ISSN nº. 0874-2820 ISSN nº. 2184-3163 SAÚDE INFANTIL ...

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Revista referenciada no Índex das Revistas Médicas Portuguesas | Preço normal: 15€ | Assinatura anual: Sócios ASIC = 30€ Não Sócios = 35€ | Periodicidade: 3 números ao ano 2018 // 40 (2) 54 63 80 SAÚDE INFANTIL ISSN nº. 0874-2820 ISSN nº. 2184-3163 40 SETEMBRO 2018 Volume 40 | nº 02 Editorial Alergologia Pediátrica – uma subespecialidade emergente Carla Chaves Loureiro Artigos originais Morbidade neonatal dos recém-nascidos de termo precoce comparados aos de termo Clara Gomes, Nuno Lourenço, Cristina Resende Emergência pediátrica pré-hospitalar – a perspetiva dos intervenientes Ana Lopes Dias, Juan Calviño Controlo metabólico duma população pediátrica com diabetes mellitus tipo um Joana Verdelho Andrade, Clara Gomes, Assunção Luís, Gabriela Laranjo, Joana Campos Utilização dos recursos de saúde e saúde infantil: o impacto da formação Catarina Lacerda, Carolina Prelhaz, Inês Ganhão, Mafalda Matias, Margarida Rafael, Joana Extreia, Susana Correia, Diana Pignatelli Teleconsulta de Cardiologia Pediátrica – experiência de 10 anos Ana Paula Rocha, Ana Rita Dias, Ester Gama, Conceição Nunes, António Pires, Eduardo Castela, Júlio Bilhota Xavier Paraparésia flácida assimétrica – Qual o diagnóstico? Alexandra Martins, Ana Azevedo, Rui Barreto, Catarina Santo, Susana Tavares Casos Clínicos Colapso Súbito pós-natal no contacto pele-a-pele Sara Pires da Silva, Patrícia Rocha, Rita Moinho, Leonor Carvalho, Sérgio Sousa, Luísa Diogo, Alexandra Dinis Síndrome de Hipersensibilidade à Lamotrigina num adolescente Sofia Reis, Alexandra Oliveira, Sara Santos, Cristina Faria Artigo de Opinião O Desenvolvimento Moral: Contributos para melhorar a compreensão da criança e suas implicações para a prática André Caetano de Oliveira Texto para Pais Afogamento em Pediatria: como prevenir? Mariana Barreto, Maria Inês Barreto 59 47 68 49 73 76 83 87

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INFORMAÇÕES:Hospital Pediátrico | Av. Afonso Romão | Alto da Baleia

Piso 0 - Lj A21 00 03 | 3000-602 COIMBRA

TEL. / FAX: +351 239 482 000

www.asic.pt | [email protected]

SAÚDE INFANTIL

Editorial

Alergologia Pediátrica – uma subespecialidade emergenteCarla Chaves Loureiro

Artigos originais

Morbidade neonatal dos recém-nascidos de termo precoce comparados aos de termo

Clara Gomes, Nuno Lourenço, Cristina Resende

Emergência pediátrica pré-hospitalar – a perspetiva dos intervenientesAna Lopes Dias, Juan Calviño

Controlo metabólico duma população pediátrica com diabetes mellitus tipo um

Joana Verdelho Andrade, Clara Gomes, Assunção Luís, Gabriela Laranjo, Joana Campos

Utilização dos recursos de saúde e saúde infantil: o impacto da formaçãoCatarina Lacerda, Carolina Prelhaz, Inês Ganhão, Mafalda Matias, Margarida Rafael, Joana Extreia, Susana Correia, Diana Pignatelli

Teleconsulta de Cardiologia Pediátrica – experiência de 10 anosAna Paula Rocha, Ana Rita Dias, Ester Gama, Conceição Nunes, António Pires, Eduardo Castela, Júlio Bilhota Xavier

Paraparésia flácida assimétrica – Qual o diagnóstico?Alexandra Martins, Ana Azevedo, Rui Barreto, Catarina Santo, Susana Tavares

Casos Clínicos

Colapso Súbito pós-natal no contacto pele-a-peleSara Pires da Silva, Patrícia Rocha, Rita Moinho, Leonor Carvalho, Sérgio Sousa, Luísa Diogo, Alexandra Dinis

Síndrome de Hipersensibilidade à Lamotrigina num adolescenteSo�a Reis, Alexandra Oliveira, Sara Santos, Cristina Faria

Artigo de Opinião

O Desenvolvimento Moral: Contributos para melhorar a compreensão da criança e suas implicações para a prática

André Caetano de Oliveira

Texto para Pais

Afogamento em Pediatria: como prevenir? Mariana Barreto, Maria Inês Barreto

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Normas de Publicação

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40SETEMBRO 2018Volume 40 | nº 02

COMITÉ CIENTÍFICO DA SAÚDE INFANTILDIRETOR: Boavida Fernandes

EDITORES: Nelson Neves, Alexandra Oliveira

CONSELHO EDITORIALADOLESCÊNCIA: PAULO FONSECA, PASCOAL MOLEIRO

ALERGOLOGIA: JOSÉ ANTÓNIO PINHEIROCUIDADOS INTENSIVOS: Leonor CarvalhoDESENVOLVIMENTO: Boavida Fernandes,

Susana Nogueira, Alexandra OliveiraENDOCRINOLOGIA: Alice MiranteHEPATOLOGIA: Isabel Gonçalves

IMUNODEFICIÊNCIAS: Sónia LemosINFECIOLOGIA: Fernanda Rodrigues

METABÓLICAS: Luísa DiogoNEFROLOGIA: António Jorge Correia

NEONATOLOGIA: Joaquim Tiago, Gabriela MimosoOTORRINOLARINGOLOGIA: Luís Silva

PEDIATRIA GERAL: Luís Januário, Nelson Neves, Mónica OlivaPNEUMOLOGIA: Miguel Félix

PSICOLOGIA: Luísa SimãoREUMATOLOGIA: Paula Estanqueiro, Manuel Salgado

PERIODICIDADE: 3 números ao ano (abril, setembro, dezembro)

PROPRIEDADE:ASIC - Associação de Saúde Infantil de Coimbra – NIPC 501 433 678

Presidente da ASIC – Sónia Lemos

SEDE DE EDIÇÃO, REDAÇÃO E PRÉ-IMPRESSÃO:Hospital Pediátrico - CHUC, EPE

Av. Afonso Romão • Alto da Baleia • Piso 0 - Lj A21 00 033000-602 Coimbra • Telefone: 239 482 000

E-mail: [email protected]

ESTATUTO EDITORIAL: Consultar em https://saudeinfantil.asic.pt

ASSINATURAS 2018:Anual - € 35,00

Sócio ASIC - € 30,00

SEDE DE IMPRESSÃO E ACABAMENTO:Tipografia Lousanense Lda › www.lousanense.pt

Rua Júlio Ribeiro dos Santos 3200-268 LOUSÃTIRAGEM: 150 exemplaresDEPÓSITO LEGAL: 242/82

ISSN Nº: 0874-2820

ISSN Nº: 2184-3163

ERC Nº 110691

ESTATUTO EDITORIAL

A revista «SAÚDE INFANTIL» pauta-se por preceitos de rigor, isenção, honestidade e respeito por cada pessoa e sua saúde.

A revista «SAÚDE INFANTIL» valoriza o conhecimento, desenvolvimento e partilha de informação na área da saúde Pediátrica.

A revista «SAÚDE INFANTIL» destina-se a todos os profissionais de saúde, espe-cialmente aos que têm a seu cargo a prestação de cuidados básicos de saúde às crianças e adolescentes.

A revista «SAÚDE INFANTIL» adota as seguintes regras de conduta:1 // Identificação e acesso à informaçãoa) A revista «SAÚDE INFANTIL» prevê a publicação de artigos de investigação origi-

nal, casuísticas, casos clínicos e artigos de opinião. b) Os artigos a publicar na revista «SAÚDE INFANTIL» deverão debater problemas

de interesse eminentemente prático, cujo objetivo seja a promoção da qualidade dos serviços a prestar.

c) As opiniões expressas nos artigos são da completa e exclusiva responsabilidade dos seus autores que deverão ser devidamente identificados.

d) As fotografias, documentos ou outros estudos só devem ser utilizados ou re-produzidos com o consentimento do proprietário, salvo quando existir óbvio e relevante interesse público.

e) Os autores responsabilizam-se pela autorização necessária para a utilização de fotografias, documentos ou outros estudos publicados nos seus artigos.

2 // Submissão dos manuscritosa) Os manuscritos devem ser submetidos ao editor da «SAÚDE INFANTIL» através

do e-mail [email protected] b) Para submeter um artigo no front-office é necessário efetuar o login na respetiva

plataforma (http://rsi.asic.pt/). O autor visualizará as instruções completas para poder criar/submeter os artigos:

1. Após ter sido realizado o login no site, os autores podem criar um arti-go, selecionando uma das seguintes categorias: artigo original, de revisão, caso clínico, texto para pais.1.1. No primeiro separador «Conteúdos», é necessário inserir o título e o texto do artigo. Também é possível inserir imagens, cartas de apresentação e declarações de autorização.1.2. No separador «Idioma», selecionar a língua.1.3. No separador «Metadados», inserir a meta-descrição e as palavras--chave do artigo.1.4.Por fim, clicar no botão «Guardar» para gravar e submeter o artigo.

c) A carta de apresentação deve incluir: título do manuscrito, nome dos autores, especificação do tipo de artigo e declaração de transferência dos direitos de autor, assinada por todos:

“Os autores abaixo assinados transferem os direitos de autor do manuscrito (título do artigo) para a revista «SAÚDE INFANTIL», na eventualidade deste ser publicado. Os abaixo assinados garantem que o artigo é original e não foi previamente publicado”.

d) Os textos não originais também poderão ser apreciados. Os trabalhos pro-postos serão submetidos à redação da Revista, que poderá aceitá-los, solicitar correções ou rejeitá-los.

3 // Formatação dos manuscritosa) O manuscrito deve ser redigido em Português com resumo em Inglês. Deve

apresentar uma única coluna, espaçamento e letra de dimensão 11. Aconselha--se a utilização das fontes Times ou Arial. As quatro margens devem apresentar um espaçamento de 2,5 cm. Todas as páginas devem ser numeradas, incluindo a página do título. Devem ser inseridas quebras de página entre cada secção do manuscrito. O número de autores deve ser restrito aos que, verdadeiramente, participaram na conceção, execução e escrita do manuscrito. Os artigos subme-tidos através da plataforma deverão ter a seguinte ordem:

Ficha Técnica

SAÚDE INFANTILHOSPITAL PEDIÁTRICO DE COIMBRA

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3.1 Secções do manuscrito– Título (em Português e Inglês), autores, instituições, endereço para

correspondência.– Resumo e Palavras-chave (3 a 10) (em Português e Inglês – Keywords) de acordo com o MeSH (Medical Subject Heding) – http://www.nlm.nih.gov/mesh. O Resumo e o Abstract (tradução exata, em inglês, do resumo) não devem exceder 300 palavras. Neste espaço deve constar uma intro-dução acompanhada dos objetivos do trabalho, dos materiais e métodos utilizados, assim como os resultados e principais conclusões. Nos casos clínicos e séries de casos, o texto deve ser estruturado na introdução, relato do(s) caso(s), discussão (incluindo a conclusão); a conclusão deve destacar os aspetos que justificam a publicação do caso ou série de casos.– Texto. Os artigos devem ser divididos em 4 secções:

• Introdução com definição / caraterização dos objetivos do trabalho.• Material e Métodos (critérios de seleção dos casos, identificação

das técnicas utilizadas).• Resultados (apresentados na sequência lógica do texto, das figu-

ras e dos quadros). Não usar ilustrações supérfluas ou repetir no texto dados dos quadros.

• Discussão e conclusões (implicações e limitações dos resultados, sua importância). As conclusões devem estar relacionadas com os objetivos enunciados inicialmente. Não deve repetir os resulta-dos mas sim discutir os resultados.

– Bibliografia. Número de autores: até 6, mencionar todos; 7 ou mais au-tores, mencionar apenas os três primeiros, seguidos de et al. As referên-cias devem numeradas por ordem de entrada no texto e referenciadas da seguinte forma:

• Artigo de revista - Ex: Kusel MMH, Klerk NH, Holt PG, et al. Role of respi-ratory virus in acute and lower respiratory tract ilness in the first year of life. Ped Infect Dis J 2006;25:680-6.

• Capítulo de livro - Ex: Cherry JD, Nieves DL. The Common Cold. In: Fei-gin RD, Cherry JD, Demmler-Harrison GJ, Kaplan SL. Feijin & Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious Diseases, 6th ed. Philadelphia. Saunders Elsevier; 2009;138-46.

• Livro - Nelson JD, Bradley JS. Nelson’s Pocket Book of Pediatric Antimi-crobial Therapy. 14th ed. Philadelphia. Lippincott Williams & Wilkins; 2000.

• Página web - Gostin LO. Drug use and HIV/AIDS (JAMA HIV/AIDS web site). June 1, 1996. Available at: http://www.ama-assn.org/special/hiv/ethics. Accessed June 26; 2004.

• Comunicações em congressos/jornadas - Harrigan PR, Don W, Weber AE, et al. Mutated RT and protease. (Abstract I - 115). In: 38th Interscience Conference on Antimicrobial Agents and Chemotherapy, San Diego, Cali-fornia, September 24 to 27, 1998. Washington, DC: American Society for Microbiology; 1998.

• Abreviaturas de Revistas, consultar http://home.ncifcrf.gov/research/bja/

4 // Legendasa) As legendas devem ser explícitas, de forma a não haver necessidade

de recorrer ao texto. Devem, ainda, ser colocadas da seguinte forma:• Legendas dos quadros e das tabelas: são colocadas por cima do

corpo da tabela ou quadro.• Legendas das figuras: são colocadas por baixo da respetiva imagem.

5 // Quadros e figurasa) Cada quadro ou figura devem ser apresentados em páginas separadas,

juntamente com os respetivos títulos e notas explicativas. b) As figuras, nomeadamente, gráficos, mapas, ilustrações, fotografias ou

outros materiais devem ser formatadas em computador ou digitalizadas. c) As ilustrações que incluam fotografias que permitam a identificação de

doentes, deverão ser acompanhadas pela autorização do doente ou seu responsável legal, permitindo a sua publicação. Os olhos devem estar tapados ou a cara deve estar desfocada digitalmente, de modo a impe-dir a sua identificação.

d) Serão publicadas tabelas, quadros ou ilustrações cuja origem esteja sujeita a direitos de autor, com citação completa da fonte e/ou com au-torização do detentor dos direitos de autor. Nestas situações o autor do artigo deve sempre referenciar.

6 // Exatidãoa) A revista «SAÚDE INFANTIL» deve ter o cuidado de não publicar textos

ou imagens suscetíveis de induzir em erro ou distorcer os factos.b) Uma imprecisão, um erro ou uma omissão devem ser corrigidos de ime-

diato e com a devida relevância. Quando justificado, deve ser apresen-tado um pedido de desculpas público.

7 // Direito de respostaa) O direito de resposta deve ser concedido a qualquer indivíduo ou orga-

nização, sempre que devidamente fundamentado.b) Essa resposta não deve ser objeto de qualquer nota de redação, exceto

quando houver nela erros importantes ou distorções graves da verdade.

Políticas de PrivacidadeQual é a política de utilização de dados pessoais?Os dados pessoais recolhidos através do site constam de uma base de dados devidamente registada, sendo absolutamente confidenciais. A «SAÚDE INFANTIL» e a «ASIC» conferem a todos os utilizadores registados o direito de se oporem ou alterarem os respetivos dados pessoais recolhidos.

O que é um cookie?Um cookie é uma cadeia de texto que fica na memória do seu browser. Os cookies são impor-tantes para uma maior segurança e rapidez na identificação dos utilizadores (permitindo um login mais rápido, por exemplo); para agilizar a interatividade entre o site e o utilizador; para permitir a personalização de informação; e para ajudar a manter e desenvolver conteúdos de acordo com os interesses dos utilizadores.

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1Assistente Graduada de Pediatria – CEE em Doenças Alérgicas Pediátricas Correspondência: Carla Loureiro - [email protected]

Alergologia Pediátrica – uma subespecialidade emergente

Carla Chaves Loureiro1

Ao longo das últimas décadas tem-se observado um crescimento qualitativo extraordinário da Pediatria, nomeadamente com o aparecimento de áreas diferenciadas e subespecialidades que têm por objetivo melhorar os cuidados prestados às crianças e adolescentes.

Citando o Dr. Libério Ribeiro, Pediatra, presidente da Sociedade Portuguesa de Alergologia Pediátrica (SPAP) e antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) «as subespecialidades, como o seu próprio nome indica, não querem substituir as especialidades, assim como estas não podem anular aquelas. As subespecialidades são um complemento enriquecedor das especialidades, devendo ambas contribuir para um melhor cuidado daqueles a quem se dirigem. A criança não é um somatório de órgãos e sistemas, não bastando o especialista do órgão ou sistema. A criança é um organismo em desenvolvimento e crescimento, com particularidades fisiológicas, psicológicas e emocionais próprias, necessitando que, de quem dela cuida, tenha uma formação pediátrica global e não sectorizada, que englobe cada problema no todo, procurando não tratar a doença específica, mas tratar e equilibrar a criança que padece dessa doença.»

A Alergologia Pediátrica é uma Área Diferenciada da Pediatria que, tal como outras, tem vivido um crescimento exponencial. Ainda não é uma subespecialidade em Portugal, ao contrário do Reino Unido, Suécia, Alemanha e Lituânia, mas a formação na área já vem definida no portal da EAP (European Academy of Paediatrics).

Em Portugal, a primeira Consulta de Alergologia Pediátrica surgiu em 1967 no Hospital Pediátrico Raínha D. Maria Pia. Na década seguinte outras surgiram (H. de Dona Estefânia, H. de S. João, H. de Santa Maria) e, em 1978, surgiu a do H. Pediátrico de Coimbra. Só em 1983 foi criada a Especialidade de Imunolaergologia tendo sido admitidos como especialistas 18 Pediatras. Atualmente, há

nove Serviços de Pediatria com idoneidade formativa reconhecida pelo Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, para o estágio opcional de Imunoalergologia do Programa de formação específica.

Do ponto de vista científico, a Alergologia Pediátrica nacional tem atividade autónoma organizada desde 1985, pela Secção de Imunoalergologia Pediátrica da SPP e, desde 2011, pela SPAP.

No âmbito da formação avançada em Alergologia Pediátrica realizaram-se dois Ciclos de Estudos Especiais (CEE) no Hospital de Santa Maria (1995/97 e 1997/99) e dois Cursos de Formação Avançada em Alergologia Pediátrica no Instituto das Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (2011/12 e 2012/13).

Atualmente, decorre o CEE em Doenças Alérgicas Pediátricas, no Hospital de Santa Maria, promulgado em 11 de fevereiro de 2015, em Diário da República n.º 29/2015, Série II. O seu início teve um atraso de quase dois anos motivado por providência cautelar emitida a pedido da Especialidade de Imunoalergologia mas, a pretensão de bloqueio de formação específica nesta área, foi considerada ilegítima em sede judicial.

Uma das propostas de candidatura da atual Direção do Colégio de Pediatria era o de recentrar o papel e dignidade da Pediatria nomeadamente por meio de reconhecimento de subespecialidades pediátricas. Lamentavelmente, no que concerne à Alergologia Pediátrica, e apesar do empenho da Direção do Colégio de Pediatria, o Colégio de Imunoalergologia opõe-se à criação da subespecialidade alegando que o Imunoalergologista, por meio de um estágio de 9 meses em Serviços de Pediatria, tem competência para assegurar estes cuidados. Comparando com uma área exclusivamente pediátrica, poderíamos sugerir que qualquer Pediatra que tenha 9 meses de Neonatologia (os 3 obrigatórios mais 6 meses de Cuidados Intensivos Neonatais, por exemplo) pode dispensar uma formação específica em Neonatologia!

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De um modo geral, as subespecialidades pediátricas pressupõem formação específica de, pelo menos, 24 meses e permitem o acesso, por concurso, tanto a Pediatras como a médicos da Especialidade da área (por exemplo, a Nefrologia Pediátrica e a Neuropediatria). Ou seja, tanto Pediatras como Especialistas «de adultos» sentem necessidade e benefício nessa formação suplementar. Apenas a Imunoalergologia se destaca pela veemente oposição que faz a qualquer tipo de diferenciação na área Pediátrica.

O medo da mudança impede, com frequência, a cooperação necessária para promover o crescimento. No entanto, e usando mais uma vez a Neonatologia como exemplo, tal como um

Neonatologista não deixa de ser Pediatra, e os restantes Pediatras não deixam de ser competentes para observar recém-nascidos, um Alergologista Pediátrico não deixa de ser Pediatra ou Imunoalergologista, nem nenhum deles deixa de ser competente no exercício da Pediatria, ou da Imunoalergologia, respetivamente.

A História ensina-nos que, para além da perseverança, a cooperação e a união de esforços nos permite atingir melhores resultados pelo que mantenho a esperança que, a curto prazo, as atuais divergências se dissipem com claro benefício para as crianças com doenças alérgicas.

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ARTIGOS ORIGINAIS

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1 Maternidade Bissaya Barreto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Coimbra, Portugal.Correspondência: [email protected]

Clara Gomes1, Nuno Lourenço1, Cristina Resende1

Morbidade neonatal dos recém-nascidos de termo precoce comparados aos de termo

Neonatal morbidity of early term compared with term newborns

ResumoObjetivos: Avaliar e comparar a morbidade neonatal entre recém-nas-cidos de termo precoce (RNT-P) e recém-nascidos de termo (RNT).Métodos: Estudo transversal retrospetivo, incluindo nados-vivos numa maternidade hospitalar de referência regional em Portugal, nos anos de 2014 e 2015, com idade gestacional entre 370/7 e 416/7 se-manas. Os RNT-P (370/7 - 386/7 semanas) foram considerados casos e os RNT (390/7 - 416/7 semanas) foram considerados controles. Foram excluídos recém-nascidos com malformações congénitas, ausência de vigilância pré-natal e internamento por motivo social ou causa ma-terna. Foi avaliada e comparada a morbidade neonatal entre os dois grupos, utilizando o teste t de Student para comparação entre mé-dias (variáveis contínuas) e o Qui-quadrado ou teste de Fisher para comparação entre variáveis categóricas. As odds ratio (OR) com seus respetivos intervalos de confiança (IC) 95% foram ajustadas (ORa) ao peso de nascimento, tipo de parto, patologia materna e gemelaridade. Considerou-se o valor p<0.05 como estatisticamente significativo.Resultados: Foram avaliados 2.830 recém-nascidos, sendo 1.415 casos (RNT-P) e 1.415 controles (RNT). Os RNT-P tiveram mais in-ternamentos na Unidade de Cuidados Intensivos (ORa=1,7 - IC95% 1,2-2,5; p=0,008) e associaram-se a maior risco de patologia respira-tória (ORa=2,8 - IC95% 1,4-5,5; p=0,004), dificuldades alimentares (ORa=1,6 - IC95% 1,1-2,3; p=0,011) e hiperbilirrubinémia (ORa=2,8 - IC95% 2,1-3,7; p<0,001).Conclusões: Em comparação aos RNT, os RNT-P apresentaram maior risco de morbidade, reforçando a necessidade de um seguimento clínico apropriado destes RN no período neonatal. Não é aconselhável finalizar a gravidez antes das 39 semanas de gestação, excepto por condições maternas, placentárias ou fetais que indiquem que a continuação da gra-videz acarreta um maior risco para o feto e/ou a mãe. Palavras-chave Recém-nascido; termo precoce; termo; morbidade.

AbstractAims: To evaluate and compare neonatal morbidity between early-term infants (ETI) and term infants (TI). Methods: Retrospective cross-sectional study, including live births at a regional referral maternity hospital in Portugal, in the years 2014 and 2015, with gestational age between 370/7 and 416/7 weeks. ETI (370/7-386/7 weeks) were considered as cases and TI (390/7-416/7 weeks) were considered controls. Neonates with congenital malformations, lack of prenatal care and hospitalization for social/maternal reasons were excluded. We evaluated and compared neonatal morbidity between the two groups, using Student’s t-test for comparison between means (continuous variables) and Chi-square or Fisher’s test for comparison between categorical variables. Odds ratio (OR) was calculated and adjusted (aOR) to birth weight, maternal disease, type of birth and multiple pregnancy. A value of p <0,05 was considered of statistical significance. Results: A total of 2.830 neonates were evaluated: 1.415 cases (ETI) and 1.415 controls (TI). ETI were more frequently admitted in neonatal intensive care (aOR=1.7 - 95%CI 1.2-2.5; p=0.008) and were associated with higher risk of respiratory morbidity (aOR=2.8 - 95%CI 1.4-5.5; p=0.004); feeding difficulties (aOR=1.6 - 95%CI 1.1-2.3; p=0.011); and hyperbilirubinemia (aOR=2.8 - 95%CI 2.1-3.7; p<0.001).Conclusions: In comparison to the TI, ETI presented an increased risk of morbidity, reinforcing the need for an appropriate clinical follow-up of these newborns in the neonatal period. It is not advisable to end a pregnancy before 39 weeks of gestation, except for maternal, placental or fetal conditions indicating that the continuation of pregnancy carries a greater risk to the fetus and / or the mother.Keywords: infant, newborn; infant, early-term; infant, term; morbidity.

ABREVIATURASDG – diabetes gestacional EHI – encefalopatia hipóxico-isqumica GIG – grande para a idade gestacional HPIV – hemorragia peri/intraventricular IG – idade gestacional IC – intervalos de confiança

LIG – Leve para a idade gestacional OR – odds ratio RNT-P – recém-nascidos de termo precoce RN – recém-nascidos de termoTTRN – taquipneia transitória do recém-nascido UCIN – unidade de cuidados intensivos

IntroduçãoEm 1970, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como gra-videz de termo a que tem uma duração compreendida entre as 370/7 e as 416/7 semanas ou entre os 260 e os 294 dias, a partir do primeiro dia do último período menstrual da grávida1. Os recém-nascidos (RN) pré--termos devido á sua imaturidade fisiológica apresentam risco elevado de mortalidade, morbilidade neonatal e sequelas a longo prazo2,3.

Na última década, muitos artigos têm sido publicados sobre a mor-bilidade nos pré-termos tardios4-8 e mais recentemente constatou-se que, mesmo entre os RN de termo, existem diferenças significativas na morbidade. Os RN com idade gestacional 370/7 -386/7 semanas (RNT-P) apresentam maior risco de mortalidade e morbidade neonatal, com-parativamente aos RN com idade gestacional superior ou igual a 39

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semanas8-20, nomeadamente o maior risco de dificuldades alimentares, complicações respiratórias, instabilidade térmica, hipoglicémia neona-tal, hiperbilirrubinémia, infeções e hemorragia intra-ventricular. A longo prazo, também sem sido descritas complicações, nomeadamente de paralisia cerebral, com maior prevalência em RN com 37 semanas em comparação com 38 semanas de gestação21.Através do conhecimento adquirido, nas últimas décadas relativamen-te ao desenvolvimento cerebral, sabe-se que o processo de maturação cerebral acelera nas últimas 4-5 semanas de gestação (aumento da massa cerebral e do número de sulcos, crescimento de axónios e den-drites e aumento do número de interconexões entre as várias estrutu-ras cerebrais), provavelmente por esse motivo os RNT-P apresentam mais dificuldades escolares e alterações do comportamento22.

Apesar disso, nos últimos 15 anos tem-se assistido a um aumento do número de partos induzidos23. Esta situação deve-se à conjugação de vários fatores: existência de novos métodos de fertilização com o consequente aumento do número de gestações gemelares, aumento do número de grávidas com idade superior aos 35 anos, aumento das indicações médicas para partos mais precoces, aumento do número de cesarianas eletivas por razões não médicas antes das 39 semanas, devido á convicção que ás 37 semanas o feto como é de termo está pronto para nascer 24.Tendo em conta todas estas implicações clínicas, o American College of Obstetricians and Gynecologists e a Society fot Maternal-Fetal Me-dicine desaconselham a designação genérica da definição de RN de termo e propõem uma nova classificação (Tabela 1)25-28.

Tabela 1 • Classificação da duração da gravidez

Descrição Idade gestacional

Pré-termo < 370/7

Termo precoce 370/7 – 386/7

Termo 390/7 – 406/7

Termo tardio 410/7 – 416/7

Pós-termo ≥ 420/7

Atualmente, assiste-se a uma preocupação crescente em informar as mães dos problemas possíveis de um parto induzido antes das 39 semanas29,30. Tendo em conta que em Portugal existem poucos estudos nesta área, o objetivo deste trabalho foi avaliar e comparar a morbidade neonatal entre os RNT-P (grupo de casos) e os RN com idade gestacional supe-rior ou igual a 39 semanas RNT (grupo controle).

MétodosUm estudo transversal retrospetivo incluiu recém-nascidos com idade gestacional de 370/7 - 416/7 semanas, cujos partos ocorreram durante um período de dois anos (de 01/01/2014 a 31/12/2015) na Maternidade Bissaya Barreto, que pertence ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal, o qual possui apoio perinatal diferenciado e é refe-rência de nível regional para situações de alto risco obstétrico/neonatal, contando com uma Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN).Os pacientes foram divididos em grupos de casos e de controles. Os ca-sos foram definidos como os RNT-P (370/7 - 386/7 semanas) e os controles definidos como os RNT (390/7 - 416 /7 semanas). Foram excluídos recém--nascidos com malformações congénitas, ausência de vigilância pré-natal, internamentos prolongados por motivo social ou doença materna, e patolo-gias específicas, como as doenças neuromusculares e isoimunização Rh. As variáveis neonatais analisadas foram: sexo, peso de nascimento, necessidade de internamento em UCIN, necessidade de reanimação no parto, patologia respiratória (taquipneia transitória do recém-nasci-do (TTRN), gemido, doença de membranas hialinas), apneias da pre-

maturidade, necessidade de ventilação assistida, necessidade de oxi-génio suplementar, hiperbilirrubinémia, hipoglicémia (glicemia <40 mg/dl), sépsis neonatal, duração do internamento (em dias), dificuldades alimentares, perda ponderal >10%, hemorragia peri e intraventricular (HPIV), lesão do plexo braquial, alta com aleitamento materno (LM) exclusivo, reinternamento, encefalopatia hipóxico-isquémica (EHI) e síndrome de aspiração meconial.As variáveis maternas ou relacionadas com a gestação analisadas foram: idade materna (em anos), paridade, tipo de parto (vaginal ou cesariana), gemelaridade, diabetes gestacional (DG), síndromes hi-pertensivos como (pré-eclâmpsia, hipertensão materna), indução ou não do trabalho de parto.A sépsis neonatal foi definida como apresentação de clínica sugestiva associada a parâmetros de infeção positivos (proteína C reativa >2mg/dl e/ou leucócitos >30.000/µl ou <5.000/µl), com ou sem isolamento de agente etiológico, de acordo com os critérios definidos pelo Progra-ma Nacional de Controlo de Infeções de Portugal31.A presença de EHI no recém-nascido foi definida na presença de al-teração do estado de consciência, tónus, reflexos ou autonomia res-piratória, associada a um índice de Apgar ≤5 aos 5 e aos 10 minutos de vida, pH arterial <7,2 e déficit de bases ≥12 mmol/L nos primeiros 60 minutos de vida, presença de lesões na ressonância magnética sugestivas de EHI e falência multiorgânica32.O protocolo da instituição para realização de fototerapia nos recém--nascidos de termo é baseado nas diretrizes do National Collaborating Centre for Women’s and Children’s Health33.

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Tabela 2 • Comparação entre os recém-nascidos termo-precoce (RNT-P) e os recém-nascidos

de termo (RNT-P) em relação a fatores da gestação e do parto. Amostra total: 2.830 recém-nascidos. Maternidade Bissaya Barreto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal, 2014/2015.

* Qui-quadrado, exceto em † ; † Teste T de Student; OR, odds ratio; IC, intervalo de confiança; DP, desvio padrão – Dados apresentados em n (%) exceto quando especificado.

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Foi realizada ecografia transfontanelar em todos os recém-nascidos internados na UCIN. A HPIV foi classificada de acordo com os critérios de Volpe34. Definimos como RN leve para a idade gestacional (LIG) quando o peso de nascimento foi inferior ao percentil 3 para a idade gestacional, e grande para a idade gestacional (GIG) quando o peso foi superior ao percentil 97 nas curvas de Fenton35. A análise estatística foi efetuada por meio do programa IBM SPSS, versão 20.0. Foi feita a análise bivariada usando o teste t de Student para comparação entre médias (variáveis contínuas) e o teste Qui--quadrado ou teste de Fisher para comparação entre variáveis cate-góricas. Calcularam-se as odds ratio (OR) e os respetivos intervalos de confiança (IC) a 95%. Foi considerada significância estatística se p <0,05. As OR foram ajustadas para o tipo de parto, a gemelaridade, a patologia materna e o peso de nascimento.

ResultadosDurante o período do estudo, após exclusão de acordo com os critérios referidos na metodologia, foram selecionados 1.415 RNT-P (casos) e

1.415 RNT (controles), somando uma amostra total de 2.830 recém-nas-cidos. A distribuição dos RN por idade gestacional foi: 395 (14%) com 37 semanas de gestação; 1.020 (36%) com 38 semanas; 734 (26%) com 39 semanas; 571 (20%) com 40 semanas; e 110 (4%) com 41 semanas. O parto foi induzido em aproximadamente 30% nos dois grupos.A Tabela 2 compara os dois grupos em relação às características dos RN e fatores relacionados com a gravidez e com o parto. Comparando os RNT-P com os RNT, não houve diferenças significativas de sexo mas houve significativa associação à maior proporção de mães com mais de 35 anos e de mães primíparas.Relativamente à patologia materna, os RNT-P associaram-se de forma significativa à maior frequência de hipertensão arterial, não havendo diferenças significativas em relação à ocorrência de diabetes gestacio-nal. Todos os partos de gémeos ocorreram antes das 39 semanas. Em relação ao peso de nascimento, apesar de os RNT-P apresentarem um peso significativamente menor (em média, menos 300g), não houve maior taxa de recém-nascidos tanto LIG quanto GIG, nem maior risco de necessidade de reanimação na sala de parto (Tabela 2).

Características RN 370/7- 386/7 (n = 1415)

RN 390/7 - 416/7 (n =1415) p*

Sexo 764 (54%) 737 (52%) ns

Idade materna ≥35 anos 507 (36%) 313 (22%), <0,001

Mãe prímipara 648 (48%) 771 (54%) 0,001

Diabetes gestacional 72 (5%) 59 (4%) ns Hipertensão materna 91 (6%) 12 (1%) <0,001

Gemelaridade 37 (3%) 0 <0,001 Peso de nascimento (g) (média ± DP)

<2500g >4000g

3020 ± 397 g 126 (9%) 12 (1%)

3326 ± 399 14 (1%) 61 (4%)

<0,001† <0,001 0,002

Leve para a idade gestacional 20 (1%) 29 (2%) ns Grande para a idade gestacional 15 (1%) 11 (1%) ns

Reanimação na sala de partos 73 (5%) 83 (6%) ns

Parto espontâneo 987 (70%) 971 (69%) ns

A Tabela 3 compara os dois grupos em relação à morbidade e mortali-dade neonatais. Os RNT-P quando comparados com os RNT (mesmo após a ajuste para a patologia materna, o peso nascimento e a geme-laridade), estiveram associados a maior necessidade de internamento em UCIN e a maior incidência de patologia respiratória, hiperbilirrubi-némia e dificuldades alimentares. Em termos de mortalidade, houve

apenas um óbito nos casos e quatro no grupo controle, sem significân-cia estatística entre os dois grupos.

Discussão A maioria dos RNT-P parecerem perfeitamente saudáveis e maduros. No nosso estudo, 1.289 (91%) RNT-P pesava mais de 2500 gramas.

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Contudo, tal como replicado noutros estudos, os RNT-P apresentaram maior morbidade neonatal em comparação com os RNT. Verificámos maior necessidade de internamento em UCIN, risco quase duas vezes superior devido à imaturidade fisiológica e metabólica, pois o motivo de internamento foi sobretudo os problemas respiratórios e a hiperbilir-rubinémia com necessidade de fototerapia intensiva.

Identificamos um risco três vezes maior de problemas respiratórios (sín-drome de dificuldade respiratória/ taquipneia transitória do RN/gemido) nos RNT-P, o que pode ser justificado pela imaturidade pulmonar, dificul-tando a reabsorção do líquido alveolar, produzindo menor quantidade de surfactante, com a consequente diminuição das trocas gasosas36.

Tabela 3 • Comparação da morbidade e mortalidade neonatal entre os recém-nascidos termo-precoces (RNT-P) e os recém-nascidos de termo (RNT). Amostra total: 2.830 recém-nascidos. Maternidade Bissaya Barreto, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal, 2014/2015.

* Qui-quadrado, exceto em †; † Teste T de Student; UCIN, unidade de cuidados intensivos neonatais; TTRN, taquipneia transitória do recém-nascido; ORa, odds ratio ajustada ao peso de nascimento, gemelaridade, patologia materna e tipo de parto; IC, intervalo de confiança; DP, desvio padrão. – Dados apresentados em n (%) exceto quando especificado

Morbimortalidade neonatal – n (%)

RN 370/7- 386/7 (n = 1415)

RN 390/7 - 416/7 (n = 1415) p* ORa (95%

IC)

Internamento em UCIN 85 (6%) 50 (3,5%) 0,008 1,7 (1,2-2,5)

TTRN/gemido/SDR 34 (2%) 14 (1%) 0,004 2,8 (1,4-5,5)

Necessidade de oxigênio 18 (1%) 21 (2%) ns

Necessidade de ventilação 7 (0,5%) 7 (0,5%) ns

Hipoglicemia 29 (2%) 23 (2%) ns

Dificuldades alimentares 102 (7%) 64 (4,5%) 0,011 1,6 (1,1-2,3)

Hiperbilirrubinemia 214 (15%) 79 (6%) <0,001 2,8 (2,1-3,7)

Sepsis 4 (0,3%) 6 (0,4%) ns

Lesão do plexo braquial 3 (0,2%) 3 (0,2%) ns

Apneia 4 (0,3%) 4 (0,3%) ns

Convulsões 3 (0,2%) 3 (0,2%) ns

Encefalopatia hipóxico-isquêmica 3 (0,2%) 2 (0,1%) ns

Reinternamento 15 (1%) 15 (1%) ns

Óbito 1 (0,1%) 4 (0,3%) ns

Duração da internamento (dias) – média±DP

3,1±1,4 2,8±1,1 <0,001†

Internamento ³5 dias 133 (9%) 45 (3%) <0,001 2,8 (1,9-4,2)

Aleitamento materno exclusivo na alta 1270 (90%) 1243 (88%) ns

Nas cesarianas eletivas este problema agrava-se devido ao fato dos RN serem privados aos fenómenos hormonais e fisiológicos que ocorrem durante o trabalho de parto, que permitem uma adaptação pulmonar mediada pela libertação de catecolaminas que estimula a re-absorção do líquido pulmonar fetal, diminui a sua secreção e aumenta a produção de surfactante. A hiperbilirrubinémia nos RNPT-T foi mais frequente provavelmente de-vido a uma maior imaturidade da função hepática com diminuição da conjugação e eliminação da bilirrubina e às dificuldades alimentares que

este grupo de RN apresentou. Deve ser tido em conta também que os critérios para fototerapia utilizados para as 37 semanas são mais baixos. Isto deve ao fato do maior risco de neurotoxicidade e encefalopatia nesta idade gestacional devido à maior permeabilidade da barreira hemato--encefálica e menor eficácia dos mecanismos de proteção neuronal. Apesar de a menor idade gestacional estar associada a menor taxa de aleitamento materno exclusivo, devido a fatores como reflexos oromo-tores ainda pouco desenvolvidos e a menores períodos de vigília em relação aos RNT, isso não foi evidente neste estudo36.

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Todas as morbilidades referidas repercutiram-se de forma importante, na maior duração do internamento desses RN o que acarreta um au-mento custos e de recursos necessários para o cuidado destes RN. Esse facto causa impacto na organização dos cuidados perinatais, sobretudo quando há elevada prevalência de nascimentos de RNT-P.O aumento da IG associa-se como no nosso estudo a maior peso de nascimento e daí macrossomia, e consequentemente maior risco de traumatismo de parto como lesão do plexo braquial ou encefalopatia hipóxico-isquémica, neste trabalho não se verificou ocorrência de ne-nhuma destas complicações nos RNT.Nas IG entre as 370/7 e as 386/7 semanas completas de gestação o maior risco de complicações deve ser cada vez mais valorizado e tido em conta na prática clínica. O parto dos gémeos ocorreu sempre antes das 39 semanas, de acor-do com as recentes diretrizes devido ao maior risco de morte fetal37.

Das limitações deste estudo salientamos o ser um estudo retrospetivo, ser apenas de um centro e não termos avaliado as intercorrências maternas.Gostaríamos de salientar que a idade gestacional ideal para nascer é aquela que tem os melhores desenlaces para a mãe e para o RN, e não é necessariamente a mesma para todos, devendo ser avaliados vários fatores antes de induzir um parto antes das 39 semanas de gestação, excepto por condições maternas, placentárias ou fetais que indiquem que a continuação da gravidez acarreta um maior risco para o feto e/ou a mãe.

Publicação préviaEstudo apresentado no 17º Congresso Nacional de Pediatria de Portugal, em no-vembro de 2016. O resumo foi publicado no suplemento da Acta Pediátrica Portu-guesa dedicado aos anais do congresso: Acta Pediátrica Portuguesa, volume 47, Supl (2016), disponível em http://actapediatrica.spp.pt/article/view/10241/7402

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1 Serviço de Pediatria, Unidade de Vila Real, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro 2 Emergência Médica, Instituto Nacional de Emergência MédicaCorrespondência: Ana Lopes Dias - [email protected]

Ana Lopes Dias1,2, Juan Calviño1,2

Emergência pediátrica pré-hospitalar – a perspetiva dos intervenientes

Prehospital pediatric emergency – the professionals’ view

Resumo Introdução: Os serviços de emergência médica pré-hospitalar lidam com níveis elevados de ansiedade perante uma criança gravemente doente. Pretendeu-se identificar as dificuldades sentidas pelos profis-sionais no meio pré-hospitalar e avaliar a necessidade de educação e treino específicos.Métodos: Questionário divulgado para as 42 Viaturas Médicas de Emergência e Reanimação. Os profissionais foram caracterizados, a experiência em emergência pré-hospitalar pediátrica foi investigada, bem como os cenários clínicos encontrados e a necessidade de edu-cação complementar.Resultados: Foram obtidas 243 respostas, provenientes de 34 VMERs (57% médicos / 43% enfermeiros). A mediana do tempo de serviço na VMER foi de 6 anos. A última ativação para idade pediátrica tinha ocor-rido há menos de 6 meses em 67%, referindo uma taxa de ativação inferior a 5%. A ansiedade é maior nas vítimas pediátricas comparati-vamente às outras para 76% dos profissionais. A convulsão foi o motivo de ativação mais frequente (53%). As dificuldades mais frequentes fo-ram: interação com o cuidador, obtenção de acesso venoso e doses de fármacos. A fita de Broselow nunca ou raramente é usada por 66% da amostra. Os casos clínicos neonatais revelaram maiores dificuldades. Todos os profissionais consideram importante uma formação pediátrica periódica (81% sugerem uma ou duas vezes por ano). Discussão: O estudo confirma os elevados níveis de ansiedade na assistência a vítimas pediátricas e identifica as áreas com maiores dificuldades para uma futura intervenção através de formações peri-ódicas obrigatórias, que são desejáveis. Palavras-chave: serviços médicos de emergência, educação continuada.

AbstractIntroduction: Emergency medical services professionals deal with high anxiety levels, when facing critically ill pediatric patients. This study aims to identify the professionals’ difficulties in prehospital pediatric emergency and the need for specific education and training.Methods: A survey was released to all 42 Medical Emergency and Resuscitation Vehicles (VMER). The professionals were characterized, the pediatric prehospital emergency experience was inquired, as well as the clinical scenarios encountered and the need for further education. Results: Two hundred and forty-three answers were obtained, from 34 VMERs (57% doctors/43% nurses). The median working time at the prehospital emergency was 6 years. Seventy-seven percent had the last pediatric activation during the last 6 months and 67% referred a pediatric activation rate below 5%. More anxiety than on other scenarios was referred by 76%. Seizure was the most frequent emergency (53%). The most frequently mentioned difficulties were interaction with the childcare provider, obtaining peripheral venous access and drug dosage. Broselow tape was never or rarely used (66%). The neonatal scenarios showed the major difficulties. All the professionals considered important a periodic pediatric education – 81% suggested once or twice per year.Discussion: The study confirms the high levels of anxiety in the care of pediatric victims and identifies the most difficult areas for future intervention through mandatory periodic training, which is desirable.

Keywords: emergency medical services, education, continuing.

IntroduçãoEm Portugal, o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) coordena os meios necessários para a assistência a vítimas de acidente ou doença súbita. Os meios disponíveis para a assistência médica pré-hospitalar são vários, de entre os quais se destaca a Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) que foi concebida para o transporte rápido de uma equipa médica ao local onde se encontra a vítima, prestando cuidados de saúde, estabilizando e acompanhando durante o transporte o doente crítico. A VMER é tripulada por um enfermeiro e um médico, ambos com formação específica em emergência médica ministrada pelo INEM, nome-adamente em suporte avançado de vida, e dispõe de equipamento ade-quado. Atualmente encontram-se sediadas 44 VMERs, tendo duas delas iniciado funções recentemente (março e abril de 2016).1,2

A idade pediátrica distingue-se por muitas particularidades, criando con-dicionantes que não se relacionam exclusivamente com a doença em si mas também com características fisiológicas e psicossociais próprias. A

limitada formação dos profissionais intervenientes no meio pré-hospita-lar aliada à pequena percentagem de ativações para vítimas pediátricas, originam uma rápida deterioração de conhecimentos e falta de confian-ça.3,4 Os estudos indicam que a não utilização de competências de forma frequente deixa os profissionais receosos na realização de intervenções críticas em doentes pediátricos, o que poderá traduzir-se num agrava-mento da qualidade dos cuidados prestados.5 O trabalho teve como objetivos conhecer as dificuldades sentidas na emergência pediátrica pré-hospitalar e inquirir sobre a necessidade de formação nesta área particular.

MétodosFoi efetuado um estudo prospetivo, transversal e descritivo, numa amostra por bola de neve. Entre fevereiro e abril de 2016 foi divulgado um questionário on-line, através do aplicativo Google Drive®, para os

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enfermeiros e/ou médicos responsáveis em cada uma das 42 VMERs do país (14 do norte, 10 do centro e 18 do sul). As variáveis questionadas inicialmente visaram caracterizar os profissio-nais e a sua atividade laboral: género, idade, função praticada na VMER (médico/enfermeiro), tempo de serviço na VMER, tempo médio mensal de atividade na VMER e identificação da VMER em que exerciam ativi-dade. Se médico foi questionada a categoria profissional (médico inter-no/especialista), qual a especialidade a que pertenciam e se a atividade médica diária decorria numa unidade de cuidados intensivos. Na cate-goria profissional enfermeiro foi questionada a existência de especiali-dade/pós-graduação e o local onde diariamente exerce a sua atividade (serviço de urgência, enfermaria médica, enfermaria cirúrgica, consulta externa, bloco operatório, unidade de cuidados intensivos ou outro). De seguida era questionada a percentagem de ativação para idade pediátrica na VMER a que pertencia, o tempo decorrido desde a última ativação para uma vítima desta faixa etária, qual o motivo mais fre-quente de ativação (emergência respiratória, emergência cardiovascu-lar, convulsão, intoxicação, hipoglicémia, paragem cardiorrespiratória, trauma, reanimação neonatal ou outra, especificando) e a caracteri-zação do nível de ansiedade sentido perante a ativação para uma ví-tima pediátrica (mais ansioso/a que nas outras ativações, igualmente ansioso/a tal como nas outras ativações, sem ansiedade). Foi inquirida a forma como os profissionais se preparam a caminho do local, incluindo a identificação do contacto utilizado preferencialmente pe-rante uma dúvida na assistência a prestar à vítima (Centro de Orientação de Doentes Urgentes, profissional de saúde na área de pediatria, o serviço de pediatria do hospital) e a frequência de utilização da fita de Broselow.Foram analisados os fatores que poderão dificultar a atuação, com gra-duação da dificuldade sentida (1 – sem dificuldade; 5 – muita dificuldade): interação com a vítima, diferenças anatomo-fisiológicas quando compa-radas com o adulto, sinais vitais difíceis de obter e com padrão que varia com a idade, reação do cuidador com medo e ansioso, identificar sinais de dor, avaliação inicial da vítima pelo triângulo de avaliação pediátrico, equipamento pediátrico necessário, abordagem da via aérea, obtenção de acesso venoso e preparação/cálculo de doses de fármacos a administrar. Foi avaliada a dificuldade perante 10 casos clínicos, com graduação da di-ficuldade sentida (1 – sem dificuldade; 5 – muita dificuldade). Estes foram criados pelos autores, abrangendo quer as 4 áreas fundamentais (reani-mação neonatal, emergência médica, emergência em trauma e paragem cardiorrespiratória), quer tendo em conta diversas idades.

Foi inquirido o interesse numa formação/reunião periódica na área de pediatria, qual a periodicidade desejável, o formato da mesma (ce-nários clínicos com simulação na delegação INEM, cenários clínicos com simulação no hospital, casos clínicos interativos on-line e brochu-ras/imprensa escrita) e se o serviço de pediatria do hospital estaria interessado na formação dos profissionais da VMER. Foi igualmente questionada a existência de sessões de formação interna na VMER a que pertenciam, se estas abrangiam temas pediátricos e se conside-ravam importante /útil a realização de sessões de formação interna e de reuniões inter-VMERs. A análise estatística foi efetuada com recurso ao software SPSS 20® e teste de Mann-Whitney com um nível de significância de 0,05. O estudo foi aprovado pelo Conselho de Direção do Instituto Nacional de Emergência Médica.

ResultadosObtiveram-se 243 questionários, provenientes de 34 VMERs (14 do norte, 6 do centro e 14 do sul do país). A maioria dos questionários foi respondida por profissionais do sexo masculino (55%) e realizada por médicos (57%). Os enfermeiros apresentaram uma mediana de idade, tempo de serviço e número de horas mensais na VMER superior às dos médicos. A caracterização demográfica e profissional dos partici-pantes encontra-se descrita na tabela 1. O tempo decorrido desde a última ativação para idade pediátrica foi infe-rior a seis meses para 186 (77%) dos inquiridos, sendo inferior a um mês para 75 (31%), referindo163 (67%) uma taxa de ativação inferior a 5%. Os motivos de ativação mais frequentes foram convulsão (53%), emergências respiratórias (23%) e trauma (14%). Comparativamente a outros cenários, 185 (76%) afirmaram apresentar um nível superior de ansiedade. Cento e oitenta e dois (75%) profissionais referiram pre-pararem-se a caminho do local, na maioria ou em todas as ativações. A fita de Broselow nunca ou raramente foi utilizada por 160 (66%) dos médicos/enfermeiros. Quando surgem dúvidas quanto à atitude a ado-tar numa ativação pediátrica, 108 (44%) solicitam esclarecimento ao CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) e 40 (16%) con-tactam o serviço de Pediatria do hospital. Para os médicos, os fatores que mais dificultam a assistência à vítima pediátrica são a reação do cuidador e a obtenção de acesso venoso (tabela 2). A preparação/cálculo de doses de fármacos foi o fator com maior dificuldade para os enfermeiros.

Tabela 1 • Caracterização demográfica e profissional dos enfermeiros e médicos.

Médico (n=139) Enfermeiro (n = 104) Valor rMasculino, n (%) 71 (51,1) 63 (60,6) 0,142Idade, anos, mediana (IIQ) 33 (30-39) 40 (34-44) <0,001

Carreira profissional, n (%)

Internos 61 (43,9)Anestesiologia 44 (31,7)Medicina Interna 36 (25,9)Cirurgia 19 (13,7)Pediatria 1 (0,7) Cardiologia Pediátrica 1 (0,7)

Especialidade/pós-graduação 44 (42,4)- Médico-cirúrgica 25 (56,8)- Doente crítico 6 (13,6)- Pediatria e saúde infantil 3 (2,9)

Atividade clínica diária, n (%) UCI 10 (7,2) UCI 10 (9,6)SU 60 (57,7)

Tempo de serviço na VMER, anos, mediana (IIQ) 4 (2-8) 10 (5-12) <0,001Nº de horas mensais na VMER, horas, mediana (IIQ) 40 (24-50) 48 (40-50) <0,001

IIR – Intervalo interquartil; UCI – Unidade de Cuidados Intensivos; SU – Serviço de Urgência

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De forma livre foram apontadas outras dificuldades: pouco rigor na in-formação fornecida no momento da ativação; o contexto da ocorrência, envolvendo mais do que um cuidador/familiar, por exemplo; maior ansie-dade quanto menores as capacidades dos outros elementos envolvidos na assistência; falta de pediatras na emergência pré-hospitalar; com-ponente emocional pessoal, com associação inconsciente aos próprios filhos e dificuldade em ver uma criança doente; falta de experiência em pediatria; dificuldade na decisão do melhor local para onde encaminhar a vítima, especialmente em distâncias mais longas; vítimas com doen-ças crónicas (por exemplo patologia cardíaca) ou doenças metabólicas; e tomar a decisão de investir/intervir ou não. Foi assumido por parte de alguns profissionais a utilização de aplicações para smartphone que au-xiliam nos cálculos de doses de fármacos e tamanhos de equipamentos. Os médicos internos reconheceram dificuldades acrescidas compara-tivamente aos médicos especialista no que diz respeito às diferenças anatomo-fisiológicas (r = 0,011), sinais vitais (r= 0,001), preparação/cálculo de doses (r=0,03) e obtenção de acesso venoso (r=0,047). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre as duas categorias profissionais e os casos clínicos.

Os cenários clínicos constituídos por vítimas recém-nascidas foram os que revelaram maior grau de dificuldade quer para enfermeiros quer para médicos (tabela 3). Por outro lado, as situações clínicas compre-endendo vítimas adolescentes registaram um menor grau de dificulda-de para ambos os profissionais.Todos os profissionais consideraram importante uma formação perió-dica em pediatria, sendo que 197 (81%) sugeriram que ocorresse uma a duas vezes por ano. O método de simulação de cenários clínicos em cada hospital foi o tipo de formação mais escolhido (Fig. 1). Dois par-ticipantes referiram que deveria ser obrigatório a realização do curso de Suporte Avançado de Vida Pediátrico de forma periódica. Quando inquiridos sobre se o serviço de Pediatria do respetivo hospital estaria disposto a participar na formação dos profissionais da VMER, se para tal fosse solicitado, 63% não sabe responder.Apuraram-se 27 VMERs com formação interna, sendo que em 22 já foram abordados temas pediátricos nas sessões de formação. Rela-tivamente às formações internas/reuniões inter-VMERs, 234 (96%) participantes referem que estas são importantes. Discussão

Tabela 2 • Dificuldades sentidas na assistência a vítimas pediátricas.

Fatores(1 – sem dificuldade; 5 – muita dificuldade), mediana Ge

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Enfer

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Médic

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Valor

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NR

Interação com a vítima 2 2 2 0,137 2Diferenças anatomo-patológicas quando comparado com adulto 2 2 2 0,749 2Sinais vitais difíceis de obter e com padrão que varia de acordo com a idade 2 2 2 0,354 4

Reação do cuidador (com medo e ansioso) 3 2 3 0,015 4Identificar sinais de dor 2 2 2 0,527 6Avaliação inicial (triângulo de avaliação pediátrico) 2 2 2 0,124 11Equipamento pediátrico necessário 2 2 2 0,055 1Abordagem da via aérea 2 2 2 0,293 6Preparação/cálculo das doses dos fármacos 3 3 2 0,180 1Obter acesso venoso 3 2 3 <0,001 17

NR – não responderam

Figura 1 • Tipo de formação desejada

Os enfermeiros e médicos das VMERs têm que estar preparados para atuarem em diversas situações clíni-cas: emergências médicas, trauma, emergências pe-diátricas e obstétricas. Na emergência pré-hospitalar, as dificuldades6,7 e a maior ansiedade8 na abordagem de vítimas em idade pediátrica são frequentes. Em Portugal, este é o primeiro trabalho que identifica as áreas com as maiores dificuldades sentidas pelos médicos e enfermeiros na emergência pediátrica pré--hospitalar: reação do cuidador, preparação / cálculo de fármacos a administrar, obtenção de acesso veno-so e reanimação neonatal. Os resultados obtidos são semelhantes aos encontrados na literatura. 7,9

Em Portugal, a distribuição entre géneros é mais equitativa do que noutros países.6,9 A idade mediana dos médicos é inferior comparativamente à dos en-fermeiros visto que 43,9% são médicos internos, in-fluenciando igualmente o tempo de serviço na VMER. Relativamente à formação profissional, as especialidades de anestesiologia, medicina

interna e cirurgia são as mais frequentes. 9

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Tabela 3 • Dificuldade sentida em diversas situações clínicas.

Casos clínicos(1 – sem dificuldade; 5 – muita dificuldade), mediana Ge

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Enfe

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eiro

Médi

co

Valo

r r

NR

Criança de 16 meses muito sonolenta, que reage à dor. Mãe refere diarreia e vómitos nos últimos 2 dias. FR 50 cpm, sem esforço respi-ratório, oximetria em ar ambiente difícil de captar, quando consegue mostra 96%. FC 180 bpm, PA sistólica 60 mmHg, pulsos centrais diminuídos, extremidades frias, TPC 5 segundos.

2 2 2 0,906 3

Recém-nascido de 36 semanas, sem mecónico, que não chora, com respiração irregular, hipotónico e cianótico. 4 4 4 0,433 2

Criança de 8 anos encontrado inconsciente no seu quarto, onde se encontrava há muito tempo. Pais contam história compatível com in-toxicação por monóxido de carbono. Ao exame objetivo encontra-se cianosado, em gasping, sem outros sinais de vida. A monitorização cardíaca mostra ritmo compatível com atividade elétrica sem pulso.

3 3 3 0,426 2

Criança de 6 anos que caiu das escadas, notando-se um hematoma parietal direito. Responde à dor, respiração lenta e irregular, oxime-tria em ar ambiente de 80%, FC 70 bpm, PA sistólica 85 mmHg, TPC 3 segundos. Pupilas 3 mm bilateralmente, reativas.

3 3 3 0,338 3

Recém-nascido prematuro de 33 semanas, sem mecónico, que não chora nem respira, bradicárdico (<100/min), sem tónus, pálido e cianosado.

4 4 4 0,243 2

Adolescente de 16 anos, refere mal-estar após a ingestão de rissol de camarão. De seguida surge urticária generalizada, edema labial, dor abdominal, diarreia e respiração ruidosa. FR 30 cpm, estridor, esforço respiratório moderado, oximetria em ar ambiente de 90%. FC 115 bpm, PA 85/40 mmHg, pulsos distais fracos, pulsos centrais presentes, extremidades quentes, TPC 1 segundo. Antecedentes pessoais de asma.

1 1 1 0,564 5

Adolescente de 13 anos, vítima de queda de terceiro andar (10 metros). Consciente, queixas álgicas referidas ao membro inferior esquerdo, região lombar e ambos os braços. FR 44 cpm, oximetria em ar ambiente de 90%, sons respiratórios diminuídos na base pulmonar esquerda. FC 150 bpm, PA 80/40 mmHg, TPC 4 segundos, extremidades frias.

2 2 2 0,213 4

Recém-nascido de 39 semanas, com mecónio, que não chora nem respira, FC 80/min, hipotónico e cianosado. 4 4 4 0,225 2

Pequeno lactente de 6 semanas, irritado, com tosse e que não se alimenta há 3 dias. Encontra-se pálido, marmoreado e hipotónico. FR 80 cpm, dificuldade respiratória grave, oximetria em ar ambiente de 70%. FC 180 bpm, TPC 4 segundos, extremidades frias.

3 3 3 0,870 2

Criança de 2 anos e 3 meses, que viajava na parte de trás do carro, vítima projeção (20 metros) na sequência de acidente de viação. Encontra-se em decúbito ventral, sem movimentos espontâneos. FR 10 cpm, tiragem, cianose, oximetria em ar ambiente de 70%. FC 180 bpm, PA sistólica 60 mmHg, extremidades frias, TPC 5 segundos, pulsos periféricos não palpáveis, pulsos centrais presentes, sem hemorragia externa visível. Responde apenas à dor, pupilas simétri-cas e reativas.

3 3 4 0,393 2

FC – frequência cardíaca; FR – frequência respiratória; NR – não responderam; TPC – tempo de perfusão capilar.

Cerca de 2/3 referiu uma percentagem de ativação <5% para vítimas em idade pediátrica. Os dados nacionais disponíveis apontam para uma taxa compreendida entre 5 e 6% de todas as ativações.10,11 Os motivos de ativação mais frequentes são concordantes. 10,11

As doses dos fármacos, o tamanho dos equipamentos e o volume cor-reto de fluidos são essenciais para um bom tratamento das crianças e adolescentes. Noutros estudos verificou-se que a fita de Broselow é

amplamente usada para este fim.12,13 A fita de Broselow é um disposi-tivo, desdobrável, que estima o peso da criança tendo em conta a sua altura e que disponibiliza de imediato informação sobre as doses de fármacos. Nesta amostra, no entanto, 66% dos enfermeiros e médicos referem que nunca ou raramente a usam. Apesar de não ter sido in-quirido diretamente a utilização de aplicações para smartphone, a não utilização da fita de Broselow poderá ser justificada pela diversidade

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destas aplicações, que tanto calculam as doses dos fármacos a admi-nistrar como o tamanho de dispositivos médicos, como por exemplo o tubo endotraqueal. Em alternativa e no sentido de homogeneizar práticas, de facilitar e tornar mais rápida a assistência a vítima, seria útil que o aplicativo clínico ICARE® (Integrated Clinical Ambulance RE-cord) disponível em todas as VMERs, origina-se automaticamente um layout com os sinais vitais esperados, doses de fármacos e tamanho de equipamentos mais frequentemente utilizados, após a introdução da idade / peso da criança / adolescente.14 Outra dificuldade apontada foi a preparação/cálculo de doses de medi-cação. As crianças são particularmente vulneráveis aos erros de dose de fármacos, dado que estes são calculados tendo por base o seu peso. A nível da emergência pediátrica pré-hospitalar são frequentes os erros cometidos no cálculo das doses dos fármacos, com uma pre-valência de cerca de 30%.14,15 Em Portugal não existem dados disponí-veis relativamente a este problema.A diferença encontrada na dificuldade da obtenção de acesso veno-so entre médicos e enfermeiros poderá ser justificada pelo facto que, frequentemente e de forma generalizada, são aqueles últimos que a realizam habitualmente. Uma limitação do estudo é relativa ao tipo de amostra (por bola de neve), não sendo possível controlar o tamanho da mesma. O questio-nário devia ser divulgado entre os profissionais de cada VMER pelos colegas convidados para tal efeito, havendo inevitavelmente quebras nessa cadeia pela falta de interesse ou disponibilidade por parte de alguns dos seus elementos. Não foi possível a participação de oito VMERs no estudo, apesar das inúmeras tentativas de contacto. Outra limitação prende-se com o facto de não se terem diferenciado os profissionais que apenas exerciam a sua atividade na VMER daqueles que também a desempenhavam em outros locais, como no helitrans-porte ou no CODU, fatores que concomitantemente contribuem para uma experiência mais vasta em emergência pré-hospitalar.Os cuidados à criança gravemente doente têm início no âmbito pré--hospitalar mas continuam-se no serviço de pediatria do respetivo

hospital, sendo imperativa uma boa comunicação entre ambos. Desta forma, poderá ser desejável uma ligação entre VMER e serviço de Pediatria, por exemplo destacando profissionais vocacionados para essa articulação. Também poderá ser ponderada a existência de uma estreita relação entre o INEM e a Secção de Emergência e Urgência Pediátrica da Sociedade Portuguesa de Pediatria, de forma a não só difundir conhecimentos e técnicas atuais, através de formações perió-dicas, como também planificar projetos de investigação no âmbito da emergência pediátrica. De forma a suprimir as dúvidas relativas ao encaminhamento da ví-tima, principalmente em zonas geográficas em que o transporte até à unidade hospitalar é particularmente demorado, as reuniões inter--VMERs poderão ajudar a clarificar qual o hospital mais adequado para a continuação de cuidados.O reconhecimento das dificuldades na abordagem da vítima pediátrica permitirá otimizar formações futuras, consideradas importantes por to-dos e preferidas no formato de cenário clínico mediante teatralização em simulações organizadas nos hospitais ou virtuais através de casos interativos online, direcionadas aos temas identificados como mais complexos ou vulneráveis, visando melhorar a assistência às crianças e adolescentes gravemente doentes.

O que este estudo traz de novo- A análise dos médicos e enfermeiros relativamente à emergência pediátrica

pré-hospitalar.- Identifica as áreas em que são sentidas maiores dificuldades na abordagem

da vítima pediátrica, permitindo otimizar formações futuras.- A constatação do interesse dos profissionais das VMERs em participar em

formações periódicas na área da pediatria.

Agradecimentos: Os autores agradecem a todos os enfermeiros e médicos a parti-cipação demonstrada pela disponibilidade na realização do questionário.

Apresentação prévia: Trabalho apresentado como poster no «6th Congress of the European Academy of Paediatric Societies» (EAPS 2016), que decorreu de 21 a 25 de outubro de 2016 em Genebra, Suíça.

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1 Interna de Formação Específica de Pediatria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu E.P.E., Viseu 2 Enfermeira Especialista em Pediatria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu E.P.E., Viseu 3 Assistente de Pediatria, Centro Hospitalar Tondela-Viseu E.P.E., ViseuCorrespondência: Joana Verdelho Andrade - [email protected]

Joana Verdelho Andrade1, Clara Gomes1, Assunção Luís2, Gabriela Laranjo3, Joana Campos3

Controlo metabólico duma população pediátrica com diabetes mellitus tipo 1

Metabolic control of a pediatric population with type 1 diabetes mellitus

ResumoIntrodução e objetivos: A Diabetes Mellitus tipo 1 é a doença cróni-ca mais frequente na idade pediátrica, estando um mau controlo me-tabólico associado a numerosas consequências. Os objetivos foram determinar o impacto da idade e duração da doença nos valores de hemoglobina glicosilada de doentes pediátricos com diabetes mellitus tipo um e apreciar a relação entre hemoglobina glicosilada, dislipide-mia e microalbuminúria.Material e métodos: Estudo retrospetivo, observacional e transversal, com base nos dados dos processos de doentes acompanhados na consulta de diabetologia pediátrica dum Hospital nível II de Portugal. As variáveis estudadas foram género, idade, idade ao diagnóstico, controlo e complicações metabólicas. Definiu-se microalbuminúria como valores superiores a 30 mg em 24 horas e dislipidemia com valo-res de colesterol-lipoproteína de baixa densidade superior a 100 mg/dL (2,6 mmol/L) e/ou triglicerídeos superiores a 150 mg/dL (1,7 mmol/L).Resultados: Incluíram-se 104 doentes com diabetes mellitus tipo um (53% masculino). A hemoglobina glicosilada média no último ano foi 7,8% (47% abaixo de 7,5%). Constatou-se que a hemoglobina glico-silada média dos adolescentes e crianças era semelhante (7,8% vs. 7,9%). Os doentes com duração da doença superior a cinco anos apresentavam valores de hemoglobina glicosilada superiores (8% vs. 7,7%). Verificou-se que 13% destes doentes tinham microalbuminúria e 13% dislipidemia. Conclusão: Confirmou-se que doentes com doença mais prolongada têm valores médios de hemoglobina glicosilada superiores e que con-sequências de um mau controlo metabólico, como microalbuminúria e dislipidemia, podem ocorrer em idade pediátrica.Palavras-chave: Adolescente, Criança, Diabetes mellitus tipo 1, He-moglobina A glicosilada, Insulina.

AbstractIntroduction and aims: Type 1 diabetes mellitus is one of the most frequent chronic pediatric diseases. Poor metabolic control is associated with numerous and onerous consequences. We aimed to determine the impact of age and disease duration in the glycated hemoglobin of children and adolescents with type one diabetes mellitus, as well as appreciate the relationship between glycated hemoglobin/ dyslipidemia and glycated hemoglobin/microalbuminuria.Methods: We designed an observational, transversal, and retrospective analysis of the files of a pediatric population with type one diabetes mellitus followed in a pediatric diabetic consult in a Level II Hospital in Portugal. The studied variables were: gender, age, age at diagnosis, metabolic control and metabolic complications.Results: Our population consisted of 104 type one diabetes mellitus patients (53% male). The glycated hemoglobin mean value in the last year was 7,8% (less than 7,5% in 47%). We realized that adolescents’ glycated hemoglobin was lower than in children (7,8% vs. 7,9%). Patients with type 1 diabetes mellitus duration of disease higher than five years had greater glycated hemoglobin values (8% vs. 7,7%). 13% of patients had microalbuminuria and 13% had dyslipidemia.Conclusion: We confirmed that patients with longer diabetes duration had the highest glycated hemoglobin values. We also verified that the consequences of a poor metabolic control, like microalbuminuria and dyslipidemia, can occur even at pediatric age.

Keywords: Adolescent, Child; Diabetes Mellitus, Type 1; Hemoglobin A, Glycosylated, Insulin.

IntroduçãoDevido à prevalência e cronicidade da diabetes mellitus tipo um (DM1), esta doença tem um grande impacto socioeconómico a nível mundial.1

Desde o estudo Diabetes Control and Complications Trial 2, que se recomenda um tratamento intensivo para manter a Hemoglobina A1c (HbA1c) em valores próximos dos fisiológicos para evitar o apareci-mento de complicações. De forma a melhorar esse controlo metabó-lico, a prática clínica aumentou o número de avaliações de glicémias capilares e a administração de doses de insulina. A insulinoterapia funcional (com análogos de insulina ou sistemas de infusão subcu-tâneo contínua de insulina) veio melhorar o controlo metabólico e a qualidade de vida dos doentes. No entanto, está também descrita uma associação ao aumento ponderal, que leva por sua vez a um risco

aumentado de desenvolver hipertensão arterial, dislipidemia e doença cardiovascular precoce.3

Um bom controlo metabólico da DM1 depende da competência e mo-tivação do doente e da sua família. Para o alcançar, os diabéticos e familiares têm de entender a complexidade desta doença e como atuar em conformidade nas diversas situações.4

A HbA1c é a avaliação mais profícua para o controlo metabólico e a exclusiva a demonstrar uma correlação com as complicações vascula-res. O Diabetes Control and Complications Trial demonstrou que uma HbA1c superior a 7,5% está associada a uma aumento significativo do risco de complicações. 4,5 A International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes define como 7,5% a HbA1c alvo.6

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Este estudo teve como objetivos determinar o impacto da idade e du-ração da doença nos valores de HbA1c de crianças e adolescentes com DM1, bem como apreciar a relação entre HbA1c e dislipidemia e microalbuminúria.

Material e métodosAmostra ou a população em estudoIncluíram-se os doentes com DM1 com idade inferior a 19 anos. Foram excluídos os doentes com processos com dados incompletos, com diagnóstico meramente clínico de DM1, DM1 secundária ou DM2, com diagnóstico há menos de um ano ou com doença sistémica associada que possa afetar os níveis lipídicos.

Localização do estudo no tempo e no espaço e métodos de reco-lha de dadosOs dados foram recolhidos no período entre janeiro e abril de 2014 através da consulta dos processos dos doentes seguidos em consulta de diabetologia pediátrica dum Hospital nível II de Portugal.

Desenho do estudoRealizou-se um estudo retrospetivo, transversal, descritivo e analítico. As variáveis demográficas estudadas foram género, idade atual, e as variáveis relacionadas com a DM1 foram idade ao diagnóstico, tipo de insulinoterapia, controlo metabólico e complicações crónicas. Estudou--se a amostra segundo o grupo etário, de acordo com os grupos-alvo educacionais da International Society for Pediatric and Adolescent Dia-betes 6: inferior a um ano (lactentes), um a cinco anos (pré-escolares), seis a nove anos (escolares) e maiores de nove anos (adolescentes). Na avaliação do controlo metabólico, considerou-se a média dos valo-res de HbA1c no último ano. Considerou-se um valor ideal abaixo de 7,5%. A HbA1c foi avaliada através da colheita de sangue capilar no dia da consulta de forma trimestral, utilizando DCA2000®. As compli-cações crónicas foram avaliadas de acordo com as normas da Inter-national Society for Pediatric and Adolescent Diabetes 6. Para avaliar a lesão renal, foi considerado microalbuminúria a presença de 30 a 300 mg/24h, em duas ou mais amostras repetidas, num período de três a seis meses. A avaliação dos fatores de risco para doença macro-vascular foi efetuada com recurso ao índice de massa corporal, perfil lipídico e à medição da tensão arterial. Foi considerado obesidade, um índice de massa corporal superior ao percentil 97 nas curvas da Ordem Mundial de Saúde para a idade e género. Os limiares foram 100 mg/dL (2,6 mmol/L) para colesterol-lipoproteína de baixa densida-de e 150 mg/dL (1,7 mmol/L) para triglicerídeos. O colesterol-lipopro-teína de alta densidade deveria ser idealmente superior a 42 mg/dL (1,1 mmol/L). Foi considerado hipertensão arterial, valores de tensão arterial superior ao percentil 95 para a idade, estatura e género em três medições diferentes. 7

Métodos de análise dos dadosOs dados foram recolhidos e codificados numa matriz inserida numa aplicação informática Excel®, versão 2011 (Microsoft Corporation, EUA) para tratamento estatístico, realizado com recurso aos softwares SPSS®, versão 20 para Mac (SPSS, IL, EUA). O tratamento dos da-dos teve uma componente descritiva com distribuição de frequências,

bem como analítica. Foram utilizados os testes �2 para testar asso-�2 para testar asso-2 para testar asso-ciações entre variáveis. Para a tomada de decisão adotou-se o nível de significância de 95%.

Considerações éticasO estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde da ins-tituição.

ResultadosIncluíram-se 104 diabéticos sob esquema de múltiplas administra-ções de insulina, 53% do género masculino (n=55) e 47% (n=49) do género feminino com a seguinte distribuição temporal caraterizada na figura 1.

Figura 1 • Distribuição dos doentes com DM1 quanto ao ano do diagnóstico.

A idade média atual foi de 12,5 anos (±3,4) e mediana atual de 12,2 anos, com um mínimo de três anos e máximo de 17 anos. Relativa-mente à faixa etária, 3% (n=3) estavam em idade pré-escolar, 22% (n=23) em escolar e 75% na adolescência (n=78). A idade média e mediana do diagnóstico foi seis anos (±3,7), com um mínimo de oito meses e um máximo de 17 anos. Por faixa etária, 2% (n=2) foram diagnosticados em lactentes, 45% (n=47) no período pré-escolar, 29% (n=30) no período escolar e 24% (n=25) na adoles-cência (Figura 2).

Figura 2 • Distribuição dos doentes com DM1 quanto à idade ao diagnóstico.

A cetoacidose foi a forma de apresentação em 35% (n=36) dos casos (3% com idade inferior a um ano, 42% entre um e cinco anos, 33% entre seis e nove anos, 22% com mais de dez anos).Quanto à duração da doença, a média foi 5,6 anos (±4,0), com um mínimo de um mês e um máximo de 16 anos e 45% da amostra tinha entre um e cinco anos de duração de doença (Figura 3).

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Figura 3 • Distribuição dos doentes com DM1 quanto à duração da doença.

Confirmou-se a presença de dislipidémia em 13% (n=13) dos diabéti-cos, 8% com hipercolesterolémia isolada e 5% com hipertrigliceridé-mia concomitante (Tabela 1).Não foi detetado nenhum caso de retinopatia ou neuropatia periférica.A microalbuminúria foi identificada em 13% (n=14) dos doentes, todos eles com mais de três anos de diagnóstico (Tabela 1).

Tabela 1 • Caraterização da amostra com dislipidémia e microalbuminúria.

Disli

pidém

ia

Micro

album

inúria

Idade atual

1-5 anos6-9 anos

10-15 anos15-18 anos

1156

013

10

Duração da doença

1-5 anos5-10 anos

10-15 anos> 15 anos

3721

5522

IMC< percentil 85

percentil 85-97> percentil 97

850

950

HbA1c média 7,8% 7,7%

Microalbuminúria / Dislipidémia SimNão

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Na nossa amostra, 26 crianças e adolescentes tinham excesso de peso (25%) e seis eram obesos (6%). Dois doentes tinham hiperten-são arterial, ambos obesos, sem dislipidemia ou microalbuminúria e com HbA1c média de 8%.Constatou-se que 18% da amostra (n=19) tem tiroidite autoimune, 6% com hipotiroidismo, e 5% (n=5) doença celíaca. A média da HbA1c foi de 7,8% (±1,2), sendo que 47% tinham valo-res inferiores a 7,5%. Apresentavam valores entre 7,5 e 8%, 16% da amostra, entre 8 e 9%, 23% e valores superiores a 9%, 14% (Figura 4).

Figura 4 • Distribuição dos doentes com DM1 quanto à HbA1c.

Constatou-se que a HbA1c média dos adolescentes e crianças era semelhante (7,8% vs. 7,9%). No entanto, as crianças apresentavam mais frequentemente valores de HbA1c entre 8% e 9% enquanto os adolescentes melhor controlo metabólico (inferior a 7,5%) (p=0,03). Os doentes com DM1 com evolução superior a cinco anos apresenta-vam valores de HbA1c superiores aos diabéticos com duração inferior da doença (8% vs. 7,7%) (Figura 4) (p=0,1). Os diabéticos com mais de dez anos de doença apresentavam pior controlo metabólico (p=0,02).Não se encontraram diferenças entre os géneros relativamente ao controlo metabólico (p=0,3). Para além disso, os que evidenciavam microalbuminúria não tinham valores superiores de HbA1c (7,7% vs. 7,8%) (p=0,8) e os valores não eram significativamente diferentes entre os que tinham ou não disli-pidemia (7,8% e 7,8%) (p=0,5). Os diabéticos com excesso de peso ou obesidade não apresentavam pior controlo metabólico (7,8% vs. 7,8%) (p=0,6).

Discussão e conclusõesNa nossa consulta, na altura da colheita dos dados, eram acompa-nhados 104 diabéticos, tendo se verificado um maior número de diag-nósticos na faixa etária entre um e cinco anos de idade. O número de casos diagnosticados antes do ano de idade foi baixo, o que está de acordo com os resultados publicados,8 bem como a cetoacidose como apresentação clínica mais frequente no grupo entre um e cinco anos.1

Constatámos que houve um aumento do número de diabéticos ao lon-go do período do estudo, sendo que outros países relataram recente-mente uma taxa de incidência estável ou mesmo em declínio.9-11 Esta heterogeneidade geográfica na incidência da DM1 tem sido atribuída a fatores como a variabilidade genética e estímulos ambientais de autoi-munidade contra células beta-pancreáticas.12

O objetivo fundamental do tratamento da DM1 é obter um controlo metabólico adequado, de forma a adiar o desenvolvimento de com-plicações crónicas. De acordo, com as orientações da International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes, 47% da nossa amostra apresentava um controlo metabólico ótimo e 63% apresentava valores até 8%, valores estes melhorados em relação a estudo anterior.13 No presente estudo, constatámos que os doentes que apresentavam doença há mais de dez anos, apresentavam valores mais elevados de HbA1c. Nestes doentes, há que motivar e reforçar as atitudes de forma a minorar o desinvestimento pela doença.14,15,16

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inclusivamente que doentes com doença inferior a cinco anos podem ter microalbuminuria persistente, sendo que até um quarto destes esta aparece nos primeiros dois anos de doença, o que está de acordo com os dados apresentados.18 A relação de dislipidemia e nefropatia diabé-tica foi demonstrada no estudo de Diabetes Control and Complications Trial e Epidemiology of Diabetes Interventions and Complications 19,20, demonstrando que um aumento do colesterol levava à formação de produtos finais de glicosilação avançada, que por sua vez se relacio-navam com doença renal diabética.21 No nosso estudo, cinco doentes apresentavam dislipidemia e microalbuminuria.O nosso trabalho tem algumas particularidades, nomeadamente estar restrito a uma consulta hospitalar, e por esse motivo não ser repre-sentativo e não ser possível inferir estes resultados para outras po-pulações. Em estudos futuros seria interessante determinar outros fatores que influenciam o controlo metabólico, avaliar o impacto da implementação das estratégias de tratamento e motivação de forma a melhorar o con-trolo metabólico e minorar as complicações a longo prazo.Em conclusão, constatou-se que as crianças e adolescentes seguidas na consulta de diabetologia pediátrica apresentam valores de HbA1c muito próximos e até melhores dos obtidos em estudos nacionais e internacionais. Confirmou-se que os doentes com doença mais pro-longada têm valores médios de HbA1c superiores e que as conse-quências de um mau controlo metabólico, como microalbuminúria e dislipidemia, podem ocorrer mesmo em idade pediátrica.

Trabalho apresentado no 53rd Annual Meeting for the European Society for Paediatric Endocrinology, que decorreu de 18 a 20 de setembro de 2014, em Dublin.

No entanto, por outro lado e ao contrário de diversos estudos, os ado-lescentes não estavam pior controlados que as crianças.14,15,16 A HbA1c média dos adolescentes foi 7,8%. Nesta mesma população de adoles-centes, foi aplicado um questionário Diabetes Quality of Life, e a maioria teve uma pontuação considerada como indicadora de uma qualidade de vida satisfatória, revelando a adequada adaptação destes jovens à doença e às mudanças biopsicosociais próprias da adolescência.17

Figura 5 • Diferenças entre as médias de HbA1c de acordo com o tempo de evolução da doença.

Um mau controlo metabólico é potenciador de lesão de órgão alvo, provocando a longo prazo retinopatia, nefropatia e neuropatia.6 A ne-fropatia diabética é a comorbilidade que aparece mais precocemente e é uma das principais causas de doença renal crónica, sendo a micro-albuminúria um indicador precoce.18 Na nossa amostra, 13% apresen-tava microalbuminúria e dislipidemia, mas não apresentava um pior controlo metabólico. Outros estudos apresentaram valores superiores tanto de microalbuminuria como de dislipidemia e conseguiram relacio-nar a presença de microalbuminuria com um pior controlo metabólico, dislipidemia, hipertensão e duração de doença superior. Descreveram

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Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, EPECorrespondência: [email protected]

Catarina Lacerda, Carolina Prelhaz, Inês Ganhão, Mafalda Matias, Margarida Rafael, Joana Extreia, Susana Correia, Diana Pignatelli

Utilização dos recursos de saúde e saúde infantil: o impacto da formação

The use of health resources and child health: the impact of training

ResumoIntrodução e objetivos: A recorrência injustificada de recém-nascidos ao Serviço de Urgência constitui um problema relevante. Os objetivos deste trabalho são avaliar os conhecimentos das puérperas acerca de puericultura, vigilância e promoção de saúde infantil e o impacto da formação realizada. Metodologia: Estudo prospetivo realizado entre 1 de julho e 31 de dezembro 2016 através da aplicação de questionários às puérperas internadas na maternidade. Criação de 2 grupos: grupo de estudo – alvo de formação nas áreas de cuidados ao RN e lactente e saúde e vigilância infantil – e grupo controlo. Levantamento da utilização dos recursos de saúde em ambos. Análise estatística através do SPSS®.Resultados: Amostra: 312 puérperas. Grupo estudo (n=160): idade materna mediana 29 anos, 36.9% primíparas, 73.2% completaram o ensino secundário e 31.9% frequentou aulas de preparação pré-parto. Grupo controlo (n=152): idade materna mediana 31 anos, 42.8% pri-míparas, 67.1% completaram o ensino secundário e 46.7% frequentou aulas de preparação pré-parto. As mães revelaram maior conhecimen-to na área da alimentação e menor na Síndroma da Morte Súbita do Lactente. Dois terços das puérperas reconheceram os principais si-nais de alarme e 96.2% gostaria de receber ações de formação. No período neonatal 17.9% dos RN recorreu ao SU. Destes RN, 20% ficaram internados (causa mais frequente icterícia). Na faixa etária 1-3 meses, 24.4% recorreram ao SU, tendo 11.9% necessitado de inter-namento e entre 3-6 meses, 19.6% recorreram ao SU tendo a taxa de internamento sido 4.3%.Discussão: A formação em saúde infantil é essencial e a criação de programas de formação aos pais nas maternidades revela-se promis-sora.Palavras-chave: cuidados, formação, lactente, recém-nascido, saúde infantil, serviço de urgência.

Abstract Introduction and aim: Increased attendance to the emergency department is problematic, especially in newborns. The aims of this study are to evaluate the knowledge of puerperal women in health care and child surveillance and the impact of training.Methods: Prospective study conducted between the 1st july and the 31th december, 2016 through the application of questionnaires to puerperal women of our maternity. Creation of 2 groups: target group with training in the areas of newborn care, health and child surveillance – and control group. Evaluation of the health resources used by both groups. Statistical analysis through SPSS®.Results: Sample composed of 312 puerperae. Target group (n=160): median maternal age of 29 years, 36.9% primiparous, 73.2% with high school and 31.9% attended prenatal classes. Control group (n=152): median maternal age of 31 years, 42.8% primiparous, 67.1% with high school and 46.7% attended prenatal classes. The area with the best score was nutrition and with the worst was sudden infant death syndrome. Two thirds of the puerperae recognized the major alarm signs and 96.2% would like to have training sessions. Within the neonatal period, 17.9% newborns were attended at the ED. Of those, 20% were hospitalized (main cause was jaundice). In the age group 1-3 months, 24.4% were attended in at the ED and 11.9% needing hospitalization. From those between 3-6 months, 19.6% went to the ED, and the hospital admission rate was 4.3%.Discussion: Training in child health is essential and the creation of parent training programs at maternities is promising in education for health.

Keywords: child health, emergency department, infant, newborn care, training.

IntroduçãoNos últimos anos tem-se verificado uma afluência crescente da po-pulação pediátrica aos serviços de urgência (SU) nos países desen-volvidos¹. Os recém-nascidos (RN) e pequenos lactentes constituem um número considerável destas admissões e, na grande maioria das vezes, recorrem ao SU por situações não urgentes, benignas e ques-tões de puericultura2. A puericultura reúne noções e técnicas suscetíveis de favorecer o de-senvolvimento físico e psíquico das crianças, desde a gestação até à puberdade. No passado era essencialmente aprendida em família e transmitida de geração em geração. Atualmente, a puericultura é

cada vez mais apoiada em evidência científica pelo que os serviços que prestam cuidados a grávidas e RN têm um papel fundamental na formação dos pais nas suas diversas áreas com vista à promoção da saúde³.Os primeiros meses de vida, em especial o período neonatal, é ca-é ca- ca-racterizado por grande vulnerabilidade, fragilidade, imaturidade e sin-tomatologia inespecífica. A maior suscetibilidade deste grupo etário à patologia infeciosa constitui um risco importante para a saúde individu-al do RN e pequeno lactente que recorre ao SU4.

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UTILIZAÇÃO DOS RECURSOS DE SAÚDE E SAÚDE INFANTIL: O IMPACTO DA FORMAÇÃO

Estão descritos na literatura alguns fatores que podem ser aponta-dos como precipitantes na utilização do SU neste grupo etário: menor idade materna, menor escolaridade, primiparidade, não frequência de aulas de preparação para o parto, altas precoces da maternidade e famílias monoparentais². A ansiedade parental, falta de apoio familiar, educacional e sociocultural também podem ser responsáveis por este aumento desnecessário das recorrências ao SU. Com este estudo, os autores pretendem avaliar os conhecimentos das puérperas acerca dos cuidados a prestar ao RN e lactente e realizar formação ao grupo de intervenção sobre este tema melhorando os cuidados prestados através da promoção da saúde e vigilância ade-quada. Pretendem igualmente avaliar o impacto da formação realizada e reduzir o número de recorrências ao SU no período neonatal e nos primeiros meses de vida.

Material e métodosFoi realizado um estudo prospetivo analítico no período compreendido entre 1 julho e 31 dezembro 2016 num Hospital de tipologia B1.Foi aplicado um questionário intitulado «Cuidados ao recém-nascido e lactente» a todas as puérperas internadas no período de estudo na ma-ternidade. Este questionário, para além de dados sociodemográficos, era constituído por trinta e oito perguntas, com resposta «sim» /«não» /«não sei» acerca dos seguintes temas: higiene (ex: banho, limpeza dos olhos, ouvidos, umbigo, muda da fralda), alimentação (ex: horário, amamentação, uso de chupeta, número micções), síndroma da morte súbita do lactente (ex: posição de dormir, onde dormir e características da cama, como fazer a cama, fumo do tabaco), transporte, promoção da saúde / vigilância infantil (ex: lavagem das mãos, febre, consultas, vacinas) e reconhecimento de sinais de alarme.A amostra, de conveniência, foi composta por dois grupos: um grupo de estudo ao qual foi efetuada intervenção nas áreas dos cuidados ao RN e lactente, saúde e vigilância infantil através da entrega de folhe-to informativo (sobre os temas: higiene, alimentação, prevenção da síndroma da morte súbita, transporte, promoção da saúde e sinais de alarme) e um grupo controlo. Como critérios de exclusão foram definidos: recusa em participar, au-sência de assinatura do consentimento informado, questionários in-completos e falta de conhecimento da língua portuguesa.Realizado o levantamento da utilização dos recursos de saúde (re-corrência ao SU do hospital em questão) em ambos os grupos nos primeiros 6 meses de vida. A colheita dos dados foi feita através do questionário «Cuidados ao recém-nascido e lactente» e consulta do processo clínico eletrónico da puérpera e do RN.O tratamento dos dados foi realizado com recurso aos programas in-formáticos Microsoft Excel 2007® e SPSS® (Statistical Package for Social Sciences), versão 24.0 para Windows (SPSS Inc. Chicago). Foi realizada uma análise descritiva e comparativa dos dados com signi-ficância estatística para p <0,05. Para o presente estudo foi pedido o consentimento informado a todas as puérperas envolvidas e obtido parecer favorável da Comissão de Ética da instituição, o qual foi re-alizado, de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

ResultadosNo período de estudo, estiveram internadas na maternidade do hospi-tal 700 puérperas. Destas, 312 foram incluídas no estudo tendo sido divididas em dois grupos: 160 no grupo de estudo (alvo de interven-ção) e 152 no grupo controlo. A estatística sociodemográfica da amostra, separada em grupo de es-tudo e grupo controlo, encontra-se explicitada na tabela 1.

Grupo estudo(n = 160)

Grupo controlo(n = 152)

Idade mãe (anos; mediana;(min-max.) 29 (14-41) 31 (15-42)Idade pai (anos; mediana;(min-max.)) 33 (15-52) 33 (17-57)Nacionalidade mãe

Portuguesa 88.8% (142) 84.9% (129)Africana 5.6% (9) 11.8% (18)Brasileira 1.9% (3) 1.3% (2)Outra 3.7% (6) 2.0% (3)

Nacionalidade pai Portuguesa 86.9% (139) 80.9% (123)Africana 7.5% (12) 11.8% (18)Brasileira 1.3% (2) 2.0% (3)Outra 4.3% (7) 5.3% (8)

Habilitações literárias mãeNão frequentou a escola - 0.7% (1)4º ano 10.0% (16) 6.6% (10)9º ano 26.9% (43) 28.3% (43)12º ano 36.3% (58) 32.2% (49)Licenciatura 26.9% (43) 32.2% (49)

Habilitações literárias paiNão frequentou a escola - -4º ano 8.1% (13) 9.2% (14)9º ano 45.6% (73) 32.9% (50)12º ano 34.4% (55) 33.6% (51)Licenciatura 11.9% (19) 24.3% (37)

Situação atual mãe Empregada 62.5% (100) 64.5% (98)Desempregada 32.5% (52) 32.2% (49)Estudante 5% (8) 3.3% (5)

Situação atual paiEmpregado 82.5% (132) 82.9% (126)Desempregado 13.8% (22) 13.8% (21)Estudante 3.7% (6) 3.3% (5)

Estado civil mãeCasada 26.9% (43) 29.6% (45)União de facto 18.8% (30) 24.3% (37)Solteira 48.8% (78) 41.4% (63)Divorciada 5.0% (8) 4.6% (7)Viúva 0.6% (1) -

Estado civil paiCasado 28.1% (45) 30.3% (46)União de facto 18.1% (29) 23.7% (36)Solteiro 48.8% (78) 42.1% (64)Divorciado 5.0% (8) 3.9% (6)Viúvo - -

Família monoparental 2.5% (4) 2.0% (3)

Tabela 1 • Enquadramento sociodemográfico.

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dados a prestar ao RN e lactente, promoção da saúde e vigilância in-fantil foram em mães com idade mais avançada (p=0,036), multíparas (p=0,004), com maior escolaridade (p <0,001) e que frequentaram os cursos de preparação para o parto (p=0,031).No que respeita ao reconhecimento de sinais de alarme que motivem observação médica, as mães reconheceram em média 6 sinais de alarme, sendo o mais reconhecido as alterações do coto umbilical e o menos identificado o bebé muito irritado que não se consola, como de-monstrado no gráfico 2. Destas, 41.7% considerou que todos os sinais de alarme motivam observação em contexto de serviço de urgência.

No grupo de estudo, 36.9% das mães eram primíparas, a gravidez foi vigiada em 99.0% dos casos, desejada em 88.1% e assistiram a aulas de preparação para o parto 31.9% das puérperas. Comparativamente, no grupo controlo, 42.8% eram primíparas, a gravidez foi vigiada em 98.7% dos casos, desejada em 89.5% e 46.7% das mães frequenta-ram aulas de preparação para o parto.A análise das respostas obtidas ao questionário, demonstrou que as mães revelaram maior conhecimento na área alimentação e menor na síndroma de morte súbita do lactente, como apresentado no gráfico 1.Verificámos que os conhecimentos mais consistentes acerca dos cui-

Gráfico 1 • Respostas corretas obtidas no questionário.

Gráfico 2 • Sinais alarme reconhecidos no questionário.

Gráfico 3 • Diagnósticos de alta do SU no período neonatal.

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77,0%

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A esmagadora maioria das puérperas da amostra (96.2%) considerou que seria benéfico a existência de uma sessão de formação na área dos cuidados do RN e lactente, promoção da saúde e vigilância infantil.Realizámos o levantamento da utilização dos recursos de saúde no período neonatal e nos primeiros 6 meses de vida dividindo a amostra em 3 grupos etários: RN, 1-3 meses e 3-6 meses. Verificámos que no período neonatal, 56 RN recorreram ao SU do nos-so hospital (17.9% da amostra), 53.4% pertencentes ao grupo de estu-do, tendo 16.1% recorrido duas ou mais vezes (77.8% pertencentes ao

grupo de estudo). A idade média de admissão no SU foi de 13.6 e 15.1 dias de vida, respetivamente, no grupo de estudo e grupo controlo. O principal diagnóstico de alta do SU, em ambos os grupos, foi a icterícia seguido da nasofaringite (gráfico 3). Culminaram em internamento 20% dos episódios de urgência (61.5% destes pertencentes ao grupo de estudo), na maioria dos casos por icterícia com necessidade de fototerapia (responsável por 44.4% dos internamentos do grupo de estudo e 80% do grupo controlo) como representado no gráfico 4.

Gráfico 4 • Diagnósticos que motivaram internamento no período neonatal.

Gráfico 5 • Motivos recorrência SU grupo etário 1-3 meses.

Gráfico 6 • Motivos recorrência SU grupo etário 3-6 meses.

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Na faixa etária 1-3 meses, 24.4% dos lactentes recorreram ao SU, 55.3% pertencentes ao grupo de estudo e 43.4% destes tiveram dois ou mais episódios de urgência (57.6% pertencentes ao grupo de es-tudo). A principal causa de admissão no SU foi a nasofaringite, segui-do da bronquiolite tanto no grupo de estudo como no grupo controlo (gráfico 5). Apenas 11.9% dos lactentes 1-3 meses necessitaram de internamento, 62.5% por bronquiolite. A taxa de internamento foi igual para o grupo de estudo e grupo controlo.Dos lactentes com 3-6 meses de idade, 19.6% foram observados no SU do nosso hospital, 57.4% pertencentes ao grupo de estudo, sendo que 32.8% recorreram por duas ou mais vezes (76.2% destes pertencentes ao grupo de estudo). O diagnóstico principal na admissão no SU foi, em ambos os grupos, a nasofaringite seguido da bronquiolite (gráfico 6). Verificámos uma taxa de 4.3% de episódios de urgência a terminar em internamento (75% destes do grupo de estudo), metade por bronquiolite. Constatámos ainda que os RN e pequenos lactentes que nasceram de parto vaginal, e consequentemente tiveram menos dias de interna-mento no berçário, recorreram mais ao SU (45.5%) comparativamente com os que nasceram por cesariana ou os que permaneceram mais tempo no berçário ou inclusivamente necessitaram de internamento na Unidade de Neonatologia (38.6%), embora sem significado estatístico.

DiscussãoO conhecimento dos fatores que interferem no recurso ao SU nos pri-meiros meses de vida poderá permitir atuar de forma a tentar prevenir o uso inadequado do mesmo. Como esperado, no presente estudo, encontrámos um menor nível de conhecimentos acerca dos cuidados a prestar ao RN e lactente, pro-moção da saúde e vigilância infantil em mães mais jovens, com menos escolaridade, menor paridade e sem frequência de curso de preparação para o parto. Estas constituem pois os grupos alvo de maior atenção para formação antes, durante e após a permanência na maternidade. As altas precoces da maternidade, dificultam o ensino da puericultura e dos sinais de doença, o que é concordante com outros estudos reali-zados ². De facto, no nosso estudo, encontrámos maior afluência ao SU nos RN e pequenos lactentes que nasceram de parto vaginal podendo especular-se que seja devido ao menor número de dias de internamento e, consequentemente, menos tempo para ensinos.

Verificámos grande afluência de RN e pequenos lactentes ao SU por situações clínicas não urgentes, como descrito na literatura. Contrariamente ao previsto, o maior numero de admissões no SU foi no grupo de estudo o que pode indicar que a intervenção realizada neste estudo foi insuficiente mas pode também significar que a re-corrência ao SU está demasiado «enraizada» na nossa cultura inde-pendentemente da formação realizada. No entanto, é difícil aferir a ineficácia da intervenção realizada não só pelas limitações do estudo como também porque não sabemos se todas as participantes do grupo de estudo efetivamente leram o folheto e obtiveram informação. Por outro lado, no grupo de estudo a idade materna mediana foi menor, houve menos frequência a aulas de preparação para o parto e maior número de famílias monoparentais o que também pode ter contribuído para a menor eficácia da intervenção efetuada.O estudo apresenta algumas limitações a destacar: somente 45% das puérperas internadas na maternidade no período de estudo foram ele-gíveis para participar no mesmo e o levantamento da utilização dos recursos de saúde tem apenas em conta a recorrência ao nosso SU, não tendo sido apuradas as recorrências a outras Unidades Hospitala-res, pediatria privado ou Centro de Saúde.Concluímos com a realização do presente trabalho que é possível me-lhorar muito nesta área e que os programas de formação aos pais nas maternidades são cruciais para a saúde infantil a curto, médio e longo prazo. A informação não pode contudo ser transmitida apenas por fo-lhetos cuja eficácia, como ficou demonstrado, é falível, mas terá de ser complementada por palestras idealmente incluídas nas aulas de pre-paração para o parto e também por ações de formação no puerpério dirigidas às mães que não frequentaram as aulas. O interesse e recetividade para a formação demonstrados pelas puér-peras nesta etapa constitui uma janela de oportunidade a ser aprovei-tada para melhorar a prestação de cuidados às nossas crianças.No futuro pretendemos incluir nas aulas de preparação para o parto do nosso hospital, uma aula dedicada ao ensino da puericultura, vigilância e promoção da saúde infantil e distribuir na alta do berçário uma informação escrita acerca deste tema a todas as puérperas. Sugerimos ainda que seja aprofundada a relação entre os pais e o Centro de Saúde da área de residência e que, o dia do diagnóstico precoce seja aproveitado para estabelecimento dessa relação e abordada a temática da puericultura, vi-gilância e promoção da saúde infantil e esclarecimento de dúvidas.

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ARTIGOS ORIGINAIS

1Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Leiria, Leiria 2Serviço de Cardiologia Pediátrica, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, (CHUC)Correspondência: Ana Paula Rocha - [email protected]

Ana Paula Rocha1, Ana Rita Dias1, Ester Gama1, Conceição Nunes1, António Pires2, Eduardo Castela2, Júlio Bilhota Xavier1

Teleconsulta de Cardiologia Pediátrica – experiência de 10 anos

Telemedicine in Peadiatric Cardiology – 10 years of experience

Resumo Introdução e objetivos: O objetivo deste estudo é divulgar a experi-ência em Telemedicina em tempo real na área da Cardiologia pediátri-ca entre o Serviço de Pediatria de um hospital nível II e o Serviço de Cardiologia Pediátrica de um hospital nível III nos últimos 10 anos e caracterizar a população envolvida. Material e métodos: Estudo retrospetivo descritivo com revisão dos registos da Teleconsulta de Cardiologia Pediátrica, entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015. Variáveis: consultas realizadas, número de doentes, idade na primeira consulta, motivos de referenciação, diag-nósticos e orientação. Resultados: Foram realizadas 5577 consultas, média de 557 con-sultas/ano, 53% das quais primeiras consultas. Foram seguidos 3584 doentes, 55,7% do género masculino, 34,1% com idade inferior a 12 meses e 34,1% entre um e cinco anos. Os motivos de referenciação mais frequentes foram: sopro cardíaco (n=2246, 62,7%), alteração na ecografia cardíaca realizada no exterior (n=618, 17,2%) e exclusão de cardiopatia associada a outras patologias (n=232, 6,5%). Os diagnósti-cos ecocardiográficos mais frequentes foram comunicação interauricu-lar (n=369, 10,3%), foramen ovale patente (n=250, 7%), comunicação interventricular (n=204, 5,7%) e insuficiência mitral (n=123, 3,4%). Fo-ram referenciados para consulta presencial no Serviço de Cardiologia Pediátrica 8,5% (305/3584) dos doentes. Conclusões: Os diagnósticos mais frequentes estão de acordo com outras séries, exceto a maior frequência das comunicações interauricu-lares. O número significativo de consultas realizadas e o baixo número de referenciações traduzem o cumprimento dos objetivos desta consulta e reforçam o benefício da formação de profissionais em Telemedicina. Palavras-chave: teleconsulta, cardiologia pediátrica, telemedicina.

AbstractIntroduction and aim: This study’s aim was to highlight the experience in Telemedicine between a Paediatric Department of a level II hospital and a Paediatric Cardiology Department of a level III hospital over the last 10 years and to characterize its patients. Materials and methods: Retrospective cross-sectional study with analysis of clinical records of the patients observed in our Paediatric Cardiology Telemedicine Department between January 2006 and December 2015. Variables: consultations number, number of patients, age at first consultation, reason for referral, echocardiographic diagnosis and follow-up. Results: Total number of consultations was 5577, average of 557 consultations/year, 53% of which were first consultations. 3584 patients were observed, 55.7% males, 34.1% younger than 12 months old and 34.1% presschoolers. The most frequent reasons for referral were: cardiac murmurs (n = 2246, 62.7%); altered echocardiography findings at another healthcare provider (n = 618, 17.2%); exclusion of cardiac disease in the context of other pathologies (n = 232, 6.5%). The most frequent echocardiographic diagnoses were atrial septal defect (n = 369, 10.3%), patent foramen ovale (n= 250, 7%), ventricular septal defect (n = 204, 5.7%) and mitral valve regurgitation (n = 123, 3.4%). Most patients were discharged (75%) and 8.6% were referred to the Peadiatric Cardiology Department. Conclusions: The most frequent diagnoses were in agreement with those published by other authors, except for the higher frequency of atrial septal defects. The significant number of teleconsultations and the low number of referrals are concordant with this consultation’s goal and reinforce the benefits of training professionals in telemedicine. Keywords: teleconsultation, paediatric cardiology, telemedicine.

Introdução A Telemedicina é um instrumento de suporte à atividade clínica que permite, através de tecnologias de comunicação, facilitar o acesso dos doentes a especialistas que pela sua especificidade se encontram colocados em centros mais diferenciados.1,2 Com esta ferramenta, as vantagens são inúmeras: redução do tempo de espera de consulta, redução dos custos de deslocação dos doentes, diagnóstico e trata-mento mais céleres, maior comodidade para as famílias (menos des-locações e ligação ao hospital da sua área de residência), e ainda a valorização profissional e do trabalho de equipa através da partilha de experiências e conhecimentos.3,4,5

Uma das áreas em que a Telemedicina tem sido mais desenvolvida nos últimos anos é a Cardiologia.2 No caso específico da Cardiologia Pediátrica, a Telemedicina tem-se revelado muito útil, com elevada

precisão diagnóstica das ecocardiografias realizadas por Pediatras e orientadas e interpretadas conjuntamente e em tempo real com Cardiologistas Pediátricos.2,5 De facto, os estudos demonstram que é precisa e fidedigna, melhora os cuidados prestados aos doentes, é economicamente viável e evita transportes inter-hospitalares desne-cessários.6 Os ganhos são ainda mais valiosos tendo em conta que a maioria das crianças nasce e é seguida em hospitais sem apoio da Cardiologia Pediátrica. Neste contexto, a possibilidade de avaliação dos recém-nascidos e todas as crianças em geral, em conjunto com os especialistas da área da Cardiologia Pediátrica, tem um poderoso impacto na orientação e prognóstico destes doentes.5,6 Facilmente se reconhece também a mais valia da teleconsulta em contexto de urgên-cia, quer dentro quer fora do período neonatal.

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O investimento inicial, nomeadamente em termos de equipamento e formação de profissionais, depressa é recuperado pela redução de custos. Esta traduz-se no menor número de transportes de doentes,7,8 havendo no entanto outros fatores mais dificilmente contabilizáveis relacionados com as deslocações das famílias, associados a faltas la-borais e à Escola, e mais importantes a diminuição de atrasos e erros no diagnóstico e suas consequências.6 Este Serviço de Pediatria de um hospital de nível II realiza uma Tele-consulta de Cardiologia, em conjunto com o Serviço de Cardiologia Pediátrica de um hospital universitário de nível III, desde 14 de outubro de 1998, com periodicidade semanal. A realização de Ecocardiografia Pediátrica por Telemedicina em Portugal foi iniciada por estas duas instituições, na altura em parceria com a PT inovação, que forneceu e aperfeiçoou o material informático e respetivo programa Medigraf®, com ecógrafo partilhado e colaboração das Técnicas de Cardiop-neumologia do Serviço de Cardiologia do hospital de nível II. Desde agosto de 2005 as ecografias são realizadas apenas por Pediatras e o ecógrafo pertence ao serviço de Pediatria.Nesta consulta, as ecocardiografias são realizadas e discutidas em tempo real, com elaboração de uma ficha clínica com relatório parti-lhado, que após validação por ambos os profissionais não pode ser alterada.Desde a implementação da Teleconsulta de Cardiologia foram realiza-das um total de 8344 consultas. O objetivo deste trabalho foi apresen-tar a casuística dos últimos 10 anos, caracterizando a população de crianças e adolescentes seguida nesta consulta.

Material e métodosEstudo descritivo retrospetivo transversal, cuja colheita de dados foi realizada através dos registos de consulta das crianças e adolescen-tes seguidos na Teleconsulta de Cardiologia do Serviço de Pediatria de um hospital de nível II, no período compreendido entre janeiro de 2006 e dezembro de 2015. O estudo incluiu doentes em idade pediátrica (até aos 18 anos), com patologia cardíaca conhecida ou suspeitada, que realizaram ecocar-diografia (ambulatória ou de urgência).Foi assegurada a confidencialidade dos dados e não houve questões éticas envolvidas.Variáveis analisadas: número total de consultas, número de doentes seguidos, idade na primeira consulta, motivos de referenciação, diag-nósticos ecocardiográficos e orientação subsequente. Foi realizada análise estatística em SPSS® (Statistical Package for Social Sciences) versão 21 para Windows.

ResultadosNo período de estudo foram realizadas 5577 consultas, com uma mé-dia de 557 consultas/ano e tendência a aumentar nos últimos anos, correspondendo 53,1% a primeiras consultas (n=2960) (Fig.1).Foram consultas programadas 93,9% (n=5235) e consultas urgentes / não programadas 6,1% (n=342). Globalmente, verificou-se uma ten-dência para o aumento de consultas não programadas ao longo dos anos, com um mínimo em 2006 (representando 2,3% das consultas

desse ano) e o máximo em 2010 (representando 9,2% das consultas desse ano). A média de consultas não programadas por ano foi de 33,7±11,2) (Fig.1).

Foram seguidos neste período 3584 doentes, dos quais 55,7% (n=1997) eram do género masculino. Na Tabela 1 pode observar-se a distribuição por grupos de idades, com mais de dois terços das crian-ças nos primeiros cinco anos de vida.

Tabela 1 • Faixas etárias.

GRUPO DE IDADE n %

≤7 dias 123 3,4

8 – 28 dias 110 3

29 dias – 11 meses 991 27,7

1-5 anos 1222 34,1

6-9 anos 544 15,2

10-18 anos 594 16,6

Os motivos mais comuns de referenciação à Teleconsulta de Cardiolo-gia foram: sopro cardíaco (62,7%, n= 2246), suspeita de cardiopatia em ecocardiografia realizada no exterior (17,2%, n=618) e patologia sub-jacente com potencial cardiopatia associada (crianças com síndromes polimalformativos, cromossomopatias, neurofibromatose, hipotonia…) (6,5%, n=232). Outros motivos de referenciação foram: precordialgia (4%, n=143), alteração no ECG (2,1%, n=76), síncope/lipotimia (1,6%, n=56), cianose/cianose associada ao choro (1,3%, n=47), alteração ecocardiográfica pré-natal (1,2%, n=43), seguidos por outros motivos

Figura 1 • Distribuição de Consultas por ano – Primeiras consultas/consul-tas de seguimento, Consultas programadas/não programadas.

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(3,4%, n = 123) por ordem decrescente de frequência: palpitações, febre arrastada / doença de Kawasaki confirmada ou suspeita, história

familiar de patologia cardíaca, prematuridade, hipertensão arterial ou cansaço fácil.

Tabela 2 • Diagnósticos ecocardiográficos mais comuns por grupo etário.

DIAGNÓSTICOS ECOCARDIOGRÁFICOS MAIS COMUNS POR GRUPO ETÁRIO

<12 meses [1-5 anos] [6-9 anos] ≥10 anos

Alteração n Alteração n Alteração n Alteração nCIA 274 CIA 78 FOP 45 Insuficiência valvular mitral 56CIV 166 FOP 42 Insuficiência valvular mitral 24 Outra alteração estrutural valvular† 50FOP 163 CIV 31 CIA 17 Insuficiência valvular aórtica 15PCA 97 Insuficiência valvular mitral 26 Outra alteração estrutural valvular† 17 Estenose valvular aórtica 15Estenose pulmonar 53 Outros defeitos septais * 22 Estenose valvular aórtica 15 Insuficiência valvular tricúspide 11Outros defeitos septais* 44 Estenose valvular aórtica 15 Insuficiência valvular aórtica 10 Outros defeitos septais* 9Insuficiência valvular mitral 13 Alterações coronárias 9 Outros defeitos septais * 9

Legenda: CIA – comunicação interauricular; CIV – comunicação interventricular; FOP– Foramen ovale patente; PCA – persistência do canal arterial. *Inclui: aneurismas, formações nodulares/ hiperecogénicas em doentes com neurofibromatose; †Inclui: Prolapso da válvula mitral e aorta bicúspide.

Globalmente, os diagnósticos ecocardiográficos mais comuns foram: defeitos septais (25,1% dos doentes, n=900), insuficiência valvular mi-tral (n=123, 3,4%) e PCA (n=111, 3,1%). Dos defeitos septais, as comu-nicações interauriculares (CIA) representam 41%, estando presentes em 10,3% dos doentes (n=369), 95% das CIA eram em crianças com idades até aos 5 anos (n=557). Tiveram o diagnóstico de comunicação interventricular (CIV) 204 crianças (5,7%). No primeiro ano de vida os defeitos septais representam os diagnósticos mais comuns, seguindo-se a persistências do canal arterial (PCA) e as valvulopatias. A quase totalidade das PCA foi diagnosticada neste grupo etário (97/111, 87,4%). Na idade pré-escolar, observou-se a mesma ten-dência, destacando-se neste grupo as alterações coronárias. A partir da idade escolar, a patologia valvular é dominante (Tabela 2). No que diz respeito às cardiopatias obstrutivas, a estenose valvular pulmonar foi a alteração valvular mais comum (n=70), seguida da es-tenose valvular aórtica (n=54), representando 4,2% e 3,2% de todas as alterações ecocardiográficas da nossa amostra, respetivamente. Foram diagnosticadas 19 cardiopatias complexas: cinco tetralogias de Fallot, nove coartações da aorta, três transposições das grandes arté-rias, um canal auriculoventricular completo e um ventrículo esquerdo hipoplásico.Importa salientar que 55,6% (n=1993) dos doentes tinham ecocardio-grafia normal na primeira consulta. A grande maioria das crianças e adolescentes teve alta para o domicí-lio (75,1%, n=2691), 60,8% (n=1635) dos quais na primeira consulta. Foram transferidos para continuação do seguimento em consulta de Cardiologia (adulto) no hospital de origem 28 doentes (0,8%) e refe-renciados/transferidos para consulta do Serviço de Cardiologia Pedi-átrica do hospital de nível III 307 doentes (8,6% da amostra). Não foi possível avaliar a percentagem de abandono desta consulta.Os motivos de referenciação para o Serviço de Cardiologia Pediátri-ca foram para esclarecimento diagnóstico, instituição terapêutica ou seguimento de patologias com necessidade de acompanhamento di-ferenciado estão resumidos na Tabela 3. Além dos transferidos por

alterações ecocardiográficas, 46 foram referenciados para outras con-sultas (Arritmologia, Risco cardiovascular...) ou para realização de ou-tros exames complementares. De todos os doentes transferidos, eram lactentes 27,7% (n=85) (23,5% dos quais na primeira semana de vida). Ao longo dos anos, verificou-se uma percentagem persistentemente reduzida de transferências inter-hospitalares (Fig.2).

Figura 2 • Distribuição das transferências inter-hospitalares por ano – percentagem de consultas / ano.

Da análise da Tabela 3 importa referir que sete dos 12 doentes trans-feridos por alterações coronárias tinham o diagnóstico de doença de Kawasaki (seis com diagnóstico antes dos 5 anos e um com diagnós-tico aos 10 anos de idade).

Dos doentes que iniciaram o seguimento e tiveram alta no período do estudo (n=2143), e excluindo os que tiveram alta na primeira consulta (n=1635), a duração média do seguimento foi de 21,5 meses ± 19,9 (com um mínimo de 6 dias e um máximo de 103 meses).

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Discussão e conclusõesA nossa amostra é muito significativa, e este estudo permitiu fazer uma reflexão sobre o impacto que esta consulta tem tido. O crescente número de consultas ao longo dos anos reflete a ten-dência para maior capacidade de execução técnica e agilização dos procedimentos realizados por parte dos intervenientes. Esta tendência está também bem patente na reduzida percentagem de transferências inter-hospitalares.O aumento de consultas não programadas vem destacar uma das prin-cipais vantagens do uso da Telemedicina – a exclusão/realização de diagnósticos que exijam cuidados ou instituição terapêutica precoces e atempados, sem necessidade de transferência para um centro com Cardiologia Pediátrica. No caso de doentes internados, esta ferramen-ta é uma mais-valia notória, permitindo que o exame complementar de diagnóstico passe a ser realizado no mesmo hospital, evitando a deslocação a outro hospital, apenas com esse propósito. Mais de dois terços dos doentes têm idade inferior a 5 anos aquando da primeira consulta, sendo que cerca de um terço tinha menos de 1 ano, refletindo, por um lado, a maior preocupação neste grupo etário com patologia congénita e, por outro, a acessibilidade a esta consulta.Verificou-se que, nos primeiros anos de vida, há um predomínio de alterações septais que, a partir da idade escolar, começam a ser subs-tituídas por alterações valvulares. A maioria das primeiras, nomeada-mente CIA e CIV, encerra espontaneamente, até à idade escolar e nos primeiros 2-3 anos de vida, respetivamente.9-11 Por outro lado, as

alterações valvulares podem surgir apenas mais tardiamente em con-sequência de outras alterações cardíacas primárias.12,13

No entanto, a alteração mais frequentemente identificada na ecocar-diografia transtorácica foi a CIA (10,3% dos doentes, face a 5,7% de CIV), achado discordante da literatura.10,12 Sendo as comunicações interauriculares mais prevalentes as do tipo ostium secundum localiza-das na fossa ovalis,12 algumas, devido ao seu reduzido calibre, pode-rão corresponder a foramen ovale patente, podendo o número real de CIA ser inferior ao apresentado. Após a idade pré-escolar, a patologia valvular é a mais frequentemente observada, traduzindo uma vez mais o encerramento espontâneo dos defeitos septais e mesmo da PCA (este último mais precoce). No que diz respeito às cardiopatias obstrutivas, a estenose valvular pulmonar foi a alteração valvular mais comum seguida da estenose valvular aórtica, representando 4,2% e 3,2% das alterações ecocardio-gráficas, respetivamente. De acordo com a literatura, estima-se que a estenose valvular pulmonar represente 8-12% de todas as cardiopa-tias congénitas e a estenose valvular aórtica 3-6%.14

A patologia valvular mais comum foi a insuficiência valvular mitral (3,4% dos doentes, 7,4% das alterações ecocardiográficas) e as alterações estruturais (nomeadamente válvula aórtica bicúspide e prolapso da válvula mitral), diag-nosticadas mais frequentemente na idade escolar e adolescência. Fazendo uma análise da Tabela 3, podemos observar que as PCA são

Tabela 3 • Diagnóstico principal das crianças e adolescentes transferidos, por grupo etário.

0-7 dias 8-28 dias29 dias -12

meses[1-5 anos] [6-9 anos] ≥10 anos Total

CIA - - 6 23 17 14 60CIV 2 1 15 9 2 3 32Outros def. septo - - - 1 1 2 4PCA - 3 20 9 - 4 36EA/IA - 1 6 2 13 22IM - - 2 1 1 4 8EP - - 5 - 2 - 7Outras alt. Valvulares - 1 - - 2 3 6Tetralogia de Fallot 1 2 2 - - - 5CoA 6 - 2 - 1 - 9TGA 3 - - - - - 3Canal AV completo 1 - - - - - 1VE hipoplásico 1 - - - - - 1Retorno venoso pulmonar anómalo - - - 1 - - 1Persistência da veia cava superior esquerda

- - 1 - - - 1

VE globoso/ cavidades alargadas - - 2 - 2 8 12HVE/HVD - - 1 - 1 1 3MCD - - - 1 - - 1Alt. coronárias - - 1 6 2 3 12Outros diagnósticos - 1 1 9 14 12 37

Legenda: AV – auriculoventricular; CIA – Comunicação interauricular; CIV – comunicação interventricular; CoA – coartação da aorta; EA – estenose aórtica; EP – estenose pulmonar; FOP – foramen ovale patente; HVD – hipertrofia ventricular direita; HVE – hipertrofia ventricular esquerda; IA – insuficiência aórtica; IM – insuficiência mitral; MCD – miocardiopatia dilatada; PCA – persistência do canal arterial; TGA – transposição das grandes artérias; VE – ventrículo esquerdo.

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motivo de transferência após o período neonatal precoce, altura a partir da qual raramente respondem a medidas farmacológicas.12 Da mesma forma, ao ser o limite de idade em que o encerramento espontâneo des-tes defeitos é expectável, as CIA têm um pico de transferências na idade pré-escolar e escolar (altura em que pondera o seu enceramento percu-tâneo) e as CIV no primeiro ano de vida e idade pré-escolar. Em relação às transferências das CIV no 1º ano de vida, estas correspondem a situ-ações mais graves, que necessitam de terapêutica medicamentosa ou correção cirúrgica precoces. O foramen ovale patente (FOP) representa um raro motivo de referenciação e apenas quando se coloca a dúvida entre FOP ou CIA. As CIA pequenas podem não ser diagnosticadas até idades mais avan-çadas (inclusivamente até à idade adulta) altura em que, em virtude do aumento das suas dimensões, se tornam evidentes à auscultação cardíaca.9,10,13 Talvez por essa maior relevância do shunt e porque se considera que nas lesões com potencial de encerramento espontâneo tal ocorre até essa altura,9,10,15 foram transferidas 17 crianças com CIA em idade escolar. Pela mesma razão, também os shunts interauricu-lares indefinidos foram transferidos para esclarecimento diagnóstico a partir da idade pré-escolar. Tal como noutras séries, as transferências por esta patologia na nossa amostra representaram uma minoria dos doentes,5 o que traduz a elevada taxa de encerramento espontâneo destas lesões.A doença de Kawasaki ocorre antes dos 5 anos em 80-90%, sendo rara antes dos 6 meses e depois dos 5 anos,16 o que ficou bem pa-tente na nossa amostra em que as alterações coronárias são um dos diagnósticos mais comuns na idade pré-escolar e motivo de referência apenas após estas idades. De facto, e conforme descrito na Tabela 3, sete dos casos de referenciação por alterações coronárias foram de crianças com doença de Kawasaki, seis das quais com diagnóstico até aos 5 anos e uma com diagnóstico aos 10 anos. A maioria das cardiopatias complexas foi diagnosticada (e imediata-mente transferida para o Hospital de referência) ainda na primeira semana de vida ou durante o período neonatal. A tetralogia de Fallot,

pela sua maior sobrevivência até idades mais avançadas, resultante da possível inexistência de manifestações clínicas,17 foi detetada em dois casos após o período neonatal. De facto, todos os casos desta entidade foram diagnosticados na sequência de auscultação de sopro cardíaco, não tendo havido outras manifestações clínicas. Salienta-se por último o elevado número de doentes em que foi possí-vel excluir patologia cardíaca sem que para isso tenha sido necessária orientação para centro especializado, com uma grande percentagem de doentes com ecocardiografia normal na primeira consulta (55,6%). Este predomínio de crianças sem patologia alerta ainda para a neces-sidade de melhor caracterização do sopro com características funcio-nais/inocentes ao exame objetivo. Esta série é significativa, realizando-se a Teleconsulta de Cardiologia semanalmente há 17 anos, sendo a primeira do país. O elevado nú-mero de ecocardiografias normais e altas dadas, bem como o reduzido número de referenciações salientam os benefícios da Telemedicina, mas alertam também para a necessidade de melhor caracterização dos sopros, nomeadamente na distinção entre sopros patológicos e fisiológicos. O facto de esta consulta ser realizada em tempo real com o Cardiologista Pediátrico permitiu que a capacidade de execução da ecocardiografia pelo Pediatra Geral fosse aperfeiçoada constantemen-te, com impacto nos números de consultas e transferências. Os diagnósticos mais frequentes na nossa casuística estão de acordo com outras séries descritas, exceto a maior frequência das CIA. Esta iniciativa conjunta possibilitou um maior aprofundamento dos co-nhecimentos de Pediatras Gerais na área da Cardiologia Pediátrica, com enormes benefícios para doentes e famílias.O nosso estudo vem reforçar o impacto positivo da Telemedicina. Pre-tendemos ainda promover uma análise crítica do trabalho desempe-nhado, favorecendo a melhoria e as mudanças necessárias à presta-à presta- presta-ção de melhores cuidados aos doentes e melhor gestão de recursos, e incentivar o investimento na área da Telemedicina.

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17. Freitas I, Nogueira G, Kaku S, Tetralogia de Fallot, Tratado de Clínica Pediátrica, Amadora, João M. Videira Amaral. P 978-81.

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1Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Santa Maria da Feira 2 Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Santa Maria da Feira. 3 Serviço de Neurologia, Centro Hospitalar de Lisboa Norte, Lisboa. 4 Serviço de Neuro-logia, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Santa Maria da Feira. 5 Serviço de Pediatria, Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, Santa Maria da Feira.Correspondência: Alexandra Martins - [email protected]

Alexandra Martins1, Ana Azevedo2, Rui Barreto3, Catarina Santo4, Susana Tavares5

Paraparésia flácida assimétrica – Qual o diagnóstico?

Asymmetric Flaccid Paraparesia - Which is the diagnosis?

ResumoA mielite transversa é uma doença inflamatória rara da medula espinal. Apresenta-se o caso de um adolescente de 13 anos com início súbito de perda de força nos membros inferiores e perda de sensibilidade no membro inferior direito e abdómen. Ao exame objetivo evidenciava-se um paraparésia flácida assimétrica, de predomínio à esquerda e ausência de sensibilidade álgica no membro inferior direito e abdómen até ao nível do segmento D4. A ressonância magnética (RM) medular inicial foi normal, mas devido às evidências clínicas, iniciou metilprednisolona endovenosa. Ao quarto dia de doença repetiu-se a RM medular, evidenciando-se um foco de hipersinal na vertente anterior da medula em D3-4 e em D4-5. A reação em cadeia de polimerase para o vírus de Epstein-Barr foi positiva no líquido cefalorraquidiano. A mielite transversa aguda secundária a uma infeção pelo vírus de Epstein-Barr é uma entidade rara, traduzindo a relevância da descrição deste caso.

Palavras-chave: Mielite transversa, paraparésia, Virus Epstein-barr, Síndrome de Brown-Séquard.

AbstractTransverse myelitis is a rare inflammatory disease of the spinal cord. Our case describes a thirteen-year-old male with acute onset of weakness on the lower limbs and sensory loss on the right leg up to the abdomen. On physical examination there was an asymmetric flaccid paraparesis with dominance on the left limb and there was negative sensory testing on the right leg and abdomen up to T4. Initial spinal magnetic resonance was described as normal but due to high clinical suspicion methylprednisolone was initiated. Four days after symptom onset, spinal magnetic resonance was repeated, showing a linear hyperintensity between D3-4 and D4-5. Polymerase chain reaction for Epstein-Barr virus was positive in the cerebrospinal fluid. Acute transverse myelitis secondary to an Epstein-Barr virus infection is a rare condition, fact that explains the importance of this case.

Keywords: Transverse myelitis, paraparesis, Epstein-barr virus, Brown-Séquard Syndrome.

IntroduçãoA mielite transversa aguda (MTA) é uma síndrome neurológica rara, caracterizada por défices motores, sensitivos e autonómicos que se apresentam no decorrer de horas ou dias, com agravamento progres-sivo. Embora possa ocorrer em qualquer idade, a sua distribuição é bimodal: dos 10-19 anos e dos 30-39 anos1. A MTA é uma das apresentações possíveis das mielopatias transversas, nas quais se inclui causas compressivas, desmielinizantes, infeciosas, inflamatórias, vasculares, neoplásicas e paraneoplásicas.1,2 A investiga-ção etiológica é de extrema importância uma vez que determina o trata-mento a instituir e a evolução clínica esperada para o doente.

Caso clínicoAdolescente de 13 anos, sexo masculino, sem antecedentes patoló-gicos de relevo, recorreu ao serviço de urgência por início súbito de perda de força nos membros inferiores, mais exuberante no membro inferior esquerdo (MIE), que impossibilitava a marcha e perda de sen-sibilidade no membro inferior direito (MID) e abdómen. Apresentava micções e dejeções normais. Negava febre, alterações do estado mental ou outra sintomatologia associada. Negava história de trauma ou de infeções recentes. Ao exame objetivo era evidente uma paraparésia flácida assimétrica, de predomínio à esquerda (força no MID grau 4 em 5; no MIE grau 2

em 5), com incapacidade de marcha, reflexos osteotendinosos (ROT) diminuídos no MIE, reflexo cutâneo-plantar (RCP) em extensão à direi-ta e indiferente à esquerda. A sensibilidade termo-álgica encontrava-se reduzida no hemicorpo direito dorsalmente ao dermátomo D4, manten-do-se intacta a sensibilidade propriocetiva. A sensibilidade perianal en-contrava-se preservada, porém foi constatada uma ligeira diminuição da força do esfíncter anal. O doente não apresentava alterações nos pares cranianos, fundo ocular, força e tónus dos membros superiores. Assim, concluiu-se que estaríamos perante uma lesão hemimedular es-querda antero-lateral a nível de D4, colocando-se como hipótese de diag-nóstico uma síndrome medular a nível dorsal. Nesta sequência foi soli-citada uma ressonância magnética (RM) emergente com contraste, para exclusão de lesão isquémica, que se revelou sem alterações. Os estudos analíticos do sangue e do líquido cefalorraquidiano encontravam-se nor-mais. Em curso, ficou a pesquisa de Mycoplasma, vírus de Epstein-Barr (EBV) e Herpes simples tipo I e II em ambos os produtos biológicos. A hipótese de diagnóstico colocada nesta fase foi de uma mielite transver-sa aguda, sendo a lesão isquémica excluída pela presença de uma RM normal. Assim, decidiu-se internar o doente para iniciar terapêutica com metilprednisolona endovenosa e programa de reabilitação por fisioterapia.Durante o internamento, o adolescente apresentou-se subfebril nos pri-meiros dois dias (temperatura máxima de 38ºC), com apirexia sustentada

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posteriormente. Manteve-se sempre hemodinamicamente estável. Cons-tatou-se obstipação e anúria com globo vesical e consequente necessida-de de algaliação. Ao exame neurológico foi-se verificando uma melhoria progressiva, mas lenta, da força no MIE, ainda sem capacidade de mar-cha. As alterações da sensibilidade mantiveram o défice inalterado mas os ROTs encontravam-se já presentes e simétricos e o RCP em extensão bilateralmente. Foi decidido repetir a RM medular ao quarto dia, na qual se verificou um foco de hipersinal envolvendo a vertente anterior da medula no plano de D3-4, assim como hipersinal linear medular anterior direito nos planos D4-5, sem expansão medular ou captação de contraste (imagem 1), po-dendo refletir lesões inflamatórias parainfeciosas ou lesões isquémicas, embora sendo menos provável esta última hipótese tendo em conta a idade do doente. Realizou também RM cerebral que se encontrava nor-mal. Repetiu o estudo analítico do sangue e líquido cefalorraquidiano com alargamento dos parâmetros solicitados. (tabela 1). Completou 5 dias de metilprednisolona endovenosa e passou a pred-nisolona oral. Das serologias em curso, destaca-se a positividade da reação em cadeia da polimerase (PCR) para o vírus de Epstein Barr no liquido cefalorraquidiano. No sangue, foram positivos o anticorpo IgG

contra o antigéneo capsular (IgG VCA) do EBV e o anticorpo contra o antigéneo nuclear (EBNA) do EBV. O anticorpo IGM VCA foi negativo, assim como as restantes serologias solicitadas. O estudo imunológico não mostrou alterações. Assim, o diagnóstico definitivo mais provável seria uma mielite transversa pós-infeciosa por EBV.

Tabela 1 • Exames complementares realizados na investigação laboratorial

1º dia de doença 4º dia de doençaSANGUE

Ac. antinuclearesAc. anti DNA de dupla héliceAc. anti SSAAc. anti SSB

----

NegativoNegativoNegativoNegativo

SerologiasAc. Anti EBV IgMAc. Anti EBV IgGAc. Anti EBV EBNAAc. Anti Varicela Zoster IgMAc. Anti CMV IgMAc. Anti CMV IgGVDRLAc Anti Mycoplasma pneumoniae IgMAc Anti Mycoplasma pneumoniae IgG

-NegativoPositivoPositivo

----

NegativoNegativo

--

NegativoNegativoPositivoNegativo

Liquido cefalorraquidianoBandas Oligoclonais - NegativoEnterovirusHerpes Simplex 1Herpes Simplex 2Varicela ZosterEpsteins Barr (RPC)CItomegalovirusVDRL

-------

NegativoNegativoNegativoNegativoPositivoNegativoNegativo

Ac. = anticorpos; RPC = reação em cadeia da polimerase.

Figura 1 • A – RM medular (STIR) realizada no 1º dia de doença. B – RM medular (STIR) realizada ao 4º dia de doença.

O adolescente teve alta ao 14º dia de internamento, apresentando uma evolução favorável, com o quadro clínico em regressão parcial. Posteriormente à alta manteve o acompanhamento por fisioterapia para continuação de reabilitação. Na última avaliação do doente, 6 meses após a alta do internamento, apresentava parésia do MI esquerdo de predomínio distal, mas com marcha autónoma, sem auxiliadores da marcha e sem outras altera-ções a referir. Na consulta de medicina física e reabilitação encon-trava-se descrito que o doente teria faltado várias vezes às sessões

agendadas, tendo finalmente solicitado transferência para uma clinica particular da área de residência por dificuldades no transporte.

DiscussãoA MTA é uma entidade clínica rara, com uma incidência estimada de 2/1.000.000 em crianças com idade inferior a 16 anos. Embora seja uma patologia mais comum nos adultos, as crianças são responsáveis por 20% dos casos.3 A sua apresentação clínica inclui alterações motoras, sensitivas e autonómicas, que podem ou não ser precedidas por dor a

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nível da coluna.4,5 Estes sintomas descritos surgem no decorrer de 2-4 dias com posterior melhoria ou estabilização.3 A recuperação completa ou parcial verifica-se ao fim de 1 a 3 meses e, em 40% dos casos, per-manece algum défice.3 A doença é monofásica na maioria, mas, nos casos idiopáticos, está descrita um taxa de recorrência de 25%.6 A MTA é uma forma de mielopatia, sendo que na presença de um doente com sin-tomas de uma mielopatia aguda, a prioridade inicial é excluir uma emer-gência cirúrgica, nomeadamente, uma causa compressiva, de modo a impedir o agravamento ou mesmo sequelas irreversíveis.2

No caso apresentado, o doente apresentava uma clínica compatível com um síndrome de Brown-Séquard, o qual se define por uma lesão hemi-medular com consequente paresia espástica ipsilateral à lesão, perda das sensibilidades propriocetiva e vibratória também ipsilaterais, com perda da sensibilidade termoálgica contralateral à lesão. O síndrome de Brown-Sequard é encontrado maioritariamente na sequência de lesões traumáticas, mas pode raramente estar associado a outras patologias, nomeadamente, lesões demielinizantes.6 Assim, sobressai a importância de uma avaliação detalhada, através da história clínica e do exame físico que, após exclusão de uma causa compressiva e na presença de uma ressonância magnética medular inicialmente normal, conduziram a res-tante investigação etiológica com os meios complementares de diagnós-tico específicos, nomeadamente a repetição da RM em D4 que permitiu identificar a lesão medular ainda não percetível na primeira imagem.Na mielite transversa para-infeciosa existem vários agentes etiológicos que podem estar implicados – destacam-se, dos agentes víricos, o her-pes simplex, o vírus da varicela-zóster, o citomegalovirus, o herpes 6 e 7 e o vírus de Epstein-Barr, sendo os três primeiros os mais comuns.1 O vírus de Epstein-Barr tem como principal manifestação clínica a mo-nonucleose infeciosa, porém pode também apresentar sintomas neuro-lógicos, tais como meningite, encefalite, mielite transversa e parésia dos nervos cranianos. A incidência de manifestações neurológicas causadas pela infeção pelo EBV está estimada entre 0,4 a 37,3%, sendo a sua apresentação isolada mais comum em doentes adultos.7 A mielite trans-versa aguda por EBV é uma condição rara e pouco descrita na literatura. Pode ocorrer através de dois mecanismos: por ação direta do vírus ou de forma imunomediada. A doença aguda por EBV é confirmada pela identificação dos anticorpos contra o antigénio capsular (IgM e IgG anti VCA), que são produzidos precocemente. O anticorpo EBNA apenas se torna detetável 3-4 semanas após a infeção, sendo, por isso, um mar-

cador de infeção passada.8 VCA IgM and EBV nuclear antigen (EBNA No caso apresentado, a serologia do doente exclui uma infeção aguda. Esta evidência, associada à identificação deste agente no LCR, torna o diagnóstico de mielite transversa pós-infeciosa a EBV mais provável, uma vez que a PCR para o EBV pode-se manter positiva por um perío-do superior a 2 semanas após a infeção aguda.9A ausência de alterações no exame citoquímico do LCR torna a hipó-tese de uma infeção com ação direta menos provável, embora fosse também expectável que se verificassem alterações no caso de se tra-tar de uma reação imuno-mediada. No caso relatado, o facto de a primeira ressonância realizada não apresentar alterações pode ser explicado pela precocidade com que foi efetuada no decorrer na evolução da doença. Neste contexto, o elevado índice de suspeição, levantado pela história clínica e exame físico, permitiu uma orientação terapêutica adequada. A segunda RM medular confirmou a suspeita diagnóstica e descartou a presença de eventuais lesões associadas nos restantes segmentos medulares.A esclerose múltipla é uma doença desmielinizante que pode ter como apresentação clínica uma mielopatia transversa. Nesta patologia, as bandas oligoclonais no LCR são identificadas em mais de 90% dos casos. Um artigo refere que, em casos com apresentação inicial em forma de mielite parcial, se forem evidenciadas duas ou mais lesões supratentoriais, o risco de conversão para esclerose múltipla nos 20 anos subsequentes é de 88% sendo que, na ausência de lesões as-sociadas, o risco é de 19%.1 No caso apresentado, a pesquisa de bandas oligoclonais foi negativa e não foram encontradas outras le-sões desmielinizantes associadas, facto que torna esta hipótese me-nos provável. Dado o caráter recorrente da esclerose múltipla, a sua exclusão por completo, só poderá ocorrer a longo prazo.Tendo em conta a diversidade de etiologias que podem ser respon-sáveis pela mielite transversa aguda, o prognóstico a longo prazo vai depender da patologia subjacente. O que se encontra descrito na li-teratura é a estimativa de que um terço dos doentes apresenta uma recuperação completa, um terço mantém uma disfunção moderada e um terço mantem disfunção severa. São referidos como fatores de pior prognóstico uma progressão rápida dos sintomas, dorsalgia, choque medular e ausência de condução central na eletroneuromiografia.10,11 No caso do adolescente apresentado permanece a dúvida se o incumprimen-to do plano de reabilitação pode justificar a ausência de recuperação completa.

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1Interna de Formação Específica de Pediatria Médica, Serviço de Pediatria, Hospital Pedro Hispano - Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 2Assistente de Pediatria Médica, Serviço Pediatria, Centro Hospitalar de Leiria. 3 Assistente de Pediatria Médica, Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos, Hospital Pediátrico (HP) – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC). 4 Assistente Graduada de Pediatria Médica, Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos, HP-CHUC. 5 Assistente Graduado de Genética Médica, Serviço de Genética Médica, HP-CHUC. 6 Assistente Graduada de Pediatria Médica, Centro de Desenvolvimento da Criança, HP-CHUC. 7 Assistente Hospitalar Graduada em Pediatria Médica, Serviço de Cuidados Intensivos Pediátricos, HP-CHUC. Correspondência: Sara Pires da Silva - [email protected]

Sara Pires da Silva1, Patrícia Rocha2, Rita Moinho3 Leonor Carvalho4, Sérgio Sousa5, Luísa Diogo6, Alexandra Dinis7

Colapso Súbito pós-natal no contacto pele-a-pele

Sudden unexpected postnatal collapse in skin-to-skin contact

ResumoIntrodução: A instituição do contacto pele-a-pele como medida pre-coce de vinculação mãe-filho e promoção do aleitamento materno é prática cada vez mais comum nos nossos hospitais. Apesar de rara, a paragem cardiorrespiratória num recém-nascido saudável durante este período constitui um evento dramático. Nos momentos após o nascimento, o recém-nascido encontra-se vulnerável e a mãe pode não se encontrar capaz de o vigiar adequadamente. Caso Clínico: Os autores apresentam o caso de um recém-nascido de termo, aparentemente saudável e com adaptação inicial à vida extrau-terina normal, que sofreu paragem cardiorrespiratória durante o con-tacto pele-a-pele. Apesar de reanimação bem-sucedida e da inclusão em protocolo de hipotermia veio a falecer na sequência de encefalopa-tia hipóxico-isquémica grave. A investigação complementar realizada não demonstrou existência de patologia subjacente, enquadrando-se este caso nas definições internacionais Colapso Súbito Pós-Natal. Discussão: Pretende-se salientar a necessidade imperiosa de su-pervisão sistemática do recém-nascido durante o período pós-natal imediato, sem prejuízo deste momento de vinculação.

Palavras-chave: recém-nascido, colapso súbito, pele-a-pele, encefalopatia.

AbstractIntroduction: The implementation of skin-to-skin contact as early mother-child bond and promotion of breastfeeding is a common increasingly practice in our hospitals. Although uncommon, cardiorespiratory arrest in healthy newborn during this period can be a dramatic event. After birth, the newborn is vulnerable and the mother may not be able to watch him properly. Case Report: We present the case of an apparently healthy newborn, with initial adaptation to normal extrauterine life, who presented cardiorespiratory arrest during skin-to-skin contact. Although successful resuscitation and induced hypothermia protocol, the newborn died in the sequence of severe hypoxic-ischemic encephalopathy. Complementary investigation did not demonstrate the presence of a condition that would explain the cardiorespiratory arrest, being this a sudden and early case of postnatal collapse.Discussion: We emphasize the imperative need for systematic supervision of the newborn during this period, without prejudice to this binding time.

keywords: newborn, sudden collapse, skin- to- skin, encephalopathy.

IntroduçãoO contacto pele-a-pele de recém-nascidos (RN) com a mãe define-se como a colocação do RN nu em decúbito ventral sobre o abdómen ou tórax materno descoberto nos momentos que se seguem ao nascimento.1 Esta medida mostrou efeitos benéficos tanto para a mãe como para o RN, tanto sobre fatores de ordem psicológica e estabelecimento de vínculo, como sobre fatores fisiológicos e promoção do aleitamento materno.1,2 Embora o efeito dose-resposta desta atitude não esteja documentado por ensaios randomizados, revisões sistemáticas sugerem que tal deverá ocorrer durante a primeira hora de vida.1 Tendo em conta estas evidências, o contacto pele-a-pele de RN de termo e saudáveis com a mãe, durante o pós-parto imediato, constitui uma das medidas da Iniciativa Hospitais Ami-gos dos Bebés, que fazem parte do programa mundial de promoção do Aleitamento Materno lançado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) sendo prática comum nas maternidades e hospitais portugueses.3O colapso súbito pós-natal (SUPC do Inglês Sudden Unexpected Pos Natal Collapse) de recém-nascidos aparentemente saudáveis na ma-ternidade durante o primeiro dia de vida é um evento raro mas já pre-viamente relatado.2,4-8 Esta entidade, cuja definição varia ligeiramente

de acordo com os autores, engloba não só os eventos aparentemente ameaçadores de vida mas também as mortes neonatais súbitas que ocorrem nas primeiras 24 horas de vida em RN de termo ou quase termo com adaptação à vida pós natal aparentemente normal (Índice Apgar >8 ao 5º e 10º minuto).6,9 A sua incidência não é fácil de estabe-lecer uma vez que os estudos existentes utilizam critérios de inclusão e exclusão bastante díspares. Por outro lado, alguns autores consi-deram tratar-se de uma incidência subestimada já que os casos nos quais ocorre rápida recuperação após estimulação tátil são frequente-mente não reportados.5 Estudos recentes relatam uma incidência de 0,03-0,05 / 1.000 RN de termo vivos.4,10 Apesar de raros, estes eventos têm consequências graves, com a morte a ocorrer em metade dos casos e os sobreviventes a poderem apresentar graves sequelas de encefalopatia.11 Embora a causa destes episódios seja desconhecida, tratando-se de um diagnóstico de exclusão, o estudo destes doentes deverá conduzir a uma exaustiva investigação complementar.12,18 A hipótese do «risco triplo» é atualmente amplamente aceite ajudando a justificar porque motivo o colapso súbito pós-natal ocorre em deter-minadas crianças. Esta hipótese postula que estes episódios sejam

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consequência da combinação de um RN frágil, com uma fase de de-senvolvimento particularmente vulnerável e com um insulto final que ocorre precisamente nesta janela de vulnerabilidade.12 Analisando os diferentes casos, observam-se muitas vezes circuns-tâncias repetidas. Assim, ocorrem mais frequentemente em mães sem acompanhante, primíparas, que se encontravam sonolentas e sob efeito de sedo-analgesia após o parto, sem monitorização adequada, e durante o contacto pele-a-pele ou amamentação. Alguns estudos alertam para o uso de telemóvel durante a amamentação e o contacto pele-a-pele após o parto como fator de risco pela redução de capaci-dade de supervisão e vigilância materna.6 Sabe-se que o normal processo de desenvolvimento de controlo respira-tório, cardiovascular e térmico é por si só um momento de vulnerabilida-de aumentada.12 O fator mais frequentemente implicado nestes casos, poderá ser a hipóxia secundária à obstrução das vias aéreas.6,13 Estudos realizados em vítimas mortais de colapso súbito pós-natal revelam que estes lactentes apresentam uma menor frequência de suspiros durante o sono quando comparados com um grupo de controlo com a mesma idade, o que sugere a possibilidade de alguma anomalia do controlo respiratório.12 Analisando o período neonatal, o estímulo por parte da adenosina e prostaglandinas durante o parto e das catecolaminas após o nascimento é seguida por um período de resposta diminuída a estímu-los externos e aumento do tónus vagal.6 Estas entre outras alterações necessárias à adaptação à vida extra-uterina tornam as primeiras horas de vida um período de especial vulnerabilidade do recém-nascido.6 Nas primeiras horas pós-parto, decorrente das exigências do trabalho de parto e da exigência cognitiva e emocional materna, esta pode não se encontrar capaz de o vigiar adequadamente. É neste contexto, e sem prejuízo do momento de vinculação, que surge a necessidade de uma supervisão sistemática do RN durante o contacto pele-a-pele que os au-tores pretendem salientar com este caso clínico.Embora nenhum ensaio clínico tenha demonstrado efeitos benéficos da hipotermia na encefalopatia hipóxico-isquémica após asfixia pós--natal, tem-se colocado como hipótese que esta abordagem possa também ser benéfica para os RN que sofrem estes eventos.6,13

Descrição do Caso RN do sexo feminino fruto de primeira gestação de mãe jovem, saudá-vel e não fumadora. Gravidez vigiada, sem intercorrências, ecografias pré-natais sem alterações. Serologias terceiro trimestre com VIH, He-patite B e C negativas, VDRL não reativo, toxoplasmose não imune e rubéola imune. Pesquisa reto-vaginal de Streptococcus do grupo B ne-gativa. Parto por ventosa às 40 semanas e quatro dias, com rotura de membranas de 10 horas. Febre materna intraparto 38,3ºC, com líquido amniótico claro, índice de Apgar 10 ao 1º, 5º e 10º minutos e peso de nascimento de 3130g (adequado á idade gestacional). Exame objetivo sumário realizado pelo pediatra na sala de partos sem alterações. Foi imediatamente colocada em contacto pele-a-pele, em decúbito ventral sobre a mãe na sala de partos com temperatura ambiente controlada. Estavam presentes o pai, a obstetra e um enfermeiro com necessida-de de desempenhar em simultâneo outras tarefas no bloco de partos. Cerca de 40 minutos após o nascimento, o enfermeiro constatou que a RN se encontrava em paragem cardiorrespiratória (PCR) sobre a mãe.

Foram de imediato iniciadas medidas de reanimação cardiorrespirató-ria, com recuperação da circulação espontânea após quatro minutos. Na admissão na unidade de cuidados neonatais, mantinha ausência de movimentos respiratórios espontâneos e flacidez generalizada. Foi mantida em hipotermia passiva. Da primeira avaliação analítica destaca-se acidose mista (pH 6,8 e pCO2 60mmHg, BE -26,4 mmol/L), lactato 18,4 mmol/L, glicemia capilar de 135mg/dL, hemoglobina de 16,5g/dL, leucocitose (34400/uL) com neutrofilia (15800uL) e proteína C reativa (pCr) negativa. Contactado Transporte Inter-Hospitalar Pe-diátrico (TIP) para transferência para serviço de cuidados intensivos da área de referência. À chegada do TIP encontrava-se em ventilação assistida, saturação periférica de O2 100% com FiO2 21%, frequên-cia cardíaca 150-160bpm, tensão arterial média de 44 mmHg, palidez cutâneo-mucosa, com hipertonia e clonias do membro superior es-querdo e das pálpebras. Administrado 20mg / Kg / dose de fenobarbital com boa resposta. À admissão nos cuidados intensivos pediátricos, com estabilização respiratória e hemodinâmica e com temperatura de 33ºC, mantinha-se em coma, com pupilas de 3 mm, não reativas, «gasping», sem movimentos espontâneos e hipotonia generalizada, com uma pontuação de 14 pontos na escala de Thompson corres-pondendo a encefalopatia grave.14 Iniciou monitorização electroence-falográfica contínua com aEEG (electroencefalograma de amplitude integrada) que revelou traçado deprimido de surto-supressão e eco-grafia transfontanelar sem lesão estrutural e doppler sem alterações, sendo sugestiva de edema difuso. Dada a história de evento hipóxico--isquémico, a clínica de encefalopatia com convulsões e padrão aEEG anormal, foi decidido incluir em protocolo de hipotermia terapêutica (às seis horas de vida) que manteve durante 72 horas, sem intercorrências e com rápida recuperação da acidose metabólica (pH de 7,36, às 10 horas de vida). Apresentou valores máximos de LDH, CK, TGO e TGP às 12 horas de internamento (2950, 2561, 150 e 90 UI/L, respetiva-mente), e reversão total da hiperlactacidémia ao quarto dia de vida, sem outras alterações laboratoriais relevantes ou específicas.Realizada ressonância magnética crânio-encefálica (RMN – CE) às 12 horas de vida, cujo estudo de difusão mostrou restrição a nível dos núcleos ventro--laterais de ambos os tálamos, em provável relação com lesões de hipóxia--isquémia, sem lesões estruturais malformativas ou traumáticas (Fig.1).

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Figura 2 • RMN-CE em D8 de vida em que se evidenciam áreas mais vastas de res-trição à difusão, compatíveis com a presença de edema citotóxico difuso.

CASO CLÍNICO: COLAPSO SÚBITO PÓS-NATAL NO CONTACTO PELE-A-PELE

A investigação complementar realizada excluiu a existência de patolo-gia cardíaca (ecografia cardíaca transtorácia e eletrocardiograma) ou infeciosa (hemocultura, bacteriológico de líquor, lavado bronco alveo-lar e pontas de cateteres arterial e venoso umbilicais negativos) e não revelou alterações sugestivas de doença hereditária do metabolismo ou malformativas (rastreio neonatal alargado no primeiro e décimo dias, ácidos gordos de cadeia muito longa plasmáticos, aminoácidos plasmáticos e do líquor, ácidos orgânicos urinários e radiografia do esqueleto normais). No segundo dia de vida, sob midazolam e feno-barbital, foram registadas convulsões clínicas e no aEEG, pelo que fez fenitoína. Desde então sem registo de «gasping», sem reflexo de tosse, mantendo aEEG em padrão de surto supressão e electroen-cefalograma (EEG) no sexto dia com traçado deprimido e atividade paroxística não crítica com grave atingimento cortical. Repetiu RMN – CE no oitavo dia de vida, apresentando áreas importantes de restri-ção à difusão, compatíveis com a presença de edema citotóxico difuso (Fig.2), padrão este compatível com encefalopatia hipóxico-isquémica grave. O traçado de EEG ao 11º dia mostrou agravamento em relação ao anterior, com períodos de supressão com menor descontinuidade, grave atingimento cortical e episódios críticos frequentes. Ao 13º dia de vida e, sem qualquer fármaco depressor do SNC desde o quinto dia (último doseamento de fenobarbital no décimo dia de vida de 11,4ug/ml), não apresentava sinais de recuperação neurológica, mantendo-se não reativa, pupilas médias isocóricas sem fotorreação, sem tosse ou ciclos respiratórios espontâneos, hipotonia axial marcada e hipertonia dos membros, com escala de Thompson de 19. Nesta altura e, após processo de decisão partilhada, foi realizada biopsia cutânea para cultura de fibroblastos e extração de DNA para eventual investigação posterior e a suspensão de suporte ventilatório. Foram mantidas me-didas de conforto plenas, ocorrendo o óbito sete horas depois. De acordo com a decisão informada dos pais, não foi realizada autópsia anatomopatológica. Cinco meses após o óbito, em consulta com os pais, foi abordada a possibilidade de realizar estudo genético alargado por sequenciação exómica total e sequenciação do DNA mitocondrial, com as inerentes limitações significativas na interpretação dos resulta-dos. Numa decisão conjunta com os pais, optou-se por não prosseguir de momento com estes estudos.

DiscussãoÉ prática comum nas maternidades portuguesas seguir as recomendações internacionais para a promoção da amamentação recomendações, incluindo o contacto precoce entre o bebé e a mãe. Imediatamente após o nascimento, ainda em fase de adaptação à vida extra-uterina o RN pode encontrar-se particularmente vulnerável. A ocorrência de colapso súbito pós-natal com PCR durante o contacto pele-a-pele tem sido reportada por vários autores. Hays et al relatam 11 casos de PCR nas primeiras duas horas de vida em RN frutos de gestações saudáveis. Nesta série de casos, todos os RNs se encon-travam em decúbito ventral sobre a mãe e houve necessidade de ex-tensas medidas de reanimação.15 Igual cenário é descrito em cinco dos 11 casos relatados por Branger et al, dos quais sete faleceram.16

Na casuística de Pejovic e Herlenius, 15 dos 26 RNs com PCR, en-contravam-se também em decúbito ventral durante o contacto pele--a-pele, 18 eram primigestas e 13 ocorreram durante a amamentação não supervisionada nas primeiras duas horas de vida. Nesta casuísti-ca, três casos ocorreram enquanto a mãe utilizava o telemóvel. Como sequelas, cinco desenvolveram encefalopatia hipóxico-isquémica grau 2, sendo que quatro foram submetidos a hipotermia terapêutica com bons resultados.6 Foran et al. estudaram 12 RNs com idade gestacio-nal média de 39 semanas vítimas de PCR no período neonatal ime-diato com necessidade de reanimação avançada. Destes, sete apre-sentaram encefalopatia grave e ressonância magnética com lesões na região talâmica e dos gânglios da base, alterações semelhantes às encontradas na asfixia peri-natal e encefalopatia hipóxico-isquémica grave.17 Estes achados sustentam a ideia do possível benefício da hipotermia terapêutica nestes casos, apesar da ausência de estudos controlados que o comprovem.6,13

Não podemos calcular o risco relativo de PCR ao permanecer em contacto pele-a-pele em comparação com o decúbito em berço, no entanto, a frequência destes episódios durante o contacto pele-a-pele sugere que este poderá ser um fator de risco.2,18 Nestes eventos, os principais fatores de risco associados foram: mãe primípara, RN em decúbito ventral, a obstrução das vias aéreas decorrente da cober-tura da face do RN, da compressão do nariz contra o tórax ou abdó-men materno, temperatura elevada, baixa capacidade do RN para se adaptar a situações de hipóxia, pais sozinhos e sem capacidade de reconhecer os sinais clínicos de hipóxia, partos durante a noite, mães sedo-analgesiadas e com um elevado grau de fadiga.4,5,6,10,11 O facto de alguns destes fatores de risco o serem também para o síndrome de morte súbita infantil indica a possível associação entre estas duas enti-dades.5 Seguindo as orientações estabelecidas para casos de colapso súbito pós-natal ocorrido em outros contextos, a investigação etiológi-ca tem em conta o risco aumentado de anomalias congénitas ou de doenças hereditárias do metabolismo como causas subjacentes.9 No caso apresentado, após o óbito, a avaliação em reunião multidiscipli-nar com integração de todos os resultados, revelou-se inconclusiva quanto à possível etiologia. Apesar de não ter sido realizada a autópsia anatomopatológica, não havia evidência de doença cardíaca, designa-damente arritmia, hereditária do metabolismo e / ou síndrome genético ou malformativo. Em conjunto com os pais, foi decidido não progredir no estudo etiológico genético.

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CASO CLÍNICO: COLAPSO SÚBITO PÓS-NATAL NO CONTACTO PELE-A-PELE

Independentemente da possível etiologia, o ponto mais importante, sublinhado pela maioria dos autores, é manter uma discreta mas con-tínua vigilância do recém-nascido durante as primeiras horas e dias de vida. Os três alvos em que as equipas de cuidados de saúde perinatais se deveriam focar seriam: durante contacto pele-a-pele na sala de par-tos, na amamentação nos primeiros dias de vida e no posicionamento em decúbito dorsal durante o sono.2,7,18

Os trabalhos publicados até à data são apenas séries de casos, contu-do existem já recomendações específicas quanto á prevenção destes eventos.Embora faltem estudos a comprovar a sua eficácia, há autores que de-fendem a instituição do conceito «contacto pele-a-pele seguro» como primeiro passo na prevenção destes eventos.6 Nas recomendações mais recentes sobre prevenção da síndrome de morte súbita do lactente da Academia Norte Americana de Pediatria é referido que o contacto pele-a-pele está indicado para todos os RNs imediatamente após o parto «logo que» a mãe esteja estável, desperta e capaz de responder ao RN, prolongando-se por uma hora. Poste-riormente ou se a mãe precisar de repouso ou tenha outras neces-sidades o RN deve ser colocado num berço e em decúbito dorsal.2

Adicionalmente, um grupo dedicado aos cuidados neonatais, publicou recomendações específicas que definem contraindicações e práticas de segurança no contacto pele-a-pele. As principais preocupações prendem-se com a falta de uniformização de procedimentos, a au-sência de vigilância contínua com períodos de descontinuidade supe-riores a 10-15min, a necessidade de competências e conhecimentos específicos para vigiar a díade mãe-filho no período de transição, e o desconhecimento dos riscos associados a posicionamentos não segu-

ros.18 No caso descrito, o RN não apresentava factores de risco como idade gestacional, necessidade de reanimação ou baixa pontuação no índice de Apgar, ou sedação e anestesia materna, que obrigassem a reforço da supervisão e monitorização contínua por parte da equipa de saúde.18 Adicionalmente é recomendado que iluminação da sala seja adequada e o RN esteja sempre visível. O correto posicionamento do RN deverá ser respeitado e vigiado continuamente assegurando que a face permanece visível, nariz e boca estão desimpedidos, a cabeça está em ligeira extensão e não de lado, com o pescoço direito e virada para a face da mãe, com as pernas em flexão e o dorso coberto por cobertor ou manta.18

Deste modo, recomenda-se que seja mantida uma vigilância contínua pelas equipas de saúde perinatais durante o contacto pele-a-pele e a amamentação no período pós-parto imediato, e seja tido em conta o posicionamento da via aérea do RN, sua visibilidade e estado de vigília da mãe. Os pais / acompanhantes devem ser alertados e informados sobre a monitorização dos sinais de hipóxia durante as primeiras horas após o nascimento, podendo contribuir na vigilância do RN mas nunca substituir a equipa de profissionais de saúde.18

Em conclusão, o caso apresentado alerta para o colapso súbito pós--natal que apesar de infrequente constitui um evento grave com conse-quências dramáticas. Mais estudos serão necessários para determinar uma conduta preventiva adequada e o papel da hipotermia terapêutica nestes casos. Quaisquer que sejam as recomendações que entretanto surjam, uma vigilância atenta do RN durante as primeiras horas de vida e durante o contacto pele-a-pele revela-se como obrigatória para evitar estes casos dramáticos.

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1 Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar Tondela-Viseu, 2Centro de Desenvolvimento Luís Borges, Hospital Pediátrico de CoimbraCorrespondência: Sofia Reis - [email protected]

Sofia Reis1, Alexandra Oliveira2, Sara Santos1, Cristina Faria1

Síndroma de Hipersensibilidade à Lamotrigina num adolescente

Lamotrigine hypersensitivity syndrome in an adolescent

ResumoIntrodução: A Síndroma de Hipersensibilidade à Lamotrigina é uma reação imunológica tardia pouco frequente, que ocorre uma a oito semanas após o inicio desta terapêutica. Os principais sintomas são exantema, febre, linfadenopatias (sintomas comuns a outras doenças pediátricas). Descrição do caso: Adolescente de 11 anos, com antecedentes de epilepsia medicado com lamotrigina cerca de 2 semanas antes, é ob-servado por febre com 48 horas de evolução, tendo sido diagnosticada faringite estreptocócica e medicado com amoxicilina. Por persistência da febre e aparecimento de exantema, é reobservado e, por suspeita de hipersensibilidade à amoxicilina, é alterada a terapêutica para cla-ritromicina. Por agravamento da febre e exantema é observado num serviço de urgência pediátrica no quarto dia de doença, onde são tam-bém identificadas linfadenopatias generalizadas, hiperemia conjuntival e queilite. Efetuou avaliação analítica com leucopenia, trombocitope-nia e serologias a Epstein-Barr e Mycoplasma pneumoniae negativas. Realizou também ecocardiograma sem alterações dos vasos coroná-rios. Perante a suspeita de Síndroma de Hipersensibilidade à Lamo-trigina, suspendeu o fármaco e ficou internado para vigilância. Houve aparecimento de angioedema e na reavaliação analítica identificada elevação das transaminases. Efetuou adrenalina, corticoide e antihisti-minico com melhoria clinica e analítica progressiva.Conclusão: Na criança / adolescente medicada recentemente com lamotrigina e que apresente febre, exantema e linfoadenopatias, a hi-pótese de Síndroma de Hipersensibilidade deve ser colocada.

Palavras-Chave: síndroma de hipersensibilidade a fármacos, lamo-trigina, criança.

AbstractIntroduction: Lamotrigine hypersensitivity syndrome is rare delayed immunological adverse reaction, which occurs one to eight weeks after the beginning of the drug. The main symptoms are skin rash, fever and lymphadenopathy (common to other paediatric diseases). Case Description: An 11 year-old boy, with the diagnosis of epilepsy and taking lamotrigine (for to two weeks), was observed for fever with 48 hours evolution. He was diagnosed with pharyngitis and initiated amoxicillin. Fever persisted and a cutaneous rash appeared, so he was again observed and amoxicillin hypersensitivity was suspected. The drug was replaced with clarithromycin. On the fourth day of illness, the fever was higher and the rash spread and so the child was admitted to the paediatric emergency department, where on physical examination, he also presented enlarged lymph nodes, conjunctivitis and erosions on the lips. Initial laboratory data showed leukopenia, thrombocytopenia and Epstein-Barr and Mycoplasma pneumoniae IgM were negative. Echocardiography did not show evidence of coronary vessel involvement. Suspecting lamotrigine hypersensitivity syndrome, the drug was discontinued and he was admitted for clinical surveillance. The adolescent developed angioedema and the new laboratory data showed transaminase elevation. Epinephrine, corticosteroids and antihistamine was done with clinical and laboratory improvement. Conclusion: In a child / adolescent medicated recently with lamotrigine who presents with fever, cutaneous rash and lymphadenopathy, Hypersensitivity Syndrome should be suspected.

keywords: drug hypersensitivity syndrome, lamotrigine, child.

IntroduçãoA Síndroma de Hipersensibilidade a Drogas (definida por Bocquet, Bagot & Roujeau, em 1996, pelo acrónimo descritivo DRESS – Drug Rash with Eosinophilia and Systemic Symptoms), nomeadamente a Antiepiléticos é uma reação imunológica tardia. É caracterizada por exantema, febre, linfadenopatias e disfunção multiorgânica. Surge cer-ca de 1 a 8 semanas após o início do fármaco. A incidência é aproxi-madamente de 1 em 1000 a 1 em 10.000 indivíduos medicados com um antiepilético. 1-3 Os principais antiepiléticos associados a esta rea-ção são os antiepiléticos aromáticos (fenitoína, carbanazepina, feno- feno-barbital), mas também existem casos relatados em antiepiléticos não aromáticos (lamotrigina, ácido valpróico). 1-4

A lamotrigina é um antiepilético relativamente recente com uso cres-cente em idade pediátrica, devido à sua eficácia na epilepsia de difícil controlo. 2, 3 Em adultos é utilizado na doença bipolar, na depressão

e na dor neuropática. 5-7 A lamotrigina atua bloqueando os canais de sódio dependente de voltagem, diminuindo a libertação sináptica dos aminoácidos excitatórios. 2, 3 Os principais efeitos secundários são exantema, cefaleias, náuseas, vómitos, tonturas, diplopia e ataxia. 7, 8

Podem existir também reações graves de hipersensibilidade, em que a terapêutica concomitante com ácido valpróico, idade inferior a 13 anos, sexo feminino, dose inicial elevada ou aumento rápido da dose são fatores de risco. 3, 4, 6, 9

O mecanismo subjacente ao aparecimento da reação de hipersensibilida-de permanece desconhecido. Aparenta ser multifatorial, incluindo variação na biotransformação do fármaco, fatores imunológicos e ambientais. 2, 7, 10

O diagnóstico é por vezes difícil pela semelhança dos sintomas com outras doenças, nomeadamente infeções agudas bactérias ou víricas, vasculites, entre outras. 1, 11 A relação temporal entre o início do fármaco

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C reativa (5,36 mg/dL) e sem outras alterações, nomeadamente da função hepática e renal. Efetuou serologia para Epstein-Barr e Myco-plasma pneumoniae que foram negativas. Efetuou também ecocardio-grama que não revelou alterações dos vasos coronários. Suspeitan-do da Síndroma de Hipersensibilidade à Lamotrigina, o fármaco foi descontinuado e o adolescente foi internado para vigilância clínica. Após 48 horas de admissão, houve agravamento com aparecimento de angioedema, edema facial, aumento das linfoadenopatias cervicais (figura 2) e agravamento da queilite. Efetuou reavaliação analítica com persistência da leucopenia (3800/uL) e da trombocitopenia (27000/uL) e apresentava elevação das transaminases (AST 89 IU/L, ALT 53 UI/L, normal <43 UI/L). Perante o quadro, efetuou adrenalina intramuscu-lar com melhoria do angioedema e manteve terapêutica com metil-prednisolona (1mg/kg/dia) e clemastina durante 6 dias com melhoria progressiva de todo o quadro. Ao décimo primeiro dia de doença, a avaliação analítica revelou recuperação dos valores dos leucócitos e das plaquetas (11200/uL, 68000/uL, respetivamente), mas com eleva-ção das transaminases (AST 92 UI/L e ALT 129 UI/L). O adolescente teve alta nesse dia dada a melhoria clinica. Foi reavaliado em consulta (sete dias depois) e apresentava melhoria clinica significativa, nome-adamente do exantema, agora com descamação generalizada. Foi efetuada reavaliação analítica com os valores de leucócitos, plaquetas e transaminases dentro do intervalo normal.

e o início do quadro clinico é a pista mais importante para o diagnóstico. Apresenta-se um adolescente internado com exantema, febre e linfa-denopatias generalizadas após ter iniciado lamotrigina cerca de duas semanas antes por epilepsia refratária.

Descrição do casoUm adolescente de 11 anos com antecedentes de epilepsia de difícil controlo medicado com ácido valpróico, levetiracetam e lamotrigina (esta iniciada cerca de 2 semanas antes) recorreu ao médico assisten-te por febre com 48 horas de evolução. Após a observação, foi diag-nosticada faringite estreptocócica e foi medicado com amoxicilina. No dia seguinte, por persistência da febre e aparecimento de exantema no tronco e face (sem prurido), foi reobservado no médico assisten-te, que por suspeita de hipersensibilidade à amoxicilina, suspendeu este fármaco e prescreveu claritromicina. No quarto dia de doença, por agravamento da febre e extensão do exantema ao resto do corpo, foi observado num serviço de urgência pediátrica. Ao exame objetivo, apresentava exantema maculopapular disperso por todo o corpo, mas mais evidente na face e tronco (figura 1). Apresentava também queili-te, hiperémia conjuntival, linfadenopatias cervicais, axilares e inguinais bilaterais. O restante exame era normal. Perante o quadro, foi efetua-da avaliação analítica que revelou leucopenia (3500/uL) associada a linfopenia (200/uL), trombocitopenia (26000/uL), elevação da proteína

Figura 1 • Exantema maculopapular no tronco. Figura 2 • Edema facial e linfadenopatias cervicais exuberantes.

DiscussãoO caso clínico descrito apresenta as principais características da Sín-droma de Hipersensibilidade à Lamotrigina (febre, exantema, linfoade-nopatias após duas semanas de inicio do fármaco). Tal como em casos semelhantes da literatura, a febre iniciou-se dias antes do apareci-mento do exantema e este progrediu do tronco para o resto do corpo,

com descamação após resolução. 1, 10, 12 A presença de angioedema também se encontra descrita na literatura como podendo complicar o quadro. 1, 2, 10, 13 O envolvimento orgânico hepático presente é o mais frequente, que pode ir desde a elevação discreta das transaminases (como no caso descrito) a hepatite fulminante. 2, 8, 10-13

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No entanto, o diagnóstico foi difícil pela semelhança com outras doen-ças pediátricas e também pelo desconhecimento inicial da Síndroma de Hipersensibilidade pelo primeiro observador. Foi efetuada a exclusão de infeção por Epstein-Barr e Mycoplasma pneumoniae através da serologia. A doença de Kawasaki também foi ponderada, mas a idade atípica, ausência de alguns critérios de diag-nóstico associados a ausência de alterações nos vasos coronários, tornavam menos provável este diagnóstico. Existem descritos na literatura outros casos em que a dificuldade diag-nóstica se encontra patente. Nomeadamente, o caso de uma adoles-cente de 14 anos apresentando um quadro de febre, linfadenopatias, elevação da proteína C reativa e linfocitose atípica, interpretado como mononucleose infeciosa. No entanto, só após a serologia a Epstein--Barr ter sido negativa e ter surgido exantema, é que os pais relata-ram que a jovem se encontrava medicada com lamotrigina há um mês e a hipótese de síndroma de hipersensibilidade foi colocada.2 Outro caso-clinico descrito na literatura é o de uma criança de 18 meses, que apresentava febre intermitente e exantema maculopapular após iniciar terapêutica com lamotrigina (associada ao ácido valpróico por epilepsia de difícil controlo). Após descontinuação do fármaco, existiu melhoria. Dois meses depois, o estudo in vitro da toxicidade linfocitária confirmou o diagnóstico empírico. 14

Os exames de diagnóstico, estudo in vitro da toxicidade linfocitária, pa-tch test, não estão disponíveis na maioria dos casos, além do primeiro ser dispendioso e o segundo poder ter resultados inconsistentes. 10

Daí, que o fundamental para o diagnóstico seja a relação temporal com o início do fármaco, a clinica apresentada e a melhoria após a suspensão, tal como no caso apresentado.

Na literatura também estão descritos casos em que a associação da lamotrigina ao ácido valpróico aumenta o risco para a reação de hipersensibilidade. 3,8 A justificação parece ser que o este antiepilético aumenta a concentração sérica da lamotrigina por reduzir a sua clea-rance e aumentar a sua semivida. 3, 4, 7, 8 Poderá ser esta a justificação para que no caso descrito, a melhoria não tenha sido imediata à sus-pensão do fármaco. O mais importante na Síndroma de Hipersensibilidade à Lamotrigina é reconhecê-la precocemente e interromper de imediato fármaco. 2,

3, 10, 15 Poderá ser necessário apenas vigilância clínica a partir desse momento, ou terapêutica medicamentosa. Os anti-histamínicos podem melhorar as manifestações cutâneas. Em casos graves, a administra-ção de corticoides sistémicos e / ou imunoglobulina e plasmaferese podem ser necessárias. 1, 2, 10

A reexposição ao mesmo fármaco pode causar recorrência da síndro-ma, e por isso este não deve ser utilizado novamente. 1, 10 A escolha do novo antiepilético para controlo pode ser um desafio, já que existe a possibilidade de reação cruzada. 1, 4, 10, 13

Existem já alertas aos clínicos para que se cumpram as recomenda-ções no uso da Lamotrigina, dado à frequência dos casos de hipersen-sibilidade que têm sido notificados. 15

Em conclusão, a presença de febre, exantema, linfadenopatias numa criança / adolescente medicada com lamotrigina recentemente (até cerca de 8 semanas) deve levantar a suspeita de Síndroma de Hiper-sensibilidade. Perante esta, é fundamental descontinuar a terapêutica para permitir uma melhoria clinica e confirmação diagnóstica.

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ARTIGO DE OPINIÃO

Mestrado Integrado em Medicina da Nova Medical School — Faculdade de Ciências Médicas da Universidade nova de Lisboa.Correspondência: André Caetano de Oliveira - [email protected]

André Caetano de Oliveira

O Desenvolvimento Moral: Contributos para melhorar a compreensão da criança e suas implicações para a práticaThe Moral Development: Contributions to improve understanding of children and its implications for practice

ResumoEmbora, seja comum, debates sobre a crise de valores da sociedade, o estudo do Desenvolvimento Moral é uma perspetiva que não é muito di-vulgada. O principal objetivo do artigo é a introdução nos conceitos desta temática no âmbito da psicologia do desenvolvimento e desta forma per-ceber o que é o desenvolvimento moral: 1) como é realizado esse desen-volvimento; 2) se possui estádios ou níveis; 3) como é possível promover o desenvolvimento, e por último 4) as implicações para a prática dos pro-fissionais de saúde, no domínio da moralidade.

Palavras-chave: Desenvolvimento moral; Desenvolvimento infantil; De-senvolvimento da personalidade; Estádio moral.

AbstractAlthough is common, debates on the crisis of values in society, the study of moral development is a perspective that is not well disclosed. This article main goal is to share the basics concepts on this subject within psychology of development scope, and, in this way, understand what the moral development is: (1) how is this development done, (2) do you have stages or levels, (3) is it possible to promote this development; and finally, 5) the implications for the practice of health professionals in the field of morality.

Keywords: moral development; child development; personality development; moral status.

1. Introdução

2. O Desenvolvimento MoralNos estudos básicos e pós-graduados em Pediatria, é comum estudar-se o desenvolvimento cognitivo e motor da criança, inclusive a maioria das avaliações sumárias pressupõe o domínio desses conceitos. No entanto, é sabido que o desenvolvimento não se esgota nos domínios cognitivo, motor ou social. Existe também o desenvolvimento moral que embora muito descurado das formações de base, tem grandes implicações na orientação do comportamento, nomeadamente nos comportamentos de promoção da saúde individual ou mesmo da noção de bem-estar social.Quem conhece o bem, pratica o bem. Esta é uma afirmação socrática, com séculos de existência, que se mantém presente desde o tempo da criação das civilizações modernas. Desde há muito tempo que o Homem procura compreender de uma forma extensa o comportamento e a filosofia que o orienta, desenvolvendo ciências dedicadas ao seu estudo. É frequente o es-tudo de dilemas ético-morais (através de tragédias gregas como a Antígona) que esboçam o confronto entre a moral e a ética, entre as convenções e o que é considerado correto. Apresenta-se o sofrimento e angústia pela toma-da de posições face às convenções ou face aos princípios morais.Piaget nos seus estudos inovadores terá sido pioneiro na inclusão do estu-

do da moralidade no desenvolvimento da criança, afirmando que a morali-dade é um sistema de regras, apontando o foco do estudo para o respeito que o indivíduo vai desenvolvendo por essas regras. (citado por Lourenço, 2006) Desta forma, a moral é considerada como o respeito por certas nor-mas e princípios, sendo que estes são prescritivos ou normativos do com-portamento. «Um princípio moral não é apenas uma regra para a acção, é sobretudo uma razão para a própria acção». (Lourenço, 2006, p. 29)Piaget para além da sua teoria de desenvolvimento cognitivo propôs uma teoria de dois níveis de desenvolvimento moral. O primeiro nível, deno-minado frequentemente de heteronomia, revela uma moral caracterizada por constrangimento, obediência e respeito unilateral, obediência estrita à autoridade. Este nível é característico das crianças até aos 8/9 anos. O segundo nível é descrito como a antítese do anterior, caracterizando-se por uma moral autónoma de cooperação e respeito mútuo. Surgem os princípios de igualdade, reciprocidade e de ajuste nas opções tomadas é denominado como para a prática moral autónoma. Neste segundo estádio entende-se que a criança já interiorizou as normas e as convenções so-ciais. (Hersh, Paolitto, & Reimer, 1988; Herman, 2005; Lourenço, 2006)

Tabela 1 • Características da Heteronomia Moral e da Autonomia Moral.

CARACTERÍSTICAS HETERONOMIA MORAL AUTONOMIA MORALConcepção das regras e normas Fixas e imutáveis Modificáveis por acordoDiferenciação de perspectivas Egocentrismo e centração Perspectivismo e descentraçãoAvaliação das transgresssões Responsabilidade objectiva e realismo moral Responsabilidade subjectiva e atenção às intençõesO que é imoral O que é proibido e leva aos castigo O que viola o espírito de cooperação e da igualadeCastigo para o transgressor Sanções expiatórias e arbitrárias Sanções baseadas na reciprocidade

Orientação moral Orientação para o castigo, obediência e respeito unilateral

Orientação para a cooperação e para o respeito mútuo

Sentido de justiça Autoridade e medo do castigo Igualdade, cooperação e equidadeDistributiva e retributiva Retaliação e justiça iminente Restituição e reciprocidadeConcepção de dever Externo e obediência à autoridade Integro e preocupação com o bem-estar dos outros

(adaptado de Lourenço 2006, p. 79)

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ARTIGO DE OPINIÃO: O DESENVOLVIMENTO MORAL: CONTRIBUTOS PARA MELHORAR A COMPREENSÃO DA CRIANÇA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

É importante referir que Piaget defendeu, que estes dois níveis não são estanques, devendo-se referir como fases sobreponíveis. Chegando a afirmar que pode haver elementos de autonomia numa criança dominante-mente heterónoma e vice-versa, ver tabela 1. (Lourenço, 2006)No entanto, não se deve julgar que mais nenhuma corrente da psicologia inferiu sobre o desenvolvimento moral. Dependendo da Teoria Psicológica, pode assumir-se que este desenvolvimento é a expressão de emoções e de ligações afetivas, mantidas enquanto criança (psicanalítica); pode ser compreendido como o grau de interiorização das regras e normas morais aprovadas socialmente (aprendizagem social); ou como uma construção individual de princípios morais, em particular o de justiça, (estrutural-cons-trutivista) postulado por Kohlberg. É nesta última perspetiva que este ar-tigo se irá alongar, por ser considerada como a mais abrangente; integrar argumentos filosóficos na sua construção; dedicar-se de uma forma mais exaustiva a explicar o desenvolvimento da moralidade, bem como ser a que mais se compromete com a transformação/desenvolvimento em so-ciedades justas e boas. (Lourenço, 2006)

2.1 A abordagem de Kohlberg ao Desenvolvimento Moral

Kohlberg realizou o seu estudo seguindo a perspetiva dos estudos de Pia-get (indagação Piagetiana) nesta metodologia é importante pedir à criança que justifique as suas respostas, e determinar como reage a contra suges-tões ou introdução de outro ponto de vista.Era apresentada uma história que corresponderia a um dilema, onde se confronta o valor da vida e o valor da propriedade, entre outros. Realizava uma entrevista a crianças, adolescentes e adultos sobre qual seria a ação e o porquê/justificação da ação. Da análise das respostas Kohlberg iden-tificou três níveis de desenvolvimento moral, cada um comportando dois estádios com características diferentes e não sobreponíveis. Para Kohl-berg cada estádio é caracterizado por determinadas operações de justiça. Note-se que, para Kohlberg, o conceito de justiça é muito abrangente e engloba conceitos de igualdade, universalidade, equidade e reciprocida-de. (Kohlberg, 1981; Lourenço, 2006) Kohlberg definiu o desenvolvimento como estádios e não como continuum ou incremental, defendendo que os estádios implicam diferentes modos de pensar e de resolver os mesmos problemas (qualitativamente distintos); identificando uma ordem universal (sequência invariante) que reflete a organização do pensamento que é usado para os problemas e não só para o dilema em análise (estrutura de conjunto). (Herman, 2005; Lourenço 2006)Central nas opções de Kohlberg é a orientação para a justiça, sustentando que a justiça é o pensamento moral básico, que «virtudes não há muitas. Uma apenas: A justiça.» Kohlberg citado por Lourenço (2006).O nível, no qual se situam a maioria das crianças antes dos 9 anos, po-dendo também incluir alguns adolescentes e adultos é denominado de pré-convencional; o nível convencional é alcançado pela maioria dos ado-lescentes e adultos, no entanto o nível pós-convencional é apenas atingido por uma minoria de adultos, geralmente após os 20-25 anos. (Kohlberg, 1981)A moralidade pré-convencional é caracterizada de uma forma geral pe-las características de moralidade heterónoma de Piaget. Para as crianças neste estádio, as normas e princípios parecem estar exteriores a si. As crianças cumprem as normas morais para evitar um castigo ou para satis-fazer desejos e interesses concretos do próprio ou do outro, conforme o dilema se apresenta.O nível pré-convencional possui dois estádios. O estádio 1 (moral do cas-tigo) é uma orientação para a obediência e para a punição, consiste em

obedecer aos mais velhos. A ação é classificada conforme as consequên-cias e não com as intenções com que foram praticadas. Do ponto de vista cognitivo é consistente com o pensamento pré-operatório de Piaget. No estádio 2 (moral do interesse) as ações são justas por serem a forma de satisfazer desejos, interesses e necessidades. Neste estádio os valores morais já não estão nas ações, mas sim nas suas consequências, revela maior capacidade intelectual de calcular os custos e benefícios das ações, já consegue coordenar perspetivas, mas apenas segundo o ponto de vis-ta de uma segunda pessoa. (Hersh, Paolitto, & Reimer, 1988; Lourenço, 2006; Kohlberg, 1981).O nível que abrange a maioria dos adultos e adolescentes é o nível con-vencional, caracterizado por elementos da sociedade, que já interiorizaram as normas e expectativas da sociedade. Já não se pensa em termos de recompensa ou castigo, mas na conformidade com as convenções sociais. O indivíduo toma consciência de ser alguém inserido na sociedade e ado-ta uma postura de moralidade interpessoal, «subordina as necessidades individuais ao ponto de vista e às necessidades do grupo» Kohlberg citado por Lourenço (2006, p. 98)O estádio 3 (moral do coração) é o primeiro onde surge a moralidade in-terpessoal, coordenando o ponto de vista de uma terceira pessoa embora com uma imagem estereotipada. Neste estádio surge a regra de ouro, que afirma que devemos tratar os outros como nós próprios gostaríamos de ser tratados no lugar deles, surge desta forma a capacidade de julgar as ações através da perspetiva do outro.O quarto estádio (moral da lei) mantém a característica de ser uma mo-ralidade interpessoal, mas contrariamente ao estádio anterior coordena perspetivas de uma terceira pessoa com uma visão mais geral e racional e menos relacional. Desta forma, apresenta o ponto de vista da lei, nor-mas ou códigos socialmente aceites e partilhados, demonstrando acreditar numa filosofia moral que pretende manter a ordem social. (Kohlberg, 1981; Hersh, Paolitto, & Reimer, 1988; Lourenço, 2006).O nível com a moralidade mais justa é o pós-convencional, onde o va-lor moral das ações não depende tanto das normas sociais e perspetiva grupal/sociedade, mas da conformidade com princípios éticos universais. As pessoas neste nível sentem-se compelidas a agir para defender estes princípios mesmo que existam normas legais ou sociais que os proíbam. O ponto de vista moral, sobrepõe-se às convenções.O estádio 5 (relativismo da lei) a minoria que chega a este estádio avalia as ações considerando que existem normas, mas que estas possuem re-latividade. Que embora haja regras, estas podem interferir com princípios éticos mais importantes que não podem ser subjugados.A perspetiva é mais de transformação do que de manutenção da socie-dade, criando um debate sobre a validade das regras e a busca de uma sociedade mais justa. O indivíduo coloca-se antes da sociedade, e perce-be que ela só faz sentido se assegurar os direitos fundamentais de toda a pessoa. (Lourenço, 2006) As operações de justiça neste estádio tendem a ser a procura de uma resposta ideal do ponto de vista moral (pessoal) e que consiga ultrapassar os controlos de universalidade (independente-mente das circunstâncias) e reversibilidade (aceite por todos, mesmo se trocassem de posição). O estádio 6 foi definido como ideal supremo de desenvolvimento moral, no entanto, Kohlberg durante os processos de re-visão da teoria desistiu de o considerar como estádio possível de atingir, mas apenas como realidade empírica, onde se assume a «consciência clara e assumida da normatividade, universalidade e reversibilidade dos princípios éticos. A tomada de perspetiva de modo a salvaguardar os direi-tos humanos fundamentais e a ver sempre a pessoa como um fim, nunca como um meio.» (Lourenço, 2006, p. 114 e 117).

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3. Como promover o Desenvolvimento MoralPartindo do pressuposto que entendemos a moralidade como uma carac-terística da pessoa, que vai evoluindo, então é porque acreditamos que este desenvolvimento pode ser estimulado e promovido. Consequente-mente as diferentes perspetivas da moralidade atribuem diferentes formas de promover ao mais alto nível de moralidade e a criação de uma socieda-de mais justa e correta.Para chegar a modelos de educação moral, é necessário perceber quais são os fatores que as teorias identificam como promotoras do desenvol-vimento moral.O primeiro fator identificado é o desenvolvimento cognitivo, justificando algum paralelismo entre os estádios de desenvolvimento moral de Kohl-berg e os estádios de desenvolvimento cognitivo de Piaget. É aceite que o desenvolvimento cognitivo é uma condição necessária, embora não suficiente para o desenvolvimento moral. As crianças que não possuem pensamento formal e abstrato não conseguem atingir níveis que pressu-põem processos de conjugação de diferentes hipóteses e o domínio de conceitos intangíveis como a maioria dos princípios éticos. Ver Tabela 2. (Lourenço, 2006; Ma, 2012).

Um outro fator, apontado como dos mais importantes no desenvolvimen-to moral é a tomada de perspetiva social, é a capacidade de integrar os pontos de vista de outros, à semelhança de Kohlberg estão definidos cinco estádios de tomada de perspetiva social. Sendo os estádios caracteriza-dos por traduzirem as diferentes formas da pessoa distinguir e coordenar

Tabela 2 • Paralelismo entre os Desenvolvimentos Cognitivo, Interpessoal e Moral.

ESTÁDIO COGNITIVO ESTÁDIO DE TOMADA DE PERSPETIVA ESTÁDIO MORAL

Pré-operatório: Irreversibilidade e centração Estádio 1: Perspetiva egocêntrica e de primeira pessoa

Estádio 1: Orientação para o castigo e para a obediência

Operações concretas: Reversibilidade e compreensão

Estádio 2: Perspetiva diferenciada, mas de segunda pessoa

Estádio 2: Orientação para a troca, desejos e interesses.

Operações formais emergentes: Começo da lógica proposicional

Estádio 3: Perspetiva mútua e de terceira pessoa

Estádio 3: Orientação para a aprovação social.

Primeiras operações formais: Raciocínio hipotético-dedutivo

Estádio 4: Perspetiva do sistema social e convencional

Estádio 4: Orientação para a ordem, lei e imparcialidade.

Operações formais elaboradas, exaustivas e sistemáticas

Estádio 5: Perspetiva de um outro além da sociedade.

Estádio 5: Orientação para o ponto de vista moral.

(adaptado de Lourenço 2006, p. 164)

diferentes pontos de vista sociais. Kohlberg também entendia, que primei-ro, as pessoas atingem um desenvolvimento cognitivo permitindo-lhes ir abarcando mais informação e processá-la de forma mais complexa, pos-sibilitando ver um conjunto de variáveis envolvidas e realizar operações sobre elas. De seguida, a pessoa atinge um determinado nível de tomada de perspetiva social que lhe permite integrar diferentes perspetivas, com-preendendo que estão inseridas num sistema mais complexo, a socieda-de. (Herman, 2005; Lourenço, 2006; Gaete, 2015).Tendo estes dois fatores em consideração, facilmente se percebe que as atividades que proporcionam o desenvolvimento moral terão, por um lado, de promover o mais alto nível de pensamento cognitivo e por outro, oportu-nidades de descentração social. Exercícios colocando-se em pensamento e ação no ponto de vista do outro. A tomada de consciência do ponto de vista do outro, mais relevante quando divergente do nosso, favorece a to-mada de posições fora do domínio do pré-convencional. Para promover o desenvolvimento moral Kohlberg postulou a educação para a justiça como o modelo mais adequado, capaz de ultrapassar as críticas realizadas à doutrinação do carácter, onde o exemplo e o ensino de virtudes centra-se mais no domínio do convencional do que do pós-convencional. (Darley, 1990; Rest, 2000; Herman, 2005).A educação para a justiça é considerada como mais fundamentada em princípios éticos e filosóficos e pressupõe uma perspetiva construtivista e desenvolvimentista, ou seja, é um processo que o próprio vai desenvol-vendo resultante principalmente de interações e não apenas de acomoda-ção mais ou menos passiva das normas da sociedade.

O objetivo da educação para a justiça é atingir níveis de moralidade pós--convencional. A metodologia proposta para atingir este objetivo pres-supõe a discussão de dilemas morais, na ideia de que o confronto de perspetivas divergentes e diversas, provoca a reestruturação de níveis de pensamento e ação moral mais avançados. (Kohlberg, 1981; Lourenço, 2006, Ma, 2012)A oportunidade de descentração social (descrito anteriormente) é também um método apoiado por Kohlberg na ideia de educação para a justiça, onde ocorre a participação do próprio na argumentação e redefinição de preconceitos e estereótipos, promovendo o crescimento moral. No entan-to, a metodologia mais divulgada em termos de educação para a justiça é a vivência em comunidades justas. Esta forma de promover o desenvolvi-

mento moral, surgiu da constatação de que, não bastariam a discussão de dilemas morais, se estes ocorressem em contextos pouco morais, onde é baixo o valor de igualdade, de comunidade e de participação democrática. (Lourenço, 2006)

4. Implicações para a práticaO domínio dos conceitos de desenvolvimento moral na criança tem im-plicações práticas na atitude dos educadores, que devem enfatizar a co-operação nos processos decisórios, centrando o desenvolvimento moral na elaboração e maturação de regras baseadas na justiça. Note-se que, como educadores, deve-se entender todos os que assumem responsabi-

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lidade pelo crescimento da criança. Em regra, os pais e os professores, mas também todos os profissionais de saúde que contactam com crianças e que integram projetos de educação para a saúde, promoção de com-portamentos saudáveis ou mesmo na prevenção de comportamentos de risco. (Friedrich, 2017)Com o conhecimento de como ocorre o desenvolvimento moral da criança, torna-se mais fácil adequar as medidas de educador, face aos diferentes estádios, por outro lado, permite-nos ter mais ferramentas para proporcio-nar o crescimento moral, e a tomada de decisões conscientes e autóno-mas com base em princípios éticos e universais.Ao pretendermos motivar os adolescentes para comportamentos saudá-veis como o desporto ou evitar comportamentos de risco (como prevenção de doenças sexualmente transmissíveis ou consumo de drogas), devemos antes de mais, promover o seu desenvolvimento moral e apelar à aquisi-ção de padrões de funcionamento moral mais elevados do que a simples convenção (ex.: não se deve consumir drogas porque a lei não o permite) devemos promover a individualidade do pensamento moral para o nível pós-convencional de estádio cinco.Também é importante salientar que aceitando que o desenvolvimento, seja ele moral ou cognitivo, não termina ao promovermos o crescimento das crianças e adolescentes, mas é continuo ao longo do ciclo de vida. Sabendo que tal como as crianças, evoluímos com as aprendizagens dos nossos pares, devemos também como profissionais, utilizarmos as ferra-

mentas de crescimento moral no seio do grupo profissional. Se tivermos uma maior compreensão e um maior nível moral, então as nossas condu-tas orientadas por princípios universais irão trazer benefícios na qualidade dos cuidados prestados, bem como na melhoria do ambiente de trabalho, por promovermos a vivência em comunidades justas, baseadas nos prin-cípios de equidade e justiça. Desta forma, percebe-se que os profissionais de saúde têm um caminho a explorar, trabalhando em equipa com pais e professores, na criação de comunidades justas, podendo desempenhar um papel importante no desenvolvimento das crianças e adolescentes. Como membros da sociedade e integrados num ambiente organizacional, compete a cada um lutar por estes princípios, no local de trabalho e nos meios em que assuma responsabilidades.A falta de domínio dos conceitos de moralidade por parte dos profissionais de saúde pode colocar em causa alguns comportamentos estereotipados face à criança, com juízos de valor para os seus comportamentos que não são promotores do seu desenvolvimento. Torna-se importante o debate sobre a moralidade e cada um assumir como pode crescer moralmente e promover o crescimento moral da sociedade.Em síntese, a aquisição de conhecimentos na área do desenvolvimento moral, permite compreender o desenvolvimento infantil e como intervir potenciando-o a níveis mais elevados, na busca da vivência numa comuni-dade justa onde procuramos a virtude da justiça e o bem-estar para todos.

Bibliografia1. Lourenço O. Psicologia de Desenvolvimento Moral: Teoria, dados e implicações.

3rd ed. Coimbra: Almedina; 2006.2. Hersh R, Paolitto D, Reimer J, Fernández Aguinaco C. El crecimiento moral. Ma-

drid: Narcea; 2002.3. Herman W. Values Acquisition and Moral Development: An Integration of Freu-

dian, Eriksonian, Kohlbergian and Gilliganian Viewpoints. Psychological Influen-ces on Today's Children [Internet]. Oxford: Eric; 2005 [cited 30 February 2018]. Available from: https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED490607.pdf

4. Kohlberg L. Essays on moral development. San Francisco: Harper & Row; 1981.5. Gaete V. Desarrollo psicosocial del adolescente. Revista Chilena de Pediatría.

2015;86(6):436-43.

6. Ma H. Moral Competence as a Positive Youth Development Construct: A Concep-tual Review. The Scientific World Journal. 2012;2012:1-8.

7. Darley J. Moral Rules: Their Content And Acquisition. Annual Review of Psycho-logy. 1990;41(1):525-56.

8. Rest J, Narvaez D, Thoma S, Bebeau M. A Neo-Kohlbergian Approach to Morality Research. Journal of Moral Education. 2000;29(4):381-95.

9. Friedrich O, Hemmerling K, Kuehlmeyer K, Nörtemann S, Fischer M, Marckmann G. Principle-based structured case discussions: do they foster moral competence in medical students? - A pilot study. BMC Medical Ethics. 2017;18 (1).

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1 USF BRIOSA – Centro de Saúde Norton de Matos, Coimbra. 2 Hospital Pediátrico, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.Correspondência: Mariana Barreto - [email protected].

texto para pais

TEXTO PARA PAIS

Mariana Barreto1, Maria Inês Barreto2

Afogamento em Pediatria: como prevenir?

Afogamento define-se por uma insuficiência respiratória em resultado da

imersão (pelo menos a face e a abertura da via aérea) ou submersão (todo o

corpo) em água ou outro líquido1. Pode ser fatal ou não, resultando num grau

variável de morbilidade, sendo que o grau de hipóxia e o início de suporte

básico de vida são os fatores de prognóstico mais importantes1. Sabe-

-se que grande parte dos episódios de afogamento seria evitável através

de medidas de segurança, desempenhando os profissionais de saúde,

professores, pais e comunidade um papel fulcral na prevenção primária2.

Crianças / jovens e água: contextualizaçãoA água surge em vários momentos da vida, seja na alimentação, higie-ne e ainda em atividades de lazer. Para a maioria das crianças a água é um atrativo que representa diversão, seja numa piscina, no mar ou rio e até mesmo na banheira. Contudo, ainda que dissimulado, pode também originar situações de perigo. O afogamento de uma criança é um acontecimento trágico, habitualmente rápido e silencioso3,4. Em úl-tima consequência, pode levar à morte ou a incapacidade permanente, com impacto devastador nas famílias5.A vulnerabilidade das crianças difere consoante a idade, género e estádio de desenvolvimento, sendo também diferentes as principais circunstâncias do afogamento. Uma criança no primeiro ano de vida é relativamente imóvel e totalmente dependente de adultos, mas no entanto o episódio de afogamento pode ocorrer mesmo em pequena quantidade de água. No caso das crianças do grupo etário seguinte, embora já com marcha autónoma, são ainda incapazes de reconhecer o risco e de sair da água sem auxílio, pelo que representam também idades de risco elevado. Os adolescentes, normalmente menos vigia-dos, mais astutos e autoconfiantes, provavelmente expõem-se a mais riscos não calculados (zonas balneares menos vigiadas, saltos para a água, banhos sob consumos de álcool e drogas)4-7.

Números e factos

I – Mundial3

– As taxas mais elevadas de afogamento encontram-se nas crianças do primeiro ao quarto ano de vida.

– O afogamento é a terceira causa de morte a nível mundial em crian-ças entre os 5 e os 14 anos, sendo os acidentes de viação a primeira causa de morte por acidente nesta faixa etária.

– Cerca de 50% dos casos de morte por afogamento ocorrem em ida-de inferior a 25 anos.

– 91% dos casos de mortes por afogamento ocorrem em países com baixo ou médio rendimento.

II – Portugal4,5

– O afogamento é a segunda causa de morte acidental nas crianças em Portugal (depois dos acidentes de viação) e a grande maioria poderia ser prevenida pela utilização de barreiras físicas adequadas.

– No entanto, registou-se uma diminuição do número de mortes por afogamento no período de 2011-2014 (média 8,8/ano), comparativa-mente ao período anterior de 2005-2010 (média 16,5/ano).

– A maioria das crianças e jovens com necessidade de internamento após um afogamento tem idades compreendidas entre os 0 e os 4 anos.

– Sabe-se que, por cada episódio de óbito por afogamento, 2 a 3 crian-ças ficam com sequelas neurológicas permanentes, tais como alte-rações da memória, dificuldades de aprendizagem ou persistência de estado vegetativo.

– Estudos disponíveis de casos de afogamento em crianças e jovens entre 2005 e 2015 revelaram que:

• Junho, julho e agosto foram os meses do ano com maior registo de casos;

• Mais de metade dos casos (68,3%) ocorreram em crianças do género masculino;

• Na primeira década de vida a maioria dos episódios de afo-gamento aconteceram em planos de água construídos, so-bretudo piscinas, enquanto nos mais velhos ocorreram mais frequentemente em planos naturais (rios / ribeiras / lagoas).

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Quais os principais fatores de risco? 4-6:– Vulnerabilidade inerente à própria idade.– Não saber nadar.– Acesso facilitado a planos de água (poços, fossas, piscinas, lagos,

rios, mar).– Ausência de barreiras físicas ou dispositivos de flutuação adequa-

dos.– Ausência ou inadequada vigilância (mesmo na banheira), ainda que

por breves segundos: a presença de um adulto, per si, não significa que a criança esteja a ser bem vigiada, devendo as distrações duran-te esta vigilância ser evitadas (ex. uso de telemóvel).

– Consumo de álcool e drogas e exposição simultânea a banhos.– Falta de cumprimento das regras de segurança do local.

Que estratégias se podem adotar para reduzir o risco4-7?I – Ações da comunidade

a) Nunca perder as crianças de vista perto de água, mesmo quando se trata de águas rasas. A vigilância deve ser ainda mais acurada com as crianças mais novas ou com necessidades especiais. O cuidador deve estar perto do local onde as crianças estão a brin-car na água.

b) Nunca deixar uma criança com menos de 3 anos sozinha na banheira durante o banho: os apoios de banho transmitem uma falsa sensação de segurança.

c) Esvaziar baldes, alguidares e banheiras, logo após a sua utili-zação.

d) Colocar barreiras físicas de acesso a piscinas em toda a volta, as-segurando que a criança não consegue abrir, atravessar ou trepar a vedação circundante (atenção ao perigo de barras horizontais!). As coberturas de piscinas e os alarmes não mostraram, per si, benefício na prevenção de afogamento. Não deixar brinquedos a flutuar nas piscinas dado que são potenciais fontes de distração.

e) As fossas, poços e tanques devem ser tapados.f) Optar por praias e piscinas vigiadas e cumprir a sinalização.g) Colocar sempre colete salva-vidas ou auxiliares de flutuação, que

cumpram as medidas de segurança.h) Formação em suporte básico de vida.i) Promoção de conhecimentos de natação e segurança o mais pre-

cocemente possível.

j) Alertar para os riscos de mergulhar em pontões ou em zonas em que seja desconhecida a profundidade da água ou onde existam rochas submersas ou desníveis.

k) Incentivar as crianças a permanecerem perto das margens e a nunca entrarem na água sem vigilância.

II – Políticas e legistação2-5

A responsabilidade pelas políticas e legislação, com impacto na dimi-nuição dos casos de afogamento e pela confirmação do seu cumpri-mento, deve ser repartida por todos, desde o Estado, às autarquias, aos organismos com poder local, às empresas de construção e ma-nutenção, às empresas de atividades lúdicas e desportos náuticos, não esquecendo ainda os profissionais de saúde e de educação e as famílias. Cabe a todos os indivíduos o papel de cidadãos ativos e exigentes no cumprimento das políticas e legislação que aumentem a segurança das crianças e jovens em todos os locais com um plano de água.

Medidas práticas – Em caso de afogamento retirar a criança da água imediatamente e

confirmar se está a respirar. Se não estiver, iniciar suporte básico de vida que só deverá ser interrompido quando a criança voltar a respirar ou quando a ajuda se encontrar no local.

– Ligar para o 112 e pedir ajuda o mais rapidamente possível.– A observação médica é obrigatória em todas as crianças vítimas de

afogamento, mesmo quando aparentemente se encontrem bem4.

ConclusãoO afogamento é uma causa de morte mundial muitas vezes subes-timada, sendo igualmente desvalorizado o seu impacto nas famílias afetadas e respetivas comunidades. Mais de 80% dos casos de afo-gamento podem ser prevenidos4. Importa ainda assim reforçar que nenhuma das medidas de prevenção enumeradas é suficiente por si só para evitar o afogamento e as suas consequências, pelo que é ne-cessário implementar estratégias múltiplas e complementares. A prevenção e a consciencialização desta realidade faz parte da solu-ção para este problema e pode salvar vidas.

Bibliografia1. European Ressuscitation Council. Pediatric Life Support, 2017. Acessível em ht-

tps://www.erc.edu. Acesso no dia 08 junho 2017.2. World Health Organization. World report on child injury prevention, 2008. Acessí-

vel em: htp://www.who.int/. Acesso no dia 14 de junho de 2017.3. World Health Organization. Global report on drowning: preventing a leading killer,

2014. Acessível em htp://www.who.int/. Acesso no dia 14 de junho 2017.4. Associação para a Promoção da Segurança Infantil. Acessível em http://www.

apsi.org.pt. Acesso no dia 14 de junho 2017.

5. Figueiredo C, Gomes C, Camilo C, Rios J, Abecasis F, Vieira M. Afogamento em idade pediátrica: experiência de uma unidade de cuidados intensivos pediátricos. Acta Pediatr Port 2014;45:32-36.

6. Weiss J. Technical Report – Prevention of Drowning. PEDIATRICS 2010; 1265.7. Shelov SP, Hannemann RE, Trubo R. Caring for your baby and young child: birth

to age 5. American Academy of Pediatrics 2014.

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SAÚDE INFANTIL

Editorial

Alergologia Pediátrica – uma subespecialidade emergenteCarla Chaves Loureiro

Artigos originais

Morbidade neonatal dos recém-nascidos de termo precoce comparados aos de termo

Clara Gomes, Nuno Lourenço, Cristina Resende

Emergência pediátrica pré-hospitalar – a perspetiva dos intervenientesAna Lopes Dias, Juan Calviño

Controlo metabólico duma população pediátrica com diabetes mellitus tipo um

Joana Verdelho Andrade, Clara Gomes, Assunção Luís, Gabriela Laranjo, Joana Campos

Utilização dos recursos de saúde e saúde infantil: o impacto da formaçãoCatarina Lacerda, Carolina Prelhaz, Inês Ganhão, Mafalda Matias, Margarida Rafael, Joana Extreia, Susana Correia, Diana Pignatelli

Teleconsulta de Cardiologia Pediátrica – experiência de 10 anosAna Paula Rocha, Ana Rita Dias, Ester Gama, Conceição Nunes, António Pires, Eduardo Castela, Júlio Bilhota Xavier

Paraparésia flácida assimétrica – Qual o diagnóstico?Alexandra Martins, Ana Azevedo, Rui Barreto, Catarina Santo, Susana Tavares

Casos Clínicos

Colapso Súbito pós-natal no contacto pele-a-peleSara Pires da Silva, Patrícia Rocha, Rita Moinho, Leonor Carvalho, Sérgio Sousa, Luísa Diogo, Alexandra Dinis

Síndrome de Hipersensibilidade à Lamotrigina num adolescenteSo�a Reis, Alexandra Oliveira, Sara Santos, Cristina Faria

Artigo de Opinião

O Desenvolvimento Moral: Contributos para melhorar a compreensão da criança e suas implicações para a prática

André Caetano de Oliveira

Texto para Pais

Afogamento em Pediatria: como prevenir? Mariana Barreto, Maria Inês Barreto

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