídica controvertida e, a partir dela, afirmar se há ou não dano moral indenizável.

4. No caso em exame, tanto o Juízo de piso quanto o Tribunal de origem afirmaram que, em virtude do atraso do voo – que, segundo o autor, foi de aproximadamente oito horas –, não ficou demonstrado qualquer prejuízo daí decorrente, sendo que a empresa não deixou os passageiros à própria sorte e ofereceu duas alternativas para o problema, quais sejam, a estadia em hotel custeado pela companhia aérea, com a ida em outro voo para a capital gaúcha no início da tarde do dia seguinte, ou a realização de parte do trajeto de ônibus até Florianópolis, de onde partiria um voo para Porto Alegre pela manhã. Não há, pois, nenhuma prova efetiva, como consignado pelo acórdão, de ofensa à dignidade da pessoa humana do autor.

5. O aborrecimento, sem consequências graves, por ser inerente à vida em sociedade – notadamente para quem escolheu viver em grandes centros urbanos –, é insuficiente à caracterização do abalo, tendo em vista que este depende da constatação, por meio de exame objetivo e prudente arbítrio do magistrado, da real lesão à personalidade daquele que se diz ofendido. Como leciona a melhor doutrina, só se deve reputar

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como dano moral a dor, o vexame, o sofrimento ou mesmo a humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, chegando a causar-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Precedentes.

6. Ante a moldura fática trazida pelo acórdão, forçoso concluir que, no caso, ocorreu dissabor que não rende ensejo à reparação por dano moral, decorrente de mero atraso de voo, sem maiores consequências, de menos de oito horas – que não é considerado significativo –, havendo a companhia aérea oferecido alternativas razoáveis para a resolução do impasse.

7. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1269246/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, J. 20.05.2014, DJe 27.05.2014) (destaquei)

É certo e indiscutível a ocorrência do fato, qual seja, a briga no estádio durante o jogo, como relatado na inicial. Todavia, o tumulto ocorrido não é apto a atingir a honra, moral, imagem ou intimidade do recorrido, na medida em que não houve, ao fim, qualquer dano efetivo, não tendo sido atingido ou agredido. Indubitavelmente é reconhecida a existência de transtornos para sair do local, mas ainda assim, o mero descontentamento, insatisfação com o ocorrido, não enseja reparação moral. Nesta toada, é certo que apesar do fatídico ocorrido, inexiste dano moral a ser reparado, motivo pelo qual deve ser afastada a conde-nação ao pagamento de indenização por danos morais aplicada.

Desta sorte, deve o presente recurso ser conhecido e parcialmente provido para, tão somente ser afastada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Logrando êxito parcial em seu recurso, deve arcar com o pagamento de 50% das custas processuais e verba ho-norária, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 55 da Lei nº 9.099/1995.

III – DISPOSITIVO

Face o exposto, decidem os Juízes integrantes da 1ª Turma Recur-sal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Estado do Paraná, por maioria de votos, conhecer e dar parcial provimento ao recurso, para o fim de afastar a condenação ao pagamento de indenização por danos

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morais nos exatos termos deste voto, permanecendo no mais a sentença tal como lançada, sendo vencida a relatora originária Dra. Renata Ribeiro Bau.

O julgamento foi presidido pela Senhora Juíza Ana Paula Kaled A. Rodrigues da Costa, sem voto, e dele participaram a Senhora Fernanda Bernert Michielin, a Senhora Renata Ribeiro Bau (relatora originária) e a Senhora Juíza Liana de Oliveira Lueders (relatora para o acórdão).

Curitiba, 16 de dezembro de 2014.

Liana de Oliveira Lueders Juíza Relatora para o Acórdão

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

1332 – Conselho Regional de Educação Física – atleta – inscrição – efeitos

“Processual civil. Agravo legal. Art. 557, § 1º, do CPC. Fundamentos da decisão agrava-da inafastados. Manutenção da decisão. Administrativo e desportivo. Monitor e treinador de futebol. Ex-atletas. Inscrição no Conselho Regional de Educação Física. Descabimen-to. Existência de lei específica que dispõe sobre a atividade (Lei nº 8.650/1983). Ausên-cia de correlação com as atividades descritas na lei geral (Lei nº 9.696/1998). 1. Para o manejo do agravo previsto no art. 557, § 1º, do Código de Processo Civil, é preciso o enfrentamento da fundamentação da decisão agravada, ou seja, deve-se demonstrar, no caso, que a apelação não estava em confronto com jurisprudência dominante desta Cor-te e/ou dos Tribunais Superiores. Precedentes do STF, STJ e desta Corte. Precedentes do STF, STJ e desta Corte. 2. Decisão proferida em conformidade com a legislação cabível à espécie, aplicando o entendimento dominante nos Tribunais Superiores. 3. A agravante limitou-se a manifestar seu inconformismo com a decisão recorrida, não trazendo, po-rém, elementos aptos a sua reforma. 4. A Lei nº 8.650/1993 dispõe que o exercício da profissão de treinador de futebol não é privativa dos portadores de diploma em educação física. 5. Aos treinadores profissionais de futebol não se impõe a obrigatoriedade de for-mação superior em educação física, com menos razão há que se impor seu registro no Cref, que possui atribuições fiscalizatórias apenas em relação aos profissionais de edu-cação física (arts. 2º, 6º e 7º). 6. Agravo legal desprovido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0002877-20.2011.4.03.6106/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Márcio Moraes – DJe 13.11.2014 – p. 464)

Comentário Editorial SÍNTESEDiscutiu-se no presente caso a não obrigatoriedade de o atleta ser registrado no Conselho Regional de Educação Física.

A Lei nº 8.650/1983 reza que:

“Art. 1º A associação desportiva ou clube de futebol é considerado quando, mediante qualquer modalidade de remuneração, utiliza os serviços de Treinador Profissional de Futebol, na forma definida nesta Lei.

Art. 2º O Treinador Profissional de Futebol é considerado empregado quando especifi-camente contratado por clube de futebol ou associação desportiva, com a finalidade de treinar atletas de futebol profissional ou amador, ministrando-lhes técnicas e regras de futebol, com o objetivo de assegurar-lhes conhecimentos táticos e técnicos suficientes para a prática desse esporte.

Art. 3º O exercício da profissão de Treinador Profissional de Futebol ficará assegurado preferencialmente:

I – aos portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou entidades análogas, reconhecidas na forma da lei;

II – aos profissionais que, até a data do início da vigência desta Lei, hajam comprova-damente exercido cargos ou funções de treinador de futebol por prazo não inferior a seis meses, como empregado ou autônomo, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional.”

1333 – Improbidade administrativa – execução de sentença – embargos de declaração opostos pela União – decisão que entendeu pela intempestividade – efeitos

“Agravo de instrumento. Improbidade administrativa. Execução de sentença. Embargos de declaração opostos pela União. Decisão que entendeu pela intempestividade. Encer-

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ramento do prazo em dia de jogo da Copa das Confederações. Encerramento do expe-diente mais cedo. Prorrogação do prazo para o dia seguinte. Provimento do recurso para que os embargos sejam apreciados. 1. Entendeu o Juiz que os embargos de declaração foram opostos pela União fora do prazo. Entretanto, o magistrado deixou de observar que o último dia do prazo recursal deu-se em dia de jogos da Seleção Brasileira de Futebol, na Copa das Confederações. O expediente, por determinação deste Tribunal, encerrou-se mais cedo. Assim, o prazo prorrogou-se para o dia seguinte. Logo, o recurso não pode ser considerado intempestivo. 2. Agravo provido.” (TRF 1ª R. – AI 0022259-33.2014.4.01.0000 – Rel. Juiz Fed. Conv. Pablo Zuniga Dourado – DJe 01.12.2014 – p. 161)

Civil

1334 – Ação de cobrança – contrato de atleta – repasse de contribuição – efeitos

“Ação de cobrança. Repasse de contribuição decorrente de contratos de atletas à Faap – Federação das Associações de Atletas Profissionais. Lei nº 9.615/1998. Preliminares não acolhidas. Inconstitucionalidade afastada. Adequação da incidência de juros e correção monetária. 1. Os recursos destinados ao sistema de assistência complementar do atleta profissional, passaram a ser geridos pela Faap – Federação das Associações de Atle-tas Profissionais, entidade de direito privado e sem fins lucrativos (Leis nº 6.269/1975, 8.672/1993 e 9.615/1998). 2. O recolhimento de tais recursos foi instituído por Lei fe-deral nº 9.615/1998, art. 57, competindo à Faap, tão somente a recepção destes, para repassá-los às entidades filiadas ou conveniadas, nos termos do art. 5º, letra f, do seu estatuto social, não ocorrendo qualquer ofensa ao art. 149 da Carta Magna. 3. Os juros moratórios a serem aplicados sobre as contribuições devem ser contados na razão de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação, por força do art. 406 do Código Civil e art. 161, § 1º do CTN. 4. Aplica-se o INPC (correção monetária) desde o inadimplemento de cada contribuição. 5. Agravo retido conhecido e desprovido. Preliminares rejeita-das. Apelo desprovido.” (TJDFT – Proc. 20130111177358 – (837471) – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 10.12.2014 – p. 196)

1335 – Atleta – Confederação Brasileira de Boliche – sanção disciplinar – efeitos

“Agravo de instrumento. Justiça desportiva. Confederação Brasileira de Boliche – CBBOL. Sanção disciplinar à atleta. Ausência de contraditório e ampla defesa. 1. Nada a reparar na decisão agravada que, numa análise perfunctória, indicou o descumpri-mento por parte da agravante aos princípios do contraditório e da ampla defesa, quando da aplicação das sanções à atleta. 2. O devido processo legal de aplicação de sanções desportivas, além de assegurar observância às normas (termos da lei, dos códigos des-portivos, do regulamento da competição, etc.), deve assegurar, sempre, igualdade de tratamento às partes, o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, caput, II, LIV e LV da Constituição Federal; art. 52, caput da Lei nº 9.615/1998; art. 2º do CBJD), sem jamais perder de vista os princípios fundamentais da constituição republicana, os princípios

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desportivos e as regras gerais de direito. 3. Recurso conhecido e provido.” (TJDFT – AI 20140020235287 – (841845) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Hector Valverde Santanna – DJe 27.01.2015 – p. 458)

1336 – Atleta amador – menor de quatorze anos – pretensão de liberação de clube – cautelar – cabimento

“Ação cautelar inominada. Atleta amador. Menor de quatorze anos. Pretensão de libe-ração de clube, negada pelo clube e pela federação respectiva, esta ao argumento de que a permite se o clube assentir ausência de contrato entre as partes, verbal ou escrito atleta amador que pode rescindir livremente seu vínculo com a associação formação do atleta que deve ser gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva, tendo o clube direito a firmar pacto, mediante contrato formal, apenas com o atleta não pro-fissional em formação, maior de 14 anos de idade inteligência e aplicação dos arts. 2º, IV, 29, § 2º, II, alínea g, e 44 da Lei nº 9.615 de 1998 (Lei Pelé) presença dos elementos que permitem aferir a presença dos requisitos próprios das medidas cautelares (fuma-ça de bom direito e perigo da demora). Decisão reformada. Agravo provido.” (TJSP – AI 2048733-75.2014.8.26.0000 – São Paulo – 10ª CDPriv. – Rel. João Carlos Saletti – DJe 06.11.2014 – p. 1938)

1337 – Atleta olímpico – doping – cautelar de exibição de documento – efeitos

“Processo civil. Apelação cível. Cautelar de exibição de documento. CBDA e Anna Terra. Atleta olímpico. Doping. Litisconsórcio passivo. Interesse indenizatório. Notícias midi-áticas. Sigilo do processo administrativo-disciplinar. Autonomia das entidades desporti-vas. Documento da CDBA e não comum. Pedido improcedente. 1. A sentença assegurou à farmácia de manipulação Anna Terra, que forneceu cápsulas de suplemento alimentar a notório nadador olímpico, punido por doping, acesso a todo o processo administrativo da CBDA, por ter atribuído culpa à empresa farmacêutica pela contaminação do produto com substância proibida no âmbito desportivo. 2. A autonomia da cautelar de exibição de documento (CPC, arts. 844 e 845), embora vise a proteger direito fundamental ao processo justo (Constituição, art. 5º, LIV), amparado nos direitos de ação e defesa (art. 5º, XXXV e LV), impossíveis de efetivar à míngua de prova cabal (art. 5º, LVI, contrario sensu), depende, malgrado, da demonstração inequívoca da necessidade e utilidade da providência preparatória, nunca sob assertivas baseadas em notícias midiáticas, valendo a lição de Marinoni de que a exibição só é devida se ficar caracterizado o fim instrutório da tutela. 3. O episódio do doping, flagrado em maio/2011, com ampla repercussão na imprensa, culminou com a aplicação da pena de advertência a atleta medalhista olím-pico, vindo a público declarações dele e de dirigentes da entidade que responsabiliza-vam a farmácia de manipulação pela contaminação de cápsulas de cafeína, fornecidas ao nadador, com a substância vedada furosemida. 4. Não se pode afirmar a existência de relação jurídica entre a CBDA e a Anna Terra, a partir de reportagens jornalísticas, a ponto de considerar legítimo, em sede cautelar preparatória, o interesse da empresa farmacêutica de obter a exibição de documento próprio da entidade desportiva, que tem caráter sigiloso, para resguardar a integridade dos atletas que congrega, estando a sua autonomia de organização e funcionamento garantida pelo art. 217, I, da Constituição, sendo certo, ainda, que o teor das declarações supostamente ofensivas pode ser alcança-

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do em ação de conhecimento, ao manto do contraditório e ampla defesa, sem descartar, a critério do juízo da instrução, a possibilidade de requisição do processo administrativo--disciplinar. 5. Para efeito da exibição de documento, se cabível, inexistiria litisconsór-cio passivo necessário com o atleta punido, pois a titularidade e a disponibilidade do processo administrativo-disciplinar pertencem à entidade desportiva, no qual figurou como infrator, cada um respondendo diretamente, em caráter solidário ou não, confor-me o caso, pela eventual ação danosa que lhes for imputada à conta das declarações protagonizadas nos meios de comunicação. 6. Havendo no processo administrativo--disciplinar efeitos conexos ou colaterais, causando danos a terceiros, a solução é pro-por ação de conhecimento, e nunca ação de exibição de documento estranho à pessoa que se diz prejudicada, sobretudo ao escopo de conferir provas consubstanciadas em declarações pessoais que em princípio terão de ser ratificadas em juízo, posto a indepen-dência das instâncias. Precedentes. 7. Apelação provida, para reformar a sentença, jul-gando improcedente o pedido cautelar, invertidos os ônus da sucumbência.” (TRF 2ª R. – AC 2012.51.01.041967-6 – 6ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 21.11.2014 – p. 168)

1338 – Atleta profissional – atraso de 10 horas do voo – preparação para o evento prejudicada – reconhecimento – indenização devida

“Atraso de voo. Atleta profissional. Preparação para o evento. Impossibilidade. Prejuízo ao consumidor. Dano moral. Agravo interno em apelação cível. Ausência de elementos aptos a ensejar a alteração da decisão monocrática hostilizada, que negou provimento ao recurso do réu. Decisão assim ementada. ‘Apelação cível. Ação indenizatória. Trans-porte aéreo. Chegada ao destino com cerca de 10 horas de atraso. Atleta que teve sua preparação para evento classificatório prejudicada. Atraso para embarque e decolagem que integram o risco da atividade prestada pela companhia aérea. Dano que deverá ser indenizado, independentemente de culpa. Magistrado de piso que agiu com acerto ao fixar o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) como reparação extrapatrimonial ao autor, por ter observado todos os aspectos para sua fixação, tais como o caráter compensatório do instituto, o seu viés preventivo, punitivo e pedagógico, atentando às balizas da razoa-bilidade e proporcionalidade, levando em consideração, principalmente, as condições pessoais do lesado, que vinha se preparando para evento classificatório para competição internacional, tendo o atraso de sua chegada, em mais de dez horas, afetado profunda-mente o seu equilíbrio físico e psicológico, tendo que lidar com a frustração ante a perda da oportunidade de participar com bons resultados no referido campeonato. Manuten-ção da sentença. Desprovimento do recurso.’ Desprovimento do agravo interno.” (TJRJ – Ap 0491044-13.2012.8.19.0001 – 27ª C.Cív. – Rel. Des. Antonio Carlos dos Santos Bitencourt – DJe 21.01.2015 – p. 48)

1339 – Cláusula penal – contrato de cogestão de atividade desportiva infrações contra-tuais – rescisão – efeitos

“Rescisão contratual. Cláusula penal. Contrato de cogestão de atividade desportiva. In-frações contratuais. Processual impedimento de degravação. Ônus da prova. 1. Não se confunde a impossibilidade de degravação da mídia ou produção de provas, porque requeridas tempestivamente e deferidas em decorrência do direito ao contraditório, com

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a formação da convicção do Juiz. Ambas as partes entenderam pelo julgamento sem repetição das oitivas e há suficiência de elementos de prova para a resposta jurisdicio-nal, sendo a regra do ônus da prova para o estado de dúvida. 2. Legítima expectativa da cogestora que agia corretamente na consecução de sua atividade e comprovados os investimentos para atender aos fins contratuais. Houve infrações contratuais relevantes e comprovadas, destacando-se a falta de repasse de numerário, contratação de atletas sem anuência expressa, falha na cessão dos espaços, além de outras enumeradas com influên-cia na cogestão. A aquiescência abrange todos os elementos contratuais, não se apre-endendo causa eficiente para justificar o comportamento da contratante. Cláusula penal que estabelece o reembolso do investimento, cujos termos e valores não foram impug-nados especificamente. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0077591-98.2001.8.26.0100 – São Paulo – 35ª CDPriv. – Rel. José Malerbi – DJe 03.11.2014 – p. 2146)

1340 – Coisa julgada material – preservação – resolução da CBF – desobediência – nu-lidade

“Embargos de declaração. Recurso especial. Cumprimento de sentença. Coisa julgada material. Preservação. Resolução da CBF. Confederação brasileira de desportos estabe-lecendo dois campeões para o Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional de 1987. Desobediência à coisa julgada material de ação judicial transitada em julgado. Nulida-de da resolução proclamada em cumprimento de sentença. Julgamento prolatado pela instância precedente confirmado pela c. Terceira turma do STJ. 1. Alegação de omissão do julgado embargado, relativa à imposição da multa constante do parágrafo único do art. 538 do CPC. Verificação. Oposição de três embargos de declaração na origem, destinados a rediscutir as teses, há muito decididas pela Corte estadual. Intuito prote-latório. Reconhecimento. 2. Alegação de contradição e obscuridades. Não verificação. Pretensão infringencial não convergente com o perfil dos aclaratórios. 3. Embargos de declaração parcialmente acolhidos, sem atribuição de efeito infringente. 1. É de se reco-nhecer que esta c. Terceira Turma, a despeito de instada em sede de recurso especial, deixou de se manifestar sobre a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, imposta pelo Tribunal de origem. 1.1 Na hipótese dos autos, ressaiu, de modo inequívoco, o intuito protelatório do ora recorrente, que, por três ocasiões, sucessiva-mente, valeu-se dos embargos de declaração para rediscutir teses há muito decididas pelo Tribunal de origem, a pretexto de existência de vício de julgamento previsto no art. 535 do CPC. Inaplicável à espécie o Enunciado nº 98 da Súmula do STJ, notadamen-te porque o propósito de prequestionar a matéria, se eventualmente presente, exauriu--se com a oposição dos primeiros embargos de declaração. 2. De modo explícito, o julgado embargado, sem incorrer em contradição interna, reputou que a CBF, ao editar a Resolução nº 02/2011 que reconheceu ‘o Sport Clube Recife e o Clube de Regatas Flamengo como Campeões Brasileiros de Futebol Profissional de 1987’, afrontou a coisa julgada firmada perante a Justiça Federal de Pernambuco, no bojo de ação declaratória promovida por Sport Clube Recife em face da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, Clube de Regatas Flamengo, Sport Club Internacional e Guarani Futebol Clube, em que se declarou o demandante, Sport Clube Recife, como sendo o ‘campeão Brasileiro de Futebol Profissional do ano de 1987, pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF’. 3. Há expresso reconhecimento de que o comando sentencial, cujo trânsito em julgado

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operou-se, não comportava autorização para que a Confederação Brasileira de Futebol ‘complementasse’ a declaração (judicial) de campeão do Campeonato Brasileiro de Fu-tebol Profissional de 1987, para incluir, nessa condição, outro clube. 4. Não padece de obscuridade o acórdão impugnado, que, de modo expresso, reconheceu a idoneidade da via processual eleita pelo embargado, destinada a obstar os efeitos decorrentes da violação da coisa julgada. 5. Acolhe-se parcialmente os presentes embargos de declara-ção, apenas para suprir a omissão do julgado embargado relativa à imposição da sanção prevista no parágrafo único do art. 538 do Código de Processo Civil, sem, entretanto, conferir-lhes efeitos infringentes.” (STJ – EDcl-REsp 1.417.617 – (2013/0375521-8) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 05.12.2014 – p. 812)

1341 – Competência – Justiça comum – campeonato brasileiro – tabela de classifica-ção – manutenção de resultados fixados pela CBF – reconhecimento

“Clube de futebol. Campeonato brasileiro. Tabela de classificação. Irresignação. Ma-nutenção de resultados fixados pela CBF. Competência da justiça comum. Direito es-portivo. Insurgência contra a classificação fixada pela agravante. Decisão interlocutória determinando a inclusão do clube autor na Série A do Campeonato Brasileiro. Alegação de competência da Justiça Desportiva e, ainda, sucintamente, que a decisão impugna-da seria irreversível e atingiria o interesse de terceiros. Decisão proferida pelo Plantão Judiciário extinguindo o processo. Reforma. Competência mantida. Quanto ao mérito, a decisão a quo impugnada merece reforma. O fato de o campeonato se encontrar em pleno andamento e, ainda, considerando que os jogos e resultados vêm ocorrendo de maneira peremptória, o risco de irreversibilidade da medida antecipatória se mostra bas-tante possível, o que, desta feita, exige um maior cuidado com sua concessão ou, até mesmo, sua denegação. Provimento do recurso, reformando a decisão antecipatória e mantendo os resultados e a classificação fixados pela agravante, e, ex officio, julgando extinta a ação pelo art. 267, inc. IV, do Código de Processo Civil, porque não exaurida a instância a que se refere o art. 217, § 1º da Constituição Despesas pelo autor, arbitrados honorários em cinco mil reais.” (TJRJ – AI 0020323-36.2014.8.19.0000 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Nagib Slaibi Filho – DJe 12.11.2014 – p. 23)

1342 – Dano moral – compra de bilhete com a indicação da cadeira – assento inexis-tente – indenização – cabimento

“Juizados especiais cíveis. Consumidor. Jogo da Copa das Confederações de 2014 (Brasil x Japão). Compra de bilhete com a indicação da cadeira. Assento inexistente. Grave falha na prestação do serviço. Devolução do valor pago. Danos morais existentes. Em um evento de jogo de copa das confederações, espera-se e paga-se por um conforto razoável (padrão Fifa). O autor, diante da inexistência do assento indicado em seu bi-lhete, teve que participar do evento de forma totalmente inconveniente e desconfortável por horas. Restou caracterizado tratamento indigno ao autor, violando, inclusive, a sua real e legítima expectativa de esperar da Fifa um tratamento minimamente respeitoso. Danos morais existentes. O valor de R$ 5.000,00 atende os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida pelos seus pró-prios fundamentos. A Súmula de julgamento servirá de acórdão, na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. Sem custas (art. 53 da Lei nº 12.663/2012). Condenada a recorrente

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vencida ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.” (TJDFT – Proc. 20140110811572 – (833262) – Rel. Juiz Flávio Fernando Almeida da Fonseca – DJe 21.11.2014 – p. 317)

1343 – Embargos de declaração – jogo da seleção brasileira na copa do mundo Fifa 2014 – prorrogação do prazo no início da contagem – não cabimento

“Embargos de declaração. Inexistência de omissão, contradição ou obscuridade. Con-tagem do prazo. Jogo da seleção brasileira na Copa do Mundo Fifa 2014. Prorroga-ção do prazo no início da contagem. Não cabimento. Inteligência da Portaria Conjunta nº 349/2014. Intempestividade não afastada. Consoante o art. 535 do CPC, os Embargos de Declaração são cabíveis somente quando há omissão, contradição ou obscuridade na sentença ou no acórdão. Pela inteligência dos arts. 1º e 2º, § 2º, da Portaria Conjunta nº 349/2014, tem-se que a prorrogação dos prazos para o primeiro dia útil subsequen-te apenas teria aplicação na hipótese de o vencimento coincidir com dia de jogo da seleção brasileira de futebol na copa do mundo Fifa 2014, não se aplicando a mesma prorrogação quando a contagem se iniciar em data semelhante. Assim, deve ser mantida a decisão monocrática que negou seguimento aos primeiros embargos de declaração apresentados intempestivamente.” (TJMG – EDcl 1.0024.10.257606-3/004 – 18ª C.Cív. – Rel. Arnaldo Maciel – DJe 07.11.2014)

1344 – Estatuto do torcedor – veículo danificado no estacionamento – clube – culpa in vigilando – alcance

“Ação ordinária. Seguradora. Cobrança. Legitimidade passiva ad causam. Teoria da as-serção. Questão preliminar a ser resolvida no exame meritório. Danos materiais cober-tos por seguradora. Pedido de ressarcimento. Falha da segurança no local do evento esportivo. Partida de futebol. Veículo particular danificado. Estacionamento do Estádio ‘Mineirão’. Dever de compensação do prejuízo. Clube de futebol detentor do mando de jogo. Provas. Culpa in vigilando. Estatuto do Torcedor. Lei nº 10.671/2003. Equiparação a ‘fornecedor’, nos termos do CDC. Responsabilidade civil, objetiva e solidária da extinta ADEMG, do clube de futebol mandante do jogo e da empresa que administrava o esta-cionamento. Juros de mora. Termo a quo. Data do evento danoso. Custas. Isenção em favor do EMG. Sentença parcialmente reformada. No âmbito da responsabilidade civil, não há falar em ilegitimidade passiva ad causam quando os réus acionados em ação de cobrança movida pela seguradora, visando ao ressarcimento daquilo que assumiu na co-bertura contratual de seguro, indenizando o proprietário de veículo incendiado no inte-rior de um estacionamento em funcionamento nas dependências externas de um estádio de futebol, consoante a aplicação da denominada ‘teoria da asserção’, são solidariamen-te responsáveis pela reparação. A relação processual, neste caso, não compromete o pleno atendimento aos requisitos inerentes às condições da ação, ficando restrito o julga-mento ao exame meritório da pretensão autoral. Restando suficientemente demonstrado, no processo judicial, que o veículo descrito na inicial, segurado pela empresa autora, veio a ser danificado em incêndio iniciado por um objeto em combustão colocado ou arremessado de maneira proposital ou inadvertidamente junto à região do foco inicial, estando provada a culpa in vigilando (falta de vigilância ou atenção), conforme esclare-cido na perícia técnica, com falha no serviço contratado por deficiência na segurança

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do local do evento, verificado, enfim, o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta omissiva da ADEMG, do clube de futebol mandante do jogo e da empresa terceirizada que administrava e controlava o uso do estacionamento do Estádio ‘Mineirão’, deve ser reconhecida a responsabilidade civil, objetiva e solidária dos réus, ora apelantes, impondo-se aos mesmos o encargo de ressarcir o prejuízo material reve-lado pela prova documental. Em sintonia com orientação do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 54/STJ), a incidência dos juros na condenação ao pagamento de indenização inicia-se na data do evento danoso. O EMG goza de isenção de custas do processo, con-forme estabelecido na Lei Estadual nº 14.939/2.003.” (TJMG – AC 1.0024.12.129563-8/001 – 1ª C.Cív. – Rel. Armando Freire – DJe 03.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEDiscutiu-se no acórdão em destaque a responsabilidade do clube pelos danos causados no veículo do torcedor deixado no estacionamento.

Reza o art. 14 da Lei nº 10.671/2003:

“Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entida-de de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:

I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos;

II – informar imediatamente após a decisão acerca da realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida, especialmente:

a) o local;

b) o horário de abertura do estádio;

c) a capacidade de público do estádio; e

d) a expectativa de público;

III – colocar à disposição do torcedor orientadores e serviço de atendimento para que aquele encaminhe suas reclamações no momento da partida, em local:

a) amplamente divulgado e de fácil acesso; e

b) situado no estádio.

§ 1º É dever da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo solucionar imediatamente, sempre que possível, as reclamações dirigidas ao serviço de atendimen-to referido no inciso III, bem como reportá-las ao Ouvidor da Competição e, nos casos relacionados à violação de direitos e interesses de consumidores, aos órgãos de defesa e proteção do consumidor.”

O Advogado João Paulo Romero Baldin explica:

“O art. 37 prevê penalização aos dirigentes: destituição dos dirigentes no caso de violação das regras referentes à transparência na organização e à segurança do torcedor e aos ingressos e suspensão por seis meses dos dirigentes por violação de regras não contidas nos capítulos do item anterior. Além disso, equipara o torcedor de qualquer modalidade a consumidor; sendo assim, o Código de Defesa do Consumidor prevê a desconsideração da personalidade jurídica para anular ato fraudulento ou abusivo. Considerando a inversão do ônus da prova, em face de dois princípios: 1) da vulnerabilidade e hipossuficiên cia do consumidor; e 2) da responsabilidade objetiva do fornecedor de bens e serviços: é o forne-cedor que deverá provar que a culpa pelo defeito ou fato do produto ou serviço é exclusiva do consumidor ou terceiro, ou que o defeito não existe, ou que não efetuou o serviço ou não colocou o produto no mercado: arts. 12, § 3º, e 14, § 3º, do CDC. Assim, havendo

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ato fraudulento da entidade de prática desportiva que viole direito de seu torcedor, tam-bém pode ocorrer a responsabilidade dos dirigentes.” (O Regime Societário dos Clubes de Futebol e as Responsabilidades de Seus Dirigentes. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, ano 4, n. 20, ago./set. 2014, p. 87)

1345 – Execução – título extrajudicial – transferência de atletas – contrato de cessão de direitos econômicos – cabimento

“Ação de execução de título extrajudicial. Contrato de cessão de direitos econômicos decorrentes das transferências de atletas profissionais de futebol. Decisão que indeferiu o pedido de conversão da execução em processo de conhecimento preliminar de pre-venção de outra câmara suscitada em contraminuta. Existência de ação em trâmite que pugna pela anulação do contrato que embasa a execução. Conhecimento anterior da causa pela 6ª Câmara de Direito Privado, por meio do julgamento de recursos de agravo de instrumento. Prevenção. Inteligência do art. 102 do regimento interno desta Corte de justiça. Recurso de agravo não conhecido, com a determinação de redistribuição destes autos à 6ª Câmara de Direito Privado.” (TJSP – AI 2124272-47.2014.8.26.0000 – São Paulo – 14ª CDPriv. – Relª Marcia Dalla Déa Barone – DJe 11.11.2014 – p. 1410)

1346 – Indenização – jogo de futebol interrompido em razão de fortes chuvas – dano moral – não reconhecimento

“Indenizatória. Jogo de futebol interrompido em razão de fortes chuvas. Partida reto-mada após anúncio de cancelamento pelo sistema de som do estádio. Torcedor que pretende obter indenização por danos morais por ter perdido o segundo tempo. Situação incapaz de violar direitos de personalidade. Frustração que não ultrapassa a barreira do tolerável. Danos não caracterizados. Sentença mantida. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0122191-29.2009.8.26.0100 – São Paulo – 5ª CDPriv. – Rel. Erickson Gavazza Marques – DJe 18.12.2014 – p. 1980)

1347 – Indenização – perdas e danos – contrato de assessoramento de atleta assistên-cia judiciária – não cabimento

“Prestação de serviços. Indenização por perdas e danos. Contrato de assessoramento de atleta. Assistência judiciária. Pedido indeferido na sentença. Apelação. Ausência de pedi-do específico contido nas razões do apelo. Decisão que ordenou o recolhimento das cus-tas irrecorrida. Preparo. Necessidade. Deserção. Reconhecimento. Recurso não provido. Tendo sido indeferida a concessão da gratuidade processual na sentença, deveria o autor, apelante, proceder ao pedido específico acerca da concessão do benefício, mas não o fez. Ademais, restando irrecorrido o despacho que ordenou que procedesse ao recolhimento das custas de preparo e do porte de remessa, incabível sua concessão por meio do presente recurso, sendo de rigor seu não provimento.” (TJSP – AI 2170130-04.2014.8.26.0000 – São Paulo – 31ª CDPriv. – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 05.11.2014 – p. 3120)

1348 – Responsabilidade civil – cadeiras perpétuas no Estádio do Maracanã – acesso aos jogos durante eventos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo da Fifa – alcance

“Agravo de instrumento. Processual civil. Cadeiras perpétuas no Estádio do Maracanã. Acesso aos jogos durante eventos da copa das confederações e da Copa do Mundo da

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Fifa. Lei nº 12.663/2012. Responsabilidade civil relacionada à segurança dos eventos. Ilegitimidade passiva ad causam da União federal. Recurso improvido. 1. Trata-se de Agravo de Instrumento a fim de reformar decisão que extinguiu o processo, sem reso-lução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, em relação à União, por entender ser a mesma carecedora de legitimidade passiva ad causam e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual. 2. Da dicção dos arts. 22 e 23 da Lei nº 12.663/2012, tem-se que a legitimidade da União só se justifica nas hipóteses de responsabilidade civil causadas pelos agentes públicos relacionados à segurança dos eventos da Fifa, diferentemente da pretensão autoral que objetiva ter acesso ao Estádio Maracanã durante os eventos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de Futebol, organizados pela Fifa, por ser detentor de dois títulos de cadeira perpétua, não se justificando assim a presença da União no polo passivo. 3. Recurso improvido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.009409-1 – 8ª T.Esp. – Rel. Vigdor Teitel – DJe 21.01.2015 – p. 465)

1349 – Sentença arbitral estrangeira – homologação – contrato comercial – atleta e associação desportiva – irregularidades – efeitos

“Direito internacional. Processual civil. Sentença estrangeira contestada. Pleito de ho-mologação. Inadimplemento de contrato. Sentença arbitral estrangeira. Irregularidades formais. Ausência. Possibilidade. Precedente. Competência do tribunal arbitral. Definido por eleição em contrato pelas partes, com atenção à convenção arbitral. Não verifica-da violação dos arts. 34, 37, 38 e 39 da Lei nº 9.307/1996. Presença dos requisitos de homologação. 1. Cuida-se de pedido de homologação de sentença arbitral, proferida no estrangeiro, que versa sobre inadimplemento de contrato comercial firmado entre associação esportiva estrangeira e jogador de futebol brasileiro. 2. A sentença estrangeira de que se cuida preenche adequadamente os requisitos estabelecidos nos arts. 3º, 4º, 5º e 6º da Resolução nº 9/2005, desta Corte Superior de Justiça, bem como no art. 15 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e disposições pertinentes da Lei de Arbitragem (arts. 34, 37, 38 e 39). 3. Verifica-se que a sentença arbitral estran-geira, embora se trate de provimento não judicial, apresenta natureza de título execu-tivo judicial, sendo passível de homologação (art. 4º, § 1º, da Resolução nº 9/2005, do STJ). 4. A regularidade formal encontra-se atendida, uma vez que presente nos autos a documentação exigida pelas normas de regência. 5. O requerido, em sua contestação, insurge-se, ainda, contra suposta ausência de citação e falta de ‘trânsito em julgado’ da sentença arbitral que se pretende homologar. Sem razão, no entanto. É fato incontrover-so que, em 2011, o requerido atuava no Fluminense e que as notificações se deram no órgão empregador, constando informação comprovada quanto à sua recusa a receber a notificação. As informações dos autos denotam que não houve violação do contraditório ou ampla defesa, pois o requerido tomou conhecimento do procedimento arbitral no Tribunal do CAS. Precedente. 6. O ato que materializa o ‘trânsito em julgado’, no caso do procedimento arbitral estrangeiro sub examinem, consta dos autos. 7. Não houve violação da ordem pública, na medida em que: i) pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o paga-mento se efetive pela conversão em moeda nacional; e ii) embora a matéria de fundo trate de direito individual trabalhista, foram discutidas, no procedimento de arbitragem, questões meramente patrimoniais que decorreram da rescisão antecipada do contrato

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de trabalho pelo requerido, o que resultou na aplicação da multa rescisória. Em outras palavras, não houve abdicação a direito laboral (indisponível), mas apenas aplicação de multa rescisória, constante de cláusula prevista no contrato, o que autorizou a utilização da arbitragem. Não houve, também, ofensa à previsão constante da Lei nº 9.605/1998, pois não se apreciou matéria referente à disciplina e competição desportiva. 8. Pedido de homologação deferido. (STJ – SEC 11.529 – (2014/0136915-1) – C.Esp. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 02.02.2015 – p. 2858)

Comentário Editorial SÍNTESEA ementa em destaque cuida da sentença arbitral.

Para o Mestre José Carlos Barbosa Moreira, temos que:

“Alude o CPC a ‘requisitos essenciais’; a Lei nº 9.307, a ‘requisitos obrigatórios’. A idéia é sempre a mesma: trata-se de elementos que não podem faltar na sentença. O CPC abstém-se de explicitar a consequência da falta; a Lei nº 9.307, no art. 32, III, averba de ‘nula’ a sentença que ‘não contiver os requisitos do art. 26’.

Aqui também parece oportuno um reparo de índole terminológica. As leis nem sempre são muito cuidadosas na linguagem, quando versam as conseqüências dos defeitos que os atos jurídicos podem apresentar. Ponto em que o legislador costuma escorregar é o referente ao grau de invalidade acarretado pelo defeito: com frequência, misturam-se ou empregam-se de maneira promíscua expressões pertinentes à nulidade e à anulabilidade. O próprio CC não deixa de incorrer no vício, quando, após declarar anulável o ato jurídico, em certas hipóteses, previstas no art. 147, estabelece no art. 152, princípio, que ‘as nulidades do art. 147 não têm efeito antes de julgadas por sentença, nem se pronunciam de ofício’.

No rigor da técnica, diz-se nulo o ato eivado de defeito que, segundo a lei, lhe tolhe desde logo a validade, independentemente de qualquer outro ato – o qual, caso sobrevenha, terá natureza meramente declaratória. Por isso mesmo, se é de verdadeira nulidade que se cuida, o juiz pode (rectius: deve) levá-la em conta, de ofício, ‘quando conhecer do ato ou dos seus efeitos’, conforme se lê na parte inicial do art. 146, parágrafo único, do CC. Afigura-se impróprio cogitar de providência destinada a ‘anular’ ato ‘nulo’; anular é ‘tornar nulo’, e não se torna nulo algo que nulo já é. De outro modo passam-se as coisas se o caso é de simples anulabilidade: o ato anulável precisa ser anulado; e, enquanto não o for, deve ser tratado como se válido fosse. O ato anulatório terá natureza constitutiva.

A observação terminológica não se faz aqui por puro amor à boa técnica. Ela se relaciona com um problema exegético de certa delicadeza. A Lei nº 9.307 adota mecanismo de controle judicial da validade (não da justiça) da sentença arbitral. Enumera no art. 32 oito hipóteses em que, nos termos do caput, a sentença ‘é nula’; e inclui entre elas, repita-se, a da sentença que ‘não contiver os requisitos do art. 26’. Todavia, o art. 33 e seus pará-grafos regulam uma ação a ser proposta ‘pela parte interessada’, perante o ‘órgão do Poder Judiciário competente’, para a ‘decretação da nulidade’; o § 1º fixa para a propositura o prazo de 90 dias, seguintes ao recebimento da sentença ou de seu aditamento. Embora o texto não o diga, tudo faz crer que se está diante de prazo de decadência, após o qual já não será lícito ao interessado pleitear em juízo a ‘decretação da nulidade’.

Isso aponta no sentido da mera anulabilidade da sentença. Aliás, se tivermos em mente o fato de que esta gera situação equiparável à da coisa julgada material, ressaltará a analogia entre a ação do art. 33 e a rescisória; ora, a sentença transitada em julgado, rescindível que seja, não é nula: até que se rescinda, valerá e surtirá efeitos, como se nenhum defeito contivesse.

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Em semelhante perspectiva, a ‘decretação da nulidade’, no texto da Lei nº 9.307, melhor se traduzirá por ‘anulação’. Constitutiva, e não meramente declaratória, será a sentença que acolha o pedido do autor.

É verdade que, consoante o § 3º do art. 33, ‘a decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser arguida mediante ação de embargos do devedor (arts. 741 e seguintes do CPC), se houver execução judicial’. Pressupõe-se, é claro, sentença arbitral de teor con-denatório, apta a constituir título executivo (art. 31, fine), equiparado aos títulos judiciais (cf. a nova redação dada ao art. 584, III, do CPC pela Lei nº 9.307). A possibilidade de demandar a ‘decretação da nulidade’ por via dos embargos de devedor, entretanto, não exclui necessariamente a consideração do caso como de anulabilidade, desde que se veja nos embargos uma ação constitutiva, destinada justamente à invalidação do título.

O tema comporta desdobramentos que não é este o lugar adequado para examinar. Adita-remos somente uma observação no plano comparatístico: a Lei portuguesa nº 31/1986, que regula a impugnação da ‘decisão arbitral’ em termos não muito distantes dos adota-dos entre nós, fala repetidamente de ‘anulação’; no art. 27, nº 1, lê-se que ‘a sentença ar-bitral só pode ser anulada [...] por algum dos seguintes fundamentos’, e no mesmo artigo, nº 3, emprega-se a locução ‘anulabilidade’.” (Estrutura da sentença arbitral. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 03 fev. 2015)

Penal

1350 – Contrabando – máquinas caça-níqueis – elemento subjetivo do tipo – compro-vação – princípio da insignificância – inaplicabilidade

“Penal. Contrabando. Máquinas caça-níqueis. Elemento subjetivo do tipo. Comprova-ção. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Absorção pela contravenção de ex-ploração de jogos de azar. Impossibilidade. Pena de multa. Exclusão de ofício. Ausência de previsão legal. 1. Materialidade delitiva demonstrada pelo Laudo Pericial e interroga-tório do acusado. 2. Autoria delitiva comprovada pelo conjunto probatório e pelo inter-rogatório. 3. Princípio da consunção que não se aplica. Os bens jurídicos tutelados são distintos. O objeto jurídico tutelado no crime de contrabando e descaminho definidos no art. 334, caput, do Código Penal, com a redação anterior à Lei nº 13.008/2014, é a Administração Pública no que diz respeito ao Erário público lesado pelo comportamento do agente que, importa ou exporta mercadoria proibida ou deixa de pagar os tributos de-vidos. A contravenção penal trazida no art. 50 do Decreto Lei nº 3.688/1941 tem como bem jurídico tutelado os bons costumes. 4. Impossibilidade da absorção do crime de contrabando ou descaminho, que comina em abstrato pena mais grave, por contraven-ção penal, apenada de forma menos severa. 5. O fato de o acusado utilizar-se do referido maquinário, no exercício de atividade comercial, para a obtenção de lucro pela explo-ração de jogos de azar consubstancia a prática de duas infrações penais: contravenção de jogo de azar, de competência da Justiça Estadual e crime de descaminho descrito no art. 334, § 1º, alínea c, do Código Penal, de competência da Justiça Federal, nos moldes do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. 6. Inaplicável o princípio da insignificância. Trata-se de maquinário cujo uso e exploração são proibidos no Brasil, sendo irrelevante o valor dos bens apreendidos. 7. Elemento subjetivo do tipo (dolo) extraído do próprio interrogatório do réu, quando relatou que já ter havido apreensões em seu estabeleci-mento. Comprovação do elemento subjetivo por notificação formal, enviada previamen-

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te ao acusado pelo Ministério Público Federal, informando sobre a ilicitude da prática e a possibilidades de sanções penais.” (TRF 3ª R. – ACr 0002776-03.2013.4.03.6109/SP – 11ª T. – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – DJe 10.11.2014 – p. 670)

1351 – Estatuto do Torcedor – cambismo – alegação de necessidade de prévia aferição de esgotamento dos ingressos na bilheteria – não acolhimento

“Direito penal. Recurso em habeas corpus. Estatuto do torcedor. Cambismo. Art. 41-F da Lei nº 10.671/2003. Tipicidade. Alegação de necessidade de prévia aferição de es-gotamento dos ingressos na bilheteria. Não acolhimento. Recurso improvido. 1. Dentre os plúrimos interesses que subjazem na venda de ingressos em grandes eventos esporti-vos, destaca-se a paixão do torcedor. Como ondas humanas, os seguidores dos diversos clubes desaguam nos estádios, levando consigo todo um sentimento, esquecendo-se, amiúde, da realidade, dura, do dia-a-dia. Não é possível olvidar que vivemos num Esta-do muitas vezes chamado de o ‘País do Futebol’. E é sobre tal fenômeno que se debruçou o legislador para tratar do ‘cambismo’. Trata-se de comportamento dotado de reprova-bilidade penal, pela simples razão de envolver a exploração, artificiosa, de um bem finito: a quantidade de lugares nos estádios. Desta maneira, abusando de certo privilégio decorrente de se chegar antes ao guichê, adquirem-se mais unidades, que são vendidas com ágio. É desinfluente a circunstância, eventual, de ainda existirem ingressos à venda nas bilheterias. A uma porque o tipo penal, expressamente, a tal não se refere. A duas, porque, pela simples conduta enunciada no modelo incriminador, o bem jurídico já é afetado, porquanto materializa-se exploração do preço, em mercado de bem finito, ope-rado por um único fornecedor. Gera-se indevida especulação, promovendo a daninha quebra da isonomia, que seria assegurada pela exclusividade nas vendas. 2. Recurso improvido.” (STJ – Rec-HC 47.835 – (2014/0114108-3) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 19.12.2014 – p. 2522)

Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão em estudo analisou-se o crime da venda de ingressos pelo cambismo.

Para o Promotor de Justiça Dr. Fábio André Guaragni, o crime configura-se:

A figura criminosa configura-se pelo fato de o cambista estar ofertando os ingressos, sem o concurso da pessoa lesada mediante a efetiva aquisição? A resposta é positiva.

O agente “tenta obter” ganhos ilícitos com a oferta dos ingressos ao público, seja a pes-soas abordadas individualmente, seja mediante anúncio verbal a pessoas indistintamente consideradas (gritos proferidos pelo cambista de que tem ingressos à venda). Neste caso, mesmo usando-se o vetusto critério formal-objetivo – o mais restritivo critério definidor de atos executórios, em confronto com os atos preparatórios –, a tentativa está configurada, com subsunção típica direta ao art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951. Com efeito, o critério objetivo-formal define a distinção entre atos preparatórios e atos executórios a partir da penetração no núcleo do tipo. Por ele, o ato de adquirir e – após – a conduta de portar os ingressos consistiriam em meros atos preparatórios para a prática dos núcleos do tipo penal consistentes em “obter” ou “tentar obter” ganhos. Por esse sistema, obtém ganhos o cambista que, após a venda do ingresso, aufere lucro. Tenta obter ganhos o cambista que oferta os ingressos. Assim, “tentar obter ganhos” somente se configuraria com a efetiva oferta.

Todavia, esse critério é bastante ultrapassado. De fato, alterando-se o critério definidor de ato executório, necessário à configuração da tentativa (no caso, subsumível de modo

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imediato ao tipo penal do art. 2º, IX, da Lei nº 1.521/1951), amplia-se a possibilidade de a conduta criminosa configurar-se. Ao tipo em tela adequar-se-ão outros comportamentos, como o ato de adquirir os ingressos para revenda ou o porte deles no local de passagem do público imediatamente antes da exposição à venda.

Tais conclusões surgem à luz do critério objetivo-individual, adotado, v.g., por Zaffaroni & Pierangeli. Por este critério, não só é ato executório o núcleo do tipo, porém o último ato anterior ao núcleo segundo o plano concreto do autor. Este ato já caracteriza o “tentar”. Destarte, toda vez que, pelo plano concreto do autor, o ato de aquisição dos ingressos for o último ato imediatamente anterior à oferta dos ingressos, configura-se o “tentar obter” ganhos ilícitos. Assim, v.g., supondo-se a aquisição de ingressos no estádio pelo cambista, momentos antes do jogo, após o que imediatamente passarão a ofertados à venda: neste caso, quando da aquisição, está-se já a praticar ato executório do crime em questão. “Tenta obter”. Porém, se a compra ocorre dias antes, sendo que ainda ocorrerão atos intermediários para a prática do crime até o momento da “oferta” dos ingressos ao público, como, por exemplo, ter o agente que se deslocar ao estádio de futebol no dia do jogo, então o simples “portar” os ingressos não configura o crime e não justifica a prisão em flagrante. Trata-se de ato preparatório.

É de se repelir, aqui, o critério da inequivocidade, da teoria italiana, exposto, por exemplo, por Paulo José da Costa Júnior, pois seu grau de certeza é muito reduzido, não fixando parâmetro seguro para definição de quando um ato componente do iter criminis é execu-tório. Estabelecer um ato como “inequívoco”, no sentido do cometimento de um crime, é subjetivo. Também é de se excogitar a concepção do ato executório pelo plano concreto do autor segundo uma “concepção natural da vida”, pelo mesmo motivo relacionado à insegurança do critério e porque, sabendo-se o plano concreto do autor, torna-se (aquele critério) desnecessário.

Em suma, não é necessário o concurso do agente comprador para caracterização da con-duta típica, que pode se dar pela oferta a pessoas indistintamente consideradas – anúncio verbal, oferta aos gritos etc. –, no próprio ato da aquisição do ingresso, quando último ato antes da oferta, ou no posicionar-se no local de passagem de público portando-os, desde que na mesma circunstância (último ato anterior aos núcleos típicos). O próprio tipo penal assim anuncia, ao equipar a conatus à forma consumada.” (Aspectos Penais do Cambis-mo nos Espetáculos Desportivos: a Lei de Economia Popular e o Estatuto do Torcedor. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, ano 4, n. 20, ago./set. 2014, p. 61)

Previdenciário

1352 – Atleta profissional – lesão em joelho direito ocorrida em partida de futebol – benefício acidentário – concessão

“Acidente do trabalho. Benefício. Atleta profissional. Lesão em joelho direito ocorrida em partida de futebol. Concessão de benefício acidentário. Presentes nexo e redução da capacidade laborativa, o trabalhador faz jus ao auxílio-acidente de 50% do salário de benefício, mais abono anual. Termo inicial do benefício. Fixação do benefício de auxílio-acidente a partir do dia seguinte ao da alta indevida de auxílio-doença concedi-do em razão de moléstia que decorreu do acidente do trabalho. Juros de mora e correção monetária. Termos iniciais e índices. Honorários de advogado mantidos em 15% sobre as parcelas vencidas até a r. Sentença. Discussão sobre incidência de juros ou não na fase de precatório. Matéria a ser deliberada somente na fase executiva. Custas. Isenção do INSS, respondendo, porém, pelas despesas do processo comprovadas nos autos. Ine-

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xistência de apelo das partes. Reexame necessário parcialmente acolhido, com observa-ções.” (TJSP – RN 0046360-73.2011.8.26.0562 – Santos – 16ª CDPúb. – Relª Flora Maria Nesi Tossi Silva – DJe 19.01.2015 – p. 4762)

1353 – Benefício acidentário – lesão permanente advinda de acidente de trabalho – comprovação por meio de laudo pericial – pagamento devido

“Processual civil e previdenciário. Reexame necessário e apelações cíveis. Recurso que não combate os fundamentos da sentença. Ausência de regularidade formal. Não conhe-cimento. Ação ordinária de benefício acidentário. Lesão permanente advinda de aciden-te de trabalho. Comprovação por meio de laudo pericial. Impossibilidade de desempe-nho da atividade que exercia à época do acidente. Hipótese que enseja o pagamento de auxílio-acidente. 1. A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão guerreada, importa a prejudicialidade do recurso. 2. No caso, o apelante/promovido não se insurgiu contra os argumentos declinados no provimento judicial que busca reformar, razão pela qual não se conhece do recurso interposto. 3. Verifica-se que o apelante/promovente trabalhou como atleta profissional de futebol, até o dia 4 de janeiro de 2006, ocasião em que sofreu acidente de trabalho decorrente de esforço físico excessivo que resultou em ‘pubalgia por lesão muscular do bíceps femural esquerdo’, conforme atestados médicos, que impedem de forma permanente o seu retorno ao desenvolvimento de suas atividades laborais habituais. 4. Vê-se claramente do laudo pericial que o promovente, que já conta com 40 (quarenta) anos, ficou impossibilitado de exercer novamente sua profissão de jogador de futebol em razão de sua doença adquirida em face do acidente de trabalho. 5. Ademais, a cessação do benefício somente poderia ocorrer após a sua reabilitação profissional, conforme art. 62 da Lei nº 8.213/1991, ou, caso não fosse possível a reabi-litação, a aposentadoria por invalidez. 6. Assim, restam preenchidos os requisitos para a concessão do auxílio-acidente, conforme art. 86 da Lei nº 8.213/1991 e do art. 104, inciso III, do Decreto nº 3.048/1999. 7. Recurso de apelação interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social não conhecido. 8. Reexame necessário e recurso de apela-ção interposto pelo promovente conhecidos e providos. Sentença parcialmente reforma-da.” (TJCE – Ap-RN 0006026-15.2009.8.06.0112 – Rel. Francisco Bezerra Cavalcante – DJe 18.12.2014 – p. 72)

Trabalhista

1354 – Ação civil pública – prática desportiva educacional – incompetência da justiça especializada – provimento

“Recurso de revista. Ação civil pública. Prática desportiva educacional. Incompetên-cia da justiça especializada. Provimento. 1. Trata-se de Ação Civil Pública, cujo objeto relaciona-se à proteção dos direitos das crianças e adolescentes pertencentes à categoria de base da entidade desportiva que figura no polo passivo. 2. O caso em análise diz respeito à prática do desporto educacional de que trata o art. 3º, I, da Lei nº 9.615/1998. 3. Segundo o referido dispositivo, o desporto educacional é aquele praticado nos siste-mas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hi-percompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento

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integral do indivíduo, a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. 4. O Decreto nº 7.984/2013, diploma que regulamenta a supracitada lei, bem esclarece que o desporto no Brasil abrange não só as práticas formais, ou seja, aquelas ligadas diretamente ao esporte, como também as informais, caracterizadas pela liberdade lúdica de quem o pratica. 5. Tem-se, portanto, que a prática de desporto educacional, em ver-dade, diz respeito a um processo educativo inserido na formação do jovem e também uma preparação para o exercício da cidadania, possuindo um caráter formativo que evita a seletividade e a competição acirrada. 6. Não há falar, desse modo, em relação de trabalho, mas em atividade em sentido estrito, a exemplo daquela desempenhada pelos atores, cantores, modelos e atletas mirins que, nessa condição, apenas buscam formação para o exercício de trabalho futuro que, em tempo vindouro, poderá servir para o seu próprio sustento e/ou de sua família. 7. Aplicável ao caso, por analogia, a exegese dos arts. 405 e 406 da CLT, que, ao tratar do exercício da atividade artística infantil, dispõe que cabe ao Juiz da Infância e da Juventude examinar os aspectos sociais, familiares e psicológicos dos menores de 14 anos que atuam, por exemplo, no teatro ou na televisão, aferindo, inclusive, não só a sua frequência, mas também o rendimento escolar, entre outros. 8. Considera-se, assim, que o objeto da Ação Civil Pública em exame diz respeito à observância das regras de instalação física dos alojamentos, de saúde, de educação, de formação psicológica e de socialização dos menores – típicos direitos fundamentais de crianças e adolescentes – matérias estas dissociadas de uma relação de trabalho tí-pica, razão pela qual a sua análise refoge da competência desta Justiça Especializada, inserindo-se, portanto, no âmbito da Justiça Comum, mais especificamente da Vara da Infância e da Juventude. 9. A propósito, a referida conclusão encontra respaldo no dis-posto no inciso IV do art. 148 da Lei nº 8.069/1990 (ECA), segundo o qual a competên-cia para examinar ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos às crianças e aos adolescentes pertence ao MM. Juízo da Vara da Infância e da Juventude. 10. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (TST – RR 165100-65.2009.5.03.0007 – 5ª T. – Rel. Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos – DJe 21.11.2014)

1355 – Atleta profissional – abandono de emprego – não comprovação

“Apelo patronal. Atleta profissional de futebol. Abandono de emprego. Não comprova-ção. Mora salarial configurada. O réu, clube de futebol profissional, não foi capaz de provar sua tese de abandono de emprego. Assim, caracterizada a mora salarial a que se refere o art. 31 da Lei nº 9.615/1998, por não ter o empregador provado o pagamento de salários em relação a três meses, bem como a regularidade dos recolhimentos do FGTS, correta a conclusão de rescisão indireta do contrato especial de trabalho des-portivo prevista no artigo referido. Apelo patronal provido parcialmente.” (TRT 19ª R. – RO 00988/2012-004-19-00.0 – Rel. Marcelo Vieira – DJe 15.12.2014 – p. 4)

1356 – Atleta profissional – contrato de trabalho prorrogado – unicidade contratual – prescrição – efeitos

“Embargos de declaração. Atleta profissional. Lei nº 9.615/1998. Contrato de trabalho prorrogado. Unicidade contratual. Prescrição O acórdão embargado analisou devida-mente a matéria que lhe foi submetida, razão por que não se ressente o julgado de

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nenhuma omissão. Entendeu que o fato de a Lei nº 9.615/1998 prever que o contrato de trabalho do atleta profissional seja por prazo determinado, não induz à conclusão de que os novos ajustes firmados entre a agremiação desportiva e o atleta constituam contratos autônomos. Embargos de Declaração rejeitados.” (TST – ED-ARR 0000452-36.2012.5.03.0113 – Rel. Des. Conv. João Pedro Silvestrin – DJe 19.12.2014 – p. 4343)

1357 – Atleta profissional – direito de arena – acordo judicial – percentual mínimo – efeitos

“I – Agravo de instrumento em recurso de revista. Categoria profissional especial. Atleta profissional. Direito de arena. Acordo judicial. Percentual mínimo. Demonstrada pos-sível violação ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, em sua antiga redação, vigente à época dos fatos, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento provido. II – Recurso de revista. 1. Negativa de prestação jurisdicional. Na linha da OJ 115 da SBDI-1, não se aprecia a nulidade por negativa de prestação jurisdicional ante a ausência de alegação de violação aos arts. 832 da CLT, 458 do CPC e/ou 93, IX, da CF. Recurso de revista não conhecido. 2. Categoria profissional especial. Atleta profissional. Direito de arena. Acordo judicial. Percentual mínimo. A jurisprudência desta Corte está pacificada no sentido de garantir o direito do atleta profissional ao limite mínimo de 20% a título de direito de arena na hipótese de redução a percentual inferior mediante acordo, quando da vigência da antiga redação do § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), anterior à alteração dada pela Lei nº 12.395/2011. Desta feita, o Regional, ao entender válido o acordo firmado no ano 2000 entre o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado de São Paulo – Sapesp, a União dos Grandes Clubes de Futebol Brasileiro – Clube dos Treze e a Federação Paulista de Futebol, no processo nº 1997.001.141973-5, no tocante à pactuação em 5% a título de direito de arena, reconheceu a possibilidade de redução da percentagem, em desacordo com a Lei então vigente, conforme enten-dimento da jurisprudência desta Corte. Confere-se provimento ao recurso de revista por violação ao art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, em sua antiga redação, para con-denar o reclamado no pagamento de diferenças salariais relativas ao direito de arena considerando o percentual mínimo de 20%. Recurso de revista conhecido e provido. 3. Direito de arena. Natureza jurídica. A jurisprudência deste Tribunal, firmada quando da vigência da redação original do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), reconhece a natureza remuneratória do direito de arena, aplicando-lhe o tratamento jurídico dado às gorjetas, paga por terceiros em favor dos empregados. Neste contexto, a verba integra a remuneração do atleta profissional, mas não serve de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado, nos moldes do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 desta Corte. Sendo assim, considerando que o pedido autoral refere-se ao período de vigência da redação original do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, confere-se parcial provimento ao recurso de revista para condenar o reclamado no pagamento dos reflexos legais postulados, não servindo o direito de arena de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido.” (TST – RR 1866-13.2011.5.02.0443 – 7ª T. – Rel. Min. Arnaldo Boson Paes – DJe 12.12.2014)

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1358 – Atleta profissional – remuneração – esporte profissionalizante – configuração

“Há modalidades esportivas no Brasil que se situam em nível de excelência mundial (caso do voleibol e, num estágio inferior, o basquetebol e o futsal) e, faz algum tempo, le-vam bastante público aos ginásios, arrecadam importantes verbas, trazem recursos para os clubes, além de criarem interesse das empresas em patrociná-las. Essas especiais con-dições já permitem concluir que tais modalidades esportivas, que também se propõem a remunerar seus atletas, podem ser elevadas à categoria de esporte profissionalizado.” (TRT 1ª R. – RO 0048000-71.2008.5.01.0301 – 3ª T. – Rel. Jorge Fernando Gonçalves da Fonte – DOERJ 29.01.2015)

1359 – Cláusula penal e cláusula indenizatória – efeitos

“Ao editar a Lei nº 12.395/2011, o legislador procurou dissipar todas as dúvidas até en-tão existentes quanto à antiga cláusula penal desportiva, expurgando-a do nosso sistema jurídico para abrir caminho a duas novas cláusulas obrigatórias aos contratos desporti-vos. A cláusula indenizatória desportiva, tendo como exclusiva beneficiária a entidade esportiva. E a cláusula compensatória desportiva, destinada exclusivamente aos atletas profissionais nos casos em que o empregador dá causa ou toma a iniciativa da ruptura contratual.” (TRT 1ª R. – RO 0000937-09.2012.5.01.0431 – 9ª T. – Rel. Antonio Carlos de Azevedo Rodrigues – DOERJ 10.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA turma julgadora analisou os efeitos das cláusulas indenizatória e compensatória no caso em destaque.

O Dr. Cassio M. C. Penteado Jr. assim explica:

“Tais cláusulas encontram fundamento das previsões da Lei nº 9.615/1998, cognomina-da ‘Lei Pelé’, com a redação que lhe emprestou a Lei nº 12.935, de 2011, e nas normas específicas aplicáveis, in casu, as previsões originadas da Fifa.”

As disposições ex vi legis assim estão conformadas:

“Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remuneração pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática despor-tiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:

a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, durante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou

b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.”

As modificações implementadas à primeva Lei de 1998, sobretudo em torno do art. 28, antes citado, substituem, por assim dizer, dando novo contorno, a cláusula penal, que se inseria nos contratos dos atletas profissionais, a qual deu margem a acesas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais.

A solução, alvitrada pela norma legal de 2011, nesse aspecto da reparação de valores no relativo ao clube ao qual se filia, contratualmente, o atleta profissional, se acha na cláu-sula indenizatória (art. 28, inciso I), e no que toca ao próprio atleta profissional, quando

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se rompe o vínculo de trabalho, se encontra na cláusula compensatória (art. 28, inciso II). Desse modo, restou afastada a antiga cláusula penal e, também, a indenização trabalhista nos termos do art. 479 da CLT. Desse modo, cumpre observar que não seria demasia qualificar a cláusula indenizatória como alternativa à extinção do denominado ‘passe’ do atleta, medida inserida a teor da ‘Lei Pelé’, pois seu fato gerador ou será a transferência para outra entidade esportiva nacional ou alienígena, durante a vigência do contrato de trabalho, ou o retorno do profissional às atividades esportivas em outro clube no prazo de até 30 (trinta) meses.

De outra sorte, a cláusula compensatória teria o escopo de indenizar o atleta na ocorrência – como já antes referimos – de rescisão do contrato laboral motivada por inadimplemento da quitação de remuneração de cunho salarial; da rescisão indireta, observados os parâ-metros da lei trabalhista; e da rescisão sem causa do ajuste de trabalho do atleta. Nesse caso, em termos gerais, a verba indenitária de compensação faria às vezes da reparação, já também mencionada, prevista no art. 479 do texto consolidado.

Versando essas cláusulas, trazidas pela Lei nº 12.935, o entendimento da jurisprudên-cia é assente ao reconhecê-las como válidas e aplicáveis, como se confere do seguinte julgado:

1. Na jurisprudência desta Corte Superior, adota-se o entendimento de que a cláusula penal prevista na redação anterior do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 se aplica somente ao atleta profissional. Precedentes. 2. A nova redação dada pela Lei nº 12.395/2011 ao art. 28 da Lei Pelé se coaduna com o entendimento firmado nesta Corte Superior, de que a cláusula indenizatória desportiva (nova denominação da cláusula penal) é devida somente à entidade de prática desportiva. 3. Recurso de revista a que se dá provimento.”

Em outra assentada da Corte Superior, veja-se a conclusão sobre a cláusula compensa-tória desportiva:

“[...] o atual teor do art. 28, I e II, da Lei nº 9.615/1998 contempla ‘cláusula indeni-zatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta’ e ‘cláusula compensatória desportiva’, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º, quais sejam, ‘rescisão decor-rente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora’, ‘rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista’ e ‘dispensa imotivada do atleta’, e o art. 31 complementa: ‘A entidade de prática desporti-va empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos’. Depre-ende-se, pois, que a cláusula indenizatória veio substituir a cláusula penal e a cláusula compensatória, a multa do art. 31 da lei, concernente à indenização do art. 479 da CLT.

Contudo, as alterações relevantes que a norma de 2011 trouxe à legislação esportiva não são indenes de críticas da doutrina.

Nesse sentido, o ilustre Rafael Teixeira Ramos escreve:

“A primeira grande novidade da Lei nº 12.395/2011 são algumas formas expressas de terminação do contrato de trabalho desportivo, subscritas no art. 28, § 5º e seus incisos, tais como: término da vigência contratual, distrato, pagamentos das cláusulas indeniza-tória e compensatória desportivas, rescisão indireta por inadimplemento contratual do empregador desportivo ou demais hipóteses de rescisão indireta prevista na legislação trabalhista, dispensa imotivada do atleta. Crítica inicial se realiza à falta de previsão da justa causa ou despedida motivada do atleta, pois sabemos que, ao regular-se a dispensa imotivada do praticante, o legislador, por via transversa, resolveu o problema da justa causa atlética. Entretanto, e em que pese a rarefeita situação de justa causa do jogador

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na relação empregatícia desportiva, a nova lei poderia ter aproveitado a oportunidade da enumeração de modos de extinção contratual para prever também a dispensa motivada do atleta que, induvidosamente, teria a mesma solução dos contratos a prazo determinado do trabalho comum.” (A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Compensatória no Contrato de Atleta Profissional: o Que Pensar? Revista SÍNTESE Direito Desportivo, ano 4, n. 22 (dez./jan. 2015). São Paulo: IOB, p. 104)

1360 – Contrato de trabalho – atleta – modalidade de extinção – distrato – possibili-dade

“Contrato de atleta desportivo. Modalidade de extinção. Distrato. Possibilidade. Art. 28, inciso I da Lei nº 9.615/1998. O contrato de trabalho do atleta desportivo tem suas peculiaridades, restando válida sua extinção sob a modalidade de distrato, conforme previsão contida no inciso I do art. 28 da Lei nº 9.615/1998. Tendo o autor assinado o documento de rescisão sob tal modalidade, válida é a extinção na forma como descrita no documento. Recurso ordinário conhecido e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 0001042-96.2013.5.10.0011 – Relª Desª Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro – DJe 07.11.2014 – p. 299)

1361 – Direito de arena – redução do percentual mínimo fixado em lei – impossibili-dade

“I – Recurso de revista do reclamante. Direito de arena. Redução do percentual mínimo fixado em lei. Impossibilidade. A jurisprudência desta eg. Corte firmou-se no sentido da invalidade da pactuação que reduz o percentual mínimo fixado em Lei a título de direito de arena. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido. II – Agravo de instru-mento do reclamado. Preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. Ante a ausência de indicação de violação aos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Constituição, aplica-se o óbice da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1. Direito de Arena. Competições internacionais. O direito de arena foi exercido pelo Clube me-diante autorização da transmissão dos jogos disputados em competições internacionais e recebimento de vantagens financeiras pelo uso da imagem, ainda que sob diversas nomenclaturas. Portanto, deve ser reconhecido o direito do jogador à participação na exploração financeira do direito de arena relativa aos eventos desportivos internacionais de que tomou parte, assegurado no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998. Direito de Arena. Natureza jurídica. O direito de arena do atleta profissional, conquanto configure parcela paga por terceiros, relaciona-se à própria prestação de serviços, possuindo na-tureza salarial. Precedentes. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (TST – ARR 57300-49.2009.5.02.0057 – 8ª T. – Rel. Min. João Pedro Silvestrin – DJe 05.12.2014)

1362 – Prazo recursal – dias de jogos da seleção – termo inicial

“Dias de jogos da seleção brasileira de futebol. Início da contagem do prazo recursal. Ausência de prorrogação. Nos termos da Portaria TRT3/GP/DJ nº 01, de 10.04.2014, ‘Os prazos processuais que se encerrarem nos dias referidos nos arts. 2º e 3º desta Portaria, ficarão prorrogados para o primeiro dia útil subsequente, nos termos do art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil’. Na hipótese dos autos, contudo, o prazo recursal teve início em dia de jogos da Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 2014, situação que não se

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enquadra nas disposições acima.” (TRT 3ª R. – RO 0011598-84.2013.5.03.0163 – Relª Sabrina de Faria Froes Leão – DJe 27.11.2014 – p. 167)

1363 – Processo do trabalho – multa do art. 475-J do CPC – incompatibilidade

“Recurso de revista. Direito de imagem. Natureza jurídica. Atleta profissional. Nos ter-mos da jurisprudência deste tribunal os valores pagos a título de direito à imagem ao atleta profissional tem natureza salarial, quando evidenciado que o seu pagamento tem como objetivo, na realidade, desvirtuar a aplicação da legislação trabalhista. Recur-so de revista não conhecido. Multa do art. 475-J do CPC. Incompatibilidade com o processo do trabalho. A aplicação das regras do Código de Processo Civil exige que a CLT seja omissa e que haja compatibilidade com o processo do trabalho. Além de inexistir a omissão, a regra do art. 475-J do CPC não apresenta compatibilidade com o procedimento da execução trabalhista. Nesse sentido, firmou-se a jurisprudência da c. SDI no julgamento dos leading cases E-RR 38300-47.2005.5.01.0052 (Relator Ministro Brito Pereira) e E-RR 1568700-64.2006.5.09.0002 (Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga), Julgados em 29.06.2010. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST – RR 59800-05.2012.5.21.0009 – 6ª T. – Relª Min. Cilene Ferreira Amaro Santos – DJe 07.11.2014)

1364 – Salário informal – contrato de licenciamento de imagem – natureza jurídica – integração – fraude

“Recurso de revista. 1. Impossibilidade jurídica do pedido. É juridicamente possível o pedido de reconhecimento da natureza jurídica de salário, pago por terceiro, como par-te integrante da remuneração. Recurso de revista não conhecido. 2. Salário informal. Contrato de licenciamento de imagem. Natureza jurídica. Integração. Fraude. 2.1 Em regra, o contrato de licença do uso de imagem tem natureza eminentemente civil, não podendo ser objeto de discussão em eventuais reclamações trabalhistas, excetuando-se os casos em que ficar demonstrado que foi utilizado para promover fraude à legislação trabalhista, hipótese em que ficará configurada afronta ao art. 9º da CLT. 2.2 No caso dos autos, o Regional evidenciou o intuito fraudulento do contrato de licenciamento do uso da imagem do atleta profissional, razão pela qual concluiu pela integração desses valo-res à remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. 2.3 Quando o acolhimen-to das arguições da parte depender, antes, do revolvimento de fatos e provas (Súmula nº 126/TST), impossível o conhecimento do apelo. Recurso de revista não conhecido. 3. Direito de arena. Alteração do percentual mínimo de lei por acordo entre os interessa-dos. Impossibilidade. Natureza jurídica. O recurso de revista se concentra na avaliação do direito posto em discussão. Assim, em tal via, já não são revolvidos fatos e provas, campo em que remanesce soberana a instância regional. Diante de tal peculiaridade, o deslinde do apelo considerará apenas a realidade que o acórdão atacado revelar. Esta é a inteligência das Súmulas nºs 126 e 297 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 352-34.2011.5.01.0061 – 3ª T. – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 12.12.2014)

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Tributário

1365 – Contribuição previdenciária – associações desportivas não mantenedoras de clube de futebol – efeitos

“Tributário. Processual civil. Ausência de violação do art. 557 do CPC. Análise de dis-positivos constitucionais. Impossibilidade. Competência do STF. Contribuição previden-ciária. Associações desportivas não mantenedoras de clube de futebol. Permanência do regime da Lei nº 5.939/1973 até o advento da Lei nº 9.528/1997. 1. A eventual nulidade da decisão monocrática calcada no art. 557 do CPC fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado, na via de agravo regimental. 2. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a apreciação de violação a dispositivos constitucionais, sob pena de invasão da competência do STF. 3. O regime especial de contribuição previdenciária empresarial instituído pela Lei nº 5.939, de 1973, relativamente à associações despor-tivas não mantenedoras de clube de futebol, somente foi revogado pela Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997 (REsp 1.171.442/RS, Rel. Min. Ari Pargendler, 1ª T., Julga-do em 03.09.2013, DJe 10.09.2013). Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg-REsp 1.472.852 – (2014/0194183-2) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 03.02.2015 – p. 4558)

1366 – Execução fiscal – penhora – receita referente à venda de atleta – possibilidade

“Processo civil e tributário. Execução fiscal. Agravo de instrumento. Penhora. Receita referente à venda de atleta. Possibilidade. Reinclusão no parcelamento. Manutenção do gravame. Decisão não teratológica. I – É importante ressaltar que o juiz não está vincula-do a examinar todos os argumentos expendidos pelas partes, nem a se pronunciar sobre todos os artigos de lei, restando bastante que, no caso concreto, decline fundamentos su-ficientes e condizentes a lastrear sua decisão. II – O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que o parcelamento da dívida tributária, por não extinguir a obrigação, implica a suspensão da execução fiscal, e não sua extinção, o que só se verifica depois de quitado o débito, motivo pelo qual a penhora realizada em garantia do crédito tributário deve ser mantida até o cumprimento integral do acordo. Assim, a penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador W. N. Deve ser mantida, nos termos em que fora determinada, eis que efetivada em momento anterior à reinclusão ao programa de parcelamento. III – É entendimento jurisprudencial consolidado, não se constituir em nulidade ou ofensa ao art. 93, IX, da CF, o relator adotar como razões de decidir os fundamentos da sentença ou da manifestação ministerial, desde que comporte análise de toda a tese defensiva. Assim, para afastar a tese da agravante, adoto também como razão de decidir a fundamentação da bem lançada decisão agravada, tendo em vista a ausência de qualquer argumento apto a modificá-la. IV – ‘[...] Portanto, a decisão que determinou a penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador negociado pelo executado foi anterior à sua reinclusão no parcelamento da Timemania. Ressalte--se, que a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – FERJ e a Confederação Brasileira de Futebol – CBF foram intimadas da penhora nos dias 07 e 06 de junho de 2013, respectivamente, consoante certidões de fls. 500 e 503. Além disso, houve inti-mação do Banco Central do Brasil no sentido de bloquear operações de câmbio com

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a participação do executado, visto que os créditos possivelmente seriam recebidos em moeda estrangeira. Ademais, o [...] foi devidamente intimado da penhora, bem como da obrigação de depositar em conta à disposição do Juízo os valores recebidos em razão da negociação do jogador [...], como se observa de fls. 556/557. Desse modo, tanto a decisão determinando a penhora quanto as intimações necessárias para o seu cumpri-mento ocorreram antes da reinclusão do executado no parcelamento da Timemania, quando a presente execução fiscal estava tramitando regularmente. Em outras palavras, antes de ser reincluído no parcelamento da Timemania o executado foi devidamente intimado da penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador [...], assim como da necessidade de depositar em Juízo os valores relativos à sua negociação. Nesse caso, a posterior adesão do executado ao parcelamento não possui o condão de desconstituir a penhora anteriormente efetivada[...]’. V – O direito federativo/esportivo é o direito que a entidade desportiva/clube possui de registrar o atleta na Federação como vinculado a ela. Esse direito nasce com a celebração do contrato de trabalho entre o clube e o pra-ticante desportivo e é acessório ao pacto laboral. Assim sendo, uma vez rescindido ou terminado o contrato de trabalho desportivo, extingue-se o direito federativo. VI – Por ser o detentor exclusivo dos direitos federativos, os Clubes também detém 100% dos direitos econômicos advindos de futura transferência do atleta. No entanto, o Clube pode ceder este percentual (crédito futuro) e fixar as regras e modo desta divisão, o que ocorre por meio de contrato separado (Contrato de Direito Econômico). Assim, compreendem-se por ‘direitos econômicos’ os benefícios econômicos de um Clube de futebol resultante da transferência de direitos federativos de um atleta vinculado a este para outro Clube. VII – Como são contratos vinculados, ou seja, amparados nos contratos de trabalho dos atletas (vínculo federativo/esportivo), não há falar em ausência de efetivação da penhora, por não ter havia o pagamento do preço ajustado entre o agravante o clube ucraniano Shaktar Donetsk. Isto porque, quando o agravante pactuou a transferência do seu funcionário Wellington Nem, cedeu o direito ao clube ucraniano de registrar o atleta na Federação respectiva como vinculado a ele, e, ao mesmo tempo, se beneficiou economicamente da avença. VIII – Portanto, com acerto o Juízo de Origem concluiu que a penhora dos direitos econômicos do jogador Wellington Nem foi determinada e o fluminense foi devidamente intimado da mesma, bem como da obrigação de depositar em Juízo o valor relativo à negociação do atleta, quando o clube se encontrava excluído do parcelamento. Desta forma, o adimplemento extemporâneo do contrato efetuado não o descaracteriza, fato que ocorrerá somente com o distrato. IX – Este Egrégio Tribunal já tem posicionamento consolidado no sentido de que a reforma de decisum, através de agravo de instrumento, somente deverá ocorrer quando o juiz dá à Lei interpretação teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, o que não é o caso, tendo em vista que o douto Magistrado da Vara de Origem analisou detidamente todos os argumentos levantados pela parte. X – Agravo de instrumento não provido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.017439-6 – 4ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Sandra Chalu Barbosa – DJe 12.11.2014 – p. 581)

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Seção Especial – Prática Processual

Habeas Corpus

LOUIS DOLABELAAdvogado.

Exmo. Sr. Juiz de Direito da ...ª Vara Criminal da Comarca de Belo Horizonte/Minas Gerais

LOUIS AUGUSTO DOLABELA IRRTHUM, brasileiro, solteiro, advogado, com endereço profissional na Avenida Prudente de Morais, 290, Cidade Jardim, Belo Horizonte, MG, CEP 30.380-002, vem, res-peitosamente, diante de V. Exa., por meio de seus procuradores abaixo assinados, impetrar a presente ordem de

HABEAS CORPUS PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR

Em favor de DÁRIO JOSÉ DOS SANTOS, vulgo Dadá Maravilha, brasileiro, comentarista esportivo, portador do CPF 334.372.117-49 e da carteira de identidade MG 71.798 SSP/MG, domiciliado e residente em Belo Horizonte, na Rua dos Melões, 132/402, Vila Clóris, pelas razões de fato e de direito a seguir delineadas:

1 DOS FATOS

O Paciente é comentarista esportivo da TV Alterosa e foi designa-do para realização de matéria jornalística em via pública.

Essa reportagem consiste em um “pagamento de promessa” que o paciente realizou no programa Alterosa Esporte, às vésperas do embar-que do Clube Atlético Mineiro para o Marrocos.

Na oportunidade, afirmou o paciente que, caso o Atlético “não fosse campeão do mundo, correria de cueca na Avenida Afonso Pena”.

Homem íntegro e correto, o Paciente busca um salvo-conduto para não passar pelo constrangimento de ser preso em flagrante pela autoridade policial ou até mesmo ser conduzido a alguma delegacia,

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tendo em vista que tal fato, a saber, correr de cueca na Avenida Afonso Pena, poderá ser interpretado como atentado violento ao pudor ou ato obsceno.

Conforme reportagens anexas, os crimes acima relatados são de tal forma “subjetivos”, que o paciente tem o receio de vir a ser injustamente preso/conduzido até uma delegacia.

A intenção da reportagem que será gravada em um trecho da Ave-nida Afonso Pena, entre a Praça da Rodoviária e a Praça Sete, é mostrar que, através do bom-humor e da rivalidade sadia, os adversários podem conviver em harmonia e usar o futebol como forma de lazer, alegria e integração.

2 DO DIREITO

Prescreve o art. 5º, inciso IX da Carta Magna: “É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, indepen-dentemente de censura ou licença”.

Nesse sentido, o Paciente somente quer exercer seu labor sem causar prejuízos à ordem pública e ao seu direito de ir e vir.

Nos ensinamentos do Pacto de São José da Costa Rica, celebrado em 22 de novembro de 1969:

Art. 13 . Liberdade de pensamento e expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento expressão. Esse di-

reito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações

e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente

ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro

processo de sua escolha.

O Paciente tem o receio de vir a ser preso em virtude da realização da matéria jornalística em questão e não irá realizá-la sem a concessão de um salvo-conduto, eis que jamais foi processado ou preso.

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3 DA LIMINAR E SEUS PRESSUPOSTOS

A medida ora pleiteada comporta prestação preliminar, o que des-de já se requer, eis que presente todos os pressupostos necessários para o deferimento da mesma.

A plausibilidade jurídica da concessão da liminar encontra-se de-vidamente caracterizada na presente. O fumus boni iuris foi devidamen-te demonstrado pelos elementos fáticos e jurídicos trazidos à colação e a incidência do periculum in mora reside no fato de que grave prejuízo – inclusive psicológico – poderá sofrer o paciente, cidadão trabalhador, atleta respeitado e cumpridor de seus deveres, se preso em virtude da realização de matéria jornalística.

4 DOS PEDIDOS

Como ficou devidamente consignado, a eventual prisão do pa-ciente não encontrará guarida no ordenamento jurídico em vigor e, as-sim, se revestirá de flagrante ilegalidade.

Diante desses fatos, requer se digne Vossa Excelência em conce-der o salvo-conduto, a fim de que as autoridades encarregadas de fisca-lizar o hiper-centro de Belo Horizonte, a saber, Polícia Militar e Guarda Municipal, se abstenham de atentar contra a liberdade de locomoção do paciente enquanto durar a gravação da matéria jornalística aqui re-latada, devendo ser feitas as comunicações necessárias ao Comando da Polícia Militar, Guarda Municipal e à autoridade judiciária de plantão, tudo por se de JUSTIÇA.

Pede deferimento.

Belo Horizonte, 23 de janeiro de 2014.

Louis Dolabela OAB/MG 124.826

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Clipping Jurídico

Barcelona responde na Justiça por crimes na contratação de Neymar

A polêmica da contratação de Neymar ainda não chegou ao fim. O clube catalão e seu ex-presidente, Sandro Rosell, foram indiciados pela procuradoria espanhola por irregularidades na negociação com o atleta, e devem responder por crimes contra o Tesouro Nacional. O procurador da Audiência Nacional, principal Tri-bunal Penal da Espanha, considerou o ex-presidente culpado por três crimes. Já o Barcelona responderá por duas irregularidades por ter supostamente declarado um preço mais baixo do que o realmente pago pelo brasileiro. “O valor pago pela aquisição do jogador é avaliado em 82.743.485 euros, divididos em vários contratos, que foram ocultados por levar outras denominações, como o paga-mento de comissões ou parcerias comerciais com o Santos ou a empresa do pai do jogador”, disse o procurador, mostrando indícios de que a contratação do jogador custou mais que 57 milhões de euros aos cofres do clube. A procuradoria também afirmou que o Barcelona deixou de pagar mais de 12 milhões de euros em impostos, o que deixaria o custo total da negociação em 94,8 milhões. Josep María Bartomeu, atual presidente do clube, também seria indiciado junto do Barça por uma suposta fraude fiscal que pode chegar a 2,8 milhões de euros em 2014. Rosell havia declarado, no ano passado, que a transferência custou 57 milhões, sendo 17 deles destinados ao Santos e 40 à N&N, empresa do pai de Neymar. A história: Neymar foi contratado pelo Barcelona no meio de 2013. Após o clube catalão anunciar que havia pago cerca de 286 milhões de eu-ros pelo jogador, o pai e empresário do atleta admitiu ter recebido 40 milhões de euros na negociação. Além da questão dos valores, a empresa N&N e o Barcelona já haviam entrado em acordo em 2011. O pai de Neymar disse que o valor recebido na ocasião foi um adiantamento, embora a declaração tenha gera-do dúvidas no Santos, que entrou na justiça para ver o contrato com o Barcelona. Fonte: Gazeta Esportiva

Detentor do mando de jogo pode ser obrigado a contratar segurança privada

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7.874/2014, do Deputado Vander Loubet (PT-MS), que obriga à entidade de prática desportiva, detentora do mando de jogo, a contratar agentes de segurança privada para atuar no interior dos estádios de futebol. Pelo texto, os agentes de segurança privada, devidamente identificados, serão responsáveis pela segurança dos torcedores dentro dos está-dios e demais locais de realização de eventos esportivos. Atualmente, o Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) determina que a segurança, dentro e fora, dos locais de eventos esportivos será realizada pelas forças de segurança pública, sob responsabilidade da entidade desportiva. Normalmente, a segurança interna é realizada pela Polícia Militar. Já nas partes externas dos estádios, por exemplo, o trabalho é divido entre os policiais militares e agentes de trânsito. Segundo Vander Loubet, as entidades lucram ao realizar um evento esportivo e, portan-

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to, elas deveriam providenciar a segurança dos torcedores. “Entendemos que no caso de evento privado que arrecada renda em benefício do negócio que ali se realiza, os custos com a segurança no interior dos estádios devem ser de respon-sabilidade das entidades de prática ou das entidades de administração desporti-va”, disse. Responsabilidade pela segurança: De acordo com a proposta, o deten-tor do mando de jogo será uma das entidades de prática desportiva envolvidas na partida, conforme os critérios definidos no regulamento da competição. O depu-tado disse ainda que é “preferível definir a responsabilidade da segurança inter-na dos estádios aos clubes em vez das entidades de administração desportiva”. Segundo o Estatuto do Torcedor, as entidades de administração (confederações, federações e ligas) já são responsáveis por contratar seguro de acidentes pessoais, ambulância, médicos e enfermeiros para cada 10 mil torcedores presentes em uma partida de futebol. Tramitação: O projeto será arquivado pela Mesa Diretora no dia 31 de janeiro, por causa do fim da legislatura. Porém, como o seu autor foi reeleito, ele poderá desarquivá-lo. Nesse caso, o texto precisará ser analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Esporte; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Fonte: Câmara dos Deputados Federais

Projeto cria regras para entidades dirigentes de futebol

O futebol brasileiro pode ganhar sua própria lei da “ficha limpa”. O Projeto de Lei nº 7.817/2014, do Deputado Romário (PSB-RJ), obriga a Confederação Bra-sileira de Futebol (CBF) e suas federações estaduais a se submeterem ao controle dos tribunais de contas e a outros órgãos públicos de fiscalização. A proposta ainda estabelece uma série de regras rígidas para a eleição dos dirigentes destas entidades. Pelo texto, a CBF deverá encaminhar anualmente suas contas para o Tribunal de Contas da União. No caso das federações, as contas devem ser enviadas aos tribunais dos Estados. Tanto a confederação quanto as federações deverão informar trimestralmente à autoridade monetária todas as operações fi-nanceiras realizadas com o exterior. Contabilidade: A cada trimestre, as entida-des desportivas também terão de comunicar ao Conselho de Controle de Ativi-dades Financeiras todas as suas operações com valores acima de R$ 5 mil reais, e, anualmente, a Receita Federal ficará incumbida de fazer auditoria tributária na CBF. A contabilidade da confederação terá de ser feita mediante conta-única, vedada a abertura de contas paralelas. Além disso, todos os contratos da CBF de-verão ser públicos e disponibilizados via Internet. Pelo não cumprimento destas regras, as entidades serão proibidas de receber verbas públicas. As transferências dos recursos de loterias federais também ficarão bloqueadas. Eleições: Quanto à eleição de dirigentes, o projeto cria uma série de critérios de inelegibilidade. Ficam impedidos de concorrer a novas eleições presidentes e vice-presidentes da CBF e das federações que perderem seus cargos por infringência a dispositivo dos estatutos das entidades. A vedação vigerá durante o período remanescente e

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nos oito anos subsequentes ao término do mandato. Candidatos condenados pela Justiça Eleitoral por abuso do poder econômico ou político também não podem se eleger. A inelegibilidade vale para a eleição a que concorrem ou tenham sido diplomados, e para aquelas que se realizarem nos oito anos seguintes. Também perde o direito de concorrer à diretoria da CBF e suas federações, por oito anos, condenados, por exemplo, por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público; o meio ambiente e a saúde pú-blica; de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores; de tráfico de drogas, racismo, tortura, terrorismo e hediondos; de redução à condição análoga à de escravo; contra a vida e a dignidade sexual. Em todos os casos, a condenação tem de ser transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado. Improbidade: A proposta ainda lista uma série de outras condutas que implicam inelegibilidade. Ter as contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por ato doloso de improbidade administrativa; atos de corrupção eleitoral; e perda dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Ainda conforme o projeto, dirigente ou funcionário da CBF e das federações, assim como seus parentes em até terceiro grau, são proibidos de participar de empresas que tenham negócios direta ou indiretamente com as entidades. Cambista: A atividade de cambista para eventos esportivos passa a ter pena de prisão de 1 a 5 anos, conforme o grau e a reincidência. Caso haja envolvimento de algum dirigente, funcionário ou parente de integrante no delito, a entidade terá suas atividades suspensas em todo o território nacional até a conclusão das investigações. Romário defende que a CBF “é uma espécie de paraestatal”. Isso porque, segundo argumenta, a entidade administra recursos que têm origem nos eventos que envolvem a Sele-ção Brasileira, que é patrimônio cultural do País. “Esta é a configuração jurídica que deveria se dar à CBF: uma paraestatal sujeita à fiscalização de suas contas, e com transparência maior e democratização nos seus processos eleitorais”, afirma. Tramitação: O projeto será analisado pelas comissões de Esporte; de Finanças e Tributação (inclusive quanto ao mérito); e de Constituição e Justiça e de Cidada-nia (também quanto ao mérito), antes de ser votado pelo Plenário. Fonte: Câmara dos Deputados Federais

Tribunal reconhece validade de acordo firmado entre Clube Atlético Minei-ro e Fazenda Nacional

A Desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, do TRF da 1ª Região, de-terminou que o Juízo da 25ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais desig-ne audiência para a negociação judicial com possibilidade de homologação do acordo celebrado entre o Clube Atlético Mineiro e a Fazenda Nacional. A de-cisão foi tomada após a análise de recurso (agravo de instrumento) interposto pela entidade esportiva contra decisão de primeira instância que havia negado o

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pedido para a realização de audiência. Na sentença, a magistrada que analisou o caso negou os pedidos formulados pelo Clube Atlético Mineiro ao argumento de que “os termos da proposta rompem com as regras gerais aplicadas aos demais contribuintes, os quais devem se submeter e efetivamente se submetem a elas, nos termos da legislação específica aplicável à espécie, ferindo o princípio da igualdade”. Inconformada, a agremiação esportiva recorreu ao TRF1. No agravo, a entidade relata possuir débitos com a Fazenda Nacional em valor superior a R$ 270 milhões, e que, com o objetivo de quitá-los, propõe a formalização de transação mediante a inicial conversão em renda da União de valor superior a R$ 38 milhões, correspondente a depósitos judiciais já efetuados. Afirma que a proposta de acordo contou com a anuência expressa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, tendo sido, inclusive, aprovada pelo Ministro da Fazenda. A parte recorrente ainda defende que a transação efetuada entre as partes – Clube Atlético Mineiro e Fazenda Nacional – contempla “todos os requisitos de valida-de e de eficiência do ato administrativo, em especial o requisito da finalidade, que reflete a efetiva recuperação dos créditos tributários não quitados”. Sustenta, por fim, que a não continuidade dos atos expropriatórios em execução fiscal pode acarretar a sua exclusão do programa de parcelamento reaberto nos termos da Lei nº 12.996/2014. Com tais alegações, requereu a concessão de efeito sus-pensivo para cassar a decisão proferida em primeiro grau. Decisão: Ao analisar o agravo, a relatora esclareceu que a transação tributária é modalidade de extinção de crédito tributário prevista no Código Tributário Nacional (CTN). “Existente previsão legal e possibilidade prática de realizar a transação para a extinção do crédito tributário perseguido pela Fazenda Nacional na origem, entendo ser o caso de prestigiar essa forma alternativa de resolução do conflito, que deverá repercutir positivamente para o incremento da arrecadação de tributos federais”, disse a magistrada. A Desembargadora Maria do Carmo Cardoso ainda ressaltou na decisão que as dificuldades financeiras enfrentadas pelas agremiações espor-tivas brasileiras são notórias. Nesse sentido, “a imediata conversão em renda de valor superior a R$ 38 milhões no caso de homologação judicial da transação implicará em diminuição do débito tributário da agravante e em efetiva apro-priação de recursos pela Fazenda Nacional”, destacou. Com tais fundamentos, a relatora deferiu o pedido de efeito suspensivo para determinar que o Juízo de pri-meira instância designe audiência para a negociação judicial com possibilidade de homologação de acordo celebrado entre o Clube Atlético Mineiro e a Fazenda Nacional. Nº do Processo: 0072724-46.2014.4.01.0000. Fonte: Tribunal Regio-nal Federal da 1ª Região

Atlético Mineiro terá de manter contrato e pagar tratamento de zagueiro que sofreu lesão na coluna

O Clube Atlético Mineiro foi condenado a restabelecer o contrato de trabalho com o ex-zagueiro pernambucano Marcos Joaquim dos Santos, conhecido como

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Marcos, que lesionou a coluna durante um treino. Para a Sexta Turma do Tribu-nal Superior do Trabalho, que não conheceu do recurso do clube, as atividades exercidas após a lesão agravaram o desenvolvimento de uma doença degenera-tiva do jogador, se equiparando a acidente de trabalho e dando, assim, o direito à estabilidade provisória. Contratado pelo clube para atuar em 2006 e 2007, o jogador teve o contrato renovado em 2008 pelo prazo de um ano. Durante um dos treinos, travou a coluna vertebral. Na ação, o ex-zagueiro relatou que, ape-sar da gravidade da lesão, diagnosticada como deslizamento de vértebra, e com fortes dores, continuou a trabalhar durante um ano sob efeito de medicamentos. Novos exames constataram o ressecamento de disco, e o atleta foi submetido à cirurgia e ficou incapacitado para atividades físicas. O trabalhador descreveu que, mesmo nesta situação, o clube não emitiu a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS e rescindiu o contrato. Na Justiça do Trabalho, pediu a nulidade da rescisão, sustentando que a inaptidão para o trabalho impede o encerramento do contrato enquanto o trabalhador não estiver em condições de retornar às atividades. Em defesa, o Atlético Mineiro alegou que o zagueiro não sofreu acidente de trabalho, e era portador de doença degenerativa sem relação com o trabalho prestado ao clube. Alegou ainda que o contrato firmado era por tempo determinado, sendo improcedente o pedido do trabalhador. Condenado na primeira e segunda instâncias a restabelecer o contrato sob pena de multa, e de arcar com todas as despesas médicas do jogador até a sua integral recupera-ção, o clube recorreu sem sucesso ao TST. Para a Ministra Kátia Arruda, relatora do processo, apesar de a Lei nº 8.213/1991 não enquadrar a doença degenerativa como acidente de trabalho, a jurisprudência admite essa configuração quando as atividades exercidas são suficientes para potencializá-la ou agravá-la. Para ela, o laudo pericial anexado ao processo demonstrou que as atividades exercidas contribuíram para a piora dos sintomas, pois o jogador era submetido a esforços físicos. A Sexta Turma reconheceu o direito à estabilidade provisória do zaguei-ro, baseada na Súmula nº 378 do TST, que dispõe que a estabilidade prevista no art. 118 da Lei nº 8.213/1991 também se aplica aos contratos por prazo deter-minado. Processo: RR-386-97.2010.5.03.0025 Fonte: Tribunal Superior do Tra-balho

Paraná Clube é absolvido de pagar cláusula penal de R$ 1,2 milhão a ex-jogador Jean Carlo

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho absolveu, nesta quinta-feira (4), o Paraná Clube de pagar multa de R$ 1,2 milhão por rescindir unilateralmente o contrato com o jogador Jean Carlo de Souza. De acordo com o atual entendimento predominante no TST, o pagamento da multa prevista na cláusula penal de que trata o art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) não é devido quando a rescisão contratual ocorrer por

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220 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – CLIPPING JURÍDICO

iniciativa do clube. No julgamento, a SDI-1 proveu recurso de embargos do Paraná Clube e afastou a condenação. Em decisão anterior, de 2008, a Sexta Turma deferiu a verba ao ex-atleta, com o entendimento de que a agremiação desportiva que rescindisse o contrato seria obrigada a pagar a multa do art. 28 da Lei Pelé, por não haver ali previsão expressa de que seria direito exclusivo do empregador. Para a Turma, a limitação do direito somente à entidade desportiva na relação tra-balhista atentaria contra princípios elementares do Direito do Trabalho. Na elite do futebol brasileiro, durante a década de 1990, o meia Jean Carlo foi campeão brasileiro pelo Palmeiras em 1993 e teve passagens por outros grandes clubes, como Fluminense, Guarani, Cruzeiro e Vitória. O Paraná Clube rescindiu o con-trato com o jogador em maio de 2004. SDI-1: A imposição da obrigação prevista na cláusula penal do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 é aplicável apenas ao atleta que põe termo ao contrato de trabalho por sua própria vontade, afirmou o Ministro José Roberto Freire Pimenta, relator do caso na SDI-1. Segundo o magistrado, a decisão da Turma estava em confronto com a jurisprudência do TST, o que levou ao conhecimento dos embargos por divergência jurisprudencial. O relator expli-cou que a penalidade não se aplica ao empregador, pois seu objetivo é o de res-guardar o clube, saneando a ruptura contratual promovida unilateralmente pelo atleta que já havia sido formado e treinado à custa do investimento da entidade desportiva. Ele esclareceu que, para o TST, na hipótese de a rescisão contratual ocorrer por iniciativa do clube, o atleta faz jus apenas à indenização prevista no art. 479 da CLT, como dispõe o § 3º do art. 31 da Lei Pelé. Durante o julgamento, o Ministro Alexandre Agra Belmonte ressaltou que o contrato do atleta foi extin-to antes da alteração da legislação a respeito do assunto, com o advento da Lei nº 12.395/2011, conforme já colocado pelo relator. A SDI-1, então, concluiu pelo provimento dos embargos do clube para, restabelecendo o acórdão regio-nal, excluir da condenação o pagamento da cláusula penal. A decisão foi unâni-me. Processo: E-ED-ED-RR-1272000-45.2004.5.09.0013. Fonte: Tribunal Supe-rior do Trabalho

Fechamento da Edição: 12�02�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGO DOUTRINÁRIO

• Medidas para Amenizar a Violência entre Torcidas Organiza-das de Futebol

Vanderlei de Lima

Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET,

disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

RegistRo de tRansfeRências de atletas de futebol

• Banimento dos “Terceiros” do Futebol pelo No-vel Regulamento de Registro de Transferências de Atletas de Futebol Editado pela FIFA e CBF: Um Enfoque Jurídico (Breiner Ricardo Diniz Resende Machado e Marcelo Luiz Pereira) ..........12

• Não Queime Depois de Ler! Regulamento de Registro e Transferência é o Novo Arquivo dosClubes (Paulo Bracks) ............................................9

Autor

bReineR RicaRdo diniz Resende Machado

• Banimento dos “Terceiros” do Futebol pelo No-vel Regulamento de Registro de Transferências de Atletas de Futebol Editado pela FIFA e CBF:Um Enfoque Jurídico ...........................................12

MaRcelo luiz peReiRa

• Banimento dos “Terceiros” do Futebol pelo No-vel Regulamento de Registro de Transferências de Atletas de Futebol Editado pela FIFA e CBF:Um Enfoque Jurídico ...........................................12

paulo bRacks

• Não Queime Depois de Ler! Regulamento de Registro e Transferência é o Novo Arquivo dosClubes ..................................................................9

PRÁTICA PROCESSUAL

Assunto

•Habeas Corpus (Louis Dolabela) ........................212

Autor

louis dolabela

•Habeas Corpus ..................................................212

Índice GeralDOUTRINAS

Assunto

apRendizageM

• Bolsa Aprendizagem e as Consequências pelo Não Pagamento (Louis Augusto Dolabela Irrthum) ...............................................................78

contRato

• As Cláusulas Gerais da Boa-Fé Objetiva e do Fim Social do Contrato Previstas no Artigo 27-C, Inciso V, da Lei Pelé (Edio Hentz Leitão) ............................................................................42

faiR play

• Fair Play, Evolução do Esporte e Oligopólios Es-portivos (Paulo Celso Berardo) .............................98

pRincípios

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seu Amparo Constitucional e sua Efetivação (Ange-lo Vargas, Sylvio Ferreira, Vanessa Alessi, Ben Benoliel e Valmir Rodrigues) ...............................55

toRcida

• Torcida Única: Despreparo ou Incompetência? (Gustavo Lopes Pires de Souza, Carlos Santiago da Silva Ramalho, Danyelle Gonçalves de Assise Thairine de Oliveira Rocha) .............................25

Violência

• Violência no Âmbito Desportivo (Marcio deSouza Peixoto) .....................................................83

Autor

angelo VaRgas

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seuAmparo Constitucional e sua Efetivação ..............55

ben benoliel

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seuAmparo Constitucional e sua Efetivação ..............55

caRlos santiago da silVa RaMalho

• Torcida Única: Despreparo ou Incompetência? ...25

danyelle gonçalVes de assis

• Torcida Única: Despreparo ou Incompetência? ...25

edio hentz leitão

• As Cláusulas Gerais da Boa-Fé Objetiva e do Fim Social do Contrato Previstas no Artigo 27-C, Inciso V, da Lei Pelé ............................................42

gustaVo lopes piRes de souza

• Torcida Única: Despreparo ou Incompetência? ...25

louis augusto dolabela iRRthuM

• Bolsa Aprendizagem e as Consequências pelo Não Pagamento ..................................................78

MaRcio de souza peixoto

• Violência no Âmbito Desportivo ..........................83

paulo celso beRaRdo

• Fair Play, Evolução do Esporte e Oligopólios Esportivos ............................................................98

sylVio feRReiRa

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seuAmparo Constitucional e sua Efetivação ..............55

thaiRine de oliVeiRa Rocha

• Torcida Única: Despreparo ou Incompetência? ...25

ValMiR RodRigues

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seuAmparo Constitucional e sua Efetivação ..............55

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RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������223 Vanessa alessi

• Os Princípios Fundamentais do Desporto, seuAmparo Constitucional e sua Efetivação ..............55

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

cláusula penal

• Cláusula penal (TRF 1ª R.) .......................1329, 165

coMpetência

• Tributário – Processual civil – Ausência de viola-ção do art. 557 do CPC – Análise de dispositivos constitucionais – Impossibilidade – Competên-cia do STF – Contribuição previdenciária – As-sociações desportivas não mantenedoras de clu-be de futebol – Permanência do regime da Lei nº 5.939/1973 até o advento da Lei nº 9.528/1997(STJ) .........................................................1326, 119

dano MoRal

• Recurso inominado – Ação de indenização por danos morais e materiais – Ilegitimidade ativa não configurada – Jogo de futebol – Reclamante se evadiu do local diante da briga entre as tor-cidas que ensejou a suspensão do jogo – Danos materiais configurados – Necessidade de ressar-cimento do valor do ingresso – Danos morais não demonstrados (TJPR) .........................1330, 177

diReito de aRena

• I – Recurso de revista do reclamante – Direito de arena – redução do percentual mínimo fixado em lei – Impossibilidade – II – Agravo de instru-mento do reclamado – Preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional direito de arena – Competições internacionais – Direito de arena – Natureza jurídica (TST) ................1328, 139

sentença

• Direito internacional – Processual civil – Sen-tença estrangeira contestada – Pleito de ho-mologação – Inadimplemento de contrato – Sentença arbitral estrangeira – Irregularidades formais – Ausência – Possibilidade – Precedente – Competência do tribunal arbitral – Defini-do por eleição em contrato pelas partes, com atenção à convenção arbitral – Não verifica-da violação dos arts. 34, 37, 38 e 39 da Lei nº 9.307/1996 – Presença dos requisitos de ho-mologação (STJ) .......................................1327, 126

toRcedoR

• Direito penal – Recurso em habeas corpus – Es-tatuto do Torcedor – Cambismo – Art. 41-F da Lei nº 10.671/2003 – Tipicidade – Alegação de necessidade de prévia aferição de esgotamen-to dos ingressos na bilheteria – Não acolhi-mento – Recurso improvido (STJ) .............1325, 110

• Recurso inominado – Ação de indenização por danos morais e materiais – Ilegitimidade ativa não configurada – Jogo de futebol – Reclamante se evadiu do local diante da briga entre as tor-cidas que ensejou a suspensão do jogo – danos

materiais configurados – Necessidade de ressar-cimento do valor do ingresso – Danos morais não demonstrados (TJPR) .........................1331, 183

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

atleta

• Conselho Regional de Educação Física – atleta – inscrição – efeitos .................................1332, 189

sentença

• Improbidade administrativa – execução de sentença – embargos de declaração opostos pela União – decisão que entendeu pela in-tempestividade – efeitos ...........................1333, 189

Civil

atleta

• Ação de cobrança – contrato de atleta – repasse de contribuição – efeitos ..........................1334, 190

• Atleta – Confederação Brasileira de Boliche – sanção disciplinar – efeitos ......................1335, 190

• Atleta amador – menor de quatorze anos – pre-tensão de liberação de clube – cautelar – cabi-mento ......................................................1336, 191

• Atleta olímpico – doping – cautelar de exibição de documento – efeitos ............................1337, 191

• Atleta profissional – atraso de 10 horas do voo – preparação para o evento prejudicada – re-conhecimento – indenização devida .......1338, 192

cláusula penal

• Cláusula penal – contrato de cogestão de ati-vidade desportiva infrações contratuais – resci-são – efeitos .............................................1339, 192

coisa Julgada

• Coisa julgada material – preservação – resolu-ção da CBF – desobediência – nulidade ..1340, 193

coMpetência

• Competência – Justiça comum – campeonato brasileiro – tabela de classificação – manu-tenção de resultados fixados pela CBF – reco-nhecimento .............................................1341, 194

dano MoRal

• Dano moral – compra de bilhete com a in-dicação da cadeira – assento inexistente – in-denização – cabimento ............................1342, 194

eMbaRgos de declaRação

• Embargos de declaração – jogo da seleção brasileira na copa do mundo Fifa 2014 – pror-rogação do prazo no início da contagem – não cabimento .....................................1343, 195

execução

• Execução – título extrajudicial – transferência de atletas – contrato de cessão de direitos eco-nômicos – cabimento ..............................1345, 197

Page 224: ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE 23_miolo.pdf · Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, ... Não se trata do CD perdido pelo analista da CIA interpretado por ... Não só para

224 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 23 – Fev-Mar/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

indenização

• Indenização – jogo de futebol interrompido em razão de fortes chuvas – dano moral – nãoreconhecimento .......................................1346, 197

• Indenização – perdas e danos – contrato de assessoramento de atleta assistência judiciária– não cabimento ......................................1347, 197

Responsabilidade ciVil

• Responsabilidade civil – cadeiras perpétuas no Estádio do Maracanã – acesso aos jogos du-rante eventos da Copa das Confederações e daCopa do Mundo da Fifa – alcance ...........1348, 197

sentença

• Sentença arbitral estrangeira – homologação – contrato comercial – atleta e associação des-portiva – irregularidades – efeitos ............1349, 198

toRcedoR

• Estatuto do torcedor – veículo danificado no estacionamento – clube – culpa in vigilando –alcance ....................................................1344, 195

Penal

contRabando

• Contrabando – máquinas caça-níqueis – ele-mento subjetivo do tipo – comprovação – princí-pio da insignificância – inaplicabilidade ..1350, 200

toRcedoR

• Estatuto do Torcedor – cambismo – alega-ção de necessidade de prévia aferição de es-gotamento dos ingressos na bilheteria – nãoacolhimento ............................................1351, 201

Previdenciário

atleta

• Atleta profissional – lesão em joelho direito ocorrida em partida de futebol – benefício aci-dentário – concessão ...............................1352, 202

benefício pReVidenciáRio

• Benefício acidentário – lesão permanente ad-vinda de acidente de trabalho – comprovação por meio de laudo pericial – pagamento de-vido .........................................................1353, 203

Trabalhista

ação ciVil pública

• Ação civil pública – prática desportiva edu-cacional – incompetência da justiça espe-cializada – provimento ............................1354, 203

atleta

• Atleta profissional – abandono de emprego –não comprovação ....................................1355, 204

• Atleta profissional – contrato de trabalho pror-rogado – unicidade contratual – prescrição – efeitos ...................................................1356, 204

• Atleta profissional – direito de arena – acor-do judicial – percentual mínimo – efeitos ................................................................1357, 205

• Atleta profissional – remuneração – esporte pro-fissionalizante – configuração ..................1358, 206

cláusula penal

• Cláusula penal e cláusula indenizatória – efeitos ................................................................1359, 206

contRato de tRabalho

• Contrato de trabalho – atleta – modalidade deextinção – distrato – possibilidade ...........1360, 208

diReito de aRena

• Direito de arena – redução do percentual míni-mo fixado em lei – impossibilidade .........1361, 208

pRazo

• Prazo recursal – dias de jogos da seleção – ter-mo inicial ................................................1362, 208

pRocesso do tRabalho

• Processo do trabalho – multa do art. 475-J doCPC – incompatibilidade .........................1363, 209

saláRio

• Salário informal – contrato de licenciamen-to de imagem – natureza jurídica – integração – fraude ...................................................1364, 209

Tributário

contRibuição pReVidenciáRia

• Contribuição previdenciária – associações des-portivas não mantenedoras de clube de futebol – efeitos ...................................................1365, 210

execução

• Execução fiscal – penhora – receita referente à venda de atleta – possibilidade ................1366, 210

CLIPPING JURÍDICO

• Atlético Mineiro terá de manter contrato e pa-gar tratamento de zagueiro que sofreu lesão na coluna ..........................................................218

• Barcelona responde na Justiça por crimes nacontratação de Neymar .....................................215

• Detentor do mando de jogo pode ser obrigado a contratar segurança privada ..............................215

• Paraná Clube é absolvido de pagar cláusu-la penal de R$ 1,2 milhão a ex-jogador JeanCarlo .................................................................219

• Projeto cria regras para entidades dirigentes defutebol ...............................................................216

• Tribunal reconhece validade de acordo fir-mado entre Clube Atlético Mineiro e Fazenda Nacional ............................................................217

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR. .......................221

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ......................222