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Direito Público ANO 13 – Nº 71 – SET-OUT 2016 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato – Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CONSELHO TÉCNICO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFT), Alvaro Cruz (PUC Minas), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando Rodrigues Martins (UFU, Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP), Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo)Joaquim Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS), Maria Claudia Antunes (Univali), Marinella Araujo (PUC Minas), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger (Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Wilson Engelmann (Unisinos) PARECERISTAS QUE CONTRIBUÍRAM COM A EDIÇÃO Cristina Veloso de Castro, Daniel Sarmento, Fernando de BrIto Alves, Mônica Teresa Costa Sousa, Victor Hugo de Almeida, Rubens Beçak COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Inês de Sousa, Luiz Gonzaga Silva Adolfo, Mônica Teresa Costa Sousa, Neuro José Zambam, Osvaldo Saldías, Paulo Gustavo Gonet Branco, Paulo Vasconcelos Jacobina, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino, Valerio de Oliveira Mazzuoli ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno 13 – nº 71 – Set-out 2016

IndexAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

repoSItórIo AutorIzAdo de JurISprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoreSElton José Donato – Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conSelho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula

Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid),

Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ),

Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

conSelho técnIco edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFT), Alvaro Cruz (PUC Minas), Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla), Anderson Teixeira (Unisinos), André Karam Trindade (IMED), André Saddy (UFF), Anna Silvia Bruno (Unisalento), Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Centro Universitário das

Faculdades Metropolitanas Unidas), Daniel Hachem, (UFPR), Daniel Sarmento (UERJ), Ederson Porto (Unisinos), Emílio Peluso Neder Meyer (UFMG), Fernando Araujo (Universidade de Lisboa), Fernando Rodrigues Martins (UFU, Francisco Balaguer Callejón (Universidade de Granada), Francisco Fernandes Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Greice Patrícia Fuller (PUC‑SP),

Gustavo Oliveira Vieira (Unila), Gustavo Tepedino (UERJ), Humberto Dalla Bernardina de Pinho (Universidade Estácio de Sá), Ingo Sarlet (PUC‑RS), Jesualdo Eduardo de Almeida Junior (Faculdades Integradas Antônio Eufrásio Toledo)Joaquim Camazano (Universidade Européia

de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Juarez Freitas (PUC‑RS), Julia Maurmann Ximenes (IDP), Juliana Diniz Campos (UFC), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (Universidade Federal da Paraíba), Luiz Gonzaga Adolfo (Unisc), Marco Jobim (PUC‑RS),

Maria Claudia Antunes (Univali), Marinella Araujo (PUC Minas), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Roberto Correia da Silva Gomes Caldas (Uninove), Salete Oro Boff (IMED Faculdade Meridional), Sofia Ciuffoletti (University of Florence), Têmis Limberger

(Unisinos), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Wilson Engelmann (Unisinos)

pArecerIStAS que contrIbuírAm com A edIçãoCristina Veloso de Castro, Daniel Sarmento, Fernando de BrIto Alves, Mônica Teresa Costa Sousa, Victor Hugo de Almeida, Rubens Beçak

colAborAdoreS deStA edIçãoInês de Sousa, Luiz Gonzaga Silva Adolfo, Mônica Teresa Costa Sousa,

Neuro José Zambam, Osvaldo Saldías, Paulo Gustavo Gonet Branco, Paulo Vasconcelos Jacobina, Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino, Valerio de Oliveira Mazzuoli

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 13, n. 71; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

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Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

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Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

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Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

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Carta do Editor

O tema deste volume é de palpitante atualidade e relevância prática. A liberdade religiosa foi escolhida como a matéria a conferir unidade a este número da revista. Há perspectivas bem diferentes que um mesmo ângulo dessa liberdade básica pode provocar. Fiel à sua vocação de abertura aca-dêmica, nas próximas páginas, no setor da doutrina, o leitor poderá apreciar duas linhas incoincidentes de visão dessa liberdade, analisando as repercus-sões políticas e jurídicas de cada qual.

A partir deste número, a revista passa a contar com nova Editora Ad-junta. Débora Costa Ferreira, mestranda do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, bacharel em Direito e em Economia, assume essas funções, juntando-se à equipe do IDP, chefiada pela Professora Mestre Janete Ricken Lopes de Barros, que se dedica a assegurar a sempre superior qualidade da nossa publicação.

Boa leitura!

Paulo G. Gonet Branco

Editor-Chefe

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Errata

Por um equívoco na produção da Revista nº 70, foi suprimido um trecho do item 2 (p. 112) da doutrina “A Garantia da Ordem Pública Como Fundamento da Prisão Preventiva”.

Portanto, onde se lê:

2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA ELABORAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1941

[...] Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tute-la social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favoreci-mento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal-compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.

[...]

Leia-se:

2 O CONTEXTO HISTÓRICO DA ELABORAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DE 1941

Não é nenhuma novidade que uma das principais inspirações do nosso Código de Proces-so Penal foi o Código de Processo Penal italiano de 1930 (Código Rocco), elaborado por Mussolini em pleno regime fascista e estruturado, originariamente, sobre as bases do sistema inquisitório. Nessa perspectiva, Oliveira (2011, p. 5) sustenta que o CPP brasileiro foi elabo-rado em bases notoriamente autoritárias, “por razões óbvias e de origem”. Nem poderia ser de outro modo, a julgar pelo paradigma eleito e justificado, por escrito e expressamente, pelo responsável pelo anteprojeto de lei, o Ministro Francisco Campos – a cujo pensamento se retornará mais adiante –, conforme se verifica na sua Exposição de Motivos.

Alguns trechos desta última merecem ser transcritos, pois comprovam claramente a mencio-nada inspiração:

[...] Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tute-la social. Não se pode continuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum. O indivíduo, principalmente quando vem de se mostrar rebelde à disciplina jurídico-penal da vida em sociedade, não pode invocar, em face do Estado, outras franquias ou imunidades além daquelas que o assegurem contra o exercício do poder público fora da medida reclamada pelo interesse social. Este o critério que presidiu à elaboração do presente projeto de Código. No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favoreci-mento legal aos criminosos. O processo penal é aliviado dos excessos de formalismo e joeirado de certos critérios normativos com que, sob o influxo de um mal-compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menos equívoco, se transige com a necessidade de uma rigorosa e expedita aplicação da justiça penal.

[...]

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Laicidade e estado de direito

doutrinas

1. Liberdade de Gueto? Religião e Espaço PúblicoPaulo Gustavo Gonet Branco e Paulo Vasconcelos Jacobina ......................9

2. Direito à Liberdade: as Consequências da Manipulação da Mídia e da Religião

Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino e Neuro José Zambam ....................22

Jurisprudência

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................42

2. Ementário .................................................................................................48

Parte Geraldoutrinas

1. Perspectivas de um Gerenciamento Judicial dos Riscos a Partir do Controle de Constitucionalidade de Leis Ambientais mais RestritivasInês de Sousa e Mônica Teresa Costa Sousa .............................................62

2. A Emergência dos Direitos Autorais do Ambiente DigitalLuiz Gonzaga Silva Adolfo .......................................................................83

Jurisprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................107

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................119

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................125

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................129

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................133

ementário

1. Administrativo ........................................................................................137

2. Ambiental ..............................................................................................140

3. Constitucional ........................................................................................144

4. Penal/Processo Penal..............................................................................146

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5. Processo Civil e Civil ..............................................................................1486. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................1517. Tributário ...............................................................................................155

Seção Especialteorias e estudos científicos

1. O Estado da Arte da Aplicação do Direito Internacional Público no Brasil no Alvorecer do Século XXIValerio de Oliveira Mazzuoli .................................................................162

doutrina estrangeira

1. Coded for Export! – The Contextual Dimension of the Brazilian Marco Civil da Internet Osvaldo Saldías ......................................................................................193

Clipping Jurídico ..............................................................................................211

Resenha Legislativa ..........................................................................................224

Bibliografia Complementar .................................................................................229

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................231

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mes-trado do IDP e a linha editorial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadêmica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, con-signando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva responsabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reser-vado o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no en-dereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especi-ficações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referên-cia à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PrOCEDIMENtO DE aVaLIaÇÃO DE artIGOS – BLIND PEEr rEVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Cor-po Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qualitativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 13, n. 71, 2016, 9-21, set-out 2016

Laicidade e Estado de Direito

Liberdade de Gueto? Religião e Espaço Público

PAULO GUSTAVO GONET BRANCODoutor em Direito, Professor do Mestrado em Direito Constitucional do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

PAULO VASCONCELOS JACOBINAGraduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador, com Especialização em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal pela Universidade de Brasília e Mestrado pela Universidade Federal da Bahia.

Data de Submissão: 06.09.2016Decisão Editorial: 08.09.2016Comunicação ao Autor: 08.09.2016

RESUMO: O artigo discute a amplitude do direito à livre escolha e à vivência de uma religião no contexto brasileiro. Sustenta que a liberdade religiosa insere‑se no núcleo essencial da dignidade da pessoa humana e que a sua expressão pública é manifestação inerente ao reconhecimento da religião como um valor de ordem constitucional, não podendo ficar, por isso, confinada ao plano das realidades meramente privadas.

PALAVRAS‑CHAVE: Estado laico; Estado e religião; liberdade religiosa; dignidade da pessoa humana; espaço público.

ABSTRACT: The article discusses the range to be accorded to the freedom of religion in Brazil. It stresses that religion freedom is at the core of the respect to the principle of respect of human dig‑nity. It maintains that a public expression of one’s faith is inherent to the constitutional recognition of religion as a constitutional value, and, as such, cannot be banned from the public space.

KEYWORDS: Secular State; State and religion; religious freedom; human dignity; public space.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Estado laico na Constituição de 1988 – Dissipando equívocos; 2 O Estado brasileiro, a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana; 3 A tensão constitucional entre o bem comum e a liberdade individual; 4 As peculiaridades brasileiras e as soluções constitucionais de convivência; 5 A questão dos símbolos religiosos no Brasil; Conclusão; Referências.

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 13, n. 71, 2016, 9-21, set-out 2016

INtrODUÇÃO

Deve a religião ficar confinada ao campo estritamente particular dos que têm fé? Pode ou deve ela também ter reconhecido espaço de visibili-dade nos campos oficial e público? O que diz a nossa Constituição sobre essas questões?

Após a queda do muro de Berlim e da superação da Guerra Fria, sabia-se que as questões mal-resolvidas de conflitos entre blocos de nacio-nalidades tornadas inimigas seriam os desafios da hora seguinte. Esses anta-gonismos viam-se alimentados por disputas em que perspectivas religiosas distintas disputavam primazia. Acirramento de tensões sociais e étnicas em várias paragens do globo passam a encontrar expressão emocional em cla-mores com tons religiosos. A reação nem sempre prima pela racionalidade. Nesse contexto de apressadas presunções, o próprio fenômeno religioso ganha realce, que, por sua vez, aguça posições extremadas, várias vezes impulsivas, tanto de fundamentalismo como de repulsa. A reflexão se impõe para que slogans de epidérmicas bases intelectuais não passem por verda-des assentadas. São múltiplos os aspectos jurídicos que o século iniciado propõe ao jurista. Resolvemos abordar um deles nas próximas linhas – a questão da possibilidade de valores religiosos serem levados em conta no debate e nas decisões tomadas no plano oficial brasileiro.

Percebe-se, hoje, que a suspeita de que uma ou outra deliberação de autoridades públicas tenha sido movida por razões que podem ser recondu-zidas a elementos preconizados ou repudiados por crenças religiosas para que logo se ouça que “o Estado é laico” – e isso, com estridência emocional não desconhecida dos mais rigorosos fundamentalistas.

Por isso mesmo o debate não prescinde de se situar nos seus devidos termos o que seja “Estado laico”, em especial no Direito brasileiro, já que soluções estrangeiras nem sempre se amoldam ao quadro jurídico-consti-tucional em que a religião se encontra na nossa ordem jurídica, dadas as peculiaridades da nossa formação cultural.

1 O EStaDO LaICO Na CONStItUIÇÃO DE 1988 – DISSIPaNDO EQUÍVOCOS

O primeiro equívoco a ser dissipado é o de equiparar Estado laico a Estado antirreligioso. Estado laico não é Estado avesso à religião, não se está falando de Estado laicista. O que é, então? Como se deduzir esse conceito de modo constitucionalmente adequado?

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA �������������������������������������������������������������������������������������������������������������11

RDU, Porto Alegre, Volume 13, n. 71, 2016, 9-21, set-out 2016

A resposta deve ser procurada na Constituição, que fornece os pa-râmetros do tratamento do fenômeno religioso para a realidade brasileira.

Decerto que não se vai encontrar no texto da Carta de 1988 a defini-ção do que seja Estado laico de modo claro e didático. A expressão, aliás, não consta do diploma. É correto dizer que os termos conjugados “Estado laico” buscam compendiar um certo modo de relacionamento dos Poderes Públicos com as religiões.

O primeiro autor deste artigo, em outro lugar1, buscou mostrar que o conceito que favoreça uma visão ateia da comunidade política não está sancionado pela Constituição, lembrando que o constituinte proclama o livre exercício de culto e protege as suas liturgias (art. 5º, VI), proíbe que se restrinjam direitos por motivo de crença religiosa (art. 5º, VIII) e admite mes-mo, embora sob a forma de disciplina de matrícula facultativa, o ensino re-ligioso em escolas públicas de ensino fundamental (CF, art. 210, § 1º), fran-queando, assim, o ensino da doutrina de uma dada religião para os alunos interessados – até porque ensino religioso não se confunde com sociologia ou filosofia, nem mesmo com história das religiões. O constituinte, ainda, acolhe e prevê consequências jurídicas para o casamento religioso no âm-bito civil (CF, art. 226, §§ 1º e 2º). A importância da religião para o sistema constitucional é reconhecida, da mesma forma, quando se lê no art. 5º, VII, da Carta, que o Estado se incumbe de assegurar, “nos termos da lei, a pres-tação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva”. Este último preceito, por si só, demonstra o reconhecimento pelo constituinte da importância da vivência religiosa para os que assim queiram formatar a sua existência. Reconhece-se até ao que está excluído do con-vívio social a participação em atos religiosos, o que impõe ao intérprete da Constituição o reconhecimento de que a ordem constitucional lida com a religião, assumindo-a como algo que merece respeito extremo, tomando-a como elemento central do que entende por dignidade da pessoa humana. Da mesma forma, isso se evidencia quando, em juízo especialmente posi-tivo das instituições religiosas, isenta-as de impostos, assegurando que não serão destruídas pelo poder de taxar, livrando-as do perigo contra o qual avisou a Suprema Corte em fórmula tornada clássica2, além de estimular a sua viabilidade social. Não bastasse isso, a Constituição expressamente contempla a colaboração do Estado com as confissões religiosas, em prol do interesse público (CF, art. 19, I).

1 MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo G. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 317.2 Caso McCulloch v. Maryland. 17 US 316 (1819).

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12 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

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2 O EStaDO BraSILEIrO, a LIBErDaDE rELIGIOSa E a DIGNIDaDE Da PESSOa HUMaNa

É preciso reafirmar sempre, e com todo o cuidado, que o Estado é uma estrutura humana. Não é uma realidade em si mesmo, que paira acima e além das pessoas que o compõem, e tampouco é uma mera associação voluntária acidental e provisória, existente apenas em razão de uma imper-feição conjuntural dos indivíduos que o compõem e, portanto, superável na exata medida em que os indivíduos tornem-se mais e mais perfeitos em sua própria individualidade. As duas posturas – tanto a visão “ontologicista” do Estado quanto a sua visão “atomista” – podem levar a uma visão equivoca-da, a uma leitura reducionista (ou maximalista) do Estado e seu papel.

Nesta visão de equilíbrio entre a realidade do Estado e a realidade da pessoa humana, a Constituição tem dois artigos que devem ser lidos como estruturantes de qualquer visão equilibrada da relação entre o Estado e as pessoas: o art. 1º, que trata dos “fundamentos” do Estado, e o art. 3º, que trata dos seus “objetivos”. É preciso ler cuidadosamente estes dois artigos para colocar o Estado – e, em especial, o Estado brasileiro – no seu eixo adequado.

O art. 1º da Constituição trata dos “fundamentos” do Estado. Funda-mentos são aquilo sobre o que alguma coisa é construída. Vale dizer, são os “fundamentos” que estruturam a construção, e não o contrário.

Assim, quando a Constituição reconhece, naqueles quatro itens do art. 1º, quais são os fundamentos do Estado brasileiro, reconhece ali quatro realidades que precedem (no sentido lógico) ao próprio Estado, e que, por-tanto, dão a este sua estrutura. É claro que, por seu turno, a construção dá sentido aos fundamentos, mas não os lança. Apenas os recebe e aperfeiçoa.

Entre os fundamentos do Estado brasileiro estão a soberania, a ci-dadania, a dignidade da pessoa humana, os valores do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Sobre estes alicerces ele está construído, portanto. Ele os pressupõe, não os inaugura. Eis porque os chama de “fun-damentos”, e não de “objetivos” ou “metas” – como faz com os incisos do art. 3º.

Pode-se dizer, portanto, que o Estado existe por causa das pessoas, e não o contrário. Pegando como exemplo o inciso III do art. 1º, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa fundamenta o Estado, e não o contrário.

Quanto aos objetivos, apontam aquilo que o Estado deve perseguir. São, portanto, a própria razão de existir do Estado brasileiro. Neste caso,

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é interessante destacar, no inciso IV, a promoção do bem de todos como objetivo do Estado.

Pode-se, pois, fazer uma leitura interessante dos fundamentos e dos objetivos do Estado brasileiro para pautar uma posição equilibrada quanto à relação do Estado com a religiosidade dos seus cidadãos. O Estado, como foi visto, existe por causa das pessoas, por causa da dignidade das pes soas, e tem como fim buscar o bem de todos – o bem comum –, respeitando as diferenças que identificam seus cidadãos, para possibilitar a construção adequada das relações que compõem o nosso povo.

Ora, dizer pessoa é dizer relação. Pessoas são substâncias que se re-lacionam. Poder-se-ia afirmar que qualquer ente tem que se relacionar, pelo simples fato de existir. A própria existência implica um “entrar em relação”. Mas, à diferença daqueles seres não pessoais (como as coisas e os animais), é próprio da condição humana escolher conscientemente suas relações, bem como cultivar ou romper as relações que não escolheu. É exatamente neste aspecto de elegibilidade das relações que se fundamenta a responsa-bilidade cidadã, e, portanto, a própria dignidade da pessoa humana. Se a pessoa não pudesse livremente eleger e romper relações, ou mesmo receber ou rejeitar as relações que não escolheu de uma forma voluntária, nenhuma responsabilidade seria possível, e não haveria um Estado, mas uma colmeia ou um formigueiro.

Relacionar-se de modo eletivo não é, portanto, acidental à condição humana – decorre da sua estrutura mais íntima e responde por aquilo que a Constituição designa como a sua dignidade, que fundamenta o próprio Estado. E escolher suas relações com responsabilidade, segundo a nossa Constituição, deve levar em conta a necessidade de promover o bem de todos (art. 3º, IV). Vale dizer, no cruzamento entre os direitos individuais e o bem comum, a Constituição expressamente reconhece a relação, com toda sua carga de humanidade, como parte da dignidade da pessoa.

3 a tENSÃO CONStItUCIONaL ENtrE O BEM COMUM E a LIBErDaDE INDIVIDUaL

Diferentemente de algumas teorias políticas contemporâneas, que colocam na relação humana a origem de todos os males, de todas as opres-sões, e lutam para controlar todas as interações da pessoa, como se pudesse eliminar qualquer opressão a partir da amputação de determinadas relações (tratando o ser humano como um átomo, como um indivíduo que, alterna-tivamente, tem em si mesmo a origem e o fim de sua dignidade, como nas teorias políticas individualistas ou anarquistas, ou então não passa de um

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mero tijolo, um acessório em um Estado totalitário que se vê como o único doador de sentido para a vida humana), o nosso direito constitucional vê na pessoa – e, portanto, nas suas relações – uma dimensão fundamental e fundante da própria razão de ser do Estado. E vê nestas mesmas pessoas não somente a dimensão da busca do seu bem individual (como exige a sua dignidade, art. 1º, III), mas também a busca de um bem comum, ou bem de todos, art. 3º, IV, duas dimensões indissociáveis do ser pessoa. Assim, evitam-se os males do individualismo e do anarquismo, em seu combate desarrazoado ao bem comum, por um lado; pelo outro lado, evita os males de qualquer totalitarismo que imagine que o bem comum deve ser atingido, mesmo com total desprezo à dignidade pessoal dos cidadãos. Este é um equilíbrio difícil e tenso, mas a Constituição brasileira o enfrenta desde os seus primeiros artigos.

Retomando, pois, a prioridade ontológica da pessoa sobre o Estado – já que a pessoa é fundamento do Estado e não o contrário –, um mero olhar atento sobre as pessoas reais, concretas, e a sua vida permite demonstrar que há, pelo menos, quatro planos relacionais que marcam a sua estrutura pessoal. As pessoas relacionam-se consigo mesmas, e é neste plano que buscam seu aperfeiçoamento pessoal. No plano do relacionamento consi-go, o fim do ser humano é o próprio aperfeiçoamento das suas qualidades e virtudes. Esta é uma responsabilidade pessoal – ninguém pode forçar ou-trem a aperfeiçoar-se neste ou naquele sentido, se a própria pessoa não o quer. Mas, uma vez que a busca do bem é objetivo do Estado, art. 3º, IV, é preciso que o Estado forneça à pessoa os meios mínimos para possibilitar o aperfeiçoamento individual, e desestimule e combata aquelas situações e condições que impedem a busca deste mesmo bem.

As pessoas relacionam-se também com os meios materiais que o cer-cam e que lhe são necessários ao atingimento dos seus fins. É daí que vem a legitimidade estatal para intervir e regular os campos relacionados à eco-nomia e à ecologia. Esta regulamentação tem um sentido, que é a busca do bem comum, e tem um limite, que está dado no inciso IV do mesmo art. 1º – o valor social do trabalho e da livre iniciativa. Isto significa que o Estado, neste campo, é um guardião, não um diretor.

As pessoas se relacionam umas com as outras, e cabe ao Estado ze-lar para que estas relações se dirijam ao bem comum, vale dizer, àquele conjunto de condições que permitam a cada um alcançar, no maior grau possível, os seus próprios objetivos pessoais. Estes objetivos envolvem, por-tanto, não somente o aperfeiçoamento de suas qualidades individuais, mas

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o aperfeiçoamento de suas relações, já que, como dissemos anteriormente, as relações são parte inseparável do próprio ser pessoa.

Por fim, é próprio do ser humano buscar os fins últimos, aquilo que transcende o momentâneo e reúne em si mesmo todos os significados e todos os fundamentos – o ser humano é livre para buscar a Deus. E, como veremos em seguida, não cabe ao Estado impedir esta busca nem cabe a ele liderá-la. Cabe-lhe, porém, fornecer os meios mínimos para que as próprias pessoas o busquem, e desestimular e combater aquelas situações e condi-ções que impedem a busca deste mesmo bem.

Note-se que estas quatro relações são aqui citadas no campo da po-tencialidade: o fato de existirem ermitões não nega a potencialidade da ami-zade. Seria uma loucura que um ermitão demandasse do Estado, em nome de uma suposta neutralidade deste, o combate às amizades, às famílias e às associações em nome de sua descrença quanto à necessidade de tais relações.

Tampouco o fato de existirem ateus nega a potencialidade da busca da transcendência. O fato de existirem suicidas não nega a potencialidade do desenvolvimento pessoal individual. A dimensão relacional quadriforme é uma espécie de “categoria transcendental” da pessoa humana, para usar um linguajar kantiano; sua existência independe de sua eventual falha ca-tegorial.

É, portanto, a relação eleita, ao lado da substancialidade, categoria inalienável da dignidade humana, segundo a Constituição. Seguem-se dois corolários: todo desenvolvimento da pessoa só é possível em um contexto histórico e cultural no qual ela está mergulhada (a história e a cultura nada mais são do que a relação da pessoa com seus antepassados e com seus contemporâneos). Com isto, cada vez que o Estado resolve tomar para si a liderança em matéria de desconstrução cultural, ou de repúdio histórico a determinadas dimensões do seu povo, ele pode estar assumindo uma pos-tura autoritária, ou seja, pode estar querendo impor, de fora, determinadas formas de relação que, pela própria natureza da dignidade humana, devem ser eletivas – e cuja eleição não lhe cabe determinar senão de modo externo e amplo, na busca do bem comum.

Por isto, quando o Estado, por qualquer dos seus agentes, declara ou determina, por exemplo, que a busca religiosa não deve ter uma dimensão pública, ele está negando que esta mesma busca tenha, em sua ontologia, um caráter relacional. Ao limitar a esfera do religioso à esfera do estritamen-te individual e privado, há uma mutilação no próprio caráter relacional da

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pessoa, e uma ofensa a um dos fundamentos do próprio Estado – que é a dignidade da pessoa humana em sua substância e em todas as suas relações.

Neste sentido, sempre pautado pela busca do bem comum (art. 3º, IV), o Estado deve reconhecer as manifestações religiosas e respeitá-las, res-peitando sua cultura e sua história, porque a pessoa é o fundamento do Estado, e não o contrário.

4 aS PECULIarIDaDES BraSILEIraS E aS SOLUÇÕES CONStItUCIONaIS DE CONVIVÊNCIa

O que se nota é que o Estado brasileiro não é confessional. Está supe-rada a experiência do padroado, libertando toda a confissão religiosa de ter os seus cultos e liturgias, além da sua estrutura de pessoal, sob a intervenção dos Poderes Públicos. A liberdade religiosa nos apresenta a essa extensão, que nem sempre está presente em outros Estados de Direito – não há, no Brasil, uma religião oficial, como se verifica no Reino Unido, por exemplo.

Diante dos termos, porém, de tantos preceitos da Constituição dedi-cados ao tema, não se deve inferir do fato de não adotarmos uma religião oficial que se tenha adotado a indiferença pelo fenômeno religioso. O tra-tamento do fenômeno religioso no Brasil, ademais, não se identifica em todas as suas multidimensões com soluções acolhidas por sistemas, que, em outros aspectos, são fontes diretas de estruturas constitucionais brasileiras. Entende-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal tenha esclarecido que não se aplica à realidade brasileira a posição jurisprudencial norte-america-na contrária a que se aprovem leis que favoreçam uma ou mesmo todas as religiões. A conhecida metáfora jeffersoniana do muro entre Igrejas e Estado não se ajusta do modelo da Constituição de 19883. Fica compreendido que as soluções de convivência do Estado com as confissões religiosas devem muito ao contexto conjuntural em que são concebidas; daí a necessária ad-vertência contra os anacronismos e a falta de perspectiva histórica em que se enredam tantos importadores acríticos de balizas de ação do Estado em face das religiões.

No mesmo precedente do Plenário do Supremo Tribunal, a Corte afir-mou que deve “o Estado, em alguns casos, adotar comportamentos positi-vos, com a finalidade de afastar barreiras e sobrecargas que possam impedir ou dificultar determinadas opções em matéria de fé”. Prova-se o Direito brasileiro, em termos de proteção dos Poderes Públicos ao valor religioso, bem mais próximo, se quisermos algum modelo estrangeiro para confronto,

3 STA 389-AgRg, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 14.05.2010.

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do sistema português do que do norte-americano – o que, por óbvias razões históricas, não causa surpresa.

De fato, também em Portugal se explica, com perfeito proveito para o jurista brasileiro, que a essência da separação entre Estado e Igreja está em que “o Estado não se propõe a fins religiosos”, e, mais, que “uma compreen-são atual da tutela das liberdades conjuga a atitude de não interferência do Poder na esfera pessoal com a ativa criação de condições de exercício de culto”4. Daí Paulo Adragão esclarecer que “não confessionalidade e neu-tralidade religiosa não se confundem. A neutralidade religiosa do Estado é, aliás, impossível. Escreve [Jorge Miranda]: ‘[...] o silêncio sobre a religião, na prática, redunda em posição contra a religião’”5. Da mesma forma, Jó-natas Machado estrema esses conceitos relevantes ao enfatizar que a neu-tralidade do Estado, em matéria religiosa, “não tem nada a ver com indi-ferentismo religioso por parte dos poderes públicos”, cuida-se é de vedar “qualquer compreensão negativa oficial relativamente à religião em geral ou a determinadas crenças religiosas em particular”6.

A separação do Estado das Igrejas não deve ser vista como acomo-dação em vasos incomunicáveis das realidades políticas e religiosas, mas como um reforço da garantia da liberdade de crer – jamais um obstáculo a viver a religião. Resumindo a visão generalizada da liberdade religiosa nesse contexto amplo, Jorge Miranda enfatiza o aspecto de ação positiva do Estado nele incluído, que afasta toda a perspectiva abstencionista, impro-priamente redutora das relações dos Poderes Públicos com a fé. Salienta o mestre de Lisboa7:

A liberdade religiosa não consiste apenas em o Estado a ninguém impor qualquer religião ou a ninguém impedir de professar determinada crença. Consiste ainda, por um lado, em o Estado permitir ou propiciar a quem [deseja] seguir determina-da religião o cumprimento dos deveres que dela decorrem (em matéria de culto, de família ou de ensino, por exemplo) em termos razoáveis.

O Estado deve, pois, promover as condições para que se possa vi-ver em plenitude a fé religiosa que a pessoa livremente escolheu. Deve propiciar meios materiais para isso – e não infirma a conclusão o fato de, nisso, alguma confissão religiosa obter quantitativamente mais atenção do

4 ADRAGÃO, Paulo Pulido. A liberdade religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002. p. 435 e 438. Essas frases culminam resenha específica da literatura portuguesa a que o autor se dedica.

5 Idem, p. 435.6 CANOTILHO, J. J.; Jónatas MACHADO. Bens culturais, propriedade privada e liberdade religiosa. Revista do

Ministério Público. Lisboa, p. 29 e 30, 1995.7 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, t. IV, 1993. p. 359.

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que outra, desde que observada a desproporção real da representatividade de cada confissão religiosa. Obedecida essa cautela, eventual tratamento diferenciado não equivalerá à quebra de isonomia, à falta do elemento da arbitrariedade8.

Sendo certo que a liberdade religiosa não se compreende sem a de culto, e na medida em que, sob sua acepção objetiva, o direito em apreço demanda do Estado favorecer o seu exercício, criando condições de fato que o propiciem, deduzem-se desse direito fundamental pretensões varia-das, como as exemplificadas por Paulo Adragão, ao indicar “a liberdade de construção e manutenção de templos e o direito a comemorar publicamente as festividades da própria religião, ou, mais concretamente, o direito aos feriados religiosos”9.

Quanto à eventual relação do Estado brasileiro com eventuais movi-mentos “religiosos” que se dediquem ao cultivo expresso do mal, a situação é diversa. De fato, notícias internacionais dão conta do crescimento de cul-tos satânicos ou demoníacos que expressamente se apresentam como tal, e que, fundamentando-se em uma mal compreendida laicidade estatal (vista como a vedação completa de relação entre o Estado e a religião), pleiteiam a equivalência de reconhecimento e de fomento pelo Estado, com relação às religiões atualmente existentes, e que expressamente cultuam a Deus sob uma declarada faceta de bem. O nosso sistema constitucional, ao colocar a busca do bem como objetivo expresso do nosso Estado, impede claramente que o Estado deva tratar do mesmo modo as religiões que buscam o culto do bem daquelas que declaradamente cultuam o mal e visam à sua pro-moção. Estas não têm pretensão de fomento ou de parceria com o Estado brasileiro, porque não buscam o bem de todos (art. 3º, IV) nem os objetivos de interesse público (art. 19, I), mas expressamente declaram culto ao mal tornado absoluto, na forma de um ser que se declara adversário de Deus e da humanidade. Note-se que não se está aqui avaliando o mérito dessas declarações, mas o fato de que o simples enunciar de tais pretensões torna uma semelhante seita alheia à possibilidade de associação ou fomento pelo Estado brasileiro.

8 A propósito, Carlos Blanco de Morais: Liberdade religiosa e direito de informação. In: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra Editora, v. II, p. 239 e ss., em especial p. 270-271 e 284-292, 1997.

9 Ob. cit., p. 419.

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5 a QUEStÃO DOS SÍMBOLOS rELIGIOSOS NO BraSIL

Sendo a representatividade de confissões religiosas no Brasil muito mais concentrada do que nos Estados Unidos, por exemplo, e estando a religião católica entre nós, como também em Portugal, profundamente en-raizada na identidade cultural brasileira, não cabe importar açodadamente de latitudes setentrionais certas suscetibilidades à exposição de emblemas religiosos cristãos, ou mesmo estritamente católicos, em público ou em lu-gares oficiais. As instituições no Brasil não se formaram com olhos vendados para a influência religiosa; seria, por isso, render-se a um laicismo injustifi-cado, histórica e socialmente, o veto a crucifixos e a outros sinais de cunho religioso em lugares públicos ou oficiais10 – máxime quando esses símbolos apontam para valores de justiça, de misericórdia e de paz, que coincidem com os intuitos do projeto do constituinte de 1988. Não há como ver aí en-dosso a uma religião, como se as confissões religiosas no Brasil estivessem em permanente e aguerrida concorrência – tipicamente capitalista – entre si; antes, há que se reconhecer a confluência de objetivos que a Constituição impõe aos Poderes Públicos com os valores de uma fé religiosa de signifi-cativa representatividade social e inspiradora do nosso patrimônio cultural comum.

Está-se vendo que a liberdade religiosa possui aspecto institucional e expressa um valor que incumbe aos Poderes Públicos proteger, viabilizar e facilitar a sua vivência.

O fenômeno religioso, sendo essencialmente humano, é, por isso, também relacional. Desenvolve-se no espaço social. Volta-se para o outro. É característico das confissões religiosas o ímpeto por compartilhar com o outro a descoberta de um sentido maior da vida com o semelhante.

A liberdade de divulgação de crenças é elemento indissociável da própria liberdade religiosa. Seria contrariar a índole comum das religiões confiná-las em guetos e impedir os seus seguidores de expor o culto a Deus publicamente e de compartilhar suas convicções com os demais integrantes da sociedade.

Seria, da mesma forma, não levar a sério a liberdade religiosa, de-votar tolerante indiferença aos valores que animam projetos existenciais, mesmo que em diferentes medidas, de uma porção no mínimo significativa

10 A propósito, do juiz da Corte Constitucional de Portugal Sousa e Brito, compilado por Adragão (ob. cit., p. 442): “A Constituição impõe a laicidade, mas não o laicismo, o qual seria mesmo proibido. Ora, a proibição do uso de símbolos religiosos liga-se mais à ideia de laicismo do que à laicidade”.

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da população, e atribuir-lhe significado periférico quando se cuida de tomar decisões sobre o destino partilhado por todos os que compõe a sociedade. Não à toa, a necessidade de se acordar acesso e peso às razões religiosas no domínio das deliberações públicas é sentida, ultimamente, como imperati-vo de legitimidade democrática, por estudos mais requintados11.

CONCLUSÃO

O valor da dimensão religiosa, como dimensão relacional e transcen-dente do ser humano, é algo que a Constituição tem como inerentemente positiva, ou seja, como algo cujo fomento é necessário para a existência deste mesmo bem comum. Não é por outro motivo que a Constituição con-sidera como direito fundamental a liberdade de consciência e de crença e o livre exercício dos cultos religiosos, bem como é garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e às suas liturgias (art. 5º, VI), garantindo sua prestação quando o cidadão estiver em uma situação de restrição que o impeça de buscá-la por sua própria iniciativa (art. 5º, VII) e a liberdade da consciência religiosamente formada (inciso VIII). A Constituição reconhece, ainda, o influxo positivo da religião na família (art. 226, § 2º) e na educação (art. 210, § 1º).

Mas há dois limites claros, na nossa Constituição, no que diz respeito à relação entre o Estado e a religião. Um deles diz respeito à necessidade de que o Estado não seja o líder, o condutor, o instituidor ou gestor das próprias religiões. Ele deve olhar para as religiões como um fenômeno próprio da dignidade das pessoas, que, como vimos, antecede e fundamenta o próprio Estado. E deve buscar com elas não somente o afastamento daqueles empe-cilhos e obstáculos ao seu funcionamento, mas também o estabelecimento de colaboração para o interesse público – e, portanto, para o bem de todos, que é o objetivo do Estado brasileiro, nos termos do art. 3º, IV.

Entre os objetivos valiosos está o cuidado que o Estado deve ter com a história e cultura daqueles segmentos da população que são considera-dos “participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1º) e que, portanto, são detentores de uma cultura e uma expressão perfeitamente in-tegrada ao nosso povo. O Estado brasileiro deve ser o Estado laico de um povo religioso; vale dizer, precisa respeitar o patrimônio cultural brasileiro, os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos di-

11 A propósito, Jürgen Habermas: Religion in the Public Sphere. European Journal of Philosophy, v. 14, p. 1-25, 2006.

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ferentes grupos formadores da sociedade brasileira (CF, art. 216). É preciso reconhecer e aceitar a história e a identidade religiosa do povo brasileiro. Expurgá-la em nome de uma mal entendida laicidade, ou de uma neces-sidade de atender às demandas idiossincráticas, ou mesmo em nome de cientificismos ou antropologismos pretensamente avançados, é agir incons-titucionalmente. Este primeiro limite, pois, evita que o Estado, em nome de uma laicidade mal compreendida, imponha uma ideologia religiosa (mes-mo que sob pretextos ateísticos ou agnósticos) como política oficial. O ce-saropapismo ateu é tão inconstitucional quanto qualquer cesaropapismo religioso, no sistema constitucional brasileiro. Não cabe ao Estado nenhum protagonismo religioso. E, portanto, nenhum protagonismo antirreligioso, que é a mesma coisa com o sinal trocado.

O segundo limite é o da eventual pretensão estatal de dominar qual-quer religião, submeter seus líderes e subjugá-los ideologicamente e finan-ceiramente. Reconhecer e respeitar as religiões existentes nos processos his-tóricos e culturais do Brasil, fomentar e facilitar sua prática, tudo isso é papel do Estado brasileiro. Subjugar líderes religiosos ou patrociná-los não é.

rEFErÊNCIaSADRAGÃO, Paulo Pulido. A liberdade religiosa e o Estado. Coimbra: Almedina, 2002.

CANOTILHO, J. J.; MACHADO. Bens culturais, propriedade privada e liberdade reli-giosa. Revista do Ministério Público. Lisboa, p. 29 e 30, 1995.

HABERMAS, Jürgen. Religion in the Public Sphere. European Journal of Philosophy, v. 14, p. 1-25, 2006.

MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo G. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2016.

MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, t. IV, 1993.

MORAIS, Carlos Blanco de. Liberdade religiosa e direito de informação. In: MIRANDA, Jorge (Org.). Perspectivas constitucionais nos 20 anos da Constituição de 1976. Coimbra: Coimbra Editora, v. II, p. 239 e ss., em especial pp. 270-271 e 284-292, 1997.

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Assunto Especial – Doutrina

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Laicidade e Estado de Direito

Direito à Liberdade: as Consequências da Manipulação da Mídia e da ReligiãoFreedom’s Right: the Consequences of Media and Religion’s Handling

SéRGIO RICARDO FERNANDES DE AqUINODoutor e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali, Professor Permanente do Programa de Pós‑Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Direito do Comple‑xo de Ensino Superior Meridional – Imed, Professor do Curso de Direito da Faculdade Meridio‑nal – Imed, Pesquisador da Faculdade Meridional, Coordenador do Grupo de Pesquisa: Ética, Cidadania e Sustentabilidade, Membro dos Grupos de Pesquisa Modernidade, Pós‑Moderni‑dade e Pensamento Complexo; Multiculturalismo e Pluralismo Jurídico; e Transnacionalismo e Circulação de Modelos Jurídicos, Líder do Centro Brasileiro de Pesquisa sobre Amartya Sen: Interfaces com Direito, Políticas de Desenvolvimento e Democracia, Membro Associado do Conselho Nacional de Pós‑Graduação em Direito – Conpedi e da Associação Brasileira do Ensino de Direito – Abedi.

NEURO JOSé ZAmBAmPós‑Doutor em Filosofia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Professor do Programa de Pós‑Graduação em Direito da Faculdade Meridional – Imed, Mestrado, Professor do Curso de Direito (Graduação e Especialização) da Faculdade Meridional – Imed de Passo Fundo, Membro do Grupo Trabalho, Ética e Cidadania da Anpof (Associação Nacional dos Pro‑gramas de Pós‑Graduação em Filosofia), Pesquisador da Faculdade Meridional, Coordenador do Grupo de Pesquisa Multiculturalismo, Minorias, Espaço Público e Sustentabilidade, Líder do Grupo de Estudo Multiculturalismo e Pluralismo Jurídico, Líder do Centro Brasileiro de Pesquisa sobre Amartya Sen: Interfaces com Direito, Políticas de Desenvolvimento e Democracia.

Submissão: 27.01.2016Decisão Editorial: 02.06.2016Comunicação ao Autor: 02.06.2016

RESUMO: Os atentados contra a vida humana, especificamente na França, em 2015, reivindicam uma reflexão sobre a Liberdade e os abusos realizados “em seu nome”: o terrorismo global. A dei‑ficação da Liberdade impossibilita a vida pacífica e a resolução de inúmeras dificuldades. Todavia, a intolerância impede a Liberdade e amplia a segregação. A não receptividade do Outro, neste caso, os muçulmanos, denuncia o conflito entre liberdade de expressão e liberdade religiosa. As suas consequências fomentam o argumento em favor da eliminação humana. A Liberdade não pode ser

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absoluta, exaurida pelas leis ou submetida aos interesses individualistas, mas orientada pela morali‑dade e responsabilidade no seu exercício.

PALAVRAS‑CHAVE: Liberdade; direito à liberdade de expressão; mídia; religiões; tolerância.

ABSTRACT: The attacks against human life, specifically in France in 2015, claiming a reflection on freedom and the abuses carried out “in its name”: global terrorism. Liberty’s deification makes diffi‑cult to build a peaceful life and resolving several adversities. However, intolerance prevents freedom and increases segregation. The non‑responsiveness of the Other, in this case, Muslims, denounced the conflict between freedom of expression and freedom of religious belief. Its consequences foster argument for human disposal. Freedom can not be absolute, exhausted by the law or submitted to the individualistic interests, but guided by morality and responsibility.

KEYWORDS: Freedom; right to freedom of expression; media; religions; tolerance.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Direito e liberdade: valor, exercício, ameaças; 2 O terrorismo e a negação do direito à liberdade; 3 Afinal, o que é isto? (Des)encontros entre direito, terrorismo e liberdade em um cenário midiático global; Considerações finais; Referências.

INtrODUÇÃO

O reconhecimento, o exercício e as garantias da liberdade de ex-pressão, manifestação e participação, seja legal, seja no cotidiano da vida em sociedade, é a garantia básica para a justiça social, a superação de ex-clusões e a explicitação da verdade dos fatos. A religião não tem o direito de recusar o debate público e reflexivo sobre suas referências doutrinais e orientações morais. Os Meios de Comunicação Social não podem ser con-trolados ou reduzidos a instrumentos de manipulação em vista de interesses corporativos ou da vontade unilateral do Estado.

Este artigo tem como objetivo geral apresentar a Liberdade midiática e religiosa como valor fundamental para um ordenamento social seguro e evitar a disseminação do Terror como espetáculo de banalização da vida, da Democracia, da convivência pacífica e da educação para a tolerância.

Os objetivos específicos visam: a) compreender a Liberdade, a Tole-rância e a mídia com suas contribuições das ameaças contra a vida humana e a equidade social; b) averiguar os usos da mídia como fonte de informação ou manipulação; c) identificar as conexões entre Liberdade, Mídia, Tolerân-cia e Terror; d) refletir sobre os cenários de intolerância; e e) reconhecer os limites do Direito para a resolução de conflitos sobre as liberdades humanas.

O ataque à sede do Jornal Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, em Paris, que culminou com a morte de 12 pessoas – jornalistas –, suscitou inú-

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meras manifestações de solidariedade ao Estado e aos habitantes da França, e, com a mesma preocupação, o mundo foi alertado, de forma incisiva, so-bre as ameaças à estabilidade e ao valor da Democracia. Chefes de Estado e de governo, líderes religiosos, intelectuais, o Secretário-Geral da ONU e mais de um milhão de pessoas estiveram na manifestação no centro de Paris.

No mesmo período, no continente africano, ocorreram diversos ações lideradas por grupos terroristas que vitimaram milhares de pessoas. Apenas para ilustrar esse drama, na Nigéria, no mesmo período, 2.000 pessoas fo-ram assassinadas por grupos terroristas e 275 meninas foram raptadas de um internato cristão para serem vendidas como esposas ou escravas sexuais1.

A percepção da ambiguidade da cobertura da repercussão ambígua desses acontecimentos e a insistente busca de justificativas religiosas para o terrorismo contemporâneo, assim como a incapacidade dos governos, das igrejas e de outras organizações para atuar na prevenção ou no combate a tais práticas, suscitou nosso interesse pelo tema. O problema central é: Qual(is) é(são) o(s) limite(s) da Liberdade midiática e religiosa para aproxi-mar as pessoas, bem como garantir a amplitude dos espaços públicos, sem que haja recorrência a atitudes radicais e intolerantes no sentido de elimi-nação da vida?

Diante dessa indagação, descreve-se duas hipóteses, quais sejam:

I – nenhuma liberdade é absoluta. Todo uso da Liberdade se condiciona pelo aparecimento do “Tu” diante do “Eu”. A mídia francesa, nesse caso, deve estimu-lar, sim, o humor e a reflexão, porém deve respeitar, ainda, as diferentes crenças religiosas que oportunizam espaços de tolerância e acolhimento para as pessoas. Sob semelhante argumento, a intolerância religiosa promovida por grupos radi-cais não pode desestabilizar a liberdade alheia ao se eliminar qualquer vida. Os abusos, como se observa, são provenientes pelas posturas radicais da mídia de pequeno grupo ligado à religião islâmica.

II – Toda Liberdade é absoluta. Na medida em que se consagra essa categoria como expressão da Dignidade da Pessoa Humana, todos os recursos utilizados para sua preservação e disseminação, como é o caso da mídia, deificam a Liber-dade como um fenômeno livre de críticas ou ameaças. Essa postura é ratificada, muitas vezes, pelo Direito. Se a Liberdade se torna o critério para organização so-cial – e não o Direito –, se as pessoas livres e iguais são capazes de mitigarem as dificuldades cotidianas por meio do debate público, a conclusão somente pode ser uma: a autonomia da Liberdade não se encontra nas ações radicais da mídia ou Religião nem se dissemina como forma de Terror, mas para que haja esse

1 Disponível em: <http://blogjackiegeo.blogspot.com.br/2015_01_01_archive.html>. Acesso em: 3 out. 2015.

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patamar de compreensão sobre a natureza absoluta da Liberdade é necessária a emancipação do ser humano entre a tríade “Eu”, “Tu”, “Nós”.

A mídia francesa, nesse caso, tem o direito de estimular, sim, o humor e a reflexão, porém deve respeitar, ainda, as diferentes crenças religiosas e destacar os lugares que oportunizam espaços a tolerância e o acolhimento para as pessoas. Sob semelhante argumento, a intolerância religiosa promo-vida por grupos radicais não pode desestabilizar a Liberdade alheia ou a eliminação da vida. O direito, por sua vez, não pode proteger, legitimar ou justificar atos dessa natureza ou ações que estão na sua origem em nome do direito à liberdade.

O método de abordagem eleito para produzir este artigo é o hipotéti-co-dedutivo. As técnicas utilizadas neste estudo serão a pesquisa bibliográ-fica2, a categoria3 e o conceito operacional4.

Essa abordagem destaca, em primeiro plano, o valor da liberdade como um direito fundamental e as ameaças quando seu exercício é mani-pulado. O terrorismo é destacado como a negação da liberdade, especial-mente se legitimado por concepções religiosas e pelo discurso falacioso da mídia. Finalmente, justificamos o direito à liberdade como um direito huma-no, antídoto a problemas contra o fanatismo, e o fundamento da interação social a partir do outro, igual, estranho, irmão e às vezes desconhecido.

1 DIrEItO E LIBErDaDE: VaLOr, EXErCÍCIO, aMEaÇaS

O tema da Liberdade inspira verdadeiras utopias carregadas de espe-rança (MELO, 1994, p. 19). Trata-se do primeiro reconhecimento acerca do nosso vínculo antropológico comum desde que a escravidão5 nos mostrou, historicamente, as misérias de tornar o Outro simples objeto, patrimônio, em síntese, coisa. Essa abominação – moral e jurídica – não deve se mani-festar entre todos os quais pertencem ao gênero humano, pois a vivência das adversidades, da crueldade, da arbitrariedade da vontade e a violência imposta resultou em catástrofes civilizacionais.

2 Segundo Pasold (2011, p. 207): “[...] Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”.

3 Nas palavras de Pasold (2011, p. 25, grifo do autor): “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia”.

4 Reitera-se, conforme Pasold (2011, p. 37, grifo do autor): “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. Toda categoria que aparece neste estudo será destacada com letra maiúscula.

5 “[...] é nulo o direito de escravizar, não só pelo fato de ser ilegítimo, como porque é absurdo e nada significa. As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente”. (ROUSSEAU, 2013, p. 28)

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Esse não é o objetivo de uma sadia integração humana. Ninguém ven-de ou renuncia a sua liberdade, já que, como rememora Rousseau (2013, p. 26): “Renunciar à própria liberdade é o mesmo que renunciar à qualidade de homem, aos direitos da Humanidade, inclusive aos seus deveres”. En-tretanto, é necessário identificar o que é a Liberdade conjugada ao Direito, quais as suas possibilidades e quais os limites dessa condição de ser (mais e mais) humano. Por esse motivo, a primeira parte deste estudo destina-se a, brevemente, descrever as convergências e divergências dessas duas postu-ras já citadas – possibilidade e limites no diálogo entre Liberdade e Direito.

O episódio ocorrido na França no início deste ano demonstra, de um lado, a intolerância religiosa e, de outro, a incoerência – exagerada – da liberdade de expressão. Ambas posturas expressam posturas fechadas, ego-ístas, as quais não compactuam com a abertura, a pluralidade e a condição dialógica de um ambiente democrático.

Revela, também, em certa medida, o fracasso de nossas tentativas em dar sentido, significado, a esse projeto de desenvolver a vida comunitária por meio das relações humanas as quais se manifestam na vida cotidiana. Por esse motivo, é preciso compreender como Liberdade e Direito se com-plementam, a fim de não impedir nossas responsabilidades comuns como seres humanos no relacionamento com o Outro, bem como identificar o agir livre como bem comum destinado a preservar todos, no seu sentido individual e coletivo.

O primeiro ponto para se compreender essa interação entre Liber-dade6 e Direito7 é não conceber a primeira categoria a qual se concentra, se preserva, se atomiza na perspectiva da autonomia privada8. Esse é o ar-gumento com o qual, muitas vezes, se justifica o caráter ideal, absoluto, do sujeito livre. Quem é livre detém autonomia. O reconhecimento dessa

6 “[...] É o princípio de que o único fim em função do qual o poder pode ser correctamente exercido sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada contra sua vontade, é o de prevenir dano a outros. [...] Uma pessoa não pode correctamente ser forçada a fazer ou deixar de fazer algo porque será melhor para ela que o faça, porque a fará feliz, ou porque, na opinião de outros, fazê-lo seria sensato ou até correcto. [...] A única parte da conduta de qualquer pessoa pela qual ela responde perante a sociedade, é que diz respeito aos outros. Na parte da sua conduta que apenas diz respeito a si, a sua independência é, por direito, absoluta. Sobre si, sobre o seu próprio corpo e sua própria mente, o indivíduo é soberano”. (MILL, 2006, p. 39/40)

7 Categoria multidisciplinar que se revela como “[...] compreensão [...] in acto, como efetividade de participação e de comportamentos, sendo, essencial ao seu conceito a vivência atual do direito, a concreta correspondência das formas da juridicidade ao sentir e querer, ou às valorações da comunidade” (REALE, 2010, p. 31, grifo do autor).

8 “[...] ‘Autonomía privada’ querrá decir que un sujeto jurídico dispone de un espacio de protección aceptado universalmente y exigible individualmente que le permite replegarse de todas las obligaciones y ataduras sociales para recapacitar acerca de sus preferencias y orientaciones de valor individuales y establecerlas en una autorreflexión aliviada deste modo; en este sentido, la constitución de una esfera de privacidad individual conforma el núcleo de la libertad jurídica”. (HONNETH, 2014, p. 112)

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condição já se observa, especialmente na elaboração formal dos Direitos Subjetivos, a partir do pensamento de Hegel (2010, parágrafo 36, grifo do autor) por meio da seguinte afirmação: “[...] sê uma pessoa e respeita os outros enquanto pessoas”.

Observa-se, nessa expressão, a Liberdade como valor central a ser preservado – na sua dimensão abstrata – pelo Direito. Sob esse argumento, é possível identificar dois cenários, quais sejam: a) uma forma de reconhe-cimento no qual conduz à paz sem o uso da violência; e b) os limites morais da Liberdade enquanto expressão preservada pelo Direito no seu significa-do normativo.

A primeira condição enunciada demonstra que, por meio da lei, se estabelece como forma específica de reconhecimento entre iguais: surge, nesse momento, a expressão Sujeitos de Direito. Esse é o território no qual, segundo a perspectiva dos Direitos Subjetivos, cada pessoa tem a capacida-de de decidir acerca do exercício de sua independência9, de sua autonomia diante do Outro. Na medida em que ambos ou todos determinam esse terri-tório como o lugar de sentido para promover e estimular o reconhecimento denominado, aqui, como “respeito pessoal”. Essa condição, enunciada no pensamento de Honneth (2014, p. 113/114), se traduz como:

[...] es el hecho de que todas las motivaciones éticas y todas las razones perso-nales quedarán sin ser verificadas por ella: sea lo que fuere que lleva a mi con-traparte a actuar, sean cuales fueran las motivaciones que están en juego, como persona jurídica se me insta a respetar sus decisiones en tanto estas no vulneren los principios del derecho positivo aprobado por nosotros.

Entretanto, a Liberdade proposta como expressão do Direito Positivo não significa convergência com os nossos pressupostos éticos e morais. Ao contrário, o que se observa é o fundamento de uma expectativa mútua, na qual presume-se que o Outro irá decidir e agir, voluntariamente, conforme as diretrizes da legislação. Hegel (2010, parágrafo 38, grifo do autor), nesse ponto, estava certo: ser pessoa e respeitar os outros sob igual critério a fim de proporcionar a paz necessita de um lugar de sentido comum, qual seja,

9 “A singularidade de cada pessoa, que é imediata e que decide, relaciona-se com uma natureza que aí se encontra, à qual se opõe assim a personalidade da vontade, enquanto algo subjetivo, mas para ela, enquanto infinita e universal dentro de si, a delimitação que consiste em ser apenas subjetiva é contraditório e nula. Ela é o que atua para suprassumir essa delimitação e para se dar realidade ou, o que é mesmo, para pôr esse ser-aí como o seu”. (HEGEL, 2010, parágrafo 39, grifo do autor)

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o Direito elaborado pela Razão para renunciar à violência como modo de resolução dos conflitos10.

O exercício do agir livre, a partir dessa concepção, demanda um pro-fundo conhecimento de si, de tolerância11, bem como da legislação. Entre-tanto, é aqui que se encontra a segunda condição mencionada: os limites da Liberdade, expressa como Direito, especialmente, Fundamental, nos países democráticos. Para iniciar essa ideia, é necessário ressaltar as palavras de Honneth (2014, p. 116): “[...] los derechos subjetivos solo sirven para in-dagar y revisar nuestras ideas existentes del bien, pero no para preparar y formular nuevas”.

A positivação do Direito Fundamental à Liberdade e, sua espécie, o Direito Fundamental à Liberdade de Expressão, tem como função única a sua interpretação histórica e aplicação. Na dimensão do Direito abstrato, conforme o pensamento de Hegel, tem-se uma perspectiva dogmática na qual pouco importa o interesse particular12. Nesse momento, oferece-se es-tabilidade racional ao Direito para assegurar a todos o seu reconhecimento e práxis, mas aqui revisa-se o seu conteúdo a partir de um pressuposto se-miótico mínimo, ou seja, não se trata de inovar, nem sugerir, no território abstrato e dogmático, aquilo que pertence ao âmbito das relações humanas cotidianas.

O Direito à Liberdade de Expressão não deifica a autonomia da von-tade, como se essa fosse uma bela, exótica e intocável rosa vermelha guar-

10 “A respeito da ação concreta e das relações morais e éticas, o direito abstrato apenas é, em relação a seu conteúdo ulterior, uma possibilidade [...] por isso a determinação jurídica é apenas uma permissão ou competência. Pelo mesmo fundamento dessa sua abstração, a necessidade desse direito delimita-se ao aspecto negativo de não lesar a personalidade e o que deriva dela. Não há, por isso, senão proibições jurídicas, e a forma positiva dos imperativos jurídicos tem, por seu conteúdo último, as proibições por fundamento”. (HEGEL, 2010, parágrafo 38, grifo do autor)

11 “A Tolerância é um valor moral necessário às sadias relações humanas por causa das diferenças constitutivas de cada Sociedade. A sua viabilidade nas relações cotidianas e no âmbito das interações entre os povos depende do combate às causas que evitem a construção de valores que estão na origem da não tolerância, das quais se podem destacar: o fanatismo político e religioso, o analfabetismo endêmico, a ausência de integração de povos limitados por governos dominados por ditaduras, a inexistência de participação política livre, o controle da comunicação e a informação, a não difusão de tecnologias benéficas para todos, a indiferença dos laboratórios farmacêuticos frente às mazelas humanas pela força do capital, entre outros. Sob essa mesma intensidade, é missão de todos e do Estado prevenir e evitar ações ou práticas que fomentam a intolerância e as suas consequências. Não se age exclusivamente a partir do dever instituído pelas leis de um país, mas pelo reconhecimento de que pertença ao gênero humano: Ser tolerante é uma preocupação na qual se irradia em todo gênero humano pela Alteridade, Humanidade, Perdão e Responsabilidade”. (ZAMBAM; AQUINO, 2015, p. 377).

12 “A particularidade da vontade é mesmo um momento da consciência total da vontade [...], mas ainda não está contida na personalidade abstrata enquanto tal. Por isso ela está na certa presente ali, mas enquanto ainda diferente da personalidade, da determinação da liberdade, enquanto desejo, carecimento, impulsos, bel-prazer contingente etc. – No direito formal, por isso, o interesse particular, minha utilidade e meu bem-estar não entram em consideração – tampouco o fundamento determinante particular da minha vontade, do discernimento e da intenção”. (HEGEL, 2010, parágrafo 37, grifo do autor)

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dada em uma redoma de vidro. Ao contrário, na vida diária é que se exercita e compreende a Liberdade como valor moral substancial a qual irradia dife-rentes tipos de responsabilidades. Cria-se os vínculos humanos de cuidado e preservação entre os semelhantes, porque vive-se, todos os dias, um estar--junto-com-o-Outro-no-mundo13.

O episódio que ocorreu na França, no início deste ano, representa a afirmação na qual se demonstrou pelos argumentos já mencionados. De um lado, o Direito ao exercício da Crença Religiosa e, de outro, o Direi-to à Liberdade de Expressão foram, ambos, atomizados pela autonomia da vontade enquanto expressão de interesses particulares, fechados, incapa-zes de, no mundo da vida, reconhecerem suas virtudes e vícios, porque, em princípio, acreditou-se que esse seja o objetivo dos Direitos Subjetivos quando positivados. Por esse motivo, é interessante refletir sobre as palavras de Honneth (2014, p. 115):

[...] En esta labor de neutralización del derecho se puede ver con claridad de ma-nera incipiente cuál es necesariamente la principal incapacidad de toda libertad jurídica: el asegurar una forma de autonomía privada que solo puede ser aplicada y ejercida con sensatez cuando se abandona de nuevo la base del derecho, que le es propia, puesto que una ponderación de nuestros objetivos de vida, una confirmación real de lo bueno, solo la podemos lograr en una actitud que se dife-rencia de la del derecho en el hecho de incluimos a los otros mental o realmente en nuestras ponderaciones como sujetos que, por su parte, tienen motivaciones ética. La relación jurídica produce en la autonomía privada una libertad cuya base para una práctica exitosa no puede preparar; incluso se podría decir que el derecho propicia actitudes y prácticas de comportamiento que obstaculizan un ejercicio de la libertad por él creada.

Verifica-se que a autonomia privada14 não é elemento que imobili-za ambos os Direitos, sejam da Liberdade de Expressão ou Liberdade ao exercício da Crença Religiosa, pois inviabiliza, no mundo da vida, qual-quer chance de proximidade, reconhecimento e desvelo acerca das nossas responsabilidades comuns. A indiferença abstrata e formal conferida pelo

13 “[...] la postura que pueda adoptar el actor en esta posición jurídica hace imposible el acceso al mundo de los lazos y responsabilidades intersubjetivas; mientras se permanezca en el modo del puro cuestionamiento de obligaciones anteriores, mientras se ensayen planes de vida alternativos solo monologicamente, el individuo se encontrará en un vacío de decisiones y, con ello, en un estado de incertidumbre casi total” (HONNETH, 2014, p. 116).

14 “[...] A autonomia pessoal pode ser um ideal a ser perseguido por ação política, entre outros meios. Serve para justificar e reforçar vários direitos derivativos que defendem e favorecem aspectos limitados da autonomia pessoal. Mas, em si mesma, na plenitude de sua generalidade, ela transcende aquilo a que qualquer indivíduo tem direito. Dito de outra maneira: pode-se negar a uma pessoa a oportunidade de ter uma vida autônoma, através do funcionamento de instituições sociais e por ação individual, sem que quaisquer de seus direitos sejam derrotados ou violados” (RAZ, 2011, p. 229).

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Direito à Liberdade por meio da autonomia privada produz as formas de violência, de terrorismos os quais, de modo impotente, se observa a disse-minação no globo.

Na perspectiva jurídica, a proteção dessas liberdades não estabelece um cenário de segurança, mas estimula o ódio, o ressentimento, a segrega-ção e o cultivo de posturas excessivamente egoístas. Como se pode obser-var, existe uma clara divergência entre a Liberdade proposta como enun-ciado jurídico e a Liberdade percebida como valor moral. Aquela assegura, proíbe qualquer forma de sua eliminação, rememora a sua importância, mas o seu objeto – a autonomia privada – cria obstáculos ao exercício desta na vida cotidiana.

Ambos Direitos de Liberdade são complementares, cujos sentidos se ampliam e se esclarecem na vida comunitária. Insiste-se: a autonomia pri-vada somente se manifesta quando todos a compartilham, quando existirem diversos bens coletivos, igualmente previstos em lei, os quais justifiquem a sua existência. Dito de outro modo, a partir do pensamento de Raz:

Só se pode ter um direito à autonomia se o interesse do detentor do direito justifi-car que se mantenha os membros da sociedade, em sua generalidade, obrigados a ele com o propósito de lhe proporcionar o ambiente social necessário para dar a ele a oportunidade de uma vida autônoma. (2011, p. 228/229)

A ideia de autonomia privada não pode criar insegurança para as relações humanas – diferentes e plurais – as quais ocorrem no meio social. A promoção, manutenção e desenvolvimento do bem comum se fortalece no cotidiano e expressa a sua importância por meio de um instrumento denominado lei. A dimensão jurídica das liberdades não pode privilegiar o modo de se expressar qualquer opinião, tampouco justificar o assassinato de qualquer pessoa em nome da religião15.

Nenhuma dessas espécies de Liberdade se define, se concentra exclu-sivamente em uma postura individual. Se esse for o argumento central das decisões judiciais ou da própria lei, o Direito se torna fraco para cumprir seu objetivo social: torna a paz duradoura, não obstante existam as adver-sidades humanas16. O significado de ser livre somente se manifesta a partir

15 “Pode ser que a tolerância religiosa tenha sido defendida em nome da consciência individual, contudo ela foi útil à paz comum. Segundo minhas considerações, visto que a religião é e foi uma instituição social envolvendo a comunidade, suas práticas, rituais e cultos comuns, o direito à liberdade de culto religioso, o qual ocupou um lugar no berço do liberalismo é, na prática, um direito das comunidades de buscar seu estilo de vida, bem como um direito dos indivíduos de pertencer a comunidades respeitadas” (RAZ, 2011, p. 232).

16 “[...] A questão que estou apontando é que, se o termo ‘direitos’ vier a adquirir um significado tão fraco, então ele perderá sua habilidade para marcar os assuntos que são de interesse especial, em virtude de sua

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do Outro. É nesse território que o Direito protege, amplia e fortalece a im-portância da liberdade para se evitar o exagero dos interesses particulares – sejam pessoais ou de grupos – os quais, historicamente, já se observou os seus efeitos, especialmente pelo terrorismo.

2 O tErrOrISMO E a NEGaÇÃO DO DIrEItO À LIBErDaDE

As práticas classificadas como terroristas sob diversas formas e mé-todos estão presentes em diferentes períodos da história da humanidade, e suas causas estão associadas, preferencialmente, à busca pela manutenção no e do poder de pessoas, grupos ou interesses que se percebem ameaça-dos. O terrorismo17 é uma atitude nefasta que precisa ser condenada em todas as instâncias das relações humanas e entre os povos.

A subjugação do outro, indivíduo ou grupo, por meio da traição, ar-madilha ou estratégias assemelhadas retrata a desumanização do terrorista, movido pelo fanatismo, e a coisificação da vítima, normalmente, represen-tante imaginária do inimigo que é considerado o causador de uma situação ou ato específico. As principais formas de atuação do terrorismo a fim de atingir as suas metas, segundo dispõe Boff (2015), são:

Para alcanzar su objetivo de dominación de las mentes, el terrorismo persigue la siguiente estrategia;

(1) los actos tienen que ser espectaculares, de lo contrario no causan una conmo-ción generalizada;

(2) los actos, a pesar de ser odiados, deben causar admiración por el ingenio empleado;

(3) los actos deben sugerir que fueron minuciosamente preparados;

(4) los actos deben ser imprevistos para dar la impresión de ser incontrolables;

(5) los autores de los actos deben permanecer en el anonimato (usando máscaras) porque cuanto más sospechosos haya, mayor es el miedo;

(6) los actos deben causar miedo permanente;

importância para o detentor do direito, e que concedem ao interesse do detentor de direito um peso especial quando este conflita com outros interesses de outros membros da comunidade. [...] Embora uma liberdade do indivíduo, compreendida como autonomia pessoal, conflite algumas vezes com os interesses de outrem, ela também depende daqueles interesses e só pode ser obtida através dos bens coletivos, que não beneficiam ninguém, a menos que eles beneficiem todas as pessoas. Este fato, ao contrário de qualquer definição, enfraquece a ênfase individualista quanto à importância de direitos” (RAZ, 2011, p. 231/232).

17 Trata-se de uma “[...] prática política de quem recorre sistematicamente à violência contra as pessoas ou as coisas provocando o terror [...]” (BONANATE, 2010, p. 1242).

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(7) los actos deben distorsionar la percepción de la realidad: cualquier cosa dife-rente puede producir el terror. Basta ver a algunos chicos pobres entrando en los centros comerciales y ya se proyecta la imagen de un asaltante potencial.

A descrição retrata a contradição explícita entre os objetivos, os mé-todos e as consequências desses atos quando comparados às conquistas mais importantes da humanidade, por exemplo, a igual dignidade de todos os humanos, a busca da equidade social e a tolerância entre os povos. Essas são referências irrenunciáveis e caras a todos que não necessitam de justifi-cativas formais ou de outra ordem sobre o seu valor universal.

Desde as tradições remotas, religiões, culturas até chegarmos às de-mocracias contemporâneas existe, na sua concepção, a defesa do valor da vida humana. O direito natural, por exemplo, preconizou a defesa da vida como uma prerrogativa implícita na ontologia humana. Com isso se pode afirmar com segurança que o terrorismo não tem justificativa ou legitimida-de em qualquer espaço das relações humanas ou do ordenamento social.

Na origem do terrorismo estão inúmeras situações que refletem as gri-tantes desigualdades sociais, concepções de mundo não refletidas, religiões autoritárias e dominadas por líderes comprometidos com interesses indivi-duais e políticos e práticas de imperialismo orientadas sob diversos métodos por objetivos econômicos. Com estratégias bem definidas, a coisificação das pessoas, a violência e o individualismo se impõem sobre os demais. O terrorismo está associado ao fanatismo18, que, em suas convicções e práti-cas, tem expressões de patologias, sejam pessoais, institucionais ou sociais.

As análises e divulgações das práticas desse fenômeno normalmente são dominadas pela unilateralidade de personalidades e interesses de gru-pos. O atentado de Paris e os massacres na África são o retrato da manipu-lação de informações e da atuação limitada e falaciosa da mídia em nível mundial19.

18 “[...] definir fundamentalismo, em minha concepção, como a construção da identidade coletiva segundo a identificação do comportamento individual e das instituições da sociedade com as normas oriundas da lei de Deus, interpretadas por uma autoridade definida que atua como intermediária entre Deus e a humanidade” (CASTELLS, 1999, p. 29).

19 “É compreensível que esses movimentos criem grande nervosismo entre as pessoas comuns, sobretudo nas metrópoles do Ocidente e especialmente quando os governos e a imprensa se empenham em gerar um clima de medo, para alcançar seus próprios propósitos, e dão publicidade máxima às ações. [...]. Trata-se de um clima de medo irracional. A política atual dos Estados Unidos tenta reviver os terrores apocalípticos da Guerra Fria, quando já não lhe é plausível inventar ‘inimigos’ para legitimar a expansão e o emprego do seu poder global. [...]. Todas essas coisas nada diminuem a dimensão da crise global verdadeira que se expressa nas transformações por que passa a violência política. Elas parecem refletir os profundos desequilíbrios sociais causados em todos os níveis da sociedade pelas alterações mais rápidas e intensas jamais experimentadas pela humanidade, social e individualmente, dentro do período de vida de um ser humano. Elas parecem refletir

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As agências de notícias foram pródigas ao noticiar, comentar, analisar e julgar o atentado ao Jornal Charlie Hebdo com todos os recursos dispo-níveis20. Diferente foi a repercussão dos atentados na África, normalmen-te, apenas referenciando que foram atos praticados por grupos terroristas21. Com a mesma intensidade se pode afirmar o destaque dado aos políticos e outras personalidades.

A contradição que evidencia a parcialidade e a unilateralidade da atuação e da divulgação dos fatos está na presença dos chefes de Estado e de governo no ato organizado em Paris chamado de “Marcha Contra o Ter-rorismo e a Intolerância”. Mais de 50 representantes de países, Um milhão e trezentas manifestantes e mais de dois mil policiais para garantir a seguran-ça da multidão e dos líderes mais importantes do mundo22.

Na presença e nas manifestações e pronunciamentos houve uma cer-teza, a necessidade de paz, justiça e tolerância. O mundo não sabe que na manifestação estavam governantes cujos Estados dominam a quase totalida-de do comércio internacional de armas, ou seja, “[...] o status quo mundial está firmemente entrincheirado nesse tipo de negócio: os países que são membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas juntos foram responsáveis por 81% das exportações mundiais de armas de 1996 a 2000” (Sen; Kliksberg, 2010, p. 30). Na manifestação esteve presen-te, ainda, o Secretário-Geral da ONU.

Entretanto, para repudiar e condenar os massacres na África houve parcos e isolados pronunciamentos com repercussão isolada e momentâ-nea. As análises, comentários e manifestações seguram a mesma dinâmica. Como se pode entender tal contradição?

As inquietações se tornam mais evidentes quando outras facetas são observadas e porque não receberam maior atenção ou mesmo ausências que não foram notadas, propositalmente ou não. Por exemplo: por que o

uma crise dos sistemas tradicionais de autoridade, hegemonia e legitimidade do Ocidente e sua dissolução no Oriente e no Sul, assim como uma crise dos movimentos tradicionais que pretendiam proporcionar alternativas a eles. Elas têm sido exacerbadas pelos fracassos da descolonização em certas regiões do mundo e pelo fim de um sistema internacional estável – na verdade, de qualquer sistema internacional – desde o colapso da União Soviética. E elas se revelarão estar além dos poderes utópicos dos neoconservadores e neoliberais que acreditam na exportação de valores liberais do Ocidente por meio da expansão dos mercados e das intervenções militares” (HOBSBAWM, 2007, p. 136/137).

20 Um fato a destacar é a transmissão ao vivo por meio das redes mundiais de comunicação da perseguição dos autores do atentado, inclusive alterando totalmente a rotina de comunicações.

21 Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2015/01/tiroteio-deixa-vitimas-em-paris.html>. Acesso em: 3 out. 2015.

22 Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/mundo/europa/lideres-mundiais-e-multidao-marcham-em-paris-contra-o-terror,b7c35e23788da410VgnCLD200000b2bf46d0RCRD.html>. Acesso em: 3 out. 2015.

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Papa Francisco, que deu inúmeros exemplos de preocupação com a to-lerância e as causas da justiça no mundo, não esteve em Paris? Por que o Secretário-Geral da ONU não foi à África empreender iniciativas de paz, reconciliação e tolerância? Quem vendeu as armas para os terroristas afri-canos sequestrarem?

A ausência de liberdade no seu valor moral genuíno, que compreen-de, além da livre expressão e acesso às informações, o incessante combate à manipulação, às desigualdades, ao preconceito ou classificação de pessoas em ordem de importância e as variadas formas de violência, racismo e ma-nipulação, está na origem do terrorismo. O direito de escolher a identidade cultural ou a pertença a uma cultura tradicional não pode ofuscar as rela-ções humanas ou sociais, seja em nível local ou mundial23.

A Liberdade de Expressão, informação ou de atuação não pode ter como consequência o seu exercício ilimitado. A defesa da Democracia24 e seu sistema organizado e bem orientado pelos princípios, a formação moral e o seu corpo legal precisa ter seu correspondente na liberdade responsável de imprensa.

Caso essa área não esteja contemplada, as consequências se mani-festam na crítica limitada e superficial, na manipulação da informação, no crescimento ou legitimação do preconceito e na seleção das notícias pela dominação de interesses alheio à construção da pluralidade, do debate pú-blico e da ampliação, fortalecimento e atuação da Democracia nas diferen-tes aspirações, instituições e organizações sociais.

A liberdade fundamenta as relações humanas e fortalece a justiça so-cial, porque tem a capacidade de demonstrar o seu valor no cotidiano do agir humano e na dinâmica de uma sociedade equilibrada.

23 Essa relação intrincada, exigente e complexa foi destacada por Sen: “Refiro-me a um aspecto complexo, mas de profundas consequências, de nossa liberdade de escolher como vemos a nós mesmos – nossas filiações, nossas associações e nossas identidades. Esse é um campo no qual a privação, tipicamente não mata (embora também possa fazê-lo como pretendo discutir em seguida), mas tem poder de asfixiar nossa voz, nossa independência e nossa capacidade de agir como cidadãos políticos de uma nação – ou do mundo” (SEN, 2010, p. 38).

24 Trata-se de “[...] um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatória para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas, até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar decisões vinculatórias para todos os membros do grupo, e à base de quais procedimentos” (BOBBIO, 2000, p. 30/31).

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3 aFINaL, O QUE É IStO? (DES)ENCONtrOS ENtrE DIrEItO, tErrOrISMO E LIBErDaDE EM UM CENÁrIO MIDIÁtICO GLOBaL

As Constituições Democráticas elegeram a liberdade como uma das suas referências básicas que orienta a atuação social, a relação entre os ci-dadãos, o exercício dos direitos, as condições de escolha, a atuação das ins-tituições e as formas de participação e decisão. O exercício da autonomia e a liberdade integram a arquitetura que sustenta e dinamiza o funcionamento de uma sociedade democrática. Entretanto, é necessário equilíbrio sem que haja qualquer forma de privilégios acerca da autonomia privada25.

O significado da Liberdade na dinâmica do acesso à informação, da divulgação dos acontecimentos e da posterior interpretação, seja pelos es-pecialistas, seja pela população ou pelos responsáveis pelas informações que chegam ao público, especificamente sobre Paris e os massacres na África, precisa ser avaliado considerando a sua legitimidade legal, os inte-resses em questão e a sua importância para a Justiça Social26.

O direito à livre expressão tem como compromisso a promoção dos Direitos Humanos27 e a afirmação da Democracia como um valor irrenun-ciável. A relevância da Liberdade e sua repercussão no cotidiano de uma sociedade, incluindo desde a atuação individual e até o ordenamento das instituições, evidencia sua classificação como um direito humano funda-mental.

A informação, quanto mais próxima da verdade, é um indicativo po-deroso para a efetivação da justiça. A negação, a manipulação ou a divul-gação parcial e alienada de fatos e acontecimentos estão na origem das ameaças, limitações e instrumentalização da Liberdade.

25 Sob o ângulo da crítica ao Estado Constitucional, Staffen (2015, p. 22/23) apresenta o que acontece com a sua primazia diante do cenário global: “[...] o declínio do Estado Constitucional nacional e a ascensão de um paradigma global de Direito decorre, substancialmente, da penetração de critérios de governança nos assuntos e políticas públicas dos Estados, logisticamente apoiados pelos avanços tecnológicos. [...]. Assim, o processo de globalização necessita ser compreendido como expressão de uma interdisciplinaridade sistêmica. Logo, o Direito Global, por mais incipiente que seja, tem como objeto a compreensão e a regulação das relações provenientes dos fluxos globalizatórios. Fluxos estes que não se restringem à globalização do segundo pós-guerra. Contudo, ainda que algumas bases de governar o mundo estejam sedimentadas na descoberta da América, a grande especificidade verte da policentricidade que governa a globalização do terceiro milênio”.

26 A categoria pode ser compreendida a partir do conceito de Justiça Geral ou Legal conforme o pensamento de Aristóteles (1999, parágrafo 1129 b), no qual “[...] as leis visam ao interesse comum a todas as pessoas, [...], de tal forma que em certo sentido chamamos de justos os atos que tendem a produzir e preservar a felicidade, e os elementos que a compõem, para a comunidade política”.

27 “[...] para que uma liberdade possa ser incluída como parte de um direito humano, claramente, ela terá de ser suficientemente importante para oferecer razões que obriguem os demais a prestar-lhe séria atenção. Terão de se verificar certas ‘condições liminares’ de relevância, incluindo a importância da liberdade em causa e a possibilidade de se influenciar na sua realização, para que seja plausível inseri-la no espectro dos direitos humanos” (SEN, 2010, p. 484).

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O aprimoramento, evolução e correção dos valores morais de uma sociedade e suas respectivas práticas dependem, além dos interesses e do contexto social, das garantias legais e políticas, além do exercício pleno da Liberdade no cotidiano. Existe o desejo humano latente em cada pessoa de estar bem informada e interagir com a informação e a realidade na condição de sujeito.

As principais ameaças à qualidade da informação e o exercício da Liberdade de Imprensa, atualmente, está evidenciada no poder avassalador dos interesses econômicos, no controle operado pelo Estado – especifica-mente os governos autoritários e os grupos terroristas28.

A circulação livre das informações fomenta a capacidade de cons-truir argumentos que legitimam e ampliam a razão pública da Democra-cia. Essa é uma perspectiva a qual impede a limitação do funcionamento da Democracia a sistemas eleitorais que alternam o poder, normalmente, sem mudança dos grupos de influência ou na metodologia de fazer política. Sobre o poder de transformação da liberdade de informação em diferentes tradições, especialmente Japão, Índia, Brasil e África do Sul, destaca Sen (2010, p. 442):

E é assim que, por todo mundo, se vai aprendendo com grande rapidez a neces-sidade de meios de comunicação social livres e vigorosos. O que, a mim, parti-cularmente me acalenta é ver a velocidade com que pode mudar a amplitude de cobertura dos media – e, às vezes, até mesmo a sua cultura.

A imprensa livre e responsável tem condições de penetrar nas situa-ções mais complexas da sociedade evidenciando interesses, destacando personalidades, esclarecendo conflitos e contemplando os diferentes atores envolvidos. Especificamente, se pode afirmar que a relação entre maiorias e minorias, interesses dominantes e grupos com menor poder de organização, instituições tradicionais e outras menos influentes, entre outras situações, podem, em condições equitativas, exercerem suas atividades e integrarem as relações sociais, percebendo suas proposições, dificuldades e conquistas publicamente informadas, graças ao dinamismo da liberdade de expressão e informação responsáveis.

O exercício da comunicação livre e independente, especialmente a mídia com forte repercussão social, supõe a presença do outro – oposição,

28 Sobre isso, conferir: Extremismo: desafio ao jornalismo livre. Zero Hora, Porto Alegre, a. 52, ed. 18.099, 3 maio 2015.

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versão alternativa ou ator com outros interesses e concepções, como condi-ção para o esclarecimento crítico e busca da verdade.

A avaliação do assassinato dos jornalistas em Paris e na África, con-forme mencionados anteriormente, demonstra os equívocos da orientação pautada por decisões e interesses com suas referências nem sempre equi-tativas ou com o objetivo de evidenciar os reais interesses em questão. O espaço temporal e a força dos recursos que impulsionaram a repercussão dos acontecimentos, inclusive com a riqueza da exposição dos detalhes, refletem o poder de influência da tradição e dos demais recursos de um país central do ponto de vista econômico e geopolítico, e outros com menor influência e poder de decisão.

Nesse contexto, explicita-se a facilidade de lutar, garantir e fomentar a liberdade de expressão e de atuação da mídia e de imputação de culpa às minorias, religiões ou culturas não assemelhadas àquelas que emitem os juízos com maior intensidade e poder de influência.

O fundamentalismo, que foi patrocinado pelas religiões ao longo da história da humanidade, adquiriu uma dinâmica diferente nas últimas déca-das, especificamente, houve a absolutização do mercado, das novas formas de imperialismo, de ditaduras despóticas e de culturas com pretensão de domínio universal ancoradas nas práticas de terrorismo e outras formas de violência, com as citadas anteriormente.

O debate dessa problemática, sob o ângulo da razão pública demo-crática, precisa explicitar os métodos, as concepções de sociedade e de pessoa, a instrumentalização das instituições – especificamente pelo tema em questão, das mídias, da tendência de provocar um “choque de civili-zações” patrocinado pelos detentores do poder político e econômico em busca de recursos naturais, da relação com povos, Estados e culturas com menor poder de expressão e organização de forma preconceituosa e intole-rantes, entre outras dimensões29.

A afirmação dos Direitos Humanos como uma conquista da huma-nidade e seu valor moral independente de preconcepções, especialmente patrocinadas por Estados autoritários, religiões carentes de convicções refle-tidas e culturas intolerantes, é uma referência fundamental para o exercício do debate público com liberdade e responsabilidade das mídias. Sen (2010, p. 444) demonstra o alcance da liberdade de imprensa: “Os media são im-portantes, e não apenas para a Democracia, são-no para a prossecução da

29 Sobre essa relação entre poder, religiões e fanatismo, sugere-se a leitura de Castells (1999).

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justiça em geral. Uma justiça falha na discussão, pode acabar por ser uma idéia encarcerante”.

A interação entre os recursos poderosos das mídias com a sociedade, seja por meio da divulgação de fatos e acontecimentos, seja pela capaci-dade de análise crítico-reflexiva de forma dinâmica, democrática, eficiente e voraz, demonstra a valorização da própria sociedade com seu potencial de organização e evolução, assim como da promoção dos talentos e outros recursos de que dispõe.

A liberdade de imprensa é uma conquista de sociedades livres, ma-duras e democraticamente regidas. O dinamismo da imprensa é um aliado decisivo para as causas da justiça. Com igual intensidade se pode buscar o exercício da tolerância por meio da valorização das diferenças, da supe-ração das desigualdades, da educação para a relação com o outro na sua condição humana e explicitação daquelas concepções morais não refletidas que impedem a solidariedade e a construção do bem comum.

CONSIDEraÇÕES FINaIS

Acredita-se que, não obstante haja um problema de pesquisa já apre-sentado no início deste estudo, existe outra questão, mais profunda, a qual circunda estes momentos de crise vivenciados neste início de século: Paris, o que fizeram com Charlie? Esse fato não se desdobra tão somente em um debate acadêmico acerca da Liberdade, dos direitos, do papel da mídia, mas de revisitar, de compreender no seu sentido radical – de buscar as raí-zes – o porquê de se eliminar o Outro em favor de verdades culturais dog-máticas, absolutas sem qualquer respeito ou responsabilidade pela(s) vida(s) alheia(s).

Como se observou no decorrer desta leitura, a nossa convicção se fundamenta no argumento de que nenhuma Liberdade é absoluta, e, por consequência, o seu exercício precisa ser mediado por instituições, empre-sas e outros mecanismos com os recursos do diálogo e da tolerância. Todo agir livre deve ser orientado pelo aparecimento do “Tu” diante do “Eu”. Por esse motivo, os referenciais teóricos ratificaram como verdadeira a primeira hipótese de pesquisa descrita na introdução deste artigo.

Nenhum país democrático sobrevive sem o compartilhamento de informações que ocorrem dentro de seu território, bem como em todo o globo. A interdependência midiática favorece o debate público para que se possa decidir, no plano interno ou externo, nossas responsabilidades

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comuns, especialmente aquelas nas quais se destinam a contribuir para a mitigação da profunda miséria e desigualdade em países como a África e, em outros, cujas ditaduras não ampliam condições de uma vida digna e qualitativa para todos.

A informação, nessa linha de pensamento, é crucial para o exercício da Liberdade como valor substantivo moral. É esse caráter impregnado, des-velado e desenvolvido pelas relações humanas cotidianas que tornam pos-sível esse esclarecimento. Sob esse argumento, o Estado, por meio do Poder Legislativo, incorporou a Liberdade e suas espécies – como é o caso da Liberdade de Expressão e Liberdade ao exercício de Crença Religiosa – para assegurar a sua reivindicação sempre que for suprimida, seja pela violência entre as pessoas ou o arbítrio estatal.

Entretanto, a preservação dessas liberdades, quando incorporadas pela lei a partir da autonomia pessoal ou privada, não pode servir como argumento à opacidade de seu exercício, especialmente quando se observar a sua colisão entre outros Direitos Fundamentais. O caso do Charlie Hebdo, ocorrido em janeiro deste ano, demonstra a incapacidade do agir livre em propugnar cenários mais pacíficos, não obstante a sua previsão legal.

Por um lado, a autonomia pessoal ou privada não pode encobrir o Outro, desprezá-lo e indicar, nesses argumentos, qual a solução jurídica final para uma demanda humana mais complexa. Qualquer resposta ela-borada sob uma linguagem binária – certo e errado, por exemplo – tende a favorecer mais conflitos em detrimento à proposição da paz. Esse não é o objetivo do Direito sob o seu ângulo normativo.

Por outro, a mídia, sob igual critério, precisa avaliar todos os argu-mentos necessários a fim de, eticamente, publicar, divulgar informações capazes de orientar, de modo responsável, as decisões pessoais, coletivas e institucionais. Sem essa indispensável ferramenta em cenários democráti-cos, não existe qualquer Liberdade a qual promova Igualdade mediada pela Fraternidade.

Ao contrário, a Liberdade será substituída pela Segurança – e rom-pem-se os laços humanos, a Igualdade pela Paridade –, todos serão into-cáveis no estilo: “não me incomode e deixe-se fazer o que se tem para ser feito”, e a Fraternidade pelas Redes, principalmente virtuais, as quais não é possível dimensionar a importância do Outro pela proximidade, pelo conta-to, pela responsabilidade revelada pela presença do “Tu” diante do “Eu” no “Mundo” capaz de sintetizar o que é o pronome pessoal chamado “Nós”.

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Nenhuma Liberdade, insiste-se, é intocável, mesmo pela sua des-crição legal. Trata-se, sim, de uma elaboração sócio-histórica-cultural, de responsabilidade comum, a qual previne-se e resolve-se, de modo sereno, nossos conflitos. Se a lei fundamentar a importância histórica da Liberdade pela autonomia privada ou pessoal, tem-se, nesse momento, um obstáculo de difícil superação, pois não haverá qualquer abertura dialogal a fim de en-contrar pontos de convergência e facilitar a convivência e não o contrário.

É aqui que a mídia aparece como instrumento necessário para se es-clarecer o que é a Liberdade não apenas como descrição legal, mas, princi-palmente, como valor moral substantivo, o qual torna a vida uma bela obra de arte nesse mosaico de tantas diferenças culturais.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Laicidade e Estado de Direito

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Supremo Tribunal FederalTribunal Pleno 27.04.2003Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.806‑5 Rio Grande do SulRelator: Min. Ilmar GalvãoRequerente(s): Governador do Estado do Rio Grande do SulAdvogado(a/s): PGE‑RS – Paulo Peretti Torelly e outro(a/s)Requerido(a/s): Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

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aÇÃO DIrEta DE INCONStItUCIONaLIDaDE – LEI Nº 11.830, DE 16 DE SEtEMBrO DE 2002, DO EStaDO DO rIO GraNDE DO SUL – aDEQUaÇÃO DaS atIVIDaDES DO SErVIÇO PÚBLICO EStaDUaL E DOS EStaBELECIMENtOS DE ENSINO PÚBLICOS E PrIVaDOS aOS DIaS DE GUarDa DaS DIFErENtES rELIGIÕES PrOFESSaDaS NO EStaDO – CONtrarIEDaDE aOS artS. 22, XXIV; 61, § 1º, II, C; 84, VI, a; E 207 Da CONStItUIÇÃO FEDEraL

No que toca à Administração Pública estadual, o diploma impugnado padece de vício formal, uma vez que proposto por membro da As-sembleia Legislativa gaúcha, não observando a iniciativa privativa do Chefe do Executivo, corolário do princípio da separação de poderes.

Já, ao estabelecer diretrizes para as entidades de ensino de primeiro e segundo graus, a lei atacada revela-se contrária ao poder de dispo-sição do Governador do Estado, mediante decreto, sobre a organiza-ção e funcionamento de órgãos administrativos, no caso das escolas públicas; bem como, no caso das particulares, invade competência legislativa privativa da União.

Por fim, em relação às universidades, a Lei Estadual nº 11.830/2002 viola a autonomia constitucionalmente garantida a tais organismos educacionais.

Ação julgada procedente.

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Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, por seu Tribunal Pleno, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em acolher o pedido formulado na inicial para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 11.830, de 16 de setembro de 2002, do Estado do Rio Grande do Sul. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio.

Brasília, 23 de abril de 2003.

Marco Aurélio Presidente

Ilmar Galvão Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Ilmar Galvão (Relator): Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que tem por objeto a Lei nº 11.830, de 16.09.2002, do Estado do Rio Grande do Sul, que se acha assim redigida:

“Art. 1º O processo seletivo para investidura de cargo, função ou emprego, nas estruturas do Poder Público Estadual, na administração direta e indireta, das fun-ções executiva, legislativa e judiciária, e, ainda, as avaliações de desempenho funcional e outras similares, realizar-se-ão com respeito às crenças religiosas da pessoa, propiciando a observância do dia de guarda e descanso, celebração de festas e cerimônias em conformidade com a doutrina de sua religião ou convic-ção religiosa.

§ 1º Quando inviável a promoção de certames em conformidade com o caput, dar-se-á à pessoa a alternativa de realizar a prova no primeiro horário em que lhe permitam suas convicções, ficando o candidato incomunicável desde o horário regular previsto para os exames até o início do horário alternativo previamente estabelecido.

§ 2º Considera-se primeiro horário, para efeitos desta lei, à luz das convicções religiosas dos judeus ortodoxos, adventistas do sétimo dia, entre outras análogas, o término do interregno dos pores-do-sol de sexta-feira a sábado.

§ 3º Aplica-se também o disposto neste artigo à realização de provas de acesso a cursos, em qualquer nível, de instituições educacionais públicas e privadas.

Art. 2º É assegurado ao aluno, por motivo de crença religiosa, requerer à institui-ção educacional em que estiver regularmente matriculado, seja ela pública ou

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privada, e de qualquer nível, que lhe sejam aplicadas provas e trabalhos em dias não coincidentes com o período de guarda religiosa.

§ 1º A instituição de ensino fixará data alternativa para a realização das ativi-dades estudantis, que deverá coincidir como período ou turno em que o aluno estiver matriculado, contando com sua expressa anuência, se em turno diferente daquele.

§ 2º para o gozo dos direitos dispostos neste artigo, o aluno comprovará, prefe-rencialmente, no ato de matrícula, esta condição de crença religiosa, através de declaração da instituição religiosa a que pertença.

§ 3º O aluno, caso venha a se congregar a uma instituição religiosa no decorrer do ano letivo, gozará dos mesmos direitos, com a apresentação de declaração após a sua congregação.

Art. 3º Os servidores públicos civis de qualquer das funções que compõem a estrutura do Estado, da administração direta e indireta, gozarão do repouso sema-nal remunerado preferencialmente aos domingos, ou em outro dia da semana, a requerimento do servidor, por motivo de crença religiosa, desde que compense a carga horária exigida pelo Estatuto e Regime Jurídico Único dos Servidores Públi-cos Civis do Estado do Rio Grande do Sul ou legislação especial.

Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário.”

Sustenta o autor que o referido diploma normativo, de iniciativa par-lamentar, ofende o princípio da independência e harmonia dos poderes e, bem assim, o princípio da igualdade e o art. 61, § 1º, II, c e e, e, ainda, os arts. 5º, caput e 84, III e VI, todos da Constituição Federal, porquanto, além de dispor sobre atribuições relativas a outros Poderes e órgãos estatais, che-gando a estabelecer obrigações para instituições privadas, quanto à realiza-ção de processos seletivos, incorreu em vício de iniciativa, ao instituir regras vinculadas ao regime dos servidores públicos do Estado.

Aduz que, sendo o Brasil um Estado laico, que consagra a liberda-de de crença e culto religioso, não pode ficar submetido ao interesse de uma religião, na fixação de datas e horários para a realização de provas dos concursos promovidos pela Administração, como previsto no caput do art. 1º, e nem tampouco sujeito a práticas destinadas a assegurar a incomu-nicabilidade dos candidatos de determinada crença, como as previstas no § 1º do referido artigo.

Ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do referido diplo-ma legal, ajuntou-se requerimento de medida cautelar de pronta suspensão de sua eficácia.

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Em suas informações, disse a Assembleia Legislativa que a lei im-pugnada teve por objetivo disciplinar o exercício do direito à liberdade de religião, preconizado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e no Pacto de São José da Costa Rica, que tem como um dos corolários a observância do dia de repouso e dos feriados e cerimônias, de acordo com os preceitos de cada religião ou crença, princípios a que estão submetidas, e condicionadas as ações administrativas de qualquer natureza, tanto as praticadas no âmbito do setor público como no setor privado, não podendo nenhum ato administrativo obrigar qualquer cidadão a abdicar de sua cren-ça religiosa para poder ter acesso a seu direito.

Sustenta que as diferentes religiões têm seus dias santificados, dias de festa, dias de repouso, os quais devem ser preservados e respeitados em razão dos Direitos Humanos, objetivo visado pela lei sob enfoque.

A ação foi processada pelo rito do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, me-diante a concessão de sucessivas vistas ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da República. O primeiro alega, em resumo, que a lei em apreço ofende o princípio da iniciativa legislativa do Chefe do Poder Exe-cutivo – por dispor sobre o regime jurídico de servidores públicos, ao disci-plinar a realização de processo seletivo para investidura em cargo público, o repouso semanal dos servidores –; e, ainda, o princípio da isonomia, ao estabelecer horário especial para adeptos de determinado culto, quando todos os cidadãos estão obrigados a cumprir as normas gerais, não obstante com exclusão das objeções de consciência, mas com implicações que daí decorram. O segundo sustenta que se verifica, na espécie, nítida hipótese de ofensa aos princípios da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo e da independência dos poderes.

É o relatório.

Voto

O Senhor Ministro Ilmar Galvão (Relator): A lei sob apreciação, no art. 1º e seus parágrafos, disciplina a realização de processo seletivo para investidura em cargo, função ou emprego público, nos entes e órgãos da Administração Pública, direta e indireta, do Estado do Rio Grande do Sul, nas estruturas do Poder Público Estadual. Assegura, ainda, ao aluno, o di-reito de requerer, à instituição de ensino, pública ou privada, em que esti-ver matriculado, que as provas e exercícios escolares não lhe sejam aplica-dos em dias considerados de guarda pela religião de que for adepto. E, no

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art. 3º, assegura aos servidores públicos civis do Estado o gozo de repouso semanal nos domingos ou em outros dias da semana considerados de guar-da pelo credo adotado.

É fácil perceber que os arts. 1º e 3º cuidam do regime jurídico dos servidores civis do Estado, matéria que, na conformidade da regra do art. 61, § 1º, II, c, da Constituição – de observância obrigatória pelos Esta-dos, na conformidade de jurisprudência assente do STF –, é de iniciativa le-gislativa privativa do Chefe do Poder Executivo, sendo, portanto, manifesta a ofensa da lei em apreço ao mencionado dispositivo, visto haver resultado de iniciativa de membro da Assembléia Legislativa.

O art. 2º, por sua vez, no que toca às escolas públicas de primeiro e segundo graus, revela-se ofensivo ao art. 84, VI, a, da Constituição, por igual de aplicação extensiva aos Estados, visto cuidar de órgão da Administração, cuja organização e funcionamento hão de ser disciplinados privativamente, por decreto do Chefe do Poder Executivo. Já quanto ao ensino superior, público ou privado, a norma interfere com a autonomia das Universidades, assegurada no art. 207 da Constituição. Por fim, acerca das casas de ensino de primeiro e segundo graus, mantidas pela iniciativa privada, a norma, por estabelecer diretrizes à educação, invade a competência da União, que, no caso, é privativa, como previsto no art. 22, inc. XXIV, da Carta da República.

Ante o exposto, meu voto julga procedente a ação, para declarar a in-constitucionalidade da Lei nº 11.830, de 16 de setembro de 2002, do Estado do Rio Grande do Sul.

Voto

O Senhor Ministro Sepúlveda Pertence – Sr. Presidente, estou de ple-no acordo com o eminente Relator, mas creio que a lei tem implicações maiores do que o simples problema de iniciativa legislativa.

Pergunto: seria constitucional uma lei de iniciativa do Poder Execu-tivo que subordinasse assim o andamento da administração pública aos “dias de guarda” religiosos? Seria razoável, malgrado fosse a iniciativa do governador, acaso crente de alguma fé religiosa que faz os seus cultos na segunda-feira à tarde, que todos esses crentes teriam direito a não trabalhar na segunda-feira e pedir reserva de outra hora para o seu trabalho?

É desnecessário à conclusão, mas considero realmente violados, no caso, princípios substanciais, a partir do due process substancial e do cará-ter laico da República.

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Deixo claro que também julgo a lei materialmente inconstitucional.

extrAto de AtA

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.806-5

Proced.: Rio Grande do Sul

Relator: Min. Ilmar Galvão

Requerente(s): Governador do Estado do Rio Grande do Sul

Advogado(a/s): PGE-RS – Paulo Peretti Torelly

Requerido(a/s): Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, acolheu o pedido formulado na inicial para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 11.830, de 16 de setembro de 2002, do Estado do Rio Grande do Sul. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello e Nelson Jobim. Plenário, 23.04.2003.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa, Ellen Gracie e Gilmar Mendes.

Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Luiz Tomimatsu Coordenador

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Assunto Especial – Ementário

Laicidade e Estado de Direito

3437 – Dever de neutralidade, pluralismo religioso – Princípio do Estado Laico

“ACCION DE TUTELA, ACCIONES POPULARES Y ACCIONES DE GRUPO – Mecanismos diferentes para la protección de derechos fundamentales y derechos colectivos

ACCION DE TUTELA PARA LA PROTECCION DE DERECHOS COLECTIVOS – Procedencia excepcional

Esta Corporación ha sido enfática en sostener que la tutela no procede para la protección de los derechos colectivos, ya que el ordenamiento contempla el mecanismo para ello. No obstante, si con la afectación de un interés colectivo se vulnera o amenaza un derecho fun-damental, la Corte ha precisado que en estos eventos la acción de tutela resulta procedente y prevalece sobre las acciones populares, convirtiéndose así, en el instrumento idóneo para el amparo de los derechos amenazados.

ACCION DE TUTELA Y ACCION POPULAR – Procedencia cuando se afectan derechos fun-damentales directamente relacionados con la vulneración de derechos colectivos

ACCION DE TUTELA PARA LA PROTECCION DE DERECHOS COLECTIVOS CUANDO EXISTE VULNERACION DE DERECHOS FUNDAMENTALES – Requisitos de procedencia excepcional

PRINCIPIO DEL ESTADO LAICO Y EL PLURALISMO RELIGIOSO EN LA CONSTITUCION POLITICA – Contenido/LIBERTAD DE CULTOS EN LA CONSTITUCION POLITICA DE 1991 – Garantía constitucional

Uno de los principios característicos de la nueva Carta Política es el de la laicidad del Estado Colombiano. En Estados pluralistas como el nuestro, este principio garantiza el respeto por las diferencias, el cual comprende ‘tanto la libertad práctica de comportarse de acuerdo con las prescripciones de la propia conciencia, como la exigencia de igualdad o no discriminaci-ón entre los individuos en función de cuáles sean sus ideas morales o religiosas’.

LIBERTAD DE CULTOS – Contenido

ESTADO LAICO O SECULAR Y PLURALISMO RELIGIOSO – Jurisprudencia constitucional/PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Contenido y alcance

PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Aunque está estrechamente vinculado con el concepto de Estado laico, tiene un contenido y alcance concreto

PRINCIPIOS DE ESTADO LAICO, PLURALISMO RELIGIOSO Y DEBER DE NEUTRALIDAD – No impide que el Estado otorgue un tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situa-ción que tenga connotación religiosa

La jurisprudencia de esta Corte ha resaltado que los principios de Estado laico, pluralismo religioso y deber de neutralidad, no impiden que se otorgue un tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situación, que tenga connotación religiosa. No obstante, estas medi-das deben cumplir determinadas condiciones para que resulten válidas desde la perspectiva constitucional.

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DERECHO A LA LIBERTAD DE EXPRESION ARTISTICA – No es absoluto

La libertad de expresión artística es, al tenor del artículo 85 Superior, un derecho fundamen-tal de aplicación inmediata, susceptible de ser amparado mediante la acción de tutela. Ello, toda vez que ‘la expresión artística constituye el medio por excelencia para la realización del potencial creador de todo ser humano, resultando así corolario obligado del libre desarrollo de la personalidad, amparado en el artículo 16 Superior. Por esta vía se hace efectivo el deber impuesto al Estado, de promover y fomentar la creación de la identidad nacional a través de la cultura’.

DERECHO A LA LIBERTAD DE EXPRESION ARTISTICA – Aspectos

La libertad de expresión artística comporta, de acuerdo con la normatividad y la jurispruden-cia, dos aspectos claramente diferenciables: (i) el derecho de las personas a crear o proyectar artísticamente su pensamiento, y (ii) el derecho a difundir y dar a conocer sus obras al públi-co. El primer aspecto del derecho a la libre expresión artística no admite limitación alguna dado su alcance netamente íntimo, excepto aquellas que imponga la técnica elegida por el artista y las fronteras de su propia capacidad para convertir su obra en realidad material (pintura, escultura, cuento, canción, etc.). De manera que, cualquier acto, particular o de autoridad, que pretenda poner freno al desarrollo del impulso vital del hombre creador, cons-tituye un ultraje a su dignidad humana. El segundo aspecto del derecho a la libre expresión artística no es absoluta y encuentra sus límites en el deber genérico que tiene toda persona de no abusar de sus derechos en detrimento de los derechos de otros. En ese entendido, es posible que un artista encuentre, al exhibir su obra, que la misma ofende los sentimientos de algunas personas, ‘quienes tienen un interés legítimo en que no se les obligue a presenciar lo que ellas – y no una autoridad – consideran emocional, estética o moralmente contrario a sus convicciones.

PRINCIPIOS DE ESTADO LAICO, PLURALISMO RELIGIOSO Y DEBER DE NEUTRALIDAD – Improcedencia por cuanto la construcción del monumento no afecta la libertad de con-ciencia, religión y culto de los habitantes del sector ni de los eventuales turistas, que acudan al parque para observarla’.” (Corte Constitucional Colombiana – Sentencia T-139/14)

Direito de igualdade – isonomia religiosa, proibição de preferências desproporcionais

“LEY DE HONORES – No puede desconocer la neutralidad del Estado en materia religiosa

LIBERTAD RELIGIOSA – Reglas fijadas por la jurisprudencia constitucional

LEY DE HONORES – Reglas jurisprudenciales existentes

PRINCIPIO DE UNIDAD DE MATERIA EN LOS TITULOS DE LAS LEYES – Reglas fijadas por la jurisprudencia sobre su aplicación

PRINCIPIO DEL ESTADO LAICO Y EL PLURALISMO RELIGIOSO EN LA CONSTITUCION POLITICA – Contenido/RELACION ENTRE EL ESTADO Y LA RELIGION – Contenido y al-cance

TIPOS DE ESTADO DE ACUERDO A LA MANERA COMO RESUELVEN LA CUESTION RE-LIGIOSA – Contenido/RELACION ENTRE IGLESIAS Y EL ESTADO – Niveles de intensidad

Se distinguen los siguientes tipos de Estado de acuerdo a la manera como resuelven la cues-tión religiosa: 1. Estados confesionales, los cuales adscriben el aparato estatal a un credo

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particular y específico y, de manera correlativa, prohíben o restringen la práctica de otras expresiones religiosas distintas. Estas medidas no solo toman la forma de desestímulos para la práctica de credos diferentes, sino la asimilación de la población al credo oficial, por lo que es usual que las prescripciones religiosas tengan carácter jurídico formal. 2. Estados que tienen una religión oficial, pero que a su vez son tolerantes a otras prácticas religiosas, razón por la cual no imponen sanciones a quienes no comparten el credo estatal. En este escena-rio, resultan admisibles regulaciones legales que promuevan la religión del Estado o que le reconozcan tratamientos preferentes respecto de otras religiones. La doctrina constitucional en comento señala que dentro de esa categoría se encuentran dos vertientes: la conformada por los Estados con religión oficial, pero que toleran otros credos; y el grupo de Estados que, como sucede con el Reino Unido, tienen una religión oficial, pero aceptan la plena libertad religiosa para sus ciudadanos. Como se explicará con mayor detalle en el fundamento jurí-dico siguiente, el Estado colombiano regulado por la Constitución anterior adscribía a la pri-mera vertiente de este modelo. 3. Estados que aunque no asumen oficialmente una religión oficial, esto es, a través de normas jurídicas formales, en todo caso admiten la validez en su ordenamiento de normas que otorgan tratamiento preferencial a un credo particular, merced de su carácter mayoritario y/o su vínculo con una práctica social igualmente mayoritaria. Es decir, son estados de orientación confesional. 4. Estados que, siendo ejemplos paradig-máticos Estados Unidos y Francia, basan su modelo de organización política en un criterio secular, fundado en la estricta separación entre iglesias y Estado, al igual que en el recono-cimiento de la libertad religiosa y en la correlativa prohibición para el Estado de prohijar un credo particular. Así, como lo indica la sentencia C-350/94 ‘[e]stos regímenes constitucio-nales reconocen el hecho religioso y protegen la libertad de cultos pero, por su laicismo, no favorecen ninguna confesión religiosa por cuanto consideran que ello rompería la igualdad de derecho que debe existir entre ellas. Ello implica, como contrapartida, que la autonomía de las confesiones religiosas queda plenamente garantizada, puesto que así como el Estado se libera de la indebida influencia de la religión, las organizaciones religiosas se liberan de la indebida injerencia estatal’. Para efectos de esta sentencia, esta categoría será definida como de estados laicos o seculares. 5. Estados que manifiestan expresamente que son ateos y, a su vez, intolerantes de toda práctica religiosa. La Corte en la sentencia en comento trae a cola-ción para esta categoría el ejemplo de la Constitución de la República Socialista de Albania de 1976, la cual en su artículo 54 prohibía la creación de organizaciones religiosas, y en su artículo 36 establecía que ‘el Estado no reconoce ninguna religión y fomentará y desarrollará la propaganda ateísta con el fin de infundir al pueblo la concepción materialista científica del mundo’. Sin embargo, la misma decisión señaló que esta postura es contraria a los derechos humanos y, por ende, al modelo democrático.

SOCIEDADES DEMOCRATICAS EN MATERIA RELIGIOSA – Tipos según la doctrina

SOCIEDADES RELIGIOSAS TOLERANTES Y SOCIEDADES SECULARES – Diferencia

La diferencia entre uno y otro modelo es el origen de la justificación constitucional de la tolerancia religiosa. En los Estados religiosos tolerantes, el culto de las personas es un objeto autónomo de protección constitucional, en la medida en que se advierte valiosa, en sí misma considerada, la práctica de la religión. En cambio, para el Estado secular la admisibilidad de la religión se funda en que ese escenario es una expresión de la libertad del individuo de guiarse por un modelo de conducta particular, que puede o no ser religioso. Aunque el

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teórico estadounidense no lo plantea de ese modo, la Corte señala que el único límite predi-cable de dicho modelo es que no contradiga el orden público y los derechos de los demás, restricción que es propia de las distintas esferas de libertad individual.

INVOCACION DE LA PROTECCION DE DIOS EN EL PREAMBULO DE LA CONSTITUCION DE 1991 – Contenido/PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Contenido y alcance/LI-BERTAD DE CULTOS EN LA CONSTITUCION POLITICA DE 1991 – Garantía constitucional

ESTADO LAICO O SECULAR Y PLURALISMO RELIGIOSO – Jurisprudencia constitucional

LIBERTAD DE CULTOS – Desarrollo jurisprudencial

PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Aunque está estrechamente vinculado con el concepto de Estado laico, tiene un contenido y alcance concreto/IGUALDAD DE CONFE-SIONES RELIGIOSAS – Concepto

El principio de pluralismo religioso, aunque está estrechamente vinculado con el concepto de Estado laico, tiene un contenido y alcance concreto. De acuerdo con esa garantía cons-titucional, que se deriva del principio democrático pluralista, al igual que del derecho a la igualdad y del derecho a la libertad religiosa, las diferentes creencias religiosas tienen idénti-co reconocimiento y protección por parte del Estado. Por ende, no resultan admisibles medi-das legislativas o de otra índole que tiendan a desincentivar, y menos conferir consecuencias jurídicas desfavorables o de desventaja, contra las personas o comunidades que no compar-ten la práctica religiosa mayoritaria, bien porque ejercen otro credo, porque no comparten ninguno o, incluso, porque manifiestan su abierta oposición a toda dimensión trascendente. Cada una de estas categorías es aceptada por el Estado Constitucional el cual, en tanto tiene naturaleza laica y secular, reconoce y protege dichas legítimas opciones, todas ellas cobija-das por el derecho a la autonomía individual y a la dignidad humana. Esta argumentación es avalada por la jurisprudencia constitucional, la cual es consistente en afirmar que ‘[...] el carácter más extendido de una determinada religión no implica que ésta pueda recibir un tratamiento privilegiado de parte del Estado, por cuanto la Constitución de 1991 ha conferido igual valor jurídico a todas las confesiones religiosas, independientemente de la cantidad de creyentes que éstas tengan. Se trata de una igualdad de derecho, o igualdad por nivelación o equiparación, con el fin de preservar el pluralismo y proteger a las minorías religiosas’.

DERECHO A LA IGUALDAD EN LA CONSTITUCION POLITICA – Incorpora dentro de los criterios sospechosos de discriminación a la religión

PRINCIPIO DE NEUTRALIDAD EN MATERIA RELIGIOSA – Concreción de la laicidad del Estado

PRINCIPIOS DE ESTADO LAICO, PLURALISMO RELIGIOSO Y DEBER DE NEUTRALIDAD – En modo alguno impide que el Estado prodigue determinado tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situación que tenga connotación religiosa

Los principios de Estado laico, pluralismo religioso, y deber de neutralidad, en modo alguno impiden que el Estado prodigue determinado tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situación, que tenga connotación religiosa. Sin embargo, para que una medida de ese ca-rácter resulte válida desde la perspectiva constitucional, deben cumplirse dos condiciones particulares. En primer lugar, la medida deberá ser susceptible de conferirse respecto de otros credos, en igualdad de condiciones. En segundo término, el aparato estatal no debe incurrir

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en una de las prohibiciones siguientes, identificadas por la Corte en la sentencia C-152/03, en la que declaró la constitucionalidad de la expresión ‘Ley María’ que el legislador había previsto para la norma que prescribe la licencia de paternidad, en razón a que esta expresión podía ser interpretada a partir de una perspectiva secular. De este modo, la mencionada sen-tencia dispone que el Estado tiene prohibido, por mandato de la Constitución (i) establecer una religión o iglesia oficial; (ii) identificarse formal y explícitamente con una iglesia o reli-gión o (iii) realizar actos oficiales de adhesión, así sean simbólicos, a una creencia, religión o iglesia. Estas acciones del Estado violarían el principio de separación entre las iglesias y el Estado, desconocerían el principio de igualdad en materia religiosa y vulnerarían el plu-ralismo religioso dentro de un Estado liberal no confesional. No obstante tampoco puede el Estado (iv) tomar decisiones o medidas que tengan una finalidad religiosa, mucho menos si ella constituye la expresión de una preferencia por alguna iglesia o confesión; ni (v) adoptar políticas o desarrollar acciones cuyo impacto primordial real sea promover, beneficiar o per-judicar a una religión o iglesia en particular frente a otras igualmente libres ante la ley. Esto desconocería el principio de neutralidad que ha de orientar al Estado, a sus órganos y a sus autoridades en materias religiosas.

ESTADO – Criterios jurisprudenciales relativos a lo que le está prohibido hacer cuando adop-ta una decisión que puede tener implicaciones desde una perspectiva religiosa

El Estado tiene prohibido, por mandato de la Constitución (i) establecer una religión o iglesia oficial; (ii) identificarse formal y explícitamente con una iglesia o religión o (iii) realizar actos oficiales de adhesión, así sean simbólicos, a una creencia, religión o iglesia. Estas acciones del Estado violarían el principio de separación entre las iglesias y el Estado, desconocerían el principio de igualdad en materia religiosa y vulnerarían el pluralismo religioso dentro de un Estado liberal no confesional. No obstante tampoco puede el Estado (iv) tomar decisiones o medidas que tengan una finalidad religiosa, mucho menos si ella constituye la expresión de una preferencia por alguna iglesia o confesión; ni (v) adoptar políticas o desarrollar acciones cuyo impacto primordial real sea promover, beneficiar o perjudicar a una religión o iglesia en particular frente a otras igualmente libres ante la ley. Esto desconocería el principio de neu-tralidad que ha de orientar al Estado, a sus órganos y a sus autoridades en materias religiosas.

IGLESIAS Y CONFESIONES RELIGIOSAS – Condiciones de igualdad

CRITERIO DE DISCRIMINACION HISTORICA – Parámetro para la protección especial por parte del Estado de determinadas categorías de personas y comunidades

LEYES DE HONORES – Naturaleza jurídica/LEYES DE HONORES – Modalidades

La jurisprudencia constitucional ha fijado un grupo de reglas particulares acerca de la na-turaleza jurídica de las leyes de honores, las cuales pueden sintetizarse del modo siguiente: 1. La naturaleza jurídica de las leyes de honores se funda en el reconocimiento estatal a personas, hechos o instituciones que merecen ser destacadas públicamente, en razón de promover significativamente, valores que interesan a la Constitución. Como lo ha previsto la Corte, las disposiciones contenidas en dichas normas ‘[...] exaltan valores humanos que por su ascendencia ante la comunidad, han sido considerados como ejemplo vivo de grandeza, nobleza, hidalguía y buen vivir, y por ello se les pone como ejemplo ante la posteridad’. 2. Contrario a como sucede con la actividad legislativa ordinaria del Congreso, las leyes de honores carecen de carácter general y abstracto, agotándose en su expedición de manera

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subjetiva y concreta, respecto de la persona, situación o institución objeto de exaltación. En términos de la jurisprudencia reiterada, ‘[e]sta clase de leyes, debe anotarse, producen efectos particulares sin contenido normativo de carácter abstracto. Desde el punto de vista material, no crean, extinguen o modifican situaciones jurídicas objetivas y generales que le son propias a la naturaleza de la ley, pues simplemente se limitan a regular situaciones de orden subjetivo o singulares, cuyo alcance es únicamente la situación concreta descrita en la norma, sin que sean aplicables indefinidamente a una multiplicidad de hipótesis o casos. Estas leyes se limitan entonces, como lo dice el artículo 150, numeral 15 de la Constitución vigente, a “decretar honores a los ciudadanos que hayan prestado servicios a la pátria” y de manera alguna pueden desprenderse de su contenido, efectos contrarios a su origen, o interpretaciones diversas que se aparten del sentido de la ley’. 3. El legislador puede adoptar diversas acciones para exaltar o asociar a la Nación a la persona, situación u organización objeto del decreto de honores, de manera tal que las categorías avaladas por la Corte solo tienen carácter enunciativo. Con todo, es factible identificar tres modalidades recurrentes de leyes de honores, a saber (i) leyes que rinden homenaje a ciudadanos; (ii) leyes que celebran aniversarios de municipios colombianos; y (iii) leyes que se celebran aniversarios de institu-ciones educativas, de valor cultural, arquitectónico o, en general, otros aniversarios.

LEYES DE HONORES – Límites constitucionales

Las leyes de honores están sometidas a los límites constitucionales propios de las demás normas que produce el legislador. En especial, estas leyes no pueden servir de instrumento para desconocer las reglas superiores y orgánicas en materia presupuestal, violar la prohibi-ción contenida en el artículo 136-4 C.P. en materia de donaciones u otros auxilios a favor de personas o entidades, ni como se explicará en mayor detalle en apartado siguiente, para desconocer libertades constitucionales, como aquellas relacionadas con el carácter laico del Estado. Así, señala la jurisprudencia analizada que la atribución del Congreso de decretar honores ‘[...] debe ser ejercida por el Congreso de la República dentro de parámetros de pru-dencia, proporcionalidad y razonabilidad y con respeto de los preceptos constitucionales, puesto que de lo contrario daría lugar a situaciones contradictorias v.gr. cuando se pretende exaltar a quien no es digno de reconocimiento, con las consabidas repercusiones que en la conciencia colectiva y en moral administrativa puede ocasionar tal determinación. De la misma manera, cree la Corte que los decretos de honores que expide el legislador no pueden convertirse en un pretexto para otorgar gracias, dádivas o favores personales a cargo del era-rio público, ni para ordenar gasto público con desconocimiento del reparto de competencias existente entre la Nación y los municipios’.

DIOCESIS – Concepto según el derecho canónico

NORMA ACUSADA – El propósito principal y verificable es promover una congregación particular del credo católico

Se está ante una intervención estatal contraria a la Constitución cuando el legislador se in-miscuye en los asuntos propios de la religión católica, a través de la exaltación de una comunidad particular dentro de sus fieles, con exclusión de otras. Esto más aún cuando la libertad religiosa implica necesariamente conferir idéntico grado de protección jurídica a to-dos quienes practican determinado culto. Por lo tanto, la inexequibilidad de la Ley acusada es un predicado de los límites constitucionales del Estado frente a las iglesias.

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LEY DE HONORES SOBRE LA CELEBRACION DE LOS CINCUENTA AÑOS DE LA DIOCESIS DEL ESPINAL Y SE DECLARA MONUMENTO NACIONAL A LA CATEDRAL – Título de la ley desconoce el principio de unidad de materia

TITULO DE LAS LEYES – Debe corresponder al contenido/PRINCIPIO DE UNIDAD DE MA-TERIA – Coherencia entre el título de las leyes y el contenido

El artículo 169 C.P. dispone una regla definida, según la cual el título de las leyes deberá cor-responder precisamente con su contenido. Esta disposición constitucional ha permitido a la jurisprudencia constitucional fijar tres premisas acerca del contenido y alcance del precepto, relativas a: (i) la posibilidad de someter el título de las leyes al control de constitucionalidad, a pesar de carecer de un contenido deóntico autónomo; (ii) la función que tiene el título de las leyes en términos de seguridad jurídica y coherencia del trabajo legislativo; y (iii) la vinculación entre la concordancia del título con el texto de la ley y el principio de unidad de materia.” (Corte Constitucional Colombiana – Sentencia C-817/11)

3438 – Enem – estudante judeu – realização de prova em dia diferente ao Sabah – impos-sibilidade

“Agravo Regimental em Suspensão de Tutela Antecipada. 2. Pedido de restabelecimento dos efeitos da decisão do Tribunal a quo que possibilitaria a participação de estudantes ju-deus no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em data alternativa ao Shabat. 3. Alega-ção de inobservância ao direito fundamental de liberdade religiosa e ao direito à educação. 4. Medida acautelatória que configura grave lesão à ordem jurídico-administrativa. 5. Em mero juízo de delibação, pode-se afirmar que a designação de data alternativa para a rea-lização dos exames não se revela em sintonia com o principio da isonomia, convolando-se em privilégio para um determinado grupo religioso 6. Decisão da Presidência, proferida em sede de contracautela, sob a ótica dos riscos que a tutela antecipada é capaz de acarre-tar à ordem pública 7. Pendência de julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalida-de nºs 391 e 3.714, nas quais este Corte poderá analisar o tema com maior profundidade. 8. Agravo Regimental conhecido e não provido.” (STF – STA 389-AgR – Rel. Min. Gilmar Mendes (Presidente) – Tribunal Pleno – J. 03.12.2009 – DJe-086 Divulg. 13.05.2010 – Pu-blic. 14.05.2010 – Ement. v. 02401-01 – p. 00001 – RTJ v. 00215-01, p. 00165 – RT v. 99, n. 900, 2010, p. 125-135)

3439 – Imunidade tributária – não aplicável à maçonaria

“Constitucional. Recurso extraordinário. Imunidade tributária. Art. 150, VI, c, da Carta Federal. Necessidade de reexame do conjunto fático-probatório. Súmula nº 279 do STF. Art. 150, VI, b, da constituição da república. Abrangência do termo ‘templos de qualquer culto’. Maçonaria. Não configuração. Recurso extraordinário conhecido em parte e, no que conhecido, desprovido. I – O reconhecimento da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, c, da Constituição Federal exige o cumprimento dos requisitos estabelecidos em lei. II – Assim, para se chegar-se à conclusão se o recorrente atende aos requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos. Incide, na espécie, o teor da Súmula nº 279 do STF. Precedentes. III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião. IV – Recurso extraordinário parcialmente conhecido, e desprovido na par-

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te conhecida.” (STF – RE 562351 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – 1ª T. – J. 04.09.2012 – Acórdão Eletrônico DJe-245, Divulg. 13.12.2012, Public. 14.12.2012)

3440 – Imunidade tributária – templos de qualquer natureza

“Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Art. 150, VI, b e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.” (STF – RE 325822 – Rel. Min. Ilmar Galvão – Rel. p/ Ac. Min. Gilmar Mendes – Tribunal Pleno – J. 18.12.2002 – DJ 14.05.2004, p. 00033 – Ement. v. 02151-02, p. 00246)

3441 – Interferência religiosa nas decisões do STF – impossibilidade

“Estado. Laicidade. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. Feto anencéfalo. Interrupção da gravidez. Mulher. Liberdade sexual e reprodutiva. Saúde. Dignidade. Autodeterminação. Direitos fundamentais. Crime. Inexistência. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.” (STF – ADPF 54 – Rel. Min. Marco Aurélio – Tribunal Pleno – J. 12.04.2012 – Acórdão Ele-trônico DJe-080, Divulg. 29.04.2013, Public. 30.04.2013)

3442 – Laicidade – demissão de professora de religião por contrair casamento fora dos parâmetros da religião católica – separação entre normativas e religião

“1. La decisión de la demandante de casarse en la forma civil legalmente prevista con la persona elegida no justifica, por sí sola, la inidoneidad sobrevenida de la demandante para impartir la enseñanza de religión y moral católicas, pues esa decisión eclesial no puede pre-valecer sobre el derecho de la demandante a elegir libremente su estado civil y la persona con la que desea contraer matrimonio, estrechamente vinculado al libre desarrollo de la personalidad y a la dignidad humana (STC 184/1990) [FJ 12]. 2. Corresponde a las auto-ridades religiosas en virtud del derecho de libertad religiosa y del principio de neutralidad religiosa del Estado el concreto juicio de idoneidad sobre las personas que han de impartir la enseñanza de su credo, permitiendo la Constitución que este juicio no se limite a la estricta consideración de los conocimientos dogmáticos o de las aptitudes pedagógicas del personal docente, sino también que se extienda a los extremos de la propia conducta (STC 38/2007) [FJ 10]. 3. La exigencia de la idoneidad eclesiástica como requisito de capacidad para el acceso a los puestos de trabajo de profesor de religión y moral católicas en los centros de enseñanza pública no vulnera el principio de interdicción de la arbitrariedad (art. 9.3 CE), toda vez que esa exigencia responde a una justificación objetiva y razonablemente coherente con los principios de aconfesionalidad y neutralidad religiosa del Estado (STC 38/2007) [FJ 3]. 4. La facultad reconocida a las autoridades eclesiásticas para determinar quiénes sean las personas cualificadas para la enseñanza de su credo religioso constituye una garantía de libertad de las Iglesias para la impartición de su doctrina sin injerencias del poder público

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(STC 38/2007) [FJ 3]. 5. Si el régimen del personal propio de la Iglesia católica ha de res-petar los derechos y libertades constitucionalmente garantizados, con mayor razón deben ser respetados los derechos fundamentales de los profesores de religión y moral católica, cuya vinculación contractual lo es, sin perjuicio de la facultad de propuesta del diocesano del lugar, con las Administraciones educativas titulares de los centros docentes mediante un contrato laboral (STC 38/2007) [FJ 11]. 6. Doctrina del Tribunal Europeo de Derechos Humanos sobre el ejercicio del derecho al matrimonio y a fundar una familia (SSTEDH B. y L. contra Reino Unido de 2005, Rees contra Reino Unido de 1986, F. contra Suiza de 1987) [FJ 8]. 7. Doctrina sobre el derecho a la intimidad personal (SSTC 231/1988, 186/2000) [FJ 8]. 8. La renuncia por parte de los órganos judiciales a realizar la debida y requerida pondera-ción entre los derechos fundamentales en conflicto de los profesores de religión con el de-recho de libertad religiosa de la autoridad eclesiástica, o una ponderación inadecuada a las circunstancias del caso, supone per se una vulneración de aquellos derechos FJ 12]. 9. Cor-responde a este Tribunal verificar si los órganos judiciales han ponderado adecuadamente en el caso concreto los derechos en juego, conciliando las exigencias de la libertad religiosa – individual y colectiva – y el principio de neutralidad religiosa del Estado con la protección jurisdiccional de los derechos fundamentales y laborales de los profesores de religión (STC 38/2007) [FJ 7]. 10. Los efectos civiles de las resoluciones eclesiásticas, regulados por la ley civil, son de la exclusiva competencia de los Jueces y Tribunales civiles, como consecuen-cia de los principios de aconfesionalidad del Estado y de exclusividad jurisdiccional (SSTC 1/1981, 38/2007) [FJ 4]. 11. No resulta acorde con la exigencia de plenitud jurisdiccional, en cuanto al control de los efectos civiles de una decisión eclesiástica, la premisa de la que parte la Sentencia de instancia al afirmar que las propuestas realizadas por el ordinario diocesano a la Administración educativa para los nombramientos de profesores de religión católica no están sometidas a control alguno por parte del Estado español (SSTC 1/1981, 38/2007) [FJ 6]. 12. La fundamentación reseñada en las Sentencias impugnadas, presidida por la insostenible tesis de la inmunidad jurisdiccional de las decisiones de la autoridad eclesiástica adoptadas en el marco del art. III del Acuerdo sobre enseñanza y asuntos culturales de 1979 entre el Estado español y la Santa Sede, no satisface las exigencias constitucionales de ponderación de los derechos fundamentales en conflicto [FJ 6]. 13. No corresponde a este Tribunal deter-minar si la pretensión de la recurrente debe ser calificada o no como una acción de despido, por ser ésta una cuestión de legalidad ordinaria que compete exclusivamente a los Jueces y Tribunales de la jurisdicción social, sin embargo, sí nos corresponde examinar desde la perspectiva que nos es propia y a la vista de los derechos fundamentales concernidos si las Sentencias impugnadas en amparo, que validan la decisión del ordinario diocesano, han vul-nerado derechos fundamentales sustantivos [FJ 3]. 14. No existe vicio de incongruencia omi-siva, toda vez que la Sala de lo Social del Tribunal Superior de Justicia de Andalucía ha dado respuesta congruente en su Sentencia al único motivo del recurso de suplicación planteado por la recurrente, motivo que rechaza por entender que la recurrente parte de una premisa – la existencia de un despido – que la Sala considera incorrecta [FJ 2]. 15. Procede declarar la nulidad de las Sentencias impugnadas y retrotraer las actuaciones al momento anterior a pronunciarse la Sentencia del Juzgado de lo Social para que éste dicte una nueva Sentencia en la que, partiendo inexcusablemente de la ponderación entre los derechos fundamentales en conflicto, resuelva sobre la decisión de no renovar el contrato de la demandante de am-paro como profesora de religión y moral católicas [FJ 12].” (Corte Constitucional Espanhola – Sentencia nº 51/2011, de 14 de abril de 2011 – BOE nº 111,l de 10 de maio de 2011)

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3443 – Liberdade religiosa – proibição de interferência estatal

“Sentencia C-817/11

LEY DE HONORES – No puede desconocer la neutralidad del Estado en materia religiosa

LIBERTAD RELIGIOSA – Reglas fijadas por la jurisprudencia constitucional

LEY DE HONORES – Reglas jurisprudenciales existentes

PRINCIPIO DE UNIDAD DE MATERIA EN LOS TITULOS DE LAS LEYES – Reglas fijadas por la jurisprudencia sobre su aplicación

PRINCIPIO DEL ESTADO LAICO Y EL PLURALISMO RELIGIOSO EN LA CONSTITUCION POLITICA – Contenido/RELACION ENTRE EL ESTADO Y LA RELIGION – Contenido y al-cance

TIPOS DE ESTADO DE ACUERDO A LA MANERA COMO RESUELVEN LA CUESTION RE-LIGIOSA – Contenido/RELACION ENTRE IGLESIAS Y EL ESTADO – Niveles de intensidad

Se distinguen los siguientes tipos de Estado de acuerdo a la manera como resuelven la cues-tión religiosa: 1. Estados confesionales, los cuales adscriben el aparato estatal a un credo particular y específico y, de manera correlativa, prohíben o restringen la práctica de otras expresiones religiosas distintas. Estas medidas no solo toman la forma de desestímulos para la práctica de credos diferentes, sino la asimilación de la población al credo oficial, por lo que es usual que las prescripciones religiosas tengan carácter jurídico formal. 2. Estados que tienen una religión oficial, pero que a su vez son tolerantes a otras prácticas religiosas, razón por la cual no imponen sanciones a quienes no comparten el credo estatal. En este escena-rio, resultan admisibles regulaciones legales que promuevan la religión del Estado o que le reconozcan tratamientos preferentes respecto de otras religiones. La doctrina constitucional en comento señala que dentro de esa categoría se encuentran dos vertientes: la conformada por los Estados con religión oficial, pero que toleran otros credos; y el grupo de Estados que, como sucede con el Reino Unido, tienen una religión oficial, pero aceptan la plena libertad religiosa para sus ciudadanos. Como se explicará con mayor detalle en el fundamento jurí-dico siguiente, el Estado colombiano regulado por la Constitución anterior adscribía a la pri-mera vertiente de este modelo. 3. Estados que aunque no asumen oficialmente una religión oficial, esto es, a través de normas jurídicas formales, en todo caso admiten la validez en su ordenamiento de normas que otorgan tratamiento preferencial a un credo particular, merced de su carácter mayoritario y/o su vínculo con una práctica social igualmente mayoritaria. Es decir, son estados de orientación confesional. 4. Estados que, siendo ejemplos paradig-máticos Estados Unidos y Francia, basan su modelo de organización política en un criterio secular, fundado en la estricta separación entre iglesias y Estado, al igual que en el recono-cimiento de la libertad religiosa y en la correlativa prohibición para el Estado de prohijar un credo particular. Así, como lo indica la sentencia C-350/94 ‘[e]stos regímenes constitucio-nales reconocen el hecho religioso y protegen la libertad de cultos pero, por su laicismo, no favorecen ninguna confesión religiosa por cuanto consideran que ello rompería la igualdad de derecho que debe existir entre ellas. Ello implica, como contrapartida, que la autonomía de las confesiones religiosas queda plenamente garantizada, puesto que así como el Estado se libera de la indebida influencia de la religión, las organizaciones religiosas se liberan de la indebida injerencia estatal’. Para efectos de esta sentencia, esta categoría será definida como de estados laicos o seculares. 5. Estados que manifiestan expresamente que son ateos y, a su

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vez, intolerantes de toda práctica religiosa. La Corte en la sentencia en comento trae a cola-ción para esta categoría el ejemplo de la Constitución de la República Socialista de Albania de 1976, la cual en su artículo 54 prohibía la creación de organizaciones religiosas, y en su artículo 36 establecía que ‘el Estado no reconoce ninguna religión y fomentará y desarrollará la propaganda ateísta con el fin de infundir al pueblo la concepción materialista científica del mundo’. Sin embargo, la misma decisión señaló que esta postura es contraria a los derechos humanos y, por ende, al modelo democrático.

SOCIEDADES DEMOCRATICAS EN MATERIA RELIGIOSA – Tipos según la doctrina

SOCIEDADES RELIGIOSAS TOLERANTES Y SOCIEDADES SECULARES – Diferencia

La diferencia entre uno y otro modelo es el origen de la justificación constitucional de la tolerancia religiosa. En los Estados religiosos tolerantes, el culto de las personas es un objeto autónomo de protección constitucional, en la medida en que se advierte valiosa, en sí misma considerada, la práctica de la religión. En cambio, para el Estado secular la admisibilidad de la religión se funda en que ese escenario es una expresión de la libertad del individuo de guiarse por un modelo de conducta particular, que puede o no ser religioso. Aunque el teórico estadounidense no lo plantea de ese modo, la Corte señala que el único límite predi-cable de dicho modelo es que no contradiga el orden público y los derechos de los demás, restricción que es propia de las distintas esferas de libertad individual.

INVOCACION DE LA PROTECCION DE DIOS EN EL PREAMBULO DE LA CONSTITUCION DE 1991 – Contenido/PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Contenido y alcance/LI-BERTAD DE CULTOS EN LA CONSTITUCION POLITICA DE 1991 – Garantía constitucional

ESTADO LAICO O SECULAR Y PLURALISMO RELIGIOSO – Jurisprudencia constitucional

LIBERTAD DE CULTOS – Desarrollo jurisprudencial

PRINCIPIO DE PLURALISMO RELIGIOSO – Aunque está estrechamente vinculado con el concepto de Estado laico, tiene un contenido y alcance concreto/IGUALDAD DE CONFE-SIONES RELIGIOSAS – Concepto

El principio de pluralismo religioso, aunque está estrechamente vinculado con el concepto de Estado laico, tiene un contenido y alcance concreto. De acuerdo con esa garantía cons-titucional, que se deriva del principio democrático pluralista, al igual que del derecho a la igualdad y del derecho a la libertad religiosa, las diferentes creencias religiosas tienen idénti-co reconocimiento y protección por parte del Estado. Por ende, no resultan admisibles medi-das legislativas o de otra índole que tiendan a desincentivar, y menos conferir consecuencias jurídicas desfavorables o de desventaja, contra las personas o comunidades que no compar-ten la práctica religiosa mayoritaria, bien porque ejercen otro credo, porque no comparten ninguno o, incluso, porque manifiestan su abierta oposición a toda dimensión trascendente. Cada una de estas categorías es aceptada por el Estado Constitucional el cual, en tanto tiene naturaleza laica y secular, reconoce y protege dichas legítimas opciones, todas ellas cobija-das por el derecho a la autonomía individual y a la dignidad humana. Esta argumentación es avalada por la jurisprudencia constitucional, la cual es consistente en afirmar que ‘[...] el carácter más extendido de una determinada religión no implica que ésta pueda recibir un tratamiento privilegiado de parte del Estado, por cuanto la Constitución de 1991 ha conferido igual valor jurídico a todas las confesiones religiosas, independientemente de la cantidad de creyentes que éstas tengan. Se trata de una igualdad de derecho, o igualdad por nivelación o equiparación, con el fin de preservar el pluralismo y proteger a las minorías religiosas’.

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DERECHO A LA IGUALDAD EN LA CONSTITUCION POLITICA – Incorpora dentro de los criterios sospechosos de discriminación a la religión

PRINCIPIO DE NEUTRALIDAD EN MATERIA RELIGIOSA – Concreción de la laicidad del Estado

PRINCIPIOS DE ESTADO LAICO, PLURALISMO RELIGIOSO Y DEBER DE NEUTRALIDAD – En modo alguno impide que el Estado prodigue determinado tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situación que tenga connotación religiosa

Los principios de Estado laico, pluralismo religioso, y deber de neutralidad, en modo alguno impiden que el Estado prodigue determinado tratamiento jurídico a una persona, comunidad o situación, que tenga connotación religiosa. Sin embargo, para que una medida de ese ca-rácter resulte válida desde la perspectiva constitucional, deben cumplirse dos condiciones particulares. En primer lugar, la medida deberá ser susceptible de conferirse respecto de otros credos, en igualdad de condiciones. En segundo término, el aparato estatal no debe incurrir en una de las prohibiciones siguientes, identificadas por la Corte en la sentencia C-152/03, en la que declaró la constitucionalidad de la expresión ‘Ley Maria’ que el legislador había previsto para la norma que prescribe la licencia de paternidad, en razón a que esta expresión podía ser interpretada a partir de una perspectiva secular. De este modo, la mencionada sen-tencia dispone que el Estado tiene prohibido, por mandato de la Constitución (i) establecer una religión o iglesia oficial; (ii) identificarse formal y explícitamente con una iglesia o reli-gión o (iii) realizar actos oficiales de adhesión, así sean simbólicos, a una creencia, religión o iglesia. Estas acciones del Estado violarían el principio de separación entre las iglesias y el Estado, desconocerían el principio de igualdad en materia religiosa y vulnerarían el plu-ralismo religioso dentro de un Estado liberal no confesional. No obstante tampoco puede el Estado (iv) tomar decisiones o medidas que tengan una finalidad religiosa, mucho menos si ella constituye la expresión de una preferencia por alguna iglesia o confesión; ni (v) adoptar políticas o desarrollar acciones cuyo impacto primordial real sea promover, beneficiar o per-judicar a una religión o iglesia en particular frente a otras igualmente libres ante la ley. Esto desconocería el principio de neutralidad que ha de orientar al Estado, a sus órganos y a sus autoridades en materias religiosas.

ESTADO – Criterios jurisprudenciales relativos a lo que le está prohibido hacer cuando adop-ta una decisión que puede tener implicaciones desde una perspectiva religiosa

El Estado tiene prohibido, por mandato de la Constitución (i) establecer una religión o iglesia oficial; (ii) identificarse formal y explícitamente con una iglesia o religión o (iii) realizar actos oficiales de adhesión, así sean simbólicos, a una creencia, religión o iglesia. Estas acciones del Estado violarían el principio de separación entre las iglesias y el Estado, desconocerían el principio de igualdad en materia religiosa y vulnerarían el pluralismo religioso dentro de un Estado liberal no confesional. No obstante tampoco puede el Estado (iv) tomar decisiones o medidas que tengan una finalidad religiosa, mucho menos si ella constituye la expresión de una preferencia por alguna iglesia o confesión; ni (v) adoptar políticas o desarrollar acciones cuyo impacto primordial real sea promover, beneficiar o perjudicar a una religión o iglesia en particular frente a otras igualmente libres ante la ley. Esto desconocería el principio de neu-tralidad que ha de orientar al Estado, a sus órganos y a sus autoridades en materias religiosas.

IGLESIAS Y CONFESIONES RELIGIOSAS – Condiciones de igualdad

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CRITERIO DE DISCRIMINACION HISTORICA – Parámetro para la protección especial por parte del Estado de determinadas categorías de personas y comunidades

LEYES DE HONORES – Naturaleza jurídica/LEYES DE HONORES – Modalidades

La jurisprudencia constitucional ha fijado un grupo de reglas particulares acerca de la na-turaleza jurídica de las leyes de honores, las cuales pueden sintetizarse del modo siguiente: 1. La naturaleza jurídica de las leyes de honores se funda en el reconocimiento estatal a personas, hechos o instituciones que merecen ser destacadas públicamente, en razón de promover significativamente, valores que interesan a la Constitución. Como lo ha previsto la Corte, las disposiciones contenidas en dichas normas ‘[...] exaltan valores humanos que por su ascendencia ante la comunidad, han sido considerados como ejemplo vivo de grandeza, nobleza, hidalguía y buen vivir, y por ello se les pone como ejemplo ante la posteridad’. 2. Contrario a como sucede con la actividad legislativa ordinaria del Congreso, las leyes de honores carecen de carácter general y abstracto, agotándose en su expedición de manera subjetiva y concreta, respecto de la persona, situación o institución objeto de exaltación. En términos de la jurisprudencia reiterada, ‘[e]sta clase de leyes, debe anotarse, producen efectos particulares sin contenido normativo de carácter abstracto. Desde el punto de vista material, no crean, extinguen o modifican situaciones jurídicas objetivas y generales que le son propias a la naturaleza de la ley, pues simplemente se limitan a regular situaciones de orden subjetivo o singulares, cuyo alcance es únicamente la situación concreta descrita en la norma, sin que sean aplicables indefinidamente a una multiplicidad de hipótesis o casos. Estas leyes se limitan entonces, como lo dice el artículo 150, numeral 15 de la Constitución vigente, a “decretar honores a los ciudadanos que hayan prestado servicios a la patria” y de manera alguna pueden desprenderse de su contenido, efectos contrarios a su origen, o interpretaciones diversas que se aparten del sentido de la ley’. 3. El legislador puede adoptar diversas acciones para exaltar o asociar a la Nación a la persona, situación u organización objeto del decreto de honores, de manera tal que las categorías avaladas por la Corte solo tienen carácter enunciativo. Con todo, es factible identificar tres modalidades recurrentes de leyes de honores, a saber (i) leyes que rinden homenaje a ciudadanos; (ii) leyes que celebran aniversarios de municipios colombianos; y (iii) leyes que se celebran aniversarios de institu-ciones educativas, de valor cultural, arquitectónico o, en general, otros aniversarios.

LEYES DE HONORES – Límites constitucionales

Las leyes de honores están sometidas a los límites constitucionales propios de las demás normas que produce el legislador. En especial, estas leyes no pueden servir de instrumento para desconocer las reglas superiores y orgánicas en materia presupuestal, violar la prohibi-ción contenida en el artículo 136-4 C.P. en materia de donaciones u otros auxilios a favor de personas o entidades, ni como se explicará en mayor detalle en apartado siguiente, para desconocer libertades constitucionales, como aquellas relacionadas con el carácter laico del Estado. Así, señala la jurisprudencia analizada que la atribución del Congreso de decretar honores ‘[...] debe ser ejercida por el Congreso de la República dentro de parámetros de pru-dencia, proporcionalidad y razonabilidad y con respeto de los preceptos constitucionales, puesto que de lo contrario daría lugar a situaciones contradictorias v.gr. cuando se pretende exaltar a quien no es digno de reconocimiento, con las consabidas repercusiones que en la conciencia colectiva y en moral administrativa puede ocasionar tal determinación. De la misma manera, cree la Corte que los decretos de honores que expide el legislador no pueden convertirse en un pretexto para otorgar gracias, dádivas o favores personales a cargo del era-

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rio público, ni para ordenar gasto público con desconocimiento del reparto de competencias existente entre la Nación y los municipios’.

DIOCESIS – Concepto según el derecho canónico

NORMA ACUSADA – El propósito principal y verificable es promover una congregación particular del credo católico

Se está ante una intervención estatal contraria a la Constitución cuando el legislador se in-miscuye en los asuntos propios de la religión católica, a través de la exaltación de una comunidad particular dentro de sus fieles, con exclusión de otras. Esto más aún cuando la libertad religiosa implica necesariamente conferir idéntico grado de protección jurídica a to-dos quienes practican determinado culto. Por lo tanto, la inexequibilidad de la Ley acusada es un predicado de los límites constitucionales del Estado frente a las iglesias.

LEY DE HONORES SOBRE LA CELEBRACION DE LOS CINCUENTA AÑOS DE LA DIOCESIS DEL ESPINAL Y SE DECLARA MONUMENTO NACIONAL A LA CATEDRAL – Título de la ley desconoce el principio de unidad de materia

TITULO DE LAS LEYES – Debe corresponder al contenido/PRINCIPIO DE UNIDAD DE MA-TERIA – Coherencia entre el título de las leyes y el contenido

El artículo 169 C.P. dispone una regla definida, según la cual el título de las leyes deberá cor-responder precisamente con su contenido. Esta disposición constitucional ha permitido a la jurisprudencia constitucional fijar tres premisas acerca del contenido y alcance del precepto, relativas a: (i) la posibilidad de someter el título de las leyes al control de constitucionalidad, a pesar de carecer de un contenido deóntico autónomo; (ii) la función que tiene el título de las leyes en términos de seguridad jurídica y coherencia del trabajo legislativo; y (iii) la vinculación entre la concordancia del título con el texto de la ley y el principio de unidad de materia.” (Corte Constitucional Colombiana – Sentencia C-817/11)

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Parte Geral – Doutrina

Perspectivas de um Gerenciamento Judicial dos Riscos a Partir do Controle de Constitucionalidade de Leis Ambientais mais Restritivas

Prospects of Legal Risk Management from Judicial Review of more Stringent Environmental Laws

INêS DE SOUSAUniversidade Federal do Maranhão, Especialista em Teoria Geral do Direito (UFPI), Mestranda do Programa de Pós‑Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça (UFMA), Bolsista Capes.

môNICA TERESA COSTA SOUSAUniversidade Federal do Maranhão, Doutora em Direito (UFSC), Professora e Pesquisadora do Programa de Pós‑Graduação em Direito e Instituições do Sistema de Justiça da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Submissão: 20.02.2016Decisão Editorial: 09.05.2016Comunicação ao Autor 09.05.2016

RESUMO: O presente artigo busca identificar as perspectivas de um gerenciamento judicial dos riscos ambientais para além do controle de atos administrativos pelo Judiciário, especialmente por meio do controle de constitucionalidade de leis ambientais quando questionadas por usurpação de competência legislativa concorrente. Ao final, se analisará quais os limites para um gerenciamento dos riscos pelo Judiciário.

PALAVRAS‑CHAVE: Teoria do risco; gerenciamento de riscos ambientais; controle de constitucionali‑dade de leis ambientais; gerenciamento judicial dos riscos; alcance da atuação do Judiciário.

ABSTRACT: This article seeks to identify the prospects of legal risk management, beyond the control of administrative acts by the judiciary, but especially by means of judicial review of environmental laws when questioned by usurping legislative concurrent jurisdiction. Finally, the authors examine what are the limits for risk management by the Courts.

KEYWORDS: Risk theory; risk management; judicial review of environmental laws; legal risk mana‑gement; judicial acting.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Conceito de risco nas diferentes concepções; 2 Do gerenciamento judicial dos riscos por meio do controle de constitucionalidade: 2.1 Previsão constitucional de um gerencia‑mento de riscos; 2.2 Os precedentes da Corte que indicam a ausência de uma perspectiva ambiental de gerenciamento de riscos; 2.3 Da perspectiva de um gerenciamento judicial dos riscos observada

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a partir da análise do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 3.937 e nº 3.357; 2.4 Alcance e possibilidades de um gerenciamento judicial dos riscos; Conclusão; Referências.

INtrODUÇÃO

Analisar a comunicação entre Direito e Teorias do Risco em matéria de controle de constitucionalidade de leis questionadas por usurpação de competências legislativas não pode ser considerado algo de menor impor-tância, já que se está em uma sociedade caracterizada pela produção de riscos globais.

Os desafios que essa sociedade global dos riscos impõe aos instru-mentos jurídicos de proteção ao ambiente, próprios do Direito Constitu-cional e Ambiental, levam a considerar a necessidade do gerenciamento dos riscos ambientais, a fim de garantir os direitos das presentes e futuras gerações, como previsto no texto constitucional.

Assim, cabe ao Judiciário um importante papel nesta gestão dos ris-cos. No entanto, a perspectiva de gerenciamento judicial dos riscos a partir do controle de constitucionalidade de leis ambientais mais restritivas ou protetivas ainda é pouco debatida pela doutrina, haja vista que pouco se escreve a respeito.

Pela análise de decisões do Supremo Tribunal Federal prolatadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIn) a seguir apresentadas, poderá se perceber como este Tribunal, ao dar sinais de que poderá supe-rar precedentes daquela Corte, extremamente formalistas e legalistas em matéria de controle de constitucionalidade de leis ambientais, abre cami-nhos para se investigar como se dá e, em que medida, o gerenciamento judicial dos riscos no controle de atos legislativos que versem sobre ma-téria ambiental, cuja competência é concorrente entre União, Estados e Municípios.

Nesse intento, serão analisados precedentes e ainda duas decisões monocráticas dos ministros do STF, Marcos Aurélio e Ayres Brito, no julga-mento das ADIns 3.937 e 3.357, respectivamente, que foram apreciadas em conjunto. Em questão, a constitucionalidade das Leis nºs 12.684/2007, do Estado de São Paulo, e 11.643/2001, do Estado do Rio Grande do Sul, que baniram a exploração de qualquer espécie de amianto em seus territórios. Tendo a Lei Federal nº 9.055/1995, sobre o tema, estabelecido o uso contro-lado de uma espécie, o do tipo crisotila e a Constituição Federal distribuído competências privativas a cada ente, a constitucionalidade das referidas leis

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estaduais foi questionada sob a alegativa de usurpação de competência fe-deral. Os autores das ações alegam que as leis excederam a competência legislativa conferida pela Constituição aos Estados.

Para o fim proposto no presente artigo, em um primeiro momento, serão apresentadas as diferentes concepções sobre risco e a sua trajetória histórica na teoria social até a sua fase de apropriação por outros campos de saberes, com enfoque sobre o posicionamento teórico de Ulrich Beck, tra-zendo ainda algumas contribuições de estudiosos brasileiros sobre o tema.

Posteriormente, será considerado como a Constituição pode albergar a ideia de um gerenciamento de riscos por parte do Poder Público e como Judiciário poderá exercer esse papel e em que medida, considerando que este gerenciamento deverá respeitar o princípio da separação dos poderes, além dos princípios ambientais de proteção.

1 CONCEItO DE rISCO NaS DIFErENtES CONCEPÇÕES

Ao se estudar a teoria do risco, uma primeira indagação que surge é sobre o conceito de risco, na atualidade. A dificuldade na construção de tal conceito nos leva a perquirir a sua historicidade e as circunstâncias passadas e presentes envolvidas na temática do risco e as possíveis pers-pectivas que podem ser adotadas na tentativa de uma objetividade maior em torno dos elementos que compõem a ideia de risco e de sociedade do risco.

Um retrato da historicidade da nomenclatura e do conceito remete à época das grandes navegações, na qual a concepção de risco ou de correr riscos está associada à ideia de aventura, coragem e ousadia. À medida que o processo civilizacional avança, o homem sente a necessidade de, por exemplo, criar seguros ou uma caixa comum onde todos pudessem contri-buir a fim de pagar uma indenização em caso de eventuais naufrágios1.

Do século XVIII ao século XX, com o desenvolvimento das forças produtivas da industrialização, elevou-se o padrão conceitual de risco ao se inserir um processo de resposta ao mesmo. Assim, a noção de risco vai so-frendo mudanças ao longo do tempo. Na modernidade, dissocia-se de uma justificação mítica e tradicional da realidade, quando se atribui as catástro-fes e eventos naturais exclusivamente à força da natureza ou à força divina. O conceito de risco passa a designar, então, a invenção de uma civilização

1 BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. Trad. Luiz Antonio Oliveira de Araújo. São Paulo: Editora Unesp, 2003. p. 114.

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que busca tornar previsíveis as consequências imprevisíveis das decisões tomadas, controlar o incontrolável, sujeitar os efeitos colaterais a medidas preventivas conscientes e aos arranjos institucionais apropriados2.

Para o fim proposto no presente estudo, seguir-se-á o esquema apre-sentado por Eduardo Marandola Júnior e Daniel Joseph Hogan (2004), que sistematizam as quatro grandes linhas de investigação que se desenvolve-ram em torno do risco: (i) as análises científicas voltadas à avaliação e ges-tão do risco; (ii) as análises voltadas à percepção do risco; (iii) as análises de eventos e sistemas ambientais, em torno dos conceitos de vulnerabilidade, suscetibilidade e fragilidade; (iv) as “teorias do risco” que colocam o tema no centro da teoria social, especialmente a partir da noção de “sociedade de risco”, divulgada por Beck e Giddens.

Marandola Jr. e Hogan (2004) consideram que as duas primeiras li-nhas de investigação aparecem intimamente ligadas, sendo que a percep-ção sobre o risco é incorporada como forma de enriquecer o modelo teórico elaborado para o processo de avaliação e gestão dos riscos. Contudo, os estudos sobre avaliação e gestão de riscos estão ligados a uma visão objeti-vista. Postura presente nos primeiros estudos geográficos dos perigos natu-rais, nos trabalhos com a saúde pública, todos com o intuito de trazer maior certeza por meio do conhecimento científico.

Segundo Guivant (1998, p. 3), foi especialmente a partir dos anos 1960 que estes estudos técnicos e quantitativos de risco passaram a ser rea-lizados dentro de várias disciplinas, como: toxicologia, epidemiologia, psi-cologias – behaviorista e cognitiva – e engenharias. Os métodos formulados por esta abordagem foram adotados como centrais para os procedimentos regulatórios realizados por agências dos Estados Unidos, como a Environ-mental Protection Agency (EPA), a Food and Drug Administration (FDA) e a Occupational Safety and Health Administration (OOSHA), cujos critérios e standards servem como parâmetro para as políticas de outros países.

Muito comum, neste momento, é a ideia de “risco aceitável”, formu-lado em 1969 por Starr, que resumidamente é aquele que pode ser tolerado, frente aos benefícios de determinada prática arriscada. Estes estudos quan-titativos dos riscos, no entanto, sujeitaram-se a inúmeras críticas pela falta de dados científicos e divergência de opiniões entre os cientistas (Guivant, 1998).

2 Idem, p. 115.

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Mary Douglas, por meio de sua obra Pureza e Perigo (1966), inaugura o paradigma socioconstrucionista do risco, que se enquadra no grupo de investigação II anteriormente citado (percepção dos riscos) e se difere do anterior por se afastar do tecnicismo e objetivismo das análises anteriores. Esta noção veio como inspiração aos teóricos como Beck e Giddens. Desen-volveu a teoria cultural dos riscos a partir de uma visão socioconstrutivista, segundo a qual os indivíduos são organizadores ativos de suas percepções, impondo seu significado aos fenômenos. Não se tinha, nesta época, uma preocupação com os riscos tecnológicos ou naturais, e sim com os riscos dos rituais culturais de sociedades simples.

Mais tarde, Wildavsky e Douglas (2012) trouxeram o tema do risco para o campo do debate político e moral. Segundo elas, a atenção que as pessoas dão a determinados riscos em lugar de outros seria parte de um pro-cesso sociocultural, que dificilmente tem uma relação direta com o caráter objetivo dos riscos. Os riscos são percebidos e administrados de acordo com princípios que reforçam formas particulares de organização social e, assim, deixa de ser possível tratar os riscos como ferramentas metodológicas quantitativas.

Já tratando do terceiro grupo de investigação, têm-se o estudo dos riscos relacionados a eventos e sistemas ambientais. Tais estudos se baseiam em pesquisas empíricas, carecendo, entretanto, de uma base conceitual inovadora. Nesses estudos, são trabalhados os conceitos de vulnerabilida-de, suscetibilidade e ou fragilidade dos sistemas ambientais em relação a eventos externos geralmente causados pelo homem (Marandola Jr.; Hogan, 2004, p. 35).

Passando para uma última abordagem, têm-se a noção de sociedade do risco trazida por Ulrich Beck e Anthony Giddens. A visão dos autores tem certas distinções, como bem aponta Eugene Rosa (2000), que podem ser relevantes para o propósito do presente estudo. Importante, neste mo-mento, é observar que a teoria da sociedade do risco, diferentemente das anteriores, coloca a temática dos riscos no centro da teoria social.

Beck (2010, p. 231) traz a visão de um processo constante de mo-dernização reflexiva da sociedade industrial a partir de alguns argumentos: 1) lógica da distribuição dos riscos; e 2) teorema da individualização. O processo de individualização concebido pelo autor é visto como o resultado do próprio processo de modernização assegurado pelo Estado de Bem-Estar social, como uma forma de destradicionalizar as formas de vida da socie-dade industrial. Esse processo teria como resultado o que hoje se denomina sociedade do risco.

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Para o autor, o que diferencia sociedade industrial e sociedade do risco não é a forma de lidar com o risco, nem a maior qualidade ou al-cance dos riscos produzidos por novas tecnologias, mas o fato de que as circunstâncias sociais são radicalmente alteradas. A cientificização dos ris-cos, segundo o autor, faz com que o seu caráter latente seja cancelado. Tal realidade, para ele, faz com que: “as fronteiras entre sociedade e natureza se desvaneçam”, e assim os danos ambientais já não poderão ser vistos apenas como danos ao meio ambiente, mas como “contradições sociais”, políticas, econômicas e culturais” do sistema (Beck, 2010, p. 232).

Beck busca revelar e fazer compreender a importância sócio-histórica do risco na modernidade. Como o próprio Beck reconhece, não é que o risco seja uma invenção moderna. A diferença, entretanto, entre os riscos atuais daqueles enfrentados em épocas anteriores ao desenvolvimento in-dustrial é que os primeiros são situações de ameaça global e de uma possí-vel autodestruição da vida na Terra (Beck, 2010, p. 25).

Os riscos do desenvolvimento industrial são muitos antigos, como é o “risco da pobreza”, “o risco da saúde” etc. Contudo, os riscos atuais, como é o caso da radioatividade, representam verdadeiras ameaças globais desa-fiando as antigas categorias – espaço e tempo, empresa e Estado nacional etc. – que antes norteavam o pensamento e o agir daqueles que lidavam com os riscos industriais (Beck, 2010, p. 27).

Como isso, Beck alerta que a sociedade de risco traz à tona a auto-limitação do desenvolvimento, assim como da tarefa de redeterminar os padrões de responsabilidade, segurança, controle, limitação do dano e dis-tribuição das consequências do dano. E continua, dando conta de que es-tes últimos escapam à percepção sensorial e excedem a nossa imaginação, e também não podem ser determinados com precisão pela ciência (Beck, 2003, p. 17).

Diferentemente de Beck, Giddens (1997, p. 220) prefere usar o termo reflexividade institucional, em vez do termo modernidade reflexiva, pois considera que este último daria uma “suposição de uma ‘direção’ clara de desenvolvimento”, sendo que, na verdade, o que se encontra na atualidade são circunstâncias confusas, nas quais não há mais caminhos claros de de-senvolvimento. A partir da mesma perspectiva de Beck sobre os processos de destradicionalização das formas de vida antes existentes nas sociedades industriais e que resultam em uma sociedade de riscos, assim preleciona:

[...] Um universo social de reflexividade expandida é um universo marcado pela redescoberta da tradição tanto quanto sua dissolução; e pela destruição frequen-

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temente excêntrica daquilo que, durante algum tempo, pareceu serem tendências estabelecidas. Isto não significa – como dizem alguns seguidores do pós-moder-nismo – que o mundo se torne inerentemente refratário às tentativas humanas de controle. Essas tentativas de controle com respeito, a exemplo, riscos de grandes consequências, permanecem necessárias e factíveis; entretanto, precisamos reco-nhecer que essas tentativas estarão sujeitas à muitas rupturas, quer para o bem, quer para o mal.

No que interessa à presente pesquisa, pode-se destacar as observações de Giddens sobre a necessidade de um “controle” ou “gestão” dos riscos, especialmente os de grandes consequências, mesmo diante das circunstân-cias de incerteza e de constantes mudanças ou destradicionalizações.

Sobre os riscos ambientais, enfatiza que as questões ecológicas têm de ser compreendidas em termos do “fim da natureza” e da destradicio-nalização. Sendo que para ele, em ambos os casos, o que antes parecia desconectado com a vida social humana tornou-se o resultado dos proces-sos sociais. Assim, pondera que, sempre que “algo usualmente determinado pela natureza” – compreendida tanto em termos de “ambiente” quanto de tradição – “torna-se uma questão de decisão, novos espaços éticos são aber-tos e novas perplexidades políticas são criadas” (1997, p. 227). Desse modo é que podemos compreender o que significa, para ele, a reflexividade insti-tucional ou essas novas perplexidades políticas e esses novos espaços éticos que são abertos na sociedade pós-moderna, a partir de quando o risco passa a estar relacionado a decisões humanas.

Ao analisar as diferentes contribuições das abordagens sobre o risco, pode-se considerar que a própria estrutura e os papéis das instituições res-ponsáveis pela tomada de decisões na sociedade de risco carecem de ser repensados, tendo em mente pelos menos dois desafios que se apresentam, como bem reconhece Silveira (2013, p. 129): 1) a de que o tratamento dado ao risco pelas ciências exatas e ciências sociais revela o desafio que é a inte-gração entre os conteúdos ditos científicos e os conteúdos ditos valorativos nas tomadas de decisão acerca dos grandes problemas ecológicos; e 2) que esse desafio requer que as instituições jurídico-políticas se reformulem a fim de que possam apreender e problematizar de forma adequada o tema do risco ambiental.

Responder a indagação de como isto poderá ser feito pelo Judiciário, ou seja, por meio de quais instrumentos pode o Judiciário desempenhar um gerenciamento dos riscos ambientais, é a proposta do presente artigo.

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2 DO GErENCIaMENtO JUDICIaL DOS rISCOS POr MEIO DO CONtrOLE DE CONStItUCIONaLIDaDE

2.1 preVISão conStItucIonAl de um gerencIAmento de rIScoS

O art. 225, § 1º, V, da Constituição Federal é considerado o marco normativo brasileiro da proteção dos direitos das gerações futuras. Conside-ra-se ainda que o referido dispositivo alberga a ideia de um gerenciamento de riscos a ser promovido pelo Poder Público, seja em nível federal, esta-dual e municipal.

Delton Winter de Carvalho (2011), em uma perspectiva que se co-aduna com as concepções de Lumahnn sobre o elemento “decisão” ínsito na ideia de risco, discorre sobre a legitimidade conferida pela Constituição Federal a um gerenciamento dos riscos ambientais promovido também pelo Judiciário e não só por entes administrativos.

O autor propõe uma racionalização dos riscos, a ser promovida por ambos, a partir de um sentido constitucional, já que a previsão do futuro é matéria bastante árdua, especialmente para o Direito. Considera que, a partir do momento em que a Constituição Federal prevê, em seu art. 225, o direito das presentes e futuras gerações a um ambiente ecologicamente equilibrado, esta racionalidade do risco é possível, e tem-se aí a inserção da gestão dos riscos ambientais constitucionalmente legitimada.

Na visão do autor, o texto constitucional indica que ele foi construído com uma dupla dimensionalidade jurídico-normativa e que visa tutelar am-bas as “dimensões” de problemas ambientais, quais sejam tanto as situações de prevenção e repressão à poluição quanto os problemas relacionados aos efeitos combinados e duradouros da degradação (Carvalho, 2011).

Para o autor, tal previsão constitucional representa, em um contexto de uma sociedade global de risco, a imposição de que um gerenciamento global dos riscos seja direcionado a prevenir os danos ambientais que pos-sam representar risco aos interesses das futuras gerações, tamanha a sua magnitude e poder de destruição.

Ainda segundo Carvalho (2011), o Judiciário, neste cenário, tem atuado de forma subsidiária, quando os instrumentos administrativos não estão dis-poníveis ou são inadequados, quando não existem ou tenham sido utiliza-dos insatisfatoriamente, sem, portanto, atingir os fins constitucionalmente estabelecidos. Cita, por exemplo, as ações de controle e revisão de atos ad-

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ministrativos, a responsabilidade ambiental, as medidas liminares de urgên-cia, medidas preventivas etc., instrumentos por meio dos quais o Judiciário pode decidir, segundo o autor, sobre a tolerabilidade ou inaceitabilidade dos riscos ou danos ambientais futuros.

2.2 oS precedenteS dA corte que IndIcAm A AuSêncIA de umA perSpectIVA AmbIentAl de gerencIAmento de rIScoS

O Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, tem sido provocado a decidir sobre conflitos entre Estados e a União envolvendo a competência legislativa concorrente desses entes em matéria ambiental. Algumas dessas leis estaduais em matéria ambiental que são questionadas buscam regular, de forma pormenorizada, situações que trazem impactos consideráveis para um determinado Estado. Contudo, outros Estados por se sentirem lesados, mesmo que indiretamente, pelos efeitos daquela norma de âmbito estadual formalizam representações em forma de ações de incons-titucionalidade, deixando ao Supremo Tribunal Federal a incumbência de decidir quanto ao futuro da lei questionada e consequentemente de toda a população envolvida naqueles ambientes.

Para contestar leis que garantem maior proteção aos bens ambientais, diversas vezes são empregados fundamentos estritamente legalistas, sem se levar em consideração questões ambientais mais profundas, assim demons-tram os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal.

Passa-se a analisar inicialmente a Ação de Inconstitucionalidade nº 3.035, ajuizada em face da Lei nº 14.162, de 27 de outubro de 2003, do Estado do Paraná, que, no âmbito daquele Estado, proibia o cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. A lei excetuava dessa proibição os organismos geneticamente modificados (OGM) obtidos com certas técnicas específicas de manipulação genética previstas no seu art. 4º, além de esta-belecer outras proibições.

O Partido da Frente Liberal, ao contestar a lei, apresentou como ar-gumentos a usurpação da competência legislativa privativa e concorrente da União pelo legislador estadual ao veicular, em norma estadual, maté-rias como importação, exportação, industrialização, comércio, trânsito de mercadorias e regime de portos e da competência residual, por ter a lei estadual veiculado matéria já disciplinada em lei federal (Lei nº 8.974, de 05.01.1995 e MP 131/2003).

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O Ministro Gilmar Mendes, Relator da ação, seguido pelos demais, deferiu a cautelar, determinando a suspensão da vigência da lei paranaense. Posteriormente, a ação foi julgada procedente para declarar a inconstitucio-nalidade da lei. Entre os fundamentos, alguns chamam a atenção pelo cará-ter estritamente legalista: a) usurpação de competência privativa da União no que se refere à comercialização, exportação e importação; b) que as normas gerais contidas no bojo da legislação federal citada anteriormente não trazem restrições tão severas quanto a lei estadual e que esta estaria ne-gando vigência à lei federal; c) a de que o art. 225, V, da CF/1988 determina que os Estados controlem a produção, e não a proíbam, não podendo os Estados proibir o que a Constituição determinou que controlassem.

Na decisão, há ainda menção à precedente daquela Corte, a ADIn 2.396, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, cujo voto conclui que o STF não se imiscui na questão técnico-científica, sendo que eventuais conclu-sões dos estudos sobre o tema que identifiquem a nocividade ou periculo-sidade dos organismos geneticamente modificados deverão servir apenas de subsídio para a atuação da autoridade sanitária. Não obstante, a referida ADIn afasta a aplicação de Lei Estadual nº 2.210/2001, do Estado do Mato Grosso, por compreender que houve ofensa à competência legislativa con-corrente da União.

Uma outra decisão do Supremo Tribunal Federal ocorreu no julga-mento da constitucionalidade da Lei paranaense nº 14.861, de 26 de ou-tubro de 2005, que disciplinou, no âmbito daquele Estado, a rotulagem de produtos alimentícios que contivessem organismos geneticamente modifi-cados ou ingredientes deles derivados. A referida lei também foi julgada in-constitucional sob argumentos muitos semelhantes aos citados na primeira decisão, desprovidos também da perspectiva de direitos ambientais.

Não obstante os fundamentos de tais decisões carecerem de uma perspectiva ambiental de gerenciamento de riscos. Os elementos econô-micos e financeiros são, por outro lado, percebidos, quando da menção, aos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, princípios estes que foram preponderantes para se declarar a inconstitucio-nalidade das leis estudais mais protetivas.

Pela análise de tais casos, percebe-se que o exercício de conciliar os interesses de proteção ambiental com a distribuição harmoniosa de compe-tências torna necessária uma abertura para uma perspectiva ambiental de gerenciamento de riscos. Frente ao cenário de incertezas que foi problema-

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tizado especialmente pelas teorias da sociedade do risco aqui estudadas, têm-se que esse gerenciamento, apesar de difícil, se faz necessário.

Para tanto, bastante útil será um juízo de ponderação entre os prin-cípios citados nas decisões anteriores e os princípios da precaução e da prevenção, que, como se verá, estão diretamente relacionados à temática do risco.

A partir de tais princípios, o art. 225, § 1º, V, da Constituição Federal, o qual citamos anteriormente, poderá albergar uma interpretação mais am-pliativa do termo “controle”. Por esta concepção, o termo “controlar”, em certos momentos, poderá representar o que, por agora, se denomina de “ge-renciar” os riscos. O caput do artigo, ao prever a proteção dos direitos das presentes e futuras gerações a um ambiente sadio e equilibrado, já permite concluir que uma concepção mais alargada de direitos se faz necessária para garantir a efetividade e eficácia da norma constitucional. E essa percep-ção inclui considerar que a sociedade atual se constitui em uma sociedade global dos riscos, nos termos apregoados por Beck e outros.

2.3 dA perSpectIVA de um gerencIAmento JudIcIAl doS rIScoS obSerVAdA A pArtIr dA AnálISe do JulgAmento dAS AçõeS dIretAS de InconStItucIonAlIdAde nº 3.937 e nº 3.357

Passados alguns anos das decisões citadas, se pode perceber, mesmo que de forma incipiente, pelos votos dos ministros do STF, que aquela Corte vem dando sinais de que a preocupação com o ambiente e com a saúde pode preceder os debates estritamente legalistas que permeiam o campo da constitucionalidade de leis.

A conclusão anterior pode ser verificada quando da análise de duas decisões do Ministro Marcos Aurélio e do Ministro Ayres Brito, Relatores das ADIns 3.937 e 3.357, respectivamente, que foram apreciadas em conjunto. Em questão, a constitucionalidade das Leis nºs 12.684/2007, do Estado de São Paulo, e 11.643/2001, do Estado do Rio Grande do Sul, que baniram a exploração de qualquer espécie de amianto em seus territórios.

Tendo a Lei Federal nº 9.055/1995, sobre o tema, estabelecido o uso controlado de uma espécie, o do tipo crisotila, e tendo a Constituição Fe-deral distribuído a competência concorrente em matéria ambiental a cada ente, a constitucionalidade das referidas leis estaduais foi questionada, sob a alegativa de usurpação de competência federal.

Cabe destacar inicialmente que, apesar das duas ações ainda não te-rem sido julgadas em definitivo, o plenário, ao apreciar pedido cautelar,

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recusou-se a referendar a liminar concedida pelo Relator na ADIn 3.937, que deferia a suspensão da eficácia da Lei nº 12.684, do Estado de São Paulo, sob o argumento de que a Lei Federal nº 9.055/1995, não obstante trazer regras gerais, seria potencialmente inconstitucional por violação ao direito à saúde, estampado no art. 196 da Carta de 1988, e também por descumprir a Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, internalizada por intermédio do Decreto nº 126, de 22 de maio de 19913.

Já apreciando o mérito da ADIn 3.937, o próprio Relator Ministro Marcos Aurélio observa que a recusa do plenário em ratificar a suspensão da lei estadual pode ser vista como o anúncio de uma mudança da jurispru-dência que havia se firmado no sentido da inconstitucionalidade formal de normas estaduais que implicavam a vedação absoluta do uso e comércio do amianto.

Essa mudança de comportamento do plenário pode indicar a adoção de uma perspectiva ambiental pelo STF, afastando-se de uma análise mera-mente legalista do controle de constitucionalidade.

Dentro dos objetivos traçados no presente artigo, vê-se que os funda-mentos do voto do Ministro Marcos Aurélio, que, apesar de ter considerado inconstitucional a lei estadual mais protetiva, apresentou argumentos que demonstram uma preocupação com as questões ambientais, inclusive com os riscos ambientais, temática esta presente nos estudiosos da sociologia do risco e que são citados na decisão:

Vivemos no que Ulrich Beck veio a denominar de sociedade dos riscos (Socieda-de de risco: rumo a uma outra modernidade, 2010), marcada pelo uso de agentes nocivos ao ser humano e ao meio ambiente. Porém, parece inexistir a possibilida-de de regresso a um estado anterior. Não há indicações de que os seres humanos estejam prontos e desejosos de abandonar aparelhos eletrônicos, medicamentos, meios de transporte, materiais de construção, enfim, retornar a um “estado de na-tureza”, pré-civilização tecnológica, como, aliás, se ela própria (a natureza) não oferecesse riscos, o que só pode resultar de uma visão romântica.

3 A Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho – OIT trata sobre a utilização do amianto com segurança e em seu art. 10 assim prevê: “Quando necessárias para proteger a saúde dos trabalhadores, e viáveis do ponto de vista técnico, as seguintes medidas deverão ser previstas pela legislação nacional:

a) sempre que possível, a substituição do amianto ou de certos tipos de amianto ou de certos produtos que contenham amianto por outros materiais ou produtos, ou, então, o uso de tecnologias alternativas desde que submetidas à avaliação científica pela autoridade competente e definidas como inofensivas ou menos perigosas;

b) a proibição total ou parcial do uso do amianto ou de certos tipos de amianto ou de certos produtos que contenham amianto para certos tipos de trabalho”.

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Para o Ministro Marcos Aurélio, enquanto não for alcançado o desen-volvimento desejável de novas tecnologias preconizadas pela Convenção nº 162, da OIT, deve permanecer o uso controlado da espécie de amianto do tipo crisotila, não banido pela legislação federal. Um trecho do seu voto resume a visão do jurista:

É preciso encarar de forma clara a questão ora debatida: escolhas regulatórias normalmente se dão entre alternativas que envolvem riscos. Isso porque não existem estudos conclusivos quanto a toxicologia do álcool polivinílico e do po-lipropileno, potenciais substitutos do amianto. A rigor, o Supremo estaria substi-tuindo um risco à saúde do trabalhador, fartamente conhecido e documentado, por outro, ainda ignorado pela literatura médica. No momento de fazer opções, a chave é buscar a conciliação entre benefícios e malefícios, distinguir entre riscos gerenciáveis e não gerenciáveis, entre eventos danosos reversíveis e irreversíveis.

Tendo o julgamento anterior se dado em conjunto com a ADIn 3.357, o Ministro Ayres Brito, Relator desta última, apresentou seu votou pela cons-titucionalidade da Lei nº 11.643/2001, do Estado do Rio Grande do Sul, com os seguintes fundamentos:

[...] A toda evidência, não é o que se dá com a lei estadual aqui impugnada. Lei estadual que, ao proibir a comercialização de produtos à base de amianto, cumpre muito mais a Constituição da República no plano da proteção da saúde (evitar riscos à saúde da população em geral, dos trabalhadores em particular e do meio ambiente). Quero dizer: a legislação estadual é que está muito mais próxima do sumo princípio da eficacidade máxima da Constituição em tema de direitos fundamentais. Tão mais próxima da Convenção da OIT, acresça-se, quanto o diploma federal dela se distancia. Mas cogitando-se dos bens jurídicos aqui especificamente versados, parece-nos claro que eventual colisão normativa há de ser compreendida em termos de proteção e defesa; isto é, o exame das duas tipologias de leis passa pela aferição do maior ou menor teor de favorecimento de tais bens ou pela verificação de algo também passível de ocorrer: as normas suplementares de matriz federativamente periférica a veicular as sobreditas pro-teção e defesa, enquanto a norma geral de fonte legislativa federal, traindo sua destinação constitucional, deixa de fazê-lo. Ou, se não deixa totalmente de fazê--lo, labora em nítida insuficiência protetiva e de defesa.

Entre outros fundamentos, as duas decisões consideraram as ques-tões envolvidos nos riscos ambientais e que foram prescritas na Convenção nº 162, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E apesar dos dois votos terem conclusões distintas, em torno do mesmo tema, um garantindo a prevalência da lei mais protetiva e outro afastando a proteção, pode-se perceber a perspectiva ambiental no centro das discussões, em detrimento de discussões meramente legalistas. Sinais, portanto, de que é possível se

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falar em um gerenciamento judicial dos riscos no controle de constituciona-lidade de atos legislativos, que versem sobre matéria ambiental.

Na ADIn 3.937, os riscos documentados sobre o amianto não foram suficientes para levar o julgador a compreender a necessidade de seu bani-mento, ao passo que negou a constitucionalidade da lei estadual mais prote-tiva, desconsiderando inclusive os princípios da precaução e da prevenção nos contornos que aqui serão traçados.

Importante observar que o voto do Ministro Ayres Brito, mesmo sem citar diretamente as teorias da sociologia do risco nem o princípio da pre-caução ou prevenção, cita o princípio da maior proteção ao ambiente, entre outros fundamentos, demonstrando a preponderância de tais princípios em uma perspectiva ambiental.

Um conclusão importante que se pode extrair da decisão é o fato da mesma considerar que a escolha ou filtragem dos riscos a serem tolerados ou não cabe aos Estados, e não à União, especialmente quando estas nor-mas estaduais mais protetivas do ambiente se deparam com uma legislação federal que promove uma proteção deficitária. Neste caso, os Estados envol-vidos no julgamento decidiram banir qualquer espécie de amianto, frente à possível magnitude das consequências futuras de seu uso.

Percebe-se, portanto, neste momento, a concepção dos julgadores de uma sociedade do risco, e, ainda que tais julgamentos não tenham sido concluídos, já se pode observar um avanço em relação às concepções an-teriores. Os desafios que essa sociedade global dos riscos impõe aos instru-mentos jurídicos de proteção ao ambiente e ao próprio Direito Ambiental podem, assim, prosseguir, dando um passo adiante no sentido de definir cri-térios para a tomada de decisões e para o gerenciamento judicial dos riscos por meio do controle de constitucionalidade de leis ambientais.

Para tanto, ganham destaque os princípios ambientais. Havendo con-flito de normas, por exemplo, Farias (1999, p. 356) aduz que o in dubio pro natura constituirá o princípio inspirador da interpretação: “nos casos em que não for possível uma interpretação unívoca, a escolha deve recair sobre a interpretação mais favorável à proteção ambiental”.

Do princípio anteriormente citado decorrem ainda dois outros prin-cípios: princípio da prevenção e princípio da precaução, que, nas palavras de José Rubens Morato Leite e Patrick Ayala, partindo dos estudos de Beck, estão posicionados agora na qualidade de elementos de estruturação e in-formação de todo esse sistema (Morato Leite; Ayala, 2004, p. 191).

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Tais princípios repercutem inclusive quando se discute o tema da constitucionalidade de leis ambientais mais restritivas, não obstante alguns posicionamentos em contrário. A matéria, para Paulo de Bessa Antunes, está adstrita a um tratamento formal, onde predomina a observância de critérios de competência já previamente estabelecidos e do princípio da segurança jurídica. Eis o pensamento de Antunes (2010, p. 90):

Pouco importa que uma lei seja mais restritiva, e apenas para argumentar, seja mais benéfica ao meio ambiente, se o ente político que a produziu não é dotado de competência para produzi-la. A questão central que deve ser enfrentada é a que se refere à competência legal do órgão que elaborou a norma [...].

Por outro lado, considerando a lição de Habermas sobre a força nor-mativa dos princípios, pode-se considerar que, mesmo em terrenos consi-derados plenamente regulados, como é o terreno da competência constitu-cional, ainda assim há lugar para os princípios:

Ademais, os princípios ganharam força normativa e um papel inteiramente reno-vado no ordenamento jurídico e para a interpretação constitucional. São eles que tornam o ordenamento jurídico permeável aos valores, tendo o direito positivo assimilado inevitavelmente conteúdos morais. (Habermas, 2003, p. 253)

Patryck Ayala (2007, p. 365), ao tratar do federalismo ambiental e re-partição de competências, considera a necessidade de conciliar os objetivos de proteção do meio ambiente, inclusive por meio da intervenção legislativa mais restritiva, com a necessidade de proteção das capacidades legislativas dos Estados-membros, para que seja possível conferir-lhes condições reais de participação. Para ele, esse seria talvez o problema de maior relevância colocado aos Tribunais, especialmente ao Supremo Tribunal Federal.

Nesse exercício de conciliar os interesses de proteção ambiental com a distribuição harmoniosa de competências, se faz necessária uma abertura para um juízo de ponderação entre os princípios, trazendo a temática do risco para o centro destas discussões, como é a proposta dos autores aqui estudados. Com isso, entram em cena os princípios da segurança jurídica de um lado (regras de competência) e os princípios da prevenção e precaução de outro (princípios de proteção ao meio ambiente).

Morato Leite e Ayala, para traçar os contornos de caracterização dos princípios da prevenção e precaução, entendem que a precaução é dirigida ao perigo abstrato, enquanto o princípio da prevenção é dirigido pela ciên-cia e pela detenção de informações certas e precisas sobre a periculosidade e o risco fornecido pela atividade ou comportamento concreto e específico,

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que, assim, revela situação de maior verossimilhança do potencial lesivo que aquela controlada pelo princípio da precaução. Nas palavras do autor: “o objetivo fundamental perseguido na atividade de aplicação do princípio da prevenção é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade de que já se sabe perigosa” (Morato Leite; Ayala, 2004, p. 70-71).

Por se tratar de problema social, se coloca a questão de qual instância está mais legitimada e preparada materialmente para decidir se um risco ha-verá de ser levado em conta ou não. E, ainda, de como elevar a consciência dos indivíduos sobre os riscos para a tomada de tal decisão.

2.4 AlcAnce e AS poSSIbIlIdAdeS de um gerencIAmento JudIcIAl doS rIScoS

Ao decidir sobre o exercício da competência legislativa dos Estados, o Judiciário, de certa forma, define suas próprias competências e seus limites. Tal conclusão pode ser extraída pela análise dos votos elencados. No caso dos julgamentos citados, tem-se que:

1. No voto do Ministro Marcos Aurélio, este, ao comparar os riscos do amianto, que já são bastante documentados, ao de outros produtos alternativos, cujos riscos são menos conhecidos pela ciência, julga, ao final, pela manutenção do uso do amianto. Com isso, se imiscui em competência do Poder Executivo Esta-dual quanto ao gerenciamento de riscos em seu território.

2. Pela análise do voto do Ministro Ayres Brito pode-se extrair a conclusão de que este reconhece a legitimidade dos Estados em definir e gerenciar os riscos dentro de suas áreas de abrangência, não considerando ser o Judiciário competente para tanto.

Um outro voto também bastante relevante para a presente discussão é do Ministro Joaquim Barbosa, voto-vista na mesma ADIn 3.937-MC. O Ministro, analisando a compatibilidade da norma estadual de proteção am-biental com a norma internacional (Convenção nº 162 OIT), traz a ideia de que:

O conteúdo dessa Convenção é um critério definitivo para se avaliar o exercício da competência legislativa dos estados. No caminho que vem sendo aberto pela Corte, a Convenção possui, no mínimo, o status de norma supralegal e infra-constitucional. Além de proteger o direito humano à saúde, a Convenção foi muito feliz ao exigir que os Estados-partes condicionassem possíveis exceções nacionais à proibição do amianto ao progressivo desenvolvimento de materiais que pudessem substituir o crisotila. Penso que é essa a norma a ser extraída do artigo 3º da Convenção:

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[...] Penso que é inadequado concluir que a lei federal exclui a aplicação de qualquer outra norma ao caso. A pré-existência da Convenção impede que se tente elevar a lei ordinária federal ao status de norma geral. Em verdade, é a Con-venção que possui tintas de generalidade. A distinção entre lei geral e lei espe-cífica é inaplicável ao caso das leis sobre amianto. E isto por uma razão simples: em matéria de defesa da saúde, matéria em que os estados têm competência, não é razoável que a União exerça uma opção permissiva no lugar do estado, retirando-lhe a liberdade de atender, dentro de limites razoáveis, os interesses da comunidade. O exercício desta opção esvaziaria o compromisso assumido pelo Brasil na Convenção.

Um ponto importante da decisão que pode ser pinçado a título de conclusão é o fato de considerar que a escolha sobre quais os riscos podem ser enfrentados ou suportados cabe aos Estados, e não à União ou ao Poder Judiciário, quando se tratar da saúde e ambiente de uma determinada co-munidade.

Nestes julgamentos, viu-se que os Estados decidiram banir qualquer espécie de amianto, frente à possível magnitude das consequências futu-ras de seu uso em seu território e, pelos votos dos ministros, percebe-se que houve o reconhecimento de que a competência do Judiciário, no que concerne a um gerenciamento judicial dos riscos por meio do controle de constitucionalidade, se limita a garantir que os Estados, seja por instrumen-tos administrativos ou legislativos, exerçam suas competências estaduais de proteção à saúde e ao ambiente, conforme estabelecido na Constituição Federal. Não cabe, portanto, ao Judiciário, decidir ou gerenciar os riscos em lugar dos Estados, usurpando suas competências, especialmente quando exercidas em conformidade com os ditames constitucionais.

Considera-se, ainda, relevante para a discussão de como um geren-ciamento dos riscos poderá ser promovido pelos diferentes entes públicos a ideia de transdisciplinaridade frente aos novos desafios para a proteção jurídica do ambiente nas sociedades de risco. Tal teoria, que, aqui no Brasil, vem sendo explicitada por Patryck Ayala (2011, p. 17), consiste em demons-trar que, nas sociedades contemporâneas, a ciência perde a posição de ins-tância central de legitimação do conhecimento e o monopólio de produção disciplinar da verdade, e, como alternativa, propõe o autor que as decisões sobre os riscos são “decisões que requerem julgamentos em processos pú-blicos, abertos e plurais, privilegiando uma abordagem transdisciplinar so-bre os processos de decisão”.

Segundo o autor, tal abordagem transdisciplinar consiste em buscar a organização de alternativas funcionais e, mais do que isso, eficientes, para

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a fundamentação e justificação das escolhas e das decisões (respostas), que permitam atingir o ponto ótimo de proteção do ambiente em sociedades cuja característica fundamental reside em não oferecer as condições de se-gurança técnica, científica e informativa necessárias para esses processos de tomada de decisão (Ayala, 2011, p. 17).

Como superar tais imprecisões a partir de processos e não de for-ma unilateral, preferindo a negociação, é uma das questões levantadas por Ayala. As decisões negociadas e os modelos de cooperação são apresen-tados, então, como alternativas e podem resultar na criação de programas orientados para o futuro (a partir da concepção de prevenção dos riscos).

A concepção transdisciplinar que defende, portanto, irá se valer da cultura, da tradição, do senso comum e da experiência, conhecimentos que, muitas vezes, são desprezados pela ciência, permitindo um diálogo entre esses diversos saberes que seja capaz de desenvolver uma nova racionali-dade social, econômica, política e jurídica que, necessariamente, passará por se estabelecer um sentido integral de definição dos objetivos do direito ambiental.

Partindo-se dessas ideias, pode-se considerar que o Judiciário, ao se revelar como guardião da Constituição, de suas próprias competências e das competências dos demais entes, poderá se valer da transdisciplinarida-de para a tomada de suas decisões, bem como os demais poderes e entes governamentais.

CONCLUSÃO

A Constituição Federal, especialmente em seu art. 225, § 1º, reclama um gerenciamento dos riscos pelos Poderes Públicos, nestes incluídos o próprio Poder Judiciário, que poderá exercê-lo tanto no controle de atos ad-ministrativos quanto no próprio controle de constitucionalidade de leis am-bientais. A percepção de uma sociedade do risco levará à aplicação de prin-cípios protetivos que harmonizem uma interpretação estritamente legalista pelos tribunais em matéria de análise de competência legislativa ambiental.

Não obstante, o fato das duas decisões analisadas anteriormente apontarem para caminhos diversos, uma considerando a possibilidade de leis estaduais que garantam maior proteção do que a prevista em leis fede-rais e outra negando a possibilidade de uma lei estadual ser mais protetiva do ambiente e da saúde do que uma lei federal, o ponto comum das duas decisões é que apresentaram uma perspectiva ambiental de gerenciamento

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judicial de riscos que antes não era observada quando do julgamento de ações de controle de constitucionalidade por usurpação de competência em matéria ambiental.

Apesar de se reconhecer que a adoção, pelo STF, dos fundamentos das teorias do risco para enfrentar os conflitos de competência legislati-va ambiental não seja uma garantia de uma maior proteção do ambiente, concebe-se que a percepção dos riscos e dos desafios que estes impõem, para além dos aspectos econômicos e financeiros, indica um avanço na consecução dos objetivos constitucionais de maior proteção aos direitos das gerações presentes e futuras.

Um gerenciamento judicial dos riscos a partir do controle de constitu-cionalidade de leis ambientais é, assim, uma exigência constitucional, sen-do que o Judiciário deverá exercê-lo como um guardião das competências dos entes que melhor representem os interesses das comunidades em risco.

Por fim, as alternativas que se apresentam para se promover tal ge-renciamento dos riscos envolvem processos decisórios complexos e deman-dam conhecimentos oriundos de diversas áreas, em um diálogo e um amplo espaço de negociação e debates, haja vista que, em uma sociedade dos riscos, as incertezas e a insegurança não afastam a imprescindibilidade das escolhas, e o puro conhecimento científico poderá ser insuficiente para per-mitir que elas sejam as mais adequadas para a garantia da melhor proteção ao ambiente.

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Parte Geral – Doutrina

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A Emergência dos Direitos Autorais do Ambiente Digital

The Emergence of the Digital Environment Copyright

LUIZ GONZAGA SILVA ADOLFOPossui Mestrado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2000) e Doutorado em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2006). Tem experiência de vinte e quatro anos em ensino superior, com atuação e experiência docente em pesquisa, extensão, prática jurídica e pós‑graduação (em nível de Especialização e Mestrado). Possui experiência em coordenação de atividades educacionais em ensino superior. Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós‑Graduação em Direito (Mestrado) da Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc, Professor do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra, Campus Gravataí. Coordenador do Curso de Direito da Ulbra Gravataí, Membro da Associação Portu‑guesa de Direito Intelectual – APDI, da Associação Brasileira de Direito Autoral – ABDA, e da Comissão Especial de Propriedade Intelectual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RS), que presidiu na gestão 2010/2012. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado, atuando principalmente nos seguintes temas: Direito da Propriedade Intelectual, Di‑reitos Culturais, Direito Civil, Teoria do Direito e Prática Jurídica Cível.

Submissão: 03.03.2016Decisão Editorial: 21.03.2016Comunicação ao Autor: 21.03.2016

RESUMO: O modelo clássico de Direitos Autorais – construído no século XX, a partir da Convenção de Berna – mostra‑se em descompasso com a realidade social e tecnológica da contemporanei‑dade e, em vários pontos, fere regras e princípios constitucionais. Foi estudada a necessidade de atualização da regulação jurídica dos direitos autorais, especificamente para novas e várias formas de utilização no ambiente digital. Utilizaram‑se tratados e convenções internacionais na área dos Direitos Intelectuais, Constituição Federal e Lei de Direitos Autorais, bem como autoralistas que en‑focam o problema e, particularmente, a Proposta de análise dos Direitos de Autor no Ambiente Digital (SCCR/31/4), apresentada pelo Grupo de Países da América Latina e o Caribe (Grulac) na trigésima primeira sessão do Comitê Permanente sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em Genebra, de 7 a 11 de dezembro de 2015. Como re‑sultado, ratifica‑se o esgotamento de um “modelo” de regulação nas esferas internacional e nacional e conclui‑se pela emergência de um novo padrão de direitos autorais para o entorno digital.

PALAVRAS‑CHAVE: Direitos fundamentais; direitos autorais; Organização Mundial da Propriedade Intelectual; Grupo de Países da América Latina e o Caribe/Grulac; Ambiente digital.

ABSTRACT: The classical model of Copyright – built in the 20th century, (starting) from the Berne Convention – is out of step with the social and technological reality of contemporary times and offen‑ds constitutional rules and principles in several points. The need of updating of the legal regulation of Copyright has been studied specifically for the new and various forms of use in the digital environ‑

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ment. Studies are based on international treaties and conventions in the area of Intellectual Property Rights, The Federal Constitution, Copyright Law and also professionals specialized on authorship who focus on the problem and, particularly, the Proposal of Analysis of Copyright in the Digital Environment (SCCR/31/4), presented by the Group of Countries of Latin America and the Caribbean (GRULAC) in the 31st session of the World Intellectual Property Organization (OMPI) Standing Committee on Copyright and Related Rights, in Geneva, from 7 to 11 December 2015. As a result, the depletion of a “model” for regulation in the international and national spheres is ratified and it is concluded that a new standard of Copyright to the digital surroundings constitutes an emergency.

KEYWORDS: Fundamental rights; Copyright; World Intellectual Property Organization; Group of Coun‑tries of Latin America and the Caribbean/GRULAC; digital environment.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Breve recuperação histórica da crise dos Direitos Autorais; 2 Conciso deta‑lhamento da Proposta da Grulac à Ompi (SCCR/31/4); Conclusão; Referências.

INtrODUÇÃO

Há muito tempo se discute em nível mundial, e também em território brasileiro, a crise do “modelo” de regulação dos direitos autorais. Pode-se afirmar que, de modo especial, a última década (2006/2015) foi particu-larmente profícua nesse intento. A publicação de inúmeras obras questio-nando a inadequação de ditos direitos ao ambiente digital certamente con-tribuiu muito para enriquecer o debate. Além do mais, a possibilidade de realização de discussões entre os vários atores sobre a possibilidade de uma nova Lei de Direitos Autorais no Brasil, levada a cabo pelo Ministério da Cultura (MinC) no segundo Governo Lula (especialmente de 2007 a 2010), forneceu elementos bastante substanciais à concretização de um novo pa-tamar jurídico.

A situação assim se mostrou por vários motivos. O primeiro deles tem a ver com o surgimento de um novo estágio constitucional a partir da Carta Cidadã de 1988. O suporte legal infraconstitucional de todo o corpo normativo, aí incluindo-se, é claro, a Lei de Direitos Autorais, teve que se curvar frente ao constitucionalismo contemporâneo. Não raro se perqui-riu se o modo de prescrição legislada da matéria feria regras e princípios constitucionais. A título exemplificativo neste introito, buscou-se saber se um padrão excessivamente patrimonialista de direitos autorais estava em conflito com o direito à educação, o direito à cultura e o direito à informa-ção. Citam-se somente esses, mas é certo que tal incompatibilidade pode se mostrar em outros ramos, como no Direito do Consumidor.

Outro aspecto que se mostrou avassalador do arquétipo de direitos autorais do final do século XX e início do século XXI foi a tecnologia digital,

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que, de resto e como sabido, impactou a vida humana em todos os campos e domínios.

No primeiro aspecto, enfatize-se que os direitos autorais foram erigi-dos internacionalmente a partir do que pode ser nominado “padrão Berna”, oriundo da Convenção Internacional que regulou a matéria a partir de 15 de setembro de 1886 (Unesco, 1991, p. 29). Era a época da “certeza” jurídica e das grandes codificações (no Direito Civil, por exemplo) e, também, do acirrado valor dado à propriedade1.

Nesse contexto, portanto, verifica-se que os direitos autorais foram concebidos no pós-Revolução Francesa da derrubada da Bastilha e dos pri-vilégios como direito de propriedade. Assim, eles passaram incólumes por quase todo o século XX.

Entretanto, o advento do constitucionalismo contemporâneo come-çou a modificar esse estado das coisas. Os textos constitucionais modernos e democráticos colocaram a pessoa humana no centro do sistema jurídico--normativo. A principiologia constitucional ergueu verdadeiros “valores--fonte” do complexo estatutário.

O segundo prisma tem a ver com a fascinante revolução tecnológi-ca que inundou o planeta a partir da última década do século superado, mostrando-se a cada dia mais acentuada e modificando vários aspectos do feitio humano de ser e de viver em sociedade (Lévy, 1997, p. 11)2. O ser humano passou a utilizar de modo exacerbado os meios e equipamentos digitais para praticamente tudo: das relações afetivas ao universo comercial e empresarial.

A inovação escancarou o esgotamento de um padrão de direitos auto-rais construídos do tempo do “analógico”, enquanto o firmamento de hoje é, cristalinamente, bem mais “digital”. Desse modo, pensar em ordenar um sistema que tem sua grande força motriz no desafio ao que “está posto”

1 Acentua-se que, além da Convenção de Berna, que regula internacionalmente a matéria desde 1886, e na legislação específica que regula a matéria (entre nós, Lei nº 9.610), os direitos morais do autor são considerados direitos humanos fundamentais ao serem inseridos na Declaração dos Direitos do Homem adotada pelas Nações Unidas há quase meio século. Eis o texto do art. 27: “1. Todo o indivíduo tem o direito de tomar livremente parte na vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que dele resultam. 2. Todo o indivíduo tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a produção científica, literária ou artística de que é autor”.

2 A nova realidade configura-se da virtualização que afeta não somente a informação e a comunicação, como também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência. O fenômeno atinge até mesmo as modalidades do estar-junto e aquilo que Levy chama de “constituição do nós”, pois há comunidades virtuais, empresas virtuais, democracia virtual. Nessa perspectiva, mesmo que a digitalização das mensagens e a extensão do ciberespaço desempenhem um papel central na mutação que se observa, trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização.

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com um arcabouço do tempo do mimeógrafo soa inadequado, para dizer o mínimo.

Também é preciso aqui não se revelar demasiadamente ingênuo ou, muito menos, simplório para crer que não há em jogo interesses econô-micos de instituições que têm seu cerne de atuação nos bens culturais re-lacionados à criação artística. Assim, elas labutam pela continuidade do complexo regulamentário que lhes “dá resultados”, seja pela normatização atrasada ou pela não regulação.

Surge, então, a primordialidade de enfoque desses novos padrões.

Algumas áreas dos direitos autorais têm-se mostrado, naturalmente, mais sensíveis ao fato. Trata-se do cosmo da música, no qual o denominado streaming é o centro das discussões na atualidade (Piffero, 2015, s.n.)3. Isso instigou o Grupo de Países da América Latina e o Caribe (Grulac) a apresen-tar, na trigésima primeira sessão do Comitê Permanente sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos da Organização Mundial da Propriedade Intelec-tual (Ompi), em Genebra, de 7 a 11 de dezembro de 2015, uma proposta de mesa-redonda acerca da questão.

Tudo leva à conclusão de que os direitos autorais clássicos estão fada-dos ao desaparecimento (Lima, 2011, p. 52). Conseguintemente, vislumbra--se a emergência dos direitos autorais do ambiente digital.

1 BrEVE rECUPEraÇÃO HIStórICa Da CrISE DOS DIrEItOS aUtOraIS

Os direitos autorais foram concebidos em nível mundial, principal-mente após o período de superação dos privilégios, no pós-Revolução Fran-cesa. Era a segunda metade do século XIX, época por muitos batizada como “a era das certezas”. Nesse contexto e fortemente influenciado pelos ide-ais liberais do movimento francês, os direitos autorais foram associados de modo quase definitivo ao direito de propriedade. Isso tinha a ver, na visão arguta de Ascensão (1992, p. 682), também com um aspecto ideológico de superação dos odiosos privilégios do ancién regime4.

3 Estrategicamente aqui se focará mais na música, embora o streaming tenha chegado de forma muito forte em outras áreas de entretenimento, como na televisão. No Brasil, o mercado de vídeo on demand (VOD) cresce a passos largos. (Piffero, 2015). Em outros campos, a “novidade” também se afirma, como nas obras literárias, em que várias empresas já disponibilizam obras por streaming. A Amazon, em meados de 2014, já anunciava serviço próprio possibilitador de acesso a um catálogo de mais de 600 mil títulos pelo custo fixo de, aproximadamente, dez dólares mensais.

4 O autoralista português analisa com a profundidade incomum que se vê em toda a sua obra as origens históricas da visão patrimonialista do Direito de Autor e dele como Direito de Propriedade. Decorreria, ideologicamente, no mau sentido da palavra, da Revolução Francesa, que revogou os privilégios e atribuiu

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A Convenção de Berna, em 1886, consagra-se internacionalmente a partir de uma união inicial de meia dúzia de países engajados nessa linha de mira.

Veio o século XX, que escancarou o progresso tecnológico em várias áreas, como na aviação civil, na ordenação dos grandes centros urbanos e na Medicina. Nas Artes, teve realidades típicas daquele instante, como realça Hobsbawn (1995, p. 182 e 193)5, referindo o rádio, o cinema e a televisão.

Os direitos autorais, como de resto praticamente o Direito Civil (nele o direito de propriedade), passaram invulnerados por todo aquele período, erigidos e sustentados em um cristalino padrão proprietarista.

No final do século passado, dois fatores principais colocaram em xe-que o estereótipo até então tido como inabalável. Primeiramente, o surgi-mento do constitucionalismo contemporâneo na maioria dos Estados demo-cráticos solidificou outros valores e princípios na dimensão constitucional. Nessa toada, os direitos infraconstitucionais, necessariamente, tiveram que se moldar ao estabelecido pelos novos regramentos. O que se dava em nível de outras áreas, como na crucial vinculação do direito de propriedade no Direito Civil à função social da propriedade, necessariamente deveria che-gar – e chegou – aos direitos autorais.

No Brasil, a mesma Carta Política que ergue os direitos autorais como direitos fundamentais, no seu art. 5º, ampara outros direitos que, muitas ve-zes, se chocam com aquele, como o direito à educação, o direito à cultura e o direito à informação. Citam-se esses apenas para exemplificar aqui, já que, em outras vertentes, como no Direito do Consumidor, tal conflito é visível, conforme referido anteriormente.

Outro aspecto também se revelou bastante influenciador da neces-sidade de um novo protótipo autoral. Trata-se da denominada “revolução

direitos aos autores. Como não eram mais privilégios, passou a ser propriedade, tão valorizada no sistema pós-tomada da Bastilha. A própria ideia clássica das limitações como exceções está diretamente relacionada a isso, pois, se são exceções (ao direito de propriedade), não comportam interpretação extensiva, e daí decorreu uma valorização excessiva das prerrogativas do titular, tudo proibindo.

5 “Não apenas se tornou essencial admirar essa arte, e notadamente sua maior personalidade, Charles Chaplin (a quem poucos poetas modernos de respeito deixaram de dedicar uma composição), como também os próprios artistas de vanguarda se lançaram na realização cinematográfica, mais especialmente na Alemanha de Weimar e na Rússia soviética, onde na verdade dominaram a produção”; e: “Contudo, ao contrário da imprensa, que na maioria das partes do mundo interessava apenas a uma pequena elite, o cinema foi quase desde o início um veículo de massa internacional. O abandono da linguagem potencialmente universal do filme mudo, com seus códigos testados de comunicação intercultural, com certeza muito fez para internacionalmente familiar o inglês falado, e com isso ajudou a estabelecer a língua como o patoá global do fim do século.”

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tecnológica”, que atingiu praticamente todas as áreas de atuação humana nos últimos anos, refletindo-se, de modo expressivo, na configuração da “Sociedade da Informação” (Castells, 2005, v. 1, p. 565)6.

As obras intelectuais de natureza estética ou artística, reguladas pelos direitos autorais, tradicionalmente associadas a suportes “analógicos”, de-saguaram nas bases digitais. Esta realidade pode ser vista em todas as áreas culturais relacionadas aos bens autorais, mas tem sido particularmente avas-saladora no campo musical, nos últimos tempos.

A disponibilização de música pelo sistema conhecido por streaming fez balançar várias das certezas antes intocáveis das grandes gravadoras de música, tanto que, de seis grandes delas no âmbito mundial, restaram somente três, Warner, Universal e Sony, conhecidas como The Big Three. Entre as possibilidades disponibilizadas, há o SoundCloud, serviço gratuito de streaming de música, com a incrível marca de 175 milhões de usuários mensais.

Dados recentemente divulgados pela Revista Forbes dão conta de que as vendas de álbuns musicais nos Estados Unidos chegaram ao montante de 785 milhões de dólares no ano de 2000, um ano após Shawn Fanning e Sean Parker terem criado o Napster, que, na época, foi considerado uma “revolução” por permitir troca de músicas pela Internet. Em 2008, a soma dos negócios tinha enfraquecido 45%. Depois disso, mesmo que as em-presas fonográficas tenham diminuído o que denominam downloads ile-gais, a indústria musical tem faturado por ano, na atualidade, em torno de 7,9 bilhões de dólares a menos que uma década e meia atrás (Greenburg, 2015)7. Esses valores estrondosos já bem ilustram a agrura de um sistema, provocando, no mínimo, a mudança em alguns dos modelos de negócio neste domínio.

A “crise” entre os titulares de direitos autorais e as empresas deste novo modo de atuação também se dá no aspecto pontual de distribuição dos ganhos. Em artigo publicado no blog Music Technology Policy, o ad-vogado Stephen Carlisle (2016), com 25 anos de atuação na área, fez forte crítica ao que qualificou como postura furtiva do Spotify em relação ao pagamento dos direitos autorais. Muitas vezes, nessa versão, o Spotify alega que não encontra os titulares das obras disponibilizadas e não efetua, assim,

6 Castells consagra em sua obra mais famosa, em três volumes resultantes de doze anos de pesquisa, a expressão “Sociedade em Rede”, caracterizada pela primazia da morfologia social sobre a ação social.

7 Embora no início, como relata Witt (2015, p. 54-55, 83-86), as gravadoras musicais tenham menosprezado o poder do streaming.

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a devida contraprestação pecuniária. Este relato é feito também, de forma pontual, por Witt (2015, p. 241): “[...] artistas com milhões de execuções recebiam cheques de apenas centenas de dólares”.

Pesquisa publicada na França fez uma radiografia bastante elucida-tiva do mundo da música naquele país. Aqui se reproduz, por ser assaz significativo, o gráfico que apresenta a evolução da distribuição musical por meio de streaming (SNEP, 2015):

Os artistas, em um contexto global, começam a se organizar para, também, obterem proveito econômico da nova realidade. Em 2015, Jay Z adquiriu os serviços suecos de streaming de alta resolução WiMP e Tidal por um montante estimado em US$ 56 milhões, amalgamando-os em um único serviço para rivalizar frontalmente com o Spotify. No lançamento oficial da iniciativa, 16 importantes artistas da música foram anunciados como os novos proprietários do Tidal, entre eles Beyoncé, Calvin Harris, Kanye West, Alicia Keys, Jason Aldean e Daft Punk. Conforme se sabe, foi cedida a cada um uma participação de 3% (Greenburg, 2015).

A cantora Adele lançou, no final de 2015, seu CD “25”, que logo se transformou em um recorde de vendas, superando a marca de 5 milhões de unidades nos Estados Unidos. Ela não disponibilizou a obra musical para aplicativos de streaming. Em entrevista ao último número de 2015 da revista Time, na qual mereceu a capa, Adele afirma que é uma decisão pessoal, e

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não mercadológica, e que não ouve discos por streaming por considerar o recurso descartável (Scapaticio, 2016).

Entre nós não é muito distinto o grau de hesitação e até de incerteza da classe artística com a nova realidade (Terra, 2011)8. A Associação Procu-re Saber, tão criticada por sua posição inicial sobre as chamadas “biografias não autorizadas”, é uma das instituições que provoca este debate.

Os “modelos” de distribuição musical andam tão abertos e, assim, possibilitados pelas capacidades tecnológicas que um artigo na Cuepoint propõe uma nova modalidade, denominada Subscriber Share. Enquanto no modelo clássico todo acesso tem o mesmo valor, nessa proposta ele varia de acordo com cada ouvinte (Laguana, 2014).

O Brasil é o maior mercado de música gravada da América Latina e o nono do mundo. As receitas anuais de vendas somam mais de 199,7 milhões de dólares (Cisac, 2015). Pode-se dizer que, se a Netflix fosse uma operadora de televisão no Brasil, já seria maior que as emissoras nacionais Band, RedeTV e SBT (Rumor, 2016).

Ao mesmo tempo, em terra brasilis e em nível internacional, foram elaboradas inúmeras teses que clamavam por novos “modelos” regulatórios. A grande vertente do mundo digital finca-se no compartilhamento, e não na negativa de acesso, muito comum no sistema anterior.

Em nosso país, principalmente nos governos do Presidente Lula e, inicialmente, sob a liderança do Ministro Gilberto Gil, o Ministério da Cul-tura (MinC) encampou a discussão em torno da proposta de uma nova Lei de Direitos Autorais que fosse mais consentânea com as novas realidades9.

Concretizados vários encontros com as presenças de especialistas, associações e artistas, a versão final de um diploma legal mais apropriado aos novos tempos não logrou êxito (Dias, 2016)10. O protagonismo e a li-

8 Tanto que, na Revista Piauí de novembro de 2011, o cantor Lenine já alertava para esta nova cena: “Lá no início, parece que juntaram os donos das casas de música, o cara da editora e o inventor do gramofone”, disse Lenine. “Eles fizeram uma reunião e dividiram tudo. No final, alguém perguntou: E o criador? E responderam: Bota aí 5%! Eu acho que o criador nem estava nessa mesa”. Hoje, Lenine diz haver situações nas quais não se precisa de intermediários: “Chega uma empresa e eu pergunto: ‘Quantos quilos de música você quer? Fecha aqui comigo, direto.’ Não precisa de gravadora ou editora nenhuma”.

9 Interessante a entrevista de Gilberto Gil ao site da APS, na qual defende uma atuação normativa do Estado nas questões, aí inserida a matéria autoral. (GIL, [s.d.]).

10 Em entrevista no início de janeiro de 2016 ao Nexo Jornal (Dias, 2016), o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, respondeu a duas indagações sobre o assunto: “Nexo: A Reforma da Lei de Direitos Autorais, discutida desde 2008, será encaminhada ao Congresso neste ano? Juca Ferreira: Metade do projeto já foi aprovada. O Senado assumiu o nosso ponto de vista, aprovou a CPI e constatou que havia irregularidades na captação de recursos, coleta de direitos autorais e pagamentos dos autores, e restabeleceu um sistema de controle público. O

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derança do Brasil na matéria, no entanto, continuam sendo vistos nas atua-ções do MinC, em nível interno (nacional) e externo (internacional) (Brasil, MinCom, 2016)11. No contexto nacional, em meados de fevereiro de 2016, o Ministério lançou consulta pública sobre a construção de redação de Ins-trução Normativa que “estabelece previsões específicas para a atividade de cobrança de direitos autorais no ambiente digital por associações de gestão coletiva e pelo ente arrecadador de que trata o art. 99 da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998” (Brasil, MinC, 2016).

No segundo plano, o Brasil foi um dos líderes de proposta apresenta-da pelo Grupo de Países da América Latina e o Caribe (Grulac) na trigésima primeira sessão do Comitê Permanente sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em Genebra, ocorrida de 7 a 11 de dezembro de 2015. A Proposta de análise dos Direitos de Autor no Ambiente Digital recebeu, na Ompi, a identifi-cação SCCR/31/4, e certamente será objeto de acaloradas discussões duran-te este ano, tanto que a própria instituição convocou para 20 a 22 de abril de 2016, em sua sede, em Genebra, uma Conferência sobre o Mercado Mundial de Conteúdo Digital (Wipo, 2016).

2 CONCISO DEtaLHaMENtO Da PrOPOSta Da GrULaC À OMPI (SCCr/31/4)

O texto proposto pelo Grulac à discussão internacional tem 10 pági-nas (Wipo, dez./2015). Inicia enfatizando que apresenta uma proposta de exame, no Comitê Permanente sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos (SCCR, diante da nomenclatura em língua inglesa: Standing Committee on Copyright and Related Rights), de atualização dos direitos autorais, em de-corrência da utilização no ambiente digital dos bens intelectuais protegidos.

Na introdução, os proponentes gizam que a urgência de se analisa-rem aspectos relativos ao ambiente digital foi suscitada por vários setores, começando pelos criadores, artistas, intérpretes e executantes, até chegar

que está faltando é a parte digital, a regulação dos direitos autorais na Internet. Essas grandes corporações mundiais só pagam direitos autorais em países que têm regulações. A proposta está pronta, pegamos de volta da Casa Civil e estamos aprimorando e trabalhando junto ao Senado. Nexo: Quando a reforma foi discutida, o mundo cultural era bem diferente. Não tínhamos Netflix nem Spotify, só para citar dois exemplos que mudaram radicalmente a forma como consumimos cultura. O cenário para discussão e aprovação do projeto é o mesmo? Juca Ferreira: Hoje o mercado está muito mais dependente da Internet. Para a música, a proporção da economia da Internet é muito maior do que era antes. No plano do Parlamento, não há diferença, porque há simpatia na Câmara e no Senado pelo que a gente faz. Estamos na expectativa de aprovar a reforma da Lei Rouanet e a reforma da Lei de Direitos Autorais porque ambas interessam aos artistas, aos músicos, aos cineastas. Isso vai fortalecer a economia cultural no Brasil”.

11 Registre-se que a temática é de competência, no nível governamental, entre outros, também do Ministério das Comunicações, em alguns aspectos.

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aos representantes governamentais. Citam mensagem do Diretor-Geral da Ompi, Francis Gurry, por ocasião do Dia Mundial da Propriedade Intelec-tual (em 26 de abril de 2015), com tema central “mobiliza-te para a músi-ca”, no qual sublinhou as vicissitudes do atual sistema (Wipo, abr./2015)12. O intuito da moção, a partir disso, é a busca de desenlaces comuns em prol da coletividade e dos titulares dos direitos autorais na ambiência digital.

O Grulac aconselha, então, que na área de competência da SCCR sejam discutidos três vértices básicos (Wipo, dez./2015):

1. análise e discussão dos marcos jurídicos utilizados para a prote-ção das obras nos serviços digitais;

2. análise e discussão do papel das empresas que fazem uso, em ambiente digital, de obras protegidas e seu modo de atuação, in-cluindo a verificação do nível de transparência nos negócios e o montante da remuneração correspondente aos direitos de autor e direitos conexos aos diferentes titulares desses direitos;

3. construção de um consenso sobre a gestão dos direitos de autor no ambiente digital para abordar os problemas que fazem parte dessa discussão, que incluem desde a baixa remuneração dos autores e artistas até as limitações e exceções dos direitos de autor no ambiente digital.

Em seguida, são referidos alguns antecedentes históricos dessa rea-lidade, adotados pela Ompi já em 1996, como o Tratado sobre Direitos de Autor (WCT, diante da expressão em língua inglesa Wipo Copyright Treaty) e o Tratado sobre Interpretação ou Execução de Fonogramas (Wipo Performances and Phonograms Treaty – WPPT). Em ambos os documentos internacionais, o remédio adotado consistiu na construção de um direito exclusivo que pode ser chamado de “disponibilização” (em inglês, making available), paralelamente à adoção de medidas tecnológicas protetivas que contribuam para a disciplina dos direitos autorais no meio digital.

Para os idealizadores da propositura, o WCT conferiu algum módulo de liberdade para as legislações nacionais na caracterização jurídica desse novo Direito, seja como distribuição, comunicação ao público, ou, até mes-mo, como uma combinação dos direitos já existentes.

12 Destaque-se trecho em tradução livre: “Temos de garantir que, na nova economia digital, não se percam nunca de vista os criadores e artistas, intérpretes e executantes”.

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Em contraste, o WPPT demarcou a “disponibilização” como um direi-to autônomo. Em declaração acordada na revisão do seu art. 15, consignou--se a impossibilidade de se chegar a uma solução definitiva sobre o nível de direitos de radiodifusão e comunicação ao público que devem desfrutar os mais variados atores envolvidos na disponibilização musical na era digital. Sem entendimento, decisão sobre a matéria foi postergada pelos Estados--Membros.

No entanto, depois da adoção desses tratados, surgiram novos servi-ços, e muitos dos então existentes desapareceram no ambiente digital, com remodelação apreciável da conformação da produção e da disponibiliza-ção dos bens autorais protegidos. Na abundância desses serviços, passou--se a observar uma propensão a se possibilitar o acesso às obras antes da transferência de titularidade. Via de regra, tais serviços impõem a inevitabi-lidade de licenças sobre mais de um direito, diante das correlações com as soluções tecnológicas encetadas.

Mais recentemente, em 2012, o Tratado de Pequim sobre Interpre-tações e Execuções seguiu a mesma lógica do WCT e do WPPT. Como o segundo, o novo diploma internacional trouxe uma disposição a respeito da remuneração equitativa como possibilidade ao direito exclusivo de autori-zação do uso direto e indireto de interpretações e execuções congregadas em fixações de obras audiovisuais para radiodifusão e comunicação ao pú-blico (Wipo, 2012)13.

Grifam os proponentes da nova regulamentação aqui em discussão, na Ompi, que, na atualidade, a baixa remuneração dos criadores, compo-sitores e artistas, intérpretes e executantes é o aspecto mais visível que o impacto dos avanços tecnológicos demonstrou na utilização de obras na berlinda digital. Mesmo que essa tecnologia possibilite um maior acesso à sociedade, o que é digno de registro positivo, inquire-se a necessidade de

13 Reproduz-se na íntegra, para efeito de análise, os dispositivos em ribalta que tratam da matéria: “Artigo 4. Tra - tamento nacional. (1) Cada Parte Contratante concederá aos nacionais das outras Partes Contratantes o tratamento que concede aos seus próprios nacionais no que diz respeito aos direitos exclusivos expressamente previstos no presente Tratado e do direito a uma remuneração equitativa previsto no artigo 11 do presente Tratado. Artigo 11. Direito de Radiodifusão e comunicação ao público [...] (2) As Partes Contratantes podem, por notificação depositada junto do diretor-geral da Ompi, declarar que, em vez do direito de autorização previsto no parágrafo (1), estabelecerão o direito a uma remuneração equitativa para a utilização direta ou indireta de prestações fixadas em fixações audiovisuais de radiodifusão ou comunicação ao público. Contratantes podem, também, declarar que irão definir as condições na sua legislação para o exercício do direito de remuneração equitativa. Artigo 12. Transferência de Direitos [...] (3) Independente da transferência de direitos exclusivos descrita acima, as leis nacionais ou acordos individuais, coletivas ou outros acordos, pode fornecer o cantor com o direito de receber royalties ou remuneração equitativa por qualquer uso do desempenho, tal como previsto nos termos do presente Tratado, incluindo as regras a que se referem os artigos 10 e 11”.

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maior valorização dos titulares dos direitos autorais (Wipo, dez./2015). A música é um mecanismo fulcral para o entretenimento, a propagação cul-tural e o desenvolvimento econômico. Por isso, deve ser valorizada, bem como todos os artistas envolvidos em sua criação e execução. Os movimen-tos de insatisfação da classe artística nos quatro cantos do mundo, exigindo remuneração mais justa para a utilização de obras musicais no âmbito digi-tal, bem avultam essa conjuntura.

Um terceiro ponto do documento aqui em comento leva como título “aspectos fundamentais”. Inicia reiterando a afirmação de que a aplicação dos direitos autorais no entorno digital é motivo de problemas distintos que criam descontentamento entre os artistas que vivem no universo musical. A insignificante remuneração paga pelas plataformas digitais, mormente as que utilizam transmissão de fluxo contínuo, é o aspecto mais visível dessa circunstância (Wipo, dez./2015, p. 3).

Mesmo sendo notório que, provavelmente, as transmissões de fluxo contínuo são o futuro da música, não há como negar a impressão geral de que os rendimentos pela disponibilização deixam de chegar aos artistas, intérpretes e executantes, principalmente aos menos conhecidos.

Continuando, amparam-se os proponentes em autor do porte de David Byrne (2013)14, crítico contumaz da baixa remuneração da classe artística musical nos novos tempos. Para o conhecido músico, o modelo não é sustentável para suportar economicamente qualquer tipo de trabalho criativo.

Além da música, em outras áreas criativas, como audiovisual, litera-tura e fotografia, a situação pode ser ainda mais grave. Em alguns campos não existe remuneração aos criadores pela utilização de obras no ambiente virtual.

Tudo leva à conclusão do imprescindível diálogo multilateral entre os governos e partes interessadas. Mostra-se premente uma solução consensual aos novos modelos de negócios, nunca esquecendo o necessário equilíbrio entre os titulares dos direitos intelectuais e os usuários, a fim de erigir um sistema de proteção mais justo e eficaz no ambiente digital.

14 No texto em que apresenta dados estatísticos e argumentos críticos, o cantor diz: “O boom em streaming digital pode gerar lucros para as gravadoras e conteúdo gratuito para os consumidores, mas ser desastroso para artistas de hoje através das indústrias criativas”. Para aprofundamento, remete-se também para livro do artista referido: BYRNE, David. Como funciona a música. São Paulo: Amarilys, 2014.

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A Proposta de Análise dos Direitos de Autor no Ambiente Digital, en-tão, ruma para quatro pontos básicos de reflexão, que serão mantidos aqui por questões estratégicas de enfoque.

(A) mArco JurídIco dAS noVAS formAS de utIlIzAção dAS obrAS IntelectuAIS no AmbIente dIgItAl

Como referido anteriormente, a solução adotada em 1996, com o WCT, o WPPT e também pelo Tratado de Pequim, indica certo conflito com o ritmo da evolução e das inovações tecnológicas da era digital. A própria classificação jurídica dos novos usos das obras protegidas no espaço digital encontra obstáculos. A grande maioria dos direitos existentes, com exceção ao direito de disponibilizar a obra ao público, foi conceituada para atender a uma realidade de exploração econômica dos bens intelectuais no ambien-te físico.

Muito embora nos contratos para licenciamento de direitos autorais pelos titulares das plataformas digitais seja mencionada a expressão “dispo-nibilização”, também são previstos outros direitos que podem ser classifi-cados como “clássicos”, como o direito de reprodução, que tudo indica ser menos adequado ao circuito digital. Esse aspecto muitas vezes conflita com interesses dos autores, artistas, intérpretes e executantes. As principais difi-culdades estão centradas na concepção de “reprodução transitória”, estam-pada na reprodução temporária, cujo exclusivo objetivo é fazer com que o trabalho seja percebido. E a Conferência diplomática não conseguiu chegar a um acordo sobre as disposições vinculadas à reprodução transitória ou efêmera, componente da maioria dos serviços digitais.

Diz o Grulac que o direito de reprodução soa pouco adequado, já que, em alguns de seus tipos, a transmissão digital é apenas um ato aces-sório intrínseco aos processos tecnológicos utilizados para tornar o traba-lho acessível aos usuários (Wipo, dez./2015, p. 4-5). São casos em que a reprodução não é primordial do foco da exploração do material protegi-do. Mesmo que o WCT contenha uma regra que possibilita a aplicação do direito de reprodução para usos no entorno digital, as partes contratantes têm a possibilidade de permitir limitações e exceções para a reprodução temporária, desde que em observância à regra dos três passos15. Como con-

15 Assim crismada a partir do item 2 do art. 9º da Convenção de Berna (decorrente das três vinculações que faz para que a utilização seja considerada uma legítima limitação aos direitos dos titulares – em casos especiais, primeiro passo; de forma a não prejudicar a exploração normal da obra, segundo passo; e de forma a não causar prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor, terceiro passo).

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sequência, existe uma falta de harmonização entre as legislações nacionais, redundando em abordagens distintas atinentes ao direito de reprodução no universo digital.

A ausência de regulação própria leva à utilização do costume e até da analogia na interpretação do uso de obras autorais no círculo digital. Em outras vezes, dá-se pela hermenêutica do regramento do ambiente físico. Essa prática não leva em conta o fato de que numerosas particularidades do ambiente físico são de aplicação incerta no ambiente digital, como se exemplifica com o caso do esgotamento dos direitos e com o princípio da territorialidade16.

A proposta ainda refere que, no ambiente digital, o esgotamento dos direitos é afetado quando uma obra é negociada, e a cessão possibilita uma cópia sem diferenciação qualitativa do bem original. Depois da primeira venda, outras vendas, ou até mesmo empréstimos, não se dariam no mesmo suporte original, mas em cópia intangível, impossibilitando, assim, a aplica-ção do princípio do esgotamento dos direitos17 de forma consentânea com sua conformação tradicional (Wipo, dez./2015, p. 5).

O princípio da territorialidade mostra-se debilitado pela possibilidade de acesso de obras intelectuais na Internet de qualquer parte do mundo, em suportes disponibilizados, também, de vários quadrantes do planeta.

A adaptação para o mundo digital dos direitos classicamente solidi-ficados para o ambiente físico mostra-se, desse modo, bastante complexa. Até se concebe que os modelos de negócios da berlinda digital possam utilizar alguns direitos similares aos historicamente construídos no ambiente físico. Não obstante, como os direitos, em cada um deles, são interdepentes, para que o serviço funcione adequadamente, cada um dos direitos deve ser objeto de uma licença própria, em observância ao direito exclusivo de autorização e de remuneração.

Na utilização de modelos de negócios amparados na transmissão por fluxo contínuo há várias controvérsias relativas aos direitos em jogo. Não fica cristalino se o uso de obras tuteladas significa o direito de comunicação

16 Convém reproduzir breve trecho de Medeiros e Wachowicz (2014, p. 7): “A propriedade intelectual caracteriza-se pelo princípio da territorialidade, que consiste na regulamentação nacional de cada país para proteção dos direitos de propriedade intelectual, isto é, a validade e o exercício de um direito de propriedade intelectual são regulados pela legislação nacional do país em que se deseja proteger”.

17 Barbosa (1999, p. 5-6) diz que, “Como se sabe, exaustão é a doutrina segundo a qual, uma vez que o titular tenha auferido o benefício econômico da exclusividade (“posto no comércio”), através, por exemplo, da venda do produto patenteado, cessam os direitos do titular da patente sobre ele. Resta-lhe, apenas, a exclusividade de reprodução”.

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ao público ou se apenas tem relação com esse direito. Do mesmo modo se questiona se esta utilização se dá nos limites jurídicos de venda ou de alu-guel de bens intangíveis. E há interpretações no sentido de que esse novo modelo seria intermediário entre aqueles ofertados pelas empresas de radio-difusão e as de venda de discos.

Essas conceituações são importantes tanto para se fixar qual negócio jurídico incide quanto para o quantum remuneratório dos titulares.

(b) o pApel e AS prátIcAS dAS empreSAS que fAzem uSo de obrAS protegIdAS no AmbIente dIgItAl

Na atualidade, aumenta o número de empresas desenvolvedoras de modelos de negócios esteados na utilização de obras nas plataformas digitais. O Grulac evidencia que esses novos padrões, no entanto, geram preocupações em âmbito nacional e internacional, em especial pela falta de transparência negocial e pela baixa remuneração dos autores, artistas, intérpretes e executantes.

Nas transmissões por fluxo contínuo há dois padrões básicos de uso. O primeiro tem cunho remuneratório: o usuário assina um serviço e paga um valor mensal em troca de determinadas vantagens, como a de utilização off-line, o que implica uma cópia. O segundo é um tipo “livre”, no qual o lucro do disponibilizador advém da publicidade.

A primeira modalidade é chamada premium. Mesmo com o cresci-mento desses serviços em nível mundial, o volume de assinaturas ainda é incipiente, redundando em remuneração inadequada aos criadores e, ain-da, pondo em dúvida sua viabilidade econômica.

A segunda vertente é denominada fremium. Nessa, a principal crí-tica dos envolvidos ocorre pela falta de transparência na distribuição dos pagamentos recebidos por publicidade, pela ausência da circulação eco-nômica envolvida e pela imposição de padrões e condições de remune-ração de difícil aceitação aos criadores pelos detentores do poder econô-mico.

Para os mentores da mesa-redonda, na inexistência de uma regula-mentação eficaz, o “mercado” e seus agentes muitas vezes instituem suas regras sem a necessária transparência nos sistemas de cobrança e de distri-buição da remuneração dos direitos intelectuais em jogo. A situação mostra--se mais complexa para casos que abarcam contratos internacionais de li-

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cenciamento de repertório. Isso gera um desequilíbrio recompensatório aos titulares de direitos nessa esfera contratual internacional.

Mesmo que os serviços de transmissão por fluxo contínuo paguem o mesmo percentual dos rendimentos para venda de música em lojas vir-tuais, os baixos valores e muitos intermediários criam preocupações. Ge-ralmente, os elementos fornecidos aos artistas não são claros e, na maioria das vezes, não compreendem as prestações de contas que lhes são feitas. Exemplificando: o fragmento de proventos direcionados aos produtores de fonogramas enquanto titulares de direitos conexos no ambiente digital é, normalmente, bem superior ao que recebem artistas, intérpretes e execu-tantes. O emprego dos antigos contratos de licenciamento de direitos sem a indispensável adaptação à nova realidade digital, na prática, privilegia os produtores de música.

A verticalização das relações entre os envolvidos na cadeia de valor global de cotação de música leva ao risco de que as plataformas digitais e as gravadoras musicais assumam o controle econômico desse nicho di-gital.

A atuação, nesse contexto de atores de fortíssimo poder econômico, gera riscos de concentração econômica em alguns modelos de negócios focados em poucas empresas, seja como fornecedoras de serviços digitais (monopólios e oligopólios) ou como consumidoras de obras tuteladas pelos direitos autorais (monopsônios e oligopsônios). Os criadores, então, tornam--se a parte mais vulnerável da cadeia produtiva.

O modo como está organizado o sistema também cria outras possi-bilidades de práticas desleais e anticoncorrenciais nessa área de atuação, como no uso de robôs que inflacionam a utilização de determinados catá-logos, as listas de reprodução criadas pelos produtores musicais e os algorit-mos de busca que levam aos mais conhecidos. Tudo isso tende a provocar um maior consumo de determinados repertórios, o que equivaleria a “jabá” no mundo digital.

Continuam aludindo que os contratos globais de licenciamento de repertórios que envolvem os artistas musicais em geral deixam espaço para violação do princípio da territorialidade, um dos suportes dos direitos au-torais. Nesses, com frequência, a legislação de determinado país é imposta sobre a de outros, sem levar em conta as idiossincrasias de cada território, assim violando orientações dimanadas da Convenção de Berna e do TRIPS (Wipo, dez./2015, p. 7).

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Outro aspecto questionável e que tem, igualmente, a ver com o prin-cípio da territorialidade é relacionado à prática de pagamentos por determi-nados empreendedores de serviços digitais, mediante cartões de crédito in-ternacionais ou dólares norte-americanos, e não moeda local, dificultando a circulação desses recursos. Nesse enquadramento, é necessário repensar um outro sistema que seja mais justo ao efetivar uma rigorosa identificação dos titulares de direitos sobre obras utilizadas, bem como sobre as interpre-tações e execuções associadas a essas obras e fonogramas.

A existência atual de vários bancos de dados poderia ser superada pela padronização internacional dos registros de obras musicais, pela cria-ção de um banco de dados mundial dos titulares de direitos, obras, fono-gramas, interpretações e execuções e, ainda, pelo intercâmbio obrigatório de informações entre os governos, os titulares e as associações de gestão coletiva. Tal banco de dados mundial imprimiria maior transparência à dis-tribuição da remuneração dos distintos titulares de direitos.

Mesmo sendo o mercado digital uma potencial fonte de renda para autores, artistas, intérpretes e executantes, essa promessa ainda não se con-cretizou na prática, gerando enorme insatisfação na comunidade artística musical.

(c) A remunerAção equItAtIVA como opção Ao dIreIto excluSIVo de AutorIzAção

A possibilidade de remuneração justa para o uso de obras protegidas, em vez de o direito exclusivo de autorização estampado no WPPT e no Tratado de Pequim, poderia ser uma opção para o ambiente digital, pois facilitaria o uso dessas obras e estaria em consonância com a velocidade e o dinamismo averiguados nos modelos de negócios realizados on-line.

Na linha de mira em comentário, a possibilidade da remuneração equitativa como forma de garantir melhor remuneração para comunicação ao público, pela radiodifusão das interpretações e execuções fixadas em fonogramas, poderia assegurar um maior equilíbrio entre artistas e gravado-ras. Não obstante, ainda há restrições para a modalidade de aplicação da remuneração equitativa. Além de não ser prevista na maioria das legislações nacionais, sua aplicação em nível multilateral é limitada para as interpreta-ções e as execuções fixadas em fonogramas. Não bastasse isso, ainda não há consenso entre os artistas musicais sobre essa ser a solução mais adequada.

Trata-se de uma adversidade a ser debatida em nível internacional, podendo ser discutida não somente no que pertine aos artistas, intérpretes e

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executantes, mas também aos autores, assegurando-se remuneração equita-tiva também para eles no ambiente digital.

(d) AS lImItAçõeS e exceçõeS AoS dIreItoS de Autor no AmbIente dIgItAl

No arrazoado do Grulac, as limitações e exceções aos direitos auto-rais mostram-se outro tópico de relevo no ambiente digital. Há necessida-de premente de identificar quais usos poderiam ser considerados aceitáveis nesse espaço (Wipo, dez./2015, p.9).

O WCT e o WPTT já aceitam o uso de medidas tecnológicas como mecanismos imperiosos para assegurar o exercício dos direitos exclusivos, particularmente os referentes à repressão de falsificação18. As medidas tec-nológicas já foram utilizadas nos exemplares de obras destinadas à comer-cialização, no entorno físico, impedindo a cópia do conteúdo do suporte original. Mesmo nesse contexto, algumas dessas ações eram obstáculos ao exercício legítimo de alguns tipos de usos de obras, ferindo algumas limita-ções ou exceções, como, por exemplo, a cópia privada.

As possibilidades tecnológicas no ambiente digital, evidentemente, são muito mais eficazes, permitindo um controle quase absoluto dos bens intelectuais digitais, algo nunca conseguido no recinto físico.

Ações como possibilitar o acesso ou restringir o acesso passam a ser melhor aplicáveis neste novo modelo negocial e tecnológico. A própria na-tureza jurídica das negociações se altera, abandonando-se, gradativamente, a ação comercial clássica de venda ou locação do bem.

O sistema de baixa (download) de obras limita, de certo modo, a efetiva transferência de titularidade dos bens digitais e os atos posteriores do usuário, que se vê compelido a aquiescer com o formato tecnológico daquilo que adquiriu. Este molde pode impedir ações corriqueiras, como interoperabilidade e portabilidade desses bens, obstaculizando a livre cir-culação entre distintas mídias e equipamentos. Assim, tais restrições técni-cas diminuem as possibilidades de ação dos usuários no ambiente digital,

18 Cordeiro (2002, p. 212) diz que a Regra dos Três Passos se tornou tema “inultrapassável” quando se trata de matéria atinente às limitações e exceções do Direito Autoral, pois, primeiramente, foi o artigo 13º do TRIPs que estendeu seu âmbito de aplicação aos demais direitos exclusivos patrimoniais dos autores regulados na Convenção de Berna. Por segundo, foi o TODA (WCT) que, no seu art. 10º, não somente fez idêntica extensão como sujeitou os novos direitos que criavam a idêntico princípio. Finalmente, na mesma linha se pronunciou o art. 16º do TOEIF (WPPT) que, no seu nº 2, indica a Regra dos Três Passos como ordenadora dos direitos que contempla”.

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disponibilizando suporte que se caracteriza pelo controle total de todos os processos imanentes ao serviço oferecido.

Como corolário, alegam os autores do debate que essas injunções tec-nológicas estão no centro da discussão dos usos justos ou aceitáveis como limitações ou exceções aos direitos autorais no território digital (Wipo, dez./2015, p. 9). A própria aplicação da “regra dos três passos” merece ser revista no circundante digital, na tarefa de nomear as limitações e exceções dos direitos autorais nesse espaço. Nomeadamente, para aplicação da se-gunda etapa de dita regra, vale dizer que a exceção ou limitação que se pra-tica não deva ser contrária à exploração normal da obra. Consigna-se que, para a Organização Mundial do Comércio – OMC, o padrão “normal” é vin-culado a práticas associadas aos parâmetros internacionalmente admitidos.

Diante da nova realidade tecnológica, limitações ou exceções que exijam a revogação ou não utilização dessas medidas tecnológicas poderão vir a ser consideradas razoáveis, pois se mostram antagônicas com o modo “normal” de exploração econômica desses bens no zoneamento digital.

Realça o documento da Grulac que as limitações e exceções têm caráter de interesse público e são indispensáveis para o exercício de outros direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, o acesso à cultura, ao conhecimento e à informação (Wipo, dez./2015, p. 10).

O usuário não pode ser tratado como um contumaz “violador” de direitos autorais, mas como aquele que financia, direta ou indiretamente, os negócios em todo o mundo, no ambiente digital. Assim, ele é titular de di-reitos que, necessariamente, envolvem aplicativos que podem ser reputados como limitações ou exceções aos direitos em comento.

Como conclusão, reitera-se a urgência da discussão do assunto no plano multilateral, para que se construa um uso mais justo e equilibrado das obras intelectuais no ambiente digital e para que se promova, também, o desenvolvimento do mercado digital desses bens, o que, sem dúvida, be-neficiará, por conseguinte, os titulares de direitos autorais e a comunidade internacional como um todo (Wipo, dez./2015, p. 10).

CONCLUSÃO

É chegado o momento de fazer um breve escorço do que até aqui foi construído. O ponto de partida deve estar fincado na constatação renovada neste artigo (já sustentada em vários trabalhos anteriores deste pesquisador e de tantos outros) de que o padrão regulador atual dos direitos autorais

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mostra um desgaste praticamente irreversível e acusa a necessidade de mo-dernização em nível internacional e interno.

Os seres humanos dominaram o planeta Terra graças à técnica; e a tecnologia, nos dois últimos séculos, muito relacionada ao mundo indus-trial, teve no final do século XX e nos 15 primeiros anos deste novo quadran-te um papel verdadeiramente revolucionário na tessitura social humana, em todas as áreas de atuação. A facilitação das comunicações, sem sombra de dúvidas, é uma realidade que mexe com todos, em qualquer lugar do mundo.

No ramo dos direitos autorais, como se salientou aqui, a atual inade-quação decorre de dois principais fatores surgidos praticamente no mesmo período.

No primeiro caso, tem-se aquilo que pode ser batizado de “revolução tecnológica”. A técnica, particularmente associada às comunicações, inter-vém conspicuamente na economia, na cultura, nas comunicações. Calcado hoje em um modelo legislado ultrapassado, o Direito Autoral, em um pri-meiro instante, parece não ter percebido a verdadeira ebulição que acon-tecia em seu contexto. Muitas das novidades que emergiram simplesmente não foram alvitradas pelo sistema autoralista, muitas vezes pela técnica que deixa a todos contérritos e, em outras, é bom que se diga sempre, em decor-rência de interesses econômicos muito bem solidificados.

Em segundo instante – aqui sem entrar em ordem hierárquica – apa-receu o constitucionalismo contemporâneo, que fixou parâmetros para to-dos os campos sociais, e os direitos autorais, indubitavelmente, também conflitam na esfera infraconstitucional com vários dispositivos e princípios da Constituição Federal de 1988. Isso é o que aqui se convencionou deno-minar Direitos Autorais Clássicos.

Delineia-se, na verdade, uma nova ordem pública nesta seara. E o novo arranjo se dá, justamente, pelo interesse público que ecoa das tão numerosas áreas vinculadas aos direitos autorais e do que significa, no ho-dierno viver, acesso à informação, à cultura, ao conhecimento.

Dessa angulação resulta imprescindível um novo escalão regulatório nos níveis interno e internacional.

Internamente, como se disse, foram construídos esforços na segunda metade da década passada para a construção de uma nova Lei de Direitos Autorais brasileira. A iniciativa encontrou barreiras em interesses privados

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muito consistentes e na tão conhecida dificuldade nossa de priorizar ações e pautas políticas em nível governamental. Embora a Lei nº 12.853 tenha sido um progresso, muito ainda há por inovar.

E, no círculo de algumas inovações tecnológicas e modelos de ne-gócios, o impacto da técnica espalhou efeitos mais visíveis, como nos bens culturais musicais, por exemplo.

A possibilidade de ouvir música sem arquivamento ou baixa de su-porte material, conhecida internacionalmente como streaming, mexeu com todas as estruturas da indústria fonográfica. As gravadoras de porte, inicial-mente, menosprezaram seus impactos, mas hoje, como é comum no mun-do liberal, já absorvido o golpe, focam sua atuação para este nicho que se mostra cada vez mais amplo.

Os artistas musicais (autores, artistas, intérpretes e executantes) conti-nuam abalados pelo novo cenário. E, como regra geral, reclamam de paga-mentos irrisórios e de abusos contratuais por parte dos detentores do poder econômico e tecnológico. A música, aqui, é apenas a ponta do iceberg, pois, como se comprovou, as incidências dos novos patamares atingem muitas outras vertentes autorais e culturais. Tudo desembocou, além das iniciativas empresariais referidas, na atuação governamental. O Ministério da Cultura ocupa-se da matéria, principalmente na esfera de competência da Diretoria de Direitos Intelectuais – DDI.

A partir de tudo isso foi construída a Proposta da Grulac que, na Ompi, recebeu a alcunha de Proposta de Análise dos Direitos de Autor no Ambiente Digital (SCCR/31/4), apresentada pelo Grupo de Países da América Latina e o Caribe (Grulac), na trigésima primeira sessão do Comitê Permanente sobre Direitos de Autor e Direitos Conexos da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em Genebra, de 7 a 11 de dezembro de 2015.

A relevância internacional desta discussão, particularmente nos li-mites de competência da Ompi, é confirmada pelo agendamento, em Genebra, da Conferência sobre o Mercado Mundial de Conteúdo Digital, de 20 a 22 de abril de 2016. A proposta, certamente, é o pontapé inicial dos debates, mas esses, indubitavelmente, levarão a questão a um novo patamar regulatório, tanto no âmbito internacional como no contexto interno.

Rematando, vêm aí os direitos autorais do ambiente digital.

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Parte Geral – Jurisprudência

3444

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0001895‑06.2007.4.01.4100Apelação Cível nº 2007.41.00.001896‑3/RORelator(a): Juiz Federal Leão Aparecido AlvesApelante: Aparecido Casteliano AlmansoAdvogado: RO00002187 – Wandelino dos Santos BarrosApelado: União FederalProcurador: DF00026645 – Manuel de Medeiros Dantas

ementA

aÇÃO DE rEINtEGraÇÃO DE POSSE – IMóVEL FUNCIONaL – PrOCEDÊNCIa DO PEDIDO

1. Aparecido Casteliano Almansa (réu) recorre da sentença pela qual o Juízo Federal julgou procedente o pedido formulado pela União (autora) para condená-lo a restituir a ela o imóvel funcional ocupa-do irregularmente, indenizá-la pela ocupação indevida e abster-se de promover novo esbulho.

2. Apelante sustenta, em suma, que não tomou conhecimento da “proposta de substituição da cessão [do imóvel funcional] por loca-ção”; que os documentos apresentados pela União, para provar sua ciência, não foram por ele assinados; que, assim, não houve recusa à proposta em causa; que inexiste fundamento jurídico para afastar seu direito de ocupar o imóvel funcional; que, no documento no qual consta sua assinatura, no entanto, inexiste qualquer informação de que teria havido recusa à proposta de substituição em causa; que ocupa regularmente o imóvel funcional desde 01.06.1993; que não se encontra presente nenhuma das hipóteses de rescisão do Termo de Ocupação, previstas na Cláusula Quinta desse ajuste.

3. Alegação de que não se encontra presente nenhuma das hipóteses de rescisão do Termo de Ocupação, previstas na Cláusula Quinta desse ajuste. Irrelevância. Termo de Ocupação firmado entre o ape-lante e a Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac). Imóvel de propriedade da União. “As normas de direito privado não podem disciplinar a cessão de uso de bem público, ainda que este esteja sob a administração de empresa pública, porquanto, tendo em vista

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o interesse e as conveniências da Administração, a União pode, a qualquer tempo e unilateralmente, reaver o seu imóvel, tornando sem efeito qualquer contrato entre o cessionário e o cedente.” (STJ, REsp 55.275/ES) Consequente ausência de vinculação da União aos termos do referido ajuste. Direito da União de retomar a posse do imóvel de sua propriedade.

4. Alegação de desconhecimento da proposta de locação sob o fun-damento de que as cartas não foram assinadas pelo apelante. Impro-cedência. Conclusão no sentido do conhecimento da proposta que resulta da análise dos elementos probatórios presentes nos autos, “vis-tos de forma conjunta”. (TRF 1ª R., ACr 2003.37.01.000052-3/MA)

5. Apelação não provida.

Acórdão

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Re-lator.

Brasília, 16 de março de 2016.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator Convocado

relAtórIo

Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Relator Convocado):

Aparecido Casteliano Almansa (réu) recorre da sentença pela qual o Juízo Federal julgou procedente o pedido formulado pela União (autora) para condená-lo a restituir a ela o imóvel funcional ocupado irregularmente, indenizá-la pela ocupação indevida e abster-se de promover novo esbulho. Fls. 104-111.

O apelante sustenta, em suma, que não tomou conhecimento da “pro-posta de substituição da cessão [do imóvel funcional] por locação”; que os documentos apresentados pela União (fls. 15-17), para provar sua ciência, não foram por ele assinados; que, assim, não houve recusa à proposta em causa; que inexiste fundamento jurídico para afastar seu direito de ocupar o

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imóvel funcional; que, no documento no qual consta sua assinatura (fl. 20), no entanto, inexiste qualquer informação de que teria havido recusa à pro-posta de substituição em causa; que ocupa regularmente o imóvel funcional desde 01.06.1993; que não se encontra presente nenhuma das hipóteses de rescisão do Termo de Ocupação, previstas na Cláusula Quinta desse ajuste. Requer o provimento do recurso nos termos acima resumidos. Fls. 114-121.

Contrarrazões. Fls. 126-128.

É o relatório.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator convocado

Voto

Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Relator Convocado):

I

As constatações de fato fixadas pelo Juízo Singular somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor se forem claramente errôneas. “A presunção é de que os órgãos investidos no ofício judicante observam o princípio da legalidade.” (STF, AI 151351-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, 2ª T., Julgado em 05.10.1993, DJ 18.03.1994, p. 5170.) Essa doutrina consubstancia o “[p]rincípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim com meios de convicção mais seguros do que os juízes distantes” (STF, RHC 50376/AL, Rel. Min. Luiz Gallotti, 1ª T., Julgado em 17.10.1972, DJ 21.12.1972; STJ, REsp 569985, Relª Min. Eliana Cal-mon, 2ª T., 20.09.2006 [prevalência da prova que foi capaz de satisfazer o Juízo Singular]; TRF 1ª R., REO 90.01.18018-3/PA, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 2ª T., DJ p. 31072 de 05.12.1991 [prevalência da manifestação do órgão do Ministério Público em primeiro grau de jurisdição]). Dessa for-ma, as constatações de fato fixadas pelo Juízo somente devem ser afastadas pelo Tribunal Revisor mediante demonstração inequívoca, a cargo do re-corrente, de que elas estão dissociadas do conjunto probatório contido nos autos.

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II

A

“Os bens públicos não são suscetíveis de posse. Podem, contudo, se-rem objeto de permissão de uso. Sempre em caráter precário. Recuperáveis por motivo de oportunidade e conveniência.” (STJ, REsp 116.074/DF, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, 6ª T., J. em 22.04.1997, DJ 09.06.1997, p. 25586) “A ocupação de bem público imóvel somente se faz nos termos da lei (Decreto[-Lei] nº 9.760/1946, arts. 64 a 74), e sob a forma escri-ta.” (TRF 1ª R., AC 0052707-82.1997.4.01.0000/RO, Rel. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Conv.), 3ª T.Supl. (inativa), DJ p. 119 de 09.10.2003)

“São distintas as relações de propriedade e administração, a que cor-respondem os regimes do direito civil e do direito administrativo. A chama-da propriedade pública não é adaptação para o direito administrativo da propriedade regida pelo direito civil. Embora haja pontos de contato entre a relação de administração e a de propriedade, aquela é secundária a esta, à qual se deve conformar (Cirne Lima). Apenas subsidiariamente aplicam-se ao regime dos bens públicos as regras de direito civil e, por consequência, também as regras do processo civil devem ser adaptadas para atender ao interesse público. Às ações possessórias destinadas à proteção do patrimô-nio público aplica-se o art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946: ‘O ocupan-te de imóvel da União, sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil’. Trata-se, na verdade, de uma ação de despejo ou de desapossamento. Dispensem-se os requisitos do art. 927 do Código de Processo Civil, com exceção do previsto no inciso II, e há possibilidade do deferimento liminar mesmo se intentada além do prazo de ano e dia da tur-bação ou esbulho. Excetuam-se daquela disposição (art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/1946), na forma do parágrafo único, e ainda assim apenas quanto ao aspecto da sumariedade e do direito a indenização pelo que haja sido incorporado ao solo, as ocupações de boa-fé, com cultura efetiva e mora-da habitual. Para que seja justa a posse sobre bem público, é insuficiente que não seja violenta, clandestina ou precária, exigindo-se em qualquer hipótese assentimento da entidade competente, numa das formas legais. Conforme jurisprudência que vem desde o Tribunal Federal de Recursos, ‘não há distinguir, para efeitos legais, entre posse clandestina e ocupação, sem que esta seja precedida de ato autorizativo, nos termos do Decreto--Lei nº 9.760, de 1946’ (Ementário de Jurisprudência do TFR, 89, p. 11).

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‘O poder do particular sobre terras públicas, consoante lição de Orozimbo Nonato, posto que se desvele como relação possessória, não é posse, é detenção. A vinculação jurídica da coisa a uma finalidade pública tem a primazia absoluta sobre qualquer situação jurídica privada’ (TRF 1ª R., Ag 1999.01.00.029263-8/TO). A especial proteção que o patrimônio público requer motivo do mencionado regime jurídico específico, leva a admitir oposição de entidade pública, com base no domínio, para obter ‘a coisa ou o direito sobre que se controvertem autor e réu’ mesmo em ação possessó-ria. ‘A posse, pelo Estado, sobre bens públicos, notadamente quando se trata de bens dominicais, dá-se independentemente da demonstração do poder de fato sobre a coisa. Interpretação contrária seria incompatível com a ne-cessidade de conferir proteção possessória à ampla parcela do território na-cional de que é titular o Poder Público’ (REsp 780401/DF, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 03.09.2009, DJe 21.09.2009)”. (TRF 1ª R., AC 00038877020054014100, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, 5ª T., e-DJF1 04.02.2014, p. 555)

“José Carlos Moreira Alves, in Posse Volume II, 1º Tomo, Estudo Dog-mático, p. 170, disserta: ‘com relação aos particulares, em face do Estado ou entre si, serão eles considerados meros detentores dos bens públicos de uso comum e de uso especial se seguir o princípio, exposto por Forsthof, de que a vinculação jurídica da coisa a uma finalidade pública tem primazia absoluta sobre qualquer situação jurídica privada, pois tal finalidade afasta a ideia de posse do particular, ainda, com relação aos bens públicos de uso especial, terá apenas detenção consentida (por ato de tolerância ou de permissão), ou não pelo Estado’. A certeza e juridicidade do posiciona-mento doutrinário acima transcrito encontram-se, há muito, reconhecidos pelo E. STF que, reiteradas vezes (indicamos como exemplo as decisões proferidas nos RE 51265, RE 65952 e Embargos no RE 7241), tem declarado a imprestabilidade da posse para desafetar a destinação das coisas públicas e constituir direitos disponíveis ao particular. No particular, vale trazer à colação a seguinte ementa colhida do acórdão dos Embargos no RE 7241, relatado pelo Ministro Orozimbo Nonato [...] (Rev. Forense, n. 143, p. 102). Naquela ocasião, o E. Ministro Relator, com extrema propriedade, asseve-rou: ‘O poder do particular sobre terras públicas, posto que se desvele como relação possessória, não é posse é detenção. Falta-lhe, para que se exalte à categoria de posse, o elemento – n conhecida fórmula de Jhering. Não lhe falecem, os elementos do corpus e da affectio tenendi. Mas, desprovido daquele elemento negativo – n, a relação se degrada a mera detenção. Sem dúvida que a detentio é, como já se disse, instituto residual. E um dos pontos altos da doutrina de Jhering está em negar, em linha de princípio, diferen-

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112 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

ça ontológica entre posse e detenção. Em princípio, toda relação exterior possessória é posse. Razões, porém, há de outra natureza, pelas quais, em casos restritos, nega a lei a essa relação a categoria de posse. É a proibição legal, cuja existência constitui o elemento – n, a que se fez alusão. Os bens fora do comércio, os imprescritíveis, não podem ser possuídos. A relação possessória, no caso, degrada-se à detenção e não origina interditos ou usu-capião.’” (TRF 1ª R., Ag 0061410-31.1999.4.01.0000/TO, Rel. Juiz Federal Leão Aparecido Alves (Conv.), 3ª T.Supl. (inativa), DJ p. 109 de 29.01.2004. Excerto da petição do Agravante, Ibama)

Portanto, embora denominada de “ação de reintegração de posse”, na realidade, as ações propostas pela Administração Pública Direta ou In-direta, para a retomada de imóveis ocupados por servidores ou terceiros, têm natureza jurídica “de uma ação de despejo ou de desapossamento” (TRF 1ª R., AC 00038877020054014100, supra).

b

A locação de imóvel público rege-se pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946 (DL 9.760), e, não, pela Lei nº 8.245/1991. “[‘O] art. 1º, parágrafo úni-co, da Lei nº 8.245/1991 excepciona a locação de imóvel urbano de pro-priedade da União, Estados, Municípios e suas autarquias, que continuam sendo regulados pelo Código Civil e pela Lei nº 9.760/1946’” (TRF 1ª R., AC 0006302-73.2006.4.01.3200/AM, Rel. Conv. Juiz Federal Carlos Eduardo Castro Martins (Conv.), 5ª T., e-DJF1 p. 415 de 13.06.2013.) “Não se aplica aos contratos administrativos de concessão de uso de imóvel pú-blico, os quais são regidos pelo Decreto-Lei nº 9.760/1946, o disposto na Lei nº 8.245/1991, que rege os contratos de locação de imóveis urbanos e ru-rais, revestidos de natureza tipicamente privada.” (TRF 1ª R., AC 0000831-74.2000.4.01.3301/BA, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, 6ª T., e-DJF1 p. 278 de 07.06.2010) “Aos imóveis residenciais da União, cedidos com apoio no Decreto-Lei nº 9.760, de 1946, para uso de seus servidores, não se aplicam as disposições concernentes à locação, podendo a avença ser rescindida quando o prédio, dentre outras hipóteses, for necessário ao ser-viço público. A desocupação deve ser pleiteada por via de ação possessó-ria.” (TRF 1ª R., AC 0019244-33.1989.4.01.0000/DF, Rel. Juiz Fernando Gonçalves, 3ª T., DJ p. 11768 de 04.06.1990)

No presente caso, o Termo de Ocupação foi firmado entre o apelante e a Comissão Executiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac).

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O imóvel objeto desse termo é de propriedade da União. “Consoante dispõe a lei (Decreto-Lei nº 9.760/1946), a cessão de uso de bem imóvel da União, mediante contrato oneroso, seja qual for a denominação da avença, deve ser regida pelas normas de direito publico, já que tem a natureza ju-rídica de contrato administrativo. As normas de direito privado não podem disciplinar a cessão de uso de bem público, ainda que este esteja sob a administração de empresa pública, porquanto, tendo em vista o interesse e as conveniências da Administração, a União pode, a qualquer tempo e unilateralmente, reaver o seu imóvel, tornando sem efeito qualquer contrato entre o cessionário e o cedente.” (STJ, REsp 55.275/ES, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, 1ª T., Julgado em 17.05.1995, DJ 21.08.1995, p. 25353. Grifei)

Assim sendo, a União não está vinculada aos termos de ajuste acor-dado entre o apelante e a Ceplac. Além disso, a União tem o inalienável direito de retomar imóvel de sua propriedade.

Assim, e embora nenhuma das hipóteses de rescisão do Termo fir-mado entre o apelante e a Ceplac esteja presente, a União tem direito de retomar o imóvel de sua propriedade, porquanto a ele não está vinculada. Por conseguinte, a ausência de caracterização de uma ou mais dessas hi-póteses de incidência da rescisão contratual é irrelevante e impertinente à decisão da causa. A ausência de manifestação judicial sobre matéria “sem nenhuma pertinência ao tema em debate não caracteriza omissão”. (STF, AI 160433-AgR-ED, Rel. Min. Moreira Alves, 1ª T., Julgado em 23.04.1996, DJ 20.09.1996 p. 34542)

III

A

“Com base nos fatos narrados pela parte na peça preambular, cabe ao magistrado atribuir a qualificação jurídica que tenha correspondência à solução do litígio diante do princípio jura novit curia, pelo qual se pres-supõe o seu conhecimento do direito, cuja relevância reflete postulado de igual matiz: da mihi factum dabo tibi jus.” (STJ, REsp 1046497/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., Julgado em 24.08.2010, DJe 09.11.2010) “A lide instaura-se nos limites da fundamentação jurídica apresentada”, pois “[o] sistema processual pátrio restou por adotar, quanto à causa de pedir, a teoria da substanciação, a informar que o fundamento jurídico não descrito não pode ser levado em consideração para a solução da lide” (TRF 1ª R., AC 95.01.18735-7/AM, Rel. Des. Fed. I’talo Mendes, 4ª T., DJ 25.06.1999,

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p. 524). Ademais, “quod non est in libello, non est in mundo” (STF, HC 71044/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª T., Julgado em 04.10.1994, DJ 02.02.2007 p. 114). Na doutrina, vide, por todos, Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2º v., 2000. p. 97, 98 e 240.

b

Na petição inicial a União afirmou “que o réu está ocupando irregu-larmente um imóvel de propriedade” dela. Fl. 3.

O Juízo concluiu que “o ato administrativo versando sobre a utiliza-ção de bem público se caracteriza pelo selo da precariedade e discriciona-riedade”; que “[a] Administração, na gestão do interesse público, pode ces-sar, unilateralmente, o uso privativo, mesmo se formalizado sob contrato, com prazo determinado e ausente o descumprimento de cláusulas contratu-ais pelo ocupante” [cf. MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/1998. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 292]; que, assim, “o cumprimento dos termos contratuais, o pagamen-to de ‘taxa de ocupação’ e a ausência de imóvel próprio não obstam a extinção da cessão de uso, revogável em prol do interesse público”; que, “[r]ecusando o réu a proposta de substituição da cessão por locação (fls. 15- -19 e 31-36), legítima a rescisão do sinalagma, a respeito do que fora regu-larmente cientificado: deu-se-lhe prazo para manifestação sobre interesse em locação, sob pena de devolução ao patrimônio da União (fls. 17).” Fl. 107.

O apelante alega que nenhum dos documentos indicados pelo Juízo foi assinado pelo recorrente, donde a ausência de prova direta de que ele teria tomado conhecimento formal da proposta de substituição da cessão por locação.

“A apreciação da prova deve ser feita de forma persuasiva e não sub-jetiva” (TRF 1ª R., AC 199938000174265, Relª Desª Fed. Maria do Carmo Cardoso, 8ª T., 20.08.2010). A decisão do juiz deve “encontr[ar] respaldo no conjunto de provas constante dos autos.” (STF, AO 1047 ED/RR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, J. 19.12.2008, DJe-043 06.03.2009.) Dessa forma, os elementos probatórios presentes nos autos devem ser “vis-tos de forma conjunta” (TRF 1ª R., ACr 2003.37.01.000052-3/MA, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, 3ª T., DJ de 26.05.2006, p. 7; STF, RHC 88371/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª T., Julgado em 14.11.2006, DJ 02.02.2007, p. 160; RHC 85254/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T., Julgado em 15.02.2005,

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DJ 04.03.2005, p. 37), e, não, isolada. Efetivamente, é indispensável “a aná-lise do conjunto de provas para ser possível a solução da lide” (STF, RE 559742/SE, Relª Min. Ellen Gracie, 2ª T., Julgado em 28.10.2008, DJe-232 05.12.2008). Assim sendo, cada prova, individualmente, deve ser analisada em conjunto com as demais constantes dos autos.

Em se tratando de meios de prova, o princípio regente é o da li-berdade dos meios de prova. CPC, art. 332. “Conquanto o art. 9º da Lei nº 9.609/1998 faça remissão expressa ao contrato de licença e ao docu-mento fiscal, como meios hábeis de provar a regularidade do programa de computador, o dispositivo não excluiu expressamente outros elementos de prova, devendo ser interpretado em conformidade com o ordenamento jurídico brasileiro, o qual admite, nos termos dos arts. 332, CPC e 212, CC, a comprovação dos fatos alegados pelas partes por qualquer meio idô-neo, ainda que não especificado em lei.” (STJ, REsp 913008, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª T., 19.10.2009) “A convicção do juiz resulta do exame feito, sobre o conjunto probatório, sem indagar a quem competiria o onus probandi, como determina o art. 332 do CPC.” (STJ, REsp 324282, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª T., 01.04.2002.) “Todos os meios legais são hábeis para provar a verdade do fato (CPC, art. 332).” (STJ, REsp 220523, Rel. Min. Nilson Naves, 3ª T., 21.02.2000)

Diferentemente do padrão probatório necessário à imposição de sen-tença penal condenatória, o qual, diante do princípio constitucional da pre-sunção de inocência, é o da prova acima de dúvida razoável1, no âmbito cível, o padrão probatório necessário à procedência do pedido formulado pelo autor é menos exigente. Conforme enfatizado pelo famoso juiz inglês, Lord Thomas Denning, o padrão da preponderância das provas, aplicável nos casos cíveis, reclama a presença de grau razoável de probabilidade, mas não tão elevado quanto o exigido nos processos criminais. Na verdade, se a prova é de magnitude tal que o Tribunal pode dizer que o fato alega-do é mais provável do que não, o ônus se encontra satisfeito2. No Brasil, segundo lição de Cândido Rangel Dinamarco, “[c]onsidera-se cumprido o onus probandi quando a instrução processual houver chegado à demons-

1 Nos termos do art. 5º, inciso LVII, da Constituição do Brasil, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Esse dispositivo consagra a presunção de inocência do réu, a qual somente pode ser afastada mediante a produção, pela acusação, de prova “além de qualquer dúvida razoável” quanto à “ocorrência do fato constitutivo do pedido” (STF, HC 73.338/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 1ª T., Julgado em 13.08.1996, DJ 19.12.1996, p. 51766).

2 “It must carry a reasonable degree of probability, but not so high as is required in a criminal case. If the evidence is such that the Tribunal can say: ‘We think it more probable than not’, the burden is discharged, but if the probabilities are equal, it is not.” Miller v. Minister of Pensions (1947 T.L.R. 474; 1947 2 All E.R. 372; War Pensions Appeals, vol. 1, 615).

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tração razoável da existência do fato, sem os extremos da exigência de uma certeza absoluta que muito dificilmente se atingirá. A certeza, em termos absolutos, não é requisito para julgar. Basta que, segundo o juízo comum do homo medius, a probabilidade seja tão grande que os riscos de erro se mostrem suportáveis. [...] O juiz que pela obsessão da verdade considerasse inexistentes os fatos afirmados, somente porque algum leve resquício de dúvida ainda restasse em seu espírito, em nome dessa ilusória segurança para julgar estaria com muito mais frequência praticando injustiças do que fazendo justiça” (Apud TRE/GO, Investigação Judicial nº 38174, Acórdão nº 15000/2014 de 02.09.2014, Rel. Sebastião Luiz Fleury, DJ 04.09.2014, p. 4-5).

Na espécie, a União juntou aos autos cópia de carta firmada pelo Su-perintendente da Ceplac e endereçada ao recorrente. Fl. 15. Nessa carta, a Ceplac informa o novo valor do aluguel, no importe de R$ 208,37; esclarece que, “com base nos arts. 92 e 93 do Decreto-Lei nº 9.760/1946” será comu-nicado “à Gerência de Patrimônio da União em Rondônia, que é do interes-se [da] Ceplac/Supoc que o ocupante [ora recorrente], servidor do Órgão, resida nas proximidades da sede local, para que o imóvel seja locado sem concorrência”; e solicita manifestação quanto ao interesse nessa locação. O apelante não assinou o recibo dessa carta (fl. 15) nem manifestou interesse na locação. Fl. 16. Seguiu-se o encaminhamento de nova carta, mas, no-vamente, o apelante não assinou o recibo respectivo. Fl. 17. Por não haver assinado os recibos, o apelante alega que não tomou conhecimento da pro-posta de locação do imóvel. Porém, os elementos probatórios presentes nos autos, “vistos de forma conjunta” (TRF 1ª R., ACr 2003.37.01.000052-3/MA, supra), são suficientes à conclusão de que o apelante tomou conhecimento da aludida proposta. O Gerente da Ceplac, em memorando ao Setor de Apoio Administrativo, informou que, efetivamente, as cartas enviadas ao apelante foram devolvidas sem manifestação de concordância. Fl. 18. Em outro memorando, com idêntico destinatário, o referido Gerente informou que o apelante, dentre outros servidores, não concordou com a proposta de locação e declarou que não assinaria o respectivo requerimento. Fl. 19. Ao contrário, o apelante e outros servidores firmaram abaixo-assinado no qual declaram que entendem terem direito à ocupação dos imóveis funcio-nais respectivos nos termos dos contratos atuais. Fl. 20. Essa documentação, vista em conjunto, demonstra que o apelante tinha conhecimento, sim, da proposta de locação feita pela União. Se o apelante não tivesse ciência da pretensão da União, não teria sentido a sua afirmação de ter direito à conti-nuidade da ocupação consoante o Termo de Ocupação assinado por ele e pela Ceplac. Consequentemente, está correta a conclusão do Juízo de que

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o apelante tomou conhecimento da proposta de locação formulada pela União.

Esta Corte tem entendido que “[a] relação jurídica decorrente da ces-são de imóvel funcional, para fins de ocupação por servidor público, possui natureza eminentemente administrativa, não se equiparando a contrato de locação” (TRF 1ª R., AC 00047132320094013400, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 11.03.2015, p. 786). Na mesma direção: “A ocupa-ção de imóvel funcional residencial decorre de ato negocial unilateral, dis-cricionário e precário, disciplinado pelas normas de direito administrativo que regem a matéria.” (TRF 1ª R., AMS 00485976820104013400, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª T., e-DJF1 03.08.2015, p. 13)

É indubitável que “[a] Administração pode revogar os seus atos, por motivo de conveniência e oportunidade, porém devendo ser crite-riosa e respeitando as situações legalmente constituídas” (TRF 1ª R., AC 00019881319994013400, Rel. Juiz Federal Carlos Augusto Pires Brandão (Conv.), 6ª T., DJ 18.06.2007, p. 95). No entanto, “[e]m havendo sido as-sinado termo de ocupação de unidade residencial por servidor efetivo [...], por interesse do serviço, não há justificativa para que haja a rescisão imo-tivada do citado termo, [quando] não [...] evidenciada nenhuma das cau-sas legais determinantes, ainda mais que o apelado permanece no serviço público” (TRF 1ª R., AC 00019881319994013400, supra). No mesmo sen-tido: “A Administração pode revogar os seus atos, por motivos de conve-niência e oportunidade, mas deve respeitar os direitos adquiridos (Súmula nº 473/STF). Tendo sido firmado termo de permissão de uso de um imó-vel funcional, por servidor efetivo, em razão do serviço, não se justifica a sua rescisão imotivada, sem o implemento de nenhuma das causas legais determinantes.” (TRF 1ª R., AMS 00303926519944010000, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, 3ª T., DJ 14.03.1996, p. 14956)

No presente caso, o apelante, ao invés de manifestar interesse na lo-cação, ou de formular uma contraproposta quanto ao valor do aluguel, pre-feriu o silêncio. Com o seu silêncio, o apelante deixou de manter ocupação regular, porquanto sendo o imóvel de propriedade da União, é indubitável que ele se sujeita aos termos dela para a regular ocupação do imóvel. Nesse sentido, esta Corte já decidiu que “[n]as ações propostas pela União contra funcionário seu objetivando a desocupação do imóvel funcional, não se discute se a posse é velha ou nova, e sim a ocupação, se regular ou não” (TRF 1ª R., Ag 0018301-69.1996.4.01.0000/DF, Rel. Juiz Tourinho Neto, 3ª T., DJ p.66178 de 09.09.1996). Na espécie, a ocupação é irregular para com a União, proprietária do imóvel.

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Considerando que o imóvel é de propriedade da União, e que o Ter-mo de Ocupação no qual o apelante firma sua pretensão foi assinado com a Ceplac, segue-se que o apelante não tem direito de morar gratuitamente no imóvel de propriedade da União, bem como tem esta direito de fixar o valor da locação ou da taxa de ocupação. Assim sendo, também está cor-reta a conclusão do Juízo em fixar o valor da taxa de ocupação na quantia proposta pela União a título de aluguel.

IV

À vista do exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

Juiz Federal Leão Aparecido Alves Relator Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

3445

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoHabeas Corpus Criminal – Turma Espec. I – Penal, Previdenciário e Propriedade Industrial

Nº CNJ: 0006118‑38.2016.4.02.0000 (2016.00.00.006118‑8)

Relator: Desembargador Federal Paulo Espirito Santo

Impetrante: Isaias Faria Calheiros

Advogado: Isaias Faria Calheiros

Impetrado: Juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Niterói/RJ

Origem: 02ª Vara Federal de Niterói (00007045020144025102)

ementA

PrOCESSUaL PENaL – HaBEaS COrPUS – OPEraÇÃO NÔMaDE – CLONaGEM DE CartÕES – EXECUÇÃO PrOVISórIa Da PENa – aUSÊNCIa DE ILEGaLIDaDE – CONStraNGIMENtO ILEGaL NÃO VErIFICaDO – DEVOLUÇÃO DE PraZO Para rECUrSOS QUE INaDMItIraM OS rECUrSOS ESPECIaL E EXtraOrDINÁrIO – IMPOSSIBILIDaDE

1. Hipótese em que o impetrante requer salvo conduto em favor do paciente visando afastar iminente prisão decretada pelo MM. Juiz condutor da ação penal, bem como devolução de prazo para ofere-cimento de recurso contra decisão desta Corte que inadmitiu recurso especial e extraordinário.

2. A determinação da prisão do paciente encontra-se devidamente fundamentada, na medida em que a execução da pena condenatória, após a confirmação da sentença em segundo grau, não ofende o prin-cípio constitucional da presunção da inocência. Tal entendimento está de acordo com julgado do E. STF que mudou recentemente a ju-risprudência acerca do tema relativo à execução provisória da pena.

3. É de atribuição do Vice-Presidente desta Corte a decisão sobre a admissibilidade dos recursos endereçados aos Tribunais Superiores (Regimento Interno, art. 23, § 2º, inciso I), havendo erro, portanto, quanto à autoridade coatora apontada e consequentemente incom-petência deste Relator para apreciar a questão.

4. Ordem denegada.

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Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os membros da Primeira Turma Especializada do Tribu-nal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, denegar a ordem de Habeas Corpus, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 13 de julho de 2016 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Paulo Espirito Santo Relator

relAtórIo

Trata-se de habeas corpus impetrado por Isaias Faria Calheiros, em favor de Luciano Charles Nonato, pretendendo a expedição de salvo--conduto visando afastar eventual prisão do paciente determinada pelo juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Niterói/RJ, no bojo da ação penal nº 0000704.50.2014.4.02.5102, bem como a apreciação do pedido de de-volução do prazo para oferecimento dos recursos cabíveis das decisões da Vice-Presidência desta Corte, que negaram seguimento aos recursos espe-cial e extraordinários interpostos.

Argumenta o impetrante, em síntese, que a privação de liberdade do paciente constitui inegável constrangimento ilegal e afronta o princípio constitucional do estado de inocência; que há tribunais que rechaçam as orientações do STF; a impossibilidade de reparação, caso a execução pro-visória seja revista. Em relação ao pedido de devolução de prazo, aduz o impetrante que é o único advogado atuante na referida ação penal, que foi acometido de várias doenças que o levaram a permanecer acamado até o dia 28.01.2015, não tendo sido intimado pessoalmente da negativa de se-guimento dos recursos ao STJ e STF, fato que o teria impedido a interpor os recursos pertinentes.

A liminar foi indeferida, às fls. 90/94.

Informações apresentadas pela Autoridade Coatora às fls. 98/107, acompanhada de documentos.

Às fls. 199/207 parecer do Ministério Público Federal pela denegação da ordem.

É relatório.

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Rio de Janeiro, 13 de julho de 2016.

Desembargador Federal Paulo Espírito Santo Relator

Voto

Como relatado, trata-se de habeas corpus impetrado por Isaias Faria Calheiros, em favor de Luciano Charles Nonato, pretendendo a expedição de salvo-conduto visando afastar eventual prisão do paciente determinada pelo juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Niterói/RJ, no bojo da ação penal nº 0000704.50.2014.4.02.5102, bem como a apreciação do pedido de de-volução do prazo para oferecimento dos recursos cabíveis das decisões da Vice-Presidência desta Corte, que negaram seguimento aos recursos espe-cial e extraordinários interpostos.

Luciano Charles Nonato foi denunciado pelo Ministério Público Fe-deral, na “Operação Nômade”, por integrar associação criminosa destinada à clonagem de cartões de créditos, sendo apontado como um dos principais articuladores de uma das células criminosas identificas no curso da inves-tigação criminal, apoiada, inclusive, em interceptação telefônica. Finda a instrução foi o paciente condenado à pena de 6 (seis) anos, 2 (dois) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão e multa 303 (trezentos e três) dias-multa, ao valor de um 1/5 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos (agosto de 2009), cada, devidamente corrigidos até o efetivo pagamento, por incurso nas sanções do art. 155, § 4º, II, por 7 vezes, na forma do art. 71, e art. 288, combinados com art. 69, todos do Código Penal. O regime carcerário foi o semiaberto, à vista do disposto no art. 33, § 2º, c, do Código Penal, e sua combinação com o § 3º do mesmo dispositivo, e tudo com observância dos critérios fixados no art. 59 do mesmo diploma. Pois bem.

No caso vertente, não há ilegalidade na decisão impugnada, isto porque a decisão que decretou a prisão do paciente baseou-se em recente julgado do STF que mudou o entendimento acerca do tema relativo à exe-cução provisória da pena (HC 126.292/SP), conforme assentado pelo MM. Juiz de piso:

“[...] diante da mudança na jurisprudência do STF acerca do tema relativo à exe-cução provisória da pena e analisados os seus fundamentos, é possível, no caso, que se dê início ao cumprimento das penas impostas a Luciano Chaves Nonato. [...]

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A sentença condenatória foi mantida, na íntegra, em sede de apelação pelo TRF 2ª Região. Do acórdão confirmatório da sentença, a defesa interpôs embargos de declaração, provido parcialmente, apenas para corrigir erro material conforme relatado, e recursos especial e extraordinário, os quais foram inadmitidos pelo TRF 2ª Região. O MPF interpôs recurso especial contra o Acórdão que negou provimento à apelação, o qual se encontra pendente de julgamento no STJ.

Essas circunstâncias concretas: confirmação, na íntegra, da sentença condenató-ria em segunda instância, inadmissão dos recursos especial e extraordinário da defesa e admissão do recurso especial do MPF, pendente de julgamento no STJ, permitem o início do cumprimento das penas pela (sic) ré (sic) Luciano Charles Nonato.

Ressalte-se que a jurisprudência do STF, firmada no HC 126.292/SP. Admitiu, naquele caso, a execução provisória da pena de prisão, e não a título cautelar.

No Recurso Extraordinário com Agravo nº 851.109/DF, de 23.02.2016, o Minis-tro do STF Edson Fachin, ao analisar pedido do MPF para dar início à execução provisória da pena, com respaldo na nova jurisprudência, assentou que a matéria deve ser examinada pelo Juízo de origem a quem cabe, se for o caso, determinar a expedição de mandado de prisão [...]”

Nesse passo, verifico que a determinação da prisão do paciente en-contra-se devidamente fundamentada, na medida em que a execução da pena condenatória, após confirmação da sentença, em segundo grau, não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, permitindo, diante dos elementos concretos apontados no caso, o início do cumprimen-to da pena por parte do réu.

Sobre o ponto, muito bem se posicionou o órgão do Ministério Públi-co Federal com atuação nesta Corte, nos trechos que destaco a seguir:

“[...] a determinação imposta pelo r. juízo não apresenta qualquer ilegalidade, restando de acordo com o entendimento de que a execução provisória de acór-dão penal condenatório proferido em grau de apelação não compromete o prin-cípio constitucional da presunção da inocência afirmado pelo art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal.

Esclareça-se, nesse âmbito, que os direitos ou garantias constitucionalmente pre-vistos não são absolutos, de forma que não se admite o exercício ilimitado das prerrogativas que lhe são inerentes, principalmente quando veiculados sob a for-ma de princípios.

Assim, deve-se ter em conta que diante do exaurimento do exame sobre os fa-tos e provas da causa, com a fixação da responsabilidade penal do acusado, a presunção de não culpabilidade cede espaço para a efetividade da função juris-dicional penal. Apesar de não ter sido declarada definitivamente, a confirmação da condenação em segunda instância representa a progressiva demonstração da

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culpa do acusado, de forma que o princípio da presunção da inocência ou da não culpabilidade adquire peso gradativamente menor.

Com efeito, a partir de uma ponderação entre os princípios constitucionais en-volvidos, não se demonstra incompatível com a ordem constitucional autorizar uma responsabilidade criminal já reconhecida pelas instâncias ordinárias, sendo, inclusive, uma medida necessária para uma proteção satisfatória daqueles bens que o Direito Penal visa resguardar.

A realização da ponderação também se mostra relevante quando se observa que os recursos de natureza extraordinária não têm por finalidade específica exami-nar a justiça ou injustiça de sentenças em casos concretos, mas sim preservar a higidez do sistema normativo. Com efeito, os Tribunais superiores não discutem as particularidades do caso concreto, mas sim, aspectos pontuais referentes à Constituição ou legislação infraconstitucional.

Necessário destacar, outrossim, que além de não serem vocacionados à resolu-ção de questões relacionadas a fatos e provas, os recursos extraordinários e espe-cial não acarretam a interrupção da contagem do prazo prescricional.

Assim, em vez de constituírem um instrumento de garantia da presunção de não culpabilidade do apenado, acabam representando um mecanismo inibidor da efetividade da jurisdição penal.

Ao evitar que a punição penal possa ser retardada ou até mesmo extinta em razão da prescrição, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Não se trata, portanto, de ignorar determinada garantia constitucionalmente constituída, mas sim ponderar os interesses incidentes sobre o processo, dando-se prevalên-cia àquela interpretação que confere maior efetividade ao sistema processual penal [...]”.

Assim, a decisão do Juízo impetrado encontra-se inclusive de acordo com o entendimento desta Turma Especializada, na esteira do entendimento do E. STF, de que, havendo acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, a execução provisória da pena deverá ser examinada e decidi-da pelo Juízo de origem.

Quanto ao pedido de devolução do prazo, mantenho o entendi-mento esposado em juízo liminar, no sentido de que, em se tratando de patrono constituído, como no caso dos autos, a intimação dos atos se dá, via de regra, por meio de publicação na imprensa, consoante o disposto no art. 370, § 1º do Código de Processo Penal. Ademais, conforme sistema de acompanhamento processual da Justiça Federal de Primeira Instância, consta outro advogado constituído pelo paciente, capaz, em tese, de ofe-recer os recursos cabíveis contra decisão que inadmitiu os recursos espe-cial e extraordinário.

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De qualquer forma, o habeas corpus não é sede para apreciar devo-lução de prazo no caso específico, já que decorre de inadmissão dos recur-sos especial e extraordinário interpostos em favor do réu, de competência regimental da Vice-Presidência desta Corte de Justiça (art. 23, § 2º, inciso I), havendo erro, portanto, quanto à autoridade coatora apontada e conse-quentemente incompetência deste Relator para apreciar a questão.

Por fim, havendo notícia nos autos da prisão do paciente no último dia 16.06.2016, o pedido de salvo conduto perdeu seu objeto.

Diante do exposto, denego a ordem de habeas corpus.

Rio de Janeiro, 13 de julho de 2016.

Desembargador Federal Paulo Espírito Santo Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3446

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoPoder JudiciárioApelação Cível nº 0007248‑12.2016.4.03.9999/SP2016.03.99.007248‑9/SPRelator: Desembargador Federal Sergio NascimentoApelante: Jose dos Santos (= ou > de 60 anos)Advogado: SP229461 Guilherme de CarvalhoApelado(a): Instituto Nacional do Seguro Social – INSSProcurador: SP290411B Erasmo Lopes de SouzaAdvogado: SP000030 Hermes Arrais AlencarNº Orig.: 00041816920128260278 1ª Vr. Itaquaquecetuba/SP

ementA

PrEVIDENCIÁrIO – PrOCESSUaL CIVIL – rEVISÃO DE BENEFÍCIO – aUSÊNCIa DE VINCULaÇÃO aOS SaLÁrIOS DE CONtrIBUIÇÃO

I – Encontra-se desprovida de amparo legal a pretensão da parte au-tora em ter seu benefício previdenciário reajustado pelos mesmos ín-dices de reajustamento do valor teto do salário-de-contribuição e de suas classes, conforme portarias expedidas pelo Ministério da Previ-dência Social.

II – Embora o art. 20 da Lei nº 8.212/1991, em seu parágrafo pri-meiro, estabeleça que os valores do salário-de-contribuição serão reajustados na mesma época e com os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada, não há que se dar interpretação de reciprocidade, uma vez que os benefícios em manutenção têm seus reajustes regulados pelo art. 201, § 4º, da Cons-tituição da República.

III – Apelação da parte autora improvida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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São Paulo, 19 de abril de 2016.

Sergio Nascimento Desembargador Federal Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improce-dente pedido formulado em ação previdenciária, através da qual busca a parte autora a revisão da renda mensal do benefício de que é titular, me-diante a aplicação dos mesmos índices de reajuste dos salários de contribui-ção, conforme Portaria MPAS nº 4.883/1998 e Portaria MPS nº 12/2004. O demandante foi condenado ao pagamento de custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 500,00, observando-se o fato de ser beneficiária da assistência judiciária gratuita.

Em suas razões de inconformismo, pugna a parte autora pela reforma do decisum, argumentando que os critérios de reajuste utilizados pelo INSS afrontam ao disposto nos arts. 195, § 5º, e 201, §§ 3º e 4º, ambos da Cons-tituição da República, e 20, § 1º, e 28, § 5º, da Lei nº 8.212/1991. Suscita o pré-questionamento da matéria ventilada.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Sergio Nascimento Desembargador Federal Relator

Voto

Encontra-se desprovida de amparo legal a pretensão da parte autora em ter seu benefício previdenciário reajustado pelos mesmos índices de reajustamento do valor teto do salário de contribuição e de suas classes, conforme portarias expedidas pelo Ministério da Previdência Social.

Embora o art. 20 da Lei nº 8.212/1991, em seu § 1º, estabeleça que os valores do salário-de-contribuição serão reajustados na mesma época e com

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os mesmos índices que os do reajustamento dos benefícios de prestação continuada, não há que se dar interpretação de reciprocidade, uma vez que os benefícios em manutenção têm seus reajustes regulados pelo art. 201, § 4º, da Constituição da República, que assim dispõe:

Art. 201. [...]

§ 4º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.

De outro giro, a edição das Portarias nºs 4.883/1998 e 12/2004 teve por objetivo regularizar as disposições insertas nas Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 41/2003, relativamente aos tetos dos salários-de-contribui-ção, com o fito de garantir a concessão dos futuros benefícios com base nos novos limites. Confira-se, pois, o aresto que ora transcrevo, assim ementado:

PREVIDENCIÁRIO – REAJUSTAMENTO – BENEFÍCIOS EM MANUTENÇÃO – LEI Nº 8.212/1991 – AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO AOS SALÁRIOS DE CON-TRIBUIÇÕES – INDEXADORES LEGAIS – DELEGAÇÃO CONSTITUCIONAL AO LEGISLADOR ORDINÁRIO – NOVOS TETOS – EC 20/1998 E EC 41/2003 – PORTARIAS NºS 4.883/1998 E 12/2004 DO MPS – ADEQUAÇÃO DA TABE-LA DOS SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÕES – CUSTEIO – REFLEXOS – FUTUROS BENEFÍCIOS – PRINCÍPIOS DA IRREDUTIBILIDADE DOS PROVENTOS E PRE-SERVAÇÃO DO VALOR REAL RESPEITADOS – INEXISTÊNCIA DE LOCUPLETA-MENTO ILÍCITO DO INSS

1. Os arts. 20, § 1º, e 28, § 5º, ambos da Lei nº 8.212/1991, dispõem que os sa-lários de contribuições serão reajustados na mesma data e índices dos reajustes dos benefícios previdenciários de prestação continuada. São regras claras que vi-sam permitir que haja capacidade de pagamento dos benefícios em manutenção. Todavia, a recíproca não é verdadeira, já que os benefícios previdenciários são reajustados na época e com os índices determinados pelo legislador ordinário, por expressa delegação da Carta Maior, a teor do seu art. 201, § 4º, não tendo nenhuma vinculação com qualquer aumento conferido ou alteração dos salários de contribuições.

2. As Portarias nºs 4.883/1998 e 12/2004 do Ministério da Previdência Social foram editadas apenas para regularizar os novos tetos vigentes, ou seja, os valores máximos dos salários de contribuições, em razão dos novos tetos de benefícios estipulados pelas Emendas Constitucionais nºs 20/1998 (art. 14 – R$ 1.200,00) e 41/2003 (art. 5º – R$ 2.400,00), adequando o custeio tão-somente quanto aos segurados que têm salários de contribuições superiores ao teto antigo, a fim de viabilizar a futura concessão de benefício com base nos novos limites, sem quaisquer efeitos sobre os benefícios previdenciários concedidos anteriormente as suas promulgações, até porque inexiste qualquer previsão nos textos constitu-cionais para esse efeito retroativo.

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3. Não há falar em violação dos princípios constitucionais da irredutibilidade do valor dos proventos (art. 194, parágrafo único, inciso IV, da CF/1988) e da pre-servação do valor real (art. 201, § 4º, da CF/1988) por inexistir regramento que vincule o valor do benefício concedido ao limite fixado como teto do salário de contribuição ou aos valores da tabela de salário de contribuição.

4. Não houve qualquer aumento de alíquota da arrecadação ou criação de nova fonte de custeio, mas apenas uma fixação de novos patamares dos salários de contribuição em face dos novos tetos dos benefícios previdenciários. Assim, não se trata de reajuste dos salários de contribuição, mas de reflexo decorrente da ele-vação do valor-teto, de forma que não houve locupletamento ilícito da Autarquia por ausência de repasse aos benefícios em vigor, porquanto este não era devido.

5. Apelação improvida.

(TRF 4ª R., AC 714673/PR, 5ª T., Rel. Des. Fed. Otávio Roberto Pamplona, DJ de 08.06.2005)

Portanto, a não aplicação dos mesmos índices de reajuste dos salários de contribuição sobre os benefícios em manutenção não causa qualquer ofensa à garantia constitucional de preservação do valor real dos benefícios.

Saliento que a presente demanda, por ter como objeto reajustes au-tomáticos e genéricos de benefícios previdenciários como decorrência da elevação dos tetos pelas Emendas Constitucionais nºs 20/1998 e 41/2003 (e não a revisão do benefício mediante aplicação imediata dos novos limi-tes máximos do salário-de-contribuição instituídos pelas referidas Emendas Constitucionais), não devem se submeter ao juízo de adequação determina-do pelo art. 14, § 9º, da Lei nº 10.259/2001 c/c art. 1.039 do Código de Pro-cesso Civil de 2015, por manifesta inaplicabilidade do julgamento exarado pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 564.354.

Diante do exposto, nego provimento à apelação da parte autora.

Não há condenação do demandante aos ônus da sucumbência, por ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.

É como voto.

Sergio Nascimento Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3447

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoEmbargos de Declaração em Apelação Cível nº 5016721‑47.2011.4.04.7100/RSRelatora: Desª Federal Salise Monteiro SanchoteneEmbargante: Sergio Cruz AzevedoAdvogado: Isabel Cristina Trapp FerreiraEmbargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

ementA

PrOCESSUaL CIVIL – EMBarGOS DE DECLaraÇÃO – INEXIStÊNCIa DE QUaLQUEr DOS DEFEItOS QUE PODErIaM MOtIVar a OPOSIÇÃO – PrEQUEStIONaMENtO

1. Se o acórdão não apresenta omissão, contradição, obscuridade ou erro material, não cabe a oposição de embargos de declaração.

2. O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre (RS), 06 de julho de 2016.

Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

relAtórIo

A parte autora opõe embargos de declaração contra acórdão desta Turma, que reconheceu a decadência do direito à revisão do ato concessó-rio de seu benefício previdenciário.

Em suas razões, alega que não está a pretender a revisão do benefício percebido, mas discute o direito ao benefício não requerido entre a data

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da implementação dos requisitos legais e o requerimento administrativo. Sustenta que, havendo o segurado preenchido todos os requisitos para a aposentadoria em data anterior ao requerimento, este direito não caducará, não decairá, nem prejudicará o acesso a esta contraprestação, pois incor-porada ao seu patrimônio. Diz, também, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 630.501, reconheceu o direito de o segurado acessar prestação previdenciária não requerida mediante nova concessão em face do direito adquirido ao melhor benefício.

Requer o prequestionamento da Súmula nº 359/STF, art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, art. 6º, § 2º, da LICC e arts. 102, § 1º, 49 e 54 da Lei nº 8.213/1991.

Voto

Quanto às alegações trazidas pela parte embargante, não se verifica a ocorrência de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, nos termos do que dispõe o art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015.

Isto porque o entendimento da Turma foi no sentido de que o pedido de recálculo da renda mensal inicial com base no direito adquirido implica alteração do ato de concessão do benefício, porquanto é mantida a mes-ma Data da Entrada do Requerimento (DER) e a mesma Data de Início do Benefício (DIB), alterando-se apenas o Período Básico de Cálculo (PBC) da renda mensal inicial. Com isto, entendeu o órgão julgador que o que está em discussão é o mesmo ato de concessão, e não pedido de benefício ainda não requerido.

O objetivo, no caso, é rediscutir a causa e alcançar a reforma do jul-gado, o que não é próprio do recurso utilizado. Confira-se a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – ALEGADA OMISSÃO E CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO – NÃO OCORRÊNCIA – QUESTÃO DEVIDAMENTE ANALISADA NO JULGAMENTO DE MÉRITO DO RECURSO ORDINÁRIO – PRETENSÃO DE SE REDISCUTIR A CAU-SA – FINALIDADE PARA A QUAL NÃO SE PRESTA O RECURSO – REJEIÇÃO

1. No julgamento de mérito do recurso ordinário, todas as questões postas pela parte embargante foram enfrentadas adequadamente, inexistindo, na espécie, os vícios do art. 337 do RISTF. 2. O recurso não se presta para rediscutir a causa. 3. Embargos rejeitados.

(STF, ED-RHC 124192, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª T., DJe de 11.06.2015)

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PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMEN-TAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA – HIPÓTESES DO ART. 535 DO CPC – AUSÊNCIA – REDISCUSSÃO DA MATÉRIA DECIDIDA – IMPOSSIBILIDADE – EMBARGOS REJEITADOS

1. Os embargos de declaração apenas são cabíveis para sanar omissão, contra-dição ou obscuridade do julgado recorrido, admitindo-se também essa espécie recursal para se corrigir eventuais erros materiais da decisão. 2. No caso, o acór-dão embargado dirimiu integralmente a controvérsia, ao concluir pela ausência de similitude fática entre os acórdãos confrontados nos embargos de divergência. 3. Não são cabíveis aclaratórios com nítido intuito de rediscutir as questões já decididas no aresto recorrido. 4. Embargos de declaração rejeitados.

(STJ, EDcl-AgRg nos Embargos de Divergência em REsp nº 1.217.940, 1ª S., Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 01.07.2015)

O prequestionamento da matéria segue a sistemática prevista no art. 1.025 do CPC/2015.

Ante o exposto, voto por rejeitar os embargos de declaração.

Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Relatora

extrAto de AtA dA SeSSão de 06.07.2016

Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 5016721-47.2011.4.04.7100/RS

Origem: RS 50167214720114047100

Incidente: Embargos de Declaração

Relator: Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene

Presidente: Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida

Procurador: Procurador Regional da República Fábio Nesi Venzon

Embargante: Sergio Cruz Azevedo

Advogado: Isabel Cristina Trapp Ferreira

Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 06.07.2016, na sequência 440, disponibilizada no DE de 17.06.2016, da qual foi

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intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu rejeitar os embargos de declaração.

Relator Acórdão: Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene

Votante(s): Desª Federal Salise Monteiro Sanchotene Des. Federal João Batista Pinto Silveira Desª Federal Vânia Hack de Almeida

Gilberto Flores do Nascimento Diretor de Secretaria

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Parte Geral – Jurisprudência

3448

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Convocado Manuel MaiaAgravo de Instrumento (AGTR) nº 143124/PE (0002898‑82.2015.4.05.0000)Agrte.: Proteuva do Vale Indústria e Comércio de Embalagens Ltda.Adv./Proc.: Patricia Cerqueira de Arruda Cabral Ammirabile e outrosAgrdo.: Fazenda NacionalOrigem: 17ª Vara Federal de Pernambuco (Competente p/ execuções penais) – PERelator: Desembargador Federal Manuel Maia – Convocado

ementA

trIBUtÁrIO – aGraVO DE INStrUMENtO – EXECUÇÃO FISCaL – EXCEÇÃO DE PrÉ- -EXECUtIVIDaDE – DECaDÊNCIa – aUSÊNCIa DE PrOVa PrÉ-CONStItUÍDa – DILaÇÃO PrOBatórIa – IMPOSSIBILIDaDE

1. Agravo de instrumento contra decisão que, nos autos da execução originária, rejeitou exceção de pré-executividade.

2. Alegou-se matéria que enseja dilação probatória, uma vez que, não foi colacionado aos autos o Termo de Responsabilidade firmado pela executada para fazer jus às benesses do incentivo fiscal, sem o qual se tem obstada a verificação dos tributos com exigibilidade sus-pensa por força da adoção da sistemática de incentivo à exportação – drawback.

3. A Súmula nº 393 do STJ elucida que: “A exceção de pré-execu-tividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.”

4. Agravo de instrumento não provido.

Acórdão

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 24 de novembro de 2015.

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Desembargador Federal Manuel Maia Relator – Convocado

relAtórIo

O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia – Convocado: Trata--se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto por Proteuva do Vale Indústria e Comércio de Embalagens Ltda., em face da decisão da lavra do MM. Juiz Federal da 17ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, que, nos autos da execução fiscal de origem, rejeitou exceção de pré-executividade.

Sustenta a agravante que parte dos créditos cobrados no executivo fiscal de origem foi alcançada pela decadência, uma vez que o Regime Aduaneiro Especial de Drawback na modalidade de suspensão, sob o qual atuava nas suas operações de importação, “não impede a ocorrência do fato gerador alfandegário e a constituição da formalização da obrigação tributá-ria em face do contribuinte e o crédito em favor do Fisco”.

Aduz ainda que pela natureza do tributo o mesmo se sujeita ao lan-çamento por homologação e, assim, teria que antecipar o pagamento do tri-buto, porém, caso o sujeito passivo não efetue o pagamento, como ocorreu em razão do drawback suspensão, não se suspende o prazo decadencial, pois este não está sujeito à suspensão e, sim abre a oportunidade para o fis-co fazer o lançamento de ofício. No caso em questão, o agravante elucida que o fato gerador ocorreu nos anos 2007, 2008 e 2009 e o lançamento de ofício em favor do fisco se deu apenas em 20.05.2014, após o decurso de 5 (cinco) anos, o que resultou na decadência em face das competências de 2007 e 2008.

Liminar indeferida.

Contrarrazões apresentadas às fls. 416/419.

É o relatório.

Voto

O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia – Convocado: Trago à colação excerto da decisão na qual foi indeferida a liminar postulada:

“Segundo se extrai da decisão agravada, a Fazenda Nacional, ao impugnar a exceção, defendeu tese contrária, a de que ‘[...] o regime especial impede a cons-

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tituição do crédito tributário sob condição resolutória de descumprimento da obrigação acessória’, pelo que ‘[...] o lançamento só pode ser efetuado depois de não constatados os compromissos assumidos no Ato Concessório, por ocorrência do registro de Exportação’.”

Diante desse contexto, o magistrado singular, após transcrição dos dispositivos legais atinentes ao incentivo fiscal em tela, assim se pro nunciou:

“[...]

10. Como se observa, constitui-se o Termo de Responsabilidade o título repre-sentativo das obrigações fiscais relacionadas às mercadorias sujeitas à sistemática do regime aduaneiro especial (art. 72, caput e § 2º do Decreto-Lei nº 37/1966).

11. Ocorre que o exame da questão aventada pela excipiente demandaria ine-xorável dilação probatória, traduzida na necessidade de instruir os autos com o Termo de Responsabilidade firmado pela executada para fazer jus às benesses do incentivo fiscal, sem o qual se tem obstada a verificação dos tributos com exigi-bilidade suspensa por força da adoção da sistemática de incentivo à exportação – drawback.

12. Como o deslinde da questão trazida à apreciação judicial inequivocamente demandaria dilação probatória, tenho inadmissível sua adução na estreita senda da exceção de pré-executividade.

Ora, a executada não atravessou aos autos documento essencial para alicerçar sua tese.

Destarte, embora a matéria alusiva à decadência tributária esteja inserida entre aquelas passíveis de análise de ofício pelo juízo, e, por conseguinte, em sede de exceção de pré-executividade, não cuidou a contribuinte de instruir seu pedido com prova robusta a elidir a liquidez do título executivo.

Não consigo enxergar mácula na decisão.

De outra banda, o pedido alternativo da empresa às vésperas do leilão do bem, de pagamento parcial da dívida fiscal, em 60 parcelas, implicaria concessão ju-dicial de um benefício fiscal sem o exame do preenchimento, pela contribuinte, dos requisitos legais de competência exclusiva da autoridade administrativa.

Isso posto, indefiro o pedido de tutela liminar.”

Nada a acrescentar nos fundamentos aqui reproduzidos, que adoto como razão de decidir. Aliás, que estão em perfeita harmonia com a reman-sosa jurisprudência deste Tribunal.

Nesse sentido, colaciono o seguinte julgado:

EXECUÇÃO FISCAL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – EXCLUSÃO DE PARCELAMENTO – INADIMPLEMENTO – QUESTÃO QUE NÃO É DE COGNI-

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136 ���������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA

ÇÃO IMEDIATA – DILAÇÃO PROBATÓRIA – NECESSIDADE – IMPROVIMEN-TO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

1. Agravo de instrumento interposto por Auto Posto Dona Roza Ltda. contra de-cisão proferida em execução fiscal, que não conheceu da alegação da agravante, no sentido de que teria havido rescisão indevida do parcelamento, determinando o prosseguimento da execução fiscal.

2. “A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamen-te às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.” (Súmula nº 393 do STJ)

3. A despeito dos argumentos da agravante, a Fazenda Nacional afirma que fo-ram duas as prestações inadimplidas que levaram ao cancelamento do parce-lamento, contrariando a alegação do recorrente de que haveria somente uma parcela não paga.

4. De fato, a documentação colacionada pelo próprio recorrente evidencia que as prestações relativas aos meses de outubro/2014 e novembro/2014 foram adim-plidas com mais de um mês de atraso (fls. 405/411), o que também demonstra não se cuidar de questão de cognição imediata na via estreita da exceção de pré-executividade.

5. Agravo de instrumento improvido. (Processo: 00015217620154050000, Ag 142152/PE, Des. Fed. Rogério Fialho Moreira, 4ª T., Julgamento: 30.06.2015, Publicação: DJe 02.07.2015, p. 179)

Pautado nessas razões, nego provimento ao agravo de instrumento.

É como voto.

Recife, 24 de novembro de 2015.

Desembargador Federal Manuel Maia Relator – Convocado

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

3449 – Bem público – cessão de uso – regime de aforamento – renovação – título oneroso – necessidade

“Administrativo. Ação civil pública. Bem público. Cessão de uso pela União Federal. Regime de aforamento. Ampliação de estaleiro. Aterro em mar territorial. Novo contrato de cessão a título oneroso. Necessidade. Desprovimento do recurso. Hipótese de Ação Civil Pública proposta pela União Federal que objetiva a anulação de licença IN 016470, concedida pelo Inea, além de obrigação de não fazer, no sentido de o órgão estadual não emita licença para obras de ampliação do Estaleiro Aliança, sem prévia apresentação de contrato de cessão de uso oneroso firmado entre a União e o respectivo estaleiro; A condenação da União em somente autorizar qualquer obra de aterro e ampliação do Estaleiro Aliança sobre a Baía de Guanabara mediante contrato de uso oneroso; a condenação do Inea a somente dar início ao processo de licenciamento ambiental que envolva aterro em mar territorial, após a prévia apresentação de autorização expressa da União a respeito do referido aterro e constituição de acrescido de marinho, na forma exigida pelo parágrafo único do art. 42 da Lei nº 9.636/1998, além de imposição de multa diária não inferior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de descumprimento de qualquer uma das cominações acima. O decisum guerreado de-fere, em parte, o pleito autoral, ‘para anular a Licença Prévia IN 016470 concedida pelo Inea, condenando-o à obrigação de não fazer, consistente em não emissão de licença de instala-ção para as obras de ampliação do Estaleiro Aliança, sem prévia apresentação do contrato de cessão de uso oneroso firmado com a União, ou outro documento autorizativo expresso, em relação à área que será objeto de aterro e construção de cais’, sendo fixada multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) em caso de descumprimento da sentença, sem prejuízo das sanções criminais cabíveis, restando concluído que o estaleiro avançou sobre mar territorial, o que não estaria abrangido no contrato firmado em 1984, devendo haver prévia autorização da União por meio de outro contrato de uso oneroso. Improsperável a alegação do Estaleiro Apelante no sentido de que haveria perda de objeto ou ausência de interesse de agir, eis que a tese do MPF não era a inexistência de contrato de cessão, mas sim a necessidade de um novo contrato oneroso para a realização de aterro sobre 8.500 m do espelho d’água da Baía de Guanabara, previsto no projeto de ampliação do Estaleiro Aliança. Conjunto probatório carreado aos autos demonstra que o MPF logrou êxito em comprovar que as obras promovi-das pelo estaleiro estavam invadindo o mar territorial não abrangida pelo aforamento, sendo manifesta a procedência do pedido autoral no sentido de condicionar as obras do Estaleiro Aliança à elaboração de novo contrato, sem os vícios apresentados, ressaltando-se que não houve, na espécie, a necessária autorização da União para a realização de aterramento na área pretendida, situação esta que fez, até mesmo, a União Federal requerer a sua migração para o polo ativo da presente, o que foi regularmente deferido na sentença. Apelação não provida.” (TRF 2ª R. – AC 0000353-48.2012.4.02.5102 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lucia Lima – DJe 28.04.2016 – p. 732)

Comentário Editorial SÍNTESE A cerca da Enfiteuse ou Aforamento, assim ensina José dos Santos Carvalho Filho:

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138 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

“Já nos referimos à enfiteuse ou aforamento como forma de aquisição de bens públicos pelo Estado quando figura como enfiteuta ou titular do domínio útil. O mais comum, no entanto, é a hipótese em que a propriedade pertença ao Poder Público e o domínio útil pertença a um particular. É aqui que se dá o uso privativo de bens públicos por particu-lares.

Enfiteuse é o instituto pelo qual o Estado permite ao particular o uso privativo de bem público a título de domínio útil, mediante a obrigação de pagar ao proprietário uma pen-são ou foro anual, certo e invariável. O STF, todavia, a propósito da Lei nº 7.450/1985, que fixa o foro em 0,6% do valor do respectivo domínio pleno (alterando o art. 101 do Decreto-Lei nº 9.760/1946), decidiu que, apesar de assegurado o direito dos anteriores enfiteutas, por ser o contrato tido como ato jurídico perfeito (e, pois, imune à lei nova, ex vi do art. 5º, XXXVI, CF), é admissível a correção monetária de seu valor a fim de evitar enriquecimento sem causa do enfiteuta.

O instituto propicia a aquisição de direito real por parte do enfiteuta, titular do domínio útil. Esse direito pode ser transferido a terceiro, mas é preciso que o senhorio direto re-nuncie a seu direito de preferência para rever o imóvel. Se renunciar, o enfiteuta deverá pagar pela transmissão do domínio útil, importância nominada de laudêmio, calculada sobre o preço da alienação. Quanto ao foro anual, trata-se de obrigação que o enfiteuta não pode deixar de cumprir. Se deixar de pagar durante três anos consecutivos, ou quatro intercalados, o inadimplemento acarretará a caducidade da enfiteuse.

A disciplina geral da enfiteuse se encontrava entre os arts. 678 a 694, do antigo Código Civil. Como já dissemos anteriormente, o novo Código Civil não mais inclui a enfiteuse no elenco dos direitos reais. Além disso, proibiu a constituição de novas enfiteuses e su-benfiteuses, garantindo, entretanto, a eficácia das instituídas anteriormente (art. 2.038). Referida garantia – é bom assinalar – apenas reafirma o postulado constitucional segundo o qual a lei nova não pode prejudicar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI), de modo que a subsistência dos atos anteriores dispensaria mesmo norma expressa a respeito. Não obstante, a lei nova vedou a cobrança de laudêmio ou ônus semelhante, nas transmissões de bem aforado, sobre o valor das construções ou plantações, bem como a constituição de outras subenfiteuses (art. 2.038, § 1º, I e II).

O Decreto-Lei nº 9.760, de 05.09.1946, já com algumas alterações introduzidas, que dispõe sobre os bens imóveis da União, regula a enfiteuse dos imóveis públicos pertencen-tes à União Federal. Essas regras, se houvesse conflito, prevaleciam sobre as do Código Civil de 1916, porque se encontram também em lei federal; além disso, o citado diploma qualifica-se como lei nova e especial em relação ao antigo Código, o que reforça sua pre-valência em relação a este. Para as demais pessoas de direito público, entretanto, sempre incidiram as noras previstas no estatuto civil, agora revogado.

Advirta-se, porém, que, em virtude da exclusão da enfiteuse da categoria dos direitos reais no novo Código Civil, não mais poderá haver sua instituição mesmo por entidades públicas, tendo-se apenas que assegurar a eficácia das já existentes. A razão consiste, primeiramente, no fato de que o Código Civil é o instrumento formal orgânico que cataloga e disciplina os direitos reais, sendo, pois, obrigatório para todas as pessoas. E, depois, portanto, apesar de instituída também por pessoas públicas, a enfiteuse espelha instituto próprio de direito privado.

Há várias áreas federais cujo uso é conferido através de enfiteuse, como é o caso dos terrenos da marinha, o que é previsto, inclusive, no art. 49 § 3º, do ADCT da CF. A enfi-teuse de terrenos da marinha, aliás, foi a única forma ressalvada pelo Novo Código Civil (art. 2.038, § 2º), com a previsão que seria regulada por lei especial. Sobre o assunto nos deteremos no momento próprio.

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������139

Avulta, ainda que haverá dispensa de licitação para o aforamento de imóveis residenciais ou de uso comercial de âmbito local com dimensão máximo de 250 m², quando o contra-to se originar de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos pelo Administração Pública.” (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 23. ed. rev., ampl. e atual. até 31.12.2009. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 1291 e 1292.)

3450 – Improbidade administrativa – nepotismo – prejuízo ao Erário – princípios da ad-ministração pública – violação

“Apelação cível. Ação civil pública por ato de improbidade. Acumulação ilícita de cargos públicos. Nepotismo. Prejuízo ao Erário e violação aos princípios da administração pública. Lei nº 8.429/1992. 1. A possibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos se res-tringe às hipóteses dispostas no art. 37, inciso XVI e art. 38, inciso III, da Constituição Fede-ral, devendo ser verificada a compatibilidade de horários e a efetiva prestação dos serviços. 2. A nomeação de companheira de chefe do Poder Executivo Municipal para o exercício de cargos comissionados configura nepotismo, conforme inteligência da Súmula Vinculante nº 13. 3. A acumulação ilícita de cargos públicos aliada à prática de nepotismo e à má-fé do servidor implica em ato de improbidade administrativa, uma vez evidente o prejuízo ao Erário e a afronta aos princípios da Administração Pública, devendo ser aplicadas as sanções previstas no art. 12, incisos I e II da Lei nº 8.429/1992, como decidido na sentença recorrida. Recurso conhecido e desprovido.” (TJGO – AC 201393315429 – 3ª C.Cív. – Rel. Fernando de Castro Mesquita – DJe 08.07.2016 – p. 114)

3451 – Licitação – ausência – fracionamento de serviços – ilegalidade – improbidade administrativa – configuração

“Ação civil pública. Improbidade administrativa. Contratação fracionada de serviços. Ausên-cia de licitação. Ilegalidade. Prova existente. Preliminares afastadas. Improbidade administra-tiva configurada. Arts. 10, VIII e 11, da Lei de Improbidade. Condenação ao ressarcimento do dano, pagamento de multa civil e suspensão dos direitos políticos. Art. 12, parágrafo único, da Lei nº 8.429/1992. Incidência. Sentença condenatória parcialmente reformada. Recurso do réu desprovido; Provido parcialmente o do ministério público.” (TJSP – Ap 1001412-02.2015.8.26.0073 – Avaré – 3ª CDPúb. – Rel. Amorim Cantuária – DJe 03.06.2016)

3452 – Poder de polícia – trânsito – órgão municipal próprio – cadastro junto ao Sistema Nacional de Trânsito – necessidade

“Remessa necessária. Mandado de segurança. Trânsito. Município. Poder de polícia. Órgão municipal próprio. Cadastro junto ao Sistema Nacional de Trânsito. Necessidade. Remessa necessária conhecida e improvida. I – A administração pública deve se pautar no princípio da legalidade, de modo que o Administrador apenas pode fazer o que a Lei lhe permite, e dentro de seus limites. Não há, portanto, vontade subjetiva. II – O art. 24, § 2º, do CTB, esta-belece que, para que os Municípios exerçam o Poder de Polícia, é necessário que possuam órgão municipal próprio e cadastro junto ao Sistema Nacional de Trânsito. III – Além disso, a Instrução de Serviço nº 036/2006, expedida pelo Diretor Geral do Detran/ES, autoriza, em seu art. 43, que os Centros de Formação de Condutores (CFCs) treinem seus alunos em qualquer parte do Município. IV – Remessa necessária improcedente.” (TJES – RN 0000007-35.2010.8.08.0004 – Rel. Des. Robson Luiz Albanez – DJe 08.07.2016)

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Transcrição Editorial SÍNTESECódigo de Trânsito Brasileiro:

“Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbi-to de sua circunscrição: (Redação dada pela Lei nº 13.154, de 2015)

§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código.”

Ambiental

3453 – Ação civil pública – condomínio de casa – área de preservação permanente – art. 5º, XXII, da CRFB/1988 – aplicabilidade

“Processo civil. Agravo de instrumento. Ação civil pública. Construção sobre área de preser-vação ambiental. Condomínio de casas. Legitimidade passiva dos proprietários das unidades autônomas. Direito à propriedade privada. Recurso provido. I – São partes legítimas para figurarem no polo passivo de Ação Civil Pública, em que se buscam as consequências patri-moniais de construções edificadas sobre suposta área de preservação ambiental, os proprie-tários de unidades autônomas de condomínio de casas, não sendo este substituto processual daqueles a quem cabe a defesa de suas propriedades, fundada no art. 5º, XXII, da CRFB/1988. II – Agravo de Instrumento provido.” (TRF 2ª R. – AI 0003222-56.2015.4.02.0000 – 5ª T.Esp. – Rel. Marcello Granado – DJe 14.07.2016)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição da República Federativa do Brasil:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXII – é garantido o direito de propriedade.”

3454 – Animal silvestre – cativeiro há mais de 15 anos – papagaio – reintrodução na na-tureza ou jardim zoológico – impossibilidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Animal silvestre em cativeiro há mais de 15 anos. Papagaio. Falta de omissão, art. 535, II, do CPC. Ausência de alegação do dispositivo da lei federal violado. Súmula nº 284/STF. 1. Não se configurou a ofensa ao art. 535, I e II, do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, tal como lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresenta-ram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. 2. A parte recorrente, ao longo de todo o seu arrazoado, descreveu a situa-ção fática posta nos autos, contudo deixou de salientar quais artigos da Lei nº 9.605/1998 foram violados pelo acórdão recorrido. Dessa forma incide a Súmula nº 284/STF. 3. Em obter dictum, saliento que o Tribunal a quo observou que o animal silvestre está na posse da recorrida há mais de 15 anos, não está ameaçado de extinção e tem recebido bons tratos,

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������141

por esses motivos considerou que o papagaio ficará melhor com os seus atuais donos. Prece-dente em caso semelhante: AgRg-REsp 1483969/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 04.12.2014. 4. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.540.740 – (2015/0156391-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 25.05.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão em epígrafe que trata de Recurso Especial interposto contra acórdão assim ementado:

“ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – APREENSÃO DE ANIMAL SILVESTRE EM CATIVEI-RO – PAPAGAIO DE ESTIMAÇÃO EM CONVÍVIO COM OS DONOS HÁ MAIS DE 15 ANOS – ESPÉCIE NÃO AMEAÇADA DE EXTINÇÃO – BONS TRATOS – PRINCÍPIO DA RAZOABI-LIDADE – MANUTENÇÃO DA POSSE COM OS DONOS

1. Trata-se de apelação cível interposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, contra sentença que julgou procedente a pre-tensão autoral, confirmando a decisão que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela, para autorizar a autora a permanecer com o papagaio descrito na inicial, suspendendo a determinação de entrega voluntária e determinando que se abstenham as autoridades do Ibama de tomar qualquer medida tendente à apreensão da referida ave.

2. A legislação ambiental prevê que os animais silvestres que vivem naturalmente fora do cativeiro são de propriedade do Estado (art. 1º da Lei nº 5.197/1967), e, portanto, bem público. Todavia, o longo período de vivência em cativeiro doméstico, in casu, 15 anos, mitiga a sua qualificação como silvestre.

3. O Ibama alega ser infração ambiental a guarda de animal silvestre sem a devi-da autorização do órgão ambiental competente, consoante previsto no art. 29 da Lei nº 9.605/1998. Entretanto, o próprio art. 29, em seu § 2º, expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circuns-tâncias do caso concreto.

4. O papagaio que o Ibama pretende apreender vive com a autora e sua família há 15 anos e o seu vínculo com o animal resta evidenciado não apenas pelas provas que acom-panham a inicial, merecendo destaque o processo administrativo, instaurado em 1999, originado pelo pedido de guarda provisória da ave, mas também pela sua própria iniciativa de procurar a Defensoria Pública da União e recorrer ao Judiciário almejando ver reconhe-cido o direito de com ele permanecer. Não seria razoável, portanto, pensar que o animal ficaria melhor longe, afastado do convívio familiar.

5. Manutenção da condenação do Ibama em honorários sucumbenciais fixados cm 10% sobre o valor da causa, em favor da Defensoria Pública da União, isso porque a DPU não pertence à Autarquia apelante, tratando-se de pessoas jurídicas distintas, com per-sonalidade, patrimônio e receita própria, de modo que não há confusão possível entre as Instituições.

6. Apelação não provida.”

Aduz que a recorrida possui um papagaio verdadeiro em cativeiro e, por estar ameaçado de extinção, deve ser reintroduzido na natureza ou levado para o jardim zoológico.

Dessa forma, o nobre Relator entendeu:

“[...]

Apesar deste recurso não poder ser conhecido pelo STJ, por falta de técnica na elaboração das razões recursais, saliento que o Tribunal a quo observou que o animal silvestre está na posse da recorrida há mais de 15 anos, não está ameaçado de extinção e tem recebi-

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do bons tratos, por esses motivos considerou que o papagaio ficará melhor com os seus atuais donos. Cito precedente em caso semelhante:

ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – APREENSÃO DE PAPAGAIO – ANIMAL ADAPTADO AO CONVÍVIO DOMÉSTICO – POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE DO RE-CORRIDO – REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS – SÚMULA Nº 7/STJ

1. In casu, o Tribunal local entendeu que ‘não se mostra razoável a devolução do papagaio “Tafarel” à fauna silvestre, uma vez que está sob a guarda da autora há pelo menos vinte anos, sendo certa sua adaptação ao convívio com seres humanos, além de não haver qualquer registro ou condição de maus-tratos’. Vale dizer, a Corte de origem considerou as condições fáticas que envolvem o caso em análise para concluir que a ave deveria conti-nuar sob a guarda do recorrido, porquanto criada como animal doméstico.

2. Ademais, a fauna silvestre, constituída por animais ‘que vivem naturalmente fora do cativeiro’, conforme expressão legal, é propriedade do Estado (isto é, da União) e, portan-to, bem público. In casu, o longo período de vivência em cativeiro doméstico mitiga a sua qualificação como silvestre.

3. A Lei nº 9.605/1998 expressamente enuncia que o juiz pode deixar de aplicar a pena de crimes contra a fauna, após considerar as circunstâncias do caso concreto. Não se pode olvidar que a legislação deve buscar a efetiva proteção dos animais, finalidade ob-servada pelo julgador ordinário. Incidência da Súmula nº 7/STJ.

4. Precedentes: AgRg-AREsp 333105/PB, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., DJe 01.09.2014; AgRg-AREsp 345926/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 15.04.2014; REsp 1085045/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 04.05.2011; e REsp 1.084.347/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 30.09.2010.

5. Agravo Regimental não provido. (AgRg-REsp 1483969/CE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 04.12.2014)

Por tudo isso, não conheço do Recurso Especial.

É como voto.”

Diante do Exposto, o Superior Tribunal de Justiça não conheceu o Recurso Especial.

3455 – ICMBio – área de floresta amazônica nativa – danificação – ausência de autoriza-ção – apreensão de máquina – liberação – impossibilidade

“Ambiental. Ação de rito ordinário. Área de floresta amazônica nativa danificada. Ausência de autorização do órgão competente. Apreensão de máquina. Liberação. Impossibilidade. Não comprovação da propriedade do bem que teria sido utilizado por terceiro. Legalidade da apreensão. 1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido ini-cial, que objetivava a restituição de bem apreendido por agentes do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio que teria sido utilizado na prática de crime am-biental. 2. Entendeu o Juízo a quo pela legalidade da atuação dos agentes do ICMBio, uma vez que a Lei nº 9.605/1998 prevê a pena de perdimento do bem apreendido, além de que, pelo princípio da precaução, não se admite como juridicamente válida uma solução judicial que implique colocar de volta à atividade bens que têm a capacidade de causar considerável dano ao meio ambiente. 3. Objetiva o autor a liberação de pá carregadeira que teria sido utilizada na danificação de uma área de 1.832,7 hectares de floresta amazônica nativa, sem autorização do órgão ambiental competente, bem como a anulação do Auto de Infração e Apreensão nº 033501-A. 4. A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utilização é destinada para uso específico e

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exclusivo do delito ambiental, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, sendo possível a nomeação do proprietário do veículo como fiel depositário do bem, até o julgamento do processo administrativo, nos termos do art. 105 do Decreto nº 6.514/2008. 5. No caso, não há elementos nos autos que indiquem que a pá carregadeira que foi apreendida pelo ICMBio é de propriedade do autor, uma vez que a cópia do contrato de compromisso de compra e venda acostado aos autos sequer fora levado a registro em cartório, não podendo, pois, ser considerado para fins de comprovar a propriedade do bem em questão. Além disso, da lei-tura do Relatório de Fiscalização, observa-se que o bem apreendido estava sendo utilizado na extração ilegal de madeira em área situada em unidade de conservação, restando, pois, evidenciada a legalidade da atuação da fiscalização ambiental. 6. Apelação do autor a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0000374-28.2013.4.01.3902 – Relª Juíza Daniele Maranhão Costa – J. 22.06.2016)

3456 – Terra indígena – demarcação – Lei nº 6.001/1973 – Decreto nº 1.775/1996 – constitucionalidade – configuração

“Administrativo e processual civil. Demarcação de terra indígena. Lei nº 6.001/1973. Decre-to nº 1.775/1996. Constitucionalidade. Procedimento administrativo. Contraditório. Ampla defesa. Observância. I – O excelso Supremo Tribunal Federal já se manifestou quanto à constitucionalidade da Lei nº 6.001/1973 e do Decreto nº 1.775/1996, que regulamentam o processo administrativo de demarcação de terra indígena, afirmando, inclusive, que seu trâ-mite regular não fere o direito ao contraditório e à ampla defesa. II – Decreto nº 1.775/1996 não prevê a notificação prévia dos proprietários da prática desses atos, notadamente das vistorias e dos estudos realizados pelo grupo de trabalho. III – A disciplina para o processo administrativo de demarcação de terras indígenas no Brasil é de competência da União e consiste numa série de atos correlatos, sendo certo que a demarcação não representa título de posse ou requisito de ocupação, uma vez que o pleno gozo dos índios sobre suas terras independe de qualquer ato administrativo. IV – O processo demarcatório da terra indígena é regulado por decreto do Poder Executivo, materializando-se num procedimento adminis-trativo conduzido pela Fundação Nacional do Índio – Funai e concluído com um decreto homologatório do Presidente da República. Esse procedimento tem início com a formação de um grupo técnico especializado que deverá promover o estudo etno-histórico, socioló-gico, jurídico, cartográfico e ambiental, bem como o levantamento fundiário necessários à delimitação da área, a fim de elaborar relatório circunstanciado a ser encaminhado ao Ministro da Justiça. Este, por sua vez, expedirá portaria delineando os limites da demarcação administrativa da área e concluirá o processo enviando-o ao Presidente da República que tem competência para editar decreto homologatório. V – Em caso de reconhecimento final da área como terra tradicionalmente indígena, o efeito jurídico decorrente será a nulidade do título de propriedade, razão pela qual não se trata de cancelamento da matrícula do imóvel, mas sim de declaração da nulidade do título. Precedentes. VI – Descabida a pretensão de se aplicar, à espécie, as regras o procedimento de demarcação de terras particulares, já que em vigor procedimento próprio de demarcação das terras indígenas, cumprindo assinalar que o Decreto presidencial que homologa a área indígena tem, contudo, declaratório, e não constitutivo. VII – Perícia judicial que corroborou as conclusões da Funai em seu relatório, no sentido da existência de ocupação imemorial indígena naquela área. VIII – Recurso de

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apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 2006.36.00.005681-1 – Rel. Des. Jirair Aram Meguerian – J. 27.06.2016)

Constitucional

3457 – Ação direta de inconstitucionalidade – edição de texto normativo – Lei de Licita-ções – possibilidade

“Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Preliminar de ilegi-timidade ativa de prefeito. Rejeitada. Edição de texto normativo que complemente a Lei de Licitações e contratos pelo ente federativo. Possibilidade. Desde que não atentem con-tra a Constituição Federal. 1. O Prefeito Municipal consta entre os legitimados do art. 142 da Constituição Estadual, para proposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. É possível que entes federativos editem normas complementares à Lei de Licitação, contudo não podem contrariar os ditames constitucionais, como a separação dos poderes. 3. Ação julgada procedente. 4. Liminar concedida para suspender a vigência da Lei Municipal ob-jeto da ADI.” (TJAP – Proc. 0001096-70.2015.8.03.0000 – TP – Rel. Des. Carlos Tork – DJe 24.05.2016 – p. 25)

3458 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal – meio ambiente – alteração do Plano Diretor – participação popular – indispensabilidade

“Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal. Alteração do Plano Di-retor urbano. Meio ambiente. Impossibilidade. Indispensável participação popular. Liminar concedida. 1. A Constituição Estadual, em seu art. 231, parágrafo único, inciso IV, impõe a participação popular na formulação do sistema normativo referente a solução de ques-tões que lhe são inerentes. 2. A hodierna visão neoconstitucionalista do direito impõe como vetor axiológico de interpretação, o princípio da dignidade da pessoa humana, onde, em consonância com o estatuto da cidade, deve ser efetiva a possibilidade de intervenção dos munícipes na formação ou alteração do Plano Diretor do município. 3. Das provas acostadas não se extrai a necessária publicidade que se verifica essencial, nos termos do art. 40, § 4º, I, c/c art. 231, IV da Constituição do Estado do Espírito Santo e arts. 182 e 225, ambos da CRF. 4. Assegura a Carta Estadual a efetiva participação popular no processo de planejamento municipal, vedando-se a supressão do direito de intervir na formação do meio ambiente artificial devidamente equilibrado. 5. Presentes os requisitos legais e o relevante interesse público, defere-se o pedido de liminar para suspender a eficácia da lei codificada sob o nº 4.485/2016 do Município de Serra.” (TJES – ADIn 0017829-39.2016.8.08.0000 – Rel. Des. Walace Pandolpho Kiffer – DJe 05.07.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEAcerca do Plano Diretor, assim ensina Maria Luiza Machado Granziera:

“A implementação do Plano Diretor deve ser fiscalizada, devendo os Poderes Legislativo e Executivos garantir:

1. a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários seguimentos da comunidade;

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2. a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

3. o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

O Plano Diretor integra o processo de planejamento municipal, e deve ser observado na elaboração do Plano Plurianual, das diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, já que o aporte de recursos financeiros necessários para fazer frente ás ações que visam à garan-tia da sustentabilidade urbana. Essa lei deve ser revisada a cada dez anos, no mínimo.

Conforme estabelece o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é o instrumento catalisador das condições de vida desejadas pelos habitantes. Trata-se de produto de uma negocia-ção pública, em que os habitantes definem o que desejam para sua cidade. Deve, pois, o Plano Diretor ser entendido não apenas como um ‘instrumento de gestão urbana e ambiental, mas sobretudo como o processo compreensivo e participativo no qual pode se dar o enfrentamento dos diversos conflitos existentes acerca do uso da ocupação do solo urbano e de seus recursos’.

Aqui também a cidadania é fundamental: Como exercer o direito de participar das discus-sões sobre o planejamento das cidades se não se tem o conhecimento básico para tanto? Obviamente, é louvável e essencial que a lei preveja a participação popular. Mas é preciso capacitar o cidadão para que este possa, com discernimento, opinar e ser ouvido. Se a população não se mobiliza, exigindo o espaço legalmente assegurado para negociação, os Planos Diretores deixam de cumprir seu papel.

O Estatuto da Cidade indica ainda, entre os instrumentos relativos à gestão urbana, alguns que se referem direta ou indiretamente à proteção ambiental: (1) servidões e limitações administrativas; (2) instituição de Unidade de Conservação Municipais e de zonas espe-ciais de interesse social; (3) Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA); (4) zoneamento ambiental e Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança (EIV).”

(GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2011. p. 622-623)

3459 – Ação popular – inconstitucionalidade de lei municipal – cabimento

“Constitucional. Apelação cível. Ação popular. Lei Municipal de Montanha. Alteração do código de obras. Não cabimento. Via Inadequada. 1. É admissível a declaração de inconsti-tucionalidade de lei ou ato normativo em sede de Ação Popular, desde que incidental e não se trate de sucedâneo às formas de controle de constitucionalidade previstas no ordenamento e, ainda, quando não coincida com a pretensão principal. Precedentes do STF, STJ e TJES. 2. É inadequada a propositura de ação popular visando à impugnação direta de ato nor-mativo municipal que implementou modificação no Código de Obras do Município de Montanha/ES.” (TJES – Ap-RN 0001044-68.2014.8.08.0033 – Rel. Des. Samuel Meira Brasil Junior – DJe 01.07.2016)

3460 – Mandado de injunção coletivo – revisão anual de remuneração – norma legislati-va – ausência – ordem injuncional – concessão

“Direito constitucional. Mandado de injunção coletivo. Revisão geral anual da remuneração dos substituídos do sindicato impetrante. Descumprimento dos termos do art. 37, inciso X da CF/1988. Pleito de reconhecimento da omissão legislativa. Tema objeto de repercussão geral no STF sob nº 624. Ausência comprovada de elaboração da norma. Mora legislativa evidenciada. Precedentes jurisprudenciais no sentido de reconhecer a omissão legislativa do chefe do executivo municipal de criação da norma jurídica. Ordem injuncional concedida.

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Decisão unânime.” (TJSE – MI 201500126528 – (9777/2016) – Relª Ana Lúcia Freire de A. dos Anjos – DJe 21.06.2016 – p. 11)

Penal/Processo Penal

3461 – Absolvição sumária – nulidade da decisão que analisou a resposta à acusação – não ocorrência – fundamentação sucinta – legalidade

“Penal e processo penal. Recurso em habeas corpus. 1. Nulidade da decisão que analisou a resposta à acusação. Não ocorrência. Fundamentação sucinta. Legalidade. 2. Recurso em habeas corpus improvido. 1. Embora sucinta, a decisão analisou de forma fundamentada a resposta à acusação apresentada pelo decorrente, afirmando não ser o caso de absolvição sumária, haja vista se tratar de crime formal. Como é cediço, referido momento processual não demanda extensa fundamentação pelo Juízo de origem, sob pena de se invadir o pró-prio mérito da ação penal, que possui momento oportuno para ser analisado, após a devida instrução processual. 2. Recurso em habeas corpus improvido.” (STJ – RHC 69.733 – PA – (2016/0098084-7) – 5ª T. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 30.05.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de recurso ordinário em sede de habeas corpus, com pedido liminar, interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que denegou a ordem em prévio mandamus, nos termos da seguinte ementa:

“PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – DECISÃO JUDICIAL – FUNDAMENTAÇÃO – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO, DO DEVIDO PROCESSO LE-GAL E DA MOTIVAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS – HABEAS CORPUS DENEGADO – 1. Não há que se falar na ausência de fundamentação da decisão judicial que, após a apresentação de resposta à acusação, vislumbrou que, ‘[...] no caso dos autos, por se tra-tar de crime formal, não se verifica a existência de quaisquer das hipóteses de absolvição sumária previstas no referido art. 397 do CPP’ (fl. 40). 2. Assim, não há que se cogitar, no caso em comento, na ausência de fundamentação da decisão proferida pelo MM. Juízo Federal impetrado que, após a apresentação da defesa preliminar, entendeu, não haver ‘[...] razões para absolvição sumária’ (fl. 40), mormente quando se verifica que o MM. Juízo Federal impetrado expôs, ainda que de forma sucinta, as razões da formação do seu convencimento. 3. A circunstância de o MM. Juízo Federal impetrado haver, ainda que de modo sucinto, decidido a matéria que lhe foi submetida afasta eventual posicionamento no sentido de ter ocorrido in casu ofensa aos princípios constitucionais do contraditório, do devido processo legal e da motivação das decisões judiciais. 4. Não é de se ter como absolutamente necessária a existência de fundamentação complexa e exaustiva, por parte do magistrado processante, nos atos de recebimento da denúncia e de negativa da absol-vição sumária, sob pena de antecipação do juízo meritório, que deve ser realizado ao en-cerramento da instrução criminal. Assim, tendo sido proferida, na hipótese em discussão, decisão suficientemente fundamentada, não se apresenta como juridicamente admissível o reconhecimento de nulidade da ação penal. 5. Habeas corpus denegado.”

O acusado foi denunciado pelo Ministério Público Federal com base no art. 171, § 2º, inciso III, do Código Penal por ter vendido, sem autorização do banco, cabeças de gado dadas em garantia do financiamento agrícola.

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Em sua defesa, alegou que a venda do gado se deu para pagar empréstimo e que não houve dolo nem prejuízo ao banco, razão pela qual requereu a suspensão da ação penal.

No STJ, o relator manteve seu voto no sentido de que embora sucinta, a decisão analisou de forma fundamentada a resposta à acusação apresentada pelo recorrente, afirmando não ser o caso de absolvição sumária, haja vista se tratar de crime formal.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“De fato, as teses apresentadas na defesa preliminar só darão ensejo à absolvição sumária se for possível constatar de plano, ou seja, sem a necessidade de se proceder à instrução probatória, que é manifesta a presença de causa excludente da ilicitude ou da culpabi-lidade, salvo inimputabilidade, ou que o fato narrado evidentemente não constitui crime ou que a punibilidade já está extinta, nos termos do que disciplina o art. 397 do Código de Processo Penal.

Portanto, para a absolvição sumária, que abrevia sobremodo o rito processual penal, é necessário juízo de certeza e, caso o magistrado não se convença acerca da viabilidade das teses levantadas na resposta da defesa, o processo seguirá seu curso regular, com a designação da audiência de instrução e julgamento.”

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou a ordem.

3462 – Crime de atentado violento ao pudor – Súmula nº 279 do STF – incidência

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Penal e processo penal. Crime de atentado violento ao pudor. Art. 214 c/c art. 224 do Código Penal (redação anterior). Legi-timidade do Ministério Público para a ação penal em face da condição hipossuficiente da vítima e de seus pais. Comprovação de autoria e materialidade. Incursionamento no contexto fático-probatório dos autos. Súmula nº 279 do STF. Agravo regimental desprovido.” (STF – AgRg-RE-Ag 762.780 – Distrito Federal – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 03.05.2016)

3463 – Lesão corporal – violência doméstica – cárcere privado e estupro – bis in idem – ausência

“Apelação crime. Lesão corporal no âmbito de violência doméstica. Cárcere privado e es-tupro. Réu que convivia maritalmente com a vítima e a impedia de deslocar-se livremen-te, trancando-a na casa onde viviam na região rural de Luiziana/PR quando saía. Acusa-do, ainda, impossibilitava a companheira de realizar contato com sua família, residente em Catalão/GO, além de forçá-la a manter relações sexuais mediante agressão física e ameaça. Materialidade e autoria dos delitos comprovada. Depoimento do avô do réu, bem como dos policiais que atenderam a ocorrência que confirmam a versão da vítima. Laudo de conjunção carnal que atesta a existência de relações sexuais apenas 20 (vinte) dias antes da prisão. Fato que não tem o condão de gerar a absolvição do crime de estupro, diante dos outros elemen-tos de prova constantes nos autos. Dosimetria da pena. Delito de lesão corporal. Culpabilida-de valorada negativamente, em razão de a violência ser utilizada com o objetivo de garantir a prática de relações sexuais. Questão já valorada quando da fixação da pena no crime de estupro. Impossibilidade de consideração de tal circunstância na lesão corporal, sob pena de bis in idem. Fixação da pena-base no mínimo legal. Crime de cárcere privado. Ausência de bis in idem. Possibilidade quando presente duas qualificadoras da utilização de uma como circunstância negativa e de outra para tipificar o delito. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido. Crime de estupro. Ausência de capitulação da causa de aumento de pena prevista no art. 226, II do Código Penal. Possibilidade de aplicação. Narrativa fática

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que descreve claramente a condição de companheira da vítima. Réu que se defende dos fatos e não da capitulação jurídica feita na denúncia. Inteligência do art. 383 do Código de Processo Penal. Apelação parcialmente provida.” (TJPR – ACr 1413006-6 – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Arquelau Araujo Ribas – DJe 16.06.2016)

3464 – Peculato – contratação de servidor – jogador de futebol – clube presidido pelo parlamentar – desvio de dinheiro em proveito próprio ou alheio – não configu-ração

“Penal. Apelação criminal. Art. 312 do Código Penal. Peculato. Gabinete de deputado federal. Contratação de servidor. Jogador de futebol. Clube presidido pelo parlamentar. Desvio de dinheiro em proveito próprio ou alheio. Não configuração. Recurso improvido. 1. Para que se configure o crime de peculato tipificado no art. 312 do Código Penal, é preciso ficar comprovada a apropriação ou o desvio de valor pelo acusado em proveito próprio ou alheio. 2. Caso em que não se demonstrou a incompatibilidade do exercício da função de assessor parlamentar com a de jogador de futebol, no período narrado na denúncia e nas razões recursais (a grande maioria por apenas três meses). 3. Inexiste em nosso ordenamento jurídico lei que proíba a nomeação de desportista para prestar serviço em gabinete de deputado federal, considerando as peculiaridades do caso em concreto em que os atletas também eram remunerados pelo clube e dispunham de bastante tempo livre, ainda que a conduta possa ter repercussão no âmbito civil ou administrativo. 4. Recurso improvido.” (TRF 1ª R. – ACr 0001552-30.2013.4.01.3508/GO – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 26.04.2016)

Processo Civil e Civil

3465 – Ação de guarda de menor – falecimento – mãe – pai biológico – direito de guarda assegurado – padrasto – visitação – interesse do melhor – não reconhecimento

“Agravo regimental no recurso especial. Ação de guarda de menor. Falecimento. Mãe. Pai biológico. Direito de guarda assegurado. Padrasto. Visitação. Interesse do melhor. Não re-conhecimento. Requisitos do recurso especial. Não preenchimento. 1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, a análise da interpretação da legislação federal, motivo pelo qual se revela inviável discutir, nesta seara, a violação de dispositivos consti-tucionais, matéria afeta à competência do STF (art. 102, III, da Carta Magna). 2. A alegação genérica de violação do art. 535 do CPC, sem a especificação das teses que teriam sido afrontadas pelo tribunal de origem, enseja a incidência da Súmula nº 284/STF, aplicada por analogia. 3. Ausente o prequestionamento, até mesmo de modo implícito, de disposi-tivo apontado como violado no recurso especial, incide o disposto na Súmula nº 282/STF. 4. Tendo o tribunal de origem, com base no contexto fático dos autos, dirimido a controvér-sia sob o enfoque do princípio do melhor interesse do melhor, não há como o STJ rever esse entendimento, sob pena de esbarrar no óbice da Súmula nº 7/STJ. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.498.683 – (2014/0299473-8) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 16.05.2016 – p. 1714)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso especial.

Sustentou o agravante que o padrasto tem direito à visitação da menor com base no parentesco por afinidade, pois o conceito de família “não possui um significado singular e restrito, compreende novas relações de vida, volve a vidas as pessoas, seus sentimentos, afetividade, solidariedade e igualdade”.

Alegou, consubstanciado no princípio do melhor interesse da criança, a necessidade de afastamento da Súmula nº 7/STJ, e requer a reconsideração da decisão agravada ou a submissão deste recurso à Turma julgadora.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

Oportuno se faz colacionar trecho da doutrina do ilustre jurista Guilherme Gonçalves Strenger sobre a guarda de menores:

“O novo Código Civil refere-se ao interesse do menor como princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. É o que se verifica das dispo-sições constantes dos arts. 1.574, parágrafo único, e 1.586.

O interesse do menor, pode-se dizer sem receio, é hoje verdadeira instituição no tratamen-to da matéria que ponha em questão esse direito.

Tanto na família legítima como na natural e suas derivações, o interesse do menor é o princípio superior.

Em cada situação, cumpre ao juiz avaliar o interesse do menor e tomar medidas que o preservem, devendo a apreciação do caso ser procedida segundo dados de fato que estejam sob análise.

O interesse do menor permanece o único critério válido, mas ele é objeto de duplo pressu-posto. Presumindo-se que, quando se trata de família natural, a união daí resultante, por sua própria natureza, não é estável, havendo sempre o risco de uma separação – razão pela qual o interesse do menor comanda que desde a origem ele seja confiado a um só de seus pais – e constatando que, na maioria dos casos, quem cria o filho menor é a mãe, deduziu-se legal e jurisprudencialmente que o interesse presumido da criança era o de que fosse confiado de imediato à mãe. Contudo, essa apreciação, a priori, pode ser descartada se se verifica que o interesse da criança exige que o poder familiar seja confiado ao pai ou ao casal.

Igualmente, os direitos e deveres acordados a um ou outro cônjuge, ou pelo menos sua extensão, dependem também do interesse do menor. O direito de visita e moradia do cônjuge divorciado, por exemplo, será maior ou menor ou até mesmo suprimido, segundo o interesse do menor.

Levar em conta o interesse do menor dá, além disso, ao poder familiar um caráter par-ticular: sua organização é sempre provisória, pois o juiz poderá, a qualquer momento, revisá-la, modificando as disposições previamente tomadas.

Seja qual for a orientação legal, a verdade é que o maior bem do menor que deve guiar o juiz é o de buscar o que é mais vantajoso quanto ao seu modo de vida, desenvolvimento, futuro, felicidade e equilíbrio.

Restaria encontrar uma definição que envolvesse a noção de interesse do menor, tão frequentemente evocado.

A questão pode ser considerada em dois níveis.

O interesse do menor seria, antes de tudo, critério de controle, isto é, instrumento que per-mita fiscalizar o exercício do poder familiar, sem colocar em causa a existência dos direitos

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dos pais. Assim, na família unida, o interesse presumido do menor é o de ser criado pelos dois cônjuges, mas, desde que um deles abuse ou mal use suas prerrogativas, o mesmo critério permitirá subtrair-lhe o poder ou controlar mais rigidamente o seu exercício.

Por outro lado, o interesse do menor é utilizado como critério de solução para que, em caso de separação, por exemplo, a atribuição do poder ou do exercício pelos pais de sua prerrogativa dependa da apreciação que faça o juiz do interesse do menor.

Tanto em um caso como no outro, o interesse do menor parece não constituir uma noção--quadro, em que cada um aceita sem saber bem o que convém e, sobretudo, sem poder pronunciar-se sobre as modalidades de sua aplicação prática.

Em face dessas observações, propomo-nos a oferecer uma definição analítica do interesse menor, de modo a dar a maior abrangência possível à sua noção.

Consideram-se interesse do menor todos os critérios de avaliação e solução que possam levar à convicção de que estão sendo atendidos os pressupostos que conduzem ao bom desenvolvimento educacional, moral e de saúde, segundo os cânones vigentes e identificá-veis, por meio de subsídios interdisciplinares, obtidos com a cooperação de especialistas.” (A guarda no novo Código Civil. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

3466 – Ação de obrigação de fazer – descumprimento de contrato de mútuo – delibera-ção monocrática

“Agravo regimental no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação de obrigação de fazer decorrente de descumprimento de contrato de mútuo. Deliberação monocrática que negou provimento ao reclamo. Irresignação da ré. 1. É clara e suficiente a fundamentação adotada pelo Tribunal de origem para o deslinde da controvérsia, revelando-se desnecessário ao magistrado rebater cada um dos argumentos declinados pela parte (Precedentes: AgRg-Ag 1.402.701/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 01.09.2011, DJe 06.09.2011; REsp 1.264.044/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 01.09.2011, DJe 08.09.2011; AgRg--EDcl-Ag 1.304.733/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 31.08.2011. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 564.197 – (2014/0200593-5) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 13.05.2016 – p. 1650)

3467 – Alimentos – pensão alimentícia entre ex-cônjuges – observação

“Civil. Embargos de declaração no agravo regimental no agravo em recurso especial. Famí-lia. Alimentos. Pensão alimentícia entre ex-cônjuges. Omissão, obscuridade ou contradição. Inexistência. Pretensão de rejulgamento da causa. Impossibilidade. NCPC. Inaplicabilidade. Embargos rejeitados. 1. Inexistentes as hipóteses do art. 535 do CPC/1973, não merecem acolhida os embargos de declaração que têm nítido caráter infringente. 2. Os embargos de declaração não se prestam para sanar o inconformismo da parte com o resultado desfavorá-vel no julgamento ou para reapreciar matéria já decidida. Precedentes. 3. Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 09.03.2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admis-sibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. Embargos declaratórios rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-Ag--REsp 696.313 – (2015/0087176-0) – 3ª T. – Rel. Min. Moura Ribeiro – DJe 24.05.2016 – p. 3022)

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3468 – Direito intertemporal – recurso especial – modalidade retida – retenção determi-nada na vigência do CPC/1973 – inaplicabilidade do CPC/2015

“Embargos de declaração. Processual civil. Direito intertemporal. Recurso especial. Modali-dade retida. Retenção determinada na vigência do CPC/1973. Inaplicabilidade do CPC/2015. Enunciado Administrativo nº 2/STJ. Rediscussão do acórdão embargado. Descabimento. 1. Controvérsia acerca de decisão que determinou a retenção de recurso especial. 2. Decisão interlocutória do juízo de origem que, simplesmente, determinou a expedição de ofícios a instituição financeira para obter informações acerca da situação patrimonial do ex-cônjuge, no curso de um procedimento autônomo de inventário e partilha de bens oriundos da dis-solução da sociedade conjugal. 3. Retenção do recurso especial determinada na vigência do CPC/1973. 4. Extinção da modalidade recursal retida pelo CPC/2015. 5. Esclarecimento acerca da impossibilidade de aplicação retroativa do CPC/2015 para desconstituir o ato ju-rídico perfeito (art. 5º, inciso XXXVI, da CF/1988). 6. Aplicabilidade do CPC/1973 à espécie. 7. ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça’ (Enunciado Administrativo nº 2/STJ). 8. Retenção do recurso especial mantida. 9. Descabimento de rediscussão do julgado em sede de embargos de declaração. 10. Em-bargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgRg-REsp 1.494.314 – (2014/0032942-4) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 16.05.2016 – p. 1712)

3469 – Representação processual – advogado subscritor – agravo e do recurso especial

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Falha na representação pro-cessual do advogado subscritor do agravo e do recurso especial. Súmula nº 115/STJ. Incidên-cia. Inaplicabilidade do art. 13 do CPC/1973 na instância especial. Precedentes. 1. A ausên-cia de completa cadeia de substabelecimentos conferindo poderes ao subscritor do agravo e do recurso especial atrai a incidência da Súmula nº 115 deste Superior Tribunal, cujo teor é o seguinte: ‘Na instância especial é inexistente recurso interposto por advogado sem procu-ração nos autos’. 2. Não se afigura aplicável a providência do art. 13 do CPC/1973, uma vez que o vício de representação é considerado insanável na instância extraordinária. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AGInt-Ag-REsp 836.026 – (2015/0326851-8) – 2ª T. – Relª Min. Diva Malerbi – DJe 16.06.2016 – p. 3086)

Trabalhista/Previdenciário

3470 – Benefício previdenciário – incapacidade – cessação na esfera administrativa – in-teresse de agir configurado – sentença anulada

“Previdenciário e processo civil. Benefício por incapacidade cessado na esfera administrati-va. Interesse de agir configurado. Sentença anulada. 1. A cessação do benefício por incapa-cidade pelo INSS é suficiente para caracterizar o interesse de agir do segurado que ingressa com demanda judicial. 2. Não é razoável exigir do segurado que o indeferimento adminis-trativo formalizado pelo Poder Público seja recente, pois cessado o benefício ou indeferido o pedido deduzido na esfera administrativa, abre-se espaço para a verificação do direito pelo

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Poder Judiciário. 3. Se a tese da parte autora é a de que, ao tempo do requerimento admi-nistrativo, já fazia jus à proteção previdenciária perseguida em juízo, soa desproporcional a exigência de que, para caracterizar interesse processual, o indeferimento administrativo seja relativamente recente. 4. Os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, por consequência, a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como de índole jurídica. Quanto mais baixo é o estrato socioeconômico do cida-dão, menos provável é que conheça um advogado ou que tenham amigos que conheçam advogados, e maior é a distância geográfica entre o lugar em que vive e a zona da cidade em que se encontram os escritórios de advocacia e os tribunais (SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e Justiça: a função social do Judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 49). 5. Sentença de extinção sem julgamento do mérito anulada, a fim de ser regularmente processado e julgado o feito.” (TRF 4ª R. – AC 0012485-34.2015.4.04.9999/SC – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz – DJe 31.03.2016 – p. 72)

3471 – Greve – suspensão do contrato de trabalho – ocorrência

“Direito de greve. Hipótese de suspensão contratual. Reforma da sentença. O exercício do direito de greve por parte do empregado, em regra, trata-se de hipótese de suspensão contra-tual, não sendo devido o pagamento de salários quanto ao período em que não há a efetiva prestação de serviços. Assim, não comprovando o reclamante a existência de acordo, con-venção, laudo arbitral ou decisão judicial que lhe daria direito aos salários pleiteados, deve ser reformada a sentença recorrida. Art. 475-J do CPC. Processo do trabalho. Aplicabilidade. O art. 475-J do CPC possui perfeita consonância com o processo laboral e, mais ainda, com o disposto constitucionalmente quanto à efetividade e à garantia da razoável duração do processo, princípios insculpidos no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Republica-na. Recurso ordinário conhecido e parcialmente provido.” (TRT 21ª R. – ROPS 0000716-47.2015.5.21.0016 – 1ª T. – Relª Isaura Maria Barbalho Simonetti – DJe 30.03.2016 – p. 539)

Comentário Editorial SÍNTESECuida a ementa em estudo da hipótese de cabimento de o empregado exercer o direito de greve.

O direito de greve está previsto no art. 9º da CF/1988:

“Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.”

O Professor Leandro Fernandes tece as seguintes considerações:

“No Direito brasileiro, consoante declinado, o legislador, afastando-se da orientação se-gundo a qual a tarefa de conceituar institutos cabe à doutrina, definiu a greve como ‘a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de ser-viços a empregador’.

O conceito legal corresponde à compreensão jurídica que tradicionalmente se construiu em torno da greve. A sustação, durante certo período, da prestação de labor por uma co-

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letividade é, de fato, o elemento historicamente caracterizador da greve. Precisamente por isto, José Martins Catharino a definiu como ‘suspensão coletiva e temporária de trabalho’.

No entanto, com o decorrer do tempo, diversas outras espécies de manifestações coletivas foram agregadas àquela que tipicamente se denominava de greve. A riqueza da experiên-cia social e a criatividade dos trabalhadores ampliaram a noção de greve, para abranger, por exemplo, modalidades nas quais não se verifica a suspensão do labor, mas, ao revés, sua execução levada ao extremo rigor.

O conceito tradicional de greve não mais atende, pois, à multiplicidade de manifestações possíveis do instituto, impondo-se a revisão de sua definição. Partindo de tais pondera-ções, Ronald Amorim e Souza conceitua a greve como:

Um movimento concertado de empregados (trabalhadores subordinados), com o obje-tivo anunciado de exercer pressão sobre a entidade patronal para alcançar benefício ou melhoria contratual, cumprimento de norma ou resistência a exigência injustificada, em benefício da coletividade ou de parte dela.

Ressalte-se que não há razão para reputar legítima somente a modalidade de greve pre-vista no art. 1º da Lei nº 7.783/1989, como parece indicar a redação do dispositivo. Em verdade, a Constituição de 1988 assegura amplamente o direito de greve, não veiculando – ou autorizando que a lei o faça – meio específico através do qual ele seja exercido, mas, ao revés, remetendo ao âmbito da autonomia coletiva a definição de sua concretização.

Assim, acompanhando-se o conceito proposto por Ronald Amorim e Souza, verifica-se que três são os elementos caracterizadores da greve: 1) atuação coletiva coordenada; 2) direcionamento a objetivo específico de interesse da categoria; 3) exercício em face do empregador.

Vale repisar que não apenas os mecanismos de exercício da greve, como também os interesses através dela tutelados serão definidos pela categoria, não cingindo-se, pois, apenas a fatores típica e exclusivamente derivados da relação de emprego. É dizer, o âmbito material de direitos passíveis de defesa mediante o recurso à greve abrange tanto direitos laborais específicos, como inespecíficos, na conhecida classificação de Palomeque Lopez.” (O direito de greve como restrição à liberdade de empresa. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 18 abr. 2016)

3472 – Relação de emprego – motorista – autonomia – ausência – vínculo existente

“Motorista. Ausência de autonomia. Vínculo empregatício reconhecido. Admitida a pres-tação de serviços, mas alegada ativação com feição diversa do liame empregatício, opera-se a inversão do ônus da prova (arts. 818, da CLT e 333, II, do CPC). Competia, assim, à primeira reclamada, comprovar os fatos modificativos e impeditivos por ela alegados, ônus do qual não se desvencilhou. Com efeito, incumbia-lhe o encargo probatório de que a atividade do reclamante era autônoma, sem as características do art. 3º da CLT. Não obstante, a prova dos autos evidenciou a subordinação estrutural, com engajamento pessoal do obreiro nos fins do empreendimento econômico da primeira reclamada, pois é evidente que o autor realizava transporte de cargas em prol da primeira demandada, prestando serviços para a segunda reclamada. Nesse sentido, o depoimento da testemunha convidada a rogo do autor, bem como o teor dos documentos juntados pelo reclamante no volume em apartado, que indicam, em sua quase totalidade, o transporte de produtos encaminhados pela segunda ré, Kimberly Clark. As reclamadas, por seu turno, não trouxeram qualquer testemunha para depor, salientando-se, ainda, que os documentos acostados com a defesa não são aptos a elidir a tese obreira. Presentes, também, os demais requisitos exigidos pelo art. 3º, da CLT:

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a habitualidade, pois o autor realizava viagens da Região Sudeste até a Região Nordeste semanalmente, conforme demonstram os contratos colacionados e os extratos de pedágio; a onerosidade, por sua vez, é encontrada em qualquer relação de trabalho, no sentido amplo da expressão, e, no caso em análise, verifica-se o pagamento de valores de frete, ressaltando--se, ainda, que a exclusividade não configura elemento definidor da formação do vínculo empregatício. No mais, com a devida vênia ao posicionamento do Magistrado a quo, en-tendo inaplicável à hipótese em exame o disposto no art. 4º, § 2º, da Lei nº 11.442/2007, pois evidenciado que a prestação de serviços de carga não era eventual. Restando clara, portanto, a presença dos requisitos definidores do pacto laboral na relação jurídica havida, impõe-se decretar a nulidade dos contratos de transporte de cargas celebrado pelas partes, lembrando que, diante do princípio da primazia da realidade, o qual informa o Direito do Trabalho, externado em diversos dispositivos consolidados, mas em especial no art. 9º, da CLT, as fraudes concretizadas devem ser duramente repelidas. E, no caso em exame, patente o procedimento fraudulento utilizado pela primeira ré, o qual não pode ser referendado por esta Justiça Especializada. Forçoso concluir, assim, pela impossibilidade da propalada autonomia, vez que o reclamante desenvolvia atividade necessária ao funcionamento da em-presa e, como tal, diretamente ligada à realização dos fins do empreendimento econômico encetado pela primeira ré (necessitas faciendi), emergindo cristalina, da própria exposição do conjunto fático-probatório, a relação empregatícia havida entre as partes, mormente pela presença dos elementos tipificadores do vínculo. Recurso do obreiro provido no particular.” (TRT 2ª R. – Proc. 0002051-78.2014.5.02.0012 – (20160114572) – Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DJe 18.03.2016)

3473 – Rurícola – aposentadoria por idade – início de prova material – ausência – prova testemunhal insuficiente – benefício indevido

“Previdenciário e constitucional. Trabalhadora rural. Aposentadoria por idade. Início de pro-va material. Ausência. Prova testemunhal insuficiente. Direito. Inexistência. 1. O art. 201, § 7º, II, da Constituição Federal, e o art. 48, § 1º, da Lei nº 8.213/1991, asseguram ao traba-lhador rural o direito à aposentadoria por idade ao completar 60 (sessenta) anos, se homem, e 55 (cinquenta e cinco), se mulher. 2. Hipótese em que, apesar de comprovado o requisito da idade (55 anos), não restou demonstrado o exercício do labor campesino, face à inexistência de início de prova material (não sendo servil a tal propósito a carteira de filiação ao Sindicato Rural e a guia de recolhimento de contribuição sindical, pois referentes aos anos de 79 e 73, respectivamente, fora do período de carência). 3. Até serviria como início de prova material o documento que comprova a percepção, por parte da demandante, de benefício decorrente da morte do seu esposo, o qual era aposentado como rurícola. No entanto, o falecimento se deu na década de 70, mais de trinta anos antes do requerimento administrativo (datado de 09.09.2004, não tendo sido colacionado ao processo nenhum documento que prove o desempenho da atividade rural pela autora desde aquela época, sendo importante destacar que, em seu depoimento pessoal, ela afirmou que não exerce o labor agrícola desde 2004, quando requereu a aposentadoria ao INSS. 4. Ausente início de prova material, afigura--se insuficiente à concessão do benefício previdenciário vindicado a prova exclusivamente testemunhal, na esteira de entendimento sumulado nº 149 do STJ. 5. Apelação desprovida.” (TRF 5ª R. – AC 0005864-70.2012.4.05.8100 – (586942/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro – DJe 28.03.2016 – p. 46)

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Tributário

3474 – Contribuição previdenciária patronal – natureza jurídica – recurso especial – agravo regimental em recurso extraordinário – não conhecimento

“Direito tributário. Contribuição previdenciária patronal. Natureza jurídica de verbas pagas ao trabalhador. Análise de normas infraconstitucionais. Recurso extraordinário que não me-rece trânsito. Acórdão recorrido publicado em 02.07.2015. 1. A suposta afronta aos postula-dos constitucionais invocados no apelo extremo somente poderia ser constatada a partir da análise da legislação infraconstitucional, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, in-suscetível, como tal, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário. 2. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 3. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE 945.513 – Santa Catarina – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 19.04.2016)

3475 – Contribuição sindical rural – produtor rural – verba mantida – repercussão geral

“Tributário. Ação ordinária. Agravo retido não conhecido. Contribuição previdenciária so-bre a produção rural (art. 12, V e VII; art. 25, I e II; e art. 30, IV, da Lei nº 8.212/1991). Art. 1º da Lei nº 8.540/1992. Inconstitucional (STF). Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998). Não ‘constitucionalização’. Honorários (01) Não se conhecerá do agravo retido se a parte não requerer expressamente sua apreciação pelo Tribunal nas razões ou na resposta da ape-lação (CPC, art. 523, § 1º). Os documentos juntados aos autos demonstram a condição de produtor e empregador rural da parte autora. Decidiu o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 596177/RS, submetido ao regime de Repercussão Geral, pela inconsti-tucionalidade do art. 1º da Lei nº 8.540/1992, que alterou a redação dos arts. 12, V e VII; 25, I e II; e 30, IV, da Lei nº 8.212/1991, instituindo contribuição a cargo do empregador rural, pessoa física, sobre receita bruta proveniente da venda de sua produção, entendendo-se ocorrida ofensa aos princípios da equidade, da isonomia e da legalidade tributária e ocor-rida bitributação, ausente, ainda, a necessária lei complementar. Conforme entendimento firmado pela Sétima Turma desta e. Corte, a Lei nº 10.256/2001 não teve o condão de ‘cons-titucionalizar’ a exação questionada (Ag 0006162-60.2011.4.01.0000/MG, Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral, 7ª T.). Verba honorária mantida nos termos da sentença recorrida. Agravo retido não conhecido. Apelação e remessa oficial não providas.” (TRF 1ª R. – Proc. 00049174820154013500 – Relª Desª Ângela Catão – J. 07.06.2016)

3476 – Execução fiscal – redirecionamento para os sócios – prescrição intercorrente – ocorrência – dissolução irregular não comprovada

“Agravo de instrumento. Execução fiscal. Redirecionamento para os sócios. Prescrição in-tercorrente. Ocorrência. Dissolução irregular não comprovada. 1. Inicialmente, registre-se que o C. Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento admitindo a ocorrência de prescrição intercorrente para o redirecionamento da execução em face dos sócios, quan-do decorridos mais de cinco anos da citação da empresa devedora, independentemente da causa de redirecionamento. Com essa medida, evitou-se tornar imprescritível a dívida fiscal. São vários os julgados do Superior Tribunal de Justiça reiterados nesse sentido, entendimento acompanhado também pela 1ª T. deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região. 2. Desta

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sorte, não obstante a citação da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, decorridos mais de 5 (cinco) anos após a citação da empresa ocor-re a prescrição intercorrente inclusive para os sócios, ressalvada alguma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN). 3. No caso dos autos, a citação da devedora principal se deu em 22.03.1986 (fls. 53/55v) e o pedido de redire-cionamento da execução fiscal na pessoa do sócio foi requerido somente em 20.04.2011, portanto decorrido mais de 5 (cinco) anos entre a data da citação da empresa executada e o requerimento de redirecionamento. 4. Com efeito, verificado o lapso temporal de mais de 5 (cinco) anos consoante acima explanado, é caso de se reconhecer a ocorrência de prescrição em relação aos corresponsáveis da execução fiscal subjacente, ainda que não tenha sido caracterizada a inércia da exequente, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Corte. 5. No mais, cumpre observar que sequer restou comprovada a dissolução irregular da empresa, uma vez que a ausência de declaração de imposto de renda, sem outros elementos objetivos, não induz à presunção de sua ocorrência. 6. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AI 0027936-53.2015.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Valdeci dos Santos – DJe 15.06.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEAdiante conflito jurídico que gerou acórdão do TRF da 3ª R., que passamos a comentar, consubstanciado em agravo de instrumento interposto pela União Federal, em face de decisão que rejeitou os seus embargos de declaração, mantendo a decisão de recon-sideração do deferimento de pedido de redirecionamento da execução fiscal para uma sócia-administradora de uma determinada empresa, em razão da ocorrência da prescrição intercorrente.

Em suas razões, a agravante sustentou a não ocorrência da prescrição intercorrente, uma vez que a situação de dissolução irregular da empresa executada somente se configurou em 2011, devendo ser considerado este o marco inicial do prazo prescricional de 5 (cinco) anos para o redirecionamento da execução.

Assim, requereu a reforma da r. decisão agravada, para a inclusão da sócia-administrado-ra no polo passivo da ação de execução fiscal.

No julgamento proferido pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o Exmo. Desembargador Federal Valdeci dos Santos (Relator) iniciou seu julgamento destacando que o C. Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento admitindo a ocorrência de prescrição intercorrente para o redirecionamento da execução em face dos sócios, quando decorridos mais de cinco anos da citação da empresa devedora, independentemente da causa de redirecionamento.

Sustentou ainda que, com tal medida, evitou-se tornar imprescritível a dívida fiscal.

A propósito, diversos são os julgados do Superior Tribunal de Justiça reiterados nesse sentido, entendimento acompanhado também pela 1ª T. deste Tribunal Regional Federal da Terceira Região, senão vejamos:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO AO SÓCIO-GERENTE – PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA – 1. A citação da empresa executada interrompe a prescrição em relação aos seus sócios-gerentes para fins de redirecionamen-to da execução fiscal. No entanto, com a finalidade de evitar a imprescritibilidade das dívidas fiscais, vem-se entendendo, de forma reiterada, que o redirecionamento da execu-ção contra os sócios deve dar-se no prazo de cinco anos contados da citação da pessoa jurídica. Precedentes: AgRg-EREsp 761.488/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S.,

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DJe de 07.12.2009; AgRg-REsp 958.846/RS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 30.09.2009; REsp 914.916/RS, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJe de 16.04.2009. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ, AgRg-Ag 1211213/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., J. 15.02.2011, DJe 24.02.2011)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INS-TRUMENTO – REDIRECIONAMENTO DO EXECUTIVO FISCAL – PRAZO PRESCRICIONAL – CITAÇÃO DA EMPRESA DEVEDORA E DOS SÓCIOS – PRAZO DE CINCO ANOS – ART. 174 DO CTN – 1. ‘A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por suas duas Turmas de Direito Público, consolidou o entendimento de que, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, no caso de redirecionamento da execução fiscal, há prescrição intercorrente se decorridos mais de cinco anos entre a citação da empresa e a citação pessoal dos sócios, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal’ (AgRg-EREsp 761.488/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª S., DJe 07.12.2009). Ainda, no mesmo sentido: REsp 1.022.929/SC, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, 2ª T., DJe 29.04.2008; AgRg-Ag 406.313/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJ 21.02.2008; REsp 975.691/RS, 2ª T., DJ 26.10.2007; REsp 740.292/RS, Relª Min. Denise Arruda, 1ª T., DJ 17.03.2008; REsp 682.782/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª T., DJ 03.04.2006. 2. Assim, o acórdão recorrido está em conformidade a jurisprudência do STJ, não merecendo reparos, pois, in casu, a empresa executada foi citada em 31.12.1992 e o pedido de inclusão dos sócios no pólo passivo ocorreu em 29.04.2008 (fl. 205), ou seja: não houve a citação dos sócios dentro do prazo prescricional de cinco anos contados da citação da empresa. 3. Agra-vo regimental não provido.” (STJ, AgRg-Ag 1308057/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., J. 19.10.2010, DJe 26.10.2010)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – RE-DIRECIONAMENTO – SÓCIO-GERENTE – ART. 135, III, DO CTN – PRESCRIÇÃO – CITA-ÇÃO DA EMPRESA – INTERRUPÇÃO DO PRAZO – 1. O redirecionamento da execução fiscal contra o sócio-gerente precisa ocorrer no prazo de cinco anos a contar da citação da sociedade empresária, devendo a situação harmonizar-se com o disposto no art. 174 do CTN para afastar a imprescritibilidade da pretensão de cobrança do débito fiscal. Pre-cedentes de ambas as Turmas de Direito Público do STJ. 2. A jurisprudência desta Corte não faz qualquer distinção quanto à causa de redirecionamento, devendo ser aplicada a orientação, inclusive, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica. 3. Ademais, esse evento é bem posterior a sua citação e o redirecionamento contra o sócio somente foi requerido porque os bens penhorados não lograram a satisfação do crédito. Assim, tra-tando-se de suposta dissolução irregular tardia, não há como se afastar o reconhecimento da prescrição contra os sócios, sob pena de manter-se indefinidamente em aberto a pos-sibilidade de redirecionamento, contrariando o princípio da segurança jurídica que deve nortear a relação do Fisco com os contribuintes. 4. Recurso especial não provido.” (STJ, REsp 1163220/MG, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., J. 17.08.2010, DJe 26.08.2010)

“EMBARGOS DECLARATÓRIOS – AUSÊNCIA – OMISSÃO – ACOLHIMENTO PARA ES-CLARECIMENTO – EXECUÇÃO – FISCAL – REDIRECIONAMENTO PARA SÓCIOS – PRES-CRIÇÃO – AUSÊNCIA – CARACTERIZAÇÃO – INÉRCIA – PEDIDO – REDIRECIONAMEN-TO POSTERIOR AO QUINQUÍDEO – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONFIGURADA – INCIDÊNCIA – ART. 174 DO CTN – INAPLICABILIDADE – TEORIA DA ACTIO NATA

[...]

4. O redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, sendo inaplicável o disposto no art. 40 da Lei nº 6.830/1980 que, além de referir-se ao devedor, e não ao responsável tributário, deve harmonizar-se com as hipóteses previstas no art. 174 do CTN, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal (Precedentes: REsp 205.887, DJU de 01.08.2005; REsp 736.030, DJU de

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20.06.2005; AgRg-REsp 445.658, DJU de 16.05.2005; AgRg-Ag 541.255, DJU de 11.04.2005). 4. Desta sorte, não obstante a citação válida da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, decorridos mais de 05 (cinco) anos após a citação da empresa, ocorre a prescrição intercorrente inclusive para os sócios. 5. In casu, verifica-se que a empresa executada foi citada em 07.07.1999. O pedido de redirecionamento do feito foi formulado em 12.03.2008. Evidencia-se, portanto, a ocorrência da prescrição. 6. A aplicação da Teoria da Actio Nata requer que o pedido do redirecionamento seja feito dentro do período de 5 anos que sucedem a citação da pessoa jurídica, ainda que não tenha sido caracterizada a inércia da autarquia fazendária. (REsp 975.691/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., J. 09.10.2007, DJ 26.10.2007 p. 355) 7. Embargos declaratórios acolhidos somente pra fins de esclarecimento mantendo o teor da decisão agravada.” (STJ, EDcl-AgRg-Ag 1272349/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., J. 02.12.2010, DJe 14.12.2010)

“AGRAVO REGIMENTAL – DIREITO TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIO-NAMENTO – PRESCRIÇÃO – OCORRÊNCIA – 1. O redirecionamento da execução fiscal contra o sócio deve ocorrer no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica, pena de prescrição. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg-REsp 1198750/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 1ª T., J. 28.09.2010, DJe 23.11.2010)

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – ART. 557, § 1º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS – AGRAVO DE INS-TRUMENTO EM FACE DE DECISÃO QUE ACOLHEU EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE PARA RECONHECER A OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E DETER-MINOU A EXCLUSÃO DOS SÓCIOS DA EMPRESA EXECUTADA DO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO – AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGOU SEGUIMENTO POR DECI-SÃO MONOCRÁTICA – AGRAVO LEGAL IMPROVIDO – 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou posicionamento admitindo o reconhecimento de prescrição intercorrente para o redirecionamento da execução em face dos sócios quando decorrido mais de cinco anos da citação da empresa devedora independentemente da causa de redirecionamento, de modo a não tornar imprescritível a dívida fiscal. 2. Não há erro na decisão monocrática do Relator proferida nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, pois o recurso foi manejado contra jurisprudência iterativa do Superior Tribunal de Justiça. 3. Agravo legal improvido.” (TRF 3ª R., 1ª T., AI 0001557-80.2012.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, J. 10.04.2012, e-DJF3 Judicial 1 Data: 20.04.2012)

“AGRAVO LEGAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIONAMENTO – PRESCRIÇÃO – AGRAVO IMPROVIDO – 1. A decisão agravada foi proferida em consonância com o entendimento jurisprudencial do C. STJ e deste Eg. Tribunal, com supedâneo no art. 557, do CPC, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, em jul-gamento de recurso submetido ao procedimento da repercussão geral (CPC, art. 543-B), considerou inconstitucional o art. 13 da Lei nº 8.620/1993. 3. No caso dos autos, trans-correram mais de cinco anos entre a data da citação da empresa (1998) e o pedido de inclusão de sócio no polo passivo da ação (2005), nos termos do art. 174 do CTN. 4. Agravo improvido.” (TRF 3ª R., 1ª T., AI 0021348-64.2014.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva, J. 13.01.2015, e-DJF3 Judicial 1 Data: 21.01.2015)

Desta feita, não obstante que a citação da pessoa jurídica interrompa a prescrição em relação aos responsáveis solidários, o Nobre Julgador destacou que, decorridos mais de 5 (cinco) anos após a citação da empresa, ocorre a prescrição intercorrente, inclusive para os sócios, ressalvada alguma das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (art. 151 do CTN).

No caso em questão, reiterou o Ilustre Desembargador que, a citação da devedora princi-pal se deu em 22.03.1986 e o pedido de redirecionamento da execução fiscal na pessoa

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do sócio foi requerido somente em 20.04.2011, portanto decorrido mais de 5 (cinco) anos entre a data da citação da empresa executada e o requerimento de redirecionamento.

Com efeito, verificado o lapso temporal de mais de 5 (cinco) anos consoante acima expla-nado, o MM. Desembargador expressou ser caso de se reconhecer a ocorrência de prescri-ção em relação aos corresponsáveis da execução fiscal subjacente, ainda que não tenha sido caracterizada a inércia da exequente, de modo a não tornar imprescritível a dívida fis-cal, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, bem como desta Corte.

Frisou ainda que, sequer restou comprovada a dissolução irregular da empresa, uma vez que a ausência de declaração de imposto de renda, sem outros elementos objetivos, não induz à presunção de sua ocorrência.

Para reforçar seu raciocínio, o Magistrado citou:

“TRIBUTÁRIO – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL – RECURSO ESPECIAL – ART. 4º, § 3º, DA LEI Nº 6.830/1980 – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 211/STJ – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – SÚMULA Nº 284 DO STF – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – DOCUMENTO EXTRAÍDO DO CADASTRO DO ESTADO DO PARANÁ – SINTEGRA/ICMS – COMPROVAÇÃO OBJETIVA – AUSÊNCIA – [...] III- Sendo a execução proposta somente contra a sociedade, a Fazenda Pública deve comprovar a infração a lei, contrato social ou estatuto ou a dissolução irregular da socieda-de para fins de redirecionar a execução contra o sócio. Precedentes: EREsp 702.232/RS, Rel.Min. Castro Meira, DJ de 26.09.2005 e AgRg-REsp 720.043/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 14.11.2005. IV – No caso dos autos, o documento extraído do Cadastro do Estado do Paraná – Sintegra/ICMS (fls. 41/69) não se presta à comprovação pretendida pela Fazenda Estadual, haja vista que a simples informação veiculada na internet de que a empresa teve seu exercício encerrado não é prova de dissolução irregular da so-ciedade, devendo tal comprovação ser realizada de forma objetiva, como nas hipóteses em que o oficial de justiça certifica o encerramento das atividades no local, pelo que se infere a extinção irregular. V – Recurso especial improvido.” (STJ, 1ª T., Recurso Especial nº 945499/PR, J. 21.02.2008, Rel. Francisco Falcão, DJe Data: 30.04.2008)

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO INTERNO – AUSÊNCIA DE VÍCIOS – PRE-QUESTIONAMENTO – EMBARGOS REJEITADOS – 1. Devem ser rejeitados os embargos de declaração opostos contra acórdão proferido a salvo de omissão, contradição ou obs-curidade. 2. Nesse particular, o acórdão é por demais claro ao assentar que não há docu-mento nos autos que comprove que a empresa não foi localizada no endereço constante dos registros da Jucesp e, ademais, que a declaração de inatividade da pessoa jurídica junto à Secretaria da Receita Federal, ou a ausência de declaração de imposto de renda, sem outros elementos objetivos, não induzem à presunção de dissolução irregular da empresa a ensejar o redirecionamento. 3. É entendimento assente de nossa jurisprudên-cia que o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo, que por si só, achou suficiente para a composição do litígio. 4. Ainda que os embargos tenham como propósito o prequestionamento da maté-ria, faz-se imprescindível, para o conhecimento do recurso, que se verifique a existência de quaisquer dos vícios descritos no art. 535 do Código de Processo Civil. 5. Embargos rejeitados.” (TRF 3ª R., AI 00101659620144030000, 3ª T., Relª Juíza Conv. Eliana Marcelo, DJe 05.02.2016)

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS ADMINISTRADORES – ART. 135, INCISO III, DO CTN E SÚMULA Nº 435 DO STJ – DISSOLUÇÃO IRREGULAR NÃO COMPROVADA – AUSÊNCIA DE DILIGÊNCIA DE OFICIAL DE JUSTIÇA NO ENDE-REÇO DA DEVEDORA – PRELIMINAR DE NULIDADE REJEITADA – RECURSO DESPRO-

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VIDO – Afasta-se a alegada nulidade da decisão por afronta aos arts. 5º, inciso LV, da CF/1988 e 130 do CPC, uma vez que a legitimidade passiva é matéria de ordem pública cognoscível de ofício pelo juiz a qualquer momento e grau de jurisdição, razão pela qual eram despiciendas a oitiva da exequente e a expedição de mandado de constatação no en-dereço da empresa antes da decisão que determinou a exclusão dos sócios do polo passivo da ação. A inclusão de sócios no polo passivo da execução fiscal é matéria disciplinada no art. 135, III, do Código Tributário Nacional e somente é cabível nos casos de gestão com excesso de poderes, infração à lei, ao contrato ou estatuto social ou, ainda, na hipótese de dissolução irregular da sociedade, nos termos da Súmula nº 435 do STJ. Quanto ao encerramento ilícito, dispõe a Súmula nº 435/STJ: ‘presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente’. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que é indispensável que o oficial de justiça constate que a empresa não foi encontrada em seu endereço. Não foi comprovada a dissolução irregular da executada por meio de oficial de justiça, uma vez que logo depois da carta de citação com AR negativa já houve o pedido de inclusão dos seus sócios administradores no polo passivo da ação, o que de acordo com os precedentes anteriormente explicitados não é suficiente para justificar sua responsabilidade tributária. Ademais, não houve comprovação da prática de outros atos ilícitos pelos gestores e os atos processuais praticados, assim, como a ausência de registro na Jucesp, de declaração de imposto de renda desde 1999 e da baixa em seu CNPJ, são insuficientes para se pre-sumir o encerramento ilícito da sociedade e, em consequência, a responsabilidade tributá-ria, nos termos do art. 135, inciso III, c/c o art. 124, inciso II, ambos do CTN. Igualmente, não comprovada a dissolução irregular da pessoa jurídica, desnecessária é a análise das questões atinentes aos arts. 50, 51, 1.016, 1.033, 1.036, 1.038, 1.053, 1.102 a 1.112, todos do CC. Preliminar rejeitada e agravo de instrumento desprovido.” (TRF 3ª R., AI 00169045120154030000, 4ª T., Rel. Des. Fed. Andre Nabarrete, DJe 26.01.2016)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AGRAVO LEGAL – EXECUÇÃO FISCAL – REDIRECIO-NAMENTO – SÓCIO QUE NÃO FIGURA NA CDA COMO RESPONSÁVEL – ÔNUS DA PROVA – DISSOLUÇÃO IRREGULAR CONTEMPORÂNEA À ADMINISTRAÇÃO DO SÓCIO – NECESSIDADE – 1. De acordo com o art. 557, caput, do Código de Processo Civil, o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, preju-dicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior. E, ainda, consoante o § 1º-A do mesmo dispositivo se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. 2. É firme, no Colendo Superior Tribunal de Justiça, a orientação no sentido de que o ônus da prova quanto aos fatos que ensejam a responsabilidade do sócio-gerente depende do título executivo, de modo que se o nome do sócio não consta da CDA e a execução fiscal somente foi proposta contra a pessoa jurídica, caberá ao Fisco, ao postular o redirecionamento, provar a ocorrência de infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos sociais (STJ, EREsp 200500888180, Castro Meira, 1ª S., DJ Data: 26.09.2005, p. 00169). 3. A jurisprudência do STJ é no sentido de que a dissolução irregular enseja a responsabilização do sócio-gerente pelos débitos da sociedade por quotas de responsabilidade limitada, com base no art. 10 do Decreto nº 3.708/2019 (atual art. 1.016, do Código Civil de 2002). Precedentes: REsp 657935 e REsp 140564. 4. Contudo, conforme restou consignado na decisão recorrida, a jurisprudência do STJ e desta Corte Regional, tem se manifestado no sentido de que ‘o pedido de redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da sociedade executada, pressupõe a permanência do sócio na administração da empresa no momento da ocorrência dessa dissolução, que é, afinal, o fato que desencadeia a responsabilidade pessoal do administrador’ e, ainda, que ‘a declaração de inatividade da

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pessoa jurídica junto à Secretaria da Receita Federal, ou a ausência de declaração de im-posto de renda, sem outros elementos, não induzem à presunção de dissolução irregular da empresa a ensejar o redirecionamento do feito para o empresário’. 5. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R., AI 00086361320124030000, 5ª T., Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, DJe 06.05.2013)

Assim, com base em todo o explanado, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento ao agravo de instrumento.

3477 – ITCMD – base de cálculo – decreto – alteração – princípio da legalidade – impos-sibilidade

“Mandado de segurança. ITCMD. Base de cálculo. Alteração por decreto. Impossibilida-de. Fisco Estadual que por meio de Decreto adotou valor venal para fins de lançamento do ITBI como base de cálculo do ITCMD. Ofensa ao princípio da legalidade. Lei Estadual nº 10.705/2000 que prevê o valor venal para fins de ITR como base de cálculo mínima. Alte-ração que, de fato, criou nova base de cálculo sem, contudo, haver o mínimo respaldo legal. Precedentes desta Corte. Ordem concedida. Sentença mantida. Recurso e remessa necessá-ria desprovidos.” (TJSP – Ap 1014182-53.2016.8.26.0053 – São Paulo – 5ª CDPúb. – Rel. Nogueira Diefenthaler – DJe 28.07.2016)

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Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

RDU, Porto Alegre, Volume 13, n� 71, 2016, 162-192, set-out 2016

O Estado da Arte da Aplicação do Direito Internacional Público no Brasil no Alvorecer do Século XXI

VALERIO DE OLIVEIRA mAZZUOLIPós‑Doutor em Ciências Jurídico‑Políticas pela Universidade de Lisboa, Doutor summa cum laude em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (Brasil), Mestre em Direito pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP (Brasil), Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT (Brasil), Professor do Programa de Mestrado em Proteção dos Direitos Fun‑damentais da Universidade de Itaúna – UIT (Brasil), Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democratas (ABCD), Pesquisador do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade – CEDIS da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), Advogado e Consultor Jurídico.

Data de Submissão: 06.09.2016Decisão Editorial: 08.09.2016Comunicação ao Autor: 08.09.2016

ÁREA DO DIREITO: Internacional; Constitucional.

RESUMO: Este estudo pretende verificar o estado da arte da aplicação do Direito Internacional Pú‑blico no Brasil neste início do século XXI, verificando como se portam a jurisprudência e a doutrina nacionais a respeito da eficácia e aplicabilidade das normas internacionais no plano interno. O estudo conclui que a jurisprudência nacional, não obstante estar passos atrás da doutrina, vem evoluindo gradativamente no sentido de melhor aplicar as normas internacionais, tendo havido, até mesmo, evolução importante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que tange à hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, o que não significa ter o Brasil atingido o nível desejado de aplicação escorreita do Direito Internacional Público no plano doméstico.

PALAVRAS‑CHAVE: Brasil; Direito Internacional Público; tratados internacionais; costumes interna‑cionais; aplicação ao direito interno.

ABSTRACT: This study seeks to analyze the cutting edge aspects concerning the application of public international law since the beginning of the 21st century in Brazil. It focuses on court decisions and national doctrine vis‑à‑vis the effectiveness and applicability of international norms domestically. The conclusion reached is that domestic courts, although still lagging behind doctrinal approaches, are gradually more effectively and more constantly applying international law. An important example is a decision of the Supreme Court about the hierarchy of international human rights treaties within Brazil’s domestic legal system. These advances, however, do not mean that Brazil reached a desired level of congruence and harmony in its domestic application of public international law.

KEYWORDS: Brazil; public international law; international treaties; international customs, municipal application.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Plano constitucional; 1.1 Como se processa a incorporação do Direito In‑ternacional Público na ordem jurídica interna?; 1.2 Qual é a posição do Direito Internacional Público na hierarquia de fontes de Direito interno?; 1.3 Houve alguma alteração constitucional motivada pela adoção de uma convenção internacional?; 1.4 Ocorreu alguma alteração constitucional ou legislativa subsequente a uma decisão de um tribunal internacional (v.g., Corte Interamericana de Direitos Hu‑manos ou Corte Internacional de Justiça)? Nesse caso, a decisão foi dirigida ao seu Estado ou a um Estado terceiro?; 1.5 É possível reabrir um processo judicial interno na sequência de uma decisão de um tribunal internacional (v.g., Corte Interamericana de Direitos Humanos ou Corte Internacional de Justiça)? Se sim, em que circunstâncias?; 2 Plano judicial; 2.1 Qual o estatuto atribuído ao Direito Internacional Público pela jurisprudência?; 2.2 Os tribunais recorrem ao Direito Internacional Público para afastar a aplicação de normas internas? Se sim, em que casos? Pode qualquer juiz resolver este tipo de conflito normativo ou esta é uma competência apenas dos supremos tribunais/tribunal consti‑tucional?; 2.3 Os tribunais admitem afastar a aplicação de normas internacionais com fundamento na sua inconstitucionalidade/ilegalidade?; 2.4 Os juízes recorrem ao princípio da interpretação conforme (v.g. em caso de conflito entre normas internas e normas constitucionais)? Se sim, que parâmetro utilizam: o nacional ou o internacional?; 2.5 Que tipo de força é atribuída ao Direito Internacional Público na interpretação do Direito nacional?; 2.6 Os juízes (constitucionais ou ordinários) utilizam o Direito Internacional dos Direitos Humanos como parâmetro para declarar a inconstitucionalidade de normas legislativas?; 2.7 Houve alguma derrogação do mandato constitucional atribuído aos juízes nacionais decorrente da necessidade de respeitar o Direito Internacional Público?; 2.8 Na prática (law in action) o tratamento judicial atribuído ao Direito Internacional Público reflete a sua posição que a Constituição/legislação lhe atribui na hierarquia de fontes internas (law in the books)?; 2.9 Qual a frequência das referências judiciais ao Direito Internacional Público? As referências são substantivas ou meramente ad abundantiam?; 2.10 A jurisprudência dos tribunais internacionais provocou alguma inversão jurisprudencial relevante?; 2.11 Que efeitos são atribuídos às decisões dos tribunais interna‑cionais? Em caso afirmativo, os tribunais nacionais estão obrigados a seguir essas decisões mesmo quando as mesmas foram proferidas em casos que envolvem Estados terceiros?; 3 Plano doutrinário; 3.1 Qual é a posição da doutrina sobre a inserção do Direito Internacional Público na hierarquia de fontes de Direito interno?; 3.2 Organizações regionais como o Mercosul ou Unasul são observadas como tendo uma natureza e impacto diferentes de outras organizações internacionais? A transfe‑rência de competências para este tipo de organização é perspectivada como mais problemática do que a efetuada para organizações internacionais de cariz universal?; 3.3 O direito das organizações regionais (v.g., Organização dos Estados Americanos, Mercosul e Unasul) é observado como uma “espécie” de Direito Internacional ou é entendido como um Direito de cariz supranacional?; Conclu‑são; Referências.

INtrODUÇÃO

O Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Socie-dade – CEDIS da Universidade Nova de Lisboa (Portugal) mantém, entre os seus grupos de investigação, o afeto ao Direito, Política e Participação, do qual tenho a honra de integrar como colaborador estrangeiro1. O propósito

1 Sobre o Cedis e o Grupo de Investigação Direito, Política e Participação, confira-se: <cedis.fd.unl.pt/law-politics-and-participation>.

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desse grupo investigativo é estudar as relações do Direito com a política e com a democracia, no objetivo de se verificar os termos da intervenção dos cidadãos na vida política e o modo como o exercício da democracia se de-senvolve institucionalmente. Entre os vários projetos do grupo encontra-se o relativo ao Direito Internacional nos Direitos de Língua Portuguesa (2016- -2017)2, que pretende investigar, por meio de relatórios nacionais elabo-rados por especialistas de cada país, como o Direito Internacional Público tem sido aplicado em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São-Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Para tanto, elaborou-se um questionário padrão de indagações com a finalidade de, posteriormente, comparar a aplicação (com seus acertos e desacertos) do Direito Internacional Público nesses países3. Coube a mim esclarecer como se dá essa aplicação no Brasil4.

O que se fará nas linhas a seguir é responder ao questionário do Pro-jeto para o fim de demonstrar o estado da arte da aplicação do Direito Inter-nacional no Brasil, em três planos: constitucional, judicial e doutrinário. As respostas serão, evidentemente, objetivas; pretendeu-se atacar de forma di-reta as indagações apresentadas, respeitando os limites propostos. Também, cumpre desde já dizer que tais respostas têm por destinatários os leitores estrangeiros, razão pela qual poderão soar repetitivas aos profissionais do Direito do Brasil.

1 PLaNO CONStItUCIONaL

A Constituição Federal brasileira (de 5 de outubro de 1988) não dis-põe de regras claras sobre a estatura do Direito Internacional Público na or-dem jurídica interna (à exceção dos tratados de direitos humanos, como se verá). Não há, de fato, no Texto Constitucional do Brasil qualquer norma a prever os efeitos (impacto e aplicabilidade) do Direito Internacional Público geral no plano jurídico interno do Brasil, tendo-se deixado essa incumbên-cia para a opinião, necessariamente falível, da doutrina e da jurisprudência pátrias5. O que se pode dizer existir na ordem constitucional brasileira são apenas pouquíssimos dispositivos que dizem respeito ou ao procedimen-

2 Sobre esse Projeto, confira-se: <dipdlp.cedis.fd.unl.pt>.3 Sobre a equipe de trabalho (coordenada pelos Professores Jorge Bacelar Gouveia e Francisco Pereira Coutinho)

e os responsáveis por cada país, confira-se: <dipdlp.cedis.fd.unl.pt/?page_id=107>.4 As observações que farei doravante dizem respeito à ordem do dia da aplicação do Direito Internacional no

Brasil (até abril de 2016); um detalhado inventário histórico da jurisprudência e da doutrina a esse respeito refoge aos limites propostos pela Coordenação da Equipe.

5 Para críticas, cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 406 e ss.

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to de incorporação dos tratados ao Direito interno (arts. 49, I, e 84, VIII) ou à possibilidade de aplicação direta, pelo Poder Judiciário, desses instru-mentos, independentemente de “transformação” (arts. 102, III, b, 105, III, a, 109, III).

Há, porém, algumas normas específicas para os tratados sobre di-reitos humanos incorporadas posteriormente ao texto, garantindo tanto a hierarquia constitucional dos tratados aprovados por maioria qualificada no Congresso Nacional (art. 5º, § 3º) quanto a possibilidade de deslocamento de competência da Justiça Estadual à Justiça Federal em casos de graves vio-lações de direitos humanos e a fim de assegurar o cumprimento de obriga-ções decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é parte (art. 109, § 5º).

Para além dessas normas voltadas a regular alguns aspectos da efi-cácia dos tratados internacionais (de direitos humanos) no Brasil, não há na Constituição brasileira de 1988 qualquer norma a garantir a plena efi-ciência do Direito Internacional geral na ordem jurídica brasileira (nada dizendo, v.g., sobre os costumes e os princípios internacionais). Tal cons-tatação leva à conclusão de existir grave falha no Texto Constitucional bra-sileiro ao não estabelecer, de forma clara, o estatuto jurídico do Direito Internacional geral no plano do Direito interno, o que termina por causar dificuldades sérias de aplicação (especialmente por parte do Judiciário) do direito não convencional no Brasil, especialmente o costumeiro. Falta ao Texto Constitucional brasileiro norma semelhante ao art. 25 da Lei Funda-mental da Alemanha, que expressamente dispõe que as normas gerais do Direito Internacional Público constituem parte integrante do direito federal e se sobrepõem às leis nacionais. O que existe na Constituição brasileira é um rol de princípios pelos quais o Brasil deve reger-se em suas relações internacionais (art. 4º, incs. I a X), bem como disposições referentes à apli-cação dos tratados pelos Tribunais (arts. 102, III, b, 105, III, a, e 109, incs. III e V). Porém, regra expressa de reconhecimento ou aceitação do Direito Internacional pelo Direito interno – à exceção, repita-se, dos tratados inter-nacionais de proteção dos direitos humanos, que guardam índole e nível constitucionais segundo opinião doutrinária – inexiste na Carta brasileira de 1988. Assim, tudo o que se disser doravante sobre a aplicação do Direi-to Internacional Público no Brasil será relativo aos tratados internacionais, uma vez que apenas essa espécie normativa internacional é referida pelo Texto Constitucional do Brasil.

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1.1 como Se proceSSA A IncorporAção do dIreIto InternAcIonAl públIco nA ordem JurídIcA InternA?

As normas internacionais (tratados) têm sua incorporação à ordem interna brasileira condicionada, primeiro, ao referendo do Poder Legislativo (CF, art. 49, I) e, depois, à ratificação pelo Presidente da República, seguida de sua promulgação e publicação no Diário Oficial da União. O iter desse tramitar é extremamente complexo e dá margem a opiniões doutrinárias de variada índole; por isso é que aqui se dirá, simplesmente, que o Direito Internacional Público se incorpora ao Direito brasileiro mediante a conjuga-ção de vontades do Poder Executivo, que o celebra, e do Poder Legislativo, que o referenda e, por esse meio, autoriza o Presidente da República a levar a cabo a expressão do consentimento do Estado6.

Destaque-se que o referendo parlamentar apenas autoriza (não obri-ga) o chefe do Poder Executivo a dar cabo à expressão do consentimen-to pela ratificação; pode também o Congresso Nacional rejeitar o tratado, quando então ficará o Presidente da República impedido de proceder à ratificação (se o fizer, poderá responder por crime de responsabilidade – CF, art. 85, inc. II). O referendo do Poder Legislativo permite que o Presidente da República ratifique o tratado, podendo o Presidente, portanto, deixar livremente de fazê-lo (caso não seja oportuna ou conveniente a ratificação). Ratificado, porém, o tratado, o Brasil (se já estiver em vigor o ato interna-cional) torna-se parte dele7, engajando-se definitivamente no compromisso internacional em causa.

Há uma discussão jurídica no Brasil sobre em que momento ingressa efetivamente o tratado na ordem jurídica interna, tendo o Supremo Tribunal Federal entendido que só depois dos atos de promulgação e publicação pas-saria o tratado a ter valor interno. De fato, no julgamento da Carta Rogatória nº 8279, da República Argentina, o tribunal entendeu que

a recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, me-diante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos inter-nacionais, pelo Chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, me-

6 Para um estudo detalhado dessa sistemática, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos tratados. 2. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 417 e ss.

7 V. art. 2º(1)(g), da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, nestes termos: “parte significa um Estado que consentiu em se obrigar pelo tratado e em relação ao qual este esteja em vigor”.

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diante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.8

Naquele mesmo julgamento, disse ainda o STF que

o princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da Repúbli-ca, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer conven-ção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil.9

Nesse sentido, independentemente da posição doutrinária que se pre-tenda adotar, o certo é que, atualmente, no Brasil, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, as normas internacionais (tratados) apenas atingem o Estado e os cidadãos depois de promulgadas e publicadas (sub-sequentemente à ratificação). Em outras palavras, o tratado não entra em vigor no País (segundo o STF) antes do ato palaciano de promulgação (e de publicação). A partir desse momento, diz-se que a ordem jurídica interna foi inovada, quando então os juízes e tribunais pátrios estão habilitados a diretamente aplicar as normas internacionais em vigor e a controlar a con-vencionalidade das leis.

1.2 quAl é A poSIção do dIreIto InternAcIonAl públIco nA hIerArquIA de fonteS de dIreIto Interno?

A Constituição brasileira de 1988 não disciplina, de forma clara, qual a posição hierárquica do Direito Internacional Público em geral no plano da hierarquia das fontes. Apenas no que diz respeito aos tratados de direitos humanos é que a Constituição Federal do Brasil especifica algo relativo à hierarquia normativa, dizendo que, se tal tratado (repita-se, de direitos hu-manos) for aprovado por três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, será “equivalente” às emendas

8 STF, Agravo Regimental na Carta Rogatória nº 8279/Argentina, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 17.06.1998, DJ 10.08.2000.

9 Idem.

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constitucionais (CF, art. 5º, § 3º). Tal dispositivo, como se vê, é insuficiente, pois coloca no limbo os tratados de direitos humanos não aprovados por dita maioria qualificada, trazendo a dúvida (de difícil resolução) de saber em qual nível hierárquico se encontram. Para não igualar tais tratados (não aprovados por maioria qualificada) com os instrumentos internacionais co-muns é que o Supremo Tribunal Federal adotou a tese (seguindo o voto do Ministro Gilmar Mendes) de que os tratados de direitos humanos não aprovados pela maioria qualificada prevista no art. 5º, § 3º, da Constituição guardariam nível supralegal no Brasil10.

Dessa forma, em sede constitucional no Brasil – à luz da jurispru-dência atual do Supremo Tribunal Federal –, tem-se tripla hierarquia das normas internacionais (tratados) no plano do Direito interno, assim compre-endida: (a) tratados de direitos humanos internalizados mediante aprovação qualificada no Congresso Nacional (CF, art. 5º, § 3º) guardam equivalência de emenda constitucional; (b) tratados de direitos humanos internalizados mediante aprovação por maioria simples no Congresso Nacional guardam nível supralegal (art. 5º, § 2º); e (c) tratados internacionais comuns (que versam temas alheios a direitos humanos) guardam nível de lei ordinária no plano jurídico interno.

Reitere-se que essa diferenciação sobre a hierarquia dos tratados no plano constitucional brasileiro é realizada pela Suprema Corte do País, não pelo próprio Texto Constitucional, que – salvo no caso muito específico dos tratados sobre direitos humanos – nenhuma disposição clara tem a respeito.

Muitas são as críticas que até hoje se fazem ao Texto Constitucional brasileiro por ter feito tabula rasa das discussões constituintes que preten-diam normatizar, de modo claro, a posição do Direito Internacional Público na hierarquia das fontes do Direito interno. Várias foram as propostas apre-sentadas, mas nenhuma foi levada em conta. A Constituição brasileira de 1988 passou, como se vê, ao largo do problema.

1.3 houVe AlgumA AlterAção conStItucIonAl motIVAdA pelA Adoção de umA conVenção InternAcIonAl?

Como decorrência direta da incorporação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) no Direito brasi-leiro, houve importante alteração constitucional no capítulo dos direitos e

10 STF, Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 03.12.2008, DJe 12.12.2008.

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das garantias fundamentais, relativa à inserção no rol dos direitos e deveres individuais da garantia da “razoável duração do processo”.

De fato, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos refere-se, em dois dispositivos, à necessidade de razoabilidade na duração dos proce-dimentos judiciais: primeiro, no art. 7º(5), ao dispor que toda pessoa presa “tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liber-dade, sem prejuízo de que prossiga o processo”, e, depois, no art. 8º(1), ao estabelecer que toda pessoa “terá o direito de ser ouvida, com as devidas ga-rantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”11.

Com inspiração nítida nessas regras internacionais, o Poder Consti-tuinte reformador brasileiro (pela Emenda Constitucional nº 45/2004) acres-ceu o inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição, que dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Assim, além de se inspirar no legislador interamericano, a Constituição brasileira de 1988 ampliou essa garantia convencional para aplicar o princípio da razoável duração do processo em quaisquer âmbitos, seja judicial ou ad-ministrativo; e no âmbito judicial, para quaisquer tipos de processos, sejam civis, penais, trabalhistas etc.

Destaque-se, também, que no plano da legislação infraconstitucional houve, igualmente, influência direta de normas internacionais ratificadas pelo Brasil, como ocorreu, v.g., com a promulgação (em 7 de agosto de 2006) da Lei Federal nº 11.340, sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, também conhecida como Lei Maria da Penha, elaborada como resultado de ação contrária ao Brasil levada a efeito perante o sistema inte-ramericano de direitos humanos e da ratificação pelo País da anterior Con-venção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de 1994 (conhecida como “Convenção de Belém do Pará”).

Tal está a demonstrar que o Direito brasileiro tem (ainda que de modo não constante) se inspirado no legislador interamericano para normatizar aspectos importantes da proteção dos direitos humanos no plano interno.

11 Para um comentário desses dispositivos, v. GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 61 e ss.

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Ao menos na seara dos direitos humanos tem havido inspiração internacio-nal, portanto. Não se pode dizer o mesmo, contudo, relativamente a outras convenções internacionais (que versam temas alheios aos direitos humanos) de que a República Federativa do Brasil é parte.

1.4 ocorreu AlgumA AlterAção conStItucIonAl ou legISlAtIVA SubSequente A umA decISão de um trIbunAl InternAcIonAl (V.g., corte InterAmerIcAnA de dIreItoS humAnoS ou corte InternAcIonAl de JuStIçA)? neSSe cASo, A decISão foI dIrIgIdA Ao Seu eStAdo ou A um eStAdo terceIro?

Até o presente momento (setembro de 2016), poucas foram as alte-rações legislativas ocorridas no Brasil decorrentes de decisões de órgãos internacionais (jurisdicionais ou não). Uma delas, como já destacado, foi a promulgação da Lei Maria da Penha sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, decorrência de recomendação da Comissão Interamerica-na de Direitos Humanos ao Brasil. Apesar de o “Caso Maria da Penha” não ter chegado propriamente à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (o Brasil, àquela época, ainda não havia aceitado a jurisdição contenciosa do tribunal interamericano), merece destaque o fato de que foram respeitadas, pelo Estado brasileiro, as recomendações da Comissão Interamericana relativas à violência doméstica e familiar contra a mulher; elaborou-se uma lei com a finalidade de coibir e erradicar a violência contra a mulher, prevendo várias medidas de proteção12.

Da mesma forma, a decisão da Corte Interamericana de Direitos Hu-manos relativa ao “Caso Guerrilha do Araguaia” (de 24 de novembro de 2010) teve impacto legislativo direto no Brasil, vez que ordenou ao Estado brasileiro que investigasse a memória e a verdade dos fatos ocorridos duran-te o regime militar no Brasil13. Naquela ocasião, entendeu-se que a Lei de Anistia brasileira, embora recebida pela Constituição Federal de 1988, seria inconvencional (por violar a Convenção Americana sobre Direitos Huma-nos) e, portanto, totalmente inválida (por contrariar, inclusive, o jus cogens internacional que fundamenta o dever de investigar e punir os responsáveis pelas graves violações de direitos humanos no País). Entendeu-se ainda que a memória e a verdade dos fatos ocorridos no passado devem vir imediata-mente à tona, para que nada seja camuflado da população e para que essa

12 Para o texto completo da Lei, consulte-se: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>.

13 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24.11.2010, Série C, nº 219.

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saiba o que realmente ocorreu nesse passado sombrio da história do Brasil14. Nesse sentido, foi então criada no País a “Comissão da Verdade”, instituída pela Lei nº 12.528/2011 com “a finalidade de examinar e esclarecer as gra-ves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o di-reito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional” (art. 1º).

Como se nota, o Direito Internacional Público decisório (aquele de-cidido por atos de tribunais internacionais, especialmente em matéria de direitos humanos) tem influenciado positivamente o Direito brasileiro para que proceda às alterações legislativas necessárias à adequação da ordem interna à ordem internacional de proteção, ainda que, é verdade, em passos mais lentos do que o desejável.

1.5 é poSSíVel reAbrIr um proceSSo JudIcIAl Interno nA SequêncIA de umA decISão de um trIbunAl InternAcIonAl (V.g., corte InterAmerIcAnA de dIreItoS humAnoS ou corte InternAcIonAl de JuStIçA)? Se SIm, em que cIrcunStâncIAS?

Tema delicado é o da reabertura de um processo judicial após deci-são de tribunal internacional sobre o mesmo tema. No caso citado no item anterior (“Caso Guerrilha do Araguaia”), a Corte Interamericana, alguns me-ses após a decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro que validava a Lei de Anistia brasileira, decidiu por invalidar essa mesma Lei. Nesse caso, parece evidente poder o Supremo Tribunal Federal rever seu posicionamen-to para o fim de adequá-lo ao que foi estabelecido pelo tribunal internacio-nal, uma vez que a Corte Interamericana invalidou (ou seja, tirou vida) algo que estava validado (isto é, com vida) no plano do Direito interno. Decretar a morte de ser vivente é possível, tanto física (morte real) como juridicamen-te (morte presumida). Assim, feita a analogia, poderia (deveria) o Supremo Tribunal Federal brasileiro rever sua decisão anterior e invalidar a Lei de Anistia que validara anteriormente à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Tal é uma questão ainda em aberto na jurisprudência brasileira para a qual, até o presente momento, os tribunais pátrios (em es-pecial o STF) não têm dado resposta satisfatória. Para além disso, há também o caso contrário (que é de difícil resolução) de um tribunal interno invali-dar norma doméstica e, posteriormente, uma corte internacional validá-la.

14 Para detalhes, v. GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (Org.). Crimes da ditadura militar: uma análise à luz da jurisprudência atual da Corte Interamericana de Direitos Humanos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 336 p.

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Como ressuscitar algo que já foi declarado sem quaisquer efeitos? Trata-se de assunto complexo, especialmente à luz dos efeitos da coisa julgada, que (doravante) o Supremo Tribunal Federal brasileiro terá de enfrentar. Para nós, toda e qualquer decisão de tribunal internacional de direitos humanos há de ser cumprida pelo Poder Judiciário do Estado, que é longa manus des-te, independentemente de ser positiva ou negativa a decisão internacional relativamente à anterior decisão interna inconvencional.

A alegação de segurança jurídica sempre tem estado presente na ju-risprudência brasileira quando o pretendido é reavivar discussão já atingida pelos efeitos da coisa julgada, pelo que se vê ser, no mínimo, difícil que nova solução seja no Brasil empregada, ainda que necessária em se tratando de decisões internacionais contrárias às decisões internas inconvencionais. Este, em suma, ainda é um assunto em aberto.

2 PLaNO JUDICIaL

Não obstante muita coisa já ter sido dita quanto ao plano judicial da aplicação do Direito Internacional Público no Brasil, é chegado o momento de tecer outros detalhes sobre como se comporta a jurisprudência brasileira relativamente à aplicação do Direito Internacional no País.

Este tópico tem por finalidade verificar, seguindo o roteiro preestabe-lecido, o status atribuído ao Direito das Gentes na jurisprudência interna, bem assim os problemas de aplicação (e aceitação) das decisões internacio-nais no plano doméstico brasileiro.

2.1 quAl o eStAtuto AtrIbuído Ao dIreIto InternAcIonAl públIco pelA JurISprudêncIA?

O tema do estatuto atribuído ao Direito Internacional Público pela jurisprudência brasileira é, até os dias de hoje, bastante polêmico. Sobre ele os internacionalistas já discutem há mais de três décadas, desde 1977, quando foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal o Recurso Extraordinário nº 80.004/SE, em que ficou assentada, por maioria, a tese de que, ante a realidade do conflito entre o tratado e lei posterior, esta, porque expressão última da vontade do legislador republicano, deveria ter sua prevalência garantida pela Justiça15.

Esse posicionamento do Supremo Tribunal Federal, naquele ano, veio modificar seu anterior ponto de vista que apregoava o primado do Direito

15 V. Acórdão em Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 83, p. 809 e ss.

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Internacional frente ao ordenamento doméstico brasileiro. A nova posição da excelsa Corte brasileira, entretanto, enraizou-se de tal maneira que o Ministro Francisco Rezek, v.g., expressou, na ocasião, o entendimento de “prevalência à última palavra do Congresso Nacional, expressa no texto doméstico, não obstante isto importasse o reconhecimento da afronta, pelo país, de um compromisso internacional”. Tal, segundo ele, seria “um fato resultante da culpa dos poderes políticos, a que o Judiciário não teria como dar remédio”16. Em outras palavras, entendeu-se que o País deveria cumprir a lei interna contrária ao tratado, ainda que isso importasse em responsa-bilização do Estado no plano internacional, o que, sobretudo no momento atual, não é compreensível e, tampouco, jurídico.

Em suma, a conclusão a que chegou o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004/SE, foi a de que, dentro do sistema jurídico brasi-leiro, em que tratados e convenções guardam estrita relação de “paridade normativa” com as leis ordinárias editadas pelo Estado, a normatividade dos tratados internacionais permite, no que concerne à hierarquia das fontes, situá-los em mesmo plano e em mesmo grau de eficácia em que se posicio-nam as leis domésticas. Tal mereceu duras críticas da doutrina, em especial a de Celso de Albuquerque Mello, ao afirmar que “a tendência mais recente no Brasil é a de um verdadeiro retrocesso nesta matéria”, e complementa: “a decisão é das mais funestas, vez que o STF não viu a consequência do seu acórdão, que poderá influenciar os juízes nos mais diferentes locais do Brasil”17.

Não obstante, esse retrógrado posicionamento do Supremo Tribunal Federal, atualíssimas são as vozes a proclamar, no Brasil, a supremacia dos tratados internacionais (especialmente os de direitos humanos) frente às nor-mas do Direito interno, inclusive (em se tratando de direitos humanos) frente à própria Constituição da República18.

A par de todas as críticas existentes, entretanto, o certo é que com esse entendimento do STF a norma convencional passou a ser, no Brasil, considerada como tendo o mesmo status e valor jurídico que as demais disposições legislativas domésticas, pois a Constituição brasileira, ao tratar da competência da Suprema Corte, teria alocado (no art. 102, inciso III,

16 STF, Extradição nº 426, Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 115, p. 973 e ss.17 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:

Renovar, v. 1, 2004. p. 131.18 Para detalhes, cf. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais:

estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

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alínea b) os tratados internacionais ratificados pelo Estado no mesmo plano hierárquico das normas infraconstitucionais, aplicando-se, em caso de con-flito normativo, o princípio geral relativo às normas de idêntico valor, isto é, o critério cronológico de solução de antinomias normativas (lex posterior derogat priori). A interpretação que entende que o Brasil adota (ainda) a teoria da paridade normativa lê friamente o dispositivo citado, segundo o qual compete ao Supremo Tribunal Federal “julgar, mediante recurso ex-traordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. Neste final estaria a igualação dos tratados às leis federais… Mas é evidente que essa é uma interpretação simplória do Texto Constitucional, que não se coaduna com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil, tampouco com as regras da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969.

Para nós, a doutrina da excelsa Corte peca pela imprecisão19. De fato, admitir que um compromisso internacional perca vigência em virtude da edição de lei posterior que com ele conflite é permitir que um tratado possa, unilateralmente, ser revogado por um dos Estados-partes, o que não é per-mitido e tampouco compreensível à luz dos princípios mais basilares do Di-reito Internacional Público. Seria simples burlar todo o pactuado internacio-nalmente se, por disposições legislativas internas, fosse possível modificar essa normativa. Não raras vezes o objetivo de um tratado é o de justamente incidir sobre situações concretas que deverão ser observadas no plano in-terno dos Estados-partes, sobretudo em matéria de direitos humanos (aqui a finalidade do tratado é incidir diretamente no plano jurídico nacional para o fim de acrescentar ou ampliar a garantia de direitos).

Ao aprovar um tratado internacional, o Poder Legislativo se compro-mete a não editar leis que a ele sejam contrárias. Pensar de outra forma seria admitir a burla ao compromisso internacional, o que é capaz de responsa-bilizar o Estado no plano internacional. Aprovado o tratado pelo Congresso, e sendo este ratificado pelo Presidente da República, suas disposições nor-mativas, com a publicação do texto, passam a ter plena vigência e eficácia internamente. De tal fato decorre a vinculação do Estado no que atine à aplicação de suas normas, devendo cada um de seus Poderes cumprir a parte que lhes cabe nesse processo: ao Legislativo cabe aprovar as leis ne-cessárias, abstendo-se de votar as que lhe sejam contrárias; ao Executivo fica a tarefa de bem e fielmente regulamentá-las, fazendo todo o possível para o cumprimento de sua fiel execução; e ao Judiciário incumbe o papel

19 Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A opção do Judiciário brasileiro em face dos conflitos entre tratados internacionais e leis internas. Revista CEJ, Brasília, n. 14, p. 112-120, maio/ago. 2001.

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preponderante de aplicar as normas internacionais, afastando – no exercício do controle de convencionalidade – a aplicação de leis nacionais que lhes sejam contrárias.

Há também outro ponto que merece ser lembrado, relativo à questão da especialidade das leis no sistema jurídico brasileiro, da qual já se valeu o Supremo Tribunal Federal para dar prevalência, v.g., a certas normas de Direito interno (v.g. o Decreto-lei nº 911/1969, que permite a prisão civil do devedor em contratos de alienação fiduciária em garantia) sobre outras normas de Direito Internacional Público (v.g. a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que não permite, por sua vez, a prisão civil por infide-lidade depositária). Segundo a visão antiga da Suprema Corte brasileira – atualmente (após dezembro de 2004) já modificada –, a Convenção Ameri-cana sobre Direitos Humanos seria norma geral que não poderia ser modi-ficada pela norma especial a prever a prisão civil do devedor-fiduciante20.

Em suma, pode-se afirmar que, além do critério da lex posterior derogat priori, o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem também aplica-do o da lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, pelo qual algumas leis internas infraconstitucionais teriam prevalência sobre determi-nados tratados por serem especiais em relação a eles. Se, porém, possível a utilização desse argumento quando se trata de um tratado comum (que tem, segundo a Suprema Corte, nível de lei ordinária no Brasil), o mesmo não se pode dizer quando o conflito é entre tratado de direitos humanos e leis internas; os tratados de direitos humanos têm (desde dezembro de 2008) status supralegal no Brasil, segundo o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal21.

2.2 oS trIbunAIS recorrem Ao dIreIto InternAcIonAl públIco pArA AfAStAr A AplIcAção de normAS InternAS? Se SIm, em que cASoS? pode quAlquer JuIz reSolVer eSte tIpo de conflIto normAtIVo ou eStA é umA competêncIA ApenAS doS SupremoS trIbunAIS/trIbunAl conStItucIonAl?

Felizmente, tem sido cada vez mais constante o recurso ao Direito Internacional Público pelos tribunais brasileiros, especialmente em matéria de direitos humanos, para o fim de afastar a aplicação das normas internas contrárias ao Direito das Gentes. No momento atual, pode-se dizer que os

20 STF, Habeas Corpus nº 72.131-RJ, J. 23.11.1995. Sobre esse tema, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

21 STF, Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 03.12.2008, DJe 12.12.2008.

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juízes e tribunais brasileiros têm, sim, e cada vez mais, recorrido ao Direito Internacional Público para o fim de invalidar as normas internas inconven-cionais, apesar de não ser ainda ideal a frequência com que tal tem ocorrido no Brasil.

Um caso recente, julgado pelo Tribunal Superior do Trabalho, bem ilustra o que se está a dizer (ali se aplicou corretamente o Direito Interna-cional Público para invalidar norma interna menos benéfica ao trabalha-dor). Tratou-se do julgamento de um Recurso de Revista em que a 7ª Turma do TST, no exercício do controle difuso de convencionalidade, invalidou norma da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (menos protetiva ao trabalhador), aplicando as Convenções nºs 148 e 155 da Organização In-ternacional do Trabalho. O Ministro Relator (Cláudio Brandão) explicou no Acórdão que a opção prevista na CLT seria inaplicável devido à introdução na ordem jurídica brasileira dessas convenções internacionais do trabalho, as quais “têm status de norma materialmente constitucional ou, pelo me-nos, supralegal” no Brasil, como assentado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Segundo o Ministro Relator, a Convenção 148 da OIT “consagra a necessidade de atualização constante da legislação sobre as condições nocivas de trabalho”, e a Convenção nº 155 determina que sejam levados em conta os “riscos para a saúde decorrentes da exposição simul-tânea a diversas substâncias ou agentes”, razão pela qual a norma interna brasileira que impede a cumulação de adicionais de insalubridade e peri-culosidade (CLT, art. 193, § 2º) seria inconvencional e, portanto, inválida22.

Esse caso foi paradigmático no Brasil por aplicar o controle de con-vencionalidade da exata maneira como propugnamos há vários anos23, invalidando as normas internas menos benéficas (princípio pro homi-ne/pro persona) em razão da aplicação de convenções internacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte (e que, segundo a jurisprudên-cia do Supremo Tribunal Federal valem, no mínimo, mais que as normas infraconstitucionais)24.

No Brasil, a competência para resolver os conflitos entre tratados in-ternacionais e leis internas (tal não difere do controle difuso de constitucio-nalidade) cabe a qualquer juiz ou tribunal, não sendo atividade privativa

22 TST, Recurso de Revista nº 0001072-72.2011.5.02.0384, Acórdão 1572/2014, 7ª T., Rel. Min. Cláudio Brandão, disponibilizado em 02.10.2014.

23 Referência ao nosso nome foi feita quatro vezes no Acórdão do TST.24 Para detalhes, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira; FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Incorporação e

aplicação das convenções internacionais da OIT no Brasil. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, a. 81, n. 4, p. 214-225, out./dez. 2015.

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dos tribunais superiores ou exclusiva da Suprema Corte. Quando, porém, a decisão final sobre a matéria couber ao Supremo Tribunal Federal, ha-verá efeito erga omnes e vinculante – relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública direta e indireta, nas esferas fe-deral, estadual e municipal – se a medida for tomada em sede de contro-le abstrato de normas (controle de constitucionalidade/convencionalidade concentrado)25.

2.3 oS trIbunAIS AdmItem AfAStAr A AplIcAção de normAS InternAcIonAIS com fundAmento nA SuA InconStItucIonAlIdAde/IlegAlIdAde?

A Constituição brasileira de 1988 contém dispositivo que diz compe-tir ao Supremo Tribunal Federal “julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 102, inciso III, alínea b). Não obstante todas as críticas da doutrina a esse dispositi-vo, no sentido de ter a Constituição se equivocado no uso da expressão “inconstitucionalidade de tratado”, pois não é propriamente o tratado que é declarado inconstitucional, senão a espécie de Direito interno (no caso brasileiro, o Decreto Legislativo) responsável pela sua aprovação26, o certo é que tal tem levado o Poder Judiciário no Brasil a admitir o afastamento da aplicação de normas internacionais com fundamento em sua inconstitucio-nalidade. Admite-se, portanto, no Brasil, no seio do Poder Judiciário, não obstante as severas críticas doutrinárias a esse expediente, o afastamento de normas internacionais com fundamento em sua inconstitucionalidade; evidentemente que tal não é juridicamente correto, pois o tratado é fruto de um engajamento internacional entre Estados (ou entre estes e organizações internacionais ou, ainda, entre organizações internacionais) e não criação unilateral de qualquer Nação.

Apesar de se admitir no Brasil a declaração da inconstitucionalidade de tratados, quase não se tem notícia de que os tribunais declaram propria-mente “inconstitucional” uma norma convencional na prática (especialmen-te o Supremo Tribunal Federal). De qualquer sorte, registre-se novamente a

25 Constituição brasileira de 1988, art. 102, § 2º: “As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

26 Nesse sentido, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público..., p. 331; CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 142; e MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional: o controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 210-211.

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incorreção de se dizer ser inconstitucional determinado tratado; a incons-titucionalidade pode recair sobre o ato interno aprobatório do instrumento internacional, jamais sobre o tratado mesmo. Daí por que há países, como a Holanda, em que os juízes estão proibidos de controlar a constitucionalida-de de um tratado em vigor (Constituição da Holanda, art. 120)27.

2.4 oS JuízeS recorrem Ao prIncípIo dA InterpretAção conforme (V.g. em cASo de conflIto entre normAS InternAS e normAS conStItucIonAIS)? Se SIm, que pArâmetro utIlIzAm: o nAcIonAl ou o InternAcIonAl?

No Brasil, apenas teoricamente se defende (talvez os únicos autores a defender esse ponto de vista sejamos nós) a imperatividade de se interpretar as normas do Direito interno conforme o Direito Internacional Público (em especial, o Direito Internacional dos Direitos Humanos)28. No que tange ao plano do Direito Constitucional, nada há de se acrescentar; a interpretação conforme o Texto Constitucional é medida impositiva a todos os juízes e tribunais reconhecida pela jurisprudência do STF, pois no Brasil se admite o controle de constitucionalidade difuso a ser exercido por qualquer juiz ou tribunal nacional. O que se faz necessário é, nesse mesmo sentido, proceder à interpretação conforme tendo como paradigma o Direito Internacional Público (em especial o Direito Internacional dos Direitos Humanos).

Assim, não há dúvida de que os juízes e tribunais brasileiros se uti-lizam da interpretação conforme, porém tendo como paradigma apenas o direito nacional (constitucional); em especial, o Supremo Tribunal Federal tem se utilizado da técnica da interpretação conforme em inúmeros julga-mentos, fazendo-o, como se disse, relativamente apenas ao Texto Constitu-cional. Acredita-se, contudo, que não tardará compreenderem os juízes e tribunais brasileiros que – ao menos no que toca aos tratados internacionais de direitos humanos – as normas internas devam ser interpretadas de acordo com a Constituição e também com aqueles instrumentos (tratados) que o Supremo Tribunal Federal (cf. Recurso Extraordinário nº 466.343/SP) alocou acima de toda a legalidade infraconstitucional.

Seja como for, o certo é que até o presente momento (abril de 2016) não se tem notícia de que juízes e tribunais nacionais tenham se utilizado de outro paradigma de interpretação conforme que não o Texto Constitucional.

27 Verbis: “The constitutionality of Acts of Parliament and treaties shall not be reviewed by the courts”.28 V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direitos humanos. 2. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Método,

2015. p. 35-37.

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2.5 que tIpo de forçA é AtrIbuídA Ao dIreIto InternAcIonAl públIco nA InterpretAção do dIreIto nAcIonAl?

Pela tradicional jurisprudência brasileira, datada do final da década de 1970 (cf. Recurso Extraordinário nº 80.004/SE), quaisquer tratados in-ternacionais que não sejam de direitos humanos, ou seja, quaisquer atos internacionais comuns ratificados e em vigor no País, guardam nível de lei ordinária no Brasil (são, portanto, equiparados às leis federais). A partir de então, firmou-se, no Brasil, aquilo que viria a ser conhecido como “critério paritário” ou da “paridade normativa”, que equipara os tratados internacio-nais em vigor (em princípio, quaisquer que sejam) às leis ordinárias editadas pelo Estado.

Porém, com a evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Fe-deral, a partir do final de 2004 (cf. Recurso Extraordinário nº 466.343/SP), os tratados de direitos humanos (e somente eles) foram alçados ao nível supralegal no Brasil, conforme o voto do Ministro Gilmar Mendes, segui-do pela maioria dos membros da Corte; os tratados internacionais comuns continuaram – tanto na jurisprudência antiga do STF como em sua nova roupagem – alocados ao nível das leis ordinárias, sem embargo da insistên-cia da doutrina especializada de que deveriam guardar, no mínimo, status supralegal no País (e, os tratados de direitos humanos, nível constitucional; um grau acima, portanto, do que alocou o STF)29.

A igualação dos tratados (comuns) às leis ordinárias federais fez com que, no Brasil, o Direito Internacional Público perdesse força expressiva na interpretação do Direito nacional. De fato, como os tratados têm – segun-do a jurisprudência brasileira – a mesma hierarquia das leis, não haveria motivo de as normas internas serem interpretadas tendo como paradigma o Direito Internacional Público. Veja-se, portanto, o prejuízo para a aplicação do Direito das Gentes no Brasil decorrente dessa interpretação jurispruden-cial, que faz tabula rasa do Direito Internacional Público geral. Exceção, repita-se, é feita apenas no que tange aos tratados de direitos humanos, que têm nível supralegal (via entendimento jurisprudencial) no Brasil.

Na prática judiciária brasileira atual, verdade seja dita, a força que tem o Direito Internacional Público (diga-se, o Direito Internacional comum, à exceção do Direito Internacional dos Direitos Humanos) na interpretação

29 Para um estudo detalhado do tema, v. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público..., p. 406-419 (em que são minuciosamente analisadas a teoria paridade normativa e as críticas a essa construção).

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do Direito nacional é zero ou próxima a essa margem. O Poder Judiciário brasileiro interpreta o Direito interno sempre à luz da Constituição Federal, deixando de fazê-lo (até o momento) com base no Direito Internacional Público.

2.6 oS JuízeS (conStItucIonAIS ou ordInárIoS) utIlIzAm o dIreIto InternAcIonAl doS dIreItoS humAnoS como pArâmetro pArA declArAr A InconStItucIonAlIdAde de normAS legISlAtIVAS?

Como se disse no item anterior, o Poder Judiciário brasileiro não tem se utilizado do Direito Internacional geral na interpretação do Direito interno, usando como paradigma de controle tão somente a Constituição Federal. Contudo, no que tange especificamente ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, e pelo menos nesse âmbito, já se pode dizer que a situação é positiva; nesse âmbito, a situação brasileira tem mudado, espe-cialmente nos últimos tempos e dada a nova composição dos Ministros do Supremo Tribunal Federal nos últimos quinze anos. De fato, a partir da aber-tura do Texto Constitucional brasileiro ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, em especial com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 45/2004, o controle de convencionalidade – tendo como paradigma es-pecialmente (mas não só) a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – passou a ser cada vez mais utilizado pelo Poder Judiciário brasileiro.

Não é correto, contudo, dizer que os juízes e tribunais nacionais, no exercício do controle de convencionalidade, declaram a “inconstitucionali-dade” de normas legislativas, como faz crer a indagação. O que se declara (doravante) é a “inconvencionalidade” dessas normas, que podem, até mes-mo, continuar sendo “constitucionais” (e muitas vezes são); declara-se a sua incompatibilidade com os direitos (mais benéficos) previstos nos tratados de direitos humanos, ainda que a sua constitucionalidade (menos benéfica) seja integralmente mantida. Tal significa que as leis vigentes – que passaram pelo processo constitucional de elaboração – podem ser declaradas inváli-das no Brasil pelo exercício do controle de convencionalidade, quando en-tão é possível declarar inconvencional uma norma sobrevivente ao controle de constitucionalidade (portanto, constitucional). Assim, tem-se uma norma vigente, porém inválida30.

30 Sobre a diferença ente vigência e validade das leis, v. FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantías: la ley del más débil. Trad. Perfecto Andrés Ibáñez e Andrea Greppi. Madrid: Trotta, 1999. p. 15 e ss.; e GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito supraconstitucional: do absolutismo ao Estado Constitucional e Humanista de Direito. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 122 e ss.

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Os juízes e tribunais nacionais já começam a entender essa nova ló-gica, que têm nos tratados de direitos humanos o seu referencial ético pri-meiro; já se começa a entender que as normas mais benéficas dos tratados de direitos humanos prevalecem sobre as menos benéficas do ordenamento interno, ainda que se trate de normas constitucionais. O que se deve visar é o “diálogo das fontes” (para falar como Erik Jayme) e não a prevalência de uma sobre a outra quando se trata de direitos humanos; daí por que sempre a mais benéfica norma há de prevalecer no exercício do controle de con-vencionalidade. Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto outros tribunais superiores (como, v.g., o Tribunal Superior do Trabalho) já têm declarado inválidas normas internas consideradas “constitucionais”, realizando (corre-tamente) o controle de convencionalidade das leis. A tendência, portanto, no Brasil de hoje, é que a jurisprudência avance cada vez mais nesse ca- minho.

2.7 houVe AlgumA derrogAção do mAndAto conStItucIonAl AtrIbuído AoS JuízeS nAcIonAIS decorrente dA neceSSIdAde de reSpeItAr o dIreIto InternAcIonAl públIco?

Não é da tradição brasileira limitar os juízes nacionais em sua com-petência decisória em razão da necessidade de se aplicar qualquer norma-tiva internacional em vigor no Estado, mesmo em se tratando de normas de direitos humanos ou normas imperativas de Direito Internacional Público. Quanto a este ponto não há qualquer discussão judiciária no País. Os esfor-ços para que o Direito Internacional Público seja diretamente aplicado no Brasil, e respeitado como tal, com potencialidade para derrogar, inclusive, o mandato constitucional atribuído aos juízes, ainda não suplantaram as necessárias fronteiras, não obstante a insistência da doutrina a respeito. Na prática, portanto, nenhuma derrogação do mandato constitucional atribuído aos juízes se operou no Brasil (até o presente momento) como consequên-cia de se respeitar o Direito Internacional Público e, tampouco, está à vista uma tal derrogação, especialmente à luz da estrutura (hermética) do sistema constitucional brasileiro, que não abre mão das atribuições dos juízes pre-vistas na Constituição.

2.8 nA prátIcA (lAw In ActIon) o trAtAmento JudIcIAl AtrIbuído Ao dIreIto InternAcIonAl públIco reflete A SuA poSIção que A conStItuIção/legISlAção lhe AtrIbuI nA hIerArquIA de fonteS InternAS (lAw In the bookS)?

Há uma crise histórica, no Brasil, relativa à aplicação do Direito In-ternacional Público pelo Poder Judiciário, aplicação essa que não reflete a

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posição que as normas internas (especialmente a Constituição) atribuem ao Direito das Gentes na hierarquia das fontes. Em um caso específico (o da prisão civil por dívida do depositário infiel, decidido no Recurso Extraordi-nário nº 466.343-SP, já citado), o Supremo Tribunal Federal alocou o Direi-to Internacional relativo a direitos humanos no nível supralegal, enquanto que, em outro (o da Ação Penal nº 470 ou caso “Mensalão”), a mesma Suprema Corte fez sobrepor o Código de Processo Penal à Convenção Ame-ricana sobre Direitos Humanos (o mesmo tratado que, anos antes, alocou no nível supralegal) para exigir que réus que não detinham foro por prer-rogativa de função fossem julgados conjuntamente pelo tribunal (violando a regra do “duplo grau de jurisdição” prevista na Convenção Americana)31. Esse é apenas um exemplo para demostrar que não há uniformidade na aplicação do Direito Internacional Público pela Suprema Corte brasileira. Daí a crítica (antiga) da doutrina de que compreender a verdadeira posição do STF relativa às relações entre o Direito Internacional e o Direito interno é um “exercício de ecletismo”32.

Portanto, a law in action é, no Brasil, muito distinta da law in the books, não estando à vista qualquer uniformização jurisprudencial, em especial no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que age nas ações do controle abstrato de constitucionalidade provocado por legitimados especí-ficos previstos na Constituição (rol constante do art. 103 da Constituição de 1988, como o Presidente da República, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político com representação no Congresso Nacional etc.); não é demais destacar que essa provocação em sede abstrata tem sido rara (entenda-se: para rogar à Corte a aplicação do Direito Internacional Público em detrimento da legislação interna). Sobraria a apreciação difusa da constitucionalidade, em que a Su-prema Corte serve, no mais das vezes, de instância recursal das decisões tomadas por tribunais inferiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Su-perior do Trabalho, Tribunais Regionais Federais, juízes federais e estaduais singulares etc.); ao menos nesta seara a fiscalização da aplicação do Direito Internacional tem sido mais constantemente requerida (ainda assim, abaixo do desejável). Porém, tanto nesses casos quanto naqueles em que o STF é instância única (v.g., nas ações penais originárias para réus com foro por prerrogativa de função ou réus atingidos pela conexão processual penal), não tem havido qualquer uniformidade na aplicação do Direito Internacio-

31 STF, Ação Penal nº 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 17.12.2012, DJe 74 22.04.2013.32 DOLINGER, Jacob. As soluções da Suprema Corte brasileira para os conflitos entre o direito interno e o direito

internacional: um exercício de ecletismo. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 334, p. 71-107, abr./jun. 1996.

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nal Público perante a Corte Suprema; e não há precedentes que se possam dizer seguidos pela Corte em matéria de aplicação do Direito Internacional Público. Daí o esforço da doutrina em balizar a aplicação do Direito das Gentes no âmbito da Suprema Corte brasileira.

2.9 quAl A frequêncIA dAS referêncIAS JudIcIAIS Ao dIreIto InternAcIonAl públIco? AS referêncIAS São SubStAntIVAS ou merAmente Ad AbundAntIAm?

Se se tomar como base as decisões dos juízes singulares (estaduais e federais), é possível perceber a baixa (baixíssima) incidência das referências ao Direito Internacional Público nos diversos julgamentos; a situação não é diferente no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados, bem assim no dos cinco Tribunais Regionais Federais existentes no País. Tanto nos jul-gamentos singulares quanto no dos tribunais de segunda instância não se veem com frequência referências ao Direito Internacional Público. Quando as referências existem, não se faz, como deveria ser, uma análise exaustiva da norma referida, senão apenas sua citação seca, como mero meio de afir-mação da norma interna referenciada.

As referências ao Direito Internacional Público são mais constantes nos tribunais superiores brasileiros, em especial no Supremo Tribunal Fe-deral, no Superior Tribunal de Justiça e no Tribunal Superior do Trabalho. O STF tem se valido do Direito Internacional especialmente em matéria de direitos humanos, realizando citações constantes (especialmente a partir de 2008) à Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Como já se falou, o STF, em dezembro de 2008, alocou a Convenção Americana no nível supralegal no Brasil33, tendo, porém, depois, como também já se disse, ti-tubeado, fazendo prevalecer o Código de Processo Penal à Convenção, no julgamento do caso conhecido como “Mensalão”34. Seja como for, porém, o certo é que o STF tem aplicado o Direito Internacional Público, em espe-cial o relativo a direitos humanos, ainda que aquém do desejável; também outros tratados (que versam temas não afetos a direitos humanos) têm sido utilizados pelo STF nos julgamentos, como, v.g., os relativos à extradição, ao transporte aéreo, à matéria tributária, entre outros. Da mesma forma, o Tri-bunal Superior do Trabalho, já se viu, vem aplicando com maior frequência o controle de convencionalidade, especialmente para fim de atualizar a le-gislação sobre as condições nocivas de trabalho e prevenir os riscos para a

33 STF, Recurso Extraordinário nº 466.343/SP, Rel. Min. Cezar Peluso, J. 03.12.2008, DJe 12.12.2008.34 STF, Ação Penal nº 470, Rel. Min. Joaquim Barbosa, J. 17.12.2012, DJe 74 22.04.2013.

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saúde decorrentes da exposição simultânea do trabalhador a diversas subs-tâncias ou agentes35.

Não se pode dizer haver referências substantivas ao Direito Inter-nacional Público no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, senão apenas citações textuais de normas internacionais esparsas como reforço ao fun-damento exarado nas sentenças (dos juízes) ou acórdãos (dos tribunais). Exceção deve ser feita principalmente ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior do Trabalho, como se disse. O Superior Tribunal de Jus-tiça, apesar de também, e cada vez mais, referir a normas internacionais em seus julgamentos, o faz ainda muito aquém do necessário. Basta uma rápida mirada na sua página web para perceber que são parcas as citações de normas internacionais nos respectivos acórdãos. Seja como for, repita--se mais uma vez, o Poder Judiciário brasileiro vem experimentando um crescente de aplicação efetiva de normas internacionais e do controle de convencionalidade, especialmente após a reforma constitucional de 2004, que acrescentou o § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, exaltando os tra-tados internacionais de direitos humanos com possibilidade de equivalerem às emendas constitucionais36.

2.10 A JurISprudêncIA doS trIbunAIS InternAcIonAIS proVocou AlgumA InVerSão JurISprudencIAl releVAnte?

Tal indagação é curiosa no Brasil, especialmente por ter ocorrido no País fenômeno exatamente contrário. A jurisprudência da Corte Intera-mericana de Direitos Humanos é firme em considerar inconvencional (e, portanto, inválida) as leis de anistia editadas pelos Estados que garantem impunidade àqueles que cometeram crimes em nome da ditadura no con-texto latino-americano37. Como se viu no item 1.4, supra, essa decisão in-ternacional provocou alteração legislativa relevante no Brasil a partir da sua prolação, tendo sido editada a Lei nº 12.528/2011 que criou a “Comissão da Verdade”, a qual, como também já se disse, tem por objetivo “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no perío-do fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a

35 TST, Recurso de Revista nº 0001072-72.2011.5.02.0384, Acórdão 1572/2014, 7ª T., Rel. Min. Cláudio Brandão, disponibilizado em 02.10.2014.

36 Verbis: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

37 Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil, Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, sentença de 24.11.2010, Série C, nº 219.

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reconciliação nacional” (art. 1º). No que tange, porém, à jurisprudência na-cional, a situação é exatamente inversa, uma vez que o Supremo Tribunal Federal (até o presente momento) tem relutado em respeitar a decisão da Corte Interamericana e rever a sua jurisprudência em favor da decisão inter-nacional. Isso tem feito com que o Ministério Público Federal provoque o Poder Judiciário (instância de primeiro grau) para, em sede recursal, atingir o Supremo Tribunal Federal (pela via do Recurso Extraordinário, passan-do, antes, pelo Tribunal Regional Federal respectivo, em nível de apelação, e, eventualmente, pelo Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial, segundo a mecânica constitucional vigente) com vistas à futura alteração de sua jurisprudência. Trata-se de um caminho tortuoso que po-deria ser abreviado se o próprio STF reconhecesse o seu dever de adequar a decisão anterior à jurisprudência pacificada da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Fora esse caso de efeito contrário, desconhece-se, no Brasil, inversão jurisprudencial de relevo decorrente do impacto interno da jurisprudência de tribunais internacionais.

2.11 que efeItoS São AtrIbuídoS àS decISõeS doS trIbunAIS InternAcIonAIS? em cASo AfIrmAtIVo, oS trIbunAIS nAcIonAIS eStão obrIgAdoS A SeguIr eSSAS decISõeS meSmo quAndo AS meSmAS forAm proferIdAS em cASoS que enVolVem eStAdoS terceIroS?

No Brasil, tal indagação pode apenas ser respondida em sede doutri-nária, pelo que já se adianta a análise que caberia ao item 4, infra. Não há, de fato, no plano jurisprudencial brasileiro, resposta ao questionamento, senão apenas em nível teórico. No plano doutrinário, não há dúvidas deve-rem os tribunais pátrios seguir a jurisprudência internacional mesmo quan-do essa diga respeito a Estados terceiros. Nesse caso, a decisão internacional não valeria como res judicata, senão como res interpretata, também com valor jurídico no plano interno. Respeitar-se-iam, assim, os precedentes dos órgãos internacionais dos quais o País é parte. Se, porém, se analisa a ques-tão à luz estrita da jurisprudência, como requer o tópico em exame, não há resposta à questão que não seja negativa, uma vez que no Brasil as decisões dos tribunais internacionais não têm merecido o devido respeito por parte dos juízes e tribunais internos. Há enorme dificuldade, no País, em seguir o que estabelece a Corte Interamericana de Direitos Humanos, em especial quando a decisão dessa última é contrária às decisões da Suprema Corte. Muitos juízes, por sua vez, preferem seguir a jurisprudência interna (do STF) em vez de fazerem valer as decisões da Corte Interamericana, mesmo quan-

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do a sentença internacional diz respeito diretamente ao Brasil. Há, como se vê, um apego às normas internas (ou, para ser brando, uma dificuldade de aplicação do Direito Internacional), que dificulta a aceitação da jurispru-dência internacional.

No plano da jurisprudência internacional, é firme o entendimento de que hão de valer para terceiros Estados (como res interpretata) as decisões emanadas dos tribunais internacionais de direitos humanos, como vem afir-mando a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos38.

3 PLaNO DOUtrINÁrIO

Nos tópicos anteriores (itens 1 e 2, supra) estudou-se os planos cons-titucional e judicial relativos à aplicação do Direito Internacional Público no Brasil. Percebeu-se haver divergência entre o que entende a Constituição e o que decidem os tribunais nacionais. Já no plano doutrinário a questão é mais assente, espelho da vontade crescente de uniformizar o tema no Brasil. É evidente, contudo, que, quando se está a falar em “doutrina”, se quer referir àquela verdadeiramente internacionalista, àquela completa, não a parcial, que só se dedica a temas parcos (quando não repetitivos) dessa disciplina. Doutrina completa é a que versa com profundidade todos os te-mas do programa da matéria, desde os fundamentos, fontes, sujeitos, além dos temas especiais, como, v.g., a proteção internacional dos direitos huma-nos, o direito internacional do meio ambiente, o direito internacional penal, o direito internacional do trabalho, findando com o estudo da guerra e da neutralidade (passando, inclusive, pelo tema atualíssimo do terrorismo); é a doutrina que, ao estudar os sujeitos do Direito Internacional Público, v.g., se dedica em profundidade à compreensão da inserção internacional do Esta-do, seus órgãos nas relações exteriores e suas responsabilidades; é a que, ao versar as organizações internacionais, compreende o seu funcionamento e suas especificidades, detalhando uma a uma das principais existentes; e que ao estudar os indivíduos analisa à exaustão a nacionalidade e a condição jurídica do estrangeiro, com todas as suas nuances e particularidades. Dou-trina completa é, enfim, a que vence com êxito todo o programa da matéria sem deixar margem a dúvidas, não a que se mantém ao entorno de temas específicos, como, v.g., o relativo aos direitos humanos.

38 Sobre o tema, v. MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. Eficacia de la sentencia interamericana y la cosa juzgada internacional: vinculación directa hacia las partes (res judicata) e indirecta hacia los Estados parte de la Convención Americana (res interpretata) – Sobre el cumplimiento del Caso Gelman Vs. Uruguay. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, 19º año, Bogotá: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2013, p. 607-638.

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O que se acabou de dizer justifica que apenas a doutrina integral (completa) é capaz de fornecer respostas às questões elencadas neste inven-tário de indagações; apenas ela pode responder a contento o estado da arte da aplicação do Direito Internacional Público em cada País. Esperamos ter realizado o estudo integral de que se fala39, motivo pelo qual, guardadas a brevidade e as limitações impostas neste espaço, ali também se vai funda-mentar as respostas às dúvidas deste questionário.

3.1 quAl é A poSIção dA doutrInA Sobre A InSerção do dIreIto InternAcIonAl públIco nA hIerArquIA de fonteS de dIreIto Interno?

Sem pretender dispender páginas e páginas de explicação sobre o tema, basta aqui dizer que se entende na doutrina ser o Direito Internacio-nal Público geral (no mínimo) supralegal no País; todo o Direito das Gen-tes guardaria nível supralegal no Brasil, diferentemente do que entende do Supremo Tribunal Federal, para o qual apenas o Direito Internacional dos Direitos Humanos guardaria essa hierarquia normativa no plano do Direito interno. Assim, o Direito Internacional Público guarda, no mínimo, nível supralegal no País, e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, nível constitucional; esse último nível é abstraído da interpretação do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual os direitos e as garan-tias previstos na Constituição “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais [entenda-se, de direitos humanos] em que a República Federativa do Brasil seja par-te”. Segundo interpretação doutrinária desse dispositivo, a Constituição do Brasil promoveu nítida abertura para o ingresso válido (e imediato) no Di-reito interno do Direito Internacional dos Direitos Humanos, alçando os tratados internacionais respectivos ao status de normas constitucionais40.

Assim, muito claramente, a doutrina brasileira entende ser o Direito Internacional Público geral de estatura supralegal, e o Direito Internacional dos Direitos Humanos de estatura constitucional. Essa doutrina a que se refere é a internacionalista, evidentemente; é aquela comprometida e não preocupada em apenas repetir a posição da jurisprudência.

39 Obra citada na nota nº 5, supra.40 V. LAFER, Celso. A internacionalização dos direitos humanos: Constituição, racismo e relações internacionais.

São Paulo: Manole, 2005. p. 17-18. Nesse exato sentido, v. a lição de PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 12. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 104, para quem “ao prescrever que ‘os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais’, a contrario sensu, a Carta de 1988 está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos. [...] Os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil é parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados”.

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3.2 orgAnIzAçõeS regIonAIS como o mercoSul ou unASul São obSerVAdAS como tendo umA nAturezA e ImpActo dIferenteS de outrAS orgAnIzAçõeS InternAcIonAIS? A trAnSferêncIA de competêncIAS pArA eSte tIpo de orgAnIzAção é perSpectIVAdA como mAIS problemátIcA do que A efetuAdA pArA orgAnIzAçõeS InternAcIonAIS de cArIz unIVerSAl?

Organizações internacionais caracterizam-se, de modo geral, por ter sua competência e escopo de ação limitados, não raramente restringidos a temas técnicos, com a finalidade de criar condições favoráveis para a co-operação na solução padronizada de desafios comuns, não equacionados por meio de negociações bilaterais.

Por outro lado, organizações regionais, a exemplo do Mercosul ou da Unasul, possuem escopo abrangente, denotando a vontade dos Estados--membros de buscar maior integração e atuação concertada. No entanto, diferentemente da União Europeia, cuja estrutura se assemelha a uma fe-deração sui generis de Estados independentes, os demais blocos regionais atuam, grosso modo, como órgãos coletivos, subordinados à vontade de seus partícipes.

Tendo em conta o seu escopo mais abrangente de atuação, parece natural haver maior resistência dos Estados-membros em delegar competên-cias e prerrogativas, sujeitando parte de sua soberania à eventual discricio-nariedade de decisões não consensuais de um organismo regional.

Em uma perspectiva realista, as assimetrias de poder costumam tor-nar-se mais evidentes na atuação de organizações internacionais de cará-ter universal. Nesse sentido, países periféricos possuem menor espaço para contestação. Com base nesse entendimento, pode-se inferir que em organi-zações regionais haveria uma maior igualdade qualitativa entre os membros, enquanto que as de caráter universal estariam mais sujeitas às desigualdades quantitativas reinantes entre os Estados.

3.3 o dIreIto dAS orgAnIzAçõeS regIonAIS (V.g., orgAnIzAção doS eStAdoS AmerIcAnoS, mercoSul e unASul) é obSerVAdo como umA “eSpécIe” de dIreIto InternAcIonAl ou é entendIdo como um dIreIto de cArIz SuprAnAcIonAl?

É pacífico na doutrina brasileira serem os atos unilaterais de orga-nizações internacionais fontes formais do Direito Internacional Público41. Assim, ao ter competência expressa de produzir normas jurídicas no plano

41 V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público..., p. 166 e ss.

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internacional, capazes de estabelecer direitos e obrigações aos Estados na-cionais, é razoável supor que, a depender do seu alcance jurídico, o direito das organizações regionais esteja plenamente inserido no plano do Direito Internacional Público. Contudo, não entende a doutrina nacional serem as organizações regionais (v.g., Mercosul e Unasul) do Continente Americano – diferentemente do que se dá no âmbito da União Europeia – direito de cariz supranacional, uma vez que não há cessão de competências legislati-vas dos Estados-membros para um órgão supranacional regional capaz de aprovar regulamentos e diretivas a serem aplicados uniformemente (e com primazia) em todo o respectivo espaço geográfico.

O entendimento doutrinário, em suma, relativo, v.g., ao Mercosul, é no sentido de se tratar de instituição intergovernamental, não supranacional como é (unicamente, até o momento) a União Europeia, em que, como se disse, há cessão de competências internas para o órgão supranacional42.

CONCLUSÃO

Ao cabo desta exposição teórica é possível concluir que os dois pri-meiros níveis de indagação colocados (constitucional e judicial) têm em comum a ausência de um critério ou fio condutor uniformes no trato da aplicação do Direito Internacional Público no Brasil. Tanto as previsões constitucionais não são uniformemente aplicadas pela jurisprudência bra-sileira, quanto esta última não soluciona solidamente os problemas que a Constituição deixou de expressamente consagrar (exemplo disso é a tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos, não expressamente pre-vista no universo jurídico brasileiro). Exceção relativa à uniformidade cabe tão somente, e, mesmo assim, com limites, à doutrina; esta tem pretendido uniformizar o entendimento de como se deve aplicar o Direito Internacional Público no Brasil, em especial o Direito Internacional convencional (e, mais especificamente ainda, o Direito Internacional relativo a direitos humanos). Para a doutrina internacionalista – aquela completa de que se falou – quais-quer tratados internacionais detêm nível supralegal no País, não somente os de direitos humanos; estes últimos estariam em um nível ainda acima, o das normas constitucionais. Porém, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem alocado os tratados comuns no plano da legislação ordinária e os de direitos humanos (não internalizados por maioria qualificada, segun-do a regra do art. 5º, § 3º, da Constituição) no plano supralegal; somente os

42 Cf. LAMBERT, Jean-Marie. Curso de direito internacional público: O Mercosul em questão. Goiânia: Kelps, v. IV, 2002. p. 351-352.

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instrumentos de direitos humanos aprovados por três quintos dos votos dos membros de cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, serão “equi-valentes” às emendas constitucionais (a partir de sua ratificação e entrada em vigor no País). Tal demonstra que a jurisprudência brasileira está passos atrás da doutrina, o que não significa que os avanços jurisprudenciais dos últimos tempos (em especial em matéria de aplicação dos tratados de direi-tos humanos e de controle de convencionalidade) não mereçam elogios, notadamente se se leva em conta que o Brasil, até bem pouco tempo, ainda adotava o critério “paritário” para os conflitos entre leis internas e todo e qualquer tratado internacional, fosse ou não de direitos humanos.

O que ainda falta no Brasil (infelizmente) é a devida compreensão da importância que tem a boa aplicação do Direito Internacional Público no plano do Direito interno. Em um país em que a Constituição consagra uma gama enorme de direitos e garantias, em especial no grande rol do conhe-cido art. 5º, parece, a priori, não se justificar aplicar uma norma “estranha” (nada de estranho, porém, há em uma norma internacional publicada no Diário Oficial da União, e, anteriormente, aprovada pelo Parlamento e ra-tificada pelo Presidente da República) que aparentemente não garante mais que o estabelecido pelo próprio Texto Constitucional, este, por sua vez, mais conhecido (e, portanto, mais aplicado) pelos juízes e tribunais inter-nos. Nada mais equivocado do que pensar assim. Não só os tratados inter-nacionais hão de ser internamente (e diretamente) aplicados, senão também os costumes internacionais (e os exemplos práticos já começam a aparecer, como, v.g., os relativos aos casos de imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade e os cometidos durante o regime militar no Brasil); além disso, a jurisprudência internacional tem, cada vez mais, estabelecido parâmetros de aplicação das normas internacionais e internas especialmente em ma-téria de direitos humanos, seja para o Estado em causa, seja para Estados terceiros, quando então valerá como res interpretata. Assim, é premente que se compreenda, no Brasil, a importância que tem o Direito Internacional Público geral no plano do Direito interno, não somente os tratados, senão a generalidade do Direito das Gentes. Todo o conjunto do Direito Interna-cional Público tem de ser aplicado uniformemente pelo Poder Judiciário, que necessita, entretanto, conhecer suas normas e jurisprudência e estar preparado (juridicamente) para aplicá-las.

rEFErÊNCIaS

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Seção Especial – Doutrina Estrangeira

Coded for Export!

The Contextual Dimension of the Brazilian Marco Civil da Internet

OSVALDO SALDÍAS1

Alexander von Humboldt Institute for Internet & Society, Berlin. Autor convidado

During April 2014, the Brazilian Civil Rights Framework for the Internet, also known by its name in Portuguese “Marco Civil da Internet” (hereinafter Marco Civil), was established in the midst of the global Internet Governance conference NET Mundial held in Sao Paulo.

Being a framework, Marco Civil aims to regulate at least three critical fields of Internet law & politics: data protection, net neutrality and freedom of speech. The reason for regulating them together is the will of securing citizens’ rights and the civil coexistence of users and providers. Such a holistic approach is rare in the global context, and it is not surprising that it got worldwide attention. In addition, it did not take long until key actors on the political stage began demanding that Marco Civil be used as a model for the region and even for the world. For many policy-makers and activists Marco Civil is appealing. Be it because of its encompassing approach, be it because it was not an industrialized country that promoted it. As I show in this article, Marco Civil gives the impression of being coded for export, even though its origins are very local and idiosyncratic. The regional and global appeal of Marco Civil requires that we ask whether Marco Civil is suited for being diffused across South America. However, although the initiative started in 2007, there seems to be no reflection about the external or transnational dimension of Marco Civil. For those who believe that the context of a given legal arrangement can decisively influence law, the quest for an external or comparative dimension of law is crucial. Conversely, some observers do not consider the context as too relevant for the law to unveil its effects. The latter usually assume that what really matters is the text of the law. Closely related to such a perspective, is the assumption that legal problems are very

1 This article stems from a lecture given by the author at the Brazilian Institute for Public Law (IDP, at the international seminar “Marco Civil da Internet: Direito, Inovação e Tecnologia”. The article benefited from valuable comments of the audience, as well as from the critical feedback given by Prof. Dr. Ingolf Pernice, Rüdiger Schwarz and Dr. Ulrike Höppner. All errors are exclusively mine.

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similar across regions, and that there is a similar solution for problems that are similar. This is the so-called praesumptio similitudinis, an assumption that has promoted functional legal solutions throughout the world2.

The perspective this article puts forwarded assumes that the context matters. The context determines much of the law’s efficacy, and the external or transnational dimension of Marco Civil cannot be understood without contextual elements. In doing so, it makes a first attempt to sketch its external dimension, identifying the functional linkages that make Marco Civil so suitable for export. Among these linkages we find ideas and conversations (pillar of net neutrality), a certain idea of technological determinism (pillar of data protection), and system competition (pillar of freedom of expression).

LaWS CODED FOr EXPOrt

The initial support for Marco Civil came from the academic community, and the approach towards Internet regulation put the emphasis on formalizing subjective rights of users instead of thoroughly institutionalizing the incumbent business models. These models, which dominated the Internet traffic in those years, reinforced the punitive dimension of Internet law. The initiators of the Marco Civil initiative mostly belonged the IP-Law scholarly community, and represented a refreshing strand that articulated a pledge in favour of an access friendly and open Internet. Their claims aimed at rationalizing punitive law and shifting the burden of proving malicious uses of online content from the individuals on to the industry. In addition, a general awareness about the vulnerability of lower-income social groups decisively influenced the initiative3. The social reality in Brazil indicated that if punitive laws were enacted in the way the planned Ley Azeredo4 was attempting to, more than 60% of the population would have been rendered criminal offenders overnight.

The initiators claimed that criminal sanctions should be only an extreme measure punishing deviations from an established civil coexistence, whereas the current Brazilian predicament was the lack of a previously agreed civil – as opposed to criminal – framework that could tell people

2 Zweigert, Konrad (1973) Die “Praesumptio Similitudinis” als Grundsatzvermutung rechtsvergleichender Methode, In M. Rotonda (ed.) Inchieste di Dirito Comparato-Scopi e Methodi di Dirito Comparato: Lepaulle.

3 See for instance the Ronaldo Lemos and Paula Martins article on Brazilian LAN houses, and the informal sector. Lemos, R. and Martin, P. (2010) LAN Houses: A New Wave of Digital Inclusion in Brazil. Information Technologies & International Development. Vol. 6 Special Edition.

4 See Projeto de Lei de Crimes Eletrônicos, PL Nr. 84/99, available at the Web Site of the Brazilian Lower Chamber, http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=15028.

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how to legitimately behave in a digital environment. Emerging relationships between users and actors of the digital economy had to be regulated first, establishing explicit rights before criminalizing the most seriously deviating behaviour. Hence, the State ought to enact criminal statutes only the grounds of a pre-existing civil framework5. A gross misfit between law in books and the social context that would not only threaten the aspiration of coherency within the legal system, but also provoke a highly differentiated application of law. Because it would be unthinkable to lock 60% of the population in jails, only a small percentage would face a prosecution. If we consider the endemic inequalities that affect Latin American societies we could also speculate that poorer users would have a higher probability of meeting a criminal tribunal simply because of a negative selection process that punishes those who are least able to defend themselves. A kind of class-justice or Klassenjustiz. The German scholar Gustav Radbruch noted already in the 1920s his concerns about the asymmetric criminal treatment of offenses against property as compared to crimes against physical integrity. Radbruch’s writing during the German Weimar republic testify to his perplexity as he notes that cases of theft were investigated ex officio, while assault or personal injury required an explicit denunciation by the victim. The protection of material goods, he goes on, is abundant compared to the protection of the only asset of the dispossessed: labour power (Arbeitkraft)6. Klassenjustiz, thus, does not mean that a particular group is bending the law; it rather refers to using discriminating prejudices in spite of the fact that it underpins the judge’s notion to be acting in good faith7.

So if Marco Civil was a concrete response to a legal arrangement that blatantly ignored the social reality of Internet usage in Brazil, why should we care about its external dimension? Is not Marco Civil a domestic reaction to national Internet law?

The article makes the case that even though laws are enacted locally, sometimes they seem to be genetically coded for export. It is not a surprise

5 Lemos, R. (2007) Internet brasileira precisa de marco regulatorio civil. UOL Tecnología, 22 May 2007, available at <http://tecnologia.uol.com.br/ultnot/2007/05/22/ult4213u98.jhtm>.

6 “Noch gilt das Ding dem Rechte vielfach mehr als der Mensch. Noch bedroht unser Strafgesetzbuch den Einbruchs- und Rückfallsdiebstahl mit derselben Höchststrafe, wie den, der einm anderen absichtlich beide Augen ausschlüge, noch wird einfache Körperverletzung nur auf Antrag des Verletzten, den Diebstahl oder Unterschlagung ungleich wahrscheinlcihe als bei Beleidigung oder Köperverletzung, noch genießt das Vermögen im Strafgesetzbch selber den vielfätigsten Schut, das einzige Vermögen des Unvermögenden aber: die Arbeitkraft, nur in zerstreuter Bestimmungen oder Sondergesetzen unvollständige und unzureichende Sicherung.” Radbruch, G. (1993). Justiz, Reform des Rechtsesens un der juristischen Ausbildung. Gesamtausgabe. Gustav Radbruch. Band 13, Politische Schriften aus der Weimarer Zeit. A. Kaufmann. Heidelberg, C.F. Müller.

7 Ibid.

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that as soon as Marco Civil was promulgated, there were plenty of noted voices claiming to use it as a model for Latin America and for the world 8-9-10. The explanation for this has more to do with global functional linkages than any genetic engineering. Transnational linkages of ideas, conversations, as well as the global reach and pervasive nature of the Internet11 are responsible for shaping an external dimension of laws that aim at regulating and steering it.

However, it is not easy to assess the external dimension of Marco Civil, especially when the origins are clearly local. The potential impact of exported-coded laws can be assessed with the help of the comparativist perspective. In fact, comparative legal scholarship provides some analytical tools to assess the export of laws from one system to another. Whatever understanding we might have of comparative law, it has been stressed that it serves several purposes: it is an academic discipline12, it serves as tool for reforming domestic law13, as a tool of construction for filling gaps in legislation14, as an complementary means of understanding or interpreting legal rules15, and as a tool for promoting systematic unification and harmonization of law16.

8 Norberto Berner, publicly admitted that Marco Civil is a suitable model for the Argentinean Commission for Internet Policies (Capi). “Lo digo desde un sentido político. Yo quiero un marco civil de telecomunicaciones”. <http://www.lavoz.com.ar/ciudadanos/las-ensenanzas-que-deja-la-regulacion-brasilena-internet>

9 Brazilian senator Lindbergh Farias claimed that the project is a model, and as such, it explicitly attempt to shape the international agenda. <http://www.alliance-journalistes.net/article300.html>

10 In a speech immediately prior to the signing, inventor of the World Wide Web Tim Berners-Lee called it a “fantastic example of how governments can play a positive role in advancing web rights and keeping the web open” and called for other countries to follow suit. <http://www.theregister.co.uk/2014/04/23/new_bill_signed_in_brazil_guaranteeing_civil_rights_on_internet/>

11 Schmidt, Eric (2013) Google in Europe: Innovations for a Digital Future, in Pernice, I. and Schwarz, R. (eds.) Europa in der Welt – Von der Finanzkrise zur Reform der Unión. Forum Constitutionis Europae- Band 12. Baden-Baden, Nomos.

12 Savigny, Carl F. (1814) Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg.13 Cf. Sacco, Rodolfo (1991) Legal Formants: A Dynamic Approach to Comparative Law, The American Journal

of Comparative Law, 39, 1, 1-34.14 For an interesting typology, see Sitaraman, Ganesh (2008) The Use and Abuse of Foreign Law in Constitucional

Interpretation. Harvard Law Journal.15 Häberle, Peter (1989) Grundrechtsgeltung und Grundrechtsinterpretation im Verfassungsstaat – Zugleich

zur Rechtsvergleichung als “fünfte” Auslegungsmethode, Juristenzeitung, p. 913 ff; see also Frankenberg, Günter (1985) Critical Comparisons: Re-thinking Comparative Law, Harvard Internacional Law Journal, 26, 2, Spring, 411-56.

16 Comparative law has frequently been understood as the study of foreign law. In addition, this has assumedly served purposes related to the legal profession rather than the logic of generalization and the formation of working hypothesis. Since legal comparatists are frequently mandated to inform about foreign legal statutes, legal comparison has become a mere heaping up of data with no theoretical guidance. Such a “malaise” has been proclaimed by Willam Ewald, who made an analogy of comparative law with the activity of trivia, where data is thoroughly collected, but with no methodological consistency Ewald, W. (1998). “The Jurisprudential Approach to Coparative Law: A Field Guide to ‘Rats’”. The American Journal of Comparative Law 46(4): 701-707.

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The complexity of the problems arising from a hyper-connected world seems to vanish the clear boundaries between these purposes of comparative law. Pressing legal challenges, like “regulating the Internet” touches upon the whole disciplinary toolkit of comparative law, water down the boundaries within the discipline. Therefore, in attempting to elucidate Marco Civil from comparative perspective, it seems appropriate to begin with fundamental tasks like sketching the outlines of an external or comparative dimension of a certain law. In this case, we ask about the concrete meaning of Marco Civil’s external dimension. What is it? Why does it matter?

In order to begin with sketching the contour of what should be known as the external dimension of Marco Civil, we are well advised to begin conceptually at the abstract level, with the general textualism-contextualism dichotomy On the one hand, contextualism suggests that if we want to study a foreign legal system, we should pay attention to the wider context, and specially its social function. This has been often linked to the “law in action” approach17. The object lesson for this perspective is Montesquieu’s demand, that this kind of study ought to consider even geographical issues of the legal systems. In a popular passage he states that laws “should be so closely tailored to the people for whom they are made, that it would be pure chance if the laws of one nation could meet the needs of another”18. Similarly, Lawrence Friedmann warned against taking laws as historical accidents or in any way autonomous of economy and society. Law – Friedman argues – should be conceived as a “mirror of society”, which reflects its “wishes and needs”19.

Competing with contextualism, we find textualism, mainly based on the insights provided by Allan Watson, arguing that law is mainly autonomous of surrounding society. He makes his case based on the fact that the Corpus Juris Civilis was transplanted from Roman Law, essentially unaltered, from society to society. I do not pretend to settle this old debate, but rather to take a closer look on one of the arguments put on the table. An ever more recurring phenomenon called “transplants” or “borrowings”. This is often referred to as “law in books”20.

With the help of the textualist-contextualist dichotomy, the article will illuminate how contextual elements touch upon Marco Civil, exerting

17 Ewald 1998: 702.18 Montesquieu, Charles (1961) De l’Esprit des Lois. Book I, Ch. 3 (Des lois positives) Ed. Garnier Frères [1741].19 Friedmann, Lawrence (1973) A History of American Law. Simon and Schuster: New York.20 Watson, A. (1993). Legal Transplants. An Approach to Comparative Law. Athens and London, The University

of Georgia Press.

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pressure on it, influencing it interpretation, and predicting policy collisions with Brazil’s neighbors. All of this begins to outline what I call the external or transnational dimension of Marco Civil; a dimension that would remain invisible without the comparative perspective. I do not claim the sketch to be exhaustive. I selected one legal provision from each of the three pillars of Marco Civil, this is, data protection, net neutrality and freedom of expression21. The selection of these legal problems is consciously exploratory, because I am not aware of a previous scholarly reflection or description of the global role of Marco Civil.

WHEN tHE CONtEXt CHaNGES aCrOSS tIME: Data PrOtECtION

One pillar of Marco Civil is data protection, regulated in its Chapter II. In regulating the treatment of personal data, MCI requires data controllers to secure the explicit consent from the affected person before processing his or her data22. The “informed consent” scheme assumes that the data subject has a fair understanding the implications of him or her giving the consent. The scheme resembles the German “Einwilligung”. Empowering citizens to control the information about them is not new in Brazil. During the phase of dictatorship in Brazil (1964-1985), the State secretly collected critical information on its citizen in order to control political opposition. Once democracy was re-established and the National Information Service (SNI) disappeared, civil organizations feared that the collected data and information could be destroyed in the attempt to conceal the repression carried out by the secret services. Therefore, and with the aim of allowing citizens to know the information about them stored in public databanks, the constitution of 1988 contains a judicial action called Habeas Data. According to this legal provision, each person had the right to claim access to the previously secret data held by the State. This constitutional action underpinned the collective notion that data touches upon the personal sphere and impinges on the possibility of self-determination of the individual23. When done in violation of the rule of law, the affected individual is entitled to know, to correct, or complement the data. Although it was originally not conceived as a subjective right, but a judicial action, Habeas Data not only promotes a

21 Marco Civil became noted for these three pillars. However, a fourth aspect has not gotten the same amount of attention: the modernization of public administration.

22 “Art.7 Internet access is essential to the exercise of citizenship, and following rights are assured to the user:” […] “VII. Non-delivery to third parties of his/her personal data, including connection logs, as well as access to internet applications, unless free, explicit and informed consent is given, or in those cases foreseen by the law” (my own translation).

23 Mendes, Gilmar and Branco Paulo (2014) Curso de Direito Constitutional. 9th Edition. Saraiva: São Paulo. p. 449.

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systematic understanding of the constitution of 1988, but also considerably influenced a portion of Latin America, but this was largely unintended because it was never conceived to be model for data protection regulation in the region24. Therefore, one could say that the notion of “informed consent” – even if borrowed from Europe – seems to meet a distinctive local context, and to complement a pre-existing local legal institution like Habeas Data.

The challenge is to understand Marco Civil as a potential donor of norms. Comparative law and comparative politics offer an analytical toolkit of norm-diffusion that is insightful. Comparisons are not restricted to geographic criteria, this is, comparing two foreign systems. The comparativist is equally interested in anachronistic criteria, like comparing one system in different periods of history. Anachronistic comparisons allow for the analysis of different laws that ruled one single place; but it is also possible to study one single legal arrangement across time25. As the text of the law endures, it will often face a changing socio-legal context. Therefore, understanding a changing context can be crucial in fully understanding of political and legal institutions26.

The time factor is especially pressing when it comes to technological progress. As law begins to address technology, the state of the art will have probable changed and moved forward. The Collingridge Dilemma probably best grasps this difficulty. Douglas Collingridge stated the famous dilemma consisting in the difficulty of regulating or controlling technology under uncertainty. It is uncertain, Collingridge said, how and where technology is evolving to. It will be almost impossible to predict eventual undesired consequences of technology at an early stage of its development. However, when problematic consequences of a certain technology become visible, it will be too late too regulate it because of its embeddedness in society27. When industries realize that they can profit from the efficiency of specialized IT providers and the underlying economy of scales, they begin to accept their dependency on third party suppliers. Lokke Morel claims that because of this logic of market competition information technology is turning into a critical business function for companies with the consequence that “now we see the early signs of information technology becoming a ‘utility’”. Morel

24 Doneda, Danilo. (2008). 5º Encontro Íbero-Latino-American de Governo Eletrônico e Inclusão Digital. Florianópolis. Available at <http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/livro_governo_eletronico_2.pdf#page =55>

25 For an overview, see Djelic 200726 Nohlen, Dieter (2007) Ciencia Política. Teoría Institucional y relevancia del contexto. Ed. Universidad del

Rosario: Bogotá, 2nd Ed.27 Collingridge, David. (1980). The social control of technology. New York, St. Martin.

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goes even beyond Collingridges dilemma and ascribes to the technological imperative; technology, she says, cannot be stopped and will progress well beyond the control of regulators28. Nicolas Carr phrased this imperative eloquently in that “the grid always wins”29.

In regard to the explosive expansion of the Internet, just a few years ago there were some optimist notions about its inherent positive impact upon society. Most notable Yochai Benkler predicted a substantial democratic improvement of networks30. Today, scholars are admitting a sense of disenchantment31. Among the several suggestions made by David Collingridge for coming to grips with the dilemma, is developing technology that remains controllable by political decision-makers. It should be stressed that this suggestion is one of a compound of solutions forwarded by Collingridge. If one is to be fair with his thesis of “The Social Control of Technology” and scrutinize the real impact of their claims, then the claims should be considered as a whole. Be that as it may, as the state-of-the-art of technology progresses, some scholars have noted that some of the assumptions of Collingridge might not hold in current times. Liebert and Schmidt claim that as we have entered the period of technoscience, many context related elements have changed dramatically. Thus, the culture of science has changes rendering knowledge “ubiquitous throughout the entire innovation process”32.

It follows from the views mentioned above that regulating (informa-tion) technology not only supposes making decisions under ignorance and uncertainty, it also implies that steering technology is a challenge for politi-cal decision-making. The process of datafication that is being unleashed by big data analytics seems to confirm this deterministic view. Computer scien-tists are now able to derive novel kind of insights from their data thanks to the volume, velocity, and variety of the sources. New patterns of inferences appear when visualizing this ocean of data, and observers begin to identify correlation between phenomena; correlations that might sound absolute-ly counter-intuitive for those who are used to thinking in consequentialist terms. Hence, new possible uses emerge for data; and for these secondary

28 Morel, Lokke (2014) Big Data Protection. How to Make the Drat EU Regulation on Data Protection Future Proof. Appointment Lecture, Tilburg University, 14 February. p. 6. Available at <http://www.debrauw.com/wp-content/uploads/NEWS%20-%20PUBLICATIONS/Moerel_oratie.pdf>

29 Carr, Nicholas (2013) The Big Switch. Rewiring the world, from Edison to Google. W.W. Norton & Co.: New York.

30 Benkler, Yochai (2006), The Wealth of Network. How Social Production Transforms Markets and Freedom. Yale University Press: New Haven and London.

31 Moerel (2014)32 Liebert, W. and J. C. Schmidt (2010). “Collingridge’s dilemma and technoscience”. Poiesis Prax(7): 55-71.

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uses to provide useful insights, the data analyst requires more than “a lot” of data. He or she requires “all the data”33. The inferences and predictions that become possible are already enshrined in new services and business models for the private as well as for the public sector. Undoing big data seems unthinkable and would confirm Collingridge’s dilemma. Scholars are increasingly warning that the user has no possible means to foresee all the uses that personal data allows. In this scenario, the requirements of informed consent and data minimisation lose their entire efficacy. When the user che-cks the box at the end of a website disclaimer risks becoming a banality34.

Nonetheless, there are some authors that reject any sort of technological determinism that they might perceive from this debate. Even though they admit that it is just a matter of time that technology will find its path anyway, they claim that it is not true that society cannot control it by means of regulation. Francis Fukuyama argued that “the pessimism about the inevitability of technological advance is wrong, and it could become a self-fulfilling prophecy if believed by too many people. For it is simply no the case that the speed and scope of technological development cannot be controlled”35.

At this point, the comparativist would ask whether it is not becoming clearer that the context of data usage decisively influences the efficacy of law across time. Comparing the technological state of the art of 2007 with today suggests that, if we are to export Marco Civil to the region, it would be wise to include a reflection about datafication and the dramatic changes it provokes in the context in which law has to operate. Big data is exerting strong pressure on our current paradigms of informational inquiries, intellectual reasoning, and our sense of identities.

WHEN CONVErSatIONS aND IDEaS SHaPE tHE CONtEXt: NEt NEUtraLIty

Marco Civil settled the question of net neutrality in Brazil. Article 9 introduces the formal policy of net neutrality, the second pillar. Network or net neutrality is a principle, according to which the access to the network, to its applications, contents and websites should be provided on a non-

33 Mayer Schönbereger, Viktor and Cukier, Kenneth (2013) Big Data. A Revolution That Will Transform How We Live, Work, and Think. Houghton Mifflin Harcourt: Boston and New York.

34 Lokke Moerel calls this „routinization of consent“, Moerel (2014) p. 24, also refering to Brownsword, Roger (2009) Consent in Data Protection Law, in Gutwirth, S. et al. (eds.) Reinventing Data Protection? Springer, p. 90.

35 Fukuyama, Francis. (2002). Our Posthuman Future. London, Profile Books.

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discriminatory basis. Those who manage the network should not be able to give priority to some users over others in terms of quality or speed.

If we are to accept the thesis of Law in Context, we can also tinkle with the thought that when laws and norms begin to spread, they face specific historical and social contexts in which they are adapted and transformed36. This is contextualization in action. When it comes to ideas and beliefs, they have to be translated from “from one historical time and cultural setting to another. Such translation processes may involve appropriation, resistance, and reinterpretation”37. The law in context approach is not so much interested in the exegetic properties of the law. It rather asks about the contact, impact or interaction between law and context; what we called contextualization. For this to be meaningful, we need to consider the drivers for laws to be exported and imported. One important driver is an idea, especially when it is able to persuade law-makers to enact specific statutes. But most ideas are also bound to contexts. Therefore, the process of translation is very relevant for ideas to travel and for those ideas to persuade policy makers to adopt laws.

Thus, unless we ascribe to the law in books or textualist thesis, we realize the critical function of the ideas on which laws are grounded. These ideas travel too. Moreover, they are connected to the text of the laws that begin to be enacted in the new setting. These connect between ideas that travel, and the laws that emerge upon them are one of the major determinants of the contextualization of law. And comparative legal scholarship is the discipline called to understand the interaction between travelling ideas, adaptation and, ultimately, their crystallization into law. The spread of law across territories will have a different mechanism depending on whether the law was incorporated because of sheer mimicry or a rational process of socialization and persuasion. This analytical tool is applicable to the spread of the law establishing the principle of net neutrality in Brazil. The search for the external dimension of Marco Civil leads to the ideas and debates around the policy issue of net neutrality. How do they diffuse from Brazil to its neighbors? What is the context that receives them? What are the probable implications of importing ideas and promoting laws based on these ideas?

Conversely, the law in books approach would immediately ask whether there are other systems that have already incorporated the text of

36 see e.g. Djelic, Marie-Laure (2007) Sociological Studies of Diffusion: Is History Relevant?, in: Uppsala Lectures in Business Uppsala University, Department of Business Studies.

37 Börzel, Tanja and Risse, Thomas (2012) From Europeanisation to Diffusion: Introduction. West European Politics, Vol. 35, Issue 1.

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the laws governing net neutrality. Textualistst would immediately command their attention to the case of Chile, where net neutrality has been established by statutory law already in 2010, and assume that there is a probable link between them. Conversely, the contextualist approach would be interested in comparing the contexts, assuming that there are links and functions between the text and the context. Therefore, a contextualist question would be as follows: in terms of their relationship with their respective context, what are the differences between the Chilean (or any South American case) and the Brazilian case? Is there a link between the internal legal-political environments of South American legal systems with Brazil in particular? If so, what role do these connections play in the establishment of Internet law in general, and net neutrality regulation in particular?

The literature on diffusion of norms and ideas – especially its analytical toolkit – is very helpful in answering those questions. When ideas and debates are diffused, transmitted and exported, they bear the potential of persuading others to take action. They can equally unleash new conversations; conversations that will nourish the immediate intellectual and policy environment, as well as the broader cultural context. Nonetheless, the comparativist scholar is not only interested in idiosyncratic particularities of a given legal system. As suggested above, the resulting interaction between systems is what the scholar is interested in. By regulating net neutrality, Marco Civil da Internet touches upon the broader legal context of South American legal systems; it impacts their conversations, their legal cultures, as well as their underlying beliefs about their political economy. Furthermore, when it comes to Internet governance, those ideas and beliefs take on a critical role. Justin Hurwitz made it explicit as he chronicled the creation of the Internet Governance Forum; he suggested that “controlling Internet governance requires controlling the conversation about Internet governance”38. The idea indicates that in the case of Internet governance the act of deliberation and its content are vey important. As the conversation and ideas about Internet get translated into the context, they become part of it and might even have a greater influence in controlling the Internet than formal law-making process that are currently available in international public law or national constitutional law.

Hence, delineating the external dimension of Marco Civil da Internet entails, inter alia analyzing the conversation about net neutrality in the region. The debate in South America is not nearly as passionate compared to

38 Hurwitzs, Justin G. (2007) Whois WSIS; Whois IGF: The New Consensus-Based Internet Governance. Available at <SSRN: http://ssrn.com/abstract=954209>

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the current policy struggles in Europe or the USA. Nonetheless, and despite the relative apathy that surrounds the internet governance debates in South America, there are interesting controversies that were imported from the US American policy debates.

The analysis of current debates on net neutrality is predominantly contained in US. and European scholarship. It has been suggested, that much of the discussions taking place in the public sphere consists of advocacy work by different stakeholders, regardless of whether they adhere or not to the principle of network neutrality. Interestingly, vast portions of the debates are framed by a specific pattern of assumptions, which is, that the progressive penetration of information technologies, especially Internet, into society will spur more participation, more inclusion and enhance democracy. The positive mood around the initial moments of the Arab Spring underpinned this assumption. We now realized, that this techno-optimism39 is just an assumption, or an attitude at best.

Douglas Kellner introduced the notion of informationism to describe the ideological twist of such an idea. A theory based on informational determinism Kellner argues “exaggerates the role of knowledge and information. Such concepts advance an idealist vision that excessively privileges the role of knowledge and information in the economy, in politics and society, and in everyday life”40.

When applied to the debate of Internet regulation, informationism can be deployed at will to defend any policy stance whatsoever. Brian Dolber sketches the paradoxical traits of the net neutrality debate in the US. Two industries claimed simultaneously to be advancing democracy, whilst invoking arguments that contradicted each other. Telecommunication companies instantiated the thesis that access to the network was essential for full political participation. This was especially true – so the argument – for the lower income and less educated population. On the other side, there was the “cultural production thesis, which argues that new media technologies

39 Brownsword, R. (2004). What the World Needs Now: Techno-Regulation, Human Rights and Human Dignity. Human Rights. Global Governance and the ques for justice. R. Brownsword. Oxford, Hart. 4: 203-234. Referring to Ridley, M. “We’ve never Had it so Good – and it’s all Thanks to Science” Guardian Life, 3 April 2003, p. 8.

40 “Hence, in order to avoid the technological determinism and idealism of many forms of postindustrial theory, one should theorize the information or knowledge “revolution” as part and parcel of a new form of technocapitalism […] rather than merely obsessing about “new technologies” or “globalization,” without seeing the articulations of these phenomena.” KELLNER, D. (2003). MEDIA SPECTACLE. LONDON, ROUTLEDGE.

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open up the possibilities of user-generated content, disrupting the top-down flow of information characterized by the broadcast era”41.

For advocates of both positions, the principle of net neutrality plays a critical role. Enterprises that provide online contents, as opposed to mere access to the network, have a vested interest in multiplying the production of digital content. The more freedom users have to produce, upload, share and consume online contents, the more will the market grow for content providers. Search engines, social media, and online news agencies usually bolster a public discourse that associates their business model with the maintenance and provision of freedom of expression. Stating the argument in other words, in a free Internet both, the digital economy as well as freedom of expression will blossom together. According to this discourse, net neutrality can safeguard the necessary freedom of expression because it would treat every user equally in that their data-packages sent through the network would be conveyed on an egalitarian basis, regardless whether they correspond to videos, sound, pictures files or mere e-mail text. No data crossing the network can claim priority to pass. As a consequence, no user will enjoy priority over others. Upholding this principle makes it, therefore, unnecessary to inspect the data at the network level. The consequence is that users have no need to fear censorship. Content providers brand themselves as “[providing] a public service to the tech savy”42.

The opposite discourse comes from the side of telecommunication providers, albeit equally democracy-oriented. These companies provide the necessary infrastructure for the user to access the network. They transport their data regardless of whether it is a power-user that originates a heavy traffic load, or an occasional web surfer. The principle of net neutrality hinders business models based on differential treatment of their clients because they cannot discriminate their data traffic. Hence, telecommunication firms cannot charge different prices based on consumption patterns. Here the discourse affirms that this is a market malfunction that hinders the expansion of their scope of services. Thus, if the market was allowed to work efficiently – by developing custom tailored services – these firms could reach new users that are currently deprived from enjoying Internet access. It is notorious that it is not precisely the prosperous groups that lack Internet access, but the poorer communities. Similarly to the cultural production thesis, the “access thesis” claims that net neutrality hinders the inclusion of segregated population.

41 Dolber, B. (2013). Informationism as Ideology: Technical Myths in the Network Neutrality Debate. Regulating the Web. Network Neutrality and the Fate of the Open Internet. Z. Stiegler. Plymouth, Lexington Books.

42 Ibid.

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It expands the digital void because it keeps them away from reaping the benefits of online communication43.

The existence of a public conversation depends on the existence of a public sphere, be it digital, printed or broadcasted44. In turn, how the public understands the problems under discussion is related to how the media frame the discussion; “facts remain neutral until framed”45. Free and pluralistic press coverage can underpin an informed public debate. Stiegler and Sprumont mapped the net neutrality debate held in the US. media. In their work, they acknowledge several attempts by some to frame the network neutrality debate as a narrow, one-issue problem. It is a communications maneuver known as agenda-extension, and which “occurs when the media move beyond the strict reporting of events” and “frame and issue so that it will be interpreted in a specific manner”46. Despite the marked ideological framing found in some media, Stiegler and Sprumont were still positively impressed by the considerable amount of neutral, fact-oriented reports found in the press that balanced the debate47. But along with balanced media coverage, it should not be forgotten by anyone that it is the democratically elected political institutions that are ultimately accountable for sustaining democracy and not the corporate elites. To be sure, there are plenty of innovative forms of regulation, where private stakeholders can participate, including modes of self-regulation or, why not, even co-regulation. However, allowing the ideology of informationism to constrict the legal debate will not only be unhelpful, but maybe even undermine an informed political deliberation48.

In terms of the external dimension of Marco Civil, the establishment of network neutrality can have immense effects on Brazil’s neighbors. Whether this is positive or negative is a normative question that goes beyond the

43 Allegedly, this is especially true for those racial minorities in the US that are underrepresented in the cultural, economic and political life of the country. According to this discourse, access can curb the democratic deficit by enhancing inclusion and participation. Dolber shows how American telecom companies specifically targeted African American leaders to support legislation that was explicitly not network neutral. In order to reinforce the notion of access as participation, the discourse framed net neutrality as a “white” issue that predominantly benefited highly educated, white population. See Dolber (2013).

44 A public sphere is crucial for giving voice to people. In the digital era, the Internet can provide the necessary space for the individual to participate in policy processes that have a global reach. See Pernice, Ingolf Global Constitutionalism and the Internet. Taking People Seriously”, p. 21, forthcoming.

45 Kuypers, J. A. (2002). Press Bias and Politics: How the Media Frame Controversial Issues. Westport, Praeger.46 Definition by Jim Kuyper, in Kuypers, J. A. (1997). Presidential crisis rhetoric and the press in the post-cold

war world. Westport, Praeger.47 “The value of the neutral stories in our sample is that they tend to provide audiences with the most information

about net neutrality, presenting various aspects of the debate for audience members to evaluate”.48 Moreover, if the “access thesis” be accepted, it would openly contradict article 7 of Marco Civil, which states

that access to the Internet is essential to the exercise of citizenship.

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goal of this article. However, the interest here is the analytical framework of comparative law in order to outline the expected impact of the diffusion of Marco Civil da Internet. If network neutrality were to be exported to other South American systems by simply copying the black letter, it would certainly get the attention of scholars using the law in books approach. Conversely, law in context emphasizes the ideas, beliefs and conversations that surround the law. This is what impacts the core of Internet governance; controlling the conversation about Internet governance implies controlling Internet governance. Thus, observing how the conversation itself about net neutrality spills over to other systems is much more relevant for assessing the impact of Marco Civil within the region. Furthermore, accurate and pluralist information can empower citizens in order to join constitutive dialogue and participate in the political processes that are currently taking place at the global level49. The contextualist approach would expect these conversations to eventually crystallize in legal statutes that correspond to the idiosyncrasy of every legal system. This would happen so, unless there is a mere repetition of ideological arguments based on informationism. This would entail a war of slogans against slogans.

In addition, as the ideas underlying Marco Civil begin to spread across the region, law in context will pay attention to eventual clashes with contexts shaped by different legal-cultures. An example of this scenario is the eventual collision of laws with the Chilean system, where the net neutrality debate began as a matter of consumer protection law in 2007. In that year, inspired by the proposal drafted previously by the US Federal Communications Commission, the Chilean Parliament began discussing the same issues, this is, transparency of the services provided to Internet consumers, non-discrimination, and access to content. The legislative proposal was initially framed as a measure for consumers’ protection. During the debate, the proposal was complemented with provisions like “right to access to information”, “Freedom of expression”; all concepts that are closer to the Brazilian debate on Marco Civil da Internet than Chilean consumers’ protection law. Be it as it may, the proposal mutated from a consumers’ protection act, into a national “framework law” regulating overall telecommunication, and was approved by the Chilean Congress in 2010. Today, the regulatory practice of the government suggests that in

49 Pernice, Ingolf (forthcoming) Global Constitutionalims and the Internet. Taking People Seriously. On file with the Author. For Pernice, taking people seriously entails several constitutive elements, among them knowledge, education and information. They all enable people to participate in relevant political fora. See p. 19, 20.

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Chile, net neutrality seems to be rather a matter of anti-trust law and not as a democracy enhancing issue50.

To be sure, the diffusion of Internet law across South America is an under-researched topic. It is clear, though, that the diffusion of the Brazilian net neutrality provision will meet some contexts that are shaped by different beliefs and narratives. Engaging those culturally and legally differing contexts is a task of the external dimension of Marco Civil.

WHEN BLaCk LEttEr LaWS COLLIDE: FrEEDOM OF EXPrESSION aND traDE LaW

Sección III, art. 19 is properly a provision of tort law. It exempts Internet access provider from any liability in case of violation of property laws perpetrated by the users51, and holds content providers liable only if they fail to obey a previous judicial order52. This last norm hands to the judiciary the power to authorize the blocking and takedown of online content. Apparently, the boldness of this provision is due to the impact that the Electronic Crimes Law (Lei Azeredo) caused on the promoters of Marco Civil. Art 22 of that criminal statute statute established the duty of Internet Service Provider to discretely alert the authorities whenever a suspected crime was reported to them. So, the law would have “created an obligation of surveillance by private entities, disregarding constitutional principles including those governing criminal, like the presumption of innocence, privacy and due process of law”53.

Regarding the external dimension of Marco Civil, the scheme stands in open contradiction to the dominant regulation in South America; at least with South American trade law as instantiated by the US commercial strategy. That arrangement crystallizes the “notice and take down” framework, a regulatory scheme introduced by the Digital Millennium Act, by which ISP’s do not bear responsibility for the content end users are giving to the Internet service. That immunity, however, is conditional on the immediate response

50 Until today, it is mostly the Chilean Trade Commission that has further regulated net neutrality with the aim of securing a functioning digital market and suppressing monopolistic behavior within it. See <http://www.subtel.gob.cl/transparencia/Perfiles/Transparencia20285/Normativas/Oficios/14oc_0040.pdf>.

51 “Art. 18 The provider of internet connection will not be civilly liable for damages stemming from content generated by third parties” (my own translation).

52 “Art. 19 With the aim to ensuring freedom of expression and to prevent censorship, the provider of Internet applications can only be held liable for civil damages arising out of content generated by third parties if, after specific court order, fails to take measures within the framework and technical limits of its services and timely mentioned, to make the content identified as infringing unavailable, except for contrary established statutory provisions.” (My own translation)

53 Fundaçao Getulio Vargas (2008) Comentários Sugestões sobre o Projeto de Lei de Crimes Eletronicos. August 2008, p. 5 (my own translation).

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to eventual copyright infringement, as soon as the provider is notified54. In other words, content that appears as contravening copyrights, must be removed by ISP without any kind of judicial procedure.

Beginning in 2004, the US government changed its overall approach to the negotiation of free trade agreements with third countries and required the inclusion of a set of provisions related to Internet. The package of Internet provisions were introduce in the free trade agreements that the US signed with Chile55, Dominican Republic and CAFTA56, Morocco57, Colombia58, Australia59, Bahrain60, Peru61, Korea62, Panama63, and Oman64. All these treaties contain the same clause that binds the parties to adapt to the notice & takedown scheme65. From that moment, it becomes an obligation stemming from international public law that states introduce into domestic legislation any needed change necessary to conform with the agreements.

This particular collision seems to underpin the notion of system competition. The idea behind this term is that transnational flow of capital will promote the unification of national and regional regulations66. However, there is little research on the frictions and tensions produced by capital driven and Internet driven forces for unification. The story of conflict of laws around the takedown of protected digital content is still beginning.

54 Kurbalija, Jovan (2010) An Introduction to Internet Governance. Diplofoundation, Geneva.55 Entered into fore on 01.01.2004. Text available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-

agreements/chile-fta.56 Entered into force on 05.08.2004, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

cafta-dr-dominican-republic-central-america-fta.57 Entered into force 15.06.2004, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

morocco-fta.58 Entered into forcé 22.11.2006 available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

colombia-fta/final-text.59 Entered into fore 01.01.2005, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

australian-fta.60 Entered into fore on 11.01.2006, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

bahrain-fta.61 Entered into fore 12.04.2006, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/peru-

tpa.62 Entered into force 30.06.2007, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

korus-fta.63 Entered into force 28.06.2007, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

panama-tpa.64 Entered into force 01.01.2009, available at http://www.ustr.gov/trade-agreements/free-trade-agreements/

oman-fta.65 The same applies to the inclusion of ICANN’s Uniform Dispute Resolution Policy as a condition for negotiating

these agreements.66 Sinn, Hans-Werner (2003) The New Systems Competition, London; Wilson, John (1999) Theories of Tax

Competition. National Tax Journal 52: 2, 269-304, for an overview.

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CONCLUSION

When it comes to the efficacy of Internet law and policy, context elements are crucial, especially when laws aim at going regional, or global. Roger Brownsword stated it in the following words:

“When local regulation attempts to go regional, these problems do not recede; and as regulation assumes global aspirations the limitations are exacerbated and, if anything, multiply. We might say, therefore, that global law is local regulatory limitation writ large”.67

Marco Civil gives the impression to be coded for export. This is due to the transnational and global linkages that are connected with the global and pervasive nature of the Internet, and the diffusion of discourses, ideas and conversations. Therefore, many policy-makers feel the urge of exporting or importing certain type of Internet law.However, as I claim in this article, importing a plural conversation is preferable to importing black letter text both, for democratic deliberation and for the efficacy of law. To be sure, the procedures must also be rational68. This argument should be taken seriously in times of prevalence of the praesumptio similitudinis, this is, that similar problems must have similar solutions.

Finally, the external or transnational dimension of Marco Civil requires people to pay attention to the tensions, contradictions, and collisions that this statute may encounter when crossing the borders. For contextualism, these tensions are normal and even healthy; hence, we need not work them out by disabling one system. What is truly required is that the collisions, conflicts of laws, and tensions be worked out within the rules of democratic deliberation, whether through legal harmonisation or through rules of conflict, and by lawyers, policy-makers, and users that have a sense for “law in context”.

67 Brownsword, Roger (2004). What the World Needs Now: Techno-Regulation, Human Rights and Human Dignity. Human Rights. Global Governance and the quest for justice, in Brownsword, R. (ed.) Oxford, Hart. 203-234.

68 Rawls, John (1997) “The Idea of Public Reason Revisited” 64 The University of Chicago Law Review 765.

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Clipping Jurídico

Proibição de tatuagem a candidato de concurso público é inconstitucional, de-cide STF

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucio-nal a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público. Foi dado provimento ao Recurso Extraordinário (RE) nº 898450, com repercussão geral reconhecida, em que um candidato a soldado da Polícia Militar de São Paulo foi eliminado por ter tatuagem na perna. “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”, foi a tese de repercussão geral fixada. O relator do RE, Ministro Luiz Fux, observou que a criação de barreiras arbitrárias para impedir o acesso de candidatos a cargos públicos fere os princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Em seu entendimento, qualquer obstáculo a acesso a cargo público deve estar relacio-nado unicamente ao exercício das funções como, por exemplo, idade ou altura que impossibilitem o exercício de funções específicas. Salientou que a jurispru-dência do STF prevê que o limite de idade previsto em lei é constitucional, desde que justificável em relação à natureza das atribuições do cargo a ser exercido. O ministro destacou que a tatuagem, por si só, não pode ser confundida como uma transgressão ou conduta atentatória aos bons costumes. Segundo ele, a tatuagem passou a representar uma autêntica forma de liberdade de manifestação do indiví-duo, pela qual não pode ser punido, sob pena de flagrante violação dos princípios constitucionais. Para o Ministro Fux, o respeito à democracia não se dá apenas na realização de eleições livres, mas também quando se permite aos cidadãos se ma-nifestarem da forma que quiserem, desde que isso não represente ofensa direta a grupos ou princípios e valores éticos. Em seu entendimento, o desejo de se expres-sar por meio de pigmentação definitiva não pode ser obstáculo a que um cidadão exerça cargo público. “Um policial não se torna melhor ou pior em suas funções apenas por ter tatuagem”, afirmou. O relator destacou que o Estado não pode que-rer representar o papel de adversário da liberdade de expressão, impedindo que candidatos em concurso ostentem tatuagens ou marcas corporais que demonstrem simpatia por ideais que não sejam ofensivos aos preceitos e valores protegidos pela Constituição Federal. “A máxima de que cada um é feliz à sua maneira deve ser preservada pelo Estado”, ressaltou o Ministro. Em seu voto, o Ministro Fux assina-lou que tatuagens que prejudiquem a disciplina e a boa ordem, sejam extremistas, racistas, preconceituosas ou que atentem contra a instituição, devem ser coibidas. Observou, por exemplo, que um policial não pode ostentar sinais corporais que signifiquem apologias ao crime ou exaltem organizações criminosas. Entretanto, não pode ter seu ingresso na corporação impedido apenas porque optou por ma-nifestar-se por meio de pigmentação definitiva no corpo. O relator explicou que as Forças Armadas vedam o ingresso de pessoas com tatuagens que transmitam men-sagens relacionadas à violação da lei e da ordem, tais como as que discriminem grupos por sua cor, origem, credo, sexo, orientação sexual, ou que incitem o con-sumo de drogas ou a prática de crimes, por entender que são incompatíveis com a função militar. Caso: No caso dos autos, o candidato obteve, em primeira instância, decisão favorável em mandado de segurança impetrado contra sua exclusão do

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concurso público para o preenchimento de vagas de soldado de 2ª classe depois que, em exame médico, foi constatado que possui uma tatuagem em sua perna direita que estaria em desacordo com as normas do edital. O Estado de São Paulo recorreu alegando que o edital estabeleceu, de forma objetiva, parâmetros para admissão de tatuagens, mas que o candidato não se enquadrava nessas normas. Em acórdão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) destacou que o edital é a lei do concurso e a restrição em relação à tatuagem encontra-se expressamente prevista. Assim, ao se inscreverem no processo seletivo, os candidatos teriam aceitado as regras. O acórdão salienta que quem faz tatuagem tem ciência de que estará sujei-to a esse tipo de limitação. Acrescenta que a disciplina militar engloba também o respeito às regras e o descumprimento da proibição a tatuagens não seria um bom início na carreira. Por maioria de votos, o Plenário deu provimento ao RE 898.450 para impedir que o candidato seja eliminado do certame por ter tatuagem. Ficou vencido o Ministro Marco Aurélio, que entendeu não haver inconstitucionalidade no acórdão do TJSP. Processos relacionados: RE 898450 (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Somente a União pode legislar sobre bloqueadores de sinal de celular em pre-sídios

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de normas estaduais que obrigam empresas de telefonia móvel a instalarem equipa-mentos para o bloqueio do serviço de celular em presídios. Por maioria de votos, os ministros julgaram procedentes cinco Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas sobre o tema, por entenderem que os serviços de telecomunica-ções são matéria de competência privativa da União e não dos Estados federados. A Associação Nacional das Operadoras Celulares (Acel) é autora das ADIns 5356, 5327, 5253, 4861 e 3835, respectivamente referentes aos Estados de Mato Grosso do Sul, Paraná, Bahia, Santa Catarina e Mato Grosso. Para a entidade, as normas questionadas usurpam competência legislativa privativa da União, prevista nos arts. 21 (inciso XI) e 22 (inciso IV) da Constituição Federal. As ADIns ressaltam que as leis questionadas criam obrigações não previstas nos respectivos contratos de concessão de serviço para as concessionárias de serviços de telecomunicações, em desacordo aos princípios constitucionais. A Acel argumenta, ainda, que as normas seriam materialmente inconstitucionais, uma vez que transferem a particulares o dever atribuído ao Estado de promover a segurança pública, “incluindo, por evi-dente, a segurança de seus presídios”, nos termos do art. 144 da Constituição. Relator da ADIn 3835, o Ministro Marco Aurélio votou pela declaração de inconsti-tucionalidade das leis atacadas. Ele observou que já existe uma norma federal sobre o assunto, a Lei nº 10.792/2003, que impõe ônus aos presídios. Segundo ele, o art. 4º dessa norma prevê que os estabelecimentos penitenciários, especialmente os destinados ao regime disciplinar diferenciado, disporão, entre outros equipamen-tos de segurança, de bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares, rádiotransmissores e outros meios previstos em lei. “O ônus foi imposto não à con-cessionária, mas sim ao estabelecimento penitenciário”, disse. Ele ressaltou que o art. 50, inciso VII, da Lei de Execução Penal (nº 7.210/1984) define como falta

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grave do condenado a pena privativa de liberdade, ter na posse, utilizar ou forne-cer aparelho telefônico de rádio ou celular que permita comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. “Se fosse possível o bloqueio, haveria não a citada proibição, mas a determinação em tal sentido e a determinação federal diz respeito ao ônus dos estabelecimentos prisionais”, frisou. Do mesmo modo votou o Ministro Gilmar Mendes, relator da ADIn 4861. De acordo com ele, a utilização de telefones no interior de estabelecimentos prisionais como meio para a prática de crimes é uma questão nacional. “Neste campo, tratamentos diferentes pelas diversas Unidades da Federação não se justificam como uma resposta customiza-da a realidades não semelhantes”, considerou. O Ministro entendeu que a maté-ria apresenta conexão com segurança pública, mas, mesmo assim, a questão não deve ser passível de tratamento local. De acordo com ele, o Supremo tem firme entendimento no sentido da impossibilidade de interferência do Estado-membro nas relações jurídicas entre a União e as prestadoras dos serviços de telecomuni-cações, dessa forma, a jurisprudência vem reconhecendo a inconstitucionalidade de normas estaduais que tratam dos direitos usuários. É o caso das ADIns 3533, 2337 e 4083, entre outras ações. Em igual sentido, manifestou-se o Ministro Dias Toffoli, relator das ADIns 5253 e 5327. Já no início de seu voto, destacou que a discussão também está em saber como os celulares entram nos presídios. “Essas instituições todas – sejam executivas, nacionais ou estaduais, órgãos de regulação, de fiscalização e de segurança – já têm os instrumentos necessários para atuar e evitar que ocorra a comunicação de presos com o mundo exterior”, observou. Também votaram pela procedência das ações os Ministros Teori Zavascki, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o Presidente do STF, Ministro Ricardo Lewan-dowski. Divergência: O Ministro Edson Fachin, relator da ADIn 5356, votou em sentido contrário, portanto pela improcedência da ação. Ele entendeu que deve haver distribuição de competência entre os entes federativos para legislarem sobre as matérias especificadas pela Constituição, como é o caso das presentes ações. “A repartição de competências é característica fundamental em um Estado federado para que seja protegida a autonomia de cada um de seus membros e, por conse-guinte, a convivência harmônica em todas as esferas com a finalidade de evitar a secessão”, ressaltou. O Ministro considerou que o tema deve ser analisado quanto à competência para legislar sobre direito penitenciário, segurança pública e con-sumo, levando em conta a segurança do serviço fornecido no âmbito de proteção do direito do consumidor. Para ele, o ente da Federação não está invadindo com-petência privativa da União ao regulamentar abstratamente como se deve dar, no Estado, limitações ao serviço de telecomunicação nos presídios. Acompanharam a divergência os Ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Receita com aluguel integra base de cálculo para cobrança de PIS e Cofins

As receitas com aluguel de imóveis de pessoas jurídicas integram a base de cálculo para cobrança de PIS e da Cofins, ainda que a locação não seja o objeto social da empresa, segundo entendimento já consolidado pelos Ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). As 68 decisões coletivas (acórdãos) do STJ sobre Análise

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da incidência do PIS e da Cofins em receitas provenientes de locação de imóveis foram reunidas na última versão da Pesquisa Pronta, ferramenta on-line criada para facilitar o trabalho de interessados em conhecer a jurisprudência da Corte. Em um dos casos analisados (REsp 929.521), afetado como recurso repetitivo, a Primeira Seção do STJ definiu que a Cofins incide sobre aluguéis, uma vez que o conceito de receita bruta sujeita à exação tributária envolve não só aquela decorrente da venda de mercadorias e da prestação de serviços, mas a soma das receitas oriundas do exercício das atividades empresariais. Definição: Segundo a decisão, a definição de faturamento/receita bruta da empresa inclui as receitas com locação de bens mó-veis, “que constituem resultado mesmo da atividade econômica empreendida pela empresa”. Em outra decisão (REsp 1.590.084), a Segunda Turma do STJ decidiu que as receitas provenientes das atividades de construir, alienar, comprar, alugar, vender e intermediar negócios imobiliários integram o conceito de faturamento, para fins de tributação de PIS e Cofins. “Incluem-se aí as receitas provenientes da locação de imóveis próprios e integrantes do ativo imobilizado, ainda que este não seja o objeto social da empresa, pois o sentido de faturamento acolhido pela lei e pelo Supremo Tribunal Federal não foi estritamente comercial”, lê-se na decisão. REsp 929521 e REsp 1590084 (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Primeira Turma afasta incidência de IPI sobre carga roubada

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão unânime, en-tendeu que não configura fato gerador de IPI a mera saída de mercadoria de es-tabelecimento comercial, sem a consequente operação mercantil, na hipótese em que as mercadorias são roubadas antes da entrega ao comprador. O caso concreto: Na origem, Souza Cruz S.A. ajuizou ação ordinária objetivando anular auto de infração lavrado por falta de lançamento do IPI relativo à saída de 1.200 caixas de cigarros de sua fábrica, destinados à exportação, que, todavia, foram roubados du-rante o transporte entre São Paulo e Mato Grosso. A companhia defendeu que ine-xiste a incidência do IPI se, após a saída dos produtos industrializados destinados ao exterior, ocorrer fato que impeça a ultimação da operação que motivou a saída do produto industrializado, como o furto ou o roubo das mercadorias. A ação foi inicialmente julgada improcedente pelo juiz de primeira instância, ao fundamento de que, apesar de não ter sido consumada a exportação, ocorreu o fato gerador descrito na norma (art. 46, inciso II, do CTN), ou seja, tendo ocorrido a saída do estabelecimento, torna-se devida a cobrança do IPI. A decisão de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2). Os desembargadores também entenderam que a saída da mercadoria do estabelecimento é o fato gera-dor do IPI e que somente se concretizada a exportação faria jus o contribuinte à imunidade, nos termos do art. 153, § 3º, III, da CF/1988. A companhia, irresignada, interpôs recurso extraordinário ao STF e recurso especial ao STJ. No recurso espe-cial, entre outros argumentos, defendeu que a efetivação do negócio mercantil é pressuposto da base de cálculo do IPI, o que não ocorreu em razão do roubo das mercadorias. Em decisão monocrática, o relator do caso, Ministro Sérgio Kukina, deu provimento ao recurso especial da companhia. Ele fundamentou a decisão em julgados do STJ no sentido de que não se deve confundir o momento temporal da

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hipótese de incidência com o fato gerador do tributo, que consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados. A mera saída do produto do estabelecimento industrial não é fato gerador do IPI, mas apenas o momento temporal da hipótese de incidência, fazendo-se necessária a efetivação da operação mercantil subsequente. Em sede de agravo interno, a Fazenda Nacional buscou a modificação da decisão do relator, defendendo que a simples saída do produto do estabelecimento industrial constitui fato gerador do IPI, de acordo com o Código Tributário Nacional. Todavia, em sessão colegiada, os ministros da Primeira Turma confirmaram a decisão monocrática do relator. Nova-mente, os julgadores invocaram precedentes do STJ para votar pelo improvimento do agravo interno da Fazenda Nacional. REsp 1190231 (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

ICMS incide sobre importação de bens e mercadorias por contribuintes não habituais

A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera que, após a alteração promovida pela Emenda Constitucional (EC) nº 33/2001, há incidên-cia do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as im-portações de bens e mercadorias, por pessoas físicas ou jurídicas, ainda que não sejam contribuintes habituais, independentemente da finalidade da aquisição. De acordo com o Ministro Herman Benjamin, é incontroverso que as importações realizadas após o início da eficácia da EC 33 sujeitam-se ao tributo estadual. Ele ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a Súmula nº 660 daquela Corte exatamente para adequá-la à emenda constitucional. Os julgados relativos a esse assunto agora estão na Pesquisa Pronta, ferramenta on-line disponível na pá-gina do STJ para facilitar o trabalho de quem deseja conhecer o entendimento dos ministros em julgamentos semelhantes. O tema Análise da incidência do ICMS so-bre importações de bens e mercadorias por contribuintes não habituais contém 21 acórdãos, decisões já tomadas pelos Colegiados do Tribunal. Uso próprio: Em um dos casos julgados pela Segunda Turma do STJ, uma empresa de engenharia alegou que, apesar de ter importado equipamentos fotográficos após a vigência da EC 33, o ICMS não deveria incidir, visto que, segundo ela, o bem fora adquirido para uso próprio e não para comercialização. Contudo, o relator do caso, Ministro aposen-tado Castro Meira, afirmou que, nas importações realizadas após a modificação constitucional, “a hipótese de incidência do ICMS prescinde da circulação do bem ou da mercadoria no Brasil, bastando que haja a entrada de produtos no territó-rio nacional, não se aplicando o entendimento contido na Súmula nº 660/STF”. O ministro afirmou que o princípio da não cumulatividade tributária apenas é aplicável quando houver o encadeamento de outras operações de circulação de mercadorias, “o que não ocorre quando a aquisição se destina ao ativo fixo da sociedade empresária”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Limite de isenção de US$ 50 para importações via postal por pessoa física é ilegal

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) re-conheceu a ilegalidade da fixação de limite de isenção, no valor de US$ 50, para

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importações realizadas por via postal. O Colegiado também declarou ilegal a exi-gência de que a isenção fosse aplicada somente às remessas de mercadorias envia-das por pessoas físicas. A decisão tomada na sessão do dia 20 de julho, em Brasília, torna ilegal a aplicação da Portaria nº 156/1999, do Ministério da Fazenda, e da Instrução Normativa nº 96/1999, da Receita Federal. O tema foi analisado pela TNU nos autos de um incidente de uniformização interposto pela União Federal contra um acórdão de Turma Recursal do Paraná, que julgou não haver nenhuma relação jurídica a sustentar a incidência do imposto de importação sobre bens re-metidos a residente no País, quando o valor for inferior a US$ 100. Em seu recurso à Turma Nacional, a União alegou que o Decreto-Lei nº 1.804/1980 delegou ao Ministério da Fazenda a competência para dispor sobre isenção desse tipo de im-posto, fixando um limite de até US$ 100 para essa modalidade de renúncia fiscal. A União defendeu ainda que o mesmo raciocínio deveria ser aplicado à situação dos remetentes de produtos, porque a legislação teria estabelecido que esse tratamento poderia ocorrer somente no caso de os destinatários serem pessoas físicas, o que permitiria concluir que tal isenção não ocorreria quando o destinatário fosse pessoa jurídica. Como fundamento para o recurso, a União apresentou acórdão de Turma Recursal do Espírito Santo com entendimento divergente sobre a matéria, afirman-do inexistência de ilegalidade na Portaria nº 156/1999, do Ministério da Fazenda, e na Instrução Normativa nº 96/1999, da Receita Federal – tanto com relação à fixação do limite de isenção quanto no que diz respeito ao condicionamento da isenção à pessoa física. Para o relator do processo na TNU, Juiz Federal Rui Costa Gonçalves, o Decreto-Lei nº 1.804/1980 não prevê essas exigências, motivo pelo qual os atos administrativos normativos extrapolam o regramento contido na pró-pria legislação, ao criar mais um requisito para a fruição da isenção tributária, e subvertem a hierarquia das normas jurídicas com a redução da faixa de isenção. “O Decreto-Lei nº 1.804/1980, ao reconhecer que o Ministério da Fazenda pode-rá dispor acerca de isenção tributária em comento, em nenhum ponto delegou à Autoridade Fiscal a discricionariedade para modificar a faixa de isenção e a qua-lidade dos beneficiários dessa modalidade de renúncia fiscal, dado se tratarem de temas reservados à lei em sentido formal, dada sua natureza vinculante, que não pode ficar ao sabor do juízo de conveniência e oportunidade do agente público”, conclui o relator em seu voto. Processo nº 5027788-92.2014.4.04.7200 (Conteúdo extraído do site do Conselho da Justiça Federal)

Garantida progressão de regime por ausência de hediondez em tráfico privile-giado

O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar no Habeas Corpus (HC) nº 136545 garantindo a um condenado por tráfico privile-giado a progressão de regime com base no requisito de cumprimento de um sexto da pena, conforme previsto na Lei de Execução Penal (LEP). O decano da Corte destacou que o Plenário do Tribunal, em recente julgado, afastou a hediondez des-se delito e entendeu inaplicável o requisito de dois quintos previsto na Lei de Cri-mes Hediondos. O relator explicou que, no julgamento do HC 118533, em junho deste ano, o Plenário do STF decidiu que o tráfico privilegiado de drogas – em que

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o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa – não deve ser considerado crime de natureza hedionda. Dessa forma, o condenado pode ser beneficiado pela progressão do regi-me depois do cumprimento de um sexto da pena, como prevê o art. 112, caput, da LEP. Já a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) prevê o prazo de dois quin-tos. No caso HC 136545, o pedido foi impetrado pela Defensoria Pública de São Paulo para questionar decisão do juízo da Vara de Execução Criminal de Sorocaba/SP, mantida pelas demais instâncias, que assentou a hediondez dessa modalidade de tráfico e negou a progressão de regime com base em requisito mais benéfico. Esse entendimento, segundo o decano, colide com a jurisprudência firmada pelo Supremo. “Tenho para mim que assiste razão à parte ora impetrante, especialmente se se considerar o recentíssimo julgamento proferido pelo Plenário do Supremo Tri-bunal Federal no exame do HC 118533, no qual esta Corte Suprema afastou a nota da hediondez quanto ao denominado tráfico privilegiado, subtraindo o seu autor, em consequência, aos efeitos gravosos (e restritivos) que derivam da condenação por delitos hediondos ou a estes legalmente equiparados”, afirmou. O ministro observou ainda que o condenado já satisfez a exigência temporal de um sexto da pena, o que lhe garante a possibilidade de ingresso no regime aberto. Não havendo, contudo, casa do albergado em Sorocaba para cumprimento da pena em regime aberto, ele assegurou ao condenado o recolhimento domiciliar, conforme prescre-ve a Súmula Vinculante nº 56, do STF (“A falta de estabelecimento penal adequa-do não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641320/RS”). Processos relacionados: HC 136545 (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribu-nal Federal)

Idade não pode ser critério para INSS conceder salário-maternidade para indí-genas

As mulheres indígenas brasileiras que trabalham há mais de 10 meses terão direito ao salário-maternidade, independentemente da idade. Em sessão realizada ontem (25/08), a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou re-curso do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e determinou que a Autarquia não considere o critério etário para deferimento ou indeferimento do benefício. A ação civil pública pedindo o benefício às índias gestantes menores de 16 anos foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) em setembro de 2014. Segundo o MPF, o INSS vem negando o direito administrativamente, o que seria inconstitucio-nal. A Procuradoria argumenta que as índias são seguradas especiais e geralmente começam a trabalhar junto da família antes dos 16 anos, devendo essa realidade ser reconhecida para fins previdenciários. Em primeira instância, a 17ª Vara Federal de Curitiba julgou a ação procedente e condenou o INSS a se abster de considerar o critério etário para o deferimento do salário-maternidade às seguradas especiais indígenas. O INSS recorreu ao tribunal. A Autarquia argumenta que o salário-ma-ternidade é substitutivo de remuneração e que a Constituição veda qualquer traba-lho para menores de 16 anos. Sustenta que a função do Estado, “considerando-se a gravidez na infância e na adolescência como uma fatalidade, é garantir atendi-

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mento médico e assistência tanto para a gestante como para o recém-nascido, inde-pendentemente de se tratar ou não de indígena”. O instituto salienta que a decisão pode ter por consequência aumentar o número de adolescentes indígenas grávidas. Para relatora do processo, Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene, a regra que estabelece o limite de idade para trabalhar não pode ser usada para prejudicar adolescentes que efetivamente trabalham. “Embora a idade mínima para o trabalho tenha sido alterada pela Constituição para 16 anos, é público e notório que a realidade pouco mudou, apesar dos avanços socioeconômicos do país”, analisou a desembargadora. Salise frisou que tanto a Convenção nº 169 da Orga-nização Internacional do Trabalho (OIT) quanto a Constituição Federal e o Estatuto do Índio ressaltam a necessidade de proteção previdenciária e não discriminação aos indígenas.“Comprovada a maternidade e a qualidade de segurada especial da mulher indígena durante o período de carência, deve ser concedido o benefício de salário-maternidade”, decidiu a magistrada. A desembargadora observou em seu voto que a Justiça já vem reconhecendo o direito de tempo rural a partir dos 12 anos para fins de aposentadoria, não podendo decidir de forma diferente quando trata de mulheres indígenas. O período de carência para segurado especial é de 10 meses trabalhando. A decisão é válida para todo o território nacional. Ainda cabe recurso. Nº do Processo: 5061478-33.2014.4.04.7000 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Contagem dos prazos processuais em dias úteis prevista no novo CPC não se aplica ao Processo do Trabalho

O art. 219 do novo CPC trouxe uma inovação: estipulou a contagem dos prazos processuais em dias úteis. Mas será que o Processo do Trabalho sofre influência desse dispositivo legal? Entendendo que o correto seria contar o prazo em dias úteis, uma trabalhadora ajuizou Embargos de Declaração para apontar omissão no julgado quanto ao pedido de concessão dos benefícios da justiça gratuita. En-tretanto, a 7ª Turma do TRT de Minas não admitiu os embargos, por considerá-los intempestivos, isto é, ajuizados fora do prazo legal. No caso, o acórdão embargado foi divulgado no DEJT em 19.05.2016 (quinta-feira) e publicado em 20.05.2016 (sexta-feira). Portanto, conforme esclareceu a Desembargadora Relatora, Cristiana Maria Valadares Fenelon, nos termos do art. 897-A da CLT, o prazo de cinco dias para oposição de embargos de declaração fluiu de 23 a 27.05.2016. Tendo sido os embargos ajuizados somente em 30.05.2016, a relatora não teve dúvida do des-cumprimento do prazo legal. A trabalhadora invocou, em seu favor, o art. 219 do CPC de 2015, segundo o qual a contagem dos prazos processuais deve ser feita em dias úteis. Entretanto, a desembargadora acentuou que, de acordo com a Instrução Normativa nº 39/2016 do TST, acolhida pela 7ª Turma do TRT mineiro, o referido dispositivo legal não se aplica ao processo do trabalho. Salientou a relatora que, nos termos do art. 769 da CLT, as normas do processo civil são aplicáveis subsi-diariamente na esfera trabalhista, no caso de omissão da lei processual do traba-lho, exceto se houver incompatibilidade. Entretanto, ela lembrou que a CLT não é omissa quanto ao prazo para oposição de embargos de declaração, estabelecendo expressamente que ele é de cinco dias (art. 897-A). Ademais, a relatora enfatizou

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que há incompatibilidade entre as normas do processo civil e as do processo do trabalho no particular, em razão da natureza alimentar do crédito trabalhista. Daí por que não se aplica o art. 219 do CPC, que estipula a contagem dos prazos processuais em dias úteis. Nesse sentido a IN 39/2016 do TST, completou. Com base nesses fundamentos, a Turma de julgadores não conheceu dos embargos de declaração, por intempestivos. Ao finalizar, a desembargadora lembrou ainda que foram deferidos à trabalhadora, no acórdão, os benefícios da justiça gratuita, pelo que inexiste, no julgado, a omissão que lhe é imputada. PJe: Processo nº 0011143-52.2015.5.03.0001 (RO). Acórdão em: 23.06.2016 (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região)

Terceira Turma considera nulos juros de empréstimo em caso de agiotagem

Havendo prática de agiotagem em uma situação de empréstimo pessoal entre pes-soas físicas, devem ser declarados nulos apenas os juros excessivos, conservando--se o negócio jurídico com a redução dos juros aos limites legais. Além disso, a assinatura de terceiro no verso de nota promissória, sem indicação de sua finalida-de, deve ser considerada aval, e não endosso. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar recurso especial. No caso, o credor executou uma nota promissória no valor de R$ 500 mil, dada em garantia de empréstimo que o devedor afirma ser de R$ 200 mil. Segundo ele, o montante inicial da dívida foi elevado em razão de juros abusivos, fruto da prática de agiota-gem. O devedor propôs a compensação dessa dívida com o crédito que possuía em outra nota promissória. Essa segunda nota havia sido emitida por terceiro, favore-cendo outro que também não é parte no processo. Porém, na promissória constava a assinatura do credor no verso como avalista do negócio. O Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) negou a compensação das dívidas sob o fundamento de que a relação jurídica estabelecida entre os litigantes envolveu terceiro, sendo objeto de triangulação subjetiva. Argumentou ainda que os juros incluídos na nota promis-sória possivelmente foram usurários, ou seja, de prática de agiotagem, conferindo provável iliquidez à dívida. Levantou também a possibilidade de a assinatura no verso da nota se tratar de endosso. Requisitos: No STJ, o Ministro João Otávio de Noronha, relator do recurso, explicou que existem alguns requisitos para configu-rar a compensação estabelecida pelo Código Civil. Segundo ele, deve haver duas obrigações principais entre os mesmos sujeitos, ou seja, o credor de uma deve ser devedor da outra, e vice-versa. A respeito da compensação legal, exige-se ainda “terem as prestações por objeto coisas fungíveis, da mesma espécie e qualidade; serem as dívidas líquidas, vencidas e exigíveis”. De acordo com Noronha, a com-pensação da dívida pode ocorrer independentemente de a assinatura no verso da nota se tratar de endosso ou aval. O ministro esclareceu que o aval é uma garantia pessoal, específica para títulos cambiais, do cumprimento da obrigação contida no título. Segundo o relator, “o avalista não se equipara à figura do devedor principal, mas é responsável como ele”, inclusive sua obrigação é assumida de forma autôno-ma, ou seja, independente do devedor. Já o endosso “é ato cambial de transferência e de garantia ao mesmo tempo, porque o endossante, ao alienar o título, fica, por força de lei, responsável pela solução da dívida”. Nesse sentido, a assinatura posta

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no verso pelo credor “não pode ser endosso, deve ser considerada aval”, visto que, conforme a Lei nº 8.021/1990, o endosso “em branco” não mais vigora, afirmou. No que diz respeito à discussão sobre juros onzenários, Noronha entendeu que, mesmo havendo a prática de agiotagem, “isso não implica que o título seja auto-maticamente nulo. Conserva-se o negócio jurídico e extirpa-se dele o excesso de juros”. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Para fins de penhora, cotas de investimento variável não equivalem a dinheiro em espécie

Em julgamento sob o rito de repetitivos, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que cotas em fundos de investimento não equivalem a dinheiro em espécie, para fins de penhora em ação de execução contra instituição financei-ra. O entendimento ementado pelos ministros diz que “a cota de fundo de investi-mento não se subsume à ordem de preferência legal disposta no inciso I do art. 655 do CPC/1973 (ou no inciso I do art. 835 do novo Código de Processo Civil)”. No caso analisado, um correntista ingressou com ação contra o banco HSBC (antigo Bamerindus) para cobrar expurgos inflacionários decorrentes de planos econômi-cos da década de 80. Após o trânsito em julgado da ação, reconhecendo o direito do cliente, o banco ofereceu à penhora cotas de fundos de investimento. O cliente se recusou a receber os valores em cotas e alegou que teria prejuízo caso recebesse dessa forma. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou o depósito em espécie. Para o HSBC, o depósito em dinheiro causa prejuízo à instituição finan-ceira, que teria que retirar fundos de uma aplicação para efetuar o depósito da quantia em discussão judicial. O banco argumentou que a penhora em cotas tem o mesmo valor que o depósito em dinheiro. A instituição financeira buscou no STJ reverter a decisão do tribunal paulista. Riscos: Para o ministro relator do recurso, Marco Aurélio Bellizze, não é possível equiparar cotas de investimento a dinheiro em espécie. Bellizze explica que há riscos envolvidos nos investimentos, que cons-tituem rendas variáveis. No voto, acompanhado pelos demais ministros da Corte, o relator explica que as cotas não se encontram em primeiro lugar na ordem legal de preferência da penhora. “Diversamente do que ocorre com o dinheiro em espécie, com o dinheiro depositado em conta bancária ou com aquele representado por aplicações financeiras, em que a constrição recai sobre um valor certo e líquido, as cotas de fundo de investimentos encontram-se vinculadas às variações e aos riscos de mercado, de crédito e de liquidez atinentes aos ativos financeiros componentes da carteira, em maior ou menor grau, o que, por si só, justifica a diversidade de gradação, para efeito de penhora, imposta pela lei adjetiva civil”, explica o minis-tro. O entendimento do STJ foi no mesmo sentido do Ministério Público Federal (MPF), que opinou pela rejeição do recurso da instituição financeira. Com a deci-são, todos os processos sobre o tema que estavam sobrestados no País devem ser julgados com base nesse entendimento, tanto os que se iniciaram sob a regência do Código de Processo Civil (CPC) de 1973 quanto as ações iniciadas após o novo Código entrar em vigor. Prejuízo: O julgamento concluiu que o fato de o vencedor da ação se recusar a receber a penhora em cotas de fundo de investimento não impõe onerosidade excessiva à instituição financeira, tampouco violação do dever

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de recolhimento dos depósitos compulsórios e voluntários da instituição ao Banco Central do Brasil. Para os ministros, trata-se de uma obrigação inerente ao perdedor em uma ação dessa natureza. A tese do banco, na visão dos ministros, não bene-ficia o cliente, como no caso analisado. “A expectativa de rentabilidade, adstrita à volatilidade do mercado, caso venha a se concretizar, somente beneficiará o banco executado, em nada repercutindo na esfera de direito do exequente, que tem seu crédito restrito aos termos do título executivo, no caso, transitado em julgado”, conclui Marco Aurélio Bellizze. REsp 1388638 (Conteúdo extraído do site do Su-perior Tribunal de Justiça)

Reconhecida validade da corretagem de imóvel, mas declara taxa Sati abusiva

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, decidiu que é válida a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar comissão de corretagem na venda de imóveis. Em julgamento, o colegia-do entendeu, entretanto, ser abusivo impor ao comprador o pagamento da taxa de Serviço de Assessoria Técnico-Imobiliária (Sati). A taxa Sati é o valor cobrado pelas construtoras com base em 0,8% sobre o preço do imóvel novo adquirido pelo consumidor. A quantia é destinada aos advogados da construtora por terem redigido o contrato de compra e venda, além de corresponder a serviços corre-latos do negócio. Prestação de serviço: Para o relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a taxa Sati não constitui um serviço autônomo oferecido ao consumi-dor, mas uma mera prestação de serviço inerente à celebração do próprio contrato. “O próprio Conselho Federal de Corretores de Imóveis, mediante a Resolução de 2012, estatuiu norma proibitiva dizendo claramente que é vedado aos inscritos no regional cobrarem de seus clientes, para si ou para terceiros, qualquer taxa a título de assessoria administrativa, jurídica ou outra, assim como deve ser denunciada ao regional a cobrança de tais taxas quando feitas pelo incorporador, pelo cons-trutor ou por seus prepostos”, destacou o ministro. O ministro lembrou, contudo, que eventuais serviços específicos prestados ao consumidor, como o trabalho de despachantes ou taxas de serviços cartorários, podem ser cobrados. Comissão de corretagem: Em relação à validade da comissão de corretagem, o relator condicio-nou que a previsão desse encargo deve ser informada de forma prévia e explícita ao adquirente. Segundo o ministro, a grande reclamação dos consumidores nos pro-cessos relativos ao tema é a alegação de que essa informação só é repassada após a celebração do contrato. “Essa estratégia de venda contraria flagrantemente os deveres de informação e transparência que devem pautar as relações de consumo. Em tais casos, o consumidor terá assegurado o direito de exigir o cumprimento da proposta do preço ofertado, não sendo admitida a cobrança apartada da comissão de corretagem”, concluiu o ministro. Prescrição: No julgamento, também ficou definido que o prazo prescricional para ajuizamento de ações que questionem a abusividade nas cobranças é de três anos. As decisões foram tomadas sob o rito dos recursos repetitivos. Novos recursos ao STJ não serão admitidos quando sustenta-rem posição contrária aos entendimentos firmados. REsp 1551951, REsp 1551956, REsp 1551968 e REsp 1599511 (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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É impenhorável o imóvel residencial, mesmo não sendo o único bem da família

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou ser impenhorável o imóvel que não é o único de propriedade da família, mas serve de efetiva resi-dência ao núcleo familiar. Em decisão unânime, o colegiado deu provimento ao recurso especial de uma mãe, que não se conformou com o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP). O Tribunal paulista havia mantido a penhora do imóvel efetivamente utilizado como residência pela família, por ter reconhecido a existência de outro bem de sua propriedade, porém de menor valor. O Ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso no STJ, afirmou que a jurisprudência da Corte entende que a Lei nº 8.009/1990 não retira o benefício do bem de família daqueles que possuem mais de um imóvel. Efetiva residência: A discussão ficou em torno da regra contida no parágrafo único do art. 5º da Lei nº 8.009/1990. O dispositivo dis-põe expressamente que a impenhorabilidade recairá sobre o bem de menor valor, na hipótese de a parte possuir vários imóveis que sejam utilizados como residência. De acordo com Villas Bôas Cueva, mesmo a mulher possuindo outros imóveis, “a instância ordinária levou em conta apenas o valor dos bens para decidir sobre a penhora, sem observar se efetivamente todos eram utilizados como residência”. O relator explicou que o imóvel utilizado como residência é aquele em que “se esta-belece uma família, centralizando suas atividades com ânimo de permanecer em caráter definitivo”. Com base na jurisprudência do STJ e no art. 1º da lei que rege a impenhorabilidade, a turma afastou a penhora do imóvel utilizado como residên-cia pela autora do recurso e seus filhos, por ser considerado bem de família. REsp 1608415 (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Avô não tem interesse jurídico para pedir DNA visando a desconstituir paren-tesco com neto

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria, que um avô não tem interesse jurídico para pleitear a realização de exame de DNA visan-do a desconstituir, com base em eventual resultado negativo de vínculo genético, a relação de parentesco que resulta dos efeitos de sentença proferida em ação de reconhecimento de paternidade anteriormente ajuizada contra seu filho, transitada em julgado. No caso analisado, “A” promoveu ação de reconhecimento de paterni-dade contra “B”, declarado pai por presunção ante a negativa de realizar o exame genético. Falecido “B”, o filho promoveu então ação de alimentos contra o avô, C, que, por sua vez, propôs ação declaratória incidental para discutir a relação de pa-rentesco. Argumentava “C” que a coisa julgada formada no processo antecedente não poderia atingi-lo por força do que previa o art. 472 do CPC/1973. A demanda incidental foi extinta em primeira instância, ao fundamento de que o avô não teria interesse de agir e que o pedido violava a coisa julgada. O TJSC manteve a decisão extintiva. O Ministério Público Federal (MPF) opinou pelo desprovimento do recur-so. Para os ministros da Quarta Turma, o avô não está sendo atingido pela coisa jul-gada formada na ação de reconhecimento, mas suporta os efeitos da sentença, que se projetam para além dos limites subjetivos da demanda. De outro lado, a maioria dos magistrados entendeu que o avô não teria interesse jurídico para requerer a re-alização de exame de DNA, pois, ainda que comprovada a inexistência de vínculo

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genético entre o avô e o neto, essa circunstância não desconstituiria a relação de parentesco civil, de natureza jurídica, estabelecida na forma dos arts. 1.591, 1.593 e 1.696 do Código Civil, como consequência da paternidade assentada por decisão judicial passada em julgado, portanto imutável e indiscutível. Efeitos da Sentença: Para o ministro relator do recurso, Antonio Carlos Ferreira, “os efeitos da sentença, que não se confundem com a coisa julgada e seus limites subjetivos, irradiam-se com eficácia erga omnes, atingindo mesmo aqueles que não figuraram como parte na relação jurídica processual”. Ressaltou que, “se o recorrido é filho do filho do re-corrente, é neto deste. Não encontra amparo na lógica ou no ordenamento jurídico a conclusão de que ‘A’ é filho de ‘B’, ‘B’ é filho de ‘C’, mas ‘A’ não é neto de ‘C’. Essa conclusão seria, sobretudo, discriminatória e, por isso, contrária ao comando do art. 227, § 6º, da Constituição Federal e do art. 1.596 da lei substantiva civil”. Ainda segundo o relator, os pedidos revelavam pretensão que só poderia ser dedu-zida por meio de ação rescisória, sendo para tanto inadequada a ação declaratória incidental. O número desse processo não é divulgado por estar sob segredo de justiça. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 16�09�2016

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.330, de 02.08.2016 – publIcAdA no dou de 3.8.2016Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar, de forma mais gravosa, os crimes de furto e de receptação de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes.

leI nº 13.329, de 01.08.2016 – publIcAdA no dou de 02.08.2016Altera a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que estabelece diretrizes na-cionais para o saneamento básico, para criar o Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento do Saneamento Básico – REISB, com o objetivo de estimular a pessoa jurídica prestadora de serviços públicos de saneamento básico a aumentar seu volume de investimentos, por meio da concessão de créditos relativos à contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – Pasep e à Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – Cofins.

leI nº 13.328, de 29.07.2016 – publIcAdA no dou de 29.07.2016 – edIção extrA Cria, transforma e extingue cargos e funções; reestrutura cargos e carreiras; altera a remuneração de servidores; altera a remuneração de militares de ex--Territórios Federais; altera disposições sobre gratificações de desempenho; dispõe sobre a incidência de contribuição previdenciária facultativa sobre parcelas remuneratórias; e modifica regras sobre requisição e cessão de ser-vidores.

leI nº 13.327, de 29.07.2016 – publIcAdA no dou de 29.07.2016 – edIção extrA

Altera a remuneração de servidores públicos; estabelece opção por novas regras de incorporação de gratificação de desempenho a aposentadorias e pensões; altera os requisitos de acesso a cargos públicos; reestrutura cargos e carreiras; dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações; e dá outras pro-vidências.

leI nº 13.326, de 29.07.2016 – publIcAdA no dou de 29.07.2016 – edIção extrA

Altera a remuneração de servidores públicos; dispõe sobre gratificações de qualificação e de desempenho; estabelece regras de incorporação de grati-ficação de desempenho a aposentadorias e pensões; dispõe sobre a criação das carreiras do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e so-bre a remuneração dos ocupantes dos cargos que integram as carreiras das agências reguladoras, de que tratam a Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, e a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003; e dá outras providências.

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – RESENHA LEGISLATIVA���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������225

leI nº 13.325, de 29.07.2016 – publIcAdA no dou de 29.07.2016 – edIção extrA

Altera a remuneração, as regras de promoção, as regras de incorporação de gratificação de desempenho a aposentadorias e pensões de servidores públi-cos da área da educação, e dá outras providências.

leI nº 13.324, de 29.07.2016 – publIcAdA no dou de 29.07.2016 – edIção extrA

Altera a remuneração de servidores e empregados públicos; dispõe sobre gratificações de qualificação e de desempenho; estabelece regras para in-corporação de gratificações às aposentadorias e pensões; e dá outras provi-dências.

leI nº 13.321, de 27.07.2016 – publIcAdA no dou de 28.07.2016Altera o soldo e o escalonamento vertical dos militares das Forças Armadas, constantes da Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008.

leI nº 13.316, de 20.07.2016 – publIcAdA no dou de 21.07.2016Dispõe sobre as carreiras dos servidores do Ministério Público da União e as carreiras dos servidores do Conselho Nacional do Ministério Público; fixa valores de sua remuneração; e revoga a Lei nº 11.415, de 15 de dezembro de 2006.

leI nº 13.315, de 20.07.2016 – publIcAdA no dou de 21.07.2016Altera as Leis nºs 12.249, de 11 de junho de 2010, 9.779, de 19 de janeiro de 1999, e 9.481, de 13 de agosto de 1997, para dispor sobre a incidência do imposto de renda retido na fonte sobre remessas ao exterior de valores destinados à cobertura de gastos pessoais, à promoção de produtos, serviços e destinos turísticos brasileiros e de rendimentos provenientes de aposenta-doria e pensão.

leI nº 13.313, de 14.07.2016 – publIcAdA no dou de 15.07.2016Altera as Leis nºs 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento; 12.712, de 30 de agosto de 2012; 8.374, de 30 de dezembro de 1991, que dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por embarcações ou por sua carga; e 13.259, de 16 de março de 2016, para dispor sobre a dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção do crédito tributário inscrito em dívida ativa da União.

leI nº 13.311, de 11.07.2016 – publIcAdA no dou de 12.07.2016Institui, nos termos do caput do art. 182 da Constituição Federal, normas gerais para a ocupação e utilização de área pública urbana por equipamen-tos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca de venda de jornais e de revistas.

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leI nº 13.307, de 06.07.2016 – publIcAdA no dou de 07.07.2016Dispõe sobre a forma de divulgação das atividades, bens ou serviços re-sultantes de projetos esportivos, paraesportivos e culturais e de produções audiovisuais e artísticas financiados com recursos públicos federais.

leI nº 13.306, de 04.07.2016 – publIcAdA no dou de 05.07.2016 Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Ado-lescente, a fim de fixar em cinco anos a idade máxima para o atendimento na educação infantil.

MEDIDaS PrOVISórIaS

medIdA proVISórIA nº 741, de 14.07.2016 – publIcAdA no dou de 15.07.2016Altera a Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001, que dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior.

medIdA proVISórIA nº 737, de 06.07.2016 – publIcAdA no dou de 07.07.2016Altera a Lei nº 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre a coopera-ção federativa no âmbito da segurança pública.

DECrEtOS

decreto nº 8.842, de 29.08.2016 – publIcAdo no dou de 30.08.2016Promulga o texto da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária emendada pelo Protocolo de 1º de junho de 2010, firmada pela República Federativa do Brasil em Cannes, em 3 de novembro de 2011.

decreto nº 8.836, de 15.08.2016 – publIcAdo no dou de 16.08.2016Altera o Decreto nº 8.627, de 30 de dezembro de 2015, que aprova a Estru-tura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério do Turismo, remaneja cargos em comis-são, substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Su-perior – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo Federal – FCPE.

decreto nº 8.835, de 15.08.2016 – publIcAdo no dou de 16.08.2016Altera o Decreto nº 4.050, de 12 de dezembro de 2001, que regulamenta o art. 93 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a cessão de servidores de órgãos e entidades da administração pública federal, direta, autárquica e fundacional.

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – RESENHA LEGISLATIVA���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������227

decreto nº 8.834, de 09.08.2016 – publIcAdo no dou de 10.08.2016Dispõe sobre o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

decreto nº 8.830, de 04.08.2016 – publIcAdo no dou de 05.08.2016Altera o Decreto nº 7.973, de 28 de março de 2013, que aprova o Estatuto da Caixa Econômica Federal.

decreto nº 8.828, de 02.08.2016 – publIcAdo no dou de 03.08.2016Altera o Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, que regulamenta a co-mercialização de energia elétrica, o processo de outorga de concessões e de autorizações de geração de energia elétrica.

decreto nº 8.821, de 26.07.2016 – publIcAdo no dou de 26.07.2016 – edIção extrA

Dispõe sobre a competência para os atos de nomeação e de designação para cargos e funções de confiança no âmbito da administração pública federal.

decreto nº 8.820, de 22.07.2016 – publIcAdo no dou de 25.07.2016Dispõe sobre a antecipação do abono anual devido aos segurados e aos de-pendentes da Previdência Social, no ano de 2016.

decreto nº 8.819, de 21.07.2016 – publIcAdo no dou de 22.07.2016Altera o Decreto nº 6.944, de 21 de agosto de 2009, que estabelece medi-das organizacionais para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e dispõe sobre normas gerais relativas a con-cursos públicos, organiza sob a forma de sistema as atividades de organiza-ção e inovação institucional do Governo federal.

decreto nº 8.818, de 21.07.2016 – publIcAdo no dou de 22.07.2016 Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Co-missão e das Funções de Confiança do Ministério do Planejamento, Desen-volvimento e Gestão, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas, substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superior--DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo Federal – FCPE, altera o Decreto nº 8.365, de 24 de novembro de 2014, e dá outras providências.

decreto nº 8.817, de 21.07.2016 – publIcAdo no dou de 22.07.2016Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério das Relações Exteriores, remaneja cargos em comissão e funções gratificadas e substitui cargos em comissão do Grupo Direção e Assessoramento Superior-DAS por Funções Comissionadas Técnicas do Poder Executivo Federal – FCPE.

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228 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – RESENHA LEGISLATIVA

decreto nº 8.803, de 06.07.2016 – publIcAdo no dou de 07.07.2016Delega competência ao Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presi-dência da República para autorizar o funcionamento no País de sociedade estrangeira, suas alterações estatutárias ou contratuais, sua nacionalização e a cassação de autorização de seu funcionamento.

Fechamento da Edição: 16�09�2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

artIGOS DOUtrINÁrIOS

• AProteçãoàLiberdadeReligiosanaRelaçãodeEmprego Rúbia Zanotelli de Alvarenga Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

• O Fundamentalismo como Desafio do Estado Constitucional:Considerações a Partir da Ciência do Direito e da Cultura

Peter Haberle Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

• LiberdadedeExpressão– Inteligênciados Incisos IV,VI,VIIeIX do Artigo 5º da Constituição Federal – A Correta Exegese de Repúdio ao “Discurso do Ódio” – Parecer

Ives Gandra da Silva Martins Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

• AIntolerânciaReligiosadoEstadoLaicoBrasileiro–OModeloBrasileiro de Educação Religiosa

Antonio Baptista Gonçalves Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

• ALiberdadedeConsciência,aCrençaeoLivreExercíciodosCultos Religiosos Frente às Alterações Propostas pelo Projeto de Lei Complementar nº 122/2006

Ivete Maria de Oliveira Alves e Iône Alves Machado Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

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230 �������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

• AsIgrejaseaLimitaçãoConstitucionalaoPoderdeTributar Antonio Vieira Sias Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponível em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Laicidade e estado de direito

•Direito à Liberdade: as Consequências da Mani-pulação da Mídia e da Religião (Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino e Neuro José Zambam) .....22

•Liberdade de Gueto? Religião e Espaço Pú-blico (Paulo Gustavo Gonet Branco e PauloVasconcelos Jacobina) ...........................................9

Autor

neuro José Zambam e sérgio ricardo fernandes de aquino

•Direito à Liberdade: as Consequências da Ma-nipulação da Mídia e da Religião ........................22

pauLo gustavo gonet branco e pauLo vasconceLos Jacobina

•Liberdade de Gueto? Religião e Espaço Público ....9

pauLo vasconceLos Jacobina e pauLo gustavo gonet branco

•Liberdade de Gueto? Religião e Espaço Público ....9

sérgio ricardo fernandes de aquino e neuro José Zambam

•Direito à Liberdade: as Consequências da Ma-nipulação da Mídia e da Religião ........................22

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Laicidade e estado de direito

•Ação direta de inconstitucionalidade – Lei nº 11.830, de 16 de setembro de 2002, do Es-tado do Rio Grande do Sul – Adequação das atividades do serviço público estadual e dos estabelecimentos de ensino públicos e privados aos dias de guarda das diferentes religiões pro-fessadas no estado – Contrariedade aos arts. 22, XXIV; 61, § 1º, II, c; 84, VI, a; e 207 da Cons-tituição Federal (STF) .................................3436, 42

EMENTÁRIO

Assunto

Laicidade e estado de direito

•Dever de neutralidade, pluralismo religioso –Princípio do Estado Laico ..........................3437, 48

•Enem – estudante judeu – realização de prova em dia diferente ao Sabah – impossibilidade ..................................................................3438, 54

• Imunidade tributária – não aplicável à maço-naria ..........................................................3439, 54

• Imunidade tributária – templos de qualquer na-tureza ........................................................3440, 55

• Interferência religiosa nas decisões do STF – im-possibilidade .............................................3441, 55

•Laicidade – demissão de professora de religião por contrair casamento fora dos parâmetros da religião católica – separação entre normati-vas e religião .............................................3442, 55

•Liberdade religiosa – proibição de interferênciaestatal ........................................................3443, 57

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

direitos autorais

•A Emergência dos Direitos Autorais do Am-biente Digital (Luiz Gonzaga Silva Adolfo) ..........83

Leis ambientais

•Perspectivas de um Gerenciamento Judicial dos Riscos a Partir do Controle de Constitucionali-dade de Leis Ambientais mais Restritivas (Inêsde Sousa e Mônica Teresa Costa Sousa) ...............62

Autor

inês de sousa e mônica teresa costa sousa

•Perspectivas de um Gerenciamento Judicial dos Riscos a Partir do Controle de Constitucionali-dade de Leis Ambientais mais Restritivas ............62

LuiZ gonZaga siLva adoLfo

•A Emergência dos Direitos Autorais do Am-biente Digital .......................................................83

mônica teresa costa sousa e inês de sousa

•Perspectivas de um Gerenciamento Judicial dos Riscos a Partir do Controle de Constitucionali-dade de Leis Ambientais mais Restritivas ............62

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

consumidor

•Processual civil – Embargos de declaração – Inexistência de qualquer dos defeitos que pode-riam motivar a oposição – Prequestionamento(TRF 4ª R.) ...............................................3447, 129

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232 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

execução fiscaL

•Tributário – Agravo de instrumento – Execução fiscal – exceção de pré-executividade – Deca-dência – Ausência de prova pré-constituída – Dilação probatória – Impossibilidade (TRF 5ª R.) ................................................................3448, 133

Habeas corpus

•Processual penal – Habeas corpus – Operação nômade – Clonagem de cartões – Execução provisória da pena – Ausência de ilegalidade – Constrangimento ilegal não verificado – De-volução de prazo para recursos que inadmiti-ram os recursos especial e extraordinário – Im-possibilidade (TRF 2ª R.) ..........................3445, 119

reintegração de posse

•Ação de reintegração de posse – Imóvel fun-cional – Procedência do pedido (TRF 1ª R.) ................................................................3444, 107

saLários de contribuição

•Previdenciário – Processual civil – Revisão de benefício – Ausência de vinculação aos salários de contribuição (TRF 3ª R.) ......................3446, 125

EMENTÁRIO

Administrativo

bem púbLico

•Bem público – cessão de uso – regime de afo-ramento – renovação – título oneroso – ne-cessidade .................................................3449, 137

improbidade administrativa

• Improbidade administrativa – nepotismo – pre-juízo ao Erário – princípios da administraçãopública – violação ...................................3450, 139

Licitação

•Licitação – ausência – fracionamento de ser-viços – ilegalidade – improbidade administra-tiva – configuração ..................................3451, 139

poder de poLícia

•Poder de polícia – trânsito – órgão municipal próprio – cadastro junto ao Sistema Nacionalde Trânsito – necessidade ........................3452, 139

Ambiental

ação civiL púbLica

•Ação civil pública – condomínio de casa – área de preservação permanente – art. 5º, XXII,da CRFB/1988 – aplicabilidade ................3453, 140

animaL siLvestre

•Animal silvestre – cativeiro há mais de 15 anos – papagaio – reintrodução na natureza ou jardim zoológico – impossibilidade ....................3454, 140

icmbio

• ICMBio – área de floresta amazônica nativa – danificação – ausência de autorização – apre-ensão de máquina – liberação – impossibili-dade ........................................................3455, 142

terra indígena

•Terra indígena – demarcação – Lei nº 6.001/1973 – Decreto nº 1.775/1996 – constitucionalidade– configuração .........................................3456, 143

Constitucional

ação direta de inconstitucionaLidade

•Ação direta de inconstitucionalidade – edição de texto normativo – Lei de Licitações – possi-bilidade ...................................................3457, 144

•Ação direta de inconstitucionalidade – lei mu-nicipal – meio ambiente – alteração do Plano Diretor – participação popular – indispensabi-lidade .....................................................3458, 144

ação popuLar

•Ação popular – inconstitucionalidade de lei mu-nicipal – cabimento .................................3459, 145

mandado de inJunção coLetivo

•Mandado de injunção coletivo – revisão anual de remuneração – norma legislativa – ausência– ordem injuncional – concessão .............3460, 145

Penal/Processo Penal

absoLvição sumária

•Absolvição sumária – nulidade da decisão que analisou a resposta à acusação – não ocor-rência – fundamentação sucinta – legalidade ................................................................3461, 146

crime de atentado vioLento ao pudor

•Crime de atentado violento ao pudor – Súmula nº 279 do STF – incidência ......................3462, 147

Lesão corporaL

•Lesão corporal – violência doméstica – cárce-re privado e estupro – bis in idem – ausência ................................................................3463, 147

pecuLato

•Peculato – contratação de servidor – jogador de futebol – clube presidido pelo parlamentar – desvio de dinheiro em proveito próprio ou alheio – não configu ração .......................3464, 148

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DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������233 Processo Civil e Civil

ação de guarda de menor

•Ação de guarda de menor – falecimento – mãe – pai biológico – direito de guarda assegura-do – padrasto – visitação – interesse do melhor – não reconhecimento .............................3465, 148

ação de obrigação de faZer

•Ação de obrigação de fazer – descumprimen-to de contrato de mútuo – deliberação mono-crática .....................................................3466, 150

aLimentos

•Alimentos – pensão alimentícia entre ex-côn-juges – observação ..................................3467, 150

direito intertemporaL

•Direito intertemporal – recurso especial – mo-dalidade retida – retenção determinada na vigência do CPC/1973 – inaplicabilidade doCPC/2015 ................................................3468, 151

representação processuaL

•Representação processual – advogado subscri-tor – agravo e do recurso especial ............3469, 151

Trabalhista/Previdenciário

benefício previdenciário

•Benefício previdenciário – incapacidade – ces-sação na esfera administrativa – interesse deagir configurado – sentença anulada........3470, 151

greve

•Greve – suspensão do contrato de trabalho –ocorrência ...............................................3471, 152

reLação de emprego

•Relação de emprego – motorista – autonomia– ausência – vínculo existente .................3472, 153

rurícoLa

•Rurícola – aposentadoria por idade – início de prova material – ausência – prova testemunhalinsuficiente – benefício indevido .............3473, 154

Tributário

contribuição previdenciária patronaL

•Contribuição previdenciária patronal – natu-reza jurídica – recurso especial – agravo regi-mental em recurso extraordinário – não conhe-cimento ...................................................3474, 155

contribuição sindicaL ruraL

•Contribuição sindical rural – produtor rural –verba mantida – repercussão geral ...........3475, 155

execução fiscaL

•Execução fiscal – redirecionamento para os sócios – prescrição intercorrente – ocorrência –dissolução irregular não comprovada ......3476, 155

itcmd

• ITCMD – base de cálculo – decreto – altera-ção – princípio da legalidade – impossibili-dade ........................................................3477, 161

Seção Especial

TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

Assunto

direito internacionaL

•O Estado da Arte da Aplicação do Direito In-ternacional Público no Brasil no Alvorecer doSéculo XXI (Valerio de Oliveira Mazzuoli) .........162

Autor

vaLerio de oLiveira maZZuoLi

•O Estado da Arte da Aplicação do Direito In-ternacional Público no Brasil no Alvorecer doSéculo XXI .........................................................162

DOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

marco civiL da internet

•Coded for Export! – The Contextual Dimen-sion of the Brazilian Marco Civil da Internet(Osvaldo Saldías) ...............................................193

Autor

osvaLdo saLdías

•Coded for Export! – The Contextual Dimensionof the Brazilian Marco Civil da Internet .............193

CLIPPING JURÍDICO

•Avô não tem interesse jurídico para pedir DNAvisando a desconstituir parentesco com neto .....223

•Contagem dos prazos processuais em dias úteis prevista no novo CPC não se aplica ao Processodo Trabalho ......................................................218

•É impenhorável o imóvel residencial, mesmonão sendo o único bem da família ....................222

•Garantida progressão de regime por ausênciade hediondez em tráfico privilegiado ................217

Page 234: ISSN digital 2236‑1766 Direito Público 71_miolo.pdf · Cristina Veloso de Castro, Daniel Sarmento, Fernando de BrIto Alves, Mônica Teresa Costa Sousa, Victor Hugo de Almeida,

234 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 71 – Set-Out/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• ICMS incide sobre importação de bens e mer-cadorias por contribuintes não habituais............215

• Idade não pode ser critério para INSS concedersalário-maternidade para indígenas ...................217

•Limite de isenção de US$ 50 para importaçõesvia postal por pessoa física é ilegal ....................216

•Para fins de penhora, cotas de investimentovariável não equivalem a dinheiro em espécie ..220

•Primeira Turma afasta incidência de IPI sobre carga roubada ....................................................214

•Proibição de tatuagem a candidato de concursopúblico é inconstitucional, decide STF ..............211

•Receita com aluguel integra base de cálculo para cobrança de PIS e Cofins ...................................213

•Reconhecida validade da corretagem de imóvel, mas declara taxa Sati abusiva ............................221

•Somente a União pode legislar sobre bloquea-dores de sinal de celular em presídios ...............212

•Terceira Turma considera nulos juros de em-préstimo em caso de agiotagem .........................219

RESENHA LEGISLATIVA

Leis

•Lei nº 13.330, de 02.08.2016 – Publicada noDOU de 03.08.2016 .........................................224

•Lei nº 13.329, de 01.08.2016 – Publicada noDOU de 02.08.2016 .........................................224

•Lei nº 13.328, de 29.07.2016 – Publicada noDOU de 29.07.2016 – Edição extra...................224

•Lei nº 13.327, de 29.07.2016 – Publicada noDOU de 29.07.2016 – Edição extra...................224

•Lei nº 13.326, de 29.07.2016 – Publicada noDOU de 29.07.2016 – Edição extra...................224

•Lei nº 13.325, de 29.07.2016 -Publicada noDOU de 29.07.2016 – Edição extra...................225

•Lei nº 13.324, de 29.07.2016 – Publicada noDOU de 29.07.2016 – Edição extra...................225

•Lei nº 13.321, de 27.07.2016 – Publicada noDOU de 28.07.2016 .........................................225

•Lei nº 13.316, de 20.07.2016 – Publicada noDOU de 21.07.2016 .........................................225

•Lei nº 13.315, de 20.07.2016 – Publicada noDOU de 21.07.2016 .........................................225

•Lei nº 13.313, de 14.07.2016 – Publicada noDOU de 15.07.2016 .........................................225

•Lei nº 13.311, de 11.07.2016 – Publicada noDOU de 12.07.2016 .........................................226

•Lei nº 13.307, de 06.07.2016 – Publicada noDOU de 07.07.2016 .........................................226

•Lei nº 13.306, de 04.07.2016 – Publicada noDOU de 05.07.2016 .........................................226

medidas provisórias

•Medida Provisória nº 741, de 14.07.2016 – Pu-blicada no DOU de 15.07.2016 ........................226

•Medida Provisória nº 737, de 06.07.2016 – Pu-blicada no DOU de 07.07.2016 ........................226

decretos

•Decreto nº 8.842, de 29.08.2016 – Publicadono DOU de 30.08.2016 ....................................226

•Decreto nº 8.836, de 15.08.2016 – Publicado no DOU de 16.08.2016 ....................................226

•Decreto nº 8.835, de 15.08.2016 – Publicado no DOU de 16.08.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.834, de 09.08.2016 – Publicado no DOU de 10.08.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.830, de 04.08.2016 – Publicado no DOU de 05.08.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.828, de 02.08.2016 – Publicado no DOU de 03.08.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.821, de 26.07.2016 – Publicadono DOU de 26.07.2016 – Edição extra..............227

•Decreto nº 8.820, de 22.07.2016 – Publicadono DOU de 25.07.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.819, de 21.07.2016 – Publicadono DOU de 22.07.2016 ....................................227

•Decreto nº 8.818, de 21.07.2016 – Publicadono DOU de 22.07.2016 ...................................227

•Decreto nº 8.817, de 21.07.2016 – Publicadono DOU de 22.07.2016 ....................................228

•Decreto nº 8.803, de 06.07.2016 – Publicadono DOU de 07.07.2016 ....................................228