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ISSN impresso 1678-8990 ISSN eletrônico 2236 - 4552

CAMINHOSRevista online de divulgação científica da UNIDAVI

“Especial Pós-Graduação: Inteligência Criminal”

Rio do Sul

Ano 5 (n. 13) - jul./set. 2014

CAMINHOS: Revista online de divulgação científica da UNIDAVI

Especial Pós-Graduação: Inteligência Criminal

Coordenadores Claudio Gomes: Diretor da Diretoria de Formação e Capacitação Profissional (DIFC) da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/SC). Ilson Paulo Ramos Blogoslawski, M.e: Coordenador de Pós-Graduação da UNIDAVI. Lilian Cristina Schulze: Coordenadora do Processo Seletivo da DIFC.

AvaliadoresAndreia Lilian Formento Navarini, M.aCharles Fabiano Acordi, M.eGiovanni Matiuzzi Zacarias, M.eJeferson Valdir da Silva, M.eJonathan Cardoso Régis, M.eMárcia Cristiane Nunes Scarduelli, M.aMaria Aparecida Casagrande, M.aMichele Alves Correa, M.aMichelle Soares Rauen, Dr.aPeterson Livramento, M.eRoberto Vidal Fonseca, M.e

Equipe Técnica Sônia Regina da Silva - Coordenação Editora UNIDAVIGrasiela Barnabé Schweder - Diagramação Mauro Tenório Pedrosa - Arte/Capa

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................9

A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO FLUXO DE INFORMAÇÕES ENTRE AGÊNCIAS DE INTELIGÊNCIA E UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO 11Ana Cláudia Ramos PiresGeorge Felipe Dantas

A INFILTRAÇÃO POLICIAL NA REPRESSÃO DO CRIME ORGANIZADO: ASPECTOS LEGAIS E APLICABILIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO...............................................................................................31Eduardo VieiraAlexandre Machado Navarro Stotz

CARTEIRA DE IDENTIDADE EM SANTA CATARINA E O REGISTRO DE IDENTIDADE CIVIL NACIONAL – RIC. UMA FERRAMENTA DA INTELIGÊNCIA PARA TOMADA DE DECISÃO ...................................................55Erika Neves FigueiraMarcelo Martins

POLÍCIA CIVIL E PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS SOB O ENFOQUE DA INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA ...................................................81Carlos Alberto Coelho Ricardo Lemos Thomé

A PAPILOSCOPIA E SEUS PROFISSIONAIS NA ESFERA DA INTELIGÊNCIA CRIMINAL ..................105Daniela PaixãoCassia Aparecida Fogaça

A IMPORTÂNCIA DO USO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO MONITORAMENTO DAS AÇÕES DE ORGANIZAÇÕES CRIMINAIS ..............................131Gabriela Falck BortoliniMarcos Erico Hoffmann

A ENTREVISTA COGNITIVA COMO MEIO PARA MINIMIZAR AS FALSAS MEMÓRIAS .......................153Heverton Luis PahlMarcos Erico Hoffmann

A PERCEPÇÃO CONCEITUAL ENTRE INTELIGÊNCIA E INVESTIGAÇÃO POLICIAL .....................................171Luiza Carla Noetzold Teixeira das NevesJoanisval Brito Gonçalves

IMPLEMENTAÇÃO DE PRÁTICAS DE GOVERNANÇA NO COMBATE E PREVENÇÃO À LAVAGEM DE DINHEIRO EM FUNÇÃO DA LEI 12.683/2012 ...........197Bruna Andrade da Silva Marcelo Martins

O USO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS (SIG) COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DOS ROUBOS DE AUTOMÓVEIS EM FLORIANÓPOLIS SC .....................................................231Denise Fernandes OgandoMarcos Erico Hoffmann

O CICLO DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA APLICADO À REPRESSÃO DO CRIME DE “LAVAGEM DE DINHEIRO” ......................................255Verdi Luz FurlanettoGeorge Felipe de Lima Dantas

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APRESENTAÇÃO

Revista Caminhos Pós-Graduação em Inteligência Criminal

A produção científica na área da segurança pública é um tabu que precisa ser superado no Brasil, pois trata-se de um tema ainda muito pouco explorado no universo acadêmico.

Estamos convencidos de que pesquisar e pensar ciência, tecnologia e inovação torna-se tão urgente quanto respirar, afinal, pode-se afirmar que já é mesmo condição elementar de sobrevivência às organizações humanas.

Aprendemos com o tempo, que cada vez mais se torna necessária uma visão interativa e contextualizada das relações entre ciência, tecnologia e sociedade, sobretudo motivados pelo imperativo constante de indagar sobre a natureza dessa tecnologia, sua aplicação prática e função social.

É com esse propósito, e motivados pelo grande sucesso que foi o lançamento da Revista Caminhos, edição especial, do seminário de março de 2014, que tenho a honra e o privilégio de apresentar essa nova edição, realizada em parceria com a Editora da UNIDAVI e a Diretoria de Formação e Capacitação da Secretaria de Segurança Pública, em que são reunidos os melhores trabalhos do curso de pós-graduação em inteligência criminal.

Colhe-se desse trabalho uma oportunidade para incentivo ao diálogo e a investigação permanente entre produção do conhecimento e sua ação transformadora no cotidiano das organizações, em que abordagens se renovam e

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se retroalimentam, revelando complexas relações entre ciência e prática, e suas aplicabilidades para os campos de atividades dos órgãos da segurança pública e da defesa social.

Boa leitura!

César Augusto GrubbaSecretário de Estado da Segurança Pública

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A IMPORTÂNCIA DA COMUNICAÇÃO NO FLUXO DE INFORMAÇÕES ENTRE AGÊNCIAS DE

INTELIGÊNCIA E UNIDADES DE INVESTIGAÇÃO

Ana Cláudia Ramos Pires1

George Felipe Dantas2

RESUMOEste trabalho tem como objetivo demonstrar a importância da perfeita comunicação da informação nas situações de crise. Pretende demonstrar que a agilidade, a precisão, a concisão e o despreendimento, podem garantir maior efetividade aos resultados em ações críticas empreendidas pelos órgãos de segurança pública. Evidenciar que se conceitos básicos da comunicação eficiente tivessem sido utilizados no combate à facção criminosa PGC – Primeiro Grupo Catarinense, o combate das forças de segurança contra a criminalidade, provavelmente teria sido mais ágil, rápido e eficiente.

Palavras-chave: Comunicação. Inteligência Criminal. Investigação Criminal.

ABSTRACTThis paperwork has the purpose to demonstrate the importance of the perfect information communication in crisis situation. It aim to demonstrate that the agility, the precision, the conciseness and release, can ensure more effectiveness to critical actions results undertaken by the Public Security Organisms. Pointing out that if basic concepts of efficient communication would have been used against the criminal organization PGC - Primeiro

1 Delegada de Polícia Judiciária da Polícia Civil de Santa Catarina. Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS. Email: [email protected] Doutor em Educação pela George Washington University (GWU) de Washington, D.C., EUA. E-mail: [email protected]

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Grupo Catarinense - the combat of the security forces against the criminality, would probably be more nimble, faster and efficient.

Palavras-chave: Comunication. Criminal Inteligence. Criminal Investigation.

1 INTRODUÇÃO

A facção criminosa PGC – Primeiro Grupo Catarinense, com o lema da “paz, justiça, lealdade e liberdade pelo crime correto” foi criada em São Pedro de Alcântara em 03/03/2003. As ações desta facção sempre foram mantidas no interior das “cadeias” e “administradas” pelo sistema prisional, até o momento em que começaram a extravasar os muros das cadeias e passaram a atingir boa parte da sociedade catarinense.

Destarte, duas graves ondas de ataques foram determinadas pelas lideranças da facção e sentidas pelos órgãos de segurança e pela sociedade. No primeiro ciclo de ataques, iniciado em 11 de novembro de 2012, e com duração aproximada de uma semana, todos foram surpreendidos pela violência desmedida e injustificada, que atingiu 16 (dezesseis) cidades catarinenses em 58 (cinquenta e oito) ocorrências criminosas, todas praticadas contra coletivos urbanos e contra bases das polícias civil e militar.

Uma segunda série de atentados se iniciou no dia 30 de janeiro de 2013 e o número de ocorrências de incêndio criminoso, dano ao patrimônio público e privado registradas, chegou a 111 (cento e onze). O número de cidades atingidas também subiu para 36 (trinta e seis), e os crimes foram registrados até o dia 20 de fevereiro. Mais, uma vez, vimos a

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rotina dos moradores serem atingidas pelo medo e insegurança, com o um tácito toque de recolher imposto por criminosos. Os ataques eram incontroláveis, impossíveis de serem integralmente impedidos e difíceis de conter.

Naturalmente, que os órgãos de inteligência foram urgentemente chamados a contribuir para solução da crise sem precedentes, que atingiu diretamente dezenas de municípios que não dispunham sequer, de forças operacionais ostensivas para oferecer embate contra os criminosos.

Assim, viu-se que era necessário agir rápido, com base em elementos de informação produzidos pelas agencias de inteligência e unidades de investigação disponíveis.

Como o Estado de Santa Catarina nunca havia passado por crise com impacto análogo e diante de rotinas de órgãos de inteligência, jamais submetidos a tamanho momento de convulsão e anormalidade, o que se viu na prática foi a dificuldade de comunicação das agências de inteligência, que por não guardar subordinação alguma, apresentaram grande dificuldade em dar vazão as informações pertinentes e necessárias.

Mais especificamente, no âmbito da Polícia Civil de Santa Catarina, a Diretoria de Inteligência da Polícia Civil, DIPC3, tinha como função fazer o link, visando operacionalizar o fluxo de informações entre as unidades policiais civis e também com as outras agências da inteligência do Estado.

Nesse trabalho procuramos demonstrar, inclusive com a aplicação de questionário específico aplicados a Policiais Civis de diferentes cidades, como se efetivou a comunicação entre a

3 DIPC – Diretoria de Inteligência da Polícia Civil

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DIPC e outras unidades policiais civis, especializadas ou não.

2 A COMUNICAÇÃO

Para a WIKIPÉDIA4, Enciclopédia Livre, a comunicação é um campo de conhecimento acadêmico que estuda os processos de comunicação humana, composto por diversas subdisciplinas, tais quais a teoria da informação, comunicação intrapessoal e interpessoal, publicidade, propaganda, jornalismo, entre outras.

De modo simples também explica a comunicação como o intercâmbio de informação entre sujeitos ou objetos, atentando para a atual infinidade de formas de se efetivar a comunicação.

A comunicação que pode se realizar de forma verbal e não verbal, apresenta alguns componentes. São eles: o emissor, o receptor, a mensagem, o canal de propagação, o meio de comunicação, a resposta (feedback) e o ambiente.

Como se pode perceber os componentes da comunicação são praticamente autoexplicativos. Todavia, um deles merece destaque: o ambiente. É nesse componente que costumam aparecer a maioria, e os grandes problemas dos processos de comunicação. O ambiente onde o processo comunicativo se realiza está sujeito a sofrer interferência do ruído da comunicação e a interpretação e compreensão da mensagem está subordinada ao repertório dos agentes envolvidos.

4 WIKIPÉDIA - Enciclopédia livre cujo conteúdo pode ser ampliado ou alterado por qualquer pessoa, desde que com seriedade e respeito às normas de conduta e de direitos autorais. Seu conteúdo é licenciado pela GNU Free Documentation License e pela Creative Commons SA 3.0

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A comunicação eficiente para as partes interessadas, que estão envolvidas em cada processo, necessita de ser praticada em linguagem ajustada. Caso contrário, o ruído da comunicação será cercado de tanta interferência que não será possível produzir ações eficientes, em busca dos resultados pretendidos.

Além disso, tecnicamente entendemos que a comunicação, certamente, se dá sob a óptica da Teoria Crítica que coloca o receptor como um analista do emissor, que só após analisar criticamente a mensagem irá aceitar o que lhe for adequado/conveniente/crível.

2.1 A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL

Uma organização, qualquer que seja a sua atividade ou o seu ramo de atuação, é sempre um sistema formado por duas ou mais pessoas. É um órgão coletivo onde as pessoas desenvolvem suas idéias e as comunicam às partes interessadas, sob a forma de visões, estratégias, programas e projetos. A consecução desses planos e projetos em que as palavras transformam-se em iniciativas e ações coletivas vão configurar a organização.

De acordo com as orientações explanadas por Pinto5 (2009) a comunicação interna precisa ser vista dentro de conceitos estratégicos, desempenhando a função de coordenar o processo de formulação das mensagens que a corporação transmitirá a todos os seus públicos, especialmente quando

5 PINTO, Elen Sallaberry. O reflexo da comunicação interna na imagem empresarial. Comunicação Organizacional, 2009

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se tratar dos temas sensíveis. Destacou a autora que é preciso desenvolver os canais mais adequados para cada tipo de mensagem e para cada público, desenvolver mecanismos de feedback sobre a efetividade da comunicação e finalmente construir relacionamentos leais e duradouros por meio de processos estruturados de diálogo. Para isso, a organização necessitará desenvolver um planejamento integrado de ações de comunicação, estabelecendo os objetivos e definindo programas de ação necessários para atingi-los.

Aqui tratamos daquilo que é conhecido como endomarketing, que é a comunicação que ocorre dentro das empresas e tem como finalidade facilitar trocas entre seus membros e construir o relacionamento com o público interno, através da difusão dos objetivos da organização com confiança, segurança e precisão.

2.2 A COMUNICAÇÃO E A INTELIGÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO POLICIAL

Bem ensina o professor Celso Ferro6, quando reverbera o conhecimento de que o que verdadeiramente interessa é que as mensagens transitem, cresçam, aperfeiçoem-se na interconexão e sejam colocadas à disposição no momento certo, para as pessoas certas, na medida adequada para nos ajudar a resolver questões específicas (LEVY7, 1993).

6 FERRO, Celso Moreira Júnior. A disseminação da informação. Disponível em: gestaopolicial.blogspot.com.br7 LEVY, Pierre. As Tecnologias da Inteligência: O Futuro do Pensamento na Era da Informática. Editora 34. 13ª Edição em 2004. São Paulo. 1993.

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A teia formada pelo fluxo de informações, portanto, é mais do que apenas a troca de informes ou informações que circulam dentro das organizações policiais. Celso Ferro (2010) em seu artigo A Comunicação e a inteligência da organização policial coloca seu conhecimento, aduzindo que:

Considerando o contexto da investigação criminal, a comunicação produz uma malha e tráfego de informações compartilhadas, ao mesmo tempo em que contribui para a compreensão dos processos investigativos inerentes ao fenômeno criminal como um todo, potencializando toda a atividade.

Aqui tangenciamos o quesito da qualidade da informação veiculada. O volume de informações produzido além de não necessariamente auxiliar na produção de conhecimento, muito pelo contrário, com freqüência tem o poder avassalador de prejudicar sensivelmente, o fluxo de comunicação desenvolvido nas organizações policiais.

2.3 OS PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DA DOUTRINA DE ISP8 E DO PROCESSO DE COMUNICAÇÃO

Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública é composta por mais de uma dezena de princípios, muitos dos quais entendemos ter influencia direta no processo de comunicação. A DNISP dispõe que os princípios são as

8 Doutrina Nacional de Segurança Pública. Brasília, 2007.

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proposições diretoras, as bases, os fundamentos, os alicerces, os pilares, que orientam e definem os caminhos da atividade.

Entendemos que como norteadores, para o processo da perfeita comunicação estão fundamentalmente presentes, a objetividade, a oportunidade, a precisão, a simplicidade, a imparcialidade e sigilo.

Constatamos que todos esses princípios devem orientar a atividade da inteligência, e mapeiam naturalmente a comunicação, sendo fundamentais para garantir o perfeito desenvolvimento da troca de informação entre as agências de inteligência e com os demais destinatários da informação.

Entendemos que é natural a existência de controle rígido de informações das agências de inteligência, principalmente respeitando o principio do sigilo, tanto na produção de documentos, como no fluxo da comunicação desse conhecimento. Cabe observar que o gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que de maneira geral pode ser apresentado como o órgão responsável pela assistência direta e imediata ao Presidente da República no seu assessoramento pessoal em assuntos militares e de segurança, chegou a editar instrução normativa9 nº 1 de 13 de junho de 2008, disciplinando esse assunto.

9 BRASIL. Instrução normativa GSI nº1 de 13/06/2008 – Disciplina a Gestão de Segurança da Informação e Comunicações na APF, direta e indireta

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3 APLICAÇÃO DE QUESTIONÁRIO E SEUS RESULTADOS

Foi elaborado um questionário contendo cinco perguntas simples e objetivas, com respostas positivas ou negativas, com a finalidade de verificar se nos recentes eventos criminosos de ataques orquestrados pela facção criminosa PGC em novembro de 2012 e janeiro/fevereiro de 2013, a comunicação entre os investigadores da Polícia Civil e os analistas e gestores da inteligência da DIPC de Santa Catarina, em tese, órgão responsável por apontar as melhores soluções do conflito se deu de maneira adequada, garantindo o melhor resultado dos trabalhos de tanto para a investigação quanto para a inteligência policial.

Atualmente a Polícia Civil de Santa Catarina atua com aproximadamente 3.500 (três mil e quinhentos) policiais, o que consiste em 58% (cinquenta e oito por cento) do efetivo estabelecido em Lei. São 422 (quatrocentos e vinte e dois) Delegados de Polícia, 586 (quinhentos e oitenta e seis) Escrivães de Polícia, 2.447 (dois mil, quatrocentos e quarenta e sete) Agentes de Polícia, e 52 (cinquenta e dois) Psicólogos de policia.

Tomamos o parágrafo anterior como ponto de partida para aplicar o presente questionário aos policiais civis de Santa Catarina e assim obter uma ideia de sua visão/percepção das atividades de investigação e inteligência policial nos eventos dos ataques criminosos e com policiais que trabalhavam em cidades onde ocorreram os ataques.

Portanto, dentro de um universo de 3.507 policiais civis, foram entrevistados 40 policiais das diversas carreiras, o que representa 1,14% do efetivo, de modo a obter informações

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sobre a percepção do trabalho de inteligência policial na PCSC.10

Receberam o questionário que visava medir a qualidade do fluxo de informação que era destinado a produzir informação sobre os eventos criminosos para alimentar o órgão de inteligência da Polícia Civil, principalmente, os policiais das Divisões de Investigações Criminais/DIC, Núcleos de Inteligência Regionais/NINT e DEIC/Diretoria Estadual de Investigação Criminal. Além destes, outros agentes de unidades de comarcas que foram hábeis em apurar informações também foram ouvidos. Assim, os questionários, por amostragem, foram respondidos por policiais civis que à época dos ataques trabalhavam ou prestaram atendimento nas cidades de Florianópolis, Joinville, Palhoça, São José, Itajaí, Criciúma, Tubarão e São Francisco do Sul. Estas cidades foram as vítimas do maior número de ataques.

Salientamos que os policiais civis responderam as perguntas sem qualquer indicação da parte da pesquisadora, e receberam a garantia do anonimato de modo que pudessem expressar seu livre e real entendimento.

Lado outro, já deixamos claro que apesar da aplicação do questionário com policiais civis que trabalharam na “ponta” durante o período dos atentados criminosos não pode existir

10 Dentro da metodologia de pesquisa proposta pelo IBGE e Institutos de Pesquisas em geral, onde em um universo a ser pesquisado, pode-se fazer inferências com margem de erro de 2-3% para mais ou para menos, com um grupo de estudo de aproximadamente 0,05% do total, tomemos como exemplo os números da última Eleição de 2010, que foi de 3.500.000 eleitores em Santa Catarina. As pesquisas eleitorais utilizavam aproximadamente 1.800 entrevistados para fazer inferências sobre projeções de prováveis cenários políticos, ou seja, aproximadamente 0,05% do eleitorado.

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qualquer confusão entre a inteligência policial e a investigação policial, pois como bem ensina Joanisval Brito Gonçalves (2011) a inteligência criminal deve atuar prevenindo, cessando e identificando os envolvidos em grupos criminoso, com a finalidade de fornecer elementos, subsídios ao Poder Judiciário e Ministério Público.

Explica também que:

Importante assinalar que a inteligência policial não deve ser usada diretamente para a produção de provas de materialidade e autoria de crimes. Em outras palavras, o uso de conhecimento de inteligência na instrução de inquérito policial é algo que vai de encontro à própria natureza da atividade de inteligência e pode ter conseqüências graves a ponto de comprometer o inquérito e anular o futuro do processo penal a ele relacionado11. (GONÇALVES, p.32)

Por fim, fica a lição dos professores Dantas e Souza:

A conversão da inteligência básica em algo útil envolve a avaliação, análise e a disseminação do material resultante para unidades específicas da organização policial considerada. Tais unidades poderão então utilizar a informação como aviso de coisas que estão por acontecer ou indicação de atividades criminais ainda no estágio de desenvolvimento.12

11 GONÇALVES, Joanisval Brito. Atividade de Inteligência e legislação correlata. 2ª ed. Rio de Janeiro. Impetus, p. 3212 DANTAS, George Felipe de Lima e de SOUZA, Nelson Gonçalves de Souza. As bases introdutórias da análise criminal na inteligência policial. Disponível em http:// www.justiça.gov.br/senasp/biblioteca/artigos/art_As%20bases%20introduct%C3%B3rias...pdf(acesso em 20/11/2005).

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Primeira pergunta: “Durante as ondas de ataques provocadas pela facção criminosa PGC em novembro de 2012 e em janeiro e fevereiro de 2013, você integrou algum grupo de Investigação/Inteligência Policial, que teve como atribuição principal a investigação e o combate aos atentados?”

Análise: O questionamento teve como resposta que 75% afirmam ter participado de trabalhos na área de Investigação/Inteligência Policial. Ficou claro que o número de policiais envolvidos com aquele trabalho foi significativo, proporcional ao tamanho da inédita crise sofrida pelo estado de Santa Catarina.

Gráfico 1

Segunda pergunta: “Durante as ondas de ataques provocadas pela facção criminosa PGC em novembro de 2012 e em janeiro e fevereiro de 2013, você acredita que as diretrizes passadas pelo seu gestor tenham sido as mais apropriadas para a realização de suas tarefas de Investigação/Inteligência Policial?”

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Análise: Um número de 40% dos pesquisados respondeu afirmativamente. Porém, 60% dos pesquisados acreditam que os superiores que geriam a atividade em tela, não determinaram de maneira adequada o trabalho a ser feito por parte da equipe de operações de Investigação/Inteligência policial.

Gráfico 2

Terceira pergunta: “Durante as ondas de ataques provocadas pela facção criminosa PGC em novembro de 2012 e em janeiro e fevereiro de 2013, você recebeu precisas orientações sobre o encaminhamento e destino das informações obtidas/recebidas entre os órgãos de Investigação/Inteligência Policial?”

Análise: Essa pergunta representou uma piora da percepção dos agentes pesquisados, pois enquanto 30% dos policiais responderam afirmativamente, 70% dos pesquisados responderam que não receberam com precisão a orientação necessária para manter o fluxo de comunicação, deixando de ser observados os princípios da objetividade, a oportunidade,

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a precisão, a simplicidade, sigilo e concisão.

Gráfico 3

Quarta pergunta: “Durante as ondas de ataques provocadas pela facção criminosa PGC em novembro de 2012 e em janeiro e fevereiro de 2013, após o fornecimento de informações para a Diretoria de Inteligência da Polícia Civil, você recebeu feedback das informações produzidas pela sua equipe em âmbito local?”

Análise: Essa é uma resposta praticamente definitiva dos pesquisados que responderam negativamente, sendo que apenas 6% dos pesquisados receberam feedback da DIPC, demonstrando uma falha grave no processo de comunicação que implica inclusive na falta de confiança, como veremos na resposta da próxima questão.

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Gráfico 4

Quinta pergunta: “Se você respondeu negativamente a quarta questão, a falta de feedback do órgão de inteligência fez com que você se sentisse excluído do processo, comprometendo sua confiança no órgão de inteligência?”

Análise: 100% dos entrevistados responderam sim ao último questionamento formulado. Naturalmente, quando deixaram de receber o feedback do órgão de inteligência, todos os entrevistados que colaboraram com o processo de Investigação/Inteligência na produção de conhecimento para a resolução da crise relacionada aos ataques provocados pela facção PGC, sentiram-se excluídos do processo de conhecimento.

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Gráfico 5

Diante das respostas dadas à pesquisa proposta, algumas conclusões podem ser tiradas. Verificou-se que nesse evento crítico, apesar do seu ineditismo, um considerável número de policiais foi deslocado para trabalhar e produzir informações relacionadas a crise.

Todavia, observou-se que no que concerne a orientação prévia e a consistente formação dos agentes envolvidos com o fluxo de informação para a produção do conhecimento de forma técnica, muito há para se aprender. Denota-se das respostas apresentadas, que a ação dos agentes provavelmente deve ter sido pautada na perspicácia e em características intuitivas personalíssimas, momento em que temos que torcer para que os princípios necessários para manter o fluxo de comunicação sem ruídos, como a objetividade, a precisão, a simplicidade, o sigilo, a imparcialidade, a precisão, entre outras, estejam presentes naturalmente. Assim, temos a percepção de que em boa parte das vezes as orientações passadas pelos gestores da Polícia Civil, não são as melhores e as mais adequadas à

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consecução do trabalho policial.Além da dificuldade de em receber a orientação/

informação necessária e adequada, verificou-se a ausência de feedback entre o órgão de inteligência da Polícia Civil de Santa Catarina e demais unidades policiais envolvidas naqueles árduos, caóticos e obscuros dias de terror.

Por essa razão, diante do distanciamento da agência de inteligência, observou-se que muitos colaboradores, após momentos de esforço hercúleo, se sentiram excluídos ou pouco importantes para a consecução das metas, que era dar fim aos dias de terror e sufocar as lideranças da facção, com posterior desmantelamento da sua estrutura de poder.

Enfim, concluímos que é natural que na sua integralidade todos os entrevistados que responderam a quinta pergunta tenham se sentido fora de todo o processo de simbiose que existe entre investigação e inteligência, e que estava sendo construído naquele momento crítico. A falta de resposta e a ausência de retorno de informações à origem, enfraqueceu a endocomunicação, e a instituição Polícia Civil poderia ter saído mais fortalecida desses eventos.

4 conclusão

Inicialmente vale mais uma vez, frisar que não há de se fazer qualquer confusão entre investigação e inteligência criminal. A inteligência deve ser vista como órgão de assessoramento e produção de conhecimento com a finalidade de atender as necessidades dos órgãos que precisam da sua atuação oficial, porém silenciosa e sem vaidades, como é a investigação criminal.

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No caso em concreto, relacionado a atividade do órgão de inteligência principal da Polícia Civil de Santa Catarina, que é a Diretoria de Inteligência da Polícia Civil – DIPC, durante o período dos ataques terroristas que assombraram este estado, verificamos a dificuldade, na prática, do fluxo de comunicação entre a Diretoria e demais unidades da Polícia Civil.

Entendemos que num primeiro momento, durante o auge da crise, todo o fluxo de comunicação tenha acontecido de maneira mais atropelada, em razão da gravidade do inusitado colapso a que estava submetida a sociedade e o governo catarinense.

Na verdade observamos que a surpresa com a ocorrência dos ataques ordenados por homens reclusos no interior dos presídios, escancarou outra mazela do governo estadual, que era o sistema prisional e trouxe à tona a dificuldade de comunicação entre os órgãos de inteligência do estado, da Secretaria de Cidadania e Justiça, a inteligência do DEAP, responsável por estes reclusos e da Secretaria de Segurança Pública, incluindo o órgão misto das Polícias Civil e Militar, e aqueles formados exclusivamente por Policiais Civis e Policiais Militares.

Num segundo momento, com a nova onda de ataques, segundo o que foi observado, verificamos que o órgão de inteligência da Polícia Civil passou a agir com mais parcimônia, diante de informações que eram recebidas, mas por vezes estas informações chegavam com algum vício de origem. Além disso, outra melhora sentida é que os destinatários desses relatórios passaram a recebê-las, inclusive com mais precisão temporal, mantendo presente o princípio da oportunidade.

Todavia, o que quisemos destacar no presente trabalho, e ficou plenamente evidenciado nos questionários aplicados foi

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a dificuldade da comunicação efetiva, na troca de informações entre o órgão de inteligência e os demais órgãos de investigação/inteligência policial da Polícia Civil e vice-versa.

Além disso, verificamos que se o trabalho das agências de inteligência no Brasil são relativamente novos e precisam ainda angariar a confiança dos seus destinatários finais, preciso é estabelecer uma prática de comunicação ausente de ruídos e com um completo fluxo, sendo indispensável a realização de atividades de feedback. Não há o que esperar de positivo quando os envolvidos no processo não falam a mesma língua, não comungam dos mesmos conceitos e se guiam pela mesma cartilha, que deverá estar embebida na fidúcia e segurança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A INFILTRAÇÃO POLICIAL NA REPRESSÃO DO CRIME ORGANIZADO: ASPECTOS LEGAIS

E APLICABILIDADE NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Eduardo Vieira1

Alexandre Machado Navarro Stotz2

RESUMOO tema objeto deste artigo científico aborda à aplicabilidade da infiltração de agente policial no combate ao crime organizado, analisando aspectos legais e práticos do uso dessa técnica de investigação criminal no sistema jurídico brasileiro. Tornou-se prestigiosa abordagem das raízes históricas avaliando a evolução das técnicas operacionais e de inteligência e o surgimento do procedimento de infiltração policial, pesquisando aspectos relativos à prática e concernentes a legislação hodierna e suas similitudes no direito comparado. Não obstante buscou-se o entendimento doutrinário da infiltração de agentes do Estado no cerne de organizações criminosas. Ao ter-se acesso a dados e informações passa-se a desprezar práticas meramente intuitivas, na pior das hipóteses, macula-se possíveis provas que se carregadas de vícios devem ser desentrenhadas do processo juntamente

1 Eduardo Vieira, bacharel em Direito pela Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Policial Militar em Santa Catarina. E-mail: [email protected] Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina. Professor titular da Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis, mantida pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina, do Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis, do Complexo de Ensino Superior Anita Garibaldi - Faculdade Anhanguera São José e do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (Unidavi). Coordenador do Núcleo de Prática Jurídica do Complexo de Ensino Superior Anita Garibaldi - Faculdade Anhanguera São José. Orientador do Curso de Pós-Graduação da Unidavi. E-mail: [email protected]

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com suas derivações. No entanto esse instituto é fascinante, pois possibilita alocar o agente do estado dentre criminosos possibilitando buscar in loco; verificar quem são; quais são e qual é o grau de envolvimento de cada indivíduo com as práticas delituosas. O instituto também pode contribuir ao processo de tomada de decisões, pari passu, que as informações até então, só encontradas por meio da infiltração podem ser analisadas sendo fundamentais na elucidação de crimes complexos que impingem dificuldade de delimitação da autoria e materialidade. Ademais, a eficácia dos métodos tradicionais passa a ser contestada frente ao aumento da criminalidade e da formação de organizações criminosas, merecendo de tal forma resposta eficaz do Estado, momento em que nos parece imprescindível o uso do procedimento operacional da infiltração policial.

Palavras-Chave: Infiltração Policial; Crime Organizado; Meio de Obtenção de provas;

ABSTRACTThe theme object of this research paper discusses the applicability of infiltration of police officer in combating organized crime, analyzing the legal and practical use of this technique of criminal investigation in the Brazilian legal system aspects. Became prestigious historical roots approach to evaluating the development of operational and intelligence techniques and the emergence of police infiltration procedure, researching aspects concerning the practice and today’s laws and their similarities in comparative law. Nevertheless we sought doctrinal understanding of the infiltration of agents of the state at the heart of criminal organizations. When to have access to data and information is going to despise merely intuitive practices, at worst, macula is possible evidence that addictions should be charged withdrawn the process along with their derivations. However this institute is fascinating because it enables placing agent of the state in criminal nucleus, enabling search on site; verify who they are; what are they and what is the degree of involvement of each individual with the criminal practices. The institute may also contribute to the decision-making process, at the same time, the information hitherto only found through infiltration can be analyzed and fundamental for elucidating complex crimes that impinge difficulty to define the authorship and materiality. Furthermore, the effectiveness of traditional methods becomes contested against rising crime and the formation of criminal organizations, deserving so effective response from the State, at which point it seems necessary to

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use the operating procedure of police infiltration.

Keywords: Police Infiltration; Organized Crime; Means of Obtaining Evidence;

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que não são recentes os problemas enfrentados pela sociedade com a criminalidade. Ocorre que o século XX nos fora revelador de novos contrastes e aspectos da delinquência, passando a ocorrer com maior frequência documentada a prática de delitos por grupos de indivíduos. A marginalização encontra espaço nos meios urbano e rural, reunindo voluntários com desígnios similares, formam-se grupos, com intuito de obter lucro por meio da prática de delitos.

Frente aos novos paradigmas impostos pelo crime organizado, o governo tende a remodelar suas técnicas já não eficazes à repressão das organizações criminosas. Crê-se que a questão não é aperfeiçoar, mas sim remodelar os procedimentos operacionais. Até porque não se desprezam os métodos tradicionais, no entanto pontua-se quanto à funcionalidade na repressão do crime, sendo prestigiosa a análise do que é novo, em termos de procedimentos operacionais. O legislador tem dado alguns passos, embora morosos, mas tem havido mudanças, logo devem os órgãos de manutenção da ordem manter-se atentos ao desenvolvimento de novas técnicas operacionais sancionadas pelo governo, com vistas a frear a ocorrência de ilícitos de toda ordem.

O efeito intimidatório da legislação penal tem sido empiricamente contestado por supostamente não estar

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repercutindo como desejado. Esses dados são preocupantes, parece-nos salutar sopesar outras formas de interagir frente ao problema que se tornou o crime organizado no Brasil.

No desenvolvimento do presente artigo científico, se pretende analisar a aplicabilidade do procedimento operacional de infiltração policial, refletindo sobre as benesses deste procedimento investigatório na repressão ao crime organizado. Momento em que se analisa o emprego do instituto com vista a atual legislação, verificando sua implementação e o valor probatório das informações e dados colhidos durante o procedimento operacional de infiltração policial.

Em que se pesem os estudos a respeito da infiltração policial observa-se que ainda resta celeuma sobre sua possível aplicabilidade. Nesse sentido, é de fundamental importância à análise das convenções nacionais e internacionais, que versem sobre o combate ao crime organizado, tal como a convenção de “Palermo”, sob o enfoque do ordenamento jurídico brasileiro.

Ante o exposto, é importante ressaltar que o presente artigo científico buscará focalizar o problema de pesquisa, analisando aspectos constitucionais e infraconstitucionais, constituindo-se nosso objetivo, que passamos a concretizar, numa análise crítica exegética das preceituações constitucionais e infraconstitucionais examinadas, de forma geral, sobre os princípios basilares.

2 ASPECTO LEGAL DA INFILTRAÇÃO POLICIAL NO BRASIL

Ao delimitarem-se os aspectos legais do procedimento operacional de infiltração parece-nos prestigiosa à análise do

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surgimento desse meio de obtenção de provas. No Brasil a possibilidade de aplicação desse procedimento foi introduzida pela lei nº 10.217/2001, que incluiu o inciso V ao art. 2º da lei nº 9.034/1995. Tratava-se de inovação, embora o legislador já tivesse olvidado incluir o procedimento de infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em tarefas de investigação na edição da lei 9.034/1995, no entanto a lei fora parcialmente vetada principalmente no tocante ao dispositivo legal que disciplinava a possibilidade de utilização da infiltração policial. Na atualidade a lei nº 12.850/2013 revogou a lei 9.034/1995, trazendo nova redação procedimento operacional de infiltração policial.

A edição da lei nº 12.850/2013 veio a sanar inúmeros problemas quanto à operacionalidade das ações policiais, viabilizando a utilização do procedimento operacional de infiltração policial que somada aos demais dispositivos de investigação dão força às policias no combate ao crime organizado.

2.1 DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O conceito básico de organização é que se trata de3 [...] associação ou instituição com objetivos definidos”, e por criminosa o ato ou fato de ocorrência de delitos, para Becchi (2000, p. 42) organização criminosa seria um “conjunto formalizado e hierarquizado de indivíduos integrados para

3 Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1977 – 6ª edição, Curitiba, 2004.

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garantir a cooperação e a coordenação dos membros” [...] tratando-se de prática organizada e estruturada, com fins de obtenção de lucros por meio de práticas ilícitas e reiteradas.

Inicialmente procurou o legislador definir métodos de prevenção e repressão ao crime organizado por meio da edição da lei nº 9.034/95, no entanto, naquela época, não fora definido um conceito legal do que seria o crime organizado. Essa situação restou corrigida com a nova lei nº 12.850/2013, que, no art. 1º § 1º, dispõe in verbis:

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A definição doutrinária de organização criminosa varia; mas, majoritariamente, entende-se que é a prática de delitos de forma estruturada, planejada e com a acumulação de poder econômico ao grupo, culminando em poder de fogo e intimidação entre seus integrantes e também a agentes externos, com conexões locais e internacionais. Finalmente a típica estrutura piramidal resultante da divisão de tarefas entre seus membros; nesse entendimento, de Silva (2003, p. 16) e coadunando o raciocínio aponta Mendroni p. 10 “[...] se pessoas reunidas planejam de forma organizada – [...] buscando informações privilegiadas [...] planejar rotas de fuga, [...] neutralizar câmeras filmadoras etc. -, esse grupo poderá ser caracterizado como uma organização criminosa”

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[...] neste caso, o autor descreve como possivelmente seria um planejamento típico de uma organização criminosa.

Crê-se, que com o advento da nova legislação resolvam-se inúmeras dicotomias propiciando maior segurança jurídica aos operadores do direito e autoridades da segurança pública, viabilizando a utilização de técnicas e meios de obtenção de prova, dentre estes o de infiltração policial. Até porque, foram resolvidas algumas questões que pairavam sobre a aplicabilidade da lei nº 9.034/95, agora revogada. Parece-nos ter havido melhorias significativas no disciplinamento e depuração das técnicas e meios de obtenção de provas frente ao crescente crime organizado, e que possivelmente possibilitará maior segurança jurídica e instrumentalização aos órgãos encarregados do combate ao crime organizado.

2.1.1 Crime Organizado e a Convenção de Palermo

Inicialmente, o ordenamento jurídico brasileiro adotou a conceituação estabelecida pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, designada como Convenção de Palermo, inclusive a positivou por meio da sua inclusão ratificada no Brasil mediante o decreto legislativo n. 231/2003 e inserida no ordenamento jurídico por meio do Decreto n. 5.015/2004.

Ocorre que sempre existiu certa dicotomia quanto à definição de organização criminosa ser pactuada por convenção estrangeira. Tal não mais ocorrerá, sendo a aplicabilidade das técnicas operacionais de investigação e repressão ao crime organizado pautadas pelo ordenamento atual previsto na lei nº 12.850/2013, que define organização criminosa no art.

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1º § 1º como [...] “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza,[...] 4. Com a atual legislação, a definição e o conceito de organização criminosa foi definitivamente solidificada, sendo perfeitamente aceitável a aplicação das técnicas de investigação destinadas ao crime organizado.

2.2 INFILTRAÇÃO POLICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Ocorreram mudanças significativas no código penal, relativamente à definição do crime de quadrilha ou bando; as alterações foram pontuais, dentre elas a designação que passou a ser associação criminosa, verificou-se mudança significativa do tipo penal, passando a exigir apenas três pessoas, sendo que antes eram necessárias quatro. Com advento do novo ordenamento houve inúmeras mudanças e dentre estas a definição do procedimento operacional de infiltração de agente que nos parece ter ficado circunscrita à atuação policial, como meio de obtenção de prova, previsto no art. 3º inciso VII da lei nº 12.850, de 02 de Agosto de 2013, vejamos trecho do ordenamento, tal como disposto in verbis5

4 LEI nº 12.850, de 02 de Agosto de 2013.5 LEI nº 12.850, de 02 de Agosto de 2013.

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Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: [...] VII - infiltração, por policiais, em atividade de investigação, na forma do art. 11;

A lei 12.850/2013 não alterou a redação da Lei 11.343/2006 – Lei antidrogas –, sendo mantida a redação do art. 53 que prevê: 6 “Em qualquer fase da persecução criminal são permitidos [...] mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I – A infiltração por agentes de polícia [...]”, vindo a reafirmar a competência dos órgãos policiais na implementação desse importante meio operacional para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.

Segundo Silva (2009, p. 74) “A infiltração de agentes consiste em técnica de investigação criminal ou de obtenção da prova, pela qual um agente do Estado, mediante prévia autorização judicial, infiltra-se numa organização criminosa, [...]”. Esta técnica consiste em colocar um policial no ambiente de uma organização criminosa, preferencialmente em seu seio, dentre marginais, tal como se fosse pertencente àquele grupo.

A capacidade operacional e treinamento do policial infiltrado farão a diferença ao dificultoso manuseio dessa técnica operacional. A qual demanda oportunidade adequada à implementação, haja vista que em alguns casos ou mesmo na maioria, não será possíveis à implantação dessa técnica, dadas as características do grupo. Mas, quando obtido sucesso, a ideia é que o policial ao interagir no cotidiano da organização passe a

6 LEI nº 11.343, de 23 de Agosto de 2006.

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se inteirar de dados e informações relativamente às conversas, decisões, possibilitando às autoridades ter conhecimento dos fatos, que se tratando de ilícitos merecem repressão.

Esse agente do estado infiltra-se no cerne da organização criminosa, simulando condição de integrante. Ao adquirir confiança dos integrantes daquela facção, a polícia passa a utilizar de técnicas de investigação que utilizem seu agente infiltrado na obtenção de provas que confirmem as práticas delituosas daquele mecanismo.

São diferenciados os benefícios ocasionados pela infiltração policial em termos estratégicos, como bem observa, Mendroni (2009, p. 109) [...] “As vantagens que podem advir desse mecanismo processual são evidentes: fatos criminosos não esclarecidos podem ser desvelados, modus operandi, nomes – principalmente dos “cabeças” da organização,”[...] são peculiares os aspectos da infiltração policial, haja vista que é positivada na legislação e definida como meio de obtenção de prova, sendo mais uma ferramenta a polícia, o uso desse procedimento operacional oferece riscos a serem basilados pelo princípio da proporcionalidade. Em contrapartida a esse risco, está a eficiência, que o bom uso desse mecanismo processual pode ocasionar à polícia no combate ao crime organizado.

Ao buscar delimitar o conceito de infiltração policial, inevitavelmente somos conduzidos à hipótese de aplicação, analisando as reais possibilidades de atuação frente ao caso em concreto. De acordo com Bechara e Damásio de Jesus (2005, p.2) “A principal exigência para sua aplicação, que constitui o standard mínimo para o deferimento da medida, está expressamente reconhecida” [...] dentre os pressupostos da aplicabilidade da infiltração policial consta a prévia autorização judicial, e de tratar-se, o ilícito de organização criminosa, a

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ser verificada a possibilidade de utilização de outros meios de obtenção de provas, só cabendo à utilização deste, quando não for possível por outros meios. Dessa forma preenche-se os requisitos de admissibilidade dessa importante ferramenta operacional.

A aplicabilidade do instituto da infiltração policial encontra guarida no ordenamento e está contido na lei nº 12.850/2013, tal com dispõe in verbis:7

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites. [...] § 2o Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1o e se a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis. [...]

A infiltração policial destina-se à obtenção de provas, trata-se de procedimento operacional acionável com intuito de obter acesso a dados e informações negadas pelo mecanismo com intuito de frear o crescimento frenético de organizações criminosas, sendo imprescindível resposta estatal a contento.

No entanto, apresentam-se inúmeras barreiras. De acordo com Grinover apud Avolio, (2010, p.25)8 “O exercício de ações investigatórias pelos órgãos incumbidos da persecução penal

7 LEI nº 12.850, de 02 de Agosto de 2013.8 GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades Públicas e Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973.

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quase invariavelmente colide com a barreira protetora das constituições”[...] ao sopesar-se a aplicabilidade do instituto torna-se imprescindível avaliar a proporcionalidade como parâmetro e também como princípio. Isto, porque se coloca em pauta a tutela dos bens jurídicos individuais e também supraindividuais relativos à sociedade, logo há que sopesar-se a proporcionalidade de um bem, frente aos demais que estão em jogo, haja vista que a implementação do instituto pode macular direitos dos investigados, tal como o direito à intimidade.

De fato, há certa resistência em respeito aos princípios constitucionais implícitos e explícitos que tratam de liberdade e inviolabilidade da intimidade, mas a tutela dos bens jurídicos supraindividuais dá guarida à aplicabilidade do instituto. Para Toledo (1994, p. 10) [...] “o problema não reside na questão de ser ou não benevolente com o crime, ninguém razoavelmente poderia sê-lo, mas de saber como contê-lo” [...] respeitando a legalidade dentro dos limites socialmente toleráveis, de forma menos traumática possível, eficaz e séria.

Cabe à política criminal, portanto, eleger os ideais e interesses reservados ao tratamento da enfermidade social que é o crime, elaborando as estratégias para seu combate, bem como incrementar a execução dessas estratégias. A matéria que envolve a aplicabilidade do instituto de infiltração policial é extremamente complexa e reflete nobres valores a serem respeitados pela sociedade e Estado, merecendo avaliação individual de cada caso. Momento em que se faz necessária reflexão sobre jus puniendi do Estado e os respectivos critérios a serem seguidos pelas autoridades de segurança.

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2.2.1 Infiltração Policial no Direito comparado

No plano internacional a infiltração policial na Alemanha é fixada por legislação especial, sendo concebível no combate às organizações criminosas, com a utilização da Verdeckter Ermittler 9 assim designada em alemão o procedimento de infiltração policial. Sua aplicabilidade é regulada no ordenamento jurídico alemão nos §§ 110ª e 110b do Código de Processo Alemão. É admissível o procedimento de infiltração policial quando pertinentes indícios de crimes: tráfico de entorpecentes ou de armas; falsificação de moeda; crimes contra à segurança nacional; comerciais ou habituais; praticados por organizações criminosas, de acordo com o entendimento de Mendroni, (2009, p.211).

Na Alemanha, em casos em que se verifique urgência, permite-se a autoridade policial aplicação de oficio desse método de investigação, devendo em prazo determinado receber anuência do MP. Tal como observa Mendroni, (2009, p.212), a operação [...] “deve ser extinta se não houver manifestação favorável do MP no prazo de três dias”[...]. O ministério público alemão pode dispor sobre a aplicabilidade desse importante meio de obtenção de prova, que é empregado por tempo determinado, sendo admissível enquanto perdurar a situação que dá azo a seu emprego.

Na Argentina a lei nº 23.737/1989, em seu artigo 33 § único, trata da infiltração de agente, designada como “agente

9 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos gerais e mecanismos legais / Marcelo Batlouni Mendroni. – 3. ed. – São Paulo: Atlas, 2009.p. 210.

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encubierto” 10, tendo sido este dispositivo legal inserido pela lei nº 24.424/1995. Segundo Messa; Carneiro; (2012, p. 291) “É mister observar a importância deste dispositivo, uma vez que também prevê o instituto da ação controlada, semelhante a nossa legislação” [...] a ação controlada permite a autoridade policial postergar a detenção de pessoas ou apreensão de substâncias entorpecentes nos casos em que a prisão em flagrante possa comprometer o êxito da investigação, esse dispositivo permite ao juiz autorizar tal medida. É peculiar destacar que na Argentina só é permitido o procedimento de infiltração policial em delitos relacionados ao narcotráfico, diferente de nossa legislação, que aborda a questão de maneira mais abrangente, permitindo aplicação dessa ferramenta operacional em ações de controle e repressão do crime organizado como um todo, desde delitos que envolvam narcotráfico à criminalidade econômica organizada.

A Itália teve casos mundialmente conhecidos envolvendo organizações criminosas “máfias”. Visando maior eficiência no combate ao crime organizado, o legislador italiano previu a utilização de agentes infiltrados em alguns casos, dentre eles o tráfico de entorpecentes que recebeu regulamentação de acordo com Mendroni (2009, p. 236) “pelo Decreto do Presidente da República nº 309 de 9 de outubro de 1990, em seu artigo 97 – acquisto simulato di drogas” [...] permitindo-se em legislação específica que o agente policial adquira entorpecente dos suspeitos de tráfico para verificar e determinar sua procedência, sendo permissível tal prática com fins operacionais ao agente

10 MESSA, Ana Flávia; CARNEIRO, José Reinaldo Guimarães. Crime Organizado / coords. Ana Flávia Messa, José Reinaldo Guimarães Carneiro. – São Paulo: Saraiva, 2012.

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policial. Os Estados Unidos seguiram a tendência europeia de

entrega desse procedimento ao Órgão do Ministério Público, diferente do legislador brasileiro, que optou pela autorização judicial.

2.3 DIREITO PENAL E SUA RELAÇÃO COM PROCEDIMENTO OPERACIONAL DA INFILTRAÇÃO POLICIAL

O direito penal não conhece amigos ou inimigos e é sob essa óptica que devem trabalhar os encarregados da aplicação da lei e operadores do direito11. A infiltração policial é um dos meios de obtenção de provas mais intromissivos já criados na legislação brasileira, usado mediante autorização judicial para colocar agente policial em meio a indivíduos investigados por práticas criminosas, com intuito de saber-se o que ocorre; quando ocorre e quais os perpetradores dos fatos.

Torna-se prestigiosa a análise desse importante instrumento, haja vista que o apego à tradições e costumes não nos é argumento válido a tornar inaplicáveis as técnicas de controle e repressão ao crime organizado. Pois, é patente o crescimento da prática desse tipo de ilícito, sendo ilustrativa a pontuação de Luiz Carlos Cancelier de Olivo (2012, p. 27), em reunião sobre a obra de Dostoiévski, quando afirma que “imobilismo e coisificação representam justamente o oposto de considerar a realidade em suas constitutivas fissuras”[...].

11 Palestra no 1º Congresso Internacional Rede LFG e IPANIDRS – ASDEP proferida por Luigi Ferrajoli, no Brasil em 31/08/2007.

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Ao se considerar o real, o fático, é possível verificar eficácia ou ineficácia de um meio, sendo prestigiosa a observância de meios legais e eficazes, pois a criminalidade e a impunidade só serão resolvidas com a presença do Estado na proteção da cidadania, através de uma polícia cientificamente estruturada, um judiciário ágil e próximo aos desejos do povo e uma execução de pena efetiva.

Os crimes cometidos por organizações criminosas são de difícil elucidação e raramente deixam rastros. Para solucioná-los é necessária a aplicação de métodos não convencionais. Afinal para penalizar se faz necessária obtenção de provas das condutas, coadunando a esse entendimento Gomes, (2002, p. 15) delineia que para que se possa falar em crime “além da presença de uma ação ou omissão (uma conduta), também se faz necessário um resultado jurídico” [...] logo é prestigioso ter acesso a essa fonte, que muitas vezes só poderá ser vislumbrada de dentro pra fora, não obstante o entendimento de Thomé, (2011) [...] “deve cada indivíduo ser julgado de forma condizente com espaço social que ocupa, devendo o julgador descer até o porão e analisar as condições e possibilidades de ação dos jurisdicionados que ali vivem”, [...] tal ilustração parece-nos designativa do que se esperar do procedimento de infiltração policial, que traga dados desse espaço não acessível às autoridades policiais e judiciais do Estado.

A infiltração como meio de obtenção de prova deve ser direcionada a obtenção de dados e informações. O agente infiltrado será os olhos do Estado, conhecendo e entendendo o modo de operação da organização criminosa, buscando dados relativos à identidade dos envolvidos e sua participação no grupo. Sendo um meio de prova que para Rangel (2003, p. 406) “são todos aqueles que o juiz, direta e indiretamente, utiliza

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para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não” [...] os apontamentos do autor são designativos de que os meios de prova fazem parte do processo cognitivo do magistrado acerca dos fatos analisados, e que pode adota-los estando previstos ou não no ordenamento jurídico, logo é prestigioso lembra-se que a infiltração policial está positivada no ordenamento jurídico brasileiro.

Segundo Rocco apud Gomes, (2002, p.10) [...] “quando se interpreta qualquer tipo penal, a primeira tarefa do intérprete é descobrir qual é o bem ou interesse tutelado” [...] sendo prestigiosa a atenção do agente infiltrado para que não desenvolva interpretação surreal dos fatos, pari passu, para Binding apud Gomes, (2002, p.10) “a pena tem cunho retributivo e o que vale é o Direito penal do fato, não o do “autor”, fundado na periculosidade.”[...] a qualificação técnica do profissional é fundamental para que na coleta de dados e informações sejam desprezados as acepções pessoais corrompidas no processo introdução do agente, sendo prestigioso manter o caráter investigatório, preventivo e repressivo almejado pela infiltração, do contrário uma possível coleta de provas ficará no plano da “utopia”12.

Cabe à política criminal elaborar estratégias de combate à enfermidade social gerada pela criminalidade organizada, elegendo seus respectivos ideais pautados nos princípios adotados explícita e implicitamente pela constituição, até

12 Utopia é o termo cunhado por Thomas More para designar uma ilha – lugar – que não esta em local nenhum real, somente existindo no plano do ideal, como um projeto de antecipação. (SANCHEZ VÁQUEZ, 2001, p.361;363).

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porque nos dizeres de Toledo (1994, p.10) sobre o crime, a questão é [...] “saber como contê-lo” [...] respeitando a legalidade dentro dos limites socialmente toleráveis, de forma eficaz e séria.

Assim, o legislador, ao incluir esse dispositivo legal, visou possibilitar a coleta minuciosa de dados e informações que em sua depuração coadunassem em provas a serem carreadas ao processo, além de permitir aos órgãos policiais e judiciais o conhecimento acerca do grau de envolvimento de cada indivíduo com a prática do fato crime. Nunca olvidando a necessidade da observância dos meios legais de obtenção de provas, para fazer do processo um meio efetivo de realização da justiça com base no entendimento e definição de (GOMES, 2011).

3 CONCLUSÃO

O desenvolvimento do presente artigo científico foi altamente compensador, tendo propiciado profunda reflexão vez que o tema relativo à infiltração policial na repressão do crime organizado suscitará importantes debates dentre estudantes e operadores de direito.

A criminalidade assola as sociedades contemporâneas e a adoção do instituto da infiltração policial na repressão do crime organizado pode significar um avanço necessário indispensável quando verificada a ineficácia dos procedimentos operacionais tradicionais. Logo, o direito não pode ser visto tal como objeto estagnado, nossa legislação está em constante mutação buscando transparecer os anseios da sociedade.

Questão delicada, todavia, será sempre a da aferição da

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legitimidade e moralidade dos meios empregados pelos agentes do Estado, em busca das provas, responsabilidade que recai, prima facie, sobre o julgador, sob o enfoque não meramente utilitário do processo, mas, sobretudo, dos lineamentos éticos que definem a aplicação dos princípios constitucionais brasileiros.

Por meio de estudo das peculiaridades da infiltração policial no Brasil, buscamos analisar sua natureza jurídica encaixando-o dentre os meios de obtenção de prova sendo instrumentos da persecução penal. Dentro desta análise, foi possível afirmar que a infiltração policial lato senso deve ser entendida como coleta e seleção de elementos de informação que visem chegar o mais perto possível da verdade real de uma infração penal para sustentar um instrumento acusatório e garantidor da persecutio criminis por parte do Estado.

Nesse sentido, o foco da pesquisa, infiltração policial na repressão do crime organizado, foi analisado em suas peculiaridades como meio de obtenção prova, sendo método extraordinário utilizado quando da ineficácia dos métodos tradicionais, visando melhor desempenho e propiciando o planejamento estratégico por parte das autoridades de segurança. O combate à criminalidade e a impunidade só terá resposta a contento com a presença do Estado, através de uma polícia cientificamente estruturada.

O processo penal brasileiro tem o fim de proporcionar aos jurisdicionados um julgamento dos conflitos de forma justa, célere e adequada. Quando os fatos são delineados, a prova torna-se o meio pelo qual a lide proposta poderá ser solucionada, culminando em julgamento lastreado num conjunto probatório amealhado, aceito e corroborado e de acordo com lei, transparecendo assim a lisura, e dando suporte

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ao julgador para formar sua convicção, fulcrada em prova lícita desde a coleta.

Dessa forma com aplicação dos princípios adotados por nossa Constituição, com desenvolvimento de ações eficazes que visem a garantir a todos o acesso aos direitos inalienáveis, o processo penal atingirá seu fim, qual seja a justiça.

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ANEXO

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento completamente o CENTRO UNIVERSITÁRIO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ALTO VALE DO ITAJAÍ – UNIDAVI e o professor orientador de toda e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e ideias expressas no presente Trabalho de Conclusão de Curso.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado.

Chapecó – SC, vinte de setembro de dois mil e treze.

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CARTEIRA DE IDENTIDADE EM SANTA CATARINA E O REGISTRO DE IDENTIDADE CIVIL NACIONAL

– RIC. UMA FERRAMENTA DA INTELIGÊNCIA PARA TOMADA DE DECISÃO

Erika Neves Figueira1

Marcelo Martins2

RESUMOO objetivo deste trabalho é apresentaras características, semelhanças e diferenças entre as duas formas de identificação civil presentes no Brasil e a importância destas para o trabalho da inteligência promovendo segurança para a tomada de decisão. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, descritiva e exploratória, com análise predominantemente qualitativa. Em 29 de agosto de 1983 foi publicada a Lei nº 7.116 que regulamentou a expedição e deu validade nacional às carteiras de identidade. O Estado de Santa Catarina aplica a Lei Federal e os Decretos subsequentes e se prepara para a efetiva aplicação e mudança da documentação para o Registro de Identidade Civil, o RIC,conforme a Lei nº 9.454 de 7 de abril de 1997.

Palavras-chave: Carteira de Identidade.RIC.Inteligência.

ABSTRACTThe objective of this paper is to present the characteristics, similarities and differences between the two forms of civil identification existing in Brazil and their importance to the work of intelligence promoting safety in decision-making. It is a bibliographic and documentary research, descriptive and exploratory, with predominantly qualitative analysis. On August 29, 1983 was published Law No. 7116 which regulates the expedition and

1 Servidora Pública – IGP. Bacharel em Ciências Contábeis – Faculdades Barddal. E-mail: [email protected] 2 Servidor Público – IGP. Mestre em Gestão de Políticas Públicas. E-mail: [email protected]

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validates national identity cards. The State of Santa Catarina uses Federal Law and subsequent Decrees and prepares for the effective application and documentation change for the Civil Identity Register, the RIC as Law No. 9454 of April 7, 1997.

Keywords: Identity. RIC. Intelligence.

1 INTRODUÇÃO

Todo ser humano já nasce com identidade que se define por qualidade de ser uma só pessoa com propriedades, sinais ou marcas que o caracterizam individualmente. Sendo a identidade uma qualidade específica ou um atributo, sua determinação é a identificação.

A necessidade de se ter um sistema de identificação dos indivíduos está presente na humanidade há séculos. Várias foram as formas utilizadas para identificar as pessoas, desde atribuição de nome ao uso de ferro quente para marcação de criminosos, escravos e animais. Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento da civilização os métodos de identificação civil têm se modernizado e padronizado entre os estados e nações.

Com a padronização do método e a publicação de Leis, o trabalho de identificação do indivíduo se tornou cada vez mais preciso e confiável, sendo possível hoje a determinação da identidade de um criminoso a partir de um fragmento da impressão digital coletada em local de crime.

O uso dessa tecnologia e do banco de dados gerado pelo cadastramento detalhado de cada cidadão no ato da emissão de sua carteira de identidade, regulada pela Lei nº 7.116/83, auxilia no trabalho policial no momento da prisão ou averiguação de

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denúncias e também na investigação realizada pelo agente de inteligência e sua equipe no decorrer do trabalho da Atividade de Inteligência.

Em busca de melhoramento dos métodos e padronização nacional do documento de identidade a Lei nº 9.454/97 instituiu o número único de Registro de Identidade Civil e em2010, a Lei nº 7.166 cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil e institui o Comitê Gestor.

O objetivo deste trabalho é fazer a comparação dessas tecnologias de identificação, entre a Carteira de Identidade utilizada pelo estado de Santa Cataria e o documento de identificação nacional denominado RIC, por meio dos elementos e itens de segurança dos documentos e como esses dados são utilizados pela inteligência para auxiliar na tomada de decisão.

Diante das diferenças evidentes entre os documentos de identificação em vigência um questionamento faz-se necessário: quais as diferenças e semelhanças entre esses documentos e qual a vantagem da implementação dessa nova tecnologia?

2 REVISÃO DE LITERATURA

Poucos são os que têm acesso ao conhecimento da atividade de inteligência sendo, portanto, pouco utilizada como objeto de pesquisa acadêmica no Brasil.A atividade de inteligência, ainda hoje, remete aos tempos de ditadura e autoritarismo militar e seus órgãos são vistos com desconfiança pela sociedade.

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Nesse contexto, Gonçalves (2009) afirma que “a atividade de inteligência no País ainda é vista com preconceito por parte da população, fomentado por segmentos influentes da sociedade que menosprezam ou desconhecem a sua importância”, e acrescenta:

A sombra do passado ainda se faz presente, particularmente em virtude do significativo envolvimento dos órgãos de inteligência, tanto militares quanto civis, na repressão aos opositores do regime no período militar. Nesse contexto, o Serviço Nacional de Informações (SNI), antecessor da Abin, ocupou papel central no aparato de informações brasileiro e muitas vezes esteve associado aos mecanismos de repressão, inclusive com violações aos direitos humanos. Apesar de extinto em 1990, o SNI ainda é lembrado quando se quer produzir críticas e comentários pejorativos à atividade de inteligência no Brasil.

Sobre esse tema, Antunes (2002, p. 103) nos instrui que, “com a extinção do SNI, criou-se um vácuo na área civil de inteligência e abriu-se um espaço para a atuação de agentes sem regulamentação estabelecida”. Dessamaneira, conforme a autora, até 1995, houve apenas ensaios, por parte dos Poderes Legislativo e Executivo, de implementação de uma nova agência de inteligência (que viria a ser a ABIN – Agência Brasileira de Inteligência, criada pela Lei 9.883/1999).

Conforme o Decreto nº 4.376, de 13 de setembro de 2002,art. 1º, inciso 1º, a ABIN é órgão central do Sisbin, que tem por objetivo “integrar as ações de planejamento e execução da atividade de inteligência do País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”.

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De acordo, também, com o mencionado decreto em seu art. 1º, inciso 2º, o Sisbin é responsável pelo processo de obtenção e análise de dados e informações e pela produção e difusão de conhecimentos necessários ao processo decisório do Poder Executivo, em especial no tocante à segurança da sociedade e do Estado, bem como pela salvaguarda de assuntos sigilosos de interesse nacional.

2.1 CONCEITOS

Mesmo com a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP sendo mantida em segredo pelos próprios órgãos de inteligência, alguns autores tratamsobre as definições e conceitos do tema. Para Ugarte (2002 apud Gonçalves, 2011, p. 6) a inteligência é um produto sob forma de conhecimento, informação elaborada.

Conforme a Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN, em seu art. 1º, inciso 2º, define:

[...] entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

Segundo a DNISP (2007) a atividade de inteligência:

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É o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos federal e estaduais a tomada de decisões, para o planejamento e à execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública.

Assim, a atividade de inteligência tem grande importância para a defesa de instituições públicas ou privadas, da sociedade e do Estado.

2.2 FINALIDADES

Entre as finalidades da atividade de inteligência elencadas pela DNISP (2007), destacam-se:

- Proporcionar análises sobre a evolução de situações do interesse da segurança pública, dando suporte no processo decisório.

- Dar subsídio ao planejamento estratégico integrado do sistema e a elaboração de planos específicos para as diversas organizações do Sistema de Segurança Pública.

- Apoiar diretamente com informações relevantes as operações policiais de prevenção, repressão, patrulhamento ostensivo e de investigação criminal.

- Auxiliar na investigação de delitos.

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2.3 CARACTERÍSTICAS

Algumas características da atividade de Inteligênciade Segurança Pública podem ser definidas como:

- Produção de Conhecimento: é a coleta e busca de dados, e, por meio demetodologia específica, transformando-os em conhecimento preciso, com a finalidade deassessorar os usuários no processo decisório.

- Assessoria: produz conhecimentos para o processo decisório e para auxiliaras polícias em suas atividades.

- Dinâmica: É a característica da Inteligência em Segurança Pública que lhe possibilita evoluir adaptando-se àsnovas tecnologias, métodos, técnicas, conceitos e processos.

- Abrangência: em razão dos métodos esistematização característica, a inteligência pode ser empregada em qualquer campo doconhecimento de interesse da Segurança Pública.

- Segurança: é a característica da atividade de inteligência que visa garantir sua existência, protegidade ameaças.

2.4 PRINCÍPIOS DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

De acordo com o disposto na DNISP (2007), os princípios são as proposições diretoras – as bases, os fundamentos, os alicerces, os pilares – que orientam e definem os caminhos da atividade de inteligência.

A seguir, apresenta-se quadro-resumo sobre adefinição de alguns princípios da Atividade de Inteligência como a amplitude, objetividade, oportunidade, precisão, simplicidade, controle e sigilo, os quais são expostos pela DNISP (2007):

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Quadro I – Definição dos princípios da Atividade de Inteligência

PRINCÍPIO DEFINIÇÃOAMPLITUDE Consiste em alcançar os mais completos

resultados possíveis nos trabalhos desenvolvidos

OBJETIVIDADENorteia a atividade, para que cumpra suas funçõesde forma organizada, direta e completa, planejando e executando ações de acordocom objetivos previamente definidos.

OPORTUNIDADE Orienta a produção deconhecimentos, a qual deve realizar-se em prazo que permita seu aproveitamento.

PRECISÃO Objetiva orientar a produção doconhecimento verdadeiro, significativo, completo e útil.

SIMPLICIDADE Orienta a sua atividade de forma clarae concisa, planejando e executando ações como mínimo de custos e riscos.

CONTROLERecomenda a supervisão e oacompanhamento sistemático de todas as suas ações, de forma a assegurar a nãointerferência de variáveis adversas no trabalho desenvolvido.

SIGILO Visa preservar o órgão, seus integrantes eações.Fonte: DOUTRINA NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA (2007, p. 14-15)

Além desses princípios, a DNISP (2007) apresenta os seguintes: compartimentação (visa a restringir o acesso ao conhecimento sigiloso somente para aqueles que tenham a real necessidade de conhecê-lo, a fim de evitar riscos e comprometimentos), permanência (visa proporcionar um fluxo constante de dados e de conhecimentos), imparcialidade (norteia a atividade de modo a serisenta de ideias preconcebidas e\ou tendenciosas, subjetivismos e distorções) e a interação (implica estabelecer ou adensar relaçõessistêmicas de cooperação, visando otimizar esforços para a consecução dos

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seus objetivos).

2.5 PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Por ser compreendida como um conjunto de técnicas e métodos utilizados para a produção do conhecimento a atividade de inteligência em segurança pública – ISP, irá subsidiar a tomada de decisão.

Desta forma, possibilita que o agente público atue de forma eficiente, assim como viabiliza um funcionamento institucional mais dinâmico e seguro, reduzindo os riscos da tomada de decisões desconexas, contraditórias, destoantes de uma estratégia racionalmente delimitada e em confronto com o interesse público primário (ALMEIDA NETO, 2009).

Para Pacheco (2006), as atividades de inteligência “nada mais são do que sistemas de gestão da informação, ou, numa visão mais ampla e atual, sistemas de gestão do conhecimento”, concentra-se na produção e na salvaguarda de conhecimentosutilizados em uma tomada de decisão, ou em apoio às instituições de SegurançaPública.

Para o correto exercício da atividade é indispensável o uso de metodologia própria, deprocedimentos específicos e de técnicas acessórias voltadas para a produção doconhecimento.A Produção de Conhecimento compreende o tratamento, pelo profissional deinteligência, de dados e conhecimentos.

De acordo com a DNISP (2007), dado e conhecimento tem por definição:

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Dado é toda e qualquer representação de fato, situação, comunicação, notícia,documento, extrato de documento, fotografia, gravação, relato, denúncia, etc, aindanão submetida, pelo profissional de ISP, à metodologia de Produção deConhecimento. Conhecimento é o resultado final - expresso por escrito ou oralmente peloprofissional de ISP - da utilização da metodologia de Produção de Conhecimentosobre dados e/ou conhecimentos anteriores.

Produzir conhecimento é, para a ISP, transformar dados e/ou conhecimentosem conhecimentos avaliados, significativos, úteis, oportunos e seguros, de acordocom metodologia própria e específica (DNISP, 2007).

Ugarte (2002 apud Gonçalves, 2011, p. 7) lembra a concepção trina da inteligência (conhecimento-organização-atividade) e de sua importância para o processo decisório em diferentes esferas de atuação, inclusive, no meio privado sendo importante para o mercado competitivo.

Ou seja, inteligência é produção de conhecimento para auxiliar a decisão. Desempenha o papel de assessoria administrativa não sendo uma instância executora. Um agente de inteligência, em nível mais elevado de hierarquia, tomará, ou não, determinada decisão ou ação.

3 METODOLOGIA E MATERIAIS DE PESQUISA

Dentre as fases para sua realização desta pesquisa, realizou-se a fundamentação teórica, a qual foi efetivada por meio de levantamento bibliográfico direto e indireto. A exposição da Atividade de Inteligência procura esclarecer um tema pouco explorado no meio acadêmico e pouco conhecido

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pela população em geral. Para esse tema utilizou-se a Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999, que institui o Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN e cria a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN e a DNISP do ano de 2007.

Após a pesquisa bibliográfica, a segunda fase é a descrição e exposição das características de cada um dos documentos de identificação comlegislação vigente no país e em aplicação do Estado de Santa Catarina.

A pesquisa foi efetuada com base na legislação que se refere à regulação da identificação civil brasileira, Lei nº 7.116 de 29 de agosto de 1983, e duas alterações ocasionadas pelosDecretos nº 89.250 de 27 de dezembro de 1983 e Decreto nº 2.170 de 4 de março de 1997.

Outra fonte de pesquisa de dados são as legislações referentes ao Registro de Identidade Civil, o RIC. Publicada em 1997 a Lei nº 9.454 de 7 de abril, institui o número único de Registro de Identidade Civil e apresenta outras providências sobre o tema com as alterações realizadas pela Lei nº 12.058 de 2009. No ano de 2010, a Lei nº 7.166 de 5 de maio cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil e Institui o Comitê Gestor.

Segundo Marconi e Lakatos (2003, p.51), a pesquisa bibliográfica “não é mera repetição do que já foi escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”. Nessa fase ocorreu a obtenção de dados secundários de livros, sítios eletrônicos e outros trabalhos publicados na área.

A última parte do trabalho consiste em verificar de forma comparativa os itens de segurança e elementos presentes nos documentos e como esses dados são utilizados pela inteligência para auxiliar na tomada de decisão.

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4 ResultADos

A Carteira de Identidade é um documento emitido para cidadãos nascidos e registrados no Brasil e para nascidos no exterior, que sejam filhos de brasileiros. O registro é válido em todo o território nacional e em alguns países como Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela é aceito para substituir o passaporte em viagens internacionais.

4.1 REGISTRO GERAL – RG

Também conhecido como Carteira de Identidade é de extrema importância para todo o cidadão brasileiro. Sendo necessário para solicitação de outros documentos, a carteira de identidade é o primeiro documento que reúne características que individualizam uma pessoa. Sem o RG não é possível solicitar carteira de motorista ou passaportee nem mesmo prestar concurso público.

Regido pela Lei nº 7.116 de agosto de 1983, a emissão da carteira de identidade é de responsabilidade dos “órgãos de Identificação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios tem fé pública e validade em todo território nacional”, conforme seu art. 1º, ficando a cargo dos Estados o sequenciamento da numeração dos seus RG. A referida Lei e suas alterações subsequentes não tratam do prazo de validade para a carteira de identidade.

Para emissão da primeira via da carteira de identidade ou a solicitação de segunda via, o cidadão nato ou naturalizado deve apresentar somente a documentação exigida no art. 2º,

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são eles: certidão de nascimento ou casamento, certificado de naturalização e fotografia no formato 3x4.

A Carteira de Identidade conterá os seguintes elementos, conforme o Decreto 89.250/83 em seu art. 3º:

a) Armas da República e inscrição “República Federativa do Brasil”;b) nome da Unidade da Federação;c) identificação do órgão expedidor;d) registro geral no órgão emitente, local e data da expedição;e) nome, filiação, local e data de nascimento do identificado, bem como, de forma resumida, a comarca, cartório, livro, folha e número do registro de nascimento ou casamento;f) fotografia, no formato 3 cm x 4 cm, assinatura e impressão digital do polegar direito do identificado;g) assinatura do dirigente do órgão expedidor;h) a expressão: “válida em todo o território nacional”;i) referência à Lei 7.116, de 29 de agosto de 1983.

Para inclusão de outros dados como o número de inscrição no Programa de Integração Social – PIS, no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP ou do número de cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda – CPF, o cidadão deverá apresentar documentos comprobatórios os quais serão arquivados juntamente com o requerimento por escrito do interessado.

Em seu art. 5º a Lei nº 7.116/83 determina que:

[...] Do português beneficiado pelo Estatuto da Igualdade será expedida consoante o disposto nesta Lei, devendo dela constar referência a sua nacionalidade e à Convenção promulgada pelo Decreto nº 70.391, de 12 de abril de 1972.

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Nesse caso, serão anotados o número e o ano da Portaria Ministerial que concedeu a naturalização com a seguinte expressão, dada pelo art. 6º, parágrafo único, do Decreto 89.250/83: “Nacionalidade portuguesa – Decreto nº 70.391/72”.

Sobre as características físicas dos documentos de identidade, o Decreto nº 89.250/83 determina no art. 3º que:

A Carteira de Identidade terá as dimensões 10,2 cm X 6,8 cm, e será confeccionada em papel filigranado ou fibra de garantia, em formulário plano ou contínuo, impressa em talho doce e offset, com fundo em verde claro e texto na cor verde.

O Parágrafo Único, deste artigo, expõe sobre as características de segurança:

a) tarja em talho doce na cor verde;b) fundo numismático; c) perfuração mecânica da sigla do órgão de identificação sobre a fotografia do titular; d) numeração tipográfica, sequencial, no verso, para controle do órgão expedidor.

Os elementos e características do documento de identificação do Estado de Santa Catarina podem ser observados nas cédulas de identidade conforme destaques a seguir:

1. Dados do órgão emissor – informações gerais do órgão emissor do documento.

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2. Impressão digital do titular – dedo anular direito para confronto visual das impressões digitais.

3. Perfuração Mecânica – sigla do órgão de identificação. Utilizada para marcação da foto e da cédula.

4. Foto do titular – foto 3cm x 4cm colada, destaca-se a facilidade de adulteração do documento.

5. Assinatura do titular – marcada a caneta.

Figura 1 – Cédula de Identidade – face A

Fonte: Adaptado do Instituto de Identificação Civil e Criminal de Santa Catarina – IGP/SC, 2011.

Alguns itens de segurança estão presentes nas duas faces do documento de identificação, são eles:

• Fundo invisível fluorescente – imagem invisível com tinta fluorescente reagente a luz ultravioleta.

• Fundo numismático – desenho em linhas apresentando efeito tridimensional. Quando escaneado ou fotocopiado, o mesmo perde resolução e se transforma em pontos

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interrompidos e sem definição.• Tarja em talho doce na cor verde– impressãoem alto

relevo sensível ao tatoque dá efeito tridimensional à imagem devido ao claro-escuro resultante do conjunto de linhas que a compõe. Presente nas duas faces do documento.

Na mesma área da cédula pode-se identificar também: marca d’água, fibras invisíveis luminescentes e fibras coloridas. Na face B da cédula, além dos itens em comum, destacam-se:

Figura 2 – Cédula de Identidade – face B.

Fonte: Adaptado do Instituto de Identificação Civil e Criminal de Santa Catarina – IGP/SC, 2011.

1. Dados biográficos do titular – limitados ao nome, filiação, naturalidade, data de nascimento, documento de origem (certidão de nascimento ou casamento com averbação, se houver).

2. Data de expedição da carteira de identidade.3. Assinatura do responsável pelo órgão expedidor.

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No estado de Santa Catarina a impressão da Carteira de Identidade é feita de forma descentralizada. Para que haja assinatura do responsável utilizam-se chancelas com os dados do diretor do Instituto de Identificação no período da emissão, no entanto, em muitas cidades a emissão do documento fica a cago das Delegacias Regionais de Polícia e, portanto, são os delegados regionais que assinam o documento.

Tal documento é expedido com base no processo de identificação datiloscópica e dispensa qualquer apresentação de documentos que lhe deram origem ou que foram fonte de dados e que nela tenham sido mencionados.

4.2 REGISTRO DE IDENTIFICAÇÃO CIVIL – RIC

Lançado oficialmente no ano de 2010, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Registro de Identificação Civil foi instituído pela Lei nº 9.454 de 07 de abril de 1997 por Fernando Henrique Cardoso. Este documento vem para substituir as atuais cédulas de identidade em todo território nacional.

No art. 3º da Lei supracitada, fica sob responsabilidade do Poder Executivo a definição da“entidade que centralizará as atividades de implementação, coordenação e controle do Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, que se constituirá em órgão central do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil.”.

Com o RIC cada cidadão brasileiro será identificação por uma numeração única nacional e terá no mesmo cartão informações que hoje carregamos em vários documentos diferentes, como RG, CPF, Título de Eleitor, PIS, Pasep,

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Carteira de Trabalho e Carteira Nacional de Habilitação registrados no chip de segurança, por esse motivo, a nova carteira de identidade nacional não desobrigará a apresentação dos documentos como CPF, título de eleitor e passaporte, quando necessário.

A implementação do número único de registro de identificação civil, se dará por meio de convênio entre a União, os Estados e o Distrito Federal (inciso 1º, art. 3º, alterado pela Lei nº 12.058, de 2009). No inciso 2º do art. 3º, trata sobreo Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil:

Os Estados e o Distrito Federal, signatários do convênio, participarão do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil e ficarão responsáveis pela operacionalização e atualização, nos respectivos territórios, do Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil, em regime de compartilhamento com o órgão central, a quem caberá disciplinar a forma de compartilhamento a que se refere este parágrafo.

Com a adoção do RIC, todos os estados brasileiros passarão a utilizar o mesmo sistema para emitir a nova identidade, onde os dados essenciais serão mandados para uma central que vai formar o Cadastro Nacional Único. Os institutos de identificação estaduais farão uma consulta online no Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, criado pelo Decreto nº 7.166/2010, para que cada brasileiro tenha apenas um número de identidade.

O cartão conta ainda com um código MRZ (sigla em inglês para zona de leitura mecânica), uma sequência de caracteres de três linhas compatível com mecanismos de

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identificação de outros países e que tambémtorna mais rápido o processo de identificação dos indivíduos.

Além disso, outras tecnologias aplicadas ao documento garantem a segurança dos dados do cidadão brasileiro como, por exemplo, os itens em destaque na parte da frente do Registro de Identificação Civil:

Figura 3 – Registro de Identidade Civil - Frente

Fonte: Adaptado de Portal Brasil, 2013.

1. UF – sigla da unidade da federação que expediu o documento.

2. Dados do titular – nome, sexo, nacionalidade, data de nascimento e data de validade do cartão do RIC.

3. Foto do titular – impressa a laser em uma camada interna do suporte documental. Além da qualidade da impressão, destaca-se a impossibilidade de remoção tanto física como quimicamente.

4. DOV – Dispositivo Óptico Variável que produz

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efeito de transição de formas e cores. Trata-se de um tipo de holograma desenvolvido com exclusividade para o governo brasileiro. A matriz desse desenho complexo é de propriedade do Estado e fica sob sua guarda.

5. Assinatura do titular – digitalizada e impressa a laser.6. Chip – contém dados biográficos e biométricos,

inclusive impressões digitais, o que possibilita a identificação eletrônica automatizada do titular e o uso da certificação digital.

7. Número do RIC – instituído pela Lei nº 9.454/97 o Número Único de Registro de Identidade Civil identificará cada cidadão brasileiro, nato ou naturalizado, em suas relações com a sociedade, com os organismos governamentais e entidades privadas. O sequenciamento numérico será único e gerado com base nas impressões digitais.

8. MLI - Imagens múltiplas gravadas por feixes de raio laser que, dispostas em um ângulo específico, revelam o estado de origem do cartão e o número RIC. Com outro posicionamento, percebe-se a reprodução da foto e a assinatura do titular do cartão.

No verso do cartão do RIC, destacam-se os seguintes itens de segurança:

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Figura 4 – Registro de Identidade civil –Verso.

Fonte: Adaptado de Portal Brasil, 2013.

1. Foto fantasma –é a reprodução da foto do titular no verso do cartão, em tamanho reduzido.

2. Dados do órgão emissor – informações gerais do órgão emissor do documento.

3. Número de série do cartão – número que identifica o suporte documental vinculado ao cadastro do titular.

4. Impressão digital do titular – dedo indicador direito para confronto visual das impressões digitais.

5. Dados biográficos do titular – reúne diversos números de documentos do cidadão em um único suporte documental.

6. Campo MRZ com código OCR padrão ICAO – conjuntode números e letras que permitem a leitura em equipamentos utilizados, por exemplo, em aeroportos. Trata-se do padrão internacional para identificação de documentos de viagem.

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O cartão do RIC ou suporte documental é elaborado por um polímero de várias camas de alta resistência e durabilidade. É especialmente preparado para o processo de gravação a laser que proporciona alta qualidade gráfica e dificulta a alteração de dados e falsificação do documento.

4.3 COMPARATIVOS

O número de elementos apresentados pelo RIC supera e muito o número de itens utilizados atualmente pela carteira de identidade catarinense que a comparação com a simples classificação “presente” e “ausente” trata superficialmente as especificidades de cada documento.

Muitos são os elementos e itens de segurança de cada documento, apresenta-se a seguir quadro comparativo para melhor visualização dos itensconstantes em ambos os registros, porém, com grande diferença na tecnologia aplicada em cada tipo de identificação:

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Quadro 2 – Quadro comparativo RG x RIcELEMENTOSE ITENS DE

SEGURANÇA

REGISTROGERAL – RG

REGISTRO DE IDENTIFICAÇÃO

CIVIL - RICTipo de material Papel filigranado

plastificadoPolímero em várias camadas de alta resistência

Item invisível aos olhos

Fundo invisível f l u o r e s c e n t e , fundon u m i s m á t i c o , marca d’água, fibras invisíveis luminescentes.

Dispositivo óptico variável – holograma desenvolvido com exclusividade para o governo

Numeração Estadual NacionalNúmero de série Presente somente

na face A – fotoPresente em cada cartão

Foto do titular Colada Impressa a laserImpressão digital Polegar direito Indicador direitoAssinatura Marcada a caneta Impressa a laserDadosarmazenados Nome, filiação,

local e data de nascimento

Reúne diversos números de documentos

Fonte: Adaptado das Leis nº 7.116/83 e nº 9.454/2007.

A tecnologia aplicada ao RIC visa prevenir o avanço da criminalidade dificultando sua falsificação ou adulteração.

5 CONCLUSÕES

Após exposição das características semelhantes e específicas do RG atual de Santa Catarina e do RIC nacional fica evidente o avanço tecnológico e o aumento do número de informações disponibilizadas no novo documento, quando da sua efetiva implantação. O uso de um cartão com várias

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camadas para impressão dos dados do identificado evita alteração do documento e maior segurança para o usuário das informações nele contida.

Para o agente de inteligência e para a agência de inteligência a numeração nacional dada ao documento e o banco de dados do RIC centralizado no Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil viabilizará a consulta mais dinâmica do indivíduo suspeito moderando o tempo empregado na pesquisa e agilizando o processo de planejamento da ação policial.

Conclui-se que, o cidadão catarinense está sujeito hoje a inúmeras possibilidades de fraudes no seu documento de identidade pela falta de segurança na emissão e facilidade de adulteração dos dados nele impresso.

Recomenda-se a efetiva implantação do RIC em todo território nacional tanto com vantagens para a Segurança Pública quanto para o cidadão brasileiro, a comodidade proporcionada pelo armazenamento de dados no chip e a segurança das informações nele contido garante hoje a verdadeira individualização pessoal.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Presidência da República. Decreto n.º 7.166, de 05 de maio de 2010. Cria o Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil, institui seu Comitê Gestor, regulamenta disposições da Lei nº 9.454, de 07 de abril de 1997, e dá outras providências. Disponível em: <http://arpen-sp.jusbrasil.com.br/noticias/2177007/decreto-7166-2010-cria-o-sistema-nacional-de-registro-de-identificacao-civil>. Acesso em: 07 de outubro de 2013.

BRASIL. Portal Brasil. Conheça o Novo Registro de Identidade Civil (RIC). Publicado em 17/12/2010, última modificação 18/08/2013. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2010/12/conheca-o-novo-registro-de-identidade-civil-ric>. Acesso em: 09 de outubro de 2013.

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POLÍCIA CIVIL E PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS SOB O ENFOQUE DA INTELIGÊNCIA DE

SEGURANÇA PÚBLICA

Carlos Alberto Coelho 1

Ricardo Lemos Thomé 2

RESUMOO presente artigo tem por objetivo possibilitar a discussão sobre a atuação da Polícia Civil na prevenção ao uso de entorpecentes sob o enfoque da Inteligência de Segurança Pública. A pesquisa permitiu concluir que embora não seja uma atribuição específica da Polícia Civil, e nem exclusiva dos órgãos de segurança, é uma demanda social exigida pelas comunidades onde os policiais estão inseridos e exercem suas atividades policiais, o que não pode ser dissociado em face da natureza peculiar do trabalho exercido pelo agente de segurança pública. Portanto, o uso da Inteligência de Segurança Pública permite a abordagem multidisciplinar e abrangente que o tema exige em decorrência de seus desdobramentos nos índices de violência e criminalidade, além de suscitar um aprofundamento sobre o tema, corroborando com a modernização da forma de gestão da Polícia Civil, rompendo paradigmas e promovendo uma interação cada vez maior entre a instituição e a sociedade civil.

Palavras-chave: Polícia Civil. Drogas. Uso indevido. Prevenção. Inteligência de Segurança Pública.

ABSTRACTThis article aims to allow discussion on the role of civilian police in preventing the use of drugs with a focus on Public Security Intelligence. The research concluded that although not a specific allocation of the Civil

1 Especialista em Inteligência Criminal, Escrivão de Polícia da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina,[email protected] 2 Doutor em Direito, Delegado de Polícia da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, [email protected]

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Police, and not exclusive of the security agencies, is a social demand required by the communities where the police are inserted and exercise their police activities, which can not be separated in the face of peculiar nature of the work performed by public security agents. Therefore, the use of the Public Security Intelligence provides a comprehensive and multidisciplinary approach that requires the subject due to its unfolding in violence and crime, as well as encourage a deepening on the subject, supporting the modernization of police management form civil, breaking paradigms and promoting increased interaction between the institution and civil society.

Keywords: Civil Police. Drugs. Indevide Use. Prevention. Public Security Intelligence.

1 INTRODUÇÃO

As drogas produzem enorme impacto na vida das pessoas, quer seja como participantes do processo, como expectadores de seus desdobramentos ou como estudiosos sobre o tema. Em termos policiais este assunto se faz cada vez mais presente no cotidiano das atividades da instituição, resultando em um grande impacto nestas mesmas atividades em decorrência das expectativas da sociedade, tornando evidente que o cidadão exige cada vez mais a abrangência das ações realizadas pelos agentes da segurança pública.

De forma geral, as drogas têm uma participação relevante nas práticas delituosas, quando não estão relacionadas ao crime em si, tornam-se um fator agravante a ser considerado. Deste modo, o objetivo geral do presente artigo é abordar sob o enfoque da Inteligência de Segurança Pública à participação da Polícia Civil na prevenção ao uso de drogas e suas implicações como mais uma alternativa viável e eficaz ao enfrentamento

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da violência e da criminalidade. Obviamente que não há pretensão de ser conclusivo, todavia, se apresenta como mais uma oportunidade de aprofundamento sobre o tema, na busca pelo atendimento as demandas da sociedade, corroborando com a mudança de paradigma no modelo de gestão da Polícia Civil Catarinense.

2 DROGAS LÍCITAS E ILÍCITAS

O termo droga tem sua origem na palavra droog, derivada da língua holandesa, na sua forma antiga, cujo significado está associado à folha seca (CEBRID, 2010). Tal associação tem suas raízes na Antiguidade, quando quase a totalidade dos medicamentos era produzida à base de vegetais (CEBRID, 2010).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (SENAD, 2008, p.23), droga é “qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento”. Portanto, os medicamentos também são drogas, mas o que caracteriza uma substância como benéfica ou não para o organismo é o uso, a quantidade, a frequência e a finalidade com que ela é utilizada pelo indivíduo.

Neste trabalho, a abordagem sobre as drogas restringe-se ao ponto de vista legal, ou seja, o aspecto jurídico. Desse modo, as drogas podem ser classificadas em lícitas e ilícitas, sendo que as primeiras são todas as drogas comercializadas de forma legal, submetidas ou não a algum tipo de restrição, como o álcool, o tabaco e alguns medicamentos de uso controlado (SENAD, 2004), e as segundas são as proibidas por lei.

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As drogas que alteram o funcionamento do cérebro, modificando o psiquismo ou estado mental das pessoas que a utilizam, são chamadas de drogas psicotrópicas ou substâncias psicoativas (SENAD, 2008). Conforme as modificações que produzem na atividade cerebral ou no comportamento as drogas podem, didaticamente, ser classificadas em: depressoras, estimulantes e perturbadoras (SENAD, 2008).

Na categoria das drogas depressoras está incluída uma grande variedade de substâncias, de diferentes propriedades físicas e químicas, que apresentam em comum os efeitos que produzem: diminuição da atividade motora, da sensibilidade à dor e da ansiedade; euforia inicial e, posterior, sonolência. Sendo destacado como exemplo o álcool, os barbitúricos, os benzodiazepínicos, os opióides e os solventes ou inalantes (SENAD, 2008).

As drogas estimulantes são drogas capazes de elevar a atividade cerebral, produzindo um estado de alerta exagerado, insônia e aceleração dos processos psíquicos. As anfetaminas, a cocaína e o crack podem ser elencados nesta categoria (SENAD, 2008).

A maconha, o LSD ou Dietilamida do Ácido Lisérgico, o ecstasy e os anticolinérgicos são drogas perturbadoras da atividade mental pois provocam alterações no funcionamento cerebral, resultando em fenômenos psíquicos anormais, entre os quais delírios e alucinações (SENAD, 2008). Entende-se por delírio um falso juízo da realidade, em que o indivíduo atribui significados anormais aos eventos reais que ocorrem à sua volta. As alucinações são uma percepção sem objeto, o indivíduo vê ou sente algo que não existe (SENAD, 2008).

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2.1. DROGAS: USO E USO INDEVIDO

Podemos definir o uso quando há um vínculo frágil com a droga, quando a utilização permite a manutenção das atividades diárias, seja trabalho, estudo, convivência social, relacionamento familiar e afetivo, entre outras. O uso indevido se caracteriza quando há prejuízo no exercício destas atividades ou a impossibilidade de mantê-las (SENAD, 2008).

Com relação à utilização das drogas é preciso considerar que o que caracteriza o uso indevido são a quantidade e a forma de utilização. Nesse aspecto devemos pontuar o uso de medicamentos, de álcool e de tabaco. Muitas vezes não consideramos que os medicamentos também são drogas, inclusive alguns deles de uso contínuo e com venda mediante retenção da receita, mas seu uso é benéfico se consumidos conforme a prescrição médica. Todavia, esses mesmos medicamentos fora das doses recomendadas e da sintomatologia a que se destinam, serão prejudiciais ao indivíduo. Com o consumo de álcool e tabaco pode ocorrer o que chamamos de “uso socialmente aceito”, que é quando a substância deixa de ser considerada como droga, sendo incorporada a atividades recreativas, relaxantes, culturais, fazendo parte da realidade individual, familiar e social do indivíduo. Portanto, o uso indevido de drogas configura-se num fenômeno complexo, resultante da combinação de inúmeros fatores, entre eles: o indivíduo, a substância e o contexto social e cultural em que sua utilização e o usuário estão inseridos (SENAD, 2008).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (apud SENAD, 2008), o uso de drogas pode ser classificado quanto à utilização e a frequência. Quanto à utilização são considerados seis níveis de uso: a) na vida, quando o uso ocorreu pelo

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menos uma vez durante a vida do indivíduo; b) no ano, quando a utilização ocorreu nos últimos doze meses; c) no mês ou recente, houve uso pelo menos uma vez nos últimos trinta dias; d) uso frequente, o uso aconteceu seis ou mais vezes nos últimos trinta dias; e) de risco, quando o padrão de uso implica em alto dano à saúde física ou mental do usuário, embora ainda não tenha resultado em doença orgânica ou psicológica; e f) prejudicial, quando o uso está provocando dano à saúde física e/ou mental.

Quanto à frequência o usuário pode ser: a) não usuário, nunca utilizou drogas; b) usuário leve utilizou drogas nos últimos trinta dias, mas o consumo foi inferior a uma vez por semana; c) usuário moderado, o uso ocorreu semanalmente, porém não todos os dias, durante o último mês; e d) usuário pesado, utilizou drogas, diariamente, durante os últimos trinta dias (SENAD, 2008).

Na história da humanidade há inúmeros registros sobre o uso de drogas em situações específicas, como cerimônias e rituais religiosos, que contextualizadas não representavam ameaça à saúde pública. Portanto, a relação dos indivíduos com as drogas não é algo recente, entretanto, somente no final do século XIX, início do século XX, com a aceleração da urbanização e da industrialização, com a implantação de uma nova ordem médica, o uso e o abuso de vários tipos de drogas passaram a ser problematizados. Assim o controle sobre o uso passa da esfera religiosa e dos costumes para a esfera da biomedicina (BUCHER, 1986, p. 66 apud SENAD, 2008), e, atualmente, para a esfera jurídica.

Em uma sociedade focada no consumo, em que o importante é o “ter” e não o “ser”, em que a inversão de crenças e valores gera desigualdades sociais, que favorece a

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competitividade e o individualismo, não há mais “certezas” religiosas, morais, econômicas ou políticas. Esse estado de insegurança, de insatisfação e de estresse constante incentiva à busca de novos produtos e prazeres – nesse contexto, as drogas podem ser um deles (SENAD, 2008).

2.2. O CONSUMO DE DROGAS NO BRASIL

Os dados em relação à oferta e demanda de drogas no Brasil existiam de forma muito dispersa. Em 2001 e 2005 foram realizados, respectivamente, o I e o II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, que resultou na divulgação do Relatório Brasileiro sobre Drogas, permitindo que os dados disponíveis fossem unificados, apresentando “diversos indicadores que possibilitam avaliar a situação do consumo de diversas drogas no Brasil e seu impacto sobre a sociedade” (BRASIL, 2009, p. 12).

Segundo o Relatório Brasileiro sobre Drogas (BRASIL, 2009), a porcentagem total de uso de qualquer droga na vida foi de 22,8% da população, com exceção do álcool e do tabaco. Nas 108 maiores cidades do país, distribuídas pelas cinco regiões, foi relatado pelo total de entrevistados o uso na vida de: 74,6% para o álcool; 44% para o tabaco; 8,8% para a maconha; 6,1% para os solventes; 2,9% para a cocaína e 07% para o crack. Quanto à dependência os índices nacionais são de 12,3% para o álcool e de 10,1% para o tabaco.

O consumo de drogas por cada uma das cinco regiões brasileiras apresenta-se da seguinte forma: Região Norte - 14,4%; Região Sul - 14,8%; Região Centro-Oeste - 17,0%; Região Sudeste - 24,5% e Região Nordeste - 27,6%.

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Com base no II Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil (SENAD, 2005), o álcool e o tabaco lideram as estatísticas de uso e dependência, seguidos da maconha, benzodiazepínicos, solventes e estimulantes.

Em relação ao gênero, o masculino apresenta maior uso na vida e maior dependência de álcool e tabaco; maior prevalência de uso na vida de maconha, solventes, cocaína, alucinógenos, crack, merla e esteróides, enquanto que o gênero feminino apresenta maior uso de estimulantes, benzodiazepínicos, orexígenos e opiáceos. É baixo o consumo de heroína para os dois gêneros. Em 2001, a prevalência de uso de anticolinérgicos é igual para ambos os sexos, mas aumenta em 2005 em três vezes para o gênero masculino. Em 2001 os xaropes e barbitúricos apresentam maior incidência para o gênero feminino e em 2005 são praticamente iguais entre os gêneros (BRASIL, 2009).

Em relação à faixa etária, em 2005, a maconha e os solventes têm prevalência entre os 18 e 24 anos. O consumo de cocaína supera o de maconha entre os 25 e 34 anos. Os orexígenos, opiáceos, anticolinérgicos, alucinógenos, esteróides e barbitúricos têm prevalência praticamente iguais entre os 18 e 34 anos. Acima dos 35 anos prevalecem os benzodiazepínicos e xaropes. Estimulantes e crack prevalecem na faixa etária dos 25 a 34 anos (BRASIL, 2009).

Quanto à percepção de risco grave de uso, as mulheres são mais conscientes, com enfoque para o álcool, maconha e cocaína/crack. Todavia, em se tratando de uso frequente de cocaína e crack, homens e mulheres têm percepção de risco muito semelhantes. Em termos estatísticos, de 2001 para 2005, a percepção de risco para o uso eventual de maconha e cocaína/crack aumentou, mas diminuiu a percepção de risco para uso

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de álcool, o que gera um sinal de alerta para necessidade de realização de forma permanente de campanhas de prevenção com enfoque na conscientização dos riscos envolvidos no consumo frequente e indevido de drogas (BRASIL, 2009).

2.3 OS ASPECTOS DA LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS NO BRASIL

Atualmente a política penal antidrogas brasileira é regida pela Lei 11.343, que entrou em vigor em 2006, substituindo as Leis 6.368/76 e 10.409/02, esta última foi revogada, teve seus artigos vetados em decorrência da redação inadequada (VEJA, 2011).

A Lei 11.343 é ampla, possui 75 artigos, institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD); prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas; define crimes e dá outras providências (BRASIL, 2006).

Infelizmente, há uma lacuna entre a previsão legal e a prática. A Lei 11.343 estabelece que consumir ou comercializar drogas é crime. Todavia, prevê punições distintas para usuário e traficante. Ao primeiro, a lei imputa três tipos de pena: advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo; ao segundo, a lei atribui pena de reclusão e pagamento de multa. Alguns fatores são considerados pelo juiz para determinar a finalidade da droga: a natureza e a quantidade da substância apreendida,

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os antecedentes dos envolvidos, entre outros. Sob os olhos da lei o usuário precisa de tratamento e não de punição. Contudo, na realidade, a estrutura oferecida pelo Estado de forma a contemplar a previsão legal é insuficiente.

A realidade da prática policial muitas vezes ultrapassa o que é atribuição legal e o que é comprometimento com o cidadão que tem na polícia um ponto de apoio, informação, esclarecimento, direcionamento ou até seu último recurso na tentativa de solução para o seu problema. É a inabdicável função social que o exercício profissional e a própria sociedade nos confere.

Os conflitos sociais aportam nas delegacias em toda a sua dimensão desesperadora... todos buscam no único representante estatal de plantão ao qual têm acesso permanente e fácil, uma solução imediata e milagrosa para os problemas que os afligem. Não há recusa por parte da polícia em atender estas demandas reprimidas, mesmo que para alguns não seja esta a atribuição a ela conferida pela Constituição. O sofrimento alheio, a dor da alma, permitem que o ser humano seja desnudado em sua essência de fragilidade... que não é capaz de compreender que a polícia não foi estruturada para solucionar o tipo de problema que o atormenta e à sua família ... Nestas ocasiões os policiais atuam como psicólogos, conciliadores, médicos, advogados, religiosos, etc... na intenção suprema de desempenhar um papel que vai além daquele que o Estado outorgou (CHEGURY, 2010, p.1).

Por vezes não eram problemas policiais, mas o envolvimento com o uso indevido de drogas agravou os seus desdobramentos, resultando em delitos tipificados na lei.

Comprovadamente a prática policial nos remete ao aumento das ocorrências policiais em que temos relacionados

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o tráfico e o uso de drogas, sejam estas lícitas ou ilícitas. Pesquisas no Brasil demonstram que 80% dos crimes estão ligados às drogas e a melhor forma do Estado agir não é somente utilizando políticas repressivas, pois que o uso indevido de drogas passa a ser um problema do Estado a partir do momento em que a coletividade, o interesse público é atingido, no momento em que a droga gera danos à saúde, desigualdades sociais e violência (LOURIDO JÚNIOR, 2007).

A norma penal reconhece o tráfico como um agente “catastrófico” que num ciclo vicioso é mantido pelo usuário; portanto, neste contexto a prevenção ao uso indevido de drogas figura também como uma forma de enfrentamento do problema (LOURIDO JÚNIOR, 2007).

Na prática policial, basicamente, o que determina se o envolvimento do indivíduo com as drogas pode ser definido como tráfico ou uso é quantidade de droga apreendida; em seguida outros elementos devem ser considerados: o histórico pessoal de antecedentes criminais, se o(s) indivíduo(s) era(m) alvo de investigação prévia, se no local da apreensão foram identificados instrumentos que possam ser associados ao tráfico (balança de precisão, embalagens para acondicionamento da(s) substância(s) psicoativa(s), dinheiro, produtos químicos, entre outros. A contextualização geral permite ao Delegado de Polícia adotar os procedimentos adequados a cada caso. Em se tratando de usuário o procedimento instaurado é um Termo Circunstanciado (TC), o conduzido é compromissado para comparecer perante o Juiz da Comarca, em data e horário pré-agendados, sendo liberado em seguida. Contudo, se for caracterizado o flagrante de tráfico, é lavrado o Auto de Prisão (APF) e comunicado ao Poder Judiciário da Comarca onde ocorreu o delito, sendo que o conduzido permanecerá sob

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custódia do Estado, a disposição do Juiz.

2.4 PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS

Num sentido amplo podemos conceituar prevenção como uma intervenção prévia que deve ser efetuada antes que determinado fenômeno aconteça (IMESC, 2011). Quanto à prevenção de forma específica, no que concerne às drogas é a adoção de uma atitude responsável em relação ao uso (IMESC, 2011). Portanto, prevenção ao uso indevido de drogas é uma intervenção cujo objetivo é evitar a instalação de um uso problemático, considerando-se as circunstâncias em que ocorra o uso, a finalidade e o tipo de relação que o indivíduo mantenha com a substância, seja ela lícita ou ilícita (IMESC, 2011).

Segundo o Relatório Brasileiro sobre Drogas (BRASIL, 2009), entre 2006 e 2007, foram mapeadas em todo o país 9.038 instituições que atuam com atividades relativas à prevenção ao uso indevido de álcool e outras drogas; ao tratamento, recuperação e reinserção social; a redução de danos sociais e a saúde e que desenvolvem ensino e/ou pesquisa relacionada às drogas. Deste total, 6.367 instituições são de autoajuda e as outras 2.671 instituições desenvolvem pelo menos uma das atividades descritas anteriormente; sendo que 646 destas desenvolvem programas de redução de danos e 93 desenvolvem atividades de ensino e/ou pesquisa (BRASIL, 2009).

A prevenção ao uso indevido de drogas é um desafio, “não há um modelo de prevenção que tenha garantia de sucesso”, pois as drogas na atualidade “são uma incógnita para sociedade, os especialistas, o governo e a política”

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(BARROS e RAMOS, 1998, p. 41). Esse contexto reforça que a prevenção deve ser um evento sistemático, pois trabalhada de forma isolada e dissociada da realidade tende a não produzir os efeitos esperados, uma vez que restringir a abordagem da prevenção ao uso indevido de drogas apenas aos tipos e efeitos advindos do uso é muito limitador.

Deste modo, a prevenção ao uso indevido de drogas deve ter suas bases de forma a permitir que o indivíduo “pense e reflita de maneira crítica sobre sua vida, suas escolhas, seus desejos, suas frustrações e seu futuro” (SODELLI, 2007, p. 2), buscando de forma permanente conhecimentos científicos e práticas que façam sentido para os envolvidos no processo, contexto este em que a Polícia Civil pode se valer do apoio da Inteligência em Segurança Pública e suas áreas de abrangência.

Em se tratando de prevenção algumas iniciativas podem ser destacadas.

Implantado em 2005 pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), o programa “Viva Voz” (0800 510 0015) é uma central telefônica, que funciona de segunda à sexta-feira das 08h às 20h, aberta à população em geral, que fornece orientações e informações sobre as características das drogas psicoativas e sua ação no organismo. Também são fornecidas informações sobre prevenção ao uso e os recursos disponíveis na comunidade para quem precisa de algum tipo de atenção com relação às drogas.

Os Alcoólicos Anônimos (AA) e os Narcóticos Anônimos (NA) são exemplos de iniciativas de grupos de autoajuda que têm tido sucesso ao longo dos anos. Ambos tiveram origem nos Estados Unidos. A fundação do primeiro data de 1935, em Akron, Ohio; no Brasil os registros datam de 1947, na cidade do Rio de Janeiro. O segundo tem registros a partir de meados

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de 1953, tendo hoje grupos em mais de 130 países, entre eles o Brasil. Os Alcoólicos Anônimos se autodenominam como uma irmandade de homens e mulheres que procuram ajuda mútua em suas vivências para evitar o envolvimento com o álcool e os Narcóticos Anônimos são uma associação comunitária de adictos às drogas em recuperação (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2011; NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2011).

O Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD), ministrado pela Polícia Militar, é um programa de abrangência nacional, com representação nos Estados da Federação. O PROERD tem sua origem no projeto norte-americano D.A.R.E. - Drug Abuse Resistance Education - (Educação para resistir ao abuso de drogas). O projeto original foi desenvolvido por um grupo de psicólogos, policiais e pedagogos do Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD), em parceria com o Distrito Unificado Escolar daquela cidade. O resultado foi muito significativo, permitindo que o programa fosse estendido. Atualmente o D.A.R.E. é administrado por uma organização não governamental, sendo desenvolvido em mais de cinquenta países. Em 1992 o programa chegou ao Rio de Janeiro, recebendo adaptações metodológicas condizentes com a realidade cultural brasileira e a atual denominação (PROERD). Em Santa Catarina foi implantado em 1998, para o atendimento de crianças e adolescentes. Em 2007 o programa foi adaptado para os pais, promovendo a participação das famílias (SSP, 2011).

Em Santa Catarina, podem ser citados também os Conselhos Comunitários de Segurança (CONSEGs) que, orientados sob a perspectiva da Polícia Comunitária, visam incentivar a participação da comunidade em atividades relativas à resolução de problemas apontados pela própria

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comunidade, ou seja, a interação instituição policial (policiais civis e militares) e sociedade civil (SSP, 2013).

Segundo algumas pesquisas, a prevenção é um conceito relativamente recente, bem como à atuação policial também voltada para a questão da prevenção ao uso indevido de drogas. Essa mudança passa pela construção de um novo paradigma em que o policial é um ator social envolvido, diretamente, nas cenas de construção da realidade; é um protagonista de direitos e de cidadania; é um pedagogo; visto que, o policial, antes de tudo, é também um cidadão (BALESTRERI, 2002).

É uma concepção mais abrangente essa inclusão do policial também na dimensão de agente educacional, formador de consciências e opiniões. Porém, essa condição de legítimo educador é inabdicável e explicitada através de comportamentos e atitudes (BALESTRERI, 2002).

Considerando-se que a sociedade apresenta novas demandas, embora a prevenção ao uso indevido de drogas não seja uma atribuição específica da Polícia Civil, é imprescindível que a Segurança Pública e as instituições que a compõem, entre elas a Polícia Civil, desenvolvam competências para sua atuação frente a essas demandas sociais auxiliadas pela produção de conhecimento e constante treinamento preconizados pela Inteligência de Segurança Pública.

2.5 COMPETÊNCIAS E ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO DA POLÍCIA CIVIL CATARINENSE

A Polícia Civil ou Polícia Judiciária é o órgão auxiliar da Justiça, responsável pela investigação e apuração das infrações penais, exceto as militares, indicando, sempre que possível,

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sua autoria; fornecendo ao Ministério Público os fundamentos para a propositura da ação penal (BRASIL, 2005). É uma instituição subordinada ao poder executivo, tendo as suas atribuições estabelecidas na Constituição Federal e Estadual.

A Constituição Federal, promulgada em 1988, trata pela primeira vez sobre o tema “segurança pública”. Em seu artigo 144, estabelece que: “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 2005), através de cinco organizações policiais distribuídas nas esferas federal (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal) e estadual (Polícia Civil e Polícia Militar).

A Constituição do Estado de Santa Catarina estabelece, em seus artigos 105 e 106, como competência da Polícia Civil as funções de polícia judiciária e apuração de infrações penais, exceto as militares; a execução dos serviços administrativos de trânsito; a supervisão dos serviços de segurança privada e a fiscalização de jogos e diversões públicas (SANTA CATARINA, 1989).

Em Santa Catarina a Secretaria de Segurança Pública foi criada em 1935. Em 09 de maio de 1964 foi editada a Lei 3.427, que fixou uma nova estrutura para os órgãos policiais. A Lei 4.265, de 07 de janeiro de 1969, alterou a anterior e estabeleceu a necessidade de realização de concurso público para o provimento dos cargos e a implantação de cursos de aperfeiçoamento e formação profissional. A Lei 8.240, de 13 de abril de 1991, e as Leis Complementares n.ºs 243 e 381, de 30 de janeiro de 2003 e 07 de maio de 2007 respectivamente, promoveram mudança nas denominações dos órgãos gestores da Polícia Civil (GENOVEZ, 2004).

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Em Santa Catarina a Polícia Civil está subordinada à Secretaria de Segurança Pública e conforme a hierarquia estabelecida o cargo máximo é representado pelo Delegado Geral da Polícia Civil. Em termos operacionais, a estrutura divide-se em trinta regiões, representadas pelas Delegacias Regionais de Polícia, que têm por subordinadas as Delegacias de Polícia, as Delegacias de Polícia de Comarcas e as Delegacias de Polícia Municipais.

3 PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS SOB O ENFOQUE DA INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA

A Polícia Civil, por atribuição Constitucional, exerce as suas atividades de forma repressiva, ou seja, após a ocorrência do fato delituoso. Entretanto, a prática cotidiana constata, infelizmente, que a interferência penal está sendo utilizada como resposta a todos os tipos de conflitos e problemas sociais, convertendo-se em recurso público de gestão de condutas, deixando de servir como instrumento subsidiário de proteção de interesses ou bens jurídicos tutelados (RODRIGUES, 2008). com as drogas a situação não é diferente, pois embora não seja uma atribuição específica da Polícia Civil, cada vez mais a instituição vê a necessidade de tratar o assunto na esfera preventiva.

A Inteligência de Segurança Pública pode ser conceituada como:

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“A atividade de ISP é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos federal e estaduais na tomada de decisões, para o planejamento e a execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública”. (BRASIL, 2007, p. 11)

Desta forma, podemos afirmar que a atividade de Inteligência tem sua participação no combate da violência de forma geral e mais especificamente nos crimes de alta complexidade como os decorrentes de organizações criminosas como o tráfico de drogas, pois que o uso/abuso de drogas revela-se como um fenômeno complexo, resultante da combinação de inúmeros fatores, entre eles: o indivíduo, a substância e o contexto social e cultural em que sua utilização e o usuário estão inseridos (SENAD, 2008), portanto a abordagem precisa de um instrumento alternativo e complementar aos já utilizados no enfrentamento do problema, buscando o objetivo de prevenção e não somente de repressão.

A disponibilidade de uma variedade de ferramentas de obtenção e tratamento para produção e posterior informação e conhecimento, associada à produção destes conhecimentos de Inteligência de Segurança Pública, se consolidam cada vez mais como alternativas ao trabalho das instituições de segurança pública no enfrentamento a criminalidade e a violência, em particular as decorrentes do uso/abuso de drogas, permitindo que os agentes policiais possam atender os anseios e expectativas da sociedade em que exercem as suas atividades

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profissionais e que estão inseridos.A manutenção da ordem pública exige dos órgãos de

Segurança Pública a existência de um sistema de inteligência organizado, estruturado e de recursos humanos treinados, com o objetivo de atender as demandas sociais e institucionais, sendo justamente neste contexto que a Polícia Civil pode e deve atuar de forma preventiva no combate ao uso de drogas e suas consequências.

“Métodos de análise de informações proporcionam mecanismos mais eficazes para a realização de diagnósticos e prognósticos sobre a criminalidade. A detecção, identificação e a antecipação de ações delitivas passam a ser um trabalho constante e permitem uma visão contextual e global da criminalidade.” (FERRO, 2008, p.27).

Portanto, na atividade policial e em sua gestão, as informações produzidas nas atividades de Inteligência de Segurança Pública se revelam como instrumento eficaz de apoio ao enfrentamento da violência, e aos crescentes índices de criminalidade, índices estes decorrentes da especialização das organizações criminosas.

Estas informações contribuem para prevenção ao proporcionarem um aperfeiçoamento do entendimento e resolução de ilícitos, permitindo traçar estratégias para o enfrentamento com o direcionamento de recursos materiais e humanos de modo a favorecer a compreensão quanto à evolução dos acontecimentos sociais contrários à ordem pública, como é o caso do uso, abuso e comércio de substâncias entorpecentes.

O uso da Inteligência de Segurança Pública por suas

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características peculiares de produção de conhecimento, assessoria, verdade com significado, busca de dados protegidos, ações especializadas, economia de meios, iniciativa, dinâmica, abrangência e segurança, pode contribuir na prevenção ao aumento da violência e da criminalidade associada às drogas no seu contexto mais amplo que ultrapassa os limites do usuário e extravasa em muitas das mazelas sociais relacionadas ao tráfico de entorpecentes e em seus reflexos vivenciados na prática cotidiana da atividade policial.

4 conclusão

Embora não seja uma atribuição específica da Polícia Civil, dado seu caráter repressivo, e nem dos órgãos de segurança, não há como separar o papel social do policial, enquanto cidadão e agente público, frente às demandas sociais, nem a importância da prevenção no seu aspecto de combate aos desdobramentos advindos do uso e abuso de drogas. Portanto, utilizar as ferramentas disponíveis através do uso da Inteligência de Segurança Pública no enfrentamento da violência e da criminalidade associadas às organizações criminosas como é o caso do tráfico de drogas, possibilitará o engajamento dos policiais civis em novos projetos, em parceria com outras entidades e com as comunidades em que estão inseridos no seu exercício profissional e pessoal.

A pesquisa permitiu aprofundar a compreensão de que a prevenção ao uso indevido de drogas é um processo complexo, que envolve múltiplos fatores e de resultados imprevisíveis, portanto sua abordagem também precisa ser realizada de múltiplas formas, sendo que o uso da Inteligência de Segurança

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Pública se torna adequada exatamente por buscar dados e transformá-los em conhecimento; por possibilitar que este conhecimento produzido auxilie a polícia em suas atividades de tal modo que ou expresse as intenções dos envolvidos no processo ou as prováveis conseqüências dos fatos; por permitir o acesso, desde que previamente autorizados, a dados protegidos; por exigir um aperfeiçoamento constante de seus agentes; por otimizar os recursos; por sua pró-atividade; por sua adaptação às novas tecnologias; por sua abrangência a qualquer campo de interesse da Segurança Pública e por garantir sua própria existência e proteção; estando em total sintonia com a proposta de modernização da forma de gestão da Polícia Civil Catarinense que tem investido no aperfeiçoamento de seus agentes com o objetivo de qualificar os serviços oferecidos no atendimento as reais necessidades da sociedade em que se encontra inserida.

Para isso, o nosso olhar enquanto policiais civis deve ser amplo, despido de preconceitos e pré-conceitos, permitindo um exercício profissional que contemple o ordenamento jurídico, a base de nossas ações, e o nosso papel social enquanto defensores da garantia de princípios de cidadania.

Por fim, podemos acrescentar que como a prevenção tem justamente a base numa intervenção prévia ao acontecimento de fenômeno a utilização da Inteligência de Segurança Pública se mostra eficaz e eficiente neste processo.

REFERÊNCIAS

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A PAPILOSCOPIA E SEUS PROFISSIONAIS NA ESFERA DA INTELIGÊNCIA CRIMINAL

Daniela Paixão1

Cassia Aparecida Fogaça2

RESUMOO aumento da criminalidade na atualidade, em proporções alarmantes, assim como a sensação de impunidade em relação ao esclarecimento de crimes, vem instigando o interesse do Estado e demais órgãos na busca por soluções em segurança pública. Diante deste desafio este artigo objetiva destacar a importância da papiloscopia e seus profissionais, retratando sua atuação atual no Estado de Santa Catarina e sua inclusão no campo da Inteligência Criminal. A metodologia aplicada consiste em uma pesquisa bibliográfica utilizando-se de referências impressas e virtuais, contextualizando sua história, apontando conceitos e métodos de forma a implementá-la na Inteligência. O presente artigo apresenta o contexto da papiloscopia na esfera da Inteligência, considerando que esta ciência tem vital importância na elucidação de crimes apontando sua autoria, auxiliando na punição de culpados no uso de técnicas e métodos de individualização capazes de produzir conhecimento de forma prática e segura. Possibilita também um pronto atendimento no restabelecimento da ordem, paz e segurança pública, devido às multifacetadas funções desses profissionais, juntamente com um banco de dados a ser cada vez mais explorado no compartilhamento de informações de interesse policial. Ao final deste trabalho, no que tange a ciência papiloscópica, evidencia-se a necessidade de políticas de segurança pública que invistam no aprimoramento de mecanismos técnico-científicos, materiais de pesquisa, tecnologia, compartilhamento de informações e valorização do material humano para uma resposta ainda mais eficiente e

1 Especialista em Inteligência Criminal. Auxiliar Criminalística do Instituto Geral de Perícias de Chapecó – SC, graduação em Administração Empresarial pela UNOESC. Email: [email protected] Orientadora. Graduação em Administração (UNC), graduação Enfermagem (FACVEST), especialização Administração Hospitalar (FURB), mestrado em Educação (UNIPLAC). Email: [email protected]

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eficaz na redução da impunidade, no atendimento aos anseios e reclames da sociedade pela devida apuração da verdade e manutenção da ordem pública.

Palavras-chave: Papiloscopia, inteligência criminal, segurança pública.

ABSTRACTThe increase in crime today in alarming proportions, as well as the feeling of impunity in relation to solving crime, is urging the interest of the state and other agencies in the search for solutions in public safety. Faced with this challenge this paper aims to highlight the importance of papiloscopy and its professionals, portraying their current activities at the State of Santa Catarina and its inclusion in the field of Criminal Intelligence. The methodology applied consists of a literature search using the printed and virtual references, contextualizing your history, pointing concepts and methods in order to implement it in Intelligence. This article presents the context of papiloscopy in the sphere of intelligence, considering that this science has vital importance in elucidating crimes pointing his own, helping in the punishing guilty in the use of techniques and methods of individualization able to produce knowledge in a practical and safe. Also provides an emergency service in restoring order, peace and public safety, due to multifaceted roles of these professionals, along with a database being increasingly explored in sharing information of interest police. At the end of this paper, regarding science papiloscópica, highlights the need for public safety policies that invest in the improvement of technical scientific mechanisms, research materials, technology, sharing information and enhancement of human material for a further response efficient and effective in reducing impunity in meeting the expectations of society and reclames by proper truth-telling and maintenance public order.

Keywords: Papiloscopy, criminal intelligence, public safety.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente, mesmo que os princípios de um Estado

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Democrático de Direitos sejam no oferecimento de garantias de direitos humanos, justiça social, garantias fundamentais e de segurança, vivemos com a sensação de medo e impunidade, devido ao crescimento desenfreado da criminalidade no Brasil e da fragilidade do sistema no trato com a violência. Isso repercute num sentimento de descrença nas instituições encarregadas de aplicar a lei, a ordem e a proteção aos direitos civis da população, fazendo com que a sociedade clame por uma ação mais enérgica do governo e das instituições responsáveis, principalmente no que tange a impunidade e reforço em medidas de segurança.

Perante a problemática entre crime e punição, a segurança pública juntamente com a inteligência criminal deve canalizar suas forças inibindo o avanço da criminalidade e da impunidade no Brasil, utilizando-se da informação e integração de seus organismos de segurança, principalmente no compartilhamento de informações para que antecipem, evitem ou senão, que tragam uma pronta resposta às ações dos criminosos.

Podemos dizer, pelo exposto no decorrer deste artigo, que a ciência da papiloscopia, com um sistema de banco de dados de impressão digital de criminosos, com capacidade em auxiliar na legitimação de cada pessoa e também auferir-lhes um registro certificando sua unicidade, com simplicidade, exatidão e baixo custo, é considerada uma ferramenta de suma importância na questão da segurança e cidadania, agilizando os processos de apuração de ilícitos penais intrínsecos a impunidade e realizando trabalhos em prol da segurança pública.

A multifacetada atuação desses profissionais em Santa Catarina e sua colaboração com a sociedade, utilizando-

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se de seu trabalho técnico-científico e suas atribuições na solução de crimes, torna relevante o objetivo deste trabalho em salientar a importância da papiloscopia e seus profissionais contextualizados na Inteligência, sendo através da compreensão de seus objetivos, conceitos e técnicas, assim como do conhecimento da sua atual atuação no Estado.

Esta pesquisa teve como metodologia a pesquisa bibliográfica e demonstra a importância e complexidade do trabalho da papiloscopia e seus profissionais e sua inserção na Inteligência, no uso de ferramentas decisivas em prol da sociedade para a manutenção do Estado de Direito Pleno num Regime Democrático da sociedade organizada.

2 CRIMINALIDADE E IMPUNIDADE EM SANTA CATARINA

A despeito de crime, como afirma Eleutério (2006, p. 5): “Acredito que o atual conceito adotado pela doutrina prevalente não perdurará por muito tempo. ‘Logo, o crime como ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável’, passará por algumas modificações e “reformas”, aliás, como tudo em nossas vidas”.

Para Silva (2008), a existência de indicadores torna-se necessária, principalmente para a segurança pública, pois servem para situar a realidade social, com a produção de informação para planejamentos táticos e estratégicos nos órgãos da administração pública.

Conforme a Diretoria de Informação e Inteligência – Núcleo de Geoprocessamento e Estatística de Santa Catarina, os principais indicadores criminais no 1º semestre de 2012 foram os crimes de homicídios, roubos, furtos, crimes em

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caixas eletrônicos e tráfico de drogas. Citamos os dados de homicídios por considerá-los como o principal indicador de criminalidade: apresentou a taxa de 5,78 homicídios em 100 mil habitantes numa população de Santa Catarina de 6.248.436 no total (dados do IBGE 2010) e onde apenas 45,43% desses homicídios no 1º semestre de 2012 obtiveram confirmação de autoria com 76,22% sob a forma de apuração na investigação policial.

São diversos os fatores que contribuem para o avanço da criminalidade. Conforme Garrido (2007), causas delituosas não são julgadas em si, mas através de todo um contexto envolvendo mundo material e social e a economia é parte representativa dos fenômenos criminais, com seus desajustes nas políticas salariais, desemprego, crises empresariais e industriais, aumento da inflação, baixo poder aquisitivo populacional e acúmulo de riquezas no poder de poucos.

Com base em Adorno e Pasinato (2010), a evolução dos crimes contra o patrimônio e contra a pessoa traz consigo uma crise de legitimidade e descrenças nas instituições responsáveis pela aplicabilidade das leis e da ordem. Estimulados pelo sentimento coletivo de insegurança diante da fragilidade da proteção aos direitos fundamentais e principalmente pela impunidade, a sociedade busca proteção por conta própria, instigando ainda mais a violência. No que tange o tema da confiança social, existe um fluxo no sistema de justiça criminal, que estabelece procedimentos desde o registro da ocorrência policial até a sentença judicial, em que a investigação policial é tarefa primordial na responsabilização penal de autorias criminais. Mas que na prática apenas alguns crimes que chegam ao conhecimento da autoridade policial não são investigados por serem considerados irrelevantes como, por exemplo, o

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ato consumado ou tentado, onde não possuem cenários muito determinados, tais como natureza da autoria ou flagrante, não fornecendo estímulos para a investigação, tornando esse e demais fatores colaboradores da impunidade no Brasil.

Dahrendorf (1985 apud ADORNO, 1998), expõe que os conflitos da lei e da ordem, elencados na incapacidade do Estado em oferecer segurança aos cidadãos, são apoiados nas tendências ao aumento da criminalidade e nas taxas que sugerem diminuição da capacidade punitiva do Estado, em que o crescimento das “cifras negras”, ou seja, do crime oculto, são advindos da ineficácia de um sistema punitivo, ora por desistência das punições, ora por menor severidade das penas ou pela fragilidade em se lidar com os atos delituosos.

Para Tordoro (2013) a apuração dos ilícitos penais, realizada por alguns órgãos de segurança pública, de acordo com o ordenamento jurídico, é primordial à persecução criminal, tendo como finalidade da investigação apontar o titular da infração, trazendo consigo os elementos de informação para a condução da ação penal e colaborando com o enfraquecimento da impunidade. Segundo Tordoro (2013, p. 3): “Apurar infrações penais é atividade que preserva a ordem pública”.

Para Silva Filho (1998), a diminuição da impunidade torna-se um meio de prevenção e depende de um conjunto de fatores e problemáticas a serem considerados. Os criminosos costumam intimidar-se com a certeza da punição mais do que com a intensidade das penas. Devido a estes e outros fatores de ordem criminal, a certeza de impunidade deve estar claramente definida para todos os infratores, principalmente no que se refere ao “como” conduzir um infrator à condenação.

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3 PAPILOSCOPIA: CONCEITOS E OBJETIVO, DIVISÃO, PRINCIPAIS FUNDAMENTOS, ELEMENTOS TÉCNICOS E CONTEXTO HISTÓRICO DA IDENTIFICAÇÃO

Figini et al. (2003), conceitua papiloscopia como sendo a ciência que estuda as papilas dérmicas (saliências que formam desenhos situados na parte superficial da derme e onde seus relevos são visíveis na epiderme e seu objetivo visa à identificação humana através das impressões digitais palmares e plantares.

A Papiloscopia divide-se em três métodos: o primeiro é a Datiloscopia – método de identificação através de impressões digitais; o segundo, a Quiroscopia – identificação através das impressões palmares e o terceiro método seria a Podoscopia – identificação através das impressões plantares. Seus princípios fundamentais são: o princípio da perenidade, em que os desenhos formados nas extremidades dos dedos são perenes e iniciam-se no sexto mês de vida intrauterina; o princípio da imutabilidade, em que os desenhos das palmares, dos plantares e extremidades dos dedos não apresentam modificações; e o princípio da variabilidade em que os desenhos diferem de indivíduo para indivíduo, pois até mesmo os dedos possuem desenhos diferentes.

Nos elementos técnicos, segundo Mazi e Dal Pino Júnior (2009), é através da derme onde localizamos glândulas sudoríparas e sebáceas na função de drenagem do suor e eliminação de substâncias gordurosas que umedecem a pele, que podemos visualizar as impressões digitais nos objetos, devido também a variações das cristas chamadas minúcias (pontos característicos que individualizam o ser humano) que

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podem ser descontínuas, interrompidas ou bifurcadas etc.Além das minúcias podemos citar mais dois tipos: o

núcleo (parte central das cristas) e o delta que possui maior abrangência entre as cristas, podem ser encontrados em diferentes tamanhos e quantidades. E ainda na classificação das impressões digitais, encontramos quatro tipos, que variam conforme a quantidade e as posições dos deltas, e que de acordo com Rabello (1996), o sistema datiloscópico é decadatilar, ou seja, a pessoa é identificada pelo conjunto das impressões, datilogramas ou símbolos que se classificam em arco (não apresenta delta); presilha interna (apresenta um delta à direita do observador); presilha externa (inverso da interna) e verticilo (apresenta dois deltas), sendo delta um pequenino acidente morfológico semelhante à letra grega deste nome. E os datilogramas que não se enquadram nos citados acima são considerados anômalos ou acidentais em que as marcas permanentes como as cicatrizes, esmagaduras, queimaduras prejudicam a classificação dos datilogramas.

No histórico da identificação, assim como dizem Araújo e Pasquali (2013), foram testados vários métodos no processo da identificação para fins civis com processos empíricos: Nome – utilizado para fixar a identidade jurídica, mas não obteve tanto sucesso devido a facilidade de adulteração ou várias pessoas com mesmo nome; Ferrete – com a utilização de ferro aquecido para marcar os criminosos, com intuito de, além de identificação, também de punição; Mutilação – a identificação consistia na amputação de membros ou parte do corpo, dependendo do crime e das leis adotadas pelo país; Tatuagem – usava-se a tatuagem em algumas partes do corpo na identificação humana, não obtendo êxito devido a sua aplicação dolorosa; Fotografia – é o registro da imagem de uma

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pessoa através de fotografia, era utilizada junto ao histórico de criminosos, mas não se mostrou eficiente pela possibilidade de alteração de características físicas.

Nos processos científicos de identificação podemos citar, conforme Silva (2013), o Antropométrico, em que o francês Alphonse Bertillon, na busca pela precisão e diminuição de erros na identificação, baseado em uma visão matemática, fez uso de dimensões do corpo humano, criando a antropometria e também o retrato falado, ou seja, a descrição física do indivíduo. A partir de 1894 também cria o arquivo de impressões digitais em conjunto com o seu sistema. Mas devido as buscas serem prejudicadas pelo crescimento de arquivos, inclusive o datiloscópio, surge o sistema papiloscópico. Para Araújo e Pasquali (2013), seus pioneiros seriam Henry Faulds e William Herchel, com Henry utilizando impressões em contratos, servindo como assinaturas, em 1858, na Índia. Em 1880 começou a observar impressões em cerâmicas japonesas e com vários experimentos detectou a importância desses desenhos na identificação humana. Já Sir Herchel passou a pesquisar sobre o assunto e em 1890, concluiu , com sua própria impressão palmar, que a formação de estrias da pele seria a mesma durante toda a vida da pessoa. E ainda em 1880, um antropólogo inglês chamado Francis Galton sustentou as afirmações de Herchel sobre a perenidade das impressões gerando um sistema de classificação de pontos característicos chamados por ele de minutae.

Silva (2013) refere que, em 1884, um argentino chamado Juan Vucetich, após conhecer o trabalho de Galton, criou seu próprio sistema de arquivamento de impressões, chamado dactiloscopia, que é o método de identificação por meio do estudo das cristas papilares da ponta dos dedos, chegando

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a identificar a autoria de um crime em 1892. Seu método ficou bastante conhecido, implementando os arquivos de identificação de todo o mundo sendo que até hoje as impressões digitais são consideradas o método mais prático e seguro para a identificação pessoal, civil e criminal.

3.1 PAPILOSCOPIA E SEUS PROFISSIONAIS EM SANTA CATARINA

Conforme Porto (2009), em 2007, a Lei Complementar nº 374/07, de 30 de janeiro de 2007, estabeleceu o quadro dos servidores do Instituto Geral de Perícias (IGP), sendo alterada pela Lei 15.156, de 11 de maio de 2010, art. 12, em que transforma a carreira dos Técnicos Criminalísticos em Papiloscopistas, para os que optaram em ser servidores do Instituto Geral de Perícias (IGP)3, ao invés de permanecerem na Polícia Civil de onde ingressaram através de concurso público de curso superior em faculdade reconhecida pelo Ministério da Educação como habilitação profissional, assim também como a conclusão de um curso de formação profissional de 360 horas aula. As atribuições consistem em atividades de natureza técnica

3 Hoje em Santa Catarina, através de dados coletados nos Recursos Humanos do IGP, estão atuantes 49 papiloscopistas, sendo que a maioria opera no Instituto de Identificação (II), na confecção de Carteiras de Identidade, também no Instituto de Criminalística (IC) em Local de crime, no Instituto de Análises Forenses (IAF) nos laboratórios, no Instituto de Medicina Legal (IML) com a necropapiloscopia e alguns estão nos setores administrativos. Sendo que na capital existe uma melhor divisão dos trabalhos do que no interior onde os papiloscopistas geralmente executam todas as atribuições.

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científica na execução de exames papiloscópicos, na execução de identificação Civil e Criminal nos setores correspondentes, ou seja, fazendo trabalhos de Necropapiloscopia, local de crime, identificação Civil e Criminal e Retrato Falado.

Sobre o Laudo Papiloscópico, com base em Tochetto e Espindula (2009), constitui prova material inquestionável e refutável, fundamentando a decisão judicial. Em sua estrutura ele deve ser objetivo, indicando quais os fragmentos que foram detectados ou não e no confronto devem ser colocados na conclusão o número de fragmentos examinados e o número de pontos característicos, valendo-se os papiloscopistas de critérios de inclusão e exclusão do indivíduo.

Os papiloscopistas ainda não são reconhecidos legalmente como peritos oficiais, conforme a Lei nº 11.690 de 2008, cap. II, art. 159 (Do exame do corpo de delito, e das perícias em geral), em que afirma que o exame de corpo de delito e outras perícias serão feitas por perito oficial, porém não deixando claro quem incorpora a perícia oficial. Por esse motivo a Lei 12.030/09 de 17 de setembro de 2009 foi editada, integrando os peritos médico-legistas e odonto-legistas, porém não incluindo os papiloscopistas. A categoria ainda está em luta pela sua valorização e atualmente foi apresentado um Projeto Lei nº 5.649/09 que está em tramitação Federal.

3.2 PAPILOSCOPIA EM LOCAL DE CRIME

Para Tochetto e Espindula (2009), a perícia de impressões papilares em local de crime é o exame pericial na coleta de impressões deixadas no local para o esclarecimento de um crime em busca de sua autoria e está associada à dinâmica dos

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fatos, permitindo que o perito criminal de local de crime decida pela melhor aplicabilidade das técnicas de coleta, da seleção dos materiais a serem examinados, se será realizada no local ou se irão para o laboratório, assim como também a escolha do profissional mais adequado para realização do exame. Passada essa etapa, iniciam-se os exames que consistem em pesquisar, revelar ou moldar as impressões papilares que foram encontradas em superfícies ou objetos, além disso, é preciso perpetuar o local de crime, fotografando os fragmentos e materiais encontrados.

São vários os tipos de locais: homicídios, acidentes, mortes, suicídios ou tentativas etc., e tudo isso será avaliado devido às características e particularidades de cada caso na utilização de técnicas, métodos e alguns materiais específicos como pós-reveladores ou reagentes como Cianoacrilato, Iodo e Ninidrina além da imersão em soluções de trabalho e enxágues, dependendo das particularidades das superfícies a serem analisadas.

3.3 PAPILOSCOPIA E IDENTIFICAÇÃO CIVIL E CRIMINAL

Conceituamos identidade e identificação onde existe uma inter-relação entre ambas, conforme conceitua Rabello (1996, p. 20): “Identidade, no latim identitas, identitatis, de idem (o mesmo), é por definição, a propriedade de cada ser, concreto ou abstrato, animado ou inanimado, ser ele próprio e não ser outro”, ou seja, a individualização de cada ser ou coisa que lhe atribuem características próprias. E a Identificação, segundo o autor, denomina-se o ato ou um conjunto de métodos, técnicas

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específicas para se chegar à verificação, fundamentação e para evidenciar as propriedades exclusivas de um indivíduo.

A identificação pode ser imediata, direta quando a identificação do indivíduo é feita através da constatação de características verificadoras do próprio indivíduo, ou mediata, indireta quando são feitas de modo indireto, comparando, com o uso de técnicas, os vestígios de materiais detectados relacionados com a ação delituosa, com outros vestígios de pessoas já identificadas. E podem ser reais, quando os vestígios são próprios à pessoa do identificado ou presumida, onde os vestígios são de coisas ligadas à pessoa do identificado.

Segundo Pereira (2013) existe também uma inter-relação entre Identificação Civil e Identificação Criminal, ambas possuem a mesma base científica e a mesma importância na “atividade fim”, ou seja, as duas se destinam na atividade pericial dos papiloscopistas em identificar de forma segura seus cidadãos e criminosos. O Estado objetiva com a Identificação Civil obter um banco de dados com informações pertinentes sobre as características dos cidadãos, como garantia de segurança nas relações entre as pessoas e com o próprio Estado. Já na Identificação Criminal o Estado, através de um banco de dados ágil e seguro da identidade dos criminosos, objetiva trazer segurança à população e a exigência dessa inter-relação entre os sistemas de identificação dá-se devido o Estado e os cidadãos terem uma relação de direitos e obrigações, pois todos adquirimos direitos e obrigações para com o outro e para com o próprio Estado.

Portanto os três objetivos dos serviços periciais na identificação, tanto civil quanto criminal, estão em: 1) Individualizar, ou seja, identificar a autoria dos crimes e individualizar uma pessoa nas suas relações civis; 2) Assegurar

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direitos, isto é, dar garantias de que apenas o infrator pague pelos seus crimes e que na área civil apenas a pessoa contraente dos direitos e obrigações seja penalizada pelos seus atos; 3) Identificar, com a revelação da identidade para segurança dos cidadãos.

A implantação do sistema Automático de Impressões Digitais (AFIS) une a papiloscopia à informática, agilizando os processos de identificação na comparação de uma impressão digital com as disponibilizadas em um banco de dados do sistema. Ao invés da busca em arquivos físicos (fichas datiloscópicas), a busca é feita com Escaneamento das digitais questionadas e que, tendo como base Araújo (2000), a identificação criminal tem utilizado a papiloscopia, principalmente a datiloscopia, na identificação do ser humano, para o alcance de seus objetivos, pela sua praticidade e vantagens como o descobrimento do infrator através das impressões papilares deixadas no local do crime.

Unindo-se a papiloscopia à informática no processo de identificação humana, potencializou e trouxe vantagens à identificação e até mesmo para a agilidade das investigações, pois suas funções se baseiam em pesquisar o registro de pessoas presas, além da habilidade do sistema na busca por impressões similares às coletadas em local de delito, contribuindo na elucidação de crimes.

Segundo Maejima e Bachinski (2013), com a implantação de um cadastro Nacional de identificação datiloscópica poderíamos obter os seguintes resultados: nenhum indivíduo procurado pela polícia obteria nova identidade; evitaria a bigamia; no sequestro de bebês teriam condições de identificá-los mesmo após décadas; na hipótese de pessoas desaparecidas; os fugitivos de penitenciárias não poderiam requerer novas

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certidões de nascimento; no extravio de documentos as pessoas não teriam receio de serem usados por marginais através da conferência das digitais; a Justiça teria como controlar o paradeiro dos criminosos em nível de Brasil; se evitaria o golpe do seguro em que são usados cadáveres de terceiros para receber indenizações; se evitaria a prática do delito de registro de nascimento de pessoa inexistente; barraria a abertura das chamadas contas bancárias fantasmas; evitaria o crime de abandono intelectual em que crianças são obrigadas a estudar através de seus cadastros; obstaria a fraude de adulteração de idade; inibiria as fraudes contra a previdência social com a adulteração da idade; e possibilitaria a criação de um cadastro nacional de antecedentes criminais e central nacional de mandados de prisão.

3.4 PAPILOSCOPIA E RETRATO FALADO

Devido ao crescente aumento da criminalidade, novos métodos foram criados, como o desenho, também encontrando dificuldades em transformar informações subjetivas em objetivas com uma eficiente base científica.

O retrato falado, que é um método utilizado na reprodução da face humana com características da pessoa procurada com a ajuda de informações da vítima, tem sido uma ferramenta muito utilizada pelos papiloscopistas nas causas policiais e, de acordo com Reis (2003), anteriormente aos anos 70 essa ferramenta era pouco conhecida na identificação de criminosos e era utilizada uma ficha antropométrica onde eram registradas as características físicas no processo de identificação. São encontradas várias dificuldades em relação ás informações e

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ao quadro de pessoal não capacitado na obtenção das mesmas e além da realização dos métodos na confecção do retrato falado. Para isso é de suma importância a entrevista e que o profissional tenha um bom conhecimento em anatomia humana na variação de traços, expressões faciais, exteriorização de personalidade e expressões psicológicas além de saber expressar isso no desenho e ter um bom conhecimento do uso do método. E tratando-se do retrato falado como meio de prova, quando inserido no conjunto com outras evidências auxilia na cadeia de prova, sendo aceito no meio jurídico.

3.5 PAPILOSCOPIA E NECROPAPILOSCOPIA

Assim como diz Figini et al. (2003), a necropapiloscopia é quando não é possível a identificação visual de um cadáver, tornando-se necessário a identificação datiloscópica. Pode ocorrer em tais circunstâncias: cadáver em estado de decomposição podendo ser vítima de acidente, de soterramento, de incêndio; cadáver mumificado: através de exposição a produtos químicos ao frio extremo ou a umidade baixa na qual ocorre dessecamento acentuado do corpo; e cadáver saponificado: quando há uma transformação gordurosa e calcária do cadáver dependendo do meio em que se encontra e das condições intrínsecas do cadáver. A Necropapiloscopia também possui um relevante trabalho perante a sociedade, um exemplo disso, como expõe Nascimento (2011), são os acidentes em massa, como aéreos, de trânsito e incêndios, onde a necropapiloscopia possui vantagens com relação a outros métodos na identificação post morten, pelo seu custo e rapidez.

Em Santa Catarina, esse trabalho é realizado no Instituto

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Médico Legal (IML), mas nem todos os papiloscopistas de SC realizam esse trabalho, dependendo da disponibilidade de profissionais. No interior geralmente existe uma acumulação de funções e já em cidades maiores o trabalho é mais específico.

4 A IMPoRtÂncIA DA PeRÍcIA PAPIloscÓPIcA NO INQUÉRITO POLICIAL E SEU CONTEXTO NA INTELIGÊNCIA CRIMINAL

De acordo com Nascimento (2011), para enfatizar a materialidade do delito, o inquérito policial pode apresentar alguns tipos de perícias, como a papiloscópica que em local de crime, por exemplo, consiste no levantamento das impressões papilares para confrontação com as dos suspeitos de autoria e, através da confecção do laudo papiloscópico, trarão embasamento à investigação criminal e ao inquérito policial que, com a prova técnica-científica em um processo criminal, o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova.

Rabello (1996, p. 12) sobre Criminalística: [...] ela pode ser definida, quer sob o ponto de vista da sua aplicação prática imediata aos misteres específicos da investigação criminal, quer doutrinariamente, como uma disciplina técnico-científica por natureza e jurídico penal por destinação, a qual concorre para a elucidação e a prova das infrações penais e da identidade dos autores respectivos, através da pesquisa, do adequado exame e da interpretação correta dos vestígios materiais dessas infrações.

Para Araújo (2010), a perícia criminal tem aplicação nos trabalhos da inteligência, atuando em sinergia com a investigação, pois a estratégia do que procurar e necessitando

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de conhecimentos técnico-científicos aliados à tecnologias auxiliando nos processos investigativos como ferramenta de inteligência.

Sobre a ligação que existe entre Inteligência Policial e Investigação Criminal, conforme Ferro Júnior (2010), pode-se considerar que as duas possuem o mesmo nível informacional, pois através das evidências com sua conjuntura de fontes diversas como base de dados, entrevistas, relatórios, reconhecimento fotográfico, sistemas informacionais, que a informação ganha significado e as Organizações policiais investigativas criam suas estratégias a partir da gestão das informações na produção de conhecimento com maior agilidade, sendo assessoradas pela Inteligência da Organização.

Conforme Gomes (2013), no art. 1º, inciso 2º da Lei nº 9.883/1999, conceitua-se inteligência como a atividade cujo objetivo é obter, analisar e disseminar conhecimento sobre fatos ou situações que possuam influência nos processos decisórios e às ações do governo e na segurança da sociedade e do Estado. Existe uma diferença entre Inteligência de Estado e atividade de Inteligência: a de Estado assessora o Governo no processo decisório, e a segunda, baseia-se na produção de provas e de autoria criminal e na produção de conhecimento nas ações e estratégias da polícia judiciária.

Para Gonçalves (2011), as atividades de inteligência são primordiais no desenvolvimento do Estado Democrático de Direito, que precisa saber lidar com uma imensa gama de informações, utilizando métodos, técnicas e ferramentas para o gerenciamento das mesmas no estabelecimento de suas políticas e estratégias institucionais, assessorando o conhecimento adquirido no processo de tomada de decisões.

Para o autor existem vários tipos de Inteligência:

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Inteligência de Estado ou Clássica, que contribui para o processo decisório, como por exemplo, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), o qual assessora o presidente da república (art. 1º da Lei nº 9.883/1999) e possui a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) como órgão central que coordena e dirige a atividade; Estratégica que contribui para o processo de tomada de decisões nas instituições; a Tática de natureza executiva auxiliando na produção de provas para a investigação como também no combate às organizações criminosas.

Em Santa Catarina, no que tange a Inteligência, conforme o site da Secretaria de Estado da Segurança Pública citamos a Diretoria de Informação e Inteligência (DINI) com integrantes da polícia militar, civil entre outros Núcleos, na execução de atividades de coleta de informações para produção de conhecimento e também atividades de análise criminal, estatística, geoprocessamento e operações de inteligência e contrainteligência com objetivo de antever ações na esfera criminal e estratégica no fornecimento de assertivas nas tomadas de decisão nas políticas de Segurança Pública e também auxiliando na elucidação de crimes.

5 METODOLOGIA

Para Dmitruk (2001, p. 64), “Pesquisar é sistematizar o pensamento, articulando as contribuições historicamente produzidas às circunstâncias concretas situadas no tempo e no espaço”.

A metodologia utilizada neste trabalho trata-se de um levantamento bibliográfico acerca da temática escolhida

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para chegarmos ao objetivo final. Foi realizada uma pesquisa através de livros de Criminalística e Identificação humana, artigos, teses, revistas, pesquisas de dados coletados por meio da Diretoria de Informação e Inteligência, também por meios de comunicação do mundo atual, enfim meios impressos e virtuais, sobre a papiloscopia, seus profissionais e Inteligência Criminal. Trazendo como principal resultado face ao exposto, que não restam dúvidas da relevância dessa ciência técnica-científica e seus profissionais na persecução penal, frente à criminalidade, em busca da verdade real e formal.

É neste sentido que a papiloscopia na esfera da Inteligência deve ser percebida, não tão somente como um meio de prova, mas como um mecanismo hábil, indispensável à justiça e uma questão de segurança e cidadania.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho, constata-se que é imprescindível a contribuição da papiloscopia e seus profissionais à sociedade, tratando-se de uma questão de segurança e cidadania, tendo em vista a importância dos laudos periciais papiloscópicos e necropapiloscópicos, constituindo prova incontestável e irrefutável, auxiliando as partes investigativas e servindo para a formação da convicção da autoridade judicial. Além disso, alguns papiloscopistas com sua ciência técnico-científica são responsáveis pela elaboração da representação facial humana e também muitos são dirigentes dos institutos de identificação no fornecimento de RG (Carteiras de Identidades), que futuramente, com a implantação de um sistema Nacional de Registros de Identidade, a papiloscopia

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terá um recurso ainda mais eficiente na prevenção de crimes, ampliando a atuação desses profissionais.

Essa multifacetada função dos papiloscopistas, a demanda cada vez mais acirrada por novas técnicas, métodos, ciências, detentores de conhecimentos científicos, assim como também o avanço da criminalidade e de índices significativos de impunidade, como a fragilidade no sistema nas confirmações de autoria de crimes e principalmente pela papiloscopia ser um dos métodos mais simples, de baixo custo e eficaz na apuração de ilícitos penais, torna essa ciência e esses profissionais indispensáveis no que tange as relações de segurança e inteligência criminal e seu bom funcionamento. Para que isto ocorra há necessidade de uma política governamental voltada para a maximização de seus mecanismos e órgãos de segurança pública, no aprimoramento e ampliação dos seus quadros policiais, intercomunicação entre as instituições de segurança, sistema integrado de formação e valorização profissional, modernização dos sistemas informatizados e principalmente uma aproximação imediata dos integrantes dos órgãos de segurança pública com centros de Inteligência, enfim, uma infraestrutura mínima para um processo de estruturação das políticas de segurança pública e na valorização do ser humano sobre todos os aspectos.

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A IMPORTÂNCIA DO USO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO MONITORAMENTO DAS AÇÕES

DE ORGANIZAÇÕES CRIMINAIS

Gabriela Falck Bortolini1

Marcos Erico Hoffmann2

RESUMOEste artigo discorre sobre a atividade de inteligência, utilizada hoje tanto no setor privado, como forma de tornar as empresas mais competitivas, quanto no setor público. Neste último, foi empregada inicialmente na área militar, expandindo-se posteriormente a outras esferas governamentais. Tal atividade é de especial importância na área criminal, sobretudo com o recente crescimento das organizações criminais que atuam dentro e fora de prisões. A finalidade desta pesquisa é justamente demonstrar a importância da atividade de inteligência no monitoramento destas organizações, o que pode permitir ao Estado estar sempre um passo à frente de suas ações. O presente estudo utiliza o método dedutivo, valendo-se de pesquisa realizada em livros, revistas científicas, periódicos e textos coletados na Internet.

Palavras-chave: Inteligência. Inteligência Criminal. Organizações Criminais. Sistema Prisional.

ABSTRACTThis article discusses the intelligence activity, now used in the private sector as a way to make businesses more competitive, as the public sector. In this last, was initially used in military sector, expanding later to other

1 1° Tenente da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina. Bacharel em Direito. Pós Graduada em Direito Penal e Processual Penal pela UNIVALI e em Inteligência Criminal pela UNIDAVI. Email: [email protected]. 2 Psicólogo Policial Civil. Mestre em Administração Pública e Doutor em Psicologia pela UFSC. Docente de graduação e pós-graduação. Email: [email protected].

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spheres of government. This activity has particular importance in the criminal area, especially with the recent growth of criminal organizations that operate inside and outside of prisons. The purpose of this research is precisely to show the importance of intelligence activity in monitoring these organizations, which may allow the state to always be one step ahead of their actions. This study uses the deductive method, relying on a survey of books, journals, periodicals and texts collected from the internet.

Keywords: Intelligence. Criminal Intelligence. Criminal Organizations. Prision System.

1 INTRODUÇÃO

Há não muito tempo atrás o Estado dispunha de poucos recursos para levantar informações necessárias à tomada de decisões. Este processo levava muito tempo, por vezes semanas, meses ou, até mesmo, anos. Ainda assim, as informações frequentemente não eram confiáveis ou já chegavam ultrapassadas nas mãos do tomador de decisões.

Nesta segunda década do Século XXI, com a frenética evolução da tecnologia e a velocidade com que se obtém a informação, este cenário foi totalmente modificado. Hoje pode ser muito mais simples para que o gestor escolha o caminho mais apropriado, pois ele pode basear-se em informações e dados trazidos pelo seu staff, quase que instantaneamente.

Os países desenvolvidos já perceberam a importância de investir na atividade de inteligência e contrainteligência como forma de prever cenários, além de detectar e neutralizar possíveis ameaças, estando preparados para as mais variadas adversidades. No Brasil, o investimento neste setor por parte do Estado é relativamente recente, tendo em vista a criação do Sistema Brasileiro de Inteligência no final da década de 1990.

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Aos poucos a importância da atividade vem sendo reconhecida, porém, questiona-se se tal crescimento e valorização ocorrem na proporção necessária para acompanhar a demanda de crises que o país vem enfrentando, especialmente na área da segurança pública.

O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a atividade de inteligência, especialmente na área de segurança pública, explicando o que é e para que serve. Objetiva ainda apresentar um breve retrato sobre as organizações criminais que atuam dentro e fora das unidades prisionais, organizações essas que, entre 2012 e 2013, perpetraram diversos ataques contra as forças de segurança pública e contra cidadãos nos Estados de São Paulo e de Santa Catarina.

Ao final, pretende-se demonstrar a importância do uso da atividade de inteligência no monitoramento das referidas organizações e suas práticas, a fim de que situações como as que foram vistas nos referidos estados não voltem a provocar intranquilidade na população.

2 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA

Quando se fala em atividade de inteligência, logo surge a ideia de polícia, de “arapongas”, grampos telefônicos e espionagem. A tendência é que se associe esses conceitos às atividades do Estado na investigação dos cidadãos. Porém, não é somente o ente estatal que faz uso do produto desta atividade.

O mundo globalizado trouxe profundas mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias, pela velocidade na qual circula a informação, pelas transformações constantes da economia, etc., o que levou as grandes corporações a também

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perceberem a importância de investirem em inteligência e na busca de informação.

As empresas, sejam elas públicas ou privadas, valorizam cada vez mais a informação e o conhecimento, os quais são considerados um diferencial e uma vantagem competitiva, por serem imprescindíveis para a construção dos processos decisórios (NASSIF E SANTOS, 2009).

De acordo com Emerson Wendt (2013), a atividade de inteligência tem a responsabilidade de gerar informações de nível estratégico para a tomada de decisões, relativas a todo o processo decisório. A metodologia utilizada pela atividade de inteligência é de grande importância na produção do conhecimento, pois através dela serão empregados de maneira racional os meios e recursos disponíveis para atingir os fins almejados. O autor ainda afirma que a utilização dos dados, transformados pelo processo de inteligência em conhecimento estratégico, irá fomentar e subsidiar o ente estatal ou empresarial na identificação das oportunidades, ameaças, forças e fraquezas de seus inimigos ou competidores, para, com isso, gerar vantagem competitiva.

Este processo tem também a função de descobrir as forças atuantes nos negócios, reduzindo riscos e conduzindo o decisor a agir antecipadamente (inteligência), bem como proteger o conhecimento gerado (contrainteligência) (WENDT, 2013).

Sherman Kent (apud GONÇALVES, p. 7-8) – em uma das mais tradicionais obras sobre inteligência já produzidas – conceitua a atividade sob três aspectos principais, conceitos estes que se aplicam tanto ao setor público, quanto ao privado:

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Inteligência como produto, conhecimento produzido: trata-se do resultado do processo de produção de conhecimento e que tem como cliente o tomador de decisão em diferentes níveis. Assim, o relatório/documento produzido com base em um processo que usa metodologia de inteligência tambem é chamado de inteligência. Inteligência é, portanto, conhecimento produzido. Inteligência como organização: diz respeito às estruturas funcionais que têm como missão primordial a obtenção de informações e produção de conhecimento de inteligência. Em outras palavras, são as organizações que atuam na busca do dado negado, na produção de inteligência e na salvaguarda dessas informações, os serviços secretos. Inteligência como atividade ou processo: refere-se aos meios pelos quais certos tipos de informação são requeridos, reunidos (por meio de coleta ou busca), analisados e difundidos, e, ainda, os procedimentos para a obtenção de determinados dados, em especial aqueles protegidos, também chamados de “dados negados”. Esse processo segue metodologia própria, a metodologia de produção de conhecimento, ensinada nas escolas de inteligência por todo o globo. [grifo no original]

Conforme demonstrado, diante da realidade competitiva enfrentada atualmente pelo mundo empresarial, a utilização dos dados produzidos pela inteligência no setor privado pode proporcionar melhores condições para enfrentar os desafios, indicando com antecedência as mudanças de mercado e as melhores oportunidades, facilitando o planejamento e a formulação de políticas empresariais.

Em relação ao setor público, oficialmente, a história da atividade de inteligência no Brasil teve origem em 1927, quando foi criado o Conselho de Defesa Nacional, órgão federal diretamente subordinado ao Presidente da República. Até então, a atividade era exercida apenas no âmbito dos

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ministérios militares.Em 7 de dezembro de 1999 surgiu a Lei n. 9.883, a qual

instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e trouxe, em seu artigo 1°, § 2°, a definição de inteligência (BRASIL, 1999):

Para os efeitos de aplicação desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

O mesmo artigo definiu ainda, em seu § 3°, o que é contrainteligência (BRASIL, 1999): “Entende-se como contrainteligência a atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa.”

O surgimento da citada legislação proporcionou ao Estado brasileiro institucionalizar a atividade de inteligência, mediante ações de coordenação do fluxo de informações necessárias às decisões de Governo, no que diz respeito ao aproveitamento de oportunidades, aos antagonismos e às ameaças, reais ou potenciais, para os mais altos interesses da sociedade e do país3.

Dentro da estrutura do SISBIN, também os estados da federação contam com suas agências de inteligência para

3 Dados obtidos no site da ABIN - Agência Brasileira de Inteligência. Disponível em: <http://www.abin.gov.br/modules/mastop_publish/?tac=Atividade_de_Intelig%EAncia>. Acesso em 22 de setembro de 2013.

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assessorar a tomada de decisão em seus governos. Pela natureza desta atividade, estão estas agências ligadas às Secretarias de Justiça e de Segurança Pública.

3 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO ÂMBITO DA SEGURANÇA PÚBLICA

Desde os tempos mais remotos, a inteligência vem sendo utilizada como um dos recursos para vencer batalhas. Sun Tzu (2009, p. 35), 500 anos antes de Cristo, já ensinava:

Se você conhece o inimigo e se conhece, você não precisa ter medo dos resultados de cem batalhas. Se você se conhece, mas não o inimigo, para toda vitória você sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem você, nem o inimigo, você é um tolo e conhecerá derrota em toda batalha.

De acordo com a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública – DNISP (BRASIL, 2009), atividade de inteligência de Segurança Pública é:

A atividade de ISP é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os governos federal e estaduais à tomada de decisões, para o planejamento e a execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever, prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza ou atentatórios à ordem pública.

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Ainda de acordo com a DNISP (BRASIL, 2009), as finalidades da inteligência de segurança pública são variadas:

- Proporcionar diagnósticos e prognósticos sobre a evolução de situações de interesse da Segurança Pública, subsidiando seus usuários com informações que possam influenciar no processo decisório.

- Contribuir para que o processo interativo entre usuários e profissionais de inteligência produza efeitos cumulativos, aumentando o nível de efetividade desses usuários e de suas respectivas organizações.

- Prover suporte ao planejamento estratégico integrado do sistema e a elaboração de planos específicos para as diversas organizações do Sistema de Segurança Pública.

- Prestar apoio direto às operações policiais de prevenção, repressão, patrulhamento ostensivo e de investigação criminal, através do repasse de informações relevantes.

- Prover alerta avançado para os responsáveis civis e militares contra crises, grave perturbação da ordem pública, ataques surpresa e outras intercorrências.

- Auxiliar na investigação de crimes e contravenções.- Preservar o segredo governamental sobre as necessidades

informacionais, as fontes, fluxos, métodos, técnicas e capacidades de Inteligência das agências encarregadas da gestão da segurança pública.

É importante ressaltar que não se pode confundir inteligência de segurança pública com inteligência policial ou criminal. Embora tenham algumas finalidades em comum, a inteligência de segurança pública é mais abrangente.

No Brasil, a expressão mais comum é inteligência policial, entretanto é preferível denominar a atividade como inteligência criminal. A principal razão é que não apenas

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as polícias trabalham nessa atividade, mas também outras instituições, como o Exército, Ministério Público, servidores do sistema prisional, etc. Outro motivo para esta nomenclatura é que, seguindo a norma acadêmica, o normal é que uma atividade de pesquisa leve o nome do objeto pesquisado, não do pesquisador, como “Antropologia Urbana”, por exemplo. Seja qual for o nome, trata-se de uma atividade especializada e detentora de técnicas e métodos próprios. É considerada uma espécie de “prima pobre” da inteligência de Estado e “prima distante” da inteligência militar, que é a atividade mais antiga do ramo (MINGARDI, 2007).

A inteligência criminal atua na prevenção, identificação e neutralização das ações criminosas, visando à investigação policial e o fornecimento de elementos e subsídios ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. São buscadas as informações que identifiquem o momento e o local em que foram realizados os atos preparatórios e a execução do crime, respeitando-se, para tanto, os princípios legais e as garantias individuais (GONÇALVES, 2011).

Ao contrário de outros países, no Brasil não existe uma definição muito clara acerca do sistema de inteligência, principalmente no que diz respeito à questão criminal. A existência ou não de organismos de inteligência criminal, bem como a sua quantidade, varia de Estado para Estado da Federação.

No Estado de Santa Catarina a estrutura de inteligência de segurança pública conta com a agência da Secretaria de Segurança Pública, a qual recebe o nome de Diretoria de Informação e Inteligência (DINI), que está ligada à Coordenação Geral de Inteligência (CGI) da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) e realiza atividades

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de coleta de informações, bem como de análise criminal, estatística, geoprocessamento e operações de inteligência e contrainteligência.

O objetivo desta atividade é antecipar cenários no âmbito criminal e estratégico para fornecer embasamento à tomada de decisão da Secretaria de Estado da Segurança Pública e das Polícias do Estado. Além disso, auxiliar na elucidação de delitos praticados por organizações criminais ou que gerem grande repercussão no território catarinense.

Desde 2002, a DINI atua na obtenção e análise de dados e informações e na produção e difusão de conhecimentos. Para isso, trabalha em parceria com instituições estaduais, nacionais e internacionais de inteligência de segurança pública, realizando um intercâmbio de informações com o objetivo de combater as atividades criminosas.

Outros objetivos do trabalho realizado pela DINI são: prevenir, detectar, obstruir e neutralizar ações que constituam ameaça à segurança da sociedade e do Estado.

Seu corpo funcional congrega integrantes da Polícia Civil e da Polícia Militar do Estado, além de especialistas de outros órgãos públicos, divididos em cinco núcleos:

- Núcleo de Operações de Inteligência e de Contra-Inteligência (NOICI) - Núcleo de Análise Criminal e Processamento da Informação (NAPI) - Núcleo de Tecnologia da Informação (NUTI) - Núcleo de Geoprocessamento e Estatística (NUGES) - Núcleo de Repressão ao Crime Organizado (NURCOR)4

4 Informações obtidas no site da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, através do endereço: http://www.ssp.sc.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id =178%3Adiretoria-

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A Secretaria de Segurança Pública conta ainda com a Diretoria de Inteligência da Polícia Civil (DIPC), que coordena os NINT’s (núcleos de inteligência das delegacias) e com a Agência Central de Inteligência da Polícia Militar (ACI), que coordena as agências de inteligência dos batalhões, as quais atuam de forma integrada e em regime de colaboração com a DINI.

O Corpo de Bombeiros Militar também possui sua agência de inteligência, a qual atua igualmente em regime de colaboração com a DINI. O Instituto Geral de Perícias, apesar de ser órgão integrante da Secretaria de Segurança do Estado de Santa Catarina, ainda não possui órgão de inteligência estruturado.

Além disso, como integrante do sistema de inteligência de Segurança Pública de Santa Catarina, existe a Diretoria de Inteligência e Informação (DINF), que pertence à Secretaria de Justiça e Cidadania (SJC), a qual gerencia as informações referentes ao sistema prisional do Estado, trabalhando em cooperação com as agências anteriormente citadas.

4 sIsteMA PRIsIonAl e oRGAnIZAÇÕes CRIMINOSAS

Não é necessário ser um estudioso da área para saber que o sistema prisional brasileiro nunca foi tratado com a devida atenção por parte do Estado. Basta mencionar a já antiga

de-infromacao-e- inteligencia&catid=37&Itemid=70. Acesso em 23 de setembro de 2013.

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comparação que as pessoas costumam fazer quando chamam as prisões de “escola do crime”.

A grave situação de superlotação das unidades prisionais e a falta de investimento em educação geral e profissionalizante em nada contribuem para a reintegração social dos detentos.

Lima (2009, p.59) aponta três itens que contribuem para a atual situação de superlotação das unidades prisionais:

Os dados são realmente preocupantes, ainda mais se levando em conta que existe um déficit muito grande de vagas no país, apesar dos investimentos que são feitos na construção de novos estabelecimentos prisionais. O que leva a essa saturação do sistema são três itens que, somados, contribuem de forma conjunta para a problemática em questão. Primeiramente existe o fato de que o brasileiro está adentrando ao caminho da delinqüência em maior número de casos; em segundo lugar, compreende-se que o aparato de repressão estatal (leia-se polícia) vem agindo com eficiência (e truculência) cada vez maior, o que fatalmente incide num número maior de detenções; por fim, a própria Justiça brasileira equivocadamente tem adotado um sistema de julgamento que procura fazer mais “justiça” do que o necessário, condenando à prisão, em muitos casos, sujeitos que praticaram crimes de baixo teor ofensivo.

Seja pelos fatores apontados, ou por outros que a estes somam-se diariamente, o ambiente carcerário brasileiro contribui para a formação de gangues e organizações criminosas dentro das unidades prisionais, as quais estendem suas ramificações para fora destas casas de detenção.

A exemplo disso, pode-se citar o chamado Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que surgiu na Casa de Custódia de Taubaté, interior de São Paulo, em 1993

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(MINGARDI, 2007). No âmbito de Santa Catarina, é possível citar o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), o qual surgiu oficialmente no ano de 2003, na ala de segurança máxima da Penitenciária de Florianópolis5.

Esses grupos e tantas outras organizações criminais que atuam dentro e fora do sistema prisional, passam a viver e agir sob o domínio de regras próprias, ignorando a legislação pátria. Sobre este tema, a pesquisadora Camila Caldeira Nunes Dias (2009) explica que, dentro de uma sociedade, alguns grupos – em especial aqueles que foram privados dos direitos previstos nas leis oficiais, cujo acesso às instituições de justiça é precário ou inexistente – engendram e sancionam seu próprio direito, exercendo formas de controle internas ao grupo, independentes do direito oficial.

Citando o exemplo da organização Primeiro Comando da Capital (PCC), Dias (2009, p. 86) explica:

Nas áreas sob sua influência, o PCC controla desde o tráfico de drogas até o roubo de cargas e de bancos, sequestros, assaltos a empresas de transporte de valores e a prédios de luxo, etc. Em algumas áreas, especialmente no interior dos presídios, a facção exerce poderes legislativo, judiciário e executivo, à qual todos – sejam ou não membros da facção – devem se reportar para pedir justiça e favores, resolver conflitos etc.

A autora esclarece que, até o inicio dos anos 1990, estas organizações caracterizavam-se por ter na violência e

5 Informação não confirmada, porém, é de domínio comum no meio policial.

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na ameaça instrumentos de imposição de regras arbitrárias por aqueles que dispõem de maior força física. O poder era descentralizado e disseminado por entre os que possuíam os meios – armas, força física – para se impor sobre os demais. Era, portanto, durante este período, um poder efêmero e precário, uma vez que continuamente surgiam aqueles que se colocavam de forma contrária e contestavam o domínio então vigente. A insegurança e o medo eram os sentimentos predominantes, na medida em que não havia qualquer previsibilidade nas relações estabelecidas entre as pessoas.

Com a expansão das organizações criminais, houve uma centralização do poder, o que mudou o cenário completamente. O poder deixou de ser exercido individualmente e passou a ser exclusividade do grupo; consolidou-se um tipo de dominação mais consistente e duradouro; houve diminuição significativa da insegurança e do medo, pois surgiu uma regulação social mais eficiente que tornou as relações sociais mais previsíveis. A violência deixou de ser o único meio de sustentar o poder; surgiu o assistencialismo e o discurso de solidariedade, de união dos fracos contra os fortes, que passou a ser um importante elemento de sustentação do domínio. As organizações criminais se impõem como um árbitro de todos os conflitos que ocorrem na sua área de abrangência e exercem o papel de mediador entre as partes e impedem os indivíduos de agirem de forma individual. Surgiu, desta forma, a figura de uma autoridade acima das partes envolvidas nos conflitos, a qual julga o caso de forma imparcial e impessoal, realizando acordos ou, mais frequentemente, aplicando sanções conforme o código informal vigente; a imposição das regras e normas e a correspondente punição para quem as descumpre passaram a ser realizadas por membros da organização com essa função

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específica, comumente chamados de “disciplinas”. Existe, assim, um órgão especializado (DIAS, 2009).

Por meio da atividade de inteligência6, sabe-se que esses grupos contam com pagamento de mensalidade, ou “dízimo”, como costumam chamar. Possuem contadores e advogados a seu serviço, bem como hierarquia e organização capazes de suplantar a estatal, constituindo-se, desta forma, em grave risco às leis e à ordem. Tal ameaça materializou-se nos ataques registrados no final do ano de 2012 e também no inicio de 2013 nos estados de São Paulo e Santa Catarina, onde vários policiais foram assassinados e centenas de ônibus incendiados, respectivamente, nestas duas Unidades da Federação. Instalou-se uma situação de terror entre os agentes de segurança pública e também entre os cidadãos em geral.

Devido à sua capacidade de organização e da potencial ameaça que representam ao Estado e à população, parece fazer-se necessário e urgente o monitoramento constante dessas organizações, dentro e fora das unidades prisionais.

5 UTILIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA COMO FORMA DE MONITORAR AS AÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES CRIMINAIS

Cada vez mais a imprensa e os responsáveis pela segurança pública apresentam o uso da inteligência policial

6 Tais informações foram obtidas por meio da Agência Central de Inteligência da Polícia Militar de Santa Catarina, tendo por base bilhetes interceptados de detentos integrantes da organização criminal conhecida como Primeiro Grupo Catarinense (PGC).

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como a esperança para vencer a “guerra” contra o crime organizado. Essas afirmações, entretanto, estão longe de corresponder à realidade. Organizações criminais parecem ser muito mais complexas do que aparentam. Possuem liderança fluida, são muito adaptáveis e estão de tal forma relacionadas com o aparelho do Estado que se torna difícil “mirar um, sem acertar também o outro” (MINGARDI, 2007).

Outro erro comum consiste em considerar que a inteligência tem o poder de, por si só, vencer a tal “guerra”. Mesmo nos conflitos entre nações, o uso da inteligência sempre foi apenas um dos fatores que determinam a vitória ou a derrota (MINGARDI, 2007).

O timing revela-se outra questão importante na inteligência criminal. Segundo John Keegan (2003), a grande questão para produzir inteligência utilizável é responder adequadamente às perguntas básicas (quem, quando, onde e como) em tempo real. Estas informações precisam chegar a tempo de serem utilizadas com proveito pelos órgãos operacionais. Na Segurança Pública isso significa prevenir o crime, precaver-se contra uma nova modalidade criminal ou, pelo menos, identificar os autores.

Ainda de acordo com Mingardi (2007), no caso das organizações criminosas, é possível identificar pelo menos quatro aplicações para as informações produzidas pelo setor de inteligência:

- Prever tendências – identificar quais serão os próximos desdobramentos do crime, ou seja, para onde ele vai migrar, qual o tipo de crime que será a próxima “moda” etc.

- Identificar os líderes e os elementos-chave, ou seja, os membros de destaque nas organizações criminais.

- Monitorar a movimentação da organização para

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identificar qual a sua rotina.- Identificar pontos vulneráveis e informantes em

potencial.O autor cita como exemplo a crise na segurança de 2006

em São Paulo, quando, em sua visão, a inteligência falhou. Mingardi (2007) relembra que a história do PCC começou

em 1993, num presídio do interior paulista e, por alguns anos, o grupo foi visto apenas como mais uma associação de presos, igual a muitas outras que existem pelo mundo. No final da década, a organização já tinha uma presença forte no sistema penitenciário paulista, porém, só foram notados pelo Estado e pela mídia em fevereiro de 2001, quando desencadearam uma grande rebelião no sistema prisional, atingindo 28 unidades de detenção.

Em 2003, a organização voltou à cena, primeiramente com o assassinato do juiz-corregedor de Presidente Prudente e, alguns meses depois, com os ataques às bases da Polícia Militar e em delegacias de polícia. A organização não era desconhecida da polícia paulista. A despeito disso, muito pouco, ou quase nada, foi feito para neutralizar ou, pelo menos, diminuir seu poder de ação.

Mingardi (2007) ressalta que grande parte do problema deriva das falhas do sistema de inteligência criminal ou do mau uso que foi feito dele, e que existem algumas necessidades básicas no emprego da inteligência que devem ser observadas quando se quer aproveitar o que o instrumento pode oferecer. Algumas destas foram ignoradas no período dos ataques.

O mesmo ocorreu em Santa Catarina quando dos ataques orquestrados pelo Primeiro Grupo Catarinense (PGC) em 2012 e 2013, tendo em vista que, a exemplo do que ocorreu em São Paulo, as primeiras reações do Estado às notícias sobre

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o crescimento do PGC foram de simplesmente negar a sua existência.

Tanto no caso paulista, como no catarinense, havia alguns fatores que poderiam ter ajudado as autoridades a controlar a crise. Porém, isso exigia que houvesse um trabalho prévio de inteligência dentro do sistema penitenciário e que as citadas organizações criminosas (PCC e PGC) tivessem sido identificadas como alvos prioritários, o que, efetivamente, não ocorreu.

Ataques em série como os que foram vistos exigem uma grande organização e prévia preparação dos detentos. Certamente esta preparação demandou muitas conversas entre detentos de várias unidades prisionais (tendo em vista que os ataques se deram em mais de um município), troca de mensagens por bilhetes ou celular, emails e outros meios, os mais diversos possíveis. Essa comunicação certamente deixou muitos indícios do que estava ocorrendo. Muitas informações devem ter chegado ao conhecimento dos servidores do sistema prisional. A pergunta que fica no ar é se esses indícios foram ou não levados à administração do sistema prisional e, em caso afirmativo, se foi ou não produzido conhecimento sobre a situação que estava para se desenhar. Diante do cenário presenciado, tanto em São Paulo como em Santa Catarina, tudo indica que a resposta a ambas as questões é negativa.

6 CONCLUSÃO

Em Santa Catarina, por meio dos trabalhos de inteligência, foi possível constatar que membros de organizações criminais que estão no interior das prisões é que são os grandes

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“comandantes”, de quem partem as ordens e a palavra final sobre o que vai ser ou não realizado dentro e fora das unidades prisionais.

Conforme demonstrado neste estudo, parece ser de suma importância que se invista na atividade de inteligência, especialmente no sistema prisional, a fim de que as organizações criminais sejam constantemente monitoradas.

Como visto no início deste trabalho, a atividade de inteligência em segurança pública consiste no exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a identificação, acompanhamento e avaliação de ameaças reais ou potenciais na esfera de segurança, a fim de que não exista a situação de surpresa, a qual recorrentemente leva ao insucesso na resolução de conflitos e outros problemas.

Por este motivo, faz-se necessário um amplo investimento nos servidores que atuam dentro e fora das unidades prisionais, capacitando-os e treinando-os para ficarem habilitados na produção de conhecimentos de inteligência que possam ser utilizados no tempo adequado, dotando os gestores com as informações necessárias para saber como agir diante das eventuais adversidades.

É fundamental que os tomadores de decisão também sejam conscientizados da importância desta atividade, pois de nada adianta os conhecimentos de inteligência serem produzidos da melhor maneira e em tempo adequado, se os gestores não confiam ou simplesmente desprezam essas valiosas informações na hora de decidirem o que deve ou não ser feito, especialmente nas situações de crise.

O texto aqui disponibilizado ateve-se ao enfoque conhecido como Prevenção Criminal Situacional. Nesta forma de análise, não há uma preocupação com relação às

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origens de determinado problema, tampouco com medidas de médio e longo prazos que possam, efetivamente, eliminar ou dirimir suas raízes. Volta-se para as medidas que de imediato modifiquem as condições para que o indesejável aconteça. Todavia, as diferentes formas de enfocar e analisar os problemas não se excluem. Podem ser complementares e, certamente, é isto o que a sociedade deseja. Providências imediatas são importantes, mas desde que sejam duradouras. Ou seja, as raízes do problema precisam ser atacadas. Neste caso, deparamo-nos com condições de ordem estrutural, que ensejam a criação das chamadas organizações criminais. Está aí um valiosíssimo tema para novos (e complementares) trabalhos.

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A ENTREVISTA COGNITIVA COMO MEIO PARA MINIMIZAR AS FALSAS MEMÓRIAS

Heverton Luis Pahl1

Marcos Erico Hoffmann2

RESUMOO presente trabalho, na forma de revisão de literatura, versa sobre a técnica da entrevista cognitiva. Objetiva discutir a importância do instrumento para policiais e outros profissionais da segurança pública, a fim de que possam coletar depoimentos com um maior grau de verossimilhança com o que de fato ocorreu. O depoimento sempre exerceu um papel fundamental durante as investigações policiais, tanto pelo fato de trazer informações novas, quanto pela corroboração e esclarecimentos das provas técnicas. Quando utilizamos nossas memórias residuais para prestarmos um depoimento, pode ocorrer o fenômeno conhecido como falsas memórias, que interfere no depoimento com distorções e/ou adições de informações que não fazem parte do fato vivenciado. Com ênfase nas diversas etapas da entrevista cognitiva, o texto discorre sobre a maneira de se conduzir uma entrevista, a fim de que sejam obtidos os resultados esperados.

Palavras-chave: falsas memórias, memória, entrevista cognitiva.

ABSTRACTThis work, in the form of literature review, focuses on the cognitive

1 Especialista em Inteligência Criminal da UNIDAVI/DIFC, Perito Oficial/SC, Bacharel em Engenharia Civil pela UDESC.E-mail: [email protected] Professor da disciplina Criminologia do Curso de Especialização em Inteligência Criminal da UNIDAVI/DIFC. Psicólogo policial civil, mestre em Administração Pública e doutor em Psicologia pela UFSC. Docente de graduação e de Pós-Graduação, professor da Academia da Polícia Civil de SC e da Academia da Justiça e Cidadania de SC. E-mail: [email protected].

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interview technique. Its goal is to discuss the importance of this tool for police and other public safety professionals to collect testimonials with a greater degree of verisimilitude with reality. The testimony has always had a key role during police investigations, both because of bringing new information, and by corroboration and clarification of technical evidence. When we use our residual memories to provide a testimonial, may occur the phenomenon of so-called false memories, which interfere in the testimony with distortions and / or addition of information that are not part of the previous experience. With emphasis on the different stages of cognitive interview, the paper discusses about the way to conduct an interview, to ensure that the expected results are obtained.

Keywords: false memories, memory, cognitive interview.

1 INTRODUÇÃO

Ao narrarmos um acontecimento, valemo-nos de nossas recordações. Entretanto, nossa mente pode não funcionar do modo esperado, uma vez que a memória é suscetível a falhas. Se tentarmos recordar um evento banal do dia anterior, é muito provável que deixemos detalhes no esquecimento ou pode ocorrer uma “contaminação” do relato a partir de emoções e de sobreposição de informações de outros eventos. Por exemplo, declaramos com confiança que vimos determinada pessoa em um determinado lugar, todavia, na realidade, a verificamos em outro local ou mesmo neste suposto, porém em outra data. Esse tipo de falha na recordação recebe o nome de falsa memória e pode suceder nos depoimentos durante uma investigação criminal. Portanto, capaz de ensejar erros em decisões e sentenças judiciais equivocadas e injustas.

No intuito de aprimorar a coleta de depoimentos, na década de 1980 os psicólogos Ronald P. Fisher e Edward

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Geiselman iniciaram o desenvolvimento da técnica de entrevista cognitiva, na qual mesclavam os conhecimentos de duas grandes áreas: a Psicologia Cognitiva e a Psicologia Social (GEISELMAN, et al., 1985).

A presente pesquisa tem por objetivo apresentar a técnica da entrevista cognitiva como estratégia para minimizar a ocorrência de falsas memórias e como mecanismo de obtenção de depoimentos com maior quantidade de detalhes e informações fidedignas.

Devido à complexidade dos estudos psicológicos envolvendo a memória, este trabalho dedica alguns comentários em relação à sua conceituação e a respeito de certas variáveis ligadas às falsas memórias. Faremos também uma descrição das técnicas de entrevista cognitiva, com o fito de trazer subsídios acerca deste instrumento aos agentes públicos envolvidos na colheita de depoimentos, inclusive os referentes à inteligência policial.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 MEMÓRIA

Memória refere-se à função geral de conservação de experiência anterior que se manifesta por meio de hábitos, lembranças ou por recordações; seria uma tomada de consciência do passado como tal (MEMÓRIA, 2003).

Segundo Myers (1999 apud Wilbert; Menezes,2011, p. 68), “[...] a memória humana é uma incessante tentativa de reconstrução e reprodução de fatos já vivenciados.”

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De acordo com Cardoso (1997) a memória está intimamente ligada à aprendizagem e compreende o arquivo e a recuperação de experiências. Na aprendizagem utilizamos as experiências vividas, ou seja, as informações (representações do passado) retidas na memória, para formular o nosso comportamento.

“Assim, aprendizagem e memória são o suporte para todo o nosso conhecimento, habilidades e planejamento, fazendo-nos considerar o passado, nos situarmos no presente e prevermos o futuro.” (CARDOSO, 1997, s.p.).

O aprendizado e a memória são propriedades básicas do sistema nervoso; não existe atividade nervosa que não inclua ou não seja afetada de alguma forma pelo aprendizado e pela memória. Aprendemos a caminhar, pensar, amar, imaginar, criar, fazer atos-motores ou ideativos simples e complexos, etc.; e nossa vida depende de que nos lembremos de tudo isso (IZQUIERDO, 1989, p. 90).

Na formação de memórias a partir de experiências, Izquierdo (1989), enfatiza que é necessário analisar quatro aspectos fundamentais: 1) nossa memória não armazena todas as informações vivenciadas; há um processo de seleção prévio; 2) as memórias recentes passam por um processo de consolidação antes de se tornarem estáveis; nesse momento são suscetíveis à simplificação ou inibição; 3) nos primeiros minutos ou horas, as memórias são sensíveis à incorporação de informações adicionais que podem advir de outras experiências que geram memórias; 4) as memórias não consistem em itens isolados, senão em registros que podem ser reacondicionados, alterados ou ampliados.

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Segundo Cardoso (1997), os tipos de memórias podem ser classificados em três categorias: Memória Ultra-rápida (que dura segundos), Memória de Curto Prazo (que dura minutos ou horas) e Memória de Longo Prazo (que dura dias, semanas ou anos). Esta última, a Memória de Longo Prazo, se subdivide em Declarativa e Não-declarativa. A Memória Declarativa ainda se subdivide em Episódica e Semântica.

A Memória Declarativa Episódica é o tipo comum de memória que mais será requisitada nas esferas policial e judicial, pois está relacionada a fatos/eventos e o tempo correspondente.

Para Wilbert e Menezes (2011), a memória pode ser influenciada por diversos fatores, como por exemplo, o nível de estímulo emocional. E é no âmbito das emoções que sucedem as falhas mais comuns nos processos de recuperação mnemônica. São assim geradas as falsas memórias.

De acordo com Lopes Júnior e Di Gesu (2007), diante de um crime, a tendência da mente humana é arquivar os pontos que geram maior emoção. Com isso, certos eventos e muitos detalhes importantes para a investigação podem ficar no esquecimento ou serem alterados.

Um delito pode gerar um número mínimo de provas técnicas, como perícias, exames de DNA, impressões digitais, entre outras, fato que torna a memória imprescindível tanto no processo para o reconhecimento dos acusados quanto para a reconstrução do fato delituoso e todas as suas peculiaridades (LOPES JÚNIOR; DI GESU,2007).

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2.2 FALSAS MEMÓRIAS

O processo de armazenamento e recuperação de informações na nossa memória pode falhar, fazendo com que as pessoas gerem descrições distorcidas ou até relatem situações que não presenciaram. Essa falha da memória tem sido tema de diversos estudos e são conhecidas como Falsas Memórias (FM). Obviamente, nada têm a ver com mentiras e distorções intencionais, outras práticas humanas, porém muito diferentes: são conscientes e deliberadas.

Cabe ressaltar que as FM não são mentiras ou fantasias das pessoas, elas são semelhantes às memórias verdadeiras, tanto no que tange à sua base cognitiva quanto neurofisiológica. No entanto, diferenciam-se das verdadeiras, pelo fato de as FM serem compostas no todo ou em parte por lembranças de informações ou eventos que não ocorreram na realidade. As FM são frutos do funcionamento normal, não patológico, de nossa memória (STEIN et al., 2010, p. 22).

Loftus (2005 apud Alves; Lopes, 2007, p. 46) lembra que “As FMs podem ser elaboradas pela junção de lembranças verdadeiras e de sugestões vindas de outras pessoas, sendo que, durante este processo, a pessoa fica suscetível a esquecer a fonte da informação ou elas se originariam quando se é interrogado de maneira evocativa”.

As FM são classificadas de acordo com o processo que a gerou, podendo ser espontâneas (processo interno) ou sugeridas (processo externo). As falsas memórias espontâneas são frutos do próprio funcionamento da memória por meio da autossugestão. Segundo Brainerd e Reyna (1995), esse tipo de

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falsa memória é criado devido à similaridade das informações. O indivíduo consegue recuperar a essência do fato, não os seus detalhes. Porém, se for questionado sobre uma segunda informação similar à primeira, criará associação com esta segunda.

Por sua vez, as FM sugeridas são provenientes de fonte externa ao sujeito, podendo ocorrer a partir de uma sugestão deliberada ou acidental de informação falsa, relacionada ao fato (STEIN; NEUFELD, 2001; ALVES; LOPES, 2007).

Dessa forma, nossa memória pode ser distorcida e sofrer mudanças, mediante sugestões e outras informações, podendo ser influenciada por outras pessoas e situações (STEIN et al., 2010).

2.3 ENTREVISTA COGNITIVA

Durante uma investigação, umas das tarefas mais importantes consiste na coleta de evidências confiáveis. Por sua vez, uma das evidências mais importantes são os relatos dos envolvidos diretamente no episódio, como supostas vítimas, suspeitos e testemunhas oculares. Para isso, são realizadas as entrevistas. De acordo com Bull et al.(2006), a entrevista deve ser conduzida por investigadores policiais treinados para que os mesmos possam obter o máximo de informações precisas possíveis, até mesmo uma confissão do suspeito.

Porém, o uso de técnicas inadequadas se reflete nos dez erros mais comuns cometidos pelos entrevistadores forenses, conforme os estudos efetuados por Memon (2007 apud STEIN et al.2010), mencionados a seguir:

1. Não explicar o propósito da entrevista

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2. Não explicar as regras básicas da sistemática da entrevista

3. Não estabelecer o rapport antes de iniciar4. Não solicitar o relato livre5. Basear-se em perguntas fechadas e não fazer perguntas

abertas6. Efetuar perguntas sugestivas / confirmatórias7. Não acompanhar o que a testemunha acabou de falar8. Não permitir pausas9. Interromper a testemunha quando ela está falando10. Não fazer o fechamento da entrevista.A Entrevista Cognitiva (EC), desenvolvida na década de

1980, objetiva a aquisição de melhores depoimentos, utilizando os conhecimentos científicos disponíveis sobre memória e alcançando resultados mais significativos na área jurídica, em comparação com outras formas de entrevista (STEIN et al.,2010).

2.3.1 Etapas da entrevista cognitiva

Bull et al.(2006) e Stein et al. (2010) apresentam em seus estudos uma sequência de fases da entrevista cognitiva. Esta sucessão é fruto de pesquisas em diversos países, como Alemanha, Canadá, Austrália e Estados Unidos. Em outros estudos consultados são apresentadas séries com até nove etapas, porém, nada mais são do que desdobramentos da sequência: Rapport; Recriação do Contexto Original; Narrativa Livre; e Questionamento. No Quadro 01 é possível verificar quais são os objetivos de cada uma dessas fases:

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Etapa ObjetivosI – Construção do Rapport

- Personalizar a entrevista- Construir um ambiente acolhedor- Discutir assuntos neutros- Explicar os objetivos da entrevista- Transferir o controle para o entrevistado

II – Recriação do contexto original

- Restabelecer mentalmente o contexto no qual a situação ou crime ocorreu- Recriar o contexto ambiental, perceptual e afetivo

III – Narrativa Livre - Obter o relato livre da testemunha, sem interrupções

IV – Questionamento - Realizar o questionamento compatível com o nível de compreensão da testemunha- Priorizar o uso de perguntas abertas- Obter esclarecimentos e detalhamento do relato- Possibilitar múltiplas recuperações

V – Fechamento - Realizar o fechamento da entrevista- Fornecer o resumo das informações obtidas- Discutir tópicos neutros- Estender a vida útil da entrevista

Quadro 1 – Etapas da entrevista cognitiva.Fonte: Stein et al. (2010, p. 213).

2.3.1.1 Construção do Rapport

De acordo com Oliveira (2005), “Rapport é a relação harmoniosa, tranquila e serena, determinada e significada pela empatia.Trata-se de uma relação cordial, afetuosa, de confiança, de apreço e respeito mútuo, relação eminentemente humana.”

É fundamental, portanto, que o entrevistador procure inicialmente estabelecer uma relação de confiança e tranquilidade. Somente depois disso é que se pode dar

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prosseguimento à entrevista, com as condições favoráveis para que o depoente recorde com clareza os acontecimentos, muitas vezes complexos e angustiantes para ele. Além disso, é muito importante que o entrevistado tenha desenvolvido uma consideração positiva para com o entrevistador, o que o motivará para empenhar-se numa atitude de cooperação (BULL et al.,2006).

Para Memon e Bull (1999 apud STEIN et al., 2010), o entrevistador precisa ter em mente o princípio da sincronia. Ou seja: em relações interpessoais, as pessoas tendem a agir de maneira semelhante ao seu interlocutor. Se o entrevistador demonstrar segurança e tranquilidade, tenderá a transmitir essas condições também para seu entrevistado.

2.3.1.2 Recriação do contexto original

Conforme Stein et al. (2010), na fase de recriação do contexto original, o entrevistador busca colocar, mentalmente, o entrevistado novamente na situação em estudo mediante a exploração dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e gustação). Este processo precisa suceder de forma lenta e pausada, para que o entrevistado tenha tempo suficiente para acessar as informações contidas em sua memória.

Stein et al. (2010, p. 217) apresentam um exemplo de instrução para a aplicação da técnica da recriação do contexto:

“[...] Neste momento eu gostaria de te ajudar a lembrar tudo o que conseguir sobre (referir o evento em questão). Você pode fechar os olhos, se preferir. Tente voltar mentalmente ao exato momento em que aconteceu essa situação. [pausa] Você não precisa me dizer nada ainda, apenas procure

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observar o local ao seu redor [pausa]. O que você consegue ver? [pausa] Que coisas você consegue escutar? [pausa] Que coisas passam pela sua cabeça? [pausa] Como você está se sentindo? [pausa] Como está o clima nesse momento? [pausa] Tem algum cheiro que você consiga sentir? [pausa] Quando você achar que estiver pronto, pode contar tudo que conseguir se lembrar sobre o que aconteceu, do jeito que achar melhor”.

No exemplo anteriormente citado, é possível constatar uma preocupação com o rapport, o que ensejou todo o empenho para fazer com que a pessoa se imagine na situação que está sendo pesquisada.

2.3.1.3 Narrativa livre

Os primeiros relatos que o entrevistado realiza devem ser obtidos livres de qualquer pressão. Estudos indicam que as pessoas fornecem informações mais precisas sobre eventos quando se expressam com suas próprias palavras e não quando apenas respondem perguntas. Um erro importante que deve ser evitado refere-se à interrupção do livre relato por meio de questionamentos que possam influenciar as respostas e comprometer a narrativa (BULL et al., 2006).

O entrevistado possivelmente produzirá pausas, mas que não devem ser utilizadas pelo entrevistador para fazer perguntas. Existe uma grande demanda cognitiva no acesso às informações presentes na memória e o entrevistado utilizará essas pausas para acessar tais informações. O entrevistador deve permanecer em silêncio e em posição que transmita interesse no relato (STEIN et al.,2010).

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2.3.1.4 Questionamento

Em relação à fase do questionamento, o entrevistador fará perguntas relacionadas às informações prestadas na fase anterior e as perguntas precisam ser formuladas com especial atenção, cuidando para não sugestionar ou “contaminar” as respostas. Por exemplo: ‘Você gosta de futebol, não gosta?’ Crianças e adultos vulneráveis são propensos a responder ‘sim’ para este tipo de pergunta. Nesse caso fica prejudicada a certeza se a resposta corresponde mesmo à verdade ou se simplesmente trata-se de uma conformidade com a pergunta.

Bull et al. (2006), apresentam uma explicação a respeito de dois tipos de perguntas que estão presentes nas entrevistas: as perguntas abertas e as perguntas fechadas. As primeiras são indicadas para a fase inicial da entrevista e convidam o entrevistado a complementar o relato livre. Por exemplo: ‘Há poucos minutos atrás você disse que seu tio lhe machucou. Como ele fez isso?’. Já as questões fechadas procuram utilizar-se de detalhes já disponíveis. Por exemplo: ‘Você disse que seu tio colocou algo em sua boca. O que ele usou?’. A inclusão de alternativas (sugestões) nas perguntas fechadas traz enormes riscos, como a não inclusão da opção correta, bem como a presença de alternativa sugestiva, aquela que aparece soar mais correta que as outras.

Segundo Stein et al. (2010, p. 221), “O entrevistador deve estar atento para a seguinte regra geral: dar sempre prioridade para as perguntas abertas em detrimento das fechadas.” As perguntas abertas facilitam o processo de recuperação de informações na memória do entrevistado.

Além das perguntas abertas e das perguntas fechadas, existem as perguntas múltiplas, tendenciosas/sugestivas e as

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confirmatórias/inquisitivas.Nos estudos de Milne (2004), Stein, Pergher e Feix

(2009) e Stein et al. (2010) há diversos exemplos dos tipos de perguntas levantados. Apresentamos em seguida um quadro que mescla os exemplos presentes nos mencionados estudos:

Tipo de pergunta

Definição/Efeitos

exemplos

Abertas Permitem que a pessoa que está respondendo dê mais informações.

“O que você viu quando entrou na loja?”“O que aconteceu quando vocês entraram no quarto?”“Você falou que o autor era um homem. Descreva ele para mim.”

Fechadas Limitam a resposta entre sim / não ou a escolha entre uma alternativa. Restringe o relato espontâneo.

“Era manhã, tarde ou noite quando o fato aconteceu?”“Você estava no quarto ou na sala quando o seu tio veio falar contigo?”

Múltiplas Várias questões colocadas simultaneamente que acabam por confundir o entrevistado.

“Você viu o rosto do assaltante? Ele foi agressivo? O que ele falou?”“Quando isso aconteceu? Ele bateu em você? Você tentou reagir?”

Tendenciosas/Sugestivas

Conduzem o entrevistado a uma determinada resposta,podendo produzir falsos relatos.

“Tendo em vista que o Borracha é um bandido foragido e no momento dos fatos estava nas imediações, você não acha que ele possuía algum envolvimento com o crime?”“O que ele fez quando te empurrou para cama?” (a vítima não disse que o perpetrador a havia empurrado para a cama)

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Confirmatórias/Inquisitivas

Procuram confirmar aquilo que foi dito ou uma hipótese levantada pelo entrevistador.

“Então você está me dizendo que viu aquele seu vizinho no local do crime?” (quando a testemunha falou que a pessoa do local do crime lembrava o vizinho)

Quadro 2 – Tipos de perguntas e suas características.Fonte: Milne (2004), Stein; Pergher; Feix (2009) e Stein et al. (2010).

2.3.1.5 Fechamento

Na fase de fechamento, o entrevistador verifica se houve claro entendimento sobre o que o depoente reportou. Caso necessário, volta a entrevista para o ponto que for preciso. Nessa etapa o entrevistador fará também uma síntese do diálogo e o entrevistado terá então uma oportunidade de adicionar detalhes ou identificar distorções presentes no resumo (PINHO, 2006 apud STEIN et al., 2010).

Fisher e Geiselman (1992 apud STEIN et al., 2010), destacam que o entrevistador deve deixar um canal aberto de comunicação com o entrevistado, para o caso de ele vir a recordar detalhes não relatados na entrevista.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na busca de depoimentos com maior qualidade, uma especial atenção merece ser concedida à utilização da técnica de entrevista cognitiva. Como vimos, a entrevista cognitiva não consiste numa enxurrada de perguntas, mas sim num meio técnico de proporcionar ao depoente uma atmosfera de

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segurança para que ele possa relatar da forma mais precisa possível o evento pelo qual passou ou presenciou.

Uma das principais vantagens da entrevista cognitiva consiste na redução das ocorrências de falsas memórias, devido à diminuição do uso de perguntas impróprias e/ou sugestivas.

Stein et al. (2010, p. 223) indicam outro ponto que precisa ser considerado: a redução do número de depoimentos prestados. Os depoimentos conduzidos por profissionais bem treinados coletam todas as informações necessárias à investigação em poucas entrevistas. Dessa forma, também se reduz a ocorrência de contaminação dos relatos com falsas memórias. Em cada ocasião que uma vítima, por exemplo, é obrigada a repetir um depoimento, seja por dúvidas não esclarecidas no depoimento anterior, seja por técnicas de entrevista mal utilizadas, a vítima acaba por recordar os momentos desagradáveis e passa pelo doloroso processo de revitimização.

Ainda sobre as entrevistas cognitivas, Stein et al. (2010, p. 224) apresentam algumas limitações de ordem prática: a) necessidade de treinamento extensivo dos entrevistadores e que envolve custos; b) exigência de algumas condições físicas, porém comuns a quaisquer outras modalidades (ambiente confortável e silencioso, tempo de entrevista) e tecnologias (gravação em áudio e vídeo) adequadas e; c) necessidade de um certo nível de capacidade cognitiva, por parte do entrevistado, para aplicação dessas técnicas.

As limitações de ordem física e de treinamento podem ser facilmente superadas com a adoção de políticas de segurança que visem à eficiência da ação policial. Seger e Lopez Júnior (2012) consideram também a relação custo-benefício da técnica, acreditando que uma prova oral obtida com maior

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qualidade, por meio de entrevista cognitiva, favorece um avanço social imensurável, o que, de certa forma, compensaria eventuais desvantagens da técnica.

No Brasil, bem como em qualquer parte do mundo, não há mais espaço para amadorismos e ações inconsequentes. No âmbito da segurança pública, cada vez mais o conhecimento científico e as tecnologias vêm sendo utilizados. Da mesma forma, os policiais e outros profissionais da segurança pública têm cada vez mais atuado dentro da técnica e, sempre que possível, também produzido e divulgado novos conhecimentos.

Essas interações e trocas proporcionam ganhos tanto para a Ciência, como para o mundo do trabalho. De sua parte, a atividade de inteligência policial encontra na entrevista cognitiva uma importante aliada na busca da verdade. A verdade, no caso, consiste na base para a realização da justiça. E justiça, o que será? A quê e a quem serve o que supomos que seja justiça? Parece estar aí um valioso e instigante tema para novas pesquisas e reflexões.

4 ReFeRÊncIAs

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A PERCEPÇÃO CONCEITUAL ENTRE INTELIGÊNCIA E INVESTIGAÇÃO POLICIAL

Luiza Carla Noetzold Teixeira das Neves1

Joanisval Brito Gonçalves2

RESUMONo âmbito da Secretaria de Segurança Pública, a atividade de Inteligência Policial e Investigação Policial são atividades distintas e que se completam, mas suas finalidades e interpretação ainda são confusas pelo leitor, enredando aos agentes e à instituição policial ao equívoco constante diante de um serviço altamente especializado. O objetivo geral deste estudo é esclarecer a miscigenação de interpretação da atividade de Inteligência Policial e Investigação Policial.

Palavras-chave: Inteligência, investigação criminal, inteligência policial.

ABSTRACTAt the Brazilian States Public Security Bureaus, the activitis of Police Intelligence and Investigation Officer are distinct, but complementary. However, the perception of their purposes and its interpretation is still confused amongst public authorities in Brazil. The aim of this study is to contribute to a better comprehension of the differences between Police Intelligence and Police Investigation.

Keywords: Intelligence, police investigation, criminal intelligence.

1 Luiza Carla Noetzold Teixeira das Neves é Bacharel em Direito, especializada em Inteligência Criminal. Policial Militar na Polícia Militar Ambiental de Herval d’ Oeste/SC. E-mail para contato: [email protected] Joanisval Brito Gonçalves é Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, especializado em Inteligência. Consultor Legislativo do Senado Federal, é também professor do Curso de Especialização em Inteligência Criminal da Universidade do Alto-Vale do Itajaí (UNIDAVI). E-mail para contato: [email protected].

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1 INTRODUÇÃO

No Brasil é comum a miscigenação na interpretação de informações transmitidas no noticiário policial. Neste trabalho, procura-se mostrar a diferença que há entre atividade de Inteligência Policial e Investigação Policial. No tocante ao assunto, Couto (2010) comenta que há distorção na missão de ambas as atividades, uma vez que são distintas, mas comumente a publicação em jornais, revistas, nos canais televisivos ou virtuais trata como sinonímias.

Identificar os possíveis equívocos praticados na miscigenação dos binômios é fundamental, somente assim, mediante o desenvolvimento de novos estudos poderão ajudar a corrigir, no momento presente e futuro, para esclarecer essa confusão, fazendo com que seja veiculado o noticiário correto, sobre o real trabalho realizado pela Secretaria de Segurança Pública, remetendo o expectador ao correto entendimento (ROSITO, 2006).

A escolha deste tema se justifica pela repercussão distorcida da missão das atividades de Inteligência Policial e Investigação Policial nos diversos canais de circulação de notícias no Brasil. Normalmente, o trabalho de reportagem confunde os termos Investigação Policial e Inteligência Policial, motivando a necessidade de afastar a miscigenação de interpretações, que geram consequências para a Segurança Pública. Com base nesse fundamento, Martins Júnior (2011, p. 1), aponta,

É de uso comum, na veiculação de notícias policiais na mídia, a expressão “inteligência”, como se fosse […] sinônima de “investigação”. Ações realizadas sob tal rotulação muitas

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vezes vêm a demonstrar de público, que instituições que não possuem prerrogativas investigativas têm tentado se arvorar da posição que, por ordem constitucional e legal, é reservada às Polícias Judiciárias.

Pesquisadores como Dantas e Souza (2007) comentam sobre a diferença que existe entre atividade de Inteligência Policial e atividade de Investigação Policial, embora sutil. A Investigação Policial tem como função subsidiar a persecução penal, ao passo que a Inteligência Policial serve para executar as atividades de Segurança Pública.

Para Fernandes (2006), as duas atividades possuem semelhanças e por isso exigem que sejam adequadamente delimitadas, identificando os pontos de incongruência sobre a Atividade de Inteligência quando veiculados.

Nesta abordagem procura-se tratar da Doutrina Nacional de Inteligência da Segurança Pública (DNISP) brasileira e investigar a influência que exerce na miscigenação entre os conceitos e como a Secretaria de Segurança Pública lida com essa confusa rede de entendimentos.

Como problema de pesquisa procura-se elucidar a principal finalidade das atividades de “Inteligência Policial” e “Investigação Policial” na execução dos serviços praticados pela Secretaria de Segurança Pública no Brasil e analisar os impactos quando veiculadas erroneamente.

Nesta abordagem procura-se analisar a confusão entre os conceitos veiculados em matérias escritas ou transmitidas em jornais televisivos ou no rádio, para identificar a percepção errônea que se tem sobre as atividades de Inteligência e Investigação Policial. Parte-se desses argumentos para investigar: Quais os principais impactos da miscigenação de

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interpretação dos termos “Inteligência Policial” e “Investigação Policial”, produzida e veiculada em matérias escritas ou faladas?

Como objetivo geral procura-se identificar a miscigenação conceitual na interpretação entre a atividade de “Inteligência Policial” (AIP) e a atividade de “Investigação Policial” (AIP) para mostrar a diferença que existe quanto aos fins.

Como objetivos específicos procura-se conceituar as atividades e apontar a semelhança/dessemelhança; Analisar os equívocos praticados quanto à interpretação e demonstrar como essa confusão repercute nos fins a que se destinam.

No desenvolvimento deste estudo emprega-se o método de revisão lógico-dedutivo, para apresentar os conceitos e definições, possibilitando esclarecer a confusão no emprego dos termos em matérias veiculadas nos diversos meios de transmissão de notícias - escritos ou falados e elucidar semelhanças e dessemelhanças conceituais.

2 INTELIGÊNCIA EM SEGURANÇA PÚBLICA

2.1 SEGURANÇA PÚBLICA

No Brasil, a segurança pública (SP) tem como escopo fundamental proteger a sociedade e o Estado, com visão social e inovadora dá continuidade aos preceitos contidos na Constituição da República Federativa do Brasil (1988) que, pautada na ética e no respeito aos princípios constitucionais, trabalha para combater a violência, em contextos isolados ou coletivos, em ações violentas de criminalidade, roubo, furto,

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tráfico de drogas ou entorpecentes ou problemas que integram as vivências sociais.

Como integrante das políticas públicas, procura atender os diferentes sujeitos, suas diferenças sociais em contextos multiformes, centralizada no ser social, suas desigualdades e mazelas, assegurando o controle e harmonia para que o sujeito possa ter livre passagem e direito em expressar-se livremente.

Os serviços ofertados pela Secretaria de Segurança Pública contemplam a organização e manutenção do policiamento ostensivo com o dever de proteger a população nas relações entre sujeitos, para combater atos praticados contra o Estado e contra o cidadão.

As comunidades e o Estado, em conjunto, se esforçam para reduzir a criminalidade e os atos violentos cometidos por criminosos ou organizações criminosas, evitando que as ações violentas se propaguem no meio social, com a adoção de estratégias alternativas, desenvolvidas mediante a análise diagnóstica, com projetos centralizados e regionais. As políticas de segurança pública são essenciais ao Estado e ao cidadão e devem pautar-se no seguinte pressuposto,

As políticas devem ter metas claras e definidas, que devem ser alcançadas através de medidas confiáveis para a avaliação desses objetivos e pelos meios disponíveis para sua realização de forma democrática. A condição desejável a ser perseguida pode consistir na redução de alguns tipos de crimes específicos a um custo razoável para sua implementação (BEATO FILHO, 1999, p. 10).

Beato Filho (1999, p. 10) comenta que as políticas de segurança pública envolvem componentes informacionais

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e técnicos, programas, projetos, métodos analíticos de monitoramento, avaliação de performance e desempenho. A formulação de problemas resulta em alternativas, ações e resultados com avaliação, monitoramento, recomendações e estruturação do melhor custo/benefício possível, efetividade, eficiência e equidade. Desta forma, são necessários métodos de monitoramento e avaliação permanente no trabalho policial visando promover maior eficiência e equidade. No Brasil, a proposição de políticas de segurança pública é um movimento social, individual e coletivo, principalmente, porque o crime resulta de ações que emergem no próprio campo social, praticado pelo individual ou um coletivo de indivíduos.

Os fatores socioeconômicos podem impedir o acesso do sujeito aos meios legítimos de sobrevivência, bloqueando o emprego, trabalho, educação, qualificação profissional, renda, saúde e segurança, restringindo às oportunidades de trabalho que permanecem marginalizadas, restando o crime como meio de vida. De acordo com Beato Filho (1999, p. 10):

A deterioração das condições de vida se traduz no acesso restrito de alguns setores da população a oportunidades no mercado de trabalho e de bens e serviços, assim como na má socialização a que são submetidos nos âmbitos: familiar, escolar e na convivência com subgrupos desviantes. [...] Propostas de controle da criminalidade passam, inevitavelmente, tanto por reformas sociais de profundidade como por reformas individuais voltadas a reeducar e ressocializar criminosos para o convívio em sociedade.

No entendimento de Ferro Júnior (2010), o termo segurança pública é um binômio indissociável e nessa esfera a

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Inteligência é o segundo elemento mais importante que, além de ser uma necessidade premente opera com competência e com profissionais especializados, utilizando a Tecnologia da Informação como instrumento para gerar conhecimentos, em delitos ou ações complexas que representem ameaça ou possível ameaça à sociedade e ao Estado, resultantes do crime estruturado. A atividade de inteligência dá suporte às investigações dos crimes produzidos em massa e procura assegurar melhores condições para a atividade operacional do homem da ponta da linha, representada pelo policial investigador ou policial ostensivo em contato com o criminoso. A Inteligência em segurança pública significa uma,

[...] atividade permanente e sistemática, via ações especializadas que visa identificar, acompanhar e avaliar ameaças, reais ou potenciais, sobre a segurança pública e produzir conhecimentos e informações que subsidiem o planejamento e a execução de políticas de Segurança Pública, bem como ações para prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza, de forma integrada e em subsídio à investigação e à produção de conhecimentos (ALVES, 2011, p. 13).

A inteligência policial atua de forma sistêmica na organização e contempla as necessidades operacionais, como atividades de assessoramento da investigação criminal, desenvolvendo técnicas e habilidades para monitorar o crime visando dar maior efetividade da ação policial. O monitoramento visa observar fatos e atos, produzindo conhecimento antecipado sobre os eventos criminosos com ações proativas rumo à promoção de alertas na tomada de

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decisão (FERRO JÚNIOR, 2010).

2.2 INTELIGÊNCIA

Para esta abordagem interessa somente entender a Inteligência relacionada à Segurança Pública para a guarda e proteção do Estado e da sociedade. A Lei no. 9.883, de sete de dezembro de 1999 criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), cujo art. 2o, da referida Lei a define como sendo,

[...] a atividade que objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos, dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado [...].

No entendimento de Freitas (2004), a atividade de Inteligência é uma ação constante, concernente ao passado, presente ou futuro. No entendimento de Alves (2011, p. 11),

A Inteligência é a atividade de exercício permanente e sistemático de ações especializadas orientadas, basicamente, para a produção, difusão e salvaguarda de conhecimentos necessários ao assessoramento para a decisão dos planejadores, nos respectivos níveis de decisão (Político, Estratégico, Tático e Operacional), campos de atuação e fontes utilizadas.

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De acordo com a Rosito (2006), o termo inteligência envolve uma atividade, o produto-alvo da atividade a ser investigada e as unidades organizadas para o fim a que se propõe (órgãos, departamentos, núcleos, seções, etc.) a atividade objeto de investigação. De acordo com Martins Júnior (2011, p. 2), inteligência vem ser,

[…] a produção do conhecimento para auxiliar na decisão. […] não é uma instância executora, faz levantando de dados e informes, produz conhecimento para alguém em nível mais elevado de hierarquia, toma ou não, determinada decisão ou ação. […] possui um ciclo próprio: demanda - planejamento – reunião – coleta – busca – análise – avaliação – produção – difusão - feedback.

As diversas organizações contemporâneas, sejam elas públicas ou privadas, fazem uso permanente da atividade de inteligência em segurança pública, seja para investigar fatos, atos ou como forma estratégica para aprimorar e/ou potencializar os resultados das tarefas inerentes ao sistema.

No setor privado a atividade de inteligência é conhecida como inteligência competitiva, conhecida também por inteligência empresarial3. Na esfera pública, com foco na

3 De acordo com o Glossário de Inteligência Competitiva, a atividade de inteligência pode ser definida como o: processo que tem como objetivo de produzir inteligência para a tomada de decisão ou desenvolver atividades que objetivam negar a um ator a possibilidade de levantar dados e informações por meio de coleta/busca sobre o modo de agir de outro autor. Constitui-se processo informacional proativo e sistemático, que visa a identificar os atores e as forças que regem as atividades da organização, reduzir o risco e conduzir o tomador de decisão à melhor posicionar-se em seu ambiente,

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Segurança Pública, é um instrumento utilizado para combater o crime organizado. Gonçalves (2011, p. 19) conceitua o termo, utilizando a abordagem de Gill e Mark Phytian,

“Inteligência” é o termo geral para um amplo espectro de atividades – do planejamento e da reunião de informação à análise e à disseminação de conhecimento – conduzidas em segredo e com o propósito de manter ou aumentar a segurança, por meio da antecipação de ameaças ou potenciais, de maneira a permitir a implementação oportuna de políticas ou estratégias preventivas ou o recurso, quando necessário, a atividades clandestinas”.

Note-se que as atividades de inteligência envolvem um ciclo e estão profundamente relacionadas à inteligência, segredo, proteção contra ameaça e assessoramento estratégico do processo decisório.

2.2 INTELIGÊNCIA POLICIAL

O serviço de Inteligência Policial é responsável pela produção de informações permanentes e o seu devido tratamento, transformando-as em dados possíveis de leitura, de conteúdos obtidos de fontes diversas, de forma a gerar

bem como proteger o conhecimento sensível gerado. Caracteriza-se pela coleta, busca de dados/informações que os outros não estão vendo – quer porque estão ocultos e/ou desconexos, quer porque estão camuflados ou mesmo distorcidos -, e sua posterior análise e identificação de impactos (apud GONÇALVES, 2011, p. 19).

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conhecimento e feedback para aquele que está no comando (decisor hierárquico) e que detém poder para decidir se tais informações são suficientes, se requerem aprofundamento ou redirecionamento de complementação (MARTINS JÚNIOR, 2011).

Na medida em que a atividade de Inteligência se difunde em meio às reportagens e noticiários veiculados nas diversas produções de informações no Brasil, se tornam confusas e confundem os ouvintes do rádio e da TV, leitores de jornais, revistas e artigos disponibilizados na Internet. É comum ouvir noticiários com reportagens veiculadas de atividades puras de investigação policial, conforme Martins Júnior (2001), mas apresentadas equivocadamente como atividade de Inteligência Policial.

De acordo com o art. 1o., Decreto no. 3695/2000,

Art. 1º. Fica criado, no âmbito do Sistema Brasileiro de Inteligência, instituído pela Lei no 9.883, de 7 de dezembro de 1999, o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, com a finalidade de coordenar e integrar as atividades de inteligência de Segurança Pública em todo o país, bem como suprir os governos federal e estaduais de informações que subsidiem a tomada de decisões neste campo.[...]Art. 4º. Compete ao Conselho Especial:I - elaborar e aprovar seu regimento interno;II - propor a integração dos Órgãos de Inteligência de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal ao Subsistema;III - estabelecer as normas operativas e de coordenação da atividade de inteligência de segurança pública;IV - acompanhar e avaliar o desempenho da atividade de inteligência de segurança pública; eV - constituir comitês técnicos para analisar matérias

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específicas, podendo convidar especialistas para opinar sobre o assunto.

A agilidade e a eficiência na tomada de decisão demandam de conhecimento e perícia para obter informações em tempo recorde, favorecendo aos tomadores de decisão da Inteligência Policial, que utilizando métodos e técnicas peculiares, coletam dados e informações (dados tratados) servindo como aliados para a investigação policial (DANTAS, 2013).

A atividade de “Inteligência Policial”, segundo a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), idealizada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (SENASP/2009) dispõe que sua atuação se volta à prevenção e produção de conhecimento, resultante da análise de padrões e tendências visando antecipar situações futuras. Tem como objetivo servir de base para os órgãos competentes, elaborar planos de ação de prevenção de atividades policiais e fatos delitivos que possam apresentar qualquer vulnerabilidade para a Segurança Nacional Brasileira (Estado, território ou município), onde o delito ocorreu. Atua em favor da repressão e produção de conhecimento para assessorar a investigação policial.

A Lei Federal no. 9.883/1999 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência, criou a Agência Brasileira de Inteligência, Diploma que entende como inteligência a atividade que objetiva obter, analisar e disseminar o conhecimento dentro e fora do território nacional, sobre fatos e situações imediatas ou não, com potencial influência sobre o processo decisório, ação governamental, segurança da sociedade e do Estado brasileiro para salvaguardá-lo integralmente.

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A atividade de Inteligência se caracteriza pela busca incessante de dados e informações, a fim de fornecer subsídios ao tomador de decisão, para propor ações concretas e fundamentadas na segurança pública. É um instrumento de produção de conhecimento por meio do qual se buscam dados e, através de uma metodologia específica, transforma-os em conhecimento, servindo como base para que o chefe tome a decisão mais coerente e correta possível.

No entendimento de Freitas Lima (2004), a Inteligência Policial serve para praticamente todo tipo de atividade humana, ao passo que a Investigação Policial tem uma atuação restrita a apuração de irregularidades. O ciclo da Inteligência Policial é linear, ao passo que o ciclo da Investigação pode sofrer variação de etapas e sua captura ocorre em qualquer uma das fases.

Hammerschmidtet al. (2012) comentaram que o crime transnacional utiliza técnicas operacionais díspares para mascarar suas atividades, expandindo-se assustadoramente em todos os segmentos sociais. E em virtude da complexidade e amplitude das atividades criminosas (interna e transnacional), ações empreendidas para no combate do crime organizado pouco tem resolvido, embora com atividades exclusivas e caráter ostensivo.

No entendimento deste mesmo autor, pelo posicionamento geoestratégico do Brasil e por assumir dimensões intercontinentais constitui um ponto logístico e operacional para os grupos criminosos, instalando-se e projetando-se, originados de grupos transnacionais. As Secretarias Estaduais de Segurança Pública contrapõem-se reativamente e desenvolvem estruturas de Inteligência para serem empregadas no combate do crime organizado. Na

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atualidade, motivada na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNSP) somente ser aprovada em 2009, atua de forma incipiente.

No Brasil, a atividade de Inteligência é fundamental contra ações criminosas e fornecimento de dados úteis na repreensão de delitos, no estabelecimento de cenários e estratégias para atuar nas áreas da segurança pública e institucional. As ações de Inteligência devem ser integradas e favorecer a proteção do conhecimento, coordenação, controle e fiscalização no sentido de proporcionar condições para trabalho de seus profissionais.

2.3 INVESTIGAÇÃO POLICIAL

A Investigação policial é responsável pelo levantamento de indícios de provas ou provas já materializadas, que conduzam ao esclarecimento de fato delituoso com atuação restrita a evento criminal único ou em crimes relacionados. A atividade de Investigação criminal independe da vontade do administrador, volta-se à análise dos fatos consumados, para a qual o administrador seria impotente para esclarecer (MARTINS e JÚNIOR, 2011).

O ciclo de investigação policial passa por alguns ciclos, sendo primeiro o delito ocorrido, depois o conhecimento sobre o fato delituoso pela autoridade competente, posteriormente, pelo levantamento, momento em que investigadores buscam indícios do delito, provas documentais, periciais ou testemunhais, que a autoridade avalie se o levantamento efetuado é pertinente ao caso ou não; onde os investigadores capturam eprendem, caso haja convencimento de suspeitos culpados ou infratores; envolve a produção de conhecimento,

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momento em que a autoridade produz a peça acusatória. No entendimento de Lima (2004), a Inteligência policial

não é executora no levantamento de dados e informações, com ciclo próprio, alguém com hierarquia superior toma ou não, determinada decisão ou ação. O papel fundamental da atividade de Inteligência policial é prevenir e repreender ações criminosas, produzindo conhecimento para auxiliar e assessorar aos tomadores de decisões e atua como contrainteligência.

Segundo a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), trata-se de Atividade em Segurança Pública, destinada a produzir conhecimento para proteger a atividade de Inteligência e o Estado como instituição visando salvaguardar dados coletados, informações (dados tratados), conhecimentos sigilosos, identificar e neutralizar ações adversas de qualquer natureza. No entendimento de Gonçalves (2011 p. 20), contrainteligência: [...] é a atividade voltada à neutralização da Inteligência adversa (art. 3o.), tanto de governos, como de organizações privadas.

Contrainteligência: atividade que objetiva salvaguardar dados e conhecimentos sigilosos e identificar e neutralizar ações adversas de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem (ALVES, 2011, p. 12).

A principal semelhança entre atividade de Inteligência e Investigação Policial reside no fato que investigação e inteligência abrangem processos de coleta e análise de

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informações sensíveis, instruindo na tomada de decisão do Chefe do Poder Executivo, no âmbito da inteligência, ao Delegado de Polícia, Promotor de Justiça ou Juiz Criminal, na esfera da investigação. A inteligência policial não tem essa limitação, qualquer demanda que se encaixe nos interesses do usuário é suficiente para sua atuação.

No entendimento de Pacheco (2008), a investigação criminal trata-se de um procedimento preliminar e tem caráter administrativo, comum na Polícia Judiciária, zelosamente ocupa-se em reunir um mínimo possível de provas, que permita ao acusador pedir o início do processo penal. A investigação policial se preocupa em averiguar a infração penal e sua autoria, limita-se em agir quando de sua ocorrência, em fato penalmente relevante. A investigação policial procura apurar infrações penais na sua materialidade e a autoria se instrumentaliza com o Inquérito Policial, fornece ao sujeito ativo da acusação, seja o Ministério Público ou querelante, subsídios eficazes para instaurar a ação penal.

A atividade de Inteligência e Investigação Policial produz conhecimento e faz uso de métodos semelhantes, porém, o que diferencia é a forma de como utilizam o conhecimento. Assim sendo: “[...] dois ramos intrinsecamente ligados não possuem limites precisos uma vez que se inter-relacionam e independem” entre si (DNISP, 2009, p. 14).

Souza (2009) comenta que existem semelhanças e dessemelhanças entre os conceitos de Inteligência e Investigação policial. A inteligência se destaca pela sua capacidade de gerar cultura organizacional e valorizar a informação dentro da instituição, cuja doutrina promove força para explorar e construir conhecimento em dada organização. A investigação policial tem como objetivo instrumentalizar

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a persecução penal, atividade preponderante em nível operacional da organização policial de investigação.

Ferro Júnior (2008) comenta sobre a fundamental,

[...] necessidade de gerar informação e conhecimento de forma mais rápida, em razão da complexidade e velocidade que ocorrem os fenômenos criminais, vem impulsionando o trabalho policial para a implementação de novos processos, infraestrutura tecnológica com a edificação de um modelo de gestão policial com suporte na inteligência da organização. Este trabalho aborda os elementos de inteligência organizacional (comunicação, memória, aprendizagem, cognição e raciocínio) e sua utilidade estratégica para o funcionamento de um sistema de fluxo de conhecimento, possibilitando a propagação de conhecimento produzido em todos os setores policiais, criando um ambiente cumulativo e acessível por toda a organização policial (apud HAMMERSCHMIDT et al., 2012, p. 153).

Inteligência e Investigação policial são similares, podendo haver a integração e assessoramento entre uma e outra, mas é importante reconhecer que não se confundem entre si. A Investigação policial produz um conhecimento capaz de instruir no processo judiciário, cuja missão esta ligada à busca da verdade real, encontra provas e subsídios para comprovar a materialidade do delito e em sede do Inquérito Policial sua destinação final é a Autoridade Policial. Durante a persecução penal seu destinatário é o Ministério Público, o qual opina por oferecer ou não a denúncia, finalmente, em se tratando de processo, o destinatário final é o Juiz que com base na juntada de provas nos autos condena ou não o acusado.

Segundo Lima (2004), a Investigação Policial levanta

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indícios e provas que conduzam ao esclarecimento de fato delituoso, onde o tomador de decisão é imponente e restrito as informações levantadas visando instruir a peça acusatória, que com natureza reativa e repressiva age no pós-crime. No entanto, há crimes cuja peculiaridade aproxima a atividade investigativa da atividade de Inteligência e sua consumação se estende no tempo, a exemplo, o tráfico de drogas ilícitas e armas (LIMA, 2004).

Na separação dos conceitos Costa (2011) entende que ambos os institutos, cada qual de modo peculiar, utilizam métodos científicos para buscar a verdade real, cujos métodos, técnicas, ferramentas e instrumentos de busca podem se transformar em um modelo único de comparação. A técnica denominada observação funciona em sentido de vigilância na inteligência e campana na investigação.

Para Martins Júnior (2010), as organizações policiais e muito especialmente, as que são voltadas à atividade investigativa percebem que administrar a informação se caracteriza como uma importante estratégica utilitária, visto a necessidade de se produzir conhecimento de forma célere e com boa qualidade, justificada na velocidade com que ocorrem os fatos, sugerindo que os processos de gestão da informação e suporte da Inteligência da organização sejam implementados, visando suprir deficiências tecnológicas.

2.4 MISCIGENAÇÃO INTERPRETATIVA ENTRE INTELIGÊNCIA E INVESTIGAÇÃO

Segundo o SINDEPOL/PB: “o perigo do desvirtuamento da inteligência de polícia judiciária e usurpação de funções

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investigativas” ainda se mostra como um problema que deve ser resolvido. No entendimento de Hammerschmidtet al. (2012), a Atividade de Inteligência proporciona subsídios na tomada de decisão dos chefes e comandantes dos órgãos de Segurança Pública, essencial à boa governabilidade e manutenção da segurança pública, nos períodos de guerra e paz. No entanto, as matérias produzidas fazem confusão com os binômios no tratamento da atividade de “Inteligência Policial” (AIP) e “Investigação Policial” (AIP), induzindo o leitor, telespectador ou radio-ouvinte brasileiro entender erroneamente, não identificando o papel individual dessas estâncias conceituais.

O apelo permanente à atividade de Inteligência pelo Estado, para o combate do crime organizado não remete a um entendimento concreto, até porque quando não há um inimigo claramente identificável não será possível falar em guerra, apenas em repressão. Isoladamente, a Inteligência não suporta uma compreensão decifrável e a afirmativa enseja meandros de confusão entre Inteligência e Investigação. Veja-se que segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2011),

A todo o momento somos bombardeados com notícias de que o “serviço de Inteligência” da polícia X ou Y teria detectado isso ou aquilo. Na realidade, ocorre geralmente, uma confusão entre o uso de escuta telefônica numa investigação e o trabalho de Inteligência. Na maioria dos casos que vêm a público, o que é apresentado como trabalho de Inteligência nada mais é do que uma investigação policial um pouco mais sofisticada.

No momento que se invoca o conceito legal de Inteligência

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Mingardi (2006) reconhece que Inteligência (aplicada ao Estado) e Inteligência (aplicada à Investigação) apresentam semelhanças com a Inteligência policial. No entanto, divergem quanto à abrangência e quanto aos meios empregados. Baptista (2007, p. 116) apud FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA (2011), comenta que,

Enquanto uma trabalha com várias áreas do conhecimento (político, tecnológico, militar, etc.), a modalidade criminal atua apenas na área da Segurança Pública [...] na obtenção de conhecimento que ajude a tomada de decisões quanto à repressão ou prevenção criminal. Quanto à questão dos meios a Inteligência Criminal tem muito mais limitações legais do que sua prima.

A Inteligência criminal preocupa-se com as limitações legais, enquanto organismo de informações, ainda que respeite as leis do país, não ocorrendo o mesmo com as investigações que são produzidas no exterior.

Há uma espécie de interseção entabulada entre inteligência-direito e inteligência policial-persecução penal, rumo ao enquadramento dos meios e fins da Inteligência ou Investigação empregada. A destinação das atividades confrontadas trazem diferenças fundamentais nos critérios de aceitabilidade sobre a verdade, seus objetivos, marco teórico e regras formais de produção específica.

No processo penal a Inteligência objetiva buscar a verdade processual e indispensável na tomada de decisão judicial, quando empregada em uma atividade de Inteligência destinada ao processo político o grau de aceitabilidade do caráter de verdade é necessário na decisão política.

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Não há possibilidade jurídica de aproveitamento probatório dos produtos de Inteligência no universo da persecução penal, somente se observados condicionamentos legais aplicáveis ao caso.

A possibilidade de uso dos produtos de Inteligência decorre do princípio da liberdade probatória do processo penal, que pode ocorrer mais intensamente na fase de investigação criminal, tendo como finalidade servir como base para propor ações penais e medidas cautelares pessoais (prisões provisórias, busca e apreensão pessoal) e reais (sequestro, arresto, busca e apreensão de coisas, entre outros).

No processo penal, considerando as normas probatórias limitativas, tal como o princípio do contraditório, princípio da ampla defesa, etc., a Inteligência apresenta limitações mais acentuadas no âmbito ético (do que legal), ao passo que investigação criminal apresenta mais limitações legais e formais. Há um núcleo essencial nos Direitos Fundamentais que jamais deve ser atingido na investigação criminal e nas operações que envolvam Inteligência.

A Inteligência produz conhecimento de qualidade que permite ao órgão e ao gestor tomar decisões estratégicas acertadas. O segredo de determinadas matérias e do sigilo funcional a que se submetem os agentes de Inteligência justifica a impossibilidade de usar dados obtidos como elementos probatórios em atividades de Inteligência, no âmbito do Direito Processual Penal.

Tais elementos não são reconhecidos pelo Direito Processual como probatórios ou investigativos por força do sigilo intrínseco e legalmente imposto aos agentes de Inteligência ou mesmo para matérias sigilosas.

O produto final da investigação criminal é útil na

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instrução do processo judicial, trabalho resultante das operações de Inteligência, que tem como finalidade relatar determinado conhecimento adquirido. A polícia cuida dos problemas internos do país, ao passo que a Inteligência volta-se para os problemas do exterior. Ao contextualizar a delimitação de jurisdições entre os conceitos percebeu-se que a Inteligência policial sugere que a atividade se afina mais com a Investigação policial e não exatamente com a Inteligência clássica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No plano funcional a especialidade de Inteligência policial se desdobra na estrutura organizacional da instituição, por reclamar competências distintas daquela, disponível entre policiais instruídos na arte da investigação policial propriamente. As especificidades que distinguem as atividades policiais de Inteligência e Investigação aconselham diferentes padrões de recrutamento.

Neste trabalho foi possível perceber alguns danos com base nos efeitos da miscigenação dos conceitos, repercutindo no entendimento das atividades de Inteligência policial e Investigação policial. Assim, não se pretende que os serviços de Inteligência policial reprogramem seus expedientes operacionais e analíticos para agregar algum valor probatório no seu produto, implicando em privar-se da versatilidade que confere à Inteligência, ou melhor, o poder de chegar a resultados inacessíveis na investigação.

Tal análise é decisiva para o destinatário de Inteligência policial e inservível sob o ponto de vista da investigação,

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cuja introdução no inquérito policial torna-se estéril e expõe o policial a questionamentos, considerando a força do sigilo nessa tese. Há que resguardar os Direitos Fundamentais como recurso à Inteligência policial enquanto iniciativa precursora e preparatória — devendo recorrer aos instrumentos da investigação policial inerentes à aptidão probatória.

Os termos Inteligência policial e Investigação policial não são definições estanques, mas com superfícies de contato múltiplas — com encaminhamento de demandas entre as atividades distintas, objeto de deliberação do usuário, que melhor será quanto mais fundamentar-se em especificidades conceituais basilares.

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IMPLEMENTAÇÃO DE PRÁTICAS DE GOVERNANÇA NO COMBATE E PREVENÇÃO À LAVAGEM DE DINHEIRO EM FUNÇÃO DA LEI

12.683/2012

Bruna Andrade da Silva 1

Marcelo Martins 2

RESUMOO objetivo da pesquisa é evidenciar como as práticas de governança podem contribuir para a prevenção e combate à lavagem de dinheiro, após a alteração da Lei 9.613/98 pela Lei 12.683/2012. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental, descritiva e exploratória, com análise predominantemente qualitativa. Com o intuito de coibir a prática de lavagem, foram criados regulamentos de prevenção e combate. No Brasil em três de março de 1998 foi publicada a Lei 9.613/1998 impondo obrigações aos setores alvo de lavagem, e criou-se o COAF- Conselho de Controle das Atividades Financeiras, órgão responsável por receber as comunicações suspeitas sobre o crime de lavagem de dinheiro dos setores obrigados. Passados 14 anos, objetivando sanar diversas lacunas da legislação anti-lavagem, em julho de 2012 publicou-se a Lei 12.683/12. A nova lei veio a acrescentar e aprimorar a lei anterior, com a preocupação de reprimir fortemente a lavagem de dinheiro no Brasil. O comparativo realizado entre o número de comunicações encaminhadas ao COAF e a emissão dos normativos dos órgãos reguladores, que tratam de práticas de governança, comprovaram o impacto da regulamentação no aumento das comunicações de operações suspeitas. Conclui-se que os órgãos reguladores são de fundamental importância, tendo em vista o seu papel fiscalizador e regulamentador no processo de prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

Palavras-Chave: governança, auditoria, controles internos, compliance,

1 Auxiliar Criminalístico. Pós-Graduada em Inteligência Criminal. E-mail: [email protected] Perito Criminal. Mestre em Gestão de Políticas Públicas. E-mail: [email protected]

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lavagem de dinheiro.

ABSTRACTThe research’s intend is to show how public governance practices can contribute to the prevention and decrease the money laundering, after the changings of Law 9.613/98 through the Law 12.683/2012. It is a bibliographic and documentary research, descriptive and exploratory, with predominantly qualitative analysis. In order to curb the practice of the money laundering, regulations were created to prevent and decrease. In Brazil on March 3, 1998 was published the Law 9.613/1998 imposing obligations to corrupted sectors, and created COAF-Board Control of Financial Activities, the agency responsible for receiving suspicious reports about money laundering crimes sectors required. After 14 years, aiming to remedy various loopholes in anti-money laundering, in July 2012 was published the Law 12.683/12. The new law has come to add and improve the previous law, with strongly concern to repress money laundering in Brazil. The comparison made between the number of reports sent to COAF and the of issues normative regulatory agencies, dealing with public governance practices, documented the impact of regulation on the increase of suspicious transaction reports. It is concluded that regulation’s agencies are of fundamental importance, in view of its regulatory and supervisory role in the process of preventing and decrease money laundering.

Keywords: governance, audit, internal control, compliance, money laundering.

1 INTRODUÇÃO

A lavagem de dinheiro de acordo com dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes – UNODC (2010) movimenta 5% do PIB mundial. Segundo Ferreira e Credencio (2012) “uma rede criada pelo Ministério da Justiça conseguiu identificar onze bilhões de reais movimentados por esquemas de lavagem de dinheiro no Brasil de 2009 até junho do ano de 2012”. Todo esse dinheiro que é transitado foi obtido de forma

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ilícita, e acaba financiando a criminalidade. Com o objetivo de combater essa modalidade de crime

foi criada a Lei 9.613/1998 impondo obrigações aos setores alvo, e o Conselho de Controle das Atividades Financeiras – COAF que é responsável por receber as denúncias sobre o crime de lavagem de dinheiro e investigá-las. Em dez de julho de 2012, foi publicada a Lei 12.683, impondo controles mais rigorosos para o crime de lavagem de dinheiro. A busca de maior regulamentação é uma tendência mundial em paralelo com a crescente aplicabilidade dos conceitos de governança nas organizações.

A criação do COAF, a Lei 9.613/1998 bem como a Resolução do Banco Central - BACEN nº 2.554/1998, a Instrução nº 463/2008 da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, a Instrução nº 26/2008 da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC, as Circulares nº 327/2006, 380/2008 e 445/2012 da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, e a nova Lei 12.683/2012, objetos de estudo desse trabalho, buscam evitar que os setores da economia continuem fazendo parte das operações ilícitas.

Constata-se a partir de estudos que há impactos na prevenção e combate à lavagem de dinheiro com a implementação de auditoria, controles internos e compliance (AMORIM, 2011) e pesquisas que sugerem que a governança, bem como a função de compliance atuam fortemente junto às instituições financeiras para mitigar riscos e evitar a lavagem de dinheiro (Manzi 2008).

A identificação da relação de sucesso entre os mecanismos utilizados pelos setores obrigados pela Lei 9.613/1998 e o resultado obtido na prevenção e combate à lavagem de dinheiro fez surgir o seguinte questionamento:

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como as práticas de governança podem contribuir para o combate e prevenção à lavagem de dinheiro à luz das novas exigências da Lei 12.683/2012?

O estudo identificou que a utilização da governança aliada a rigorosos controles internos ocasionam impactos no combate à lavagem de dinheiro, sobretudo nas instituições financeiras onde existe uma maior cobrança por parte dos órgãos reguladores. Após a alteração da Lei 9.613/98 pela Lei 12.683/2012, incluíram-se novos setores regulados, a implementação da governança em novos setores amplia a possibilidade de prevenção ao crime de lavagem de dinheiro.

Tendo em vista a relevância do tema combate à lavagem de dinheiro, bem como a pouca literatura a respeito dos mecanismos que podem contribuir para evitar a ocorrência desse crime o estudo em apreço se justifica.

Segundo Gonçalves (2011), a lavagem de dinheiro é um dos principais alicerces do crime organizado. Com o aumento de movimentação dos montantes com origem em crimes como narcotráfico, corrupção e evasão de divisas os Estados têm buscado desenvolver ações com foco na identificação de delitos financeiros e produção do conhecimento através das informações. A ação do Estado é chamada de inteligência financeira. Assim, a inteligência financeira foi aprimorada para conter a lavagem de dinheiro, e consequentemente o crime organizado.

1.1 LAVAGEM DE DINHEIRO

De acordo com a Convenção de Viena de 1988, traduzido por Teixeira (2009, p. 8-9), a lavagem de dinheiro é:

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converter ou transferir propriedade, sabendo que tal propriedade é derivada de crime [...] com o objetivo de dissimular a origem ilícita da propriedade ou de assistir qualquer pessoa que esteja envolvida no cometimento de tal crime [...] para evitar as consequências legais de seus atos; ocultar ou dissimular a natureza, fonte, localização, movimentação ou propriedade de bens, sabendo serem provenientes de crime; adquirir, possuir ou utilizar propriedade, sabendo ser proveniente de um crime.

No que concerne Lavagem de Dinheiro, pode ser divida de forma prática em três fases segundo Pitombo (2003): ocultação, dissimulação e integração de recursos. A ocultação é responsável pela inserção do dinheiro ilícito no sistema financeiro. A fase seguinte, dissimulação, é responsável pela divisão dos recursos ilícitos e sua posterior movimentação no sistema econômico financeiro. A última fase do processo segundo Elias (2005) é onde os recursos retornam ao sistema econômico imunes de suspeitas sobre sua origem, podendo assim ser utilizados como for mais conveniente ao seu proprietário.

A teoria de Mandinger e Zalopany, de acordo com Mendroni (2001) e Amorim (2009) entende que a lavagem de dinheiro tenha surgido por meio da pirataria nas embarcações, no século XVII, na Inglaterra. Segundo Lilley (2001), por volta de 1920 nos Estados Unidos as quadrilhas compravam lavanderias para fazer circular os recursos, daí surgiu então à expressão “lavagem de dinheiro”.

A criminalização da lavagem de dinheiro já era exigida no passado por vários instrumentos de direito internacional, dentre eles o principal foi a Convenção de Viena em 1988, após reunião da Organização das Nações Unidas (ONU).

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A convenção tratou sobre o combate ao tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas, por meio da prevenção e repressão dos processos de lavagem de dinheiro.

As normas criadas a partir da Convenção de Viena são classificadas em primeira, segunda e terceira geração baseadas na designação do crime antecedente à lavagem de dinheiro. O Brasil veio a desenvolver sua legislação apenas dez anos após a Convenção de Viena com a Lei 9.613/98 de três de março de 1998, classificada já como segunda geração devido a discriminar os crimes antecedentes. A referida Lei dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências.

A Lei 9.613/98 foi alterada em nove de julho de 2012 pela Lei 12.683/2012 para tornar mais eficiente à persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro, e coloca a legislação brasileira na terceira geração por alterar o rol taxativo dos crimes antecedentes. Importante ressaltar que a nova Lei 12.683/2012 realiza atualizações, mas não revoga a Lei 9.613/98. Dentre as principais alterações ocorridas na Lei podemos citar os crimes antecedentes e as pessoas sujeitas à Lei, visualizadas no quadro a seguir:

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Quadro 1- Tópicos Comparativos: Lei 9.613/98 e Lei 12.683/2013.

Tópicos Principais Lei 9.613/98 Lei 12.683/2013

Crimes Antecedentes

Previa lavagem de dinheiro apenas quando os valores fossem provenientes de um crime específico como tráfico ilícito de drogas e armas, terrorismo, extorsão mediante sequestro.

Redação mais abrangente ampliando a aplicação da lavagem de dinheiro a crimes e contravenção penal. Inclusão das contravenções, jogos do bicho ou de azar passam a ser considerados como crime antecedente à lavagem de dinheiro.

Pessoas Sujeitas à Lei

Definia como sujeitas a Lei apenas as pessoas jurídicas envolvidas com movimentação financeira, sem abranger as pessoas físicas.

Ampliou o rol de pessoas responsáveis por comunicar qualquer atividade suspeita de lavagem, incluindo pessoas físicas, profissionais do setor financeiro, de compra e venda de imóveis, advogados, entre outros.

Multas e Condenações

Ampliação da condenação, o perdimento de bens, direitos e valores deveriam ser objeto da lavagem de dinheiro.

Ampliação da condenação, o perdimento de bens, direitos e valores necessitam apenas estarem ligados direta ou indiretamente com a lavagem de dinheiro.

Fonte: Adaptado da Lei 9.613/98 e Lei 12.683/2012.

Em síntese, o COAF (2012) aponta as principais novidades da Lei 12.683/2012:

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1 - a extinção da lista de crimes antecedentes, passando a considerar agora qualquer infração penal como antecedente da lavagem de dinheiro; 2 - a inclusão da alienação antecipada de bens; 3 - a permissão da delação premiada a qualquer tempo, mesmo após a sentença penal condenatória; 4 - a inclusão de novos sujeitos obrigados às medidas preventivas, tais como profissionais que prestem serviços de assessoria, consultoria, auditoria, empresários de atletas e artistas, comerciantes de bens de luxo, cartórios, juntas comerciais, dentre outros; 5 - a elevação do teto das multas, passando de R$ 200 mil para R$ 20 milhões; 6 - a inclusão da obrigação para que as pessoas físicas ou jurídicas abrangidas pela lei reportem ao órgão regulador de sua atividade ou, na sua falta, ao COAF, a não ocorrência de situações passíveis de serem comunicadas.

As alterações na Lei da lavagem de dinheiro vêm em encontro com a necessidade de transparência nas informações divulgadas pelas organizações, e está ligada ao número de denúncias que são encaminhadas ao COAF, pois amplia o rol de crime antecedente bem como a abrangência das pessoas sujeitas a Lei. Os números estatísticos divulgados pelo COAF serão abordados pela autora na análise dos resultados. Outro fator que impulsiona a quantificação de denúncias é o aperfeiçoamento das técnicas de inteligência financeira utilizadas pelo COAF.

1.2 GOVERNANÇA

O surgimento da Governança se deu nos Estados Unidos na primeira metade dos anos 80, conforme dados do IBGC

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(2012), os acionistas sentiram a necessidade de se proteger dos abusos da diretoria executiva das empresas, bem como seus conselhos e auditorias externas. A Governança surge então nesse contexto para superar o conflito de agência.

A governança é tema de normativos dos órgãos reguladores dos setores alvo de lavagem de dinheiro. A Comissão de Valores Mobiliários - CVM dispõe recomendações sobre governança corporativa em 2002, onde define a governança e suas aplicações práticas aos órgãos regulados “a análise das práticas de governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente: transparência, equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas” (CVM - Cartilha de Governança, 2002, p.1)

No Brasil, o IBGC (2009) descreve as linhas mestras das boas práticas de Governança Corporativa como seu Código Brasileiro das Melhores Práticas, relacionando-as em quatro vertentes: a prestação de contas (accountability), a transparência (disclosure), a eqüidade (fairness) e a responsabilidade corporativa na conformidade com as regras (compliance). O mesmo Instituto define três ferramentas de governança: o Conselho de Administração, o Conselho Fiscal e a Auditoria Independente.

A Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC define governança como o conjunto de regras que devem ser difundidas e aplicadas em toda a organização para que efetivem seus princípios com base no valor e controle de riscos, para isso, promove o relacionamento de participantes, conselhos, diretoria, auditores e consultores na adoção das práticas de governança, monitoramento de riscos, implementação e aperfeiçoamento de controles.

A Superintendência de Seguros Privados - SUSEP

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apresenta práticas de governança regulando a aplicação de controles internos por meio de suas resoluções. As práticas de governança corporativa de instituições financeiras segundo a Cartilha de Governança Corporativa da ABBC (2009, p.6) “podem afetar o seu custo de capital, o desempenho de sua gestão e a eficiência do seu processo decisório”.

O Quadro 2 aponta a convergência dos princípios de governança corporativa nas instituições financeiras relacionadas às exigências da legislação da lavagem de dinheiro:

Quadro 2 - Relação entre Governança e Lavagem de Dinheiro.

Princípios de Governança nas Instituições Financeiras

Aspectos Oriundos do Processo de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro

Contribuir para a perenidade da organização, pela ótica da sustentabilidade e visão de longo prazo.

Redução do risco de insolvência da organização pelo acompanhamento das operações e atualização do cadastro de clientes.

Transparência e confiança para ambiente interno e externo.

Redução do risco de imagem pela resposta rápida e precisa às denúncias.

Equidade pelo tratamento uniforme sem existência de política discriminatória.

Sistema com filtros em bases legais, sem oportunidade de dúbia interpretação.

Responsabilidade Corporativa das instituições pela sua função social, colaborando para integridade do sistema financeiro, inibindo atividades criminosas e privilegiando atividades legais.

Mecanismos de bloqueio de capitais relacionados a atividades ilícitas e comunicação de indícios de lavagem de dinheiro às autoridades competentes.

Transparência das informações.Implantação de controles internos que melhorem a qualidade das informações.

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Maior facilidade de acesso às informações requeridas pela auditoria independente.

Implantação de controles relacionados à auditoria interna e externa.

Preservação da instituição quanto às situações de conflito de interesses.

Exigência de registro e controle de operações buscando inibir o envolvimento da instituição em privilégios ilícitos.

Disseminação de valores referente ao código de conduta.

Treinamento e divulgação das normas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

Fonte: Adaptado de Machado, 2006.

A importância da governança nas instituições financeiras possui reconhecimento mundial, acordos internacionais, como Basiléia I firmado em 1988, busca a mitigação dos riscos aos quais está exposto esse tipo de organização. O novo acordo de capitais Basiléia II de 2004 coloca as práticas de governança como um de seus pilares. As práticas de governança aplicadas aos setores alvo da lavagem de dinheiro são fundamentais para adequação das organizações às exigências legais e do mercado em que está inserido, fato esse que aumenta a relevância dos mecanismos de controles internos, auditoria e compliance, responsáveis por alinhar os interesses da sociedade e das instituições.

1.3 CONTROLES INTERNOS, AUDITORIA E COMPLIANCE

De acordo com Almeida (2009, p. 63), o “controle interno representa em uma organização o conjunto de procedimentos, métodos ou rotinas com os objetivos de proteger os ativos, produzir dados contábeis confiáveis e ajudar a administração na condução ordenada dos negócios”. Moltocaro (2000) elucida

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que fortes controles podem minimizar os riscos de crédito, como também os inerentes à imagem da instituição. Uma organização utilizada para lavagem de dinheiro certamente perderia sua credibilidade no mercado.

Os controles internos são revisados de maneira constante pela técnica de auditoria. Segundo Attie (2009, p. 25) a auditoria é: “voltada a testar a eficiência e eficácia do controle patrimonial implantado com o objetivo de expressar uma opinião sobre determinado dado.” A auditoria é responsável por verificar testes práticos e assim poder avaliar a funcionalidade dos controles internos e compliance, identificando as inconformidades que podem ser corrigidas e por consequência auxiliando a prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro em instituições financeiras.

A auditoria visa prevenir situações propiciadoras de fraudes, simulações, desfalques, dentre outras, por técnicas próprias. Segundo Amorim (2009, p.47) “nas Instituições financeiras brasileiras, há a exigência de auditoria dos controles internos e compliance, de acordo com a Resolução do Banco Central do Brasil n° 2.554/98”.

A Circular n° 3.461/09 do BACEN determina às instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil que implementem controles objetivando prevenir os crimes tratados na Lei 9.613/98, e que os mesmos sejam auditados pelo menos uma vez ao ano. Manzi (2008) aponta a intersecção entre a compliance e a auditoria, segundo a autora a auditoria é responsável por analisar o nível de conformidade com as normas, mas realiza isso por amostragem. A compliance deve ocorrer de forma permanente e preocupar-se em tratar os casos que não estão em conformidade.

O compliance surgiu com a criação do Banco Central

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Americano em 1913, buscando uma maior segurança no sistema financeiro, como uma forma de mitigação de riscos. Para Manzi (2008, p. 15) “O termo compliance origina-se do verbo em inglês to comply, que significa cumprir, executar, satisfazer, realizar algo imposto. Compliance é o ato de cumprir, de estar em conformidade e executar regulamentos internos e externos, impostos às atividades da instituição, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório legal”

A discussão sobre ética dentro da organização é vista por Manzi (2008) como uma das peças fundamentais da compliance, além de garantir a conformidade com as leis e políticas que cercam a organização. O autor ainda afirma que “não se pode falar em governança corporativa e sustentabilidade sem se referir à ética e consequentemente considerar a importância de compliance” (Manzi, 2008, p. 123). O ambiente ético, com controles internos e enfoque em transparência torna a compliance um dos pilares da governança.

É possível concluir que direta ou indiretamente a ocorrência do risco de compliance irá resultar em perda financeira, pois sanções ou mesmo denúncias que colocam em dúvida a credibilidade da instituição terão reflexo direto em seu faturamento, principalmente no que se refere às instituições financeiras.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa consiste em três fases para sua realização. A primeira é a fundamentação teórica, a qual foi realizada por meio de levantamento bibliográfico direto e indireto. Segundo

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Marconi e Lakatos (2003, p.51), a pesquisa bibliográfica “não é mera repetição do que já foi escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras”. Nessa fase ocorreu a obtenção de dados secundários de livros, sítios eletrônicos e outros trabalhos publicados na área.

A pesquisa bibliográfica foi efetuada com base na mudança da legislação que se refere à lavagem de dinheiro buscando identificar as alterações ocasionadas pela Lei 12.683/2012. Após a pesquisa bibliográfica, a segunda fase é o estudo de caso descritivo e exploratório.

O presente estudo ainda que tenha utilizado dados quantitativos para obtenção de quadros e gráficos, caracteriza sua análise como qualitativa focada em descrever correlações entre as variáveis. Segundo Richardson (1999, p. 90), a abordagem qualitativa caracteriza-se como: “[...] a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos.”

A pesquisa ocorreu por meio de acesso aos sítios dos órgãos reguladores, Conselho de Controle das Atividades Financeiras – COAF, Banco Central do Brasil – BACEN, Comissão de Valores Mobiliários – CVM, Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC e Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, onde foram pesquisados os normativos relacionados às práticas de governança publicados por esses órgãos desde a publicação da Lei 9.613/2012 referente à prevenção e combate à lavagem de dinheiro.

A última parte do trabalho consistiu em verificar de

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forma comparativa o aumento no número de publicações dos órgãos reguladores sobre lavagem de dinheiro e práticas de governança com o número de comunicações enviadas ao COAF por estes órgãos.

3 RESULTADOS

O estudo apresenta uma análise comparativa entre os normativos publicados pelos órgãos reguladores e o quantitativo de comunicações referente a possíveis transações de lavagem de dinheiro ao COAF, com vistas a destacar os impactos que as práticas de governança têm no aumento das comunicações remetidas ao órgão.

3.1 CONSELHO DE CONTROLE DAS ATIVIDADES FINANCEIRAS - COAF

Segundo o Relatório de Gestão do COAF (2012), “o COAF é uma Unidade de Inteligência Financeira – UIF, do tipo administrativo, vinculado ao Ministério da Fazenda”. O órgão exerce funções reguladoras de normatizar sem prejuízo aos demais órgãos e aplicar penas administrativas. As funções de inteligência abrangem receber as comunicações dos órgãos reguladores, realizarem análise de existência de indícios e após isso comunicar ao órgão competente para que sejam instaurados os procedimentos cabíveis.

As comunicações são encaminhadas ao COAF pelos órgãos reguladores das pessoas obrigadas a comunicar suspeitas de lavagem de dinheiro pela Lei n° 9.613/98, como Banco

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Central do Brasil (BACEN), a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC.

As denúncias encaminhadas para o COAF não serão necessariamente encaminhadas a uma autoridade policial. Existe a realização de uma análise sobre os fatos descritos para verificar a origem dos recursos. Quando as operações que geraram o bem ou capital forem identificadas como lícitas, o processo vai para arquivo.

O ciclo das transações suspeitas e seu impacto nas práticas de governança conforme Amorim (2009) inicia quando um criminoso introduz em um Banco recursos ilícitos, como o Banco possui práticas de governança bem desenvolvidas a operação suspeita é detectada e repassada ao BACEN, órgão responsável por receber as denúncias de bancos e repassá-la ao COAF. O Conselho analisa a denúncia e encontrando fatos suspeitos encaminha à Polícia para abertura de Inquérito.

Após abertura do Inquérito policial ocorre o repasse ao Ministério Público para verificar se existe adminissibilidade da denúncia. Confirmado será encaminhado ao magistrado para que sejam dados os trâmites legais, e caso comprovada a existência de lavagem de dinheiro o responsável será condenado.

3.2 DADOS APRESENTADOS PELO COAF POR ÓRGÃO REGULADOS

O período dos dados analisados será do ano de 2003 a 2012, O Quadro 9 apresenta os dados emitidos pelo COAF

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atualizados até 31 de dezembro de 2012.

Quadro 3 - Quantidade de Comunicações recebidas pelo COAF pelos Reguladores

Comunicações Recebidas dos Setores Obrigados

2003-2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Setores com Órgão ReguladorSistema Financeiro (BACEN)

36.026 15.842 17.389 22.042 31.283 41.819 213.734

Seguros (SUSEP) 7.653 112.856 305.498 1.392.597 256.820 467.512 2.875.817

Valores Mobiliários (CVM)

395 287 823 1.264 1.475 1.139 6.579

Fundos de Pensão (PREVIC)

336 721 20.989 6.106 5.242 7.433 46.912

Compra Venda de Móveis (COFEC)

2.746 1.736 2.766 3.142 3.112 5.473 25.030

Transporte/Guarda de Valores (DPF)

0 0 0 0 5 1.014 1.036

Operações em Espécie (BACEN)

410.056 193.788 284.486 359.228 577.020 811.869 3.365.842

Total 478.295 335.364 645.785 1.802.865 1.038.505 1.538.172 7.185.023

Fonte: Adaptado de COAF, 2012.

Observa-se que em geral o número de comunicações de suspeitas de lavagem de dinheiro ao COAF é crescente. O volume de comunicações aumentou 467% no ano de 2012 em comparação com 2011, e ainda 123% em relação ao montante de comunicações recebidas durante o período de 2003 a 2011. Essa alavancagem é decorrente da Lei 12.683/2012 que alterou a Lei 9.613/98 quando aumentou o rol de crime antecedente a as pessoas sujeitas à Lei.

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Alguns órgãos reguladores que possuem maior relevância nesse quantitativo no período observado e terão seus percentuais apresentados no Gráfico 1.

Gráfico 1 - Percentual de comunicações ao coAF por Órgão Regulador.

Fonte: Adaptado de COAF, 2012.

A concentração dos envios de operações suspeitas ao COAF está nos BACEN e na SUSEP, consequentemente esses órgãos são os que mais emitem regulamentos e normativos sobre governança, controles internos, compliance e auditoria aos setores regulados, o que mostra a relação das práticas de governança com o aumento na identificação de operações suspeitas.

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Gráfico 2 - evolução das comunicações recebidas pelo COAF no período de 2003 a 2012.

Fonte: Adaptado de COAF, 2012.

O Gráfico 2 mostra que existe uma tendência aumentativa de comunicações e revela um pico no ano de 2009 da SUSEP, ultrapassando BACEN, órgão que possui domínio no número de comunicações em todos os outros períodos apresentados. Essa alteração está relacionada ao impacto da Circular n. 380/2008 publicada pela SUSEP. A análise comparativa dos impactos dos regulamentos e normativos no aumento de comunicações ao COAF será realizada a seguir.

3.3 ANÁLISE DOS DADOS E COMPARATIVOS

A publicação de normativos dos órgãos reguladores e os dados estatísticos fornecidos pelo COAF proporcionam a oportunidade de analisar a relação entre as duas variáveis. Os quadros 4, 5, 6 e 7 irão abordar esse relacionamento nos seguintes órgãos reguladores: Banco Central do Brasil - BACEN, Comissão de Valores Mobiliários - CVM,

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Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC e Superintendência de Seguros Privados - SUSEP respectivamente.

Quadro 4 - Relaciona a emissão de normativos e os resultados no aumento das comunicações do BACEN.

ÓRGÃO E NORMATIVO BACEN

PRINCIPAIS CONTROLES

Resolução nº 2.554/98Carta Circular nº 2826/98Circular nº 3234/06Circular nº 3325/06Carta Circular nº 3260/06Carta Circular nº 3337/08Circular nº. 3461/09Circular nº. 3467/09Circular nº 3542/2012Circular nº 3654/2013

• Especificar, em documento interno, as responsabilidades dos integrantes de cada nível hierárquico da instituição; • Coleta e registro de informações tempestivas sobre clientes, que permitam a identificação dos riscos de ocorrência da prática dos mencionados crimes; • Caracterização ou não de clientes como pessoas politicamente expostas;• Renda mensal e patrimônio, no caso de pessoas naturais, e de faturamento médio mensal dos doze meses anteriores, no caso de pessoas jurídicas;• Controles informatizados para prevenção à lavagem de dinheiro;• Implementação de controles de acordo com o porte da organização e volume das operações;• Aumento de informações no cadastro de clientes físicos e jurídicos.

RESULTADOS OBTIDOS

O BACEN se destacou como o órgão que mais enviou comunicações de 1998 a 2008, tendo em média 103% de aumento nas comunicações por ano, de 2003 a 2012. O ano de 2012 possui um grande volume devido a publicação de duas Circulares após a alteração da Lei de Lavagem de dinheiro, ainda em 2012.

Gráfico 3 - evolução das comunicações do BACEN

Fonte: Adaptado de COAF, 2013.

Fonte: Adaptado de Amorim, 2009.

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O Quadro 4 demonstrou que o BACEN é órgão regulador que mais emite normativos relacionados a implementação de controles internos, compliance e práticas de governança às organizações reguladas, em consequência é destaque no número de comunicações de operações suspeitas ao COAF. O quadro 5 a seguir mostra os resultados obtidos pela CVM no período em que foi realizado o estudo. A CVM inicia a publicação de normativos apenas em 2008, dez anos após Lei 9.613/1998, isso fez com que até o ano de 2007 esse órgão regulador não possuísse um número de comunicações relevantes ao COAF.

Quadro 5 - Relaciona a emissão de normativos e os resultados no aumento das comunicações da CVM.

ÓRGÃO E NORMATIVO CVM PRINCIPAIS CONTROLES

Instrução nº 463/ 2008Instrução nº 523/ 2012

• Movimentação financeira de cada cliente, com base em critério definido nos procedimentos de controle da instituição, em face da situação patrimonial e financeira constante de seu cadastro;• Operações liquidadas em espécie, se e quando permitido;• Transferências privadas, sem motivação aparente, de recursos e de valores mobiliários;• Informações cadastrais de seus clientes, monitoramento das operações por eles realizadas, de forma a evitar o uso da conta por terceiros.

RESULTADOS OBTIDOS

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Após a publicação da Instrução CVM 463/08, observou-se um comportamento crescente no número de comunicações ao COAF. O crescimento acumulado de 2007 até 2010 foi de aproximadamente 514%. No ano de 2011 ocorreu uma quebra no crescimento de encaminhamento ao COAF com uma queda em torno de 10% das comunicações. O ano de 2012, possui crescimento relevante devido a publicação da nova Lei 12.683/2012.

Gráfico 4 - evolução das comunicações da CVM.

Fonte: Adaptado de COAF, 2013.

Fonte: Adaptado de Amorim, 2009.

A CVM conforme o Quadro 5 apresenta um crescimento de aproximadamente 517% em quatro anos, no período de 2007 a 2010. A elevação no período das publicações de normativos é reincidente no Quadro 6, referente à PREVIC.

Quadro 6 - Relaciona a emissão de normativos e os resultados no aumento das comunicações da PREVIC.

ÓRGÃO E NORMATIVO PREVIC PRINCIPAIS CONTROLES

Instrução nº 26/2008

• Plano de benefícios, pelo cliente, cujo valor se afigure objetivamente incompatível com a sua ocupação profissional ou com seus rendimentos;• Aporte ao plano de benefícios efetuado por outra pessoa física que não o próprio cliente ou por pessoa jurídica que não a patrocinadora, igual ou superior a R$ 10.000,00;• Pagamento em espécie, a uma mesma pessoa física ou jurídica, cujo valor seja superior a R$ 10.000,00, no mesmo mês.

RESULTADOS OBTIDOS

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Após a publicação da Instrução MPS/SPC nº 26/2008 observou-se um aumento de mais de 2900% das comunicações de 2008 em relação a 2009. O ano de 2010 apresentou uma queda de 71% nos encaminhamentos ao COAF. Após esse período houve uma estabilidade na quantidade de comunicações com uma variação média de 15% para mais ou para menos entre os anos em contrapartida a ausência de instruções regulamentadoras. A publicação da Lei 12.683/2013 ocasionou aumento de 631% no número de comunicações.

Gráfico 5 - evolução das comunicações da CVM

Fonte: Adaptado de COAF, 2013.

Fonte: Adaptado de Amorim, 2009.

A PREVIC apresentou um crescimento exorbitante no número de comunicações decorrente da publicação da Instrução 26/2008. A falta de outros normativos representou uma queda nos anos posteriores até 201. Em seguida apresentar-se-á o Quadro 7 sobre a análise da SUSEP, onde se identificou uma grande elevação após a Circular nº 380/2008, chegando a ultrapassar o número de comunicações encaminhadas ao COAF em 2009 pelo BACEN.

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Quadro 7 - Relaciona a emissão de normativos e os resultados no aumento das comunicações da SUSEP.

ÓRGÃO E NORMATIVO SUSEP PRINCIPAIS CONTROLES

Circular nº 327/2006Circular nº 380/2008Circular nº 445/2012

• A identificação de pessoas consideradas politicamente expostas dentre seus clientes, beneficiários, terceiros e outras partes relacionadas;• Verificação da natureza, complexidade e riscos das operações realizadas;• Política de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo;• Elaboração e execução de programa anual de auditoria interna;• Programa de treinamento e qualificação.

RESULTADOS OBTIDOS

A SUSEP apresentou um aumento de aproximadamente de 3600% em 2007 quando comparado ao ano de 2006. O crescimento está relacionado à publicação da Circular 327/2006. Outro crescimento relevante ocorre após a Circular 380/2008, quando o número de comunicações cresce aproximadamente 456% em 2009, ultrapassando um milhão de encaminhamentos ao COAF. Após esse pico o número de comunicações sofreu decréscimo voltando a valores semelhantes aos encontrados em 2007. Nota-se um comportamento crescente novamente no ano de 2012, no qual foi publicada a Circular 445/2012. O COAF aponta que até 31 de julho de 2012 a SUSEP realizou 329.133 comunicações contra 332.606 em todo o período de 2011. Em 2012 publicou a Circular 445/2012 e obteve uma alavancagem de 615% em 2012.

Gráfico 6 - evolução das comunicações da SUSEP.

Fonte: Adaptado de COAF, 2013.

Fonte: Adaptado de Amorim, 2009.

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O aumento no número de normativos dos órgãos reguladores de setores conforme a análise ocasiona impacto direto no número de comunicações ao COAF. A Legislação corrobora com as práticas de governança, exigindo cada vez mais controles internos, auditorias e consequentemente a execução de uma gestão de compliance. A conformidade dos setores com os normativos gera uma resposta no curto prazo sobre a identificação de operações suspeitas.

O estudo revelou que o BACEN é o órgão que mais emite normativo e também o que mais comunica operações suspeitas ao COAF. A SUSEP também possui relevância no número de normativos e ocupa o segundo lugar no número de comunicações ao COAF. A Figura 6 demonstra como essa relação funciona dentro do ciclo da lavagem de dinheiro onde existe implementada a governança.

Figura 1 - Tentativa de Lavagem de Dinheiro em Instituição Financeira com Governança.

Fonte: Amorim, Cardozo e Vicente (2011, p.13)

O criminoso, conforme a Figura 1, consegue dinheiro

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a partir de práticas ilícitas e ao tentar “lavar” o dinheiro com auxílio das instituições financeiras, o sistema de governança em funcionamento, utilizando-se das suas práticas, detecta a operação como suspeita. A operação suspeita é repassada na forma de comunicação ao COAF pelos órgãos reguladores, onde então será examinada a fim de verificar qual a origem do recurso. Quando a origem for identificada como ilícita é formulado o RIF e encaminhado às autoridades competentes como Polícia Federal, Ministério Público e Justiça, quando cumprido os requisitos é instaurado inquérito e posterior julgamento. Após todo o processo caso pertinente o criminoso será condenado e preso.

A primeira sentença responsável por condenar um criminoso pela Lei da lavagem de dinheiro no Brasil ocorreu somente em 2003, ou seja, cinco anos após a Lei n. 9.613/98 e a publicação de normativos pelos órgãos reguladores, para Manzi (2008, p.58) a condenação foi efetuada “devido envio ilegal de dinheiro por meio de conta CC5 (conta de não residentes no país)”. Após esse marco, é possível verificar o aumento no número de comunicações, condenações e réus.

O Relatório de Gestão 2011 do COAF apresenta o número de comunicações recebidas anualmente desde 2002 até 2012. Ainda segundo Relatório de Gestão (2011) o COAF afirma que o crescimento ocorre principalmente nos segmentos bancários e de seguros, setores esses que mais emitem normativos e que já utilizam as práticas de governança corporativa em suas organizações. Os números indicam o contínuo “engajamento dos setores obrigados no combate e prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo”.

Segundo Manzi (2008) no ano de 2005 foram encaminhadas pelo COAF à Polícia Federal, Ministério

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Público e demais instituições 664 relatórios com operações que possuíam indícios de origem criminosa. Essa quantia representa 52/75% a mais do que os relatórios enviados no ano de 2004.

Os milhares de comunicações enviadas ao COAF, no período de 2005 a 2010, resultaram segundo o Relatório de Gestão (2011) em 10,9 mil Relatórios de Inteligência Financeira - RIF produzidos com base em 271,8 mil comunicações dos setores obrigados e 88,7 mil pessoas envolvidas. No período de 2005 a 2010, segundo o levantamento da Polícia Federal foram encaminhados pelo COAF 2,02 mil RIF, os quais geraram 136 inquéritos.

A Lei 12.683/2012 ampliou as pessoas sujeitas à lei de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro, essa alteração aumentou o número de comunicações realizadas ao COAF, no ano de 2012 foram produzidos 2.104 RIF, quantidade que representa 43% em relação ao produzido em 2011. A aplicação da nova legislação de combate e prevenção ao crime de lavagem de dinheiro só terá efetividade nos novos setores incluídos se for regulamentada por órgãos responsáveis ou pelo próprio COAF.

A normatização é necessária, pois induz a implementação das práticas de governança, compliance, controles internos e auditoria, todo esse processo é responsável por otimizar os resultados combate à lavagem de dinheiro, e por reflexo na redução do crime organizado.

4 conclusÕes

O presente trabalho identificou que as práticas de

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governança, já existentes nos setores alvo sujeitos à Lei 9.613/98 são responsáveis pela identificação das operações suspeitas, as quais são encaminhadas ao COAF para análise e posterior encaminhamento aos órgãos competentes quando não realizada a identificação da origem do recurso. Assim, a implantação dos princípios da governança nas instituições contribui diretamente no combate a lavagem de dinheiro.

Para obtenção do objetivo proposto foi efetuado o estudo do conceito da lavagem de dinheiro e suas fases, realizou por análise que essa modalidade de crime é cada vez mais utilizada, principalmente dentro do crime organizado e traz consequências catastróficas à sociedade e à economia. Após a análise verificou-se que poucas raras eram as publicações que tratavam da lavagem de dinheiro após a Lei 12.683/2012, principalmente atrelada a práticas de governança.

As alterações sofridas na Lei 9.613/98 pela Lei 12.683/2012 trouxeram destaque à ampliação dos crimes antecedentes, incluindo agora contravenções e a ampliação de pessoas sujeitas à lei, antes somente pessoas jurídicas e agora pessoas físicas. As mudanças acarretam a necessidade de adequação dos novos setores obrigados à legislação, e para isso é necessário o desenvolvimento de controles internos, compliance e práticas de governança, já existentes nos setores alvo da Lei 9.613/98.

A fim de identificar quais as práticas de governança utilizada pelos setores alvos foram apresentados conceitos, objetivos e funções práticas dos controles internos, compliance e auditoria no combate e prevenção à lavagem de dinheiro. Constatou-se que a transparência e qualidade da informação com controles eficientes nas instituições são fundamentais para o cumprimento da legislação da lavagem de dinheiro.

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O surgimento de normativos que auxiliem a implementação da governança nos novos setores regulados pela Lei 12.683/2012 é fundamental para que as organizações consigam cumprir a legislação. Quanto mais consistente for o funcionamento da governança, maior o número de operações suspeitas identificadas e repassadas ao COAF, e consequentemente o sistema de combate e prevenção a lavagem de dinheiro será mais eficiente.

O comportamento quantitativo das comunicações sofre relação direta à publicação de normativos, refletido, por exemplo, na evolução das operações suspeitas encaminhadas em 2009 pela PREVIC, com um aumento de 2900% em relação a 2008, após a publicação da Instrução 26/2008. Outro apontamento foi o ocorrido com a SUSEP que posteriormente à publicação da Circular 380/2008 ultrapassou o BACEN em 2009, visto até então como líder absoluto nessa estatística.

Observou-se, portanto que existe uma relação entre as variáveis estatísticas divulgadas no sítio do COAF sobre o número de comunicações em comparativo com os normativos emitidos pelos órgãos reguladores. O aumento da exigência de práticas de governança corporativa aos setores regulados eleva a quantidade de casos suspeitos identificados e encaminhados ao COAF para posterior análise e encaminhamento aos órgãos competentes quando for pertinente.

A funcionalidade dos controles internos efetivos, constantes e atualizados nas instituições financeiras comprova que os novos setores obrigados pela Lei 12.683/2012, pessoas físicas e jurídicas, devem buscar a profissionalização da gestão por meio da implantação de forma eficiente das práticas de governança corporativa para que possam cumprir a legislação.

O aumento das regulamentações eleva o risco de

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compliance, e tornam maiores os efeitos financeiros de uma não conformidade. A obrigação da Lei não garante a eficiência do seu resultado. Somente com o aumento de controles pela emissão de normativos é possível aumentar o número de comunicações ao COAF, e assim mais processos serão analisados e julgados.

O aumento de normativos que definam a aplicabilidade das práticas de governança, compliance, auditoria e controles internos, e divulguem modelos de operações suspeitas, garantem uma maior eficiência na repressão ao crime de lavagem de dinheiro evitando que os criminosos possam tornar seus recursos lícitos e continuar auferindo lucros que são reinvestidos em seus “negócios” ilegais.

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O USO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS (SIG) COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE DOS ROUBOS DE AUTOMÓVEIS EM

FLORIANÓPOLIS SC

Denise Fernandes Ogando1

Marcos Erico Hoffmann2

RESUMOO presente trabalho discorre sobre a possibilidade de utilização de Sistemas de Informações Geográficas (SIG) aplicados à análise de eventos criminais. A chance de sobrepor informações e mapear ocorrências agrega outros significados e abre novas perspectivas às informações que antes restringiam-se apenas a gráficos e planilhas eletrônicas. O emprego de ferramentas como o geoprocessamento e de outras técnicas inovadoras são cada vez mais indispensáveis para um melhor planejamento e gestão de pessoas e de recursos diversos na segurança pública. O objetivo deste artigo consiste em demonstrar a utilização prática do SIG no mapeamento das ocorrências de roubos de automóveis ocorridas no município de Florianópolis SC durante o ano de 2012, explorando suas vantagens e demonstrando as possíveis limitações.

Palavras-chave: Sistemas de Informação Geográfica (SIG), roubo de automóvel, criminalidade, mapeamento.

1 Agente de Polícia Civil.Especialista em Inteligência Criminal da UNIDAVI/DIFC. e-mail: [email protected] Psicólogo policial civil.Professor da disciplina Criminologia do Curso de Especialização em Inteligência Criminal da UNIDAVI/DIFC, mestre em Administração Pública e doutor em Psicologia pela UFSC. Docente de Graduação e de Pós-Graduação, professor da Academia da Polícia Civil de SC e da Academia da Justiça e Cidadania de SC. E-mail: [email protected].

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ABSTRACT This article discusses the possibility of using Geographic Information Systems (GIS) applied to the analysis of criminal events. The chance of overlapping information and map occurrences adds other meanings and new perspectives to information that previously restricted only to graphics and spreadsheets. The use of tools such as GIS and other innovative techniques are increasingly essential for better planning and management of people and resources in the various public safety. The purpose of this piece is to demonstrate the practical use of GIS for mapping occurrences of auto thefts occurred in Florianópolis during the year 2012, exploring its advantages and demonstrating the possible limitations.

Keywords: Geographic Information Systems (GIS), auto theft, crime, mapping.

1 INTRODUÇÃO

O acompanhamento e a análise dos eventos criminais não constituem novidade para os profissionais de Segurança Pública. Inicialmente, o monitoramento das ocorrências era realizado em grandes mapas de papel e com alfinetes coloridos colocados nos pontos onde ocorriam os delitos.

O crescimento dinâmico de algumas cidades e, consequentemente, da criminalidade, tornou inviável a continuação do uso dos mapas em papel, pois demandava muito espaço e impossibilitava o acompanhamento de delitos durante um período mais longo. Atualmente, o acompanhamento dos eventos criminais está agregando o geoprocessamento aos dados de tabelas e gráficos já conhecidos, o que traz uma visualização completamente nova. A associação da imagem geográfica com os dados visualizados em quadros, gráficos e outras figuras estatísticas permite uma análise muito mais ampla da criminalidade em certa região.

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O uso de Sistemas de Informação Geográfica (SIG) vem sendo cada vez mais disseminado pelos órgãos de segurança pública em todo o mundo. Com o intuito de buscar novas ferramentas na prevenção e combate a certos delitos, a utilização de sistemas computacionais como o SIG vem para a segurança pública como um importante aliado para os gestores, transformando informações inseridas nos Boletins de Ocorrência (B.Os.) em dados fundamentais para a análise da criminalidade e para a tomada de decisões.

No intuito de discutir a utilização do SIG como ferramenta de análise criminal no mapeamento das ocorrências de roubo de automóveis ocorridas no município de Florianópolis SC durante o ano de 2012, este artigo propõe-se a: inicialmente, introduzir alguns conceitos importantes de cartografia. Em seguida, discorrer sobre os Sistemas de Informação Geográfica e algumas de suas características. A situação dos roubos de automóveis em Florianópolis constituirá o tópico seguinte, precedendo uma discussão em torno da utilização do SIG em episódios de roubos, bem como as dificuldades de seu aproveitamento, além das mais importantes vantagens.

2 CONCEITOS DE CARTOGRAFIA

2.1 MAPA

No âmbito da Geografia existem diferentes tipos de representações cartográficas para as áreas a serem estudadas. Um dos mais conhecidos é o mapa.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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(IBGE, 2013), um mapa possui as seguintes características:

– representação plana; – escala geralmente pequena; – área delimitada por acidentes naturais (bacias, planaltos, chapadas, etc.), político-administrativos; – destinação a fins temáticos, culturais ou ilustrativos.

Ainda de acordo com o IBGE, a partir das características citadas temos o seguinte conceito:

Mapa é a representação no plano, normalmente em escala pequena, dos aspectos geográficos, naturais, culturais e artificiais de uma área tomada na superfície de uma figura planetária, delimitada por elementos físicos, político-administrativos, destinada aos mais variados usos, temáticos, culturais e ilustrativos (IBGE, 2013).

Existem mais duas formas de representação cartográfica por traços: a carta e a planta. Neste trabalho não será avaliada a diferenciação entre esses três tipos de representação, sendo utilizado apenas o mapa como referência.

2.2 SISTEMA DE COORDENADAS

Para localizar um objeto ou um lugar no mundo, como uma cidade ou uma rua, são utilizados os sistemas de coordenadas. Estes sistemas utilizam como referência coordenadas fixas e, por meio delas, é possível obter a localização de um

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determinado ponto na superfície do planeta. Existem dois grandes grupos de sistemas de coordenadas:

sistemas de coordenadas geográficas e sistemas de coordenadas planas ou cartesianas. Em ambos os casos é viável converter as coordenadas de um sistema para outro, pois são relacionadas matematicamente, o que resulta no exato posicionamento do ponto na superfície terrestre.

2.2.1 Sistema de Coordenadas Planas

Nos sistemas de coordenadas planas ou cartesianas, a posição de um ponto é definida mediante um par de coordenadas (x, y) utilizando dois eixos perpendiculares, normalmente chamados de horizontal e vertical.

A correlação entre latitude, longitude, meridianos e paralelos nos permite empregar conceitos como o de sistemas de coordenadas planas, também conhecido por sistema de coordenadas cartesianas, baseia-se na escolha de dois eixos perpendiculares, usualmente denominados eixos horizontal e vertical, cuja interseção é denominada origem, estabelecida como base para a localização de qualquer ponto do plano (CÂMARA et al.,1996, p.7).

2.2.2 sistema de coordenadas Geográficas

Nos sistemas de coordenadas geográficas considera-se que qualquer ponto tem a mesma distância do centro do planeta, representado por uma esfera. Para as coordenadas são utilizadas a latitude (j) e a longitude (i).

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As linhas horizontais chamam-se paralelos, pois são paralelas à linha do equador, e servem para medir a latitude (direção norte-sul), enquanto que as linhas verticais desta rede são os chamados meridianos e vão de um polo a outro, servindo para medir a longitude (direção leste-oeste). (PINA; SANTOS, 2000, p. 94).

2.3 GEOPROCESSAMENTO

A importância da coleta de dados sobre distribuição de recursos hídricos, florestas, ocupação do solo e transportes, por exemplo, é de grande valia para a administração e o planejamento das cidades, bem como das organizações em geral. Graças ao desenvolvimento tecnológico, esses dados podem ser comparados e sobrepostos para uma melhor visualização e interpretação.

O termo Geoprocessamento denota a disciplina do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem influenciando de maneira crescente as áreas de Cartografia, Análise de Recursos Naturais, Transportes, Comunicações, Energia, Planejamento Urbano e Regional (CÂMARA; DAVIS; MONTEIRO, 2001, p.1).

Segundo Rodrigues (1993, p. 20), “Geoprocessamento é um conjunto de tecnologias de coleta, tratamento, manipulação e apresentação de informações espaciais voltado para um objetivo específico”.

O geoprocessamento engloba diversas tecnologias que facilitam e aprimoram a coleta, visualização e interpretação

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das informações. Dentre as tecnologias relacionadas ao geoprocessamento, estão o Sistema de Posicionamento Global, mais conhecido como Global Positioning System (GPS), e os Sistemas de Informações Geográficas (SIG).

3 SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS – SIG

O uso de sistemas computacionais passou por uma popularização a partir da década de 1990 e início dos anos 2000, com a utilização dos sistemas em ambientes visualmente atraentes e mais intuitivos. Ao mesmo tempo, houve uma queda dos preços de equipamentos e um aumento da capacidade de processamento e de armazenamento de dados, o que contribuiu para que cada vez mais brasileiros tivessem acesso a essa ferramenta tão indispensável nos dias atuais.

O referido aumento pode ser verificado por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE:

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Gráfico 1: Percentual de domicílios permanentes com microcomputador no Brasil.Fonte: IBGE, PNAD – Pesquisa nacional por amostra de domicílios.

É indiscutível, cada vez mais, a utilização da informática nas mais diversas áreas. Suas possibilidades parecem quase infinitas e a cada dia são testados e lançados novos sistemas e aplicativos que atendem uma ampla gama de usuários, incluindo os da agricultura, ciências biológicas, indústrias, serviços diversos e também os da segurança pública. Atualmente, pouco se faz sem a utilização de softwares especializados e, à medida que os anos passam, a necessidade de utilização desses recursos aumenta.

O número de equipamentos e softwares especializados desenvolvidos para os mais variados usos tem sido significativamente ampliado e os equipamentos tornam-se cada vez mais portáteis. Alguns autores comparam essa revolução digital com a revolução industrial vivida no mundo

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a partir do século XVIII. Com uma quantidade cada vez maior de dados disponíveis, o desafio afigura-se agora em fazer com que a informação coletada esteja disponível aos usuários que a procuram, por meio da integração dos dados coletados.

Uma das ferramentas utilizadas em diversas áreas são os Sistemas de Informações Geográficas (SIG). Estes Sistemas têm suas origens muito antes da invenção dos computadores ou GPS, segundo Foresman (1998), citado por Nicolau (2005). Foram encontradas evidências de que o modelo conceitual dos SIG foi utilizado no complexo de templos de Angkor Wat, construídos no século XI no Camboja.Na área da saúde, a utilização de mapas para identificar a distribuição geográfica de doenças também é antiga. Em 1768, foi publicado um livro chamado An Essay on Deases Incidental to Europeans in Hot Climates, onde eram mapeadas áreas de incidências de doenças.

Um dos estudos mais significativos e que mostrou a importância da análise espacial de dados foi realizado por John Snow ainda no século XIX, quando houve um surto de cólera em Londres. Como havia poucas informações sobre a doença, foram mapeados os pontos de coleta de água e os casos de real contaminação. Graças a esse estudo publicado em 1855, ficou comprovada a relação da doença com a ingestão de água contaminada, a qual vinha sendo coletada em um ponto específico.

Os Sistemas de Informações Geográficas (SIG) de que dispomos atualmente são frutos de trabalhos realizados na década de 1960, principalmente no Reino Unido, Canadá e Estados Unidos. Um dos fatores mais importantes foi a criação do Canada Geografic Information System (CGIS), durante os anos 1960, que é considerado o primeiro SIG nos

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modelos utilizados atualmente. Foi também daí que surgiu a nomenclatura hoje empregada.

3.1 SIG APLICADO À SEGURANÇA PÚBLICA

De acordo com Harries (1999, p.1), o Departamento de Polícia de Nova Iorque utilizava alfinetes em mapas desde 1900, pelo menos. O procedimento tradicional para o mapeamento da criminalidade consistia em pregar os pequenos alfinetes em cada local onde houvera um crime. Porém, esse método possuía muitas limitações.

Havia o problema do espaço para armazenamento dos mapas após sua utilização, de maneira que, quando eram atualizados, os padrões anteriores ficavam perdidos. No mesmo mapa eram marcados múltiplos tipos de delitos, cada um representado por um alfinete de cor diferente. Ficava muito difícil, portanto, acompanhar um tipo de crime por determinado período, já que o mapa de alfinetes dispunha de um limitado tempo de vida útil.

Com o aumento da capacidade de processamento dos computadores no início dos anos 1990, a disponibilização de softwares para mapeamento, alguns gratuitos, possibilitou acesso mais fácil ao registro e ao acompanhamento eletrônico de crimes.

O mapeamento da criminalidade possibilita, dentre outras vantagens, verificar em que tipo de ambiente o ofensor prefere agir. É possível inserir diversas informações além da localização, como por exemplo, em qual horário ocorreu o crime, de que forma a vítima foi abordada, quantas pessoas participaram da ação, etc. Dessa forma, o SIG é extremamente

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útil à análise criminal, assim definida na Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP, 2010, p.48):

Análise Criminal: é, genericamente, a coleta e análise da informação pertinente ao fenômeno da criminalidade. Sua finalidade é a produção de conhecimento relativo à identificação de parâmetros temporais e geográficos do crime e eventuais cifras obscuras, detecção da atividade e identidade da delinquência correspondente, subsidiando as ações dos operadores diretos do sistema (análise criminal tática) bem como dos formuladores de políticas de controle (análise criminal estratégica e administrativa). As informações são utilizadas para o dimensionamento e posicionamento de recursos, bem como para a realização de ações gerais de gestão em relação ao patrulhamento e investigação policial.

No Estado da Bahia, por exemplo, o Departamento de Homicídios e Proteção da Pessoa (DHPP), desde 2011 faz uso do SIG por meio de telefone celular com acesso à Internet para mapear as ocorrências de homicídios.

Em Porto Alegre RS, o mapeamento de ocorrências utilizando o Google Earth vem sendo aproveitado desde o início de 2010. Os policiais militares que vão in loco atender as ocorrências identificam o endereço que aparece no sistema de georeferenciamento, disponibilizados também para os comandos regionais e o comando geral.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) já sinalizou a intenção de inserir nos registros das ocorrências policiais em todo Brasil dois campos obrigatórios: latitude e longitude. Dessa forma, além do relato da ocorrência, tipificação e demais dados, as coordenadas geográficas indicariam o local

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exato da ocorrência.Uma das ferramentas disponibilizadas gratuitamente

consiste num sistema criado pela empresa Google, o Google Maps. Fácil de manusear, está disponível em qualquer lugar do mundo, basta ter acesso a um computador, smartphone ou outro equipamento com acesso à Internet. A utilização dessa ferramenta é intuitiva, a pessoa digita o endereço desejado e o sistema busca automaticamente o local, seja no Brasil ou em qualquer outro lugar do planeta. Fornece, inclusive, as coordenadas geográficas (latitude e longitude) do ponto. É importante frisar, porém, que nem sempre os endereços estão precisamente atualizados. As cidades são dinâmicas, em constante modificação, endereços novos são criados, ruas podem ter seus nomes alterados, assim como também é possível que alguns endereços não sejam localizados.

Figura 1: Visualização do Google Maps.Fonte: Google Maps

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4 o RouBo De AutoMÓVeIs eM FloRIAnÓPolIs

De acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), em dezembro de 2009 a frota de automóveis registrados no município de Florianópolis era de 171.882 unidades. Já em dezembro de 2012 a frota de automóveis no mesmo município era de 198.705, ou seja, houve um acréscimo de 13,5 %.

Gráfico 2: Frota de automóveis em Florianópolis em dezembro dos respectivos anos.Fonte: Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN).

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Gráfico 3: Registros de roubos de automóveis nas Delegacias de FlorianópolisFonte: Relatório 18, módulo “Boletim de Ocorrência” - SISP.

Conforme os dados do Sistema Integrado de Segurança Pública (SISP) de Santa Catarina, nas delegacias do município de Florianópolis foram registrados sessenta e oito roubos de automóveis em 2009. Já no ano de 2012 esse número passa para trezentos e vinte e quatro registros do mesmo delito, que é tipificado no artigo 157 do Código Penal Brasileiro (CPB): “Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”.

Analisando os números apresentados, enquanto a frota de automóveis de Florianópolis cresceu 13,5% no período de 2009 a 2012, o registro de roubos de automóvel aumentou 79%.

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5 A UTILIZAÇÃO DO SIG NO ESTUDO DOS ROUBOS DE AUTOMÓVEIS EM FLORIANÓPOLIS

Todos os registros de ocorrências de roubos de automóveis realizados nas delegacias de Florianópolis foram lidos e analisados individualmente. Dos trezentos e vinte e quatro registrados, trinta e um deles não foram considerados: oito foram tipificados de forma incorreta pois, na verdade, eram furtos; em dezessete, o fato ocorreu em outro município; dois não apresentavam o endereço da ocorrência e quatro expunham outros problemas que não permitiam a inserção do ponto da ocorrência no mapa. Em resumo, das trezentas e vinte e quatro ocorrências registradas, duzentas e noventa e três (90,43%) foram efetivamente mapeadas e trinta e uma (9,57%) desconsideradas.

Com o uso de mapeamento, é possível verificar que a região continental do município de Florianópolis possui uma incidência alta de roubos de automóveis, se comparada com a região insular.

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Figura 2: Visualização das ocorrências mapeadas no Google Maps com a ferramenta Fusion TableFonte: Mapeamento realizado pelos autores, com dados das ocorrências registradas nas Delegacias de Polícia Civil de Florianópolis.

Na Figura 2, cada ponto vermelho representa uma ocorrência de roubo de automóvel no ano de 2012 no município de Florianópolis.

O Google Maps fornece as coordenadas mediante o endereço inserido pelo usuário. Estas coordenadas são colocadas em uma planilha com diversos dados considerados úteis. Por exemplo: endereço, horário e data da ocorrência, sexo da vítima, etc. Após inserir os dados desejados, basta utilizar a ferramenta Fusion Table (também da empresa Google). Automaticamente, os dados inseridos na planilha eletrônica serão transferidos para uma visualização no Google Maps, onde será marcado o local do evento por meio das coordenadas geográficas inseridas na planilha e dos demais dados referentes a cada registro.

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Figura 3: Visualização da parte continental de Florianópolis, Centro e bairros no entorno.Fonte: Mapeamento realizado pelos autores, com dados das ocorrências registradas nas Delegacias de Polícia Civil de Florianópolis.

Figura 4: exemplo de visualização dos detalhes de uma ocorrência.Fonte: Ocorrências registradas nas Delegacias de Polícia Civil de Florianópolis.

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Além da localização, foram inseridos outros dados. São eles: coordenadas; endereço completo com logradouro, número, bairro e ponto de referência; marca, modelo e ano do automóvel roubado; Delegacia onde foi realizado o registro; número do Boletim de Ocorrência (B.O.); data e hora do fato.

Esses dados podem ser alterados, assim como podem ser inseridas outras informações. Por exemplo, a cor do automóvel, o sexo da vítima, etc. É possível também retirar as informações consideradas irrelevantes.

6 DIFICULDADES NO USO DO SIG

Atualmente, o sistema utilizado pela Polícia Civil de Santa Catarina para o registro das ocorrências ainda não conta com campos apropriados para inserir as coordenadas geográficas dos fatos e, muito menos, dispõe dos mapas dos municípios do Estado. É possível realizar o registro de uma ocorrência com o endereço incorreto, incompleto ou até mesmo com a opção de “endereço não informado”. Tudo isso dificulta e, por vezes, inviabiliza seu mapeamento.

Existem casos de falha na tipificação. Nesta pesquisa, por exemplo, houve oito ocorrências, ou seja, 2,47%, dos episódios que foram registrados como roubo, mas na verdade eram furtos de automóveis. Estes delitos são tipificados no artigo 155 do Código Penal Brasileiro e referem-se a: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Ou seja, diferente dos roubos, nos furtos não há ameaça ou violência diretamente contra a(s) pessoa(s).

Atualmente, só é possível realizar o mapeamento das ocorrências se cada Delegacia, por conta própria, criar seus

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arquivos utilizando um SIG, como vem sendo feito pela Diretoria de Inteligência da Polícia Civil, desde o início de 2013, com as ocorrências de homicídios registradas no Estado. Trata-se de um trabalho contínuo, que exige dedicação e, por não ser efetuado de modo automático, precisa ser atualizado manualmente. Portanto, os registros não sucedem em tempo real, muitas ocorrências só serão mapeadas alguns dias após o seu registro.

7 VANTAGENS DO USO DOS SISTEMAS DE INFORMAÇÕES GEOGRÁFICOS

O SIG pode ser uma importante ferramenta para a segurança pública. No policiamento ostensivo, por exemplo, com a análise dos locais e horários das ocorrências, é possível saber onde estão os pontos com maior incidência de um determinado delito. No caso em estudo, em quais regiões estão aumentando ou diminuindo os roubos de automóveis e, consequentemente, deslocar para essas áreas um maior efetivo nos horários mais propícios para a prática de roubos. Enfim, trata-se de uma base concreta de informações para a melhor distribuição dos profissionais, de viaturas e, até mesmo, de bases policiais.

Após diagnosticar os bairros mais suscetíveis, é viável a realização de campanhas para conscientizar e prevenir os moradores. No ano de 2012, dos duzentos e noventa e três registros efetuados nas Delegacias de Florianópolis e confirmados como roubos de automóveis, oitenta e sete deles (29,69%), ocorreram durante roubos às residências das vítimas ou quando estas estavam saindo ou chegando às suas

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residências.Para a Polícia Judiciária, uma das vantajosas

possibilidades do uso do SIG consiste em poder sobrepor os dados das ocorrências mapeadas, facilitando a identificação dos suspeitos, por meio do modus operandi (modo de agir) e visualizando com maior facilidade a área de atuação dos ofensores.

Vários mapas sobre criminalidade podem ser criados, sem necessidade de maior espaço físico nas delegacias. Em um único mapa podem ser inseridos vários delitos, cada um com marcador de cor diferente, por exemplo. Também pode ser utilizada a visualização de imagem por satélite, verificando se há muitas construções ao redor do local, se é uma região menos habitada, se existem rios, se o terreno é plano, se em aclive ou em declive, etc. Todas essas informações costumam ser úteis em uma investigação, assim como em levantamentos prévios antes do cumprimento de um mandado, bem como em potenciais rotas de fuga utilizadas por perpetradores de delitos.

Todas essas informações podem ser armazenadas, atualizadas e acessadas mediante um dispositivo conectado à Internet, seja um tablet, smartphone, ou um computador.

É ainda factível compartilhar essas informações com interessados, disponibilizando aos usuários somente a visualização ou, conforme a necessidade, permitindo que outros profissionais editem as informações presentes em um mapa criado com a ferramenta Fusion Table do Google Maps.

8 CONCLUSÕES

A utilização de sistemas computacionais está cada vez

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mais presente no dia a dia das pessoas, inclusive no âmbito da Segurança Pública. Esses sistemas podem exercer o papel de auxiliar e facilitar a sobreposição de dados diversos que, de alguma forma, se relacionam. Os Sistemas de Informação Geográfica (SIG) aplicados à Segurança Pública agregam muitas possibilidades, dentre elas a economia de espaço, a facilidade de acesso, o compartilhamento e armazenamento de informações, o mapeamento de delitos e a sobreposição de dados considerados úteis para a compreensão desses eventos criminais.

Existem algumas barreiras para a ampla utilização do SIG pela Polícia Civil de Santa Catarina. A principal delas reside no fato de que o sistema usado atualmente para o registro de ocorrências não é adaptado ao uso do SIG e não dispõe de campo adequado para inserir as coordenadas geográficas do local do delito. Consequentemente, não existe a possibilidade de visualizar a localização exata de onde o delito foi praticado. Atualmente, é possível realizar o mapeamento de ocorrências manualmente utilizando a ferramenta Fusion Table e Google Maps. Por se tratar de um SIG gratuito e acessível via Internet, as possibilidades de sua utilização são amplas e disponíveis a todas as Delegacias do Estado, já que todas possuem computadores com acesso à Internet.

O registro de ocorrências de roubo de automóvel no município de Florianópolis vem crescendo nos últimos anos e, de 2009 a 2012, houve um expressivo aumento de 79%, sendo que a frota de veículos no município, no mesmo período, cresceu apenas 13,5%. Com a utilização do SIG, conseguimos verificar os locais de maior incidência desse delito, mapeando as ocorrências e sobrepondo informações importantes sobre horários e locais mais suscetíveis, além da forma de agir

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dos infratores. Ainda, é viável extrair outras informações das ocorrências, como modelo do veículo, cor do automóvel subtraído e sexo da vítima, possibilitando traçar um perfil, tanto dos criminosos quanto das vítimas, inclusive sobre os modelos de automóveis mais roubados.

Nesta pesquisa, foi possível verificar que a Região Continental de Florianópolis é onde estão concentradas a maioria das ocorrências, ou seja, cento e cinquenta e duas, dos duzentos e noventa e três episódios confirmados, perfazendo 51,88% dos episódios. Importante frisar que a maior parte do território de Florianópolis situa-se na parte insular e não na parte continental.

A violência urbana vem adquirindo características diferentes ao longo do tempo e o uso de novas tecnologias é capaz de trazer benefícios. No caso em questão, transformando dados inseridos nos Boletins de Ocorrência em informações importantes para a análise dos eventos criminais e a tomada de decisões para reduzi-los.

Desse modo, o uso dos Sistemas de Informação Geográfica na área de Inteligência em Segurança Pública é capaz de suprir os gestores com as informações necessárias para identificar as áreas onde o roubo de automóveis é mais frequente, permitindo que sejam tomadas as medidas preventivas com maiores chances de êxito. Portanto, o uso e o aprimoramento de ferramentas inovadoras como o SIG podem ser úteis para a sociedade, desde que haja interesse e vontade política de disponibilizá-las e mantê-las atualizadas.

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O CICLO DA PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE

SEGURANÇA PÚBLICA APLICADO À REPRESSÃO DO CRIME DE “LAVAGEM DE DINHEIRO”

Verdi Luz Furlanetto1

George Felipe de Lima Dantas2

RESUMOEste trabalho apresenta uma metodologia de investigação e análise de dados, utilizando o Ciclo de Produção de Conhecimento da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública, voltada ao combatendo delito de “Lavagem de Dinheiro”.

Palavras-chave: Investigação Policial.Análise Criminal. “Lavagem de

1 Especialista em Direito Constitucional, pela Universidade Estácio de Sá, Pós graduando em Inteligência Criminal, pela UNIDAVI, Delegado de Polícia da Polícia Civil de Santa Catarina (PCSC), Coordenador do Laboratório de Combate à “Lavagem de Dinheiro”/SC e Coordenador do Sistema de Movimentação Bancária (SIMBA) da PCSC, e responsável pela Divisão de Combate à “Lavagem de Dinheiro” (DC-LD), sediado na Diretoria Estadual de Investigações Criminais (DEIC). E-mail: [email protected] Doutor em Educação pela George Washington University (GWU) de Washington, D.C., EUA. Docente de disciplinas de Inteligência de Segurança Pública e de Metodologia da Pesquisa do curso de Pós-Graduação em Inteligência Criminal do Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI) em associação com a Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina (SSPSC) e Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Membro (presidente) do Instituto Brasileiro de Inteligência Criminal (INTECRIM) e do “Capítulo Brasil” (vice-presidente) da InternationalAssociationof Law EnforcementIntelligenceAnalysts (IALEIA). Consultor, autor e palestrante em temas de gestão da segurança pública. Tenente Coronel Reformado da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). E-mail: [email protected]

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Dinheiro”. DNISP(2007)

ABSTRACT This paper presents a research methodology and data analysis, using the production cycle Knowledge Doctrine of National Intelligence for Public Security, aimed at combating the crime of “Money Laundering”.

Keywords: Police Investigation. Criminal Analysis. “Money Laundering”. DNISP (2007)

1 INTRODUÇÃO

Tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro traz como regra matriz o princípio da legalidade, somente é possível aos agentes públicos atuarem de acordo com lei ou regulamento. Do conhecimento de tal ordenamento resulta que não há normas específicas disciplinando a metodologia de repressão à chamada “Lavagem de Dinheiro”.

Em razão da importância cada vez maior da repressão destes delitos se faz necessário o aprimoramento e especialização dos meios de investigação. A falta de uma metodologia específica demanda uma discussão a respeito do modo pelo qual essa investigação possa ser realizada, pois a referida omissão dá abertura para uma redução na qualidade do produto da investigação policial em virtude de uma atuação profissional mais intuitiva e menos técnica.

Como ensina FERRO JÚNIOR e DANTAS (2006)3,

3 FERRO JÚNIOR, Celso Moreira; DANTAS, George Felipe de Lima. A descoberta e a análise de vínculos na complexidade da investigação criminal moderna. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10002>. Acesso em: 2 set. 2013.

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“O Estado moderno estaria passando hoje por uma sequência de estágios ou níveis de enfrentamento com o crime organizado, começando por um estágio inicial de confrontação, com o Estado considerado muitas vezes dispondo apenas de métodos e técnicas policiais ultrapassadas e ineficazes. Com a incapacidade de conter o fenômeno dessa nova criminalidade organizada, complexa e transnacional, em um estágio seguinte ao da confrontação surgiria o da aquiescência relutante”.

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à “Lavagem de Dinheiro”(ENCCLA),na definição das ações para 2013, em sua “ação 9” dispõe: “Elaborar proposta de aperfeiçoamento dos meios operacionais de investigação nos crimes relacionados à lavagem de dinheiro e à corrupção”4.

No mesmo sentido, a “recomendação nº 4”, da ENCCLA 2013, considerando a necessidade de aperfeiçoamento da persecução penal do referido crime no âmbito estadual, recomenda às Secretarias de Segurança Pública ou Secretarias congêneres e Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal a criação, no âmbito das polícias judiciárias, de Delegacias Especializadas na repressão à “lavagem de dinheiro”.

Portanto, a referida lacuna procedimental, além de estar em descompasso com o princípio da legalidade, tem sua provisão fomentada pela ENCCLA, que propõe o aperfeiçoamento dos meios operacionais e persecução penal do delito tratado neste trabalho, conforme a ação 9 e a recomendação 4, de 2013.

A diretriz escolhida para abordarmos o problema em questão será a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança

4 ENCCLA – Nos dias 26 a 30 de novembro de 2012, em João Pessoa (PB), reuniram-se mais de 60 órgãos para definirem as ações e recomendações para 2013.

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Pública (DNISP)5.Esta será utilizada como fonte primária de conceitos e definições para a criação da metodologia procedimental na investigação do aludido crime.

Assim, a finalidade deste trabalho originado de pesquisa acadêmica, é apresentar uma sugestão de regulamento de análise e investigação voltada à repressão ao Crime de Lavagem dinheiro, tendo como objeto de estudo as legislações penais em vigor e a Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP), em especial o respectivo Ciclo da Produção de Conhecimento (CPC).

2 LACUNAS LEGISLATIVAS

A Lei nº 9.613/98, que versa sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei, em nenhum de seus artigos estabelece norma para a investigação de tais delitos.

No ordenamento jurídico criminal brasileiro, o Decreto-Lei nº 3.689/41, conhecido como o Código de Processo Penal (CPP) disciplina a investigação penal de modo genérico, como se vê a seguir:

Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

5 A Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública, publicada no ano de 2007, não tem classificação, podendo assim ser utilizada em material acadêmico.

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I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais; II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais; III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias; IV - ouvir o ofendido; V - ouvir o indiciado, com observância, no que for aplicável, do disposto no Capítulo III do Título VII, deste Livro, devendo o respectivo termo ser assinado por duas testemunhas que lhe tenham ouvido a leitura; VI - proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareações;VII - determinar se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias; VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes; IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.

Conforme o referido artigo, somente há uma mera relação de diligências que podem ou devem ser realizadas, sem, contudo estabelecer uma metodologia de investigação.

O Anteprojeto do novo Código de Processo Penal (2009, p. 28)6,o qual tramita no Congresso Nacional, dispõe:

6 Projeto de Lei 8.045/2010, o qual foi elaborado por Comissão de Juristas de o anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, sendo o Coordenador o Ministro Hamilton Carvalhido e relator o Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira.

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Art. 9º. A autoridade competente para conduzir a investigação criminal, os procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos em lei.

Este artigo que está insculpido no Anteprojeto do novo Código de Processo Penal determina que os procedimentos a serem observados e o seu prazo de encerramento serão definidos em lei, ou seja, ganha importância a discussão sobre o tema metodologia de investigação, pois a lei definirá de acordo com o princípio da legalidade.

A Lei nº 12.830/13promulgada em 20 de junho de 2013, inova o ordenamento jurídico com a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia. Art. 2o As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. § 1o Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais. § 2o Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

Assim, descreve o seu artigo 1º que: “Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia”, em seus artigos não há descrição de atos procedimentais e de atos de investigações.

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No âmbito do Ministério Público, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), dele se origina a Resolução nº 13/20067, que regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93, a qual prevê a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, como se vê a seguir:

Art. 6º Sem prejuízo de outras providências inerentes à sua atribuição funcional elegalmente previstas, o Membro do Ministério Público, na condução das investigações, poderá: I – fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências; II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III – requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral; IV – notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais; V – acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária; VI – acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária deferidas pela autoridade judiciária; VII – expedir notificações e intimações necessárias; VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; IX – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; X – requisitar auxílio de força policial.

Conforme o artigo da referida resolução, somente há uma mera relação de diligências que podem ser realizadas,

7 O caderno investigativo do Ministério Público, com fundamento nesta Resolução, é denominado Procedimento de Investigação Criminal (PIC).

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sem, contudo estabelecer uma metodologia de investigação.

3 CICLO DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Para a DNISP (2007, p. 20), o Ciclo de Produção de Conhecimento (CPC) pode ser definido como:

“Um processo formal e regular separado em duas etapas principais, uma vinculada à reunião de dados e a outra ao processo de análise. Nesse processo, o conhecimento produzido é disponibilizado aos usuários agregando-se medidas de proteção e negação do conhecimento”.

Segundo a DNISP (2007, p. 17):

“Dado é toda e qualquer representação de fato, situação, comunicação, notícia, documento, extrato de documento, fotografia, gravação, relato, denúncia, etc., ainda não submetida pelo profissional de ISP à metodologia de Produção de Conhecimento”.

A DNISP (2007) define conhecimento como o resultado final, que poderá ser escrito ou oral, realizado pelo profissional de ISP, com a utilização da metodologia de Produção de Conhecimento sobre dados e/ou conhecimentos anteriores.

Ciclo de Produção de Conhecimento (CPC) é composto pelas seguintes fases: planejamento; reunião de dados, processamento e difusão, conforme prega a DNISP (2007).

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A definição de planejamento segundo a DNISP (2007, p. 20), é:

“Planejamento é a fase do CPC na qual são ordenadas, de forma sistematizada e lógica, as etapas do trabalho a ser desenvolvido. Aí são estabelecidos os objetivos e/ou as necessidades, os prazos, prioridades e cronologia, e são definidos os parâmetros e as técnicas a serem utilizadas, partindo-se, sempre, dos procedimentos mais simples para os mais complexos. Planejar deve constituir-se em uma ação rotineira do profissional de inteligência”.

A reunião de dados, nos termos da DNISP é a etapa do CPC, que procura obter dados e/ou conhecimentos por meio da coleta ou busca. Ao refletir sobre o tema Denílson Feitoza Pacheco (2005)8, diferencia coleta de busca:

“Nas atividades de inteligência, a coleta é a consulta a fontes abertas, como internet, livros etc. A busca é o levantamento de dados negados, que se referem a fontes não abertas. A ideia de busca, na atividade de inteligência, antecedeu historicamente à própria investigação criminal. Já nos tempos antigos eram enviadas pessoas para fazer levantamento da estrutura dos exércitos, características da economia, da população e da tecnologia etc.”

8 PACHECO, Denílson Feitoza. Atividades de Inteligência e Processo Penal. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2005/denilsonfeitozapacheco/atividadedeinteligencia.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013.

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O processamento é a fase na qual o conhecimento é produzido, sendo, portanto, a fase intelectual em que o analista percorre as seguintes etapas: avaliação, análise, integração e interpretação (DNISP, 2007).

Avaliação pode ser conceituada como a etapa na qual se determina a pertinência e o grau de credibilidade dos dados, a fim de classificar e ordenar àqueles que, prioritariamente, serão utilizados e influenciarão decisivamente no conhecimento a ser produzido.

A próxima etapa do processamento é a análise, onde são decompostos os dados, posteriormente reunidos, em suas partes já devidamente avaliadas. Assim a finalidade é obter os aspectos essenciais levantados examinados de cada uma delas, a fim de estabelecer sua importância em relação ao assunto em pauta.

Integração é a etapa do processamento na qual o analista monta um conjunto ordenado e lógico com base nas frações significativas, já devidamente avaliadas. O aproveitamento de uma fração significativa varia de acordo com o tipo de conhecimento que se pretende produzir.

Interpretação é a etapa do processamento na qual se esclarece o significado final do assunto tratado. Após o processo de avaliação, análise e integração, deve-se buscar estabelecer as relações de causa e efeito, apontar tendências e padrões e fazer previsões, baseadas no raciocínio.

Ainda nos termos da DNISP (2007), após o processo de avaliação, análise e integração, deve-se buscar estabelecer as relações de causa e efeito, apontar tendências e padrões e fazer previsões, baseadas no raciocínio.

A última fase do ciclo da produção do conhecimento é a difusão, onde o conhecimento produzido será formalizado

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em documentos, os quais podem ser de inteligência ou não, a depender de sua natureza, disponibilizada para o usuário ou outros destinatários. Em atendimento ao princípio da oportunidade admite-se a difusão informal, previamente à sua formalização (DNISP, 2007).

4 MetoDoloGIA De InVestIGAÇão VoltADA À REPRESSÃO AO CRIME DE “LAVAGEM DE DINHEIRO”

Primeiramente temos que conceituar metodologia. Na visão de Barros (1986, p.01)9:

“Consiste em estudar e avaliar os vários métodos disponíveis, identificando suas limitações ou não ao nível das implicações de suas utilizações. A Metodologia, num nível aplicado, examina e avalia as técnicas de pesquisa bem como a geração ou verificação de novos métodos que conduzem à captação e processamento de informações com vistas à resolução de problemas de investigação.”

Como visto anteriormente, as fases do ciclo de produção do conhecimento estabelecido na doutrina de inteligência podem ser amplamente utilizadas na investigação dos crimes de “Lavagem de Dinheiro”, com o intuito de suprir a lacuna legislativa e regulamentar.

9 BARROS, Aidil Jesus Paes de & SOUZA, Neide Aparecida de. Fundamentos de Metodologia. São Paulo: McGraw-Hill, 1986.

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Conforme Maurício Correali (2007, p. 8)10:

“A atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP), compreende um conjunto de ações voltadas à produção de conhecimentos orientadores dos gestores públicos da segurança na prevenção e no enfrentamento do fenômeno criminal, identificando suas causas e minimizando seus efeitos, a partir do emprego de metodologia própria”.

Em decorrência da omissão legislativa sobre o tema, estabeleceremos a integração das referidas quatro fases -Planejamento, Reunião de Dados, Processamento e Difusão- sob dois enfoques: a metodologia na investigação dos crimes de “lavagem de dinheiro” e análise de dados.

Na metodologia na investigação destes crimes se destaca a busca pela a reunião dos dados, os quais estão disseminados em diversas fontes, em base de dados de órgãos e instituições. Esta fase é na realidade a mais trabalhosa, tendo em vista a coleta das informações abrange não somente o alvo da investigação, mas também pessoas próximas a eles e interpostas pessoas.

O grande desafio tecnológico a ser enfrentado na atualidade é a junção das consultas a serem realizadas em um único sistema que integre os diversos bancos de dados. A solução tecnológica para tanto é o sistema de Web Service11que

10 CORREALI, Maurício. A atividade de inteligência de Segurança Pública e sua importância para o aperfeiçoamento da investigação policial. São Paulo. 2007.11 Web Service é uma solução utilizada na integração de sistemas e na comunicação entre aplicações diferentes e podem trazer agilidade para

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busca o conteúdo desejado de forma estruturada facilitando as pesquisas, devendo para tanto buscarmos a integração entre todos os órgãos de investigação.

A metodologia em análise de dados, como processo autônomo, na qual se restringe aos dados já reunidos, havendo prevalência do processamento, pois os dados a serem analisados geralmente são os bancários, telefônicos e contábeis, caracterizando-se pelo grande volume e demanda conhecimentos técnicos específicos.

4.1 METODOLOGIA NA INVESTIGAÇÃO DOS CRIMES DE “LAVAGEM DE DINHEIRO”.

Com o novo paradigma criado em decorrência da Lei nº 12.683/12, que promoveu alterações na Lei de “Lavagem de Dinheiro”, em razão de não haver mais rol taxativo destes crimes, houve ampliação de sua abrangência. A perda de bens em favor do Estado (união federativa) e reaparelhamento do órgão incumbido da produção da investigação é outra novidade.

Assim para obtermos sucesso na investigação em crimes de “lavagem de dinheiro” a coleta de informações para a produção do conhecimento abrangerá a utilização de diversas ferramentas de busca dados na rede, além de ofícios requisitórios.

Desta forma, assim como na análise de dados, o Ciclo da Produção do Conhecimento da Doutrina Nacional

os processos e eficiência na comunicação entre cadeias de produção ou de logística. Toda e qualquer comunicação entre sistemas passa a ser dinâmica e principalmente segura, pois não há intervenção humana.

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de Inteligência de Segurança Pública (DNISP) é aplicável como metodologia de investigação em crimes de “lavagem de dinheiro”.

Conforme salientado anteriormente, a investigação dos crimes delimitados neste trabalho se caracteriza por sua complexidade. Por consequência, a sua investigação demanda maiores esforços e mais tempo de apuração, sendo crucial seguir uma metodologia na qual estabelece diretrizes de forma ordenada para atuação.

Pertinente é a observação de Denílson Feitoza Pacheco (2005)12sobre a investigação, como se observa a seguir:

“Infelizmente, o CPP13 e o CPPM14 têm apenas alguns poucos tópicos sobre a investigação criminal, que a maioria dos atores (operadores) jurídicos, como juízes e promotores de Justiça, dos professores e dos juristas considera suficiente para aferição do cumprimento do princípio do devido processo legal. Na verdade, não existe um saber consolidado sobre a investigação criminal, como ocorre na metodologia científica. O CPP e o CPPM têm orientações muitíssimo genéricas a respeito. Por exemplo, estabelecem coisas do tipo “ouvir o indiciado”, “ouvir o ofendido” etc., mas não há critérios de confiabilidade do testemunho, técnicas de oitiva etc”.

Em observância as fases do Ciclo da Produção do

12 PACHECO, Denílson Feitoza. Atividades de Inteligência e Processo Penal. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2005/denilsonfeitozapacheco/atividadedeinteligencia.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013.13 Código de Processo Penal.14 Código de Processo Penal Militar.

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Conhecimento (CPC), serão demonstradas a viabilidade da concretização metodológica de acordo com tal paradigma. Reafirmando o que foi dito anteriormente, na análise criminal há prevalência da fase do processamento e suas etapas intrínsecas (avaliação, análise, integração e interpretação dos dados). Na apuração da infração penal há prevalência da fase reunião de dados, sem excluir obviamente a importância das outras fases.

Para obtermos uma investigação exitosa, o primeiro passo é o planejamento. O que caracteriza o delito de “lavagem de dinheiro” é a ocultação ou dissimulação da origem ilícita de bens, valores ou direitos decorrentes de uma infração penal antecedente.

Assim, não basta a mera aquisição do valor ilícito, seja qual for o crime ou contravenção, deve-se convertê-lo de ilícito para lícito. Desta forma, a estratégia a respeito da apuração dos atos dos investigados, como se estabeleceu a transferência de valores ilícitos e a quem se destinou o produto ilegal será o escopo investigatório.

O crime de “lavagem de dinheiro” por depender de uma infração penal antecedente haverá elementos para definirem o modo pelo qual se desenvolverá o trabalho de investigação, consubstanciando a instauração do caderno investigativo por uma portaria de abertura do procedimento onde serão traçadas as linhas definidoras da persecução penal.

O próximo passo é a reunião de dados, na qual poderá ser materializada no Relatório de Investigação Preliminar (R.I.P)15 que subsidiará a Representação Judicial com o intuito

15 Este relatório é um marco para a reunião de dados, buscando-se todos que estão disponíveis, e servindo de preparação do pedido daqueles que se

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de obter medidas cautelares. Este relatório tem a finalidade de fazer a conexão com outros relatórios que foram elaborados no decorrer da investigação, como, relatório de vigilância e levantamento, relatório de análise de dados e informações, etc.

O Relatório de Investigação Preliminar é composto por três partes (breve relato dos fatos antecedente, descreve atos caracterizadores do crime de lavagem de capitais e considerações finais), com a finalidade de delimitar e estabelecer de forma didática os elementos de convicção para o seu destinatário que julgará o caso.

Na primeira parte há um breve relato dos fatos antecedente para caracterizar a infração penal concebida como pressuposto para o crime de “lavagem de dinheiro”. Tais informações são obtidas de um inquérito policial, procedimento de investigação criminal ou procedimento já judicializado onde tenha havido indícios de obtenção de proveito de bens e valores ilícitos.

A segunda parte descreve atos caracterizadores do crime de lavagem de capitais propriamente ditos, demonstrando-se as interconexões e vínculos resultantes da coleta de dados por todos os meios disponíveis, inclusive, sendo ilustrado com fotografias e diagramas. Nesta etapa, em razão do grande volume de informações caracterizador do crime em tela, procura-se objetivar demonstrando os fatos mais significativos considerados como delituosos.

A terceira parte se completa com as considerações finais, indicando pessoas, contas bancárias, números de telefones, e-mails, endereços para em seguida Representar Judicialmente pelo o afastamento do sigilo bancário, fiscal, telemático e

submetem a necessária autorização judicial.

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telefônico, assim como pelo mandado de busca e apreensão.O processamento se materializa no Relatório de

Investigação Complementar (R.I.C)16. Este relatório tem a finalidade de fazer a conexão com outros relatórios que foram elaborados no decorrer da investigação com todos os dados sensíveis decorrentes do afastamento do sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico, assim como pelo mandado de busca e apreensão.

Com o processamento das informações já constante no caderno investigativo haverá a complementação com as diligências faltantes com o intuito de formar a convicção da imputabilidade do crime em questão. Este é o momento oportuno de se Representar Judicialmente, baseado no Relatório de Investigação Complementar, para novas buscas e apreensões, sequestro de bens e prisões temporárias ou preventivas.

Após a reunião e processamento de dados, a representação para a prisão preventiva deverá ser efetivada nesta fase, pois com o encarceramento o procedimento investigatório tem prazo certo de conclusão que é de dez dias, como regra geral17.

A última fase é a difusão representada pelo Relatório Final, sendo esta a conclusão do inquérito policial ou procedimento

16 Neste relatório, após o recebimento de todos os dados que estão disponíveis e aqueles que se submetem a autorização judicial, serve para demarcar a fase em que se processam todas as informações com a finalidade de se atingir o conhecimento que se pretende na investigação do crime de “lavagem de dinheiro”.17 Conforme dispõe o artigo 10 do CPP, “O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela”.

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investigatório. Neste momento, há o encerramento da investigação fazendo-se o indiciamento dos investigados, individualizando a conduta de cada um, atribuindo-se os fatos caracterizadores do ilícito penal e os valores ilegalmente ocultados e dissimulados representando pela perda e reaparelhamento do órgão de repressão responsável.

4.2 METODOLOGIA NA ANÁLISE CRIMINAL DE DADOS

Oportuno ressaltar neste tópico a existência do Laboratório de Tecnologia contra “Lavagem de Dinheiro” (LAB-LD)18, cujo seu início decorre da realização da meta 16 da ENCCLA 2006, e tem por finalidade a difusão de estudos sobre as melhores práticas e metodologia em análise de dados.

Instalado no âmbito do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) da Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), coordena a Rede Nacional de Laboratórios contra “Lavagem de Dinheiro” (REDE-LAB)19 instalados em diversas instituições como: Ministérios Públicos, Polícias Civis, Polícia Federal, Receita Federal, entre outros.

18 O LAB-LD se originou da observação, pelos órgãos participantes da ENCCLA, de que as investigações de casos de “lavagem de dinheiro’ ou corrupção envolviam quebras de sigilo bancário de inúmeras contas, além de sigilos telefônico e fiscal, abrangendo grandes períodos, o que gerava uma grande massa de dados a ser analisada”.19 A REDE-LAB tem por finalidade o compartilhamento de experiências, técnicas e soluções voltadas para análise de dados financeiros, busca das melhores práticas do combate à “lavagem de dinheiro”.

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A proposta do LAB-LD é a aplicação de soluções de análise tecnológica em grandes volumes de informações e para a difusão de estudos sobre as melhores práticas em hardware, software e a adequação de perfis profissionais.

Como gestor do LAB-LD/SC20, observa-se que na prática, de acordo com a diretriz do Laboratório Central – DRCI, a qual não é pública, mas não possui classificação reservada,a “Gestão de Casos LAB-LD” se divide em sete fases: solicitação; aceitação; abertura; planejamento; processamento; relatório; conclusão.

Conforme lição de Denílson Feitoza Pacheco (2005)21:

“Há várias teorias sobre quais fases compõem o ciclo de inteligência. Podemos, por exemplo, numa perspectiva acadêmica, ter as seguintes fases: identificação das necessidades informacionais do usuário final (requerimento ou determinação da produção de determinada informação/conhecimento), planejamento da obtenção dos dados/informações requeridos, gerenciamento dos meios técnicos de obtenção, obtenção (coleta ou busca) dos dados/informações, processamento dos dados/informações (organização, avaliação e armazenagem), produção do conhecimento (análise, interpretação e síntese dos dados/informações), disseminação do conhecimento, uso do conhecimento e avaliação do ciclo (feedback quanto ao uso do conhecimento para aperfeiçoamento do ciclo de inteligência)”.

20 O autor deste artigo é coordenador do LAB-LD/SC.21 PACHECO, Denílson Feitoza. Atividades de Inteligência e Processo Penal. Disponível em: <http://www.advogado.adv.br/direitomilitar/ano2005/denilsonfeitozapacheco/atividadedeinteligencia.htm>. Acesso em: 22 ago. 2013.

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Ao analisarmos a metodologia de análise criminal de dados sob o enfoque do Ciclo da Produção do Conhecimento podemos observar que a Gestão de Casos LAB-LD está de acordo com a DNISP, pois suas sete fases correlacionam com a mencionada doutrina, onde há um momento inicial de pré-planejamento (solicitação; aceitação e abertura), o planejamento (onde está inserida a reunião de dados); processamento; relatório e conclusão (os dois últimos estão alocados na difusão).

O planejamento abrange a verificação do caso com a prévia determinação do assunto, consistindo em especificar o fato ou a situação, objeto do conhecimento a ser produzido. O assunto terá que ser preciso, determinado e específico.

Deve-se atentar para o planejamento da demanda de forma objetiva, onde se fará um breve conhecimento da apuração do caso. Desta forma, o objeto da análise também se baseará nos dados a respeito das pessoas, das atividades suspeitas, sinais de riquezas, incompatibilidades e vínculos interpessoais, etc. Portanto, para planejar o seu escopo deve-se observar as hipóteses já formuladas projetando-se para o futuro os passos a serem realizados.

Na reunião de dados utilizam-se diversas ferramentas, desde a busca na rede mundial de computadores até os tradicionais ofícios requisitórios encaminhados as instituições governamentais ou não. Também é realizado o acesso a informações nos bancos de dados dos órgãos de investigação, além do monitoramento de rede social22.

22 Rede social é uma estrutura social composta por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores e objetivos comuns. Uma das características fundamentais na definição

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Buscam-se também dados mais sensíveis, como os concebidos constitucionalmente em direitos e garantias fundamentais do cidadão, que se sujeitam a reserva de jurisdição, os quais somente se tem acesso após autorização judicial. Como exemplo podemos citar o sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático.

A captação dos dados poderá ser oriunda de pesquisas em relatórios de documentação apreendida, relatórios de mídias apreendidas, relatórios de interceptação de sinais (telefônicos, telemáticos e ambientais), relatórios de diligências de campo (vigilância, ação controlada e infiltração de agentes) e depoimentos já coletados, entre outros23.

O processamento é a fase da análise do caso em que se trabalha com os dados obtidos estabelecendo-se vínculos, inter-relações, descobertas em consonância, a priori, com as hipóteses da linha de planejamento. Assim, ao estabelecer o escopo do trabalho a análise de dados será direcionada à identificação das atividades suspeitas e ilícitas.

O que caracteriza a análise em investigação em crimes de “lavagem de dinheiro” é o grande volume de dados digitais. A depender da quantidade de investigados, contas bancárias, dados telefônicos, telemáticos e contábeis o volume de informação requer especial cuidado já que o trabalho de “mineração24”, se torna mais minucioso e detalhado.

Uma análise baseada em metodologia e ferramentas

das redes é a sua abertura e porosidade, possibilitando relacionamentos horizontais e não hierárquicos entre os participantes.23 Há diversas modalidades de investigação, além das informadas anteriormente, sendo cláusula aberta os meios investigatórios.24 Este termo designa a procura de dados relevantes, importante e com grande valor.

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tecnológicas de última geração se faz imprescindível para a produção de um resultado seguro e confiável. Vale dizer, se torna obrigatório para atender a demanda de modo satisfatório a aplicação de soluções tecnológicas, metodologia e perfis profissionais próprios e qualificados.

Atualmente, os órgãos de inteligência e investigação de ponta utilizam notórias ferramentas, no entanto, a que mais se destaca na análise é o Analyst´s Notebook - I2, pertencente atualmente à IBM25. Outra ferramenta importante é a análise textual em documentos digitalizados, de modo que se possa indexar para facilitar as buscas em documentos, pastas, diretórios e até em banco de dados.

Conforme assevera Dantas (2012)26 ao discorrer sobre os avanços e desafios para a investigação criminal moderna, salienta:

“O moderno operador da segurança” pública, antes essencialmente um “artesão intuído” do conhecimento policial, passou a ter de ser também um “operador do conhecimento sistematizado e automatizado. (...) Mudar implica transformar e romper paradigmas (contrariando o princípio da “conservação da cultura”…), o que demanda novos modelos assertivos de “gestão da mudança.” Esse novo tempo precisa estar baseado na gestão pelo conhecimento e

25 O IBM i2 Analyst’s Notebook é um ambiente de análise de inteligência que permite que órgãos governamentais e empresas do setor privado maximizem o valor da massa de informações que coletam.26 DANTAS, George Felipe de Lima. Entrevista com o especialista em Segurança Pública, Dr. George Felipe de Lima Dantas.2012. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/iab/seguranca-publica/entrevista-com-o-especialista-em-seguranca-publica-dr-george-felipe-de-lima-dantas/>. Acesso em: 1 set. 2013.

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resultados, promovendo o atingimento de metas e resultados transparentes e aferíveis”.

Para a análise bancária, o Sistema de Investigação de Movimentação Bancária (SIMBA)27,é o que há de mais moderno em nosso pais, utilizada por órgãos conveniados de inteligência e investigação. Estão em evolução e em implementação o Sistema de Investigação Telemática e Telefônica (SITTEL) e o Sistema de Investigação Fiscal (SIFISCO), sendo as referidas ferramentas desenvolvidas no âmbito da Procuradoria Geral da República.

Por fim, temos a difusão como a última etapa do ciclo da produção do conhecimento que se materializa com a Produção do Relatório. Segue as seguintes espécies de relatórios, de acordo com o que propõe a prática da Gestão de Casos LAB-LD, sendo eles: Relatório de Inteligência, Relatório de Análise Técnica, Relatório de Pesquisa, Relatório de Nota Técnica e Relatório Preliminar.

Orienta-se também, que ao final de cada caso trabalhado deverá ser confeccionado o Termo de Conclusão de Caso o qual se destina a formalizar a metodologia utilizada em cada trabalho realizado para se alcançar o constante aprimoramento.

O Relatório de Inteligência tem por objetivo a produção e análise de dados de inteligência, por exemplo, como fontes vale lembrar-nos do COAF28. Por ter natureza de inteligência

27 O Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias - SIMBA é um conjunto de processos, módulos e normas para tráfego de dados bancários entre instituições financeiras e órgãos governamentais.28 Conselho de Controle de Atividades Financeiras – Unidade de Inteligência Financeira do Brasil

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este documento não é juntado aos autos, ainda mais em razão de recentes decisões das cortes superiores os quais não os admite como prova processual. Assim, este relatório tem a finalidade de servir como um elemento para tomada de decisões.

Quanto ao Relatório de Análise Técnica este visa à análise dos dados apresentados, normalmente os sob a reserva jurisdicional (sigilos bancários, fiscais, telefônicos, telemáticos, etc) e que demandam um corpo técnico com conhecimento específico. Neste relatório, não obstante estar presente todas as fases do ciclo de produção do conhecimento há prevalência da etapa “processamento”, pois o trabalho versará sobre a avaliação, análise, integração e interpretação dos dados entregues para análise.

O Relatório de Pesquisa serve para atender à solicitação do tipo “Pesquisas em Sistemas e Banco de Dados”. Trata-se de simples obtenção de dados nos sistemas e banco de dados disponíveis no LAB-LD, não exigindo um trabalho analítico por parte da equipe do Laboratório.

O relatório de Nota Técnica serve para atender à solicitação do tipo “Apoio Técnico”. Neste tipo de trabalho não há a realização de pesquisas, nem tampouco exame analítico de material, mas tão somente um atendimento técnico, especialmente os relacionados à Tecnologia da Informação.

O Relatório Preliminar é uma demonstração parcial da análise, informando o solicitante sobre andamento do caso até aquele momento. Pode conter, ainda, sugestões de medidas que só o próprio Solicitante pode providenciar, especialmente para agilizar o envio de informações ou dados faltantes.

Por fim, propomos a inclusão do Relatório de Investigação, o qual será o resultado final do conjunto de atos

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sequenciais que resultarão no produto a ser incorporado ao procedimento investigatório, que vimos no tópico anterior.

De acordo com a doutrina de Dantas (2002)29:

“Assim como a inteligência policial pode ser entendida como um simples processo de produção de informação confiável sobre problemas potenciais, ela também pode constituir-se-á num processo complexo, envolvendo a avaliação de situações ou fatos, em curso, que digam respeito às atividades ilícitas de indivíduos ou organizações sistematicamente engajadas no crime”.

5 CONCLUSÃO

Podemos constatar, portanto, a atualidade do tema e a necessidade de o aprimoramento e especialização dos meios de investigação, utilizando-se metodologia específica. Considerando que não há normas disciplinando um modelo de atuação investigatório, tal lacuna procedimental pode ocasionara diminuição na qualidade do produto da investigação policial.

Neste contexto, tanto a “ação 9” como a “recomendação 4” da ENCCLA 2013 propõe o aperfeiçoamento dos meios operacionais e persecução penal de tal delito, por tais motivos, propõe-se o aperfeiçoamento da análise de dados e persecução penal do crime em pauta, utilizando o ciclo da produção de conhecimento da Doutrina Nacional de Inteligência de

29 DANTAS, George Felipe de Lima. A gestão científica da segurança Pública: Estatísticas Criminais. 2002. Disponível em: <http://www.malagrino.com.br/vivaciencia/03_01_002.asp>. Acesso em: 1 set. 2013.

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Segurança Pública (DNISP).A investigação nos crimes de “lavagem de dinheiro”

inicia-se com portaria de abertura do procedimento ensejando o planejamento. A reunião de dados produz o Relatório de Investigação Preliminar que subsidiará a Representação Judicial, posteriormente o processamento trará o Relatório de Investigação Complementar, com finalidade integrar todas as informações,produzindo o conhecimento para a difusão pelo Relatório Final.

A DNISP também é aplicável na análise de dados criminal, em consonância com o Ciclo da Produção do Conhecimento (CPC),e compreende o planejamento especificando o fato ou a situação, objeto do conhecimento a ser produzido, para a reunião de dados com a utilização de diversas ferramentas de busca, em seguida o processamento dos dados obtidos estabelecendo vínculos e inter-relações para a difusão com três espécies de relatórios.

Em consonância com tudo o que foi dito anteriormente, de maneira reveladora, Ferro Júnior e Dantas(2008)30lecionam sobre a conexão entre o crime sofisticado, a repressão qualificada, Inteligência de Segurança Pública e tecnologia do conhecimento:

“A cada dia, a ‘nova delinquência sofisticada e aparentemente impessoal’ do ‘colarinho branco’ passa a ser

30 FERRO JÚNIOR, Celso Moreira; DANTAS, George Felipe de Lima.O contexto do crime e as bases para a inteligência organizacional nas polícias judiciárias.2008. Disponível em: <http://www.trgroup.com.br/upload/Artigo_Celso_Ferro_e_George_Felipe_Dantas_IACP_04AGO2008%202.pdf>. Acesso em: 2 set. 2013.

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mais visível e detectável. Isso acontece graças a uma ‘nova repressão qualificada’, cujo arsenal passou a estar muito mais na Inteligência de Segurança Pública (ISP) e nas suas respectivas análises investigativa e de inteligência, lastradas nas aplicações da ciência e da tecnologia do conhecimento deste novo século, e menos na “tecnologia da pólvora de vários séculos atrás”. A ‘repressão qualificada’ está baseada essencialmente na ‘tecnologia do conhecimento’”.

Desta forma, a seguir será exposta uma sugestão de norma ou regulamento para a produção do conhecimento de acordo com o ciclo da produção do conhecimento da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública.

“LEI/REGULAMENTO/RESOLUÇÃO/PORTARIA31 Nº ___/2013”

Esta norma trata do ciclo da produção do conhecimento em investigação e análise do crime previsto na Lei nº 9.613/98.

Art. 1o Este regulamento dispõe sobre a investigação nos crimes de “lavagem de dinheiro”, sendo a sequência de atos coordenados e organizados destinados a descoberta da autoria, materialidade e recuperação do ativo ilícito.

Parágrafo único. A análise criminal de dados tem por escopo a produção de relatório para subsidiar a investigação criminal.

Art. 2o A investigação nos crimes de “lavagem de dinheiro”32

31 A denominação da norma dependerá da natureza do órgão que a elaborou, sendo Lei a elaborada pelo Legislativo,caso seja o Executivo a instância criadora do ato, neste caso teremos ato administrativo.32 O artigo 2º dispõe sobre a metodologia de investigação, traçando o passo a passo. Portanto, cada parágrafo relaciona-se a uma fase do CPC,

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observará as fases nos parágrafos seguintes. § 1o A portaria de abertura de instauração da investigação criminal conterá providências destinada são planejamento dos atos da persecução penal.

§ 2o O Relatório de Investigação Preliminar – R.I.P conterá a reunião de dados em consonância com demais relatórios elaborados no decorrer da investigação, como, o de vigilância e levantamento,de análise de dados, informações, requisições periciais,de documentos e outros dados que interessem à apuração dos fatos. A finalidade do R.I.P. é subsidiar a Representação Judicial pelo afastamento do sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico, busca e apreensão, que forem cabíveis.

§ 3º O Relatório de Investigação Complementar – R.I.C. tem a finalidade de gerar o processamento dos dados e informações provenientes de afastamento do sigilo bancário, fiscal, telemático e telefônico, busca e apreensão com outros relatórios que foram elaborados no decorrer da investigação.O R.I.C. será integrado às novas diligências decorrentes de buscas e apreensões, sequestro de bens e prisões temporárias ou preventivas.

§ 4º O Relatório Final será difundido com o encerramento das investigações apontando os indiciados, individualizando a conduta de cada um, atribuindo-se os fatos caracterizadores do ilícito penal e os valores ilegalmente ocultados e dissimulados. A solicitação da recuperação do ativo ilícito ocorrerá com a representação pela perda dos bens para o reaparelhamento do órgão de repressão responsável, preferivelmente nesta fase.

Art. 2o A análise criminal de dados33tem por escopo a

contendo diversas diligências que o compõe.33 Já o artigo 3º trata do procedimento da análise de grande volume de dados, podendo ser uma parte da investigação ou um documento de inteligência, e também cada parágrafo do referido artigo delimita uma fase do CPC.

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identificação das informações relevantes e produção de relatório(s), auxiliando na apuração do crime de que trata este regulamento.§ 1o No planejamento se especificará o fato e o objeto do conhecimento a ser produzido, delimitando o assunto de forma precisa, determinada e específica, observando-se as pessoas, as atividades suspeitas, sinais de riquezas, incompatibilidades e vínculos interpessoais.

§ 2o A reunião dos dados será efetuada com ferramentas de busca na rede mundial de computadores, ofícios requisitórios governamentais ou não, acesso a informações nos bancos de dados dos órgãos de investigação, monitoramento de social networks, além do afastamento de sigilos bancário, fiscal, telefônico, telemático, ambientais, entre outros dispostos na legislação em vigor.

§ 3o No processamento objetiva-se estabelecer vínculos, inter-relações, das atividades suspeitas e ilícitas de acordo com os investigados, contas bancárias, dados telefônicos, telemáticos e contábeis, utilizando-se de ferramentas tecnológicas para a produção de um resultado seguro e confiável.

§ 4o A difusão do relatório de análise criminal de dados poderá ocorrer de seis formas:

a)Relatório de Inteligência tem por objetivo a produção e análise de dados de inteligência com a finalidade de servir como um elemento para tomada de decisões, sem validade probatória;

b) Relatório de Análise visa apresentar uma interpretação estabelecendo vínculos entre os investigados, a hipótese sugeridas, objeto da demanda contidos nos dados apresentados, com finalidade probatória analítica;

c) Relatório de Pesquisa serve para atender à solicitação do tipo pesquisas em Sistemas e Banco de Dados, não exigindo um trabalho analítico.

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d) Relatório de Nota Técnica serve para atender à solicitação do tipo apoio técnico, especialmente os relacionados à Tecnologia da Informação. e) Relatório Preliminar é uma demonstração parcial da análise, informando sobre andamento do caso até aquele momento, sugestões de medidas, especialmente para agilizara apresentação de informações ou dados faltantes.

f) Relatório de Investigação34 será o resultado do conjunto de atos e diligências de persecução que resultarão no produto a ser incorporado ao procedimento investigatório.

Art. 3o A diretriz traçada neste regulamento observará as especificidades de cada caso e será aplicada todas as inovações tecnológicas de coleta de dados que surgirem, respeitando-se sempre os princípios e as normas legais e Constitucionais.

Art. 4o Este regulamento35 entra em vigor da data de sua publicação.

REFERÊNCIA

BARROS, Aidil Jesus Paes de & SOUZA, Neide Aparecida de. Fundamentos de Metodologia. São Paulo: McGraw-Hill, 1986.

34 Na metodologia da REDE LAB-LD o relatório de investigação não está inserido dentre as espécies de relatórios, no entanto, cremos ser necessário existir esta modalidade, pois a coleta de dados pode ser realizada de diversas formas conforme dito anteriormente, inclusive com investigação e todas as suas formas para obtermos os dados pretendidos. 35 Conforme já informado anteriormente, a denominação deste instrumento dependerá de sua natureza jurídica e do órgão que o criou.

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