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  • DADOS DECOPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizadapela equipe Le Livros e seusdiversos parceiros, com o objetivode oferecer contedo para usoparcial em pesquisas e estudosacadmicos, bem como o simplesteste da qualidade da obra, com ofim exclusivo de compra futura.

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  • "Quando o mundo estiver unidona busca do conhecimento, e no

    mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade

    poder enfim evoluir a um novonvel."

  • Copyright Stephen King, 1986Publicado mediante acordo com o autor atravsde Lotts Agency Todos os direitos desta edioreservados EDITORA OBJETIVA LTDA.Rua Cosme Velho, 103Rio de Janeiro RJ CEP: 22241-090Tel.: (21) 2199-7824 Fax: (21) 2199-7825www.objetiva.com.br Ttulo originalIt

    CapaRodrigo Rodrigues sobre layout original Imagemda capaGlen Orbik RevisoRita GodoyAna Kronemberger Coordenao de e-bookMarcelo Xavier Converso para e-bookAbreus System Ltda.

  • CIP-BRASIL. CATALOGAO NAPUBLICAO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORESDE LIVROS, RJ

  • K64cKing, Stephen

    It : a coisa [recurso eletrnico]/ Stephen King ; traduo RegianeWinarski. - 1. ed. - Rio de Janeiro :Objetiva, 2014.

    recurso digitalTraduo de: ItFormato: ePubRequisitos do sistema: AdobeDigital EditionsModo de acesso: World Wide WebISBN 978-85-8105-152-9 (recursoeletrnico)

    1. Fico americana. 2. Livroseletrnicos. I. Winarski, Regiane.II. Ttulo.

    14-13153 CDD: 813CDU: 821.111(73)-3

  • Este livro dedicado comgratido aosmeus filhos.Minha me eminha esposame ensinaram aser homem.Meus filhos meensinaram a serlivre.

    NAOMI RACHEL KING, 14 anos;JOSEPH HILLSTROM KING, 12

    anos; OWEN PHILIP KING, 7anos.

    Crianas, a

  • fico averdade dentroda mentira, e averdade destafico bemsimples: amagia existe.

    S. K.

  • EstavelhacidademeulardesdequelembroEstavelhacidadevaiestaraqui

  • bemdepoisqueeuforembora.Ladoleste,ladooeste,dumaboaolhadanelaVocanda

  • mal,masaindafazpartedemim.TheMichaelStanleyBand

    Velhoamigo,o quevoc

  • procura?DepoisdetantosanosforavocvoltaComasimagensquecultivouSobcusestrangeirosLonge

  • desuaprpriaterra.GeorgeSeferis

    Donada,paraaescurido.NeilYoung

  • SUMRIO

    CapaFolha de RostoCrditosDedicatriaEpgrafePARTE 1 A SOMBRA ANTES

    Captulo 1 Depois da enchente(1957)

    Captulo 2 Depois do festival(1984)

    Captulo 3 Seis telefonemas(1985)

    DERRY: PRIMEIRO

  • INTERLDIOPARTE 2 JUNHO DE 1958

    Captulo 4 Ben Hanscom sofreuma queda

    Captulo 5 Bill Denbroughvence o diabo (I)

    Captulo 6 Um dosdesaparecidos: uma histria dovero de 1958

    Captulo 7 A represa noBarrens

    Captulo 8 O quarto de Georgiee a casa na rua Neibolt

    Captulo 9 ArrumaoDERRY: SEGUNDO

    INTERLDIOPARTE 3 ADULTOS

  • Captulo 10 O reencontroCaptulo 11 CaminhadasCaptulo 12 Trs convidados

    inesperadosDERRY: TERCEIRO

    INTERLDIOPARTE 4 JULHO DE 1958

    Captulo 13 A apocalpticaguerra de pedras

    Captulo 14 O lbumCaptulo 15 O buraco de

    fumaaCaptulo 16 A fratura ruim de

    EddieCaptulo 17 Mais um

    desaparecido: a morte de PatrickHockstetter

  • Captulo 18 O estilingueDERRY: QUARTO

    INTERLDIOPARTE 5 O RITUAL DE CHD

    Captulo 19 Nas viglias danoite

    Captulo 20 O crculo se fechaCaptulo 21 Debaixo da cidadeCaptulo 22 O ritual de ChdCaptulo 23 Para foraDERRY: LTIMO

    INTERLDIOEPLOGO BILL DENBROUGHVENCE O DIABO (II)Aqui expresso meusagradecimentos

  • PARTE 1

  • A SOMBRA ANTES

    Eles comeam!As perfeies so acentuadasA flor abre as ptalas coloridas

    sob o solMas a lngua da abelha

    no chega a elasElas afundam de volta no solo

    gritando pode-se chamar de grito

    que rasteja por elas, um tremorenquanto elas murcham e desaparecem WILLIAM CARLOS WILLIAMS,

    Paterson Nascido na cidade de um homemmorto.

    BRUCE SPRINGSTEEN

  • Captulo 1

    Depois da enchente (1957)

  • 1O terror, que s terminaria 28 anosdepois (se terminasse), comeou,at onde sei ou consigo saber, comum barco feito de uma folha dejornal flutuando por uma sarjetacheia da gua da chuva.

    O barco balanou, quase virou,se endireitou, mergulhoucorajosamente nos redemoinhostraioeiros e continuou a seguirpela rua Witcham em direo aosinal de trnsito que indicava ainterseo dela com a Jackson. Astrs lentes verticais de todos os

  • lados do sinal estavam escurasnaquela tarde do outono de 1957, eas casas tambm estavam escuras.Vinha chovendo sem parar haviauma semana, e dois dias antes osventos tambm chegaram. Muitaspartes de Derry ficaram semenergia, que ainda no tinhavoltado.

    Um garotinho de capa de chuvaamarela e galochas vermelhascorria alegremente ao lado dobarco de jornal. A chuva no haviaparado, mas estava diminuindo,enfim. Ela caa no capuz amareloda capa de chuva do garoto, soandopara ele como chuva em um telhado

  • de galpo um som confortvel,quase aconchegante. O garoto decapa amarela era GeorgeDenbrough. Ele tinha 6 anos. Seuirmo, William, conhecido pelamaior parte das crianas da EscolaDerry (e at pelos professores, quejamais usariam o apelido na frentedele) como Bill Gago, estava emcasa, se recuperando de uma gripeviolenta. Naquele outono de 1957,oito meses antes de os verdadeiroshorrores comearem e 28 anosantes do confronto final, Bill Gagotinha 10 anos.

    Bill tinha feito o barco com queGeorge agora brincava. Ele o fez

  • sentado na cama, com as costasapoiadas em vrios travesseiros,enquanto a me tocava Fr Eliseno piano na sala de estar e a chuvabatia sem parar na janela do quarto.

    Depois de trs quartos doquarteiro no sentido de quem iapara o cruzamento e para o sinal detrnsito apagado, a rua Witchamestava bloqueada ao trnsito por umfogareiro e quatro cavaleteslaranja. Em cada cavalete estavapintado DEPTO. DE OBRAS PBLICASDE DERRY. Atrs deles, a chuvajorrava de canais entupidos comgalhos, pedras e pilhas grudentas defolhas de outono. A gua primeiro

  • abriu brechas no asfalto, depoisarrancou pedaos inteiros, isso noterceiro dia de chuva. Ao meio-diado quarto dia, pedaos grandes dasuperfcie da rua desciam pelocruzamento da Jackson com aWitcham como canoas emminiatura. Naquele momento,muitas pessoas em Derry j tinhamcomeado a fazer piadas nervosassobre arcas. O Departamento deObras Pblicas tinha conseguidodeixar a rua Jackson aberta, mas aWitcham estava intransitvel doscavaletes at o centro da cidade.

    Mas todos concordavam que opior tinha terminado. O rio

  • Kenduskeag tinha subido at quasea margem no Barrens e poucoscentmetros abaixo das laterais deconcreto do canal que o espremiapelo centro da cidade. Naquelemomento, um grupo de homens Zack Denbrough, pai de George ede Bill, entre eles estavaretirando os sacos de areia quehaviam empilhado no dia anteriorcom pressa e pnico. A inundaoda vspera e os danos causados porela pareceram quase inevitveis.Deus sabia que tinha acontecidoantes: a inundao de 1931 foi umdesastre que custou milhes dedlares e quase duas dzias de

  • vidas. Isso foi muito tempo antes,mas ainda havia pessoas vivas osuficiente para lembrarem eassustarem os outros. Uma dasvtimas da inundao foi encontrada40 quilmetros a leste, emBucksport. Os peixes tinhamcomido os olhos desse cavalheiroinfeliz, trs dos dedos dele, o pnise a maior parte do p esquerdo.Preso no que restava das mos delehavia o volante de um Ford.

    Mas agora o rio estava baixando,e quando a nova represa dahidreltrica de Bangor fosseerguida rio acima, ele deixaria deser uma ameaa. Ou era o que dizia

  • Zack Denbrough, que trabalhava nahidreltrica. Quanto ao resto, bem,as inundaes futuras podiam secuidar sozinhas. A questo erapassar por essa, ter a energia devolta e esquecer. Em Derry,esquecer tragdias e desastres eraquase uma arte, como BillDenbrough descobriria ao longo dotempo.

    George parou nos cavaletes, nabeirada de uma abertura nasuperfcie de asfalto da ruaWitcham. Essa abertura fazia umadiagonal quase exata. Acabava dooutro lado da rua, uns 12 metroscolina abaixo de onde ele estava

  • agora, direita. Ele riu alto (o somde alegria solitria e infantilpareceu iluminar aquela tardecinzenta) quando uma onda na gualevou o barco de papel pelacachoeira em miniatura formadapelo asfalto quebrado. A guadesesperada abriu um canal quedescia pela diagonal, e assim obarco viajou de um lado a outro darua Witcham, com a correntecarregando-o to rpido queGeorge teve que correr paraacompanhar. As galochasespalhavam gua em jatosenlameados. As fivelas emitiam umsom alegre enquanto George

  • Denbrough corria em direo suaestranha morte. E a sensao quetomou conta dele naquele momentofoi amor claro e simples pelo irmoBill amor e um toque dearrependimento por Bill no poderestar l para ver e participar. claro que ele tentaria descreverpara Bill quando chegasse em casa,mas sabia que no conseguiria fazerBill enxergar do jeito queconseguiria fazer com que eleenxergasse se as posiesestivessem trocadas. Bill era bomem ler e escrever, mas mesmo naidade dele, George era esperto obastante para saber que aquele no

  • era o nico motivo para Bill s terA no boletim, e nem para osprofessores gostarem tanto dasredaes dele. Contar era apenasparte do talento. Bill era bom emver.

    O barco quase voou pelo canalem diagonal, s uma pginaarrancada da seo de classificadosdo Derry News, mas agora Georgeo imaginava como uma lanchatorpedeira em um filme de guerra,como os que ele via s vezes nocinema de Derry com Bill nasmatins de sbado. Um filme deguerra com John Wayne lutandocontra os japoneses. A proa do

  • barco de jornal jogava jatos degua para os dois lados enquantocorria, depois chegou vala nolado esquerdo da rua Witcham. Umnovo jorro de gua subia pelaabertura no asfalto naquele ponto ecriava um redemoinho grande, epareceu a ele que o barco seriainundado e viraria. Ele se inclinoude maneira alarmante, mas Georgese alegrou quando se endireitou,virou e desceu rapidamente para ocruzamento. George correu paraalcan-lo. Acima da cabea dele,um sopro forte de vento de outubrobalanou as rvores, agora quasesem o peso das folhas coloridas por

  • causa da tempestade, que naqueleano foi uma ceifeira das maiscruis.

  • 2Sentado na cama, com as bochechasainda vermelhas de calor (mas coma febre baixando, assim como oKenduskeag), Bill terminou obarco. Mas quando George esticoua mo para peg-lo, Bill o tirou doalcance dele.

    A-Agora pega a p-p-parafina. O que isso? Onde fica? Fica na pra-pra-prateleira do

    poro quando voc est descendo disse Bill. Em uma caixa quediz Gu-Gu-ulf Gulf. Traz pramim, junto com uma faca e uma t-

  • tigela. E uma c-caixa de fu-fu-fsforos.

    George foi obedientementebuscar os objetos. Ele conseguiaouvir a me tocando piano, noFr Elise agora, mas uma outramsica da qual ele no gostavatanto; era uma msica que pareciaseca e barulhenta. Ele conseguiaouvir a chuva caindo regularmentenas janelas da cozinha. Eram sonsagradveis, mas a ideia do porono era nada agradvel. Ele nogostava do poro e no gostava dedescer a escada do poro, porquesempre imaginava que havia algumacoisa l embaixo no escuro. Era

  • bobagem, claro, o pai e a mesempre diziam, e, mais importantede tudo, Bill dizia que erabobagem, mas mesmo assim

    Ele no gostava nem de abrir aporta para acender a luz porquesempre pensava (era uma coisa toidiota que ele no ousava contarpara ningum) que, enquantoestivesse tateando atrs dointerruptor, uma garra horrvelpousaria de leve sobre o pulsodele e o puxaria para baixo, paraa escurido com cheiro de terra eumidade e legumes podres.

    Idiotice! No existiam coisascom garras, peludas e cheias de

  • dio assassino. De vez em quandoalgum ficava louco e matava muitagente (s vezes Chet Huntleycontava sobre coisas assim nonoticirio noturno), e claro queexistiam comunistas, mas noexistia nenhum monstro estranhomorando no poro. Mesmo assim, aideia no sumia. Naquelesmomentos interminveis em que eleprocurava o interruptor com a modireita (com o brao esquerdosegurando a maaneta com foratotal), aquele cheiro do poroparecia se intensificar at encher omundo. Aromas de terra e umidadede legumes estragados se

  • misturavam com o aromainconfundvel e inescapvel, ocheiro do monstro, a apoteose detodos os monstros. Era o cheiro deuma coisa para a qual ele no tinhanome: o cheiro da Coisa, agachada,espreitando e pronta para atacar.Uma criatura que comeria qualquercoisa, mas que estavaparticularmente faminta por carnede garoto.

    Ele abriu a porta naquela manhe tateou eternamente em busca dointerruptor, segurando a maanetacom o aperto habitual, com os olhosfechados com fora, a ponta dalngua saindo do canto da boca

  • como uma trepadeira em agonia embusca de gua em um lugar de seca.Engraado? Claro! Pode apostar!Olha pra voc, Georgie! Georgietem medo do escuro! Que bebezo!

    O som do piano vinha do que opai chamava de sala de estar e ame chamava de sala de visitas.Parecia msica do outro mundo,bem distante, como conversas erisadas em uma praia lotada novero devem parecer para onadador cansado que luta contra acorrente.

    Seus dedos encontraram ointerruptor! Ah!

    Eles o viraram

  • e nada. Nada de luz.Ah, droga! A energia!George puxou o brao como se

    estivesse dentro de uma cesta cheiade cobras. Deu um passo para longeda porta do poro, com o coraodisparado no peito. No haviaenergia, claro. Ele tinhaesquecido. Que porcaria! E agora?Voltar e dizer para Bill que nopodia pegar a caixa de parafinaporque no havia energia e ele tinhamedo de alguma coisa peg-loquando ele estava na escada doporo, uma coisa que no era umcomunista nem um assassino emsrie, mas uma criatura muito pior

  • do que os dois? Que a criaturadeslizaria parte do corpo podreentre os degraus da escada eagarraria seu tornozelo? Outrospoderiam rir dessa fantasia, masBill no riria. Bill ficaria zangado.Bill diria: V se cresce,Georgie Voc quer o barco ouno?

    Como se esse pensamento fosseuma dica, Bill gritou do quarto: Voc m-m-morreu a, G-Georgie?

    No, estou pegando, Bill gritou George na mesma hora. Eleesfregou os braos para tentar fazeros arrepios sumirem e a pele ficarlisa de novo. S parei pra tomar

  • um copo de gua. Ento a-anda logo!Ento ele desceu os quatro

    degraus at a prateleira do poro,com o corao como um marteloquente batendo na garganta, ocabelo da nuca em p, os olhosardendo, as mos frias, certo de quea qualquer momento a porta doporo se fecharia sozinha,bloqueando a luz branca queentrava pelas janelas da cozinha, eele ouviria A Coisa, algo pior doque todos os comunistas eassassinos do mundo, pior do queos japoneses, pior do que tila, oHuno, pior do que as coisas de cem

  • filmes de terror. A Coisa, rosnandoprofundamente; ele ouviria orosnado naqueles segundoslunticos antes de ser atacado e teras entranhas arrancadas.

    O cheiro de poro estava pior doque nunca por causa da inundao.A casa deles ficava no alto na ruaWitcham, perto do topo da colina, eeles tinham escapado do pior, masainda havia gua parada l embaixoque tinha entrado pela velha basede pedras. O cheiro era suave edesagradvel, e fazia voc quererrespirar superficialmente.

    George mexeu nas coisas naprateleira o mais rpido que

  • conseguiu: latas velhas de graxa desapatos Kiwi e trapos sujos degraxa, um lampio de querosenequebrado, dois vidros quase vaziosde Windex, uma velha lata achatadade cera Turtle. Por algum motivo,essa lata chamou a ateno dele, eele passou quase trinta segundosolhando para a tartaruga na tampacom uma espcie de assombrohipntico. Mas ento ele a jogou devolta e ali estava enfim, umacaixa quadrada com a palavraGULF escrita.

    George a pegou e subiu correndoa escada o mais rpido queconseguiu, ciente de repente de que

  • a parte de trs da camisa estavapara fora da cala e certo de queisso seria sua desgraa: a coisa noporo permitiria que ele chegassequase na sada e agarraria a partede trs da camisa, o puxaria paratrs e

    Ele chegou cozinha e fechou aporta. Ela bateu com fora. Ele serecostou nela com os olhosfechados, o suor brotando nosbraos e na testa, com a caixa deparafina presa com fora na mo.

    O piano tinha parado, e a voz dame chegou at ele: Georgie,no d pra bater a porta com maisfora da prxima vez? Quem sabe

  • voc consegue quebrar alguns dospratos na cmoda se realmentetentar?

    Desculpa, me gritou eleem resposta.

    George, seu bosta disseBill no quarto. O tom de voz foibaixo para a me deles no ouvir.

    George sufocou um risinho. Omedo j tinha ido embora; fugiudele to facilmente quanto umpesadelo desaparece para o homemque acorda com pele fria eofegante; que sente o corpo e olhapara os arredores para ter certezade que nada aconteceu, e entocomea a esquecer. Metade j

  • sumiu quando os ps tocam o cho;trs quartos quando ele sai dochuveiro e comea a se secar; tudoquando ele termina o caf damanh. Tudo some at a prximavez, quando, durante o pesadelo,todos os medos sero lembrados.

    Aquela tartaruga, pensouGeorge, indo at a gaveta dabancada em que ficavam osfsforos. Onde vi uma tartarugaassim antes?

    Mas nenhuma resposta surgiu, eele descartou a pergunta.

    Ele pegou uma caixa de fsforosna gaveta, uma faca do cepo(segurando a parte afiada

  • cuidadosamente longe do corpo,como o pai o ensinara) e umapequena tigela da cmoda da salade jantar. Em seguida, voltou para oquarto de Bill.

    Q-Que cuzo voc , Gi-Georgie disse Bill de maneiraafvel, e afastou algumas das coisasde garoto doente na mesa decabeceira: um copo vazio, umajarra de gua, Kleenex, livros, umvidro de Vick-VapoRub, cujocheiro Bill associaria durante todaa vida com peitos encatarrados enarizes escorrendo. O velho rdioPhilco estava l tambm, tocandono Chopin nem Bach, mas uma

  • msica de Little Richard S quebem baixinho, to baixinho queparecia que tinham roubado todo opoder primordial de Little Richard.A me deles, que estudara pianoclssico em Juilliard, odiava rock-and-roll. Ela no apenasdesgostava; abominava.

    No sou cuzo disseGeorge, sentado na beirada dacama de Bill e colocando as coisasque reuniu na mesa de cabeceira.

    , sim disse Bill. Nopassa de um grande cuzo marrom,voc.

    George tentou imaginar umgaroto que no passasse de um

  • grande cuzo com pernas ecomeou a rir.

    Seu cu maior do queAugusta disse Bill, tambmcomeando a rir.

    Seu cu maior do que oestado todo respondeu George.Isso fez os garotos rirem por quasedois minutos.

    O que seguiu foi uma conversasussurrada do tipo que significamuito pouco para qualquer pessoaalm de garotos pequenos:acusaes de quem era o cuzomaior, quem tinha o cuzo maior,que cuzo era o mais marrom, eassim por diante. Por fim, Bill

  • disse uma das palavras proibidas(acusou George de ser um cuzogrande e marrom de merda) e osdois comearam a rir comdescontrole. A gargalhada de Billvirou um ataque de tosse. Quandofinalmente comeou a passar (aessas alturas o rosto de Bill tinhaficado de um tom arroxeado queGeorge observou com alarme), opiano parou de novo. Os doisolharam na direo da sala de estar,prestando ateno ao som dearrastar do banco do piano, aospassos impacientes da me. Billescondeu a boca na dobra docotovelo para sufocar as ltimas

  • tosses e apontou para a jarra aomesmo tempo. George serviu umcopo de gua, que ele bebeu todo.

    O piano recomeou a tocar FrElise. Bill Gago nunca esqueceuessa melodia, e mesmo muitos anosdepois, ela sempre lhe deixava coma pele dos braos e das costasarrepiada; seu corao ficavaapertado e ele lembrava: Minhame estava tocando isso no diaque Georgie morreu.

    Vai tossir mais, Bill? No.Bill pegou um Kleenex na caixa,

    fez um som retumbante no peito,cuspiu catarro no leno, amassou-o

  • e jogou na lixeira ao lado da cama,que estava cheia de lenosamassados do mesmo jeito. Emseguida, abriu a caixa de parafina ecolocou um cubo da substncia napalma da mo. George o observoucom ateno, mas sem falar nemperguntar. Bill no gostava queGeorge falasse enquanto ele faziacoisas, mas George aprendera que,se ficasse de boca fechada, Billcostumava explicar o que estavafazendo.

    Bill usou a faca para cortar umpequeno pedao do cubo deparafina. Botou o pedao na tigela,acendeu um fsforo e colocou em

  • cima da parafina. Os dois garotosobservaram a pequena chamaamarela enquanto o vento jogavachuva na janela de tempos emtempos.

    Temos que proteger o barcoda gua, seno vai ficar molhado eafundar disse Bill.

    Quando ele estava com George, agagueira ficava leve, e s vezes elenem gaguejava. Mas na escola,ficava to forte que falar eraimpossvel. A comunicao eraencerrada e os colegas de Billolhavam para outro lugar enquantoBill segurava as laterais da mesa,com o rosto ficando quase to

  • vermelho quanto o cabelo e osolhos apertados por tentar fazeruma palavra sair da gargantateimosa. s vezes, na maioriadelas, a palavra saa. Outras vezes,ela simplesmente se recusava. Elefoi atropelado por um carro quandotinha 3 anos e jogado na lateral deum prdio; ficou inconscientedurante 7 horas. A me disse quefoi o acidente que causou agagueira. George s vezes tinha asensao de que o pai (e o prprioBill) no tinha tanta certeza.

    O pedao de parafina na tigelaestava quase completamentederretido. A chama do fsforo

  • diminuiu e ficou azul ao envolver opalito de papelo, e depois sumiu.Bill enfiou o dedo no lquido epuxou de volta com um ligeiroassobio. Deu um sorriso dedesculpas para George.

    Quente disse ele.Depois de alguns segundos, ele

    mergulhou o dedo de novo ecomeou a espalhar a cera naslaterais do barco, onde elarapidamente secou e formou umacobertura leitosa.

    Posso fazer um pouco? perguntou George.

    Pode. Mas no deixa cair nocobertor seno mame vai te matar.

  • George mergulhou o dedo naparafina, que agora estava morna,mas no quente, e comeou aespalhar do outro lado do barco.

    No coloca tanto, seu cuzo! disse Bill. Quer afundar eleno cruzeiro de inaugurao?

    Desculpa. Tudo bem. Vai d-devagar.George terminou o outro lado e

    ergueu o barco nas mos. Estava umpouco mais pesado, mas no muito.

    Muito legal disse ele. Vou sair e botar ele pra velejar.

    , faz isso disse Bill. Eleparecia repentinamente cansado;cansado e ainda no muito bem.

  • Queria que voc pudesse vir disse George. Ele queriamesmo. Bill s vezes ficavamando depois de um tempo, massempre tinha as ideias mais legais equase nunca batia. seu barco,na verdade.

    Veleiro disse Bill. Issoa um v-veleiro.

    Veleiro, ento. Eu tambm queria poder ir

    disse Bill, mal-humorado. Bem George se mexeu

    inquieto com o barco nas mos. Coloca suas coisas de chuva

    disse Bill , seno vai acabarcom gr-gripe como eu. Deve pegar

  • de qualquer jeito, dos meus gi-germes.

    Obrigado, Bill. um barcolegal. E fez uma coisa que nofazia havia muito tempo, um gestoque Bill nunca esqueceu: seinclinou e beijou a bochecha doirmo.

    Agora voc vai pegar comcerteza, seu cuzo disse Bill,mas pareceu mais alegre mesmoassim. Ele sorriu para George. Coloca tudo no lugar. Seno mamevai ter um tru-troo.

    Claro.Ele pegou o material e

    atravessou o quarto, com o barco

  • precariamente equilibrado sobre acaixa de parafina, que estavainclinada em cima da tigela.

    Gi-Gi-Georgie?George se virou para olhar para

    o irmo. Toma c-cuidado. Claro. Ele franziu um

    pouco a testa. Era o tipo de coisaque a me dizia, no o irmo maisvelho. Era to estranho quanto seBill tivesse lhe dado um beijo. Claro que tomo.

    Ele saiu. Bill nunca mais o viu.

  • 3Agora aqui estava ele, correndoatrs do barco pelo lado esquerdoda rua Witcham. Estava correndorpido, mas a gua estava aindamais rpida, e o barco estava seafastando. Ele ouviu um rugidoprofundo e viu que 50 metrosabaixo na colina a gua na valaestava caindo em um bueiro aindaaberto. Era um semicrculo longo eescuro acompanhando o meio-fio, eenquanto George olhava, um galhoseco, com o tronco to escuro ebrilhoso quanto pele de foca, caiu

  • na bocarra do bueiro. Ficou nabeirada por um momento eescorregou para dentro. Era para lque seguia seu barco.

    Ah, merda, merdinha gritou ele consternado.

    Ele aumentou a velocidade, e porum momento achou que conseguiriapegar o barco. Mas um de seus psescorregou e ele caiu, arranhou umjoelho e gritou de dor. Da novaperspectiva do nvel da calada,ele viu o barco balanar duasvezes, momentaneamente preso emoutro rodamoinho, e desaparecer.

    Merda, merdinha! gritouele de novo, e bateu com o punho

  • no cho. Isso tambm doeu, e elecomeou a chorar um pouco. Quemaneira idiota de perder o barco!

    Ele se levantou e andou at obueiro. Ficou de joelhos e espiou ldentro. A gua fazia um som oco emido ao cair na escurido. Era umsom apavorante. Lembrava-o de

    H! O som foi arrancadodele como se puxado por umacorda, e ele se encolheu.

    Havia olhos amarelos l dentro,o tipo de olhos que ele sempreimaginou, mas nunca realmente viuno poro. um animal, pensou elecom incoerncia, s isso, umanimal, deve ser um gato que ficou

  • preso l embaixoAinda assim, ele estava pronto

    para correr, iria correr em umsegundo ou dois, quando seu painelde controle mental tivesse lidadocom o choque provocado pelosdois olhos amarelos brilhantes. Elesentiu a superfcie spera domacadame sob os dedos e a finacamada de gua fria fluindo aoredor. Viu-se se levantando e seafastando, e foi quando uma voz,perfeitamente lgica e um tantoagradvel, falou com ele de dentrodo bueiro.

    Oi, Georgie disse a voz.George piscou e olhou de novo.

  • Ele mal conseguia acreditar no quevia; era como algo sado de umahistria inventada, ou um filme emque voc sabe que os animais vofalar e danar. Se ele fosse dezanos mais velho, no teriaacreditado no que estava vendo,mas no tinha 16 anos. Tinha seis.

    Havia um palhao no bueiro. Aluz l dentro no era nada boa, masera boa o bastante para GeorgeDenbrough ter certeza do queestava vendo. Era um palhao,como no circo ou na TV. Naverdade, ele parecia um cruzamentoentre o Bozo e Clarabell, quefalava apertando a buzina no

  • programa Howdy Doody dossbados de manh. Buffalo Bob erao nico que conseguia entenderClarabell, e isso sempre faziaGeorge morrer de rir. O rosto dopalhao no bueiro era branco, haviatufos engraados de cabelovermelho de cada lado da cabeacareca e havia um grande sorriso depalhao pintado sobre a boca. SeGeorge estivesse vivo um anodepois, ele certamente pensaria emRonald McDonald antes de Bozo ouClarabell.

    O palhao segurava vriosbales de todas as cores, comolindas frutas maduras, em uma das

  • mos.Na outra, segurava o barco de

    papel de George. Quer seu barco, Georgie?

    O palhao sorriu.George sorriu tambm. No

    conseguiu evitar; era o tipo desorriso que voc tinha que retribuir.

    Claro que quero disse ele.O palhao sorriu. Claro que quero. Isso

    timo! Isso muito bom! E que talum balo?

    Bem claro! Ele esticou amo mas puxou de volta comrelutncia. No devo aceitarcoisas de estranhos. Meu pai falou.

  • Seu pai muito sbio disse o palhao no bueiro, sorrindo.Como, perguntou-se George, eupude pensar que os olhos deleeram amarelos? Eram de um azulintenso e saltitante, a cor dos olhosda me dele, e de Bill. Muitosbio mesmo. Portanto, vou meapresentar. Eu, Georgie, sou o sr.Bob Gray, tambm conhecido comoPennywise, o Palhao Danarino.Pennywise, este GeorgeDenbrough. George, este Pennywise. E agora, nosconhecemos. No sou um estranhopra voc, e voc no um estranhopra mim. Certim?

  • George riu. Acho que sim. Ele esticou

    a mo de novo e recolheu a mode novo. Como voc chegou aembaixo?

    A tempestade me jogooooulonge disse Pennywise, oPalhao Danarino. Jogou todoo circo bem longe. Voc conseguesentir o cheiro do circo, Georgie?

    George se inclinou para a frente.De repente, sentiu cheiro deamendoim! Amendoim quentetorrado! E vinagre! Do tipo brancoque se coloca na batata frita por umburaco na tampa! Sentiu cheiro dealgodo-doce e bolinhos doces

  • fritos e o odor leve e intenso debosta de animal selvagem. Sentiu oaroma alegre de serragem. Aindaassim

    Ainda assim, debaixo de tudohavia o cheiro de inundao efolhas em decomposio e sombrasescuras de bueiro. Esse cheiro eramido e podre. O cheiro do poro.

    Mas os outros cheiros estavammais fortes.

    Pode apostar que consigosentir disse ele.

    Quer seu barco, Georgie? perguntou Pennywise. S estourepetindo porque voc no pareceto ansioso. Ele o ergueu e

  • sorriu. Estava usando uma roupa deseda larga com grandes boteslaranja. Uma gravata berrante, azul-eltrica, caa pela frente do peito, ehavia grandes luvas brancas emsuas mos, do tipo que MickeyMouse e o Pato Donald sempreusavam.

    Sim, claro disse George,olhando para dentro do bueiro.

    E um balo? Tenho vermelhoe verde e amarelo e azul

    Eles flutuam? Flutuam? O sorriso do

    palhao se alargou. Ah, sim,claro que sim. Flutuam! E temalgodo-doce

  • George esticou a mo.O palhao agarrou seu brao.E George viu o rosto do palhao

    mudar.O que ele viu ento era terrvel o

    bastante para fazer suas pioresfantasias da coisa no poroparecerem doces sonhos; o que eleviu destruiu sua sanidade em umgolpe de uma garra.

    Eles flutuam repetiu acoisa no bueiro com uma voz roucae rindo. Ela segurou o brao deGeorge em um abrao grosso eserpenteante, puxou George paraaquela escurido terrvel onde agua corria e rugia e gritava ao

  • levar a carga de destroos datempestade em direo ao mar.George virou o pescoo para longedaquela escurido e comeou agritar na chuva, a gritar loucamentepara o cu branco de outonocurvado sobre Derry naquele dia de1957. Seus gritos eram agudos ecortantes, e em toda rua Witcham aspessoas foram at as janelas ousaram correndo para as varandas.

    Eles flutuam rosnou acoisa , eles flutuam, Georgie, equando voc estiver aqui embaixocomigo, tambm vai flutuar

    O ombro de George bateu nocimento do meio-fio, e Dave

  • Gardener, que ficou em casa em vezde ir trabalhar no The Shoeboatnaquele dia por causa da enchente,viu apenas um garotinho de capa dechuva amarela, um garotinho quegritava e se contorcia na vala comgua lamacenta passando sobre orosto que fazia os gritos pareceremborbulhar.

    Tudo aqui embaixo flutua sussurrou a voz podre que ria, e derepente houve um som de rasgo euma onda flamejante de dor, eGeorge Denbrough se foi.

    Dave Gardener foi o primeiro achegar, e apesar de s ter chegado45 segundos depois do primeiro

  • grito, George Denbrough j estavamorto. Gardener o segurou pelascostas da capa de chuva, puxou-opara a rua e comeou a gritarquando o corpo de George foivirado em suas mos. O ladoesquerdo da capa de George estavavermelho-vivo. Sangue flua para obueiro pelo buraco esfarrapadoonde ficava o brao esquerdo. Umpedao de osso, horrivelmentebranco, aparecia no tecido rasgado.

    Os olhos do garoto estavamdirecionados para o cu branco, equando Dave cambaleou para trs,na direo dos outros que jcorriam em desespero pela rua,

  • comearam a se encher de chuva.

  • 4Em algum lugar abaixo, no bueiroque j estava cheio at acapacidade total com gua deescoamento (no poderia haverningum l embaixo, exclamariadepois o xerife do condado para umreprter do Derry News com umafria frustrada to grande que eraquase dor; o prprio Hercules teriasido levado naquela correntefortssima), o barco de Georgeseguiu pelas cmaras escuras elongos corredores de concreto querugiam e gritavam de tanta gua.

  • Por um tempo, seguiu ao lado deuma galinha morta que flutuava comas garras amarelas e reptilianasapontadas para o teto molhado;depois, em algum cruzamento aleste da cidade, a galinha foi levadapara a esquerda enquanto o barcode George seguiu em frente.

    Uma hora depois, quando a mede George estava sendo sedada naemergncia do Derry HomeHospital e quando Bill Gago estavasentado estupefato e silencioso nacama, ouvindo o pai chorarroucamente na sala de estar onde ame tocava Fr Elise no momentoem que George saiu, o barco saiu

  • por um buraco no concreto comouma bala saindo do cano de umrevlver e seguiu velozmente porum canal at um crrego qualquer.Quando chegou ao borbulhante etransbordante rio Penobscot 20minutos depois, os primeirospedaos de azul comearam aaparecer no cu. A tempestadeacabou.

    O barco mergulhou e balanou, es vezes ficava cheio de gua, masno afundou; os dois irmos otinham protegido bem. No sei ondeafundou, se que afundou; talveztenha chegado ao mar e navegado lpara sempre, como um barco

  • mgico de contos de fadas. S seique ainda estava flutuando enavegando na onda da enchentequando passou pelas fronteiras dacidade de Derry, no Maine, e l elesaiu dessa histria para sempre.

  • Captulo 2

    Depois do festival (1984)

  • 1O motivo de Adrian estar usando ochapu, seu namorado choroso diriamais tarde para a polcia, foi porter ganhado na barraca Jogue atGanhar na feira do Bassey Parkapenas seis dias antes de sua morte.Ele sentia orgulho do chapu.

    Estava usando porque amavaessa merdinha de cidade! gritouo namorado, Don Hagarty, para ospoliciais.

    Calma, calma. No hnecessidade pra esse tipo devocabulrio disse o policial

  • Harold Gardener para Hagarty.Harold Gardener era um dos

    quatro filhos de Dave Gardener. Nodia em que seu pai encontrou ocorpo sem vida e com apenas umbrao de George Denbrough,Harold Gardener tinha 5 anos.Neste dia, quase 27 anos depois,ele tinha 32 e estava ficando calvo.Harold Gardener reconhecia arealidade da dor e do sofrimento deDon Hagarty, e ao mesmo tempoachava impossvel levar a srio.Esse homem, se voc quisessecham-lo de homem, estava usandobatom e uma cala de cetim toapertada que quase dava para ver

  • as rugas do cacete dele. Com dorou sem dor, com sofrimento ou semsofrimento, ele era, afinal, apenasum veado. Como seu amigo, ofalecido Adrian Mellon.

    Vamos repassar tudo falouJeffrey Reeves, o parceiro deHarold. Vocs dois saram doFalcon e viraram em direo aocanal. E depois?

    Quantas vezes preciso contarpra vocs, seus idiotas? Hagartyainda estava gritando. Elesmataram ele! Empurraram pelalateral! Era apenas mais um dia naCidade Macho pra eles! DonHagarty comeou a chorar.

  • Mais uma vez repetiuReeves pacientemente. Vocssaram do Falcon. E depois, o qu?

  • 2Em uma sala de interrogatrio nomesmo corredor, dois policiais deDerry estavam falando com SteveDubay, de 17 anos; no escritrio doescrivo no andar de cima, maisdois estavam interrogando JohnWebby Garton, de 18 anos; e nasala do chefe de polcia no quintoandar, o chefe Andrew Rademachere o promotor pblico assistenteTom Boutillier estavaminterrogando Christopher Unwin, de15 anos. Unwin, que usava calajeans surrada, uma camiseta suja de

  • graxa e pesadas botas de couro,estava chorando. Rademacher eBoutillier o tinham levado porque oavaliaram precisamente como o elomais fraco da corrente.

    Vamos repassar tudo disseBoutillier nessa sala ao mesmotempo que Jeffrey Reeves dizia amesma coisa dois andares abaixo.

    A gente no queria matar ele disse Unwin, chorando. Foi ochapu. A gente no conseguiaacreditar que ele ainda estavausando o chapu depois, voc sabe,depois do que Webby disse naprimeira vez. E acho que a gentequeria assustar ele.

  • Pelo que ele disse comentou o chefe Rademacher.

    . Pro John Garton na tarde do

    dia 17. , pro Webby. Unwin

    recomeou a chorar. Mastentamos salvar ele quando vimosque estava com dificuldade pelomenos eu e Stevie Dubaytentamos a gente no pretendiamatar ele!

    Para com isso, Chris, noenrola a gente disse Boutillier. Vocs jogaram o veadinho nocanal.

    , mas

  • E vocs trs vieram praencarar e esclarecer as coisas. Ochefe Rademacher e eu apreciamosisso, no , Andy?

    Pode apostar. Tem que serhomem pra admitir o que fez, Chris.

    Ento no se ferre maismentindo agora. Vocs pretendiamjogar ele assim que viram ele como amigo bicha saindo do Falcon,no ?

    No! Chris Unwinprotestou com veemncia.

    Boutillier pegou um mao deMarlboro no bolso da camisa ecolocou um cigarro na boca.Ofereceu o mao para Unwin.

  • Cigarro?Unwin pegou um. Boutillier

    precisou seguir a ponta com umfsforo para conseguir acender,pelo tanto que a boca de Unwintremia.

    Mas quando vocs viram queele estava usando o chapu? perguntou Rademacher.

    Unwin tragou profundamente,baixou a cabea, o que fez o cabelooleoso cair por cima dos olhos, eexpeliu a fumaa pelo nariz, que eracoberto de pontos pretos de cravos.

    disse ele, quase baixodemais para ser ouvido.

    Boutillier se inclinou para a

  • frente com os olhos castanhosbrilhando. O rosto estavapredatrio, mas a voz estava gentil.

    O que, Chris? Eu disse . Acho que sim.

    Jogar ele, sim. Mas no matar. Ele ergueu o olhar naquelemomento, com o rosto desesperadoe infeliz e ainda incapaz decompreender as gigantescasmudanas que aconteceram em suavida desde que ele saiu de casapara aproveitar a ltima noite doFestival do Canal de Derry comseus dois amigos s 19h30 da noiteanterior. Matar ele, no! repetiu ele. E aquele cara

  • debaixo da ponte Eu ainda nosei quem ele era.

    Que cara era esse? perguntou Rademacher, mas semmuito interesse. Eles tambm jtinham ouvido essa parte antes, enenhum dos dois acreditou. Cedoou tarde, homens acusados deassassinato quase sempre surgemcom um misterioso outro cara.Boutillier at tinha um nome paraisso: chamava de Sndrome doHomem de Um Brao, por causadaquela velha srie de TV, OFugitivo.

    O cara de roupa de palhao disse Chris Unwin, e tremeu.

  • O cara com os bales.

  • 3O Festival do Canal, que ia de 15 a21 de julho, foi um enorme sucesso,como concordava a maior parte dosresidentes de Derry: uma timacoisa para o moral e para a imagemda cidade e para os cofres. Ofestival de uma semana aconteceupara marcar o centenrio daabertura do canal que passava pelomeio da cidade. Foi o canal queabriu completamente Derry para ocomrcio de madeira nos anos 1884a 1910; foi o canal que deu luz osanos de crescimento de Derry.

  • A cidade estava decorada deleste a oeste e de norte a sul.Buracos que alguns residentesjuravam no serem tapados haviaanos ou mais foram preenchidos enivelados. Os prdios da cidadeforam reformados por dentro epintados por fora. O pior daspichaes no Parque Bassey (amaior parte declaraes cheias delgica antigay como MATEM TODOSOS VEADOS e AIDS DE DEUS, SEUSBICHAS DOS INFERNOS!!) foi lixadodos bancos e das paredes demadeira da pequena passarelacoberta sobre o canal conhecidacomo Ponte do Beijo.

  • Um Museu do Canal foi montadoem trs lojas vazias no centro comexposies organizadas porMichael Hanlon, um bibliotecriolocal e historiador amador. Asfamlias mais antigas da cidadeemprestaram de bom grado seustesouros quase inestimveis, edurante esta semana de festival,quase 40 mil visitantes pagaram 25centavos por cabea para olharcardpios de restaurantes dos anos1890, ferramentas de lenhadoresdos anos 1880, brinquedos decriana dos anos 1920 e mais de 2mil fotos e nove filmes da vida emDerry nos ltimos cem anos.

  • O museu foi patrocinado pelaSociedade de Senhoras de Derry,que vetou alguns dos itens deexposio propostos por Hanlon(como a notria priso em forma decadeira dos anos 1930) e fotos(como as da gangue Bradley depoisdo famoso tiroteio). Mas todosconcordaram que foi um grandesucesso, e ningum queria mesmover essas coisas velhas e nojentas.Era to melhor acentuar o positivoe eliminar o negativo, como dizia avelha cano.

    Havia uma enorme barracalistrada de bebidas no ParqueDerry, e shows de bandas l todas

  • as noites. No Parque Bassey, haviabrinquedos de parque de diversolevados pelo Smokeys GreaterShows e jogos organizados pelapopulao. Um bondinho especialcirculava pelas sees histricas dacidade de hora em hora e acabavanessa rea barulhenta e agradvelde fazer dinheiro.

    Foi aqui que Adrian Mellonganhou o chapu que levaria suamorte, a cartola de papelo com aflor e a faixa que dizia EU DERRY!

  • 4 Estou cansado disse JohnWebby Garton. Como seus doisamigos, ele estava usando umaimitao inconsciente das roupas deBruce Springsteen, embora, seperguntado, ele provavelmentechamaria Springsteen de fracote ouboiola e declararia admirao porgrupos de heavy metal do cacetecomo Def Leppard, Twisted Sisterou Judas Priest. As mangas dacamiseta azul lisa tinham sidocortadas, deixando mostra osbraos bastante musculosos. O

  • cabelo castanho volumoso caasobre um dos olhos; esse toque eramais John Cougar Mellencamp doque Bruce Springsteen. Haviatatuagens azuis em seus braos,smbolos misteriosos que pareciamdesenhados por uma criana. No quero mais falar.

    S nos conte sobre a tarde detera na feira disse Paul Hughes.Ele estava cansado, chocado econsternado por todo esse negciosrdido. Pensou mais de uma vezque parecia que o Festival do Canalde Derry estava terminando com umevento final sobre o qual todomundo de alguma forma sabia, mas

  • que ningum ousou colocar naprogramao diria de eventos. Setivessem feito isso, ficaria assim:Sbado, 21h: ltimo show com aDerry High School Band e BarberShop Mello-Men.

    Sbado, 22h: Grandioso show defogos.

    Sbado, 22h35: O sacrifcioritual de Adrian Mellon encerraoficialmente o Festival do Canal.

    Foda-se a feira respondeuWebby.

    S o que voc disse praMellon e o que ele disse pra voc.

    Ah, Deus. Webby revirou

  • os olhos. Vamos l, Webby disse o

    parceiro de Hughes.Webby Garton revirou os olhos e

    comeou tudo de novo.

  • 5Garton viu os dois, Mellon eHagarty, andando com afetao,com os braos na cintura um dooutro e rindo como duas garotas. Aprincpio, ele achou mesmo queeram duas garotas. Mas reconheceuMellon, que tinha sido mostrado aele antes. Quando ele olhou, viuMellon se virar para Hagarty eeles se beijaram rapidamente.

    Ah, cara, vou vomitar! gritou Webby, enojado.

    Chris Unwin e Steve Dubayestavam com ele. Quando Webby

  • mostrou Mellon, Steve Dubay disseque achava que a outra bicha sechamava Don alguma coisa e queele tinha dado carona a um garotoda Derry High e tentado dar emcima dele.

    Mellon e Hagarty comearam aandar em direo aos trs garotosde novo, afastando-se da barracaJogue at Ganhar e indo em direo sada da feira. Webby Gartonmais tarde contaria aos policiaisHughes e Conley que seu orgulhocvico fora ferido ao ver umaporra de veado usando um chapuque dizia EU DERRY. Era umacoisa boba, aquele chapu, uma

  • imitao de papel de uma cartolacom uma enorme flor no altobalanando em todas as direes. Atolice do chapu aparentementeferiu o orgulho cvico de Webbyainda mais.

    Quando Mellon e Hagartypassaram, cada um com o braopassado pela cintura do outro,Webby Garton gritou: Eu deviate fazer comer esse chapu, seucome-bunda de merda!

    Mellon se virou para Garton,piscou de um jeito paquerador edisse: Se voc quer comeralguma coisa, querido, sei de umacoisa muito mais gostosa do que o

  • meu chapu.Nesse ponto, Webby Garton

    decidiu rearrumar o rosto da bicha.Na geografia do rosto de Mellon,montanhas subiriam e continentesmudariam de lugar. Ningumsugeria que ele chupasse pau.Ningum.

    Ele partiu para cima de Mellon.Alarmado, Hagarty tentou afastarMellon, mas ele se manteve firme esorrindo. Garton mais tardecontaria aos policiais Hughes eConley que tinha certeza de queMellon estava doido de algumacoisa. Estava mesmo, concordariaHagarty quando essa ideia fosse

  • passada para ele pelos policiaisGardener e Reeves. Estava alto decomer dois donuts fritos banhadosem mel na feira durante todo o dia.Ele consequentemente noconseguiu reconhecer a verdadeiraameaa que Webby Gartonrepresentava.

    Mas Adrian era assim disse Don, usando um leno depapel para secar os olhos eespalhando a sombra cintilante queestava usando. Ele no tinhamuita noo de quando precisava seproteger. Era um desses tolos quepensam que as coisas vo terminarbem.

  • Ele poderia ter ficado muitoferido naquele momento se Gartonno tivesse sentido uma coisa baterem seu cotovelo. Era um cassetete.Ele virou a cabea e viu o policialFrank Machen, outro membro daelite de Derry.

    Deixa pra l, amiguinho disse Machen para Garton. Cuida da sua vida e deixa essesgayzinhos em paz. Vai se divertir.

    Voc ouviu de que ele mechamou? perguntou Garton comirritao. Agora, estavaacompanhado de Unwin e Dubay;os dois, ao sentirem cheiro deproblema, tentaram afastar Garton

  • dali, mas Garton os empurrou eteria se virado contra eles comsocos se tivessem insistido. Amasculinidade dele tinha recebidoum insulto que ele sentia precisarser vingado. Ningum sugeria queele chupasse pau. Ningum.

    Acredito que ele no techamou de nada respondeuMachen. E voc falou com eleprimeiro, acredito eu. Agora anda,filho. No quero ter que mandar denovo.

    Ele me chamou de bicha! Ento voc est com medo de

    ser? perguntou Machen,parecendo genuinamente

  • interessado, e Garton ficou de umtom vermelho profundo.

    Durante essa conversa, Hagartyestava tentando com desesperocada vez maior puxar AdrianMellon para longe da cena. Agora,pelo menos, Mellon estava indo.

    Tchau, tchau, amor! gritouAdrian alegremente por cima doombro.

    Cala a boca, cu frouxo disse Machen. Sai daqui.

    Garton voou para cima deMellon, e Machen o segurou.

    Posso te prender, meu amigo disse Machen , e pela formacomo voc est se comportando,

  • pode no ser to m ideia. Na prxima vez que eu te

    encontrar, vou te machucar! gritou Garton pelas costas do parque se afastava, e cabeas seviraram para olhar para ele. Ese voc estiver usando essechapu, vou te matar! Essa cidadeno precisa de bichas como voc!

    Sem se virar, Mellon balanou osdedos da mo esquerda (as unhasestavam pintadas de vermelho-cereja) e rebolou ainda mais aocaminhar. Garton pulou de novo.

    Mais uma palavra ou mais ummovimento e voc vai preso disse Machen calmamente.

  • Acredite em mim, meu rapaz, poisestou falando srio.

    Vem, Webby disse ChrisUnwin com constrangimento. Seacalma.

    Voc gosta de caras assim? perguntou Webby para Machen,ignorando completamente Chris eSteve. H?

    Sou neutro em relao a quemgosta de morder fronha disseMachen. Sou a favor mesmo de paz e sossego, e voc estperturbando aquilo de que eu gosto,cara de pizza. Quer ir dar uma voltacomigo ou no?

    Vem, Webby disse Steve

  • Dubay baixinho. Vamos comprarcachorro-quente.

    Webby foi, ajeitando a camisacom movimentos exagerados etirando o cabelo dos olhos.Machen, que tambm deudepoimento na manh seguinte morte de Adrian Mellon, disse: Altima coisa que ouvi ele dizerquando estava se afastando com osamigos foi: Na prxima vez queeu der de cara com ele, ele vaiestar encrencado.

  • 6 Por favor, preciso falar com aminha me disse Steve Dubaypela terceira vez. Tenho quepedir pra ela aliviar com meupadrasto, seno vou levar muitaporrada quando chegar em casa.

    Daqui a pouco disse opolicial Charles Avarino. TantoAvarino quanto seu parceiro,Barney Morrison, sabiam que SteveDubay no ia para casa naquelanoite e talvez nas prximas tambmno. O garoto no parecia percebero quanto essa priso era pesada, e

  • Avarino no ficaria surpreso dedescobrir mais tarde que Dubaytinha largado a escola aos 16 anos.Naquela poca, ele ainda estava naescola de ensino fundamental WaterStreet Junior High. O QI dele era de68, de acordo com o teste que fezem uma das trs passagens pelostimo ano.

    Nos conte o que aconteceuquando vocs viram Mellon saindodo Falcon disse Morrison.

    No, cara, melhor no. E por que no? perguntou

    Avarino. J falei demais, eu acho. Voc veio pra falar disse

  • Avarino. No verdade? Bem mas Escuta disse Morrison

    calorosamente, sentando-se ao ladode Dubay e entregando um cigarro aele. Voc acha que eu e o Chickaqui gostamos de bichas?

    No sei A gente parece que gosta de

    bichas? No, mas Somos seus amigos, Steve

    disse Morrison solenemente. Eacredite, voc, Chris e Webbyprecisam de todos os amigos quepuderem ter agora. Porque amanhtodas as pessoas de bom corao

  • desta cidade estaro gritando pelosangue de vocs.

    Steve Dubay pareceu levementealarmado. Avarino, que conseguiaquase ler a mentezinha de merdadesse palhao, desconfiava que eleestava pensando no padrasto denovo. E, apesar de Avarino nogostar da pequena comunidade gayde Derry (como qualquer policialda fora, ele gostaria de ver oFalcon fechado para sempre), eleficaria feliz em levar Dubay paracasa ele mesmo. Ficaria feliz, naverdade, de segurar os braos deDubay enquanto o padrasto batia nomoleque at ele virar pat. Avarino

  • no gostava de gays, mas isso nosignificava que acreditava que elesdeviam ser torturados eassassinados. Mellon foibrutalmente atacado. Quando otiraram de debaixo da ponte docanal, os olhos dele estavamabertos e saltados de pavor. E essecara aqui no fazia ideia nenhumado que tinha ajudado a fazer.

    A gente no queria machucarele repetiu Steve. Essa era afrase padro quando ele ficavaligeiramente confuso.

    por isso que voc quer sersincero com a gente disseAvarino com seriedade. Deixar

  • claros os fatos verdadeiros daquesto, pra quem sabe tudo issono passar de uma coisa toa. No verdade, Barney?

    Verdadeira concordouMorrison.

    Mais uma vez, o que vocdiz? disse Avarino compersuaso.

    Bem disse Steve, ecomeou a falar lentamente.

  • 7Quando o Falcon foi aberto em1973, Elmer Curtie pensava que suaclientela consistiria basicamenteem passageiros de nibus, pois arodoviria ao lado atendia trslinhas diferentes: Trailways,Greyhound e Aroostook County. Oque ele no percebeu foi quantosdos passageiros que andam denibus so mulheres ou famliascom crianas pequenas. Muitos dosoutros deixavam as garrafas emsacos de papel e nem saam donibus. Os que saam costumavam

  • ser soldados ou marinheiros queno queriam mais do que umacerveja rpida ou duas; no davapara entornar durante uma paradade dez minutos.

    Curtie comeou a perceberalgumas dessas verdades por voltade 1977, mas j era tarde demais:ele estava com contas at as orelhase no tinha como sair do vermelho.A ideia de queimar o bar parareceber o seguro lhe ocorreu, mas ano ser que ele contratasse umprofissional para provocar oincndio, ele achava que seriapego e no tinha ideia de ondeencontrar incendirios

  • profissionais, de qualquer modo.Em fevereiro daquele ano, ele

    decidiu que esperaria at o dia 4 dejulho; se as coisas no parecessemestar mudando at l, elesimplesmente andaria at aconstruo ao lado, entraria numnibus e veria como as coisas eramna Flrida.

    Mas nos cinco meses seguintes,um tipo de prosperidade incrvel esilenciosa chegou ao bar, que erapintado de preto e dourado pordentro e decorado com pssarosempalhados (o irmo de ElmerCurtie fora taxidermista amadorespecializado em pssaros, e Elmer

  • herdara tudo quando ele morreu).De repente, em vez de vendersessenta cervejas e vinte drinquespor noite, Elmer servia oitentacervejas e cem drinques 120s vezes at 160.

    A clientela era jovem, educada,quase exclusivamente masculina.Muitos se vestiam de maneiraextravagante, mas aqueles eramanos em que roupas extravagantesainda eram quase a norma, e ElmerCurtie s reparou que seus clienteseram quase exclusivamente gays em1981, mais ou menos. Se osresidentes de Derry o ouvissemdizer isso, teriam rido e dito que

  • Elmer Curtie devia pensar quetodos nasceram ontem, mas o queele dizia era perfeitamente verdade.Como o marido da esposa traidora,ele foi praticamente o ltimo asaber E quando soube, no seimportou. O bar estava dandodinheiro, e apesar de haver quatrooutros bares em Derry que davamlucro, o Falcon era o nico em queos clientes baderneiros noquebravam o estabelecimento todo.No havia mulheres por quembrigar, e esses homens, gays ou no,pareciam ter aprendido um segredopara se dar bem uns com os outrosque seus similares heterossexuais

  • no sabiam.Depois que ficou ciente das

    preferncias sexuais dos clientesregulares, ele passou a ouvirhistrias absurdas sobre o Falconem todos os lugares. Essas histriascirculavam havia anos, mas at1981 Curtie no as tinha ouvido. Oscontadores mais entusiastas dessashistrias, descobriu ele, eramhomens que no se deixariamarrastar at o Falcon por medo deos msculos do pulso ficaremfrouxos, ou algo do tipo. Maspareciam saber de todo tipo decoisa.

    De acordo com as histrias, voc

  • podia entrar l em qualquer noite ever homens danando coladinhos,esfregando os membros bem napista de dana; homens beijando delngua no bar; homens fazendoboquete no banheiro. Haviasupostamente um quarto nos fundospara onde voc ia se quisessepassar um tempinho na Torre dePoder: havia um sujeito enorme deuniforme nazista l com o braolubrificado at o ombro e que teriaprazer em cuidar de voc.

    Mas nenhuma dessas coisas eraverdade. Quando pessoas com sedesaam da rodoviria para tomaruma cerveja ou um usque com

  • soda, elas no sentiam nada deincomum no Falcon. Havia muitoshomens, claro, mas no era nadadiferente de milhares de bares detrabalhadores em todo o pas. Aclientela era gay, mas gay no erasinnimo de burro. Se eles queriamser ousados, iam para Portland. Sequeriam ser muito ousados, iampara Nova York ou Boston. Derryera pequena, Derry era provincianae a pequena comunidade gay deDerry entendia a sombra sob a qualexistia perfeitamente bem.

    Don Hagarty frequentava oFalcon havia dois ou trs anos nanoite de maro de 1984 em que

  • apareceu com Adrian Mellon.Antes disso, Hagarty era do tipoque avalia o terreno e raramenteaparecia com a mesma companhiamais de seis vezes. Mas no final deabril ficou bvio at para ElmerCurtie, que ligava bem pouco paracoisas assim, que Hagarty e Mellontinham um relacionamento firme.

    Hagarty era projetista em umaempresa de engenharia em Bangor.Adrian Mellon era reprterfreelancer que publicava emqualquer lugar que conseguisse:revistas de companhia area,revistas femininas, revistasregionais, suplementos dominicais,

  • revistas com cartas de sexo. Estavaescrevendo um romance, mas talvezisso no fosse srio; ele vinhatrabalhando nisso desde o terceiroano de faculdade, 12 anos antes.

    Ele tinha ido a Derry paraescrever uma reportagem sobre ocanal, a servio do New EnglandByways, uma revista bimestralpublicada em Concord. AdrianMellon aceitou o trabalho porqueconseguiu tirar da Byways dinheiropara trs semanas de despesas,incluindo um bom quarto no DerryTown House, e juntar todo omaterial de que precisava em cincodias, talvez. Durante as outras duas

  • semanas, ele podia juntar materialsuficiente para talvez quatro outrasreportagens regionais.

    Mas durante o perodo de trssemanas, ele conheceu Don Hagartye, em vez de voltar para Portlandquando as trs semanas pagasacabaram, ele se viu em umpequeno apartamento na travessaKossuth. Ele morou l por apenasseis semanas. Depois disso, foimorar com Don Hagarty.

  • 8Aquele vero, Hagarty contou aHarold Gardener e Jeff Reeves, foio mais feliz da vida dele. Ele deviaestar atento, disse ele; devia saberque Deus s coloca um tapetedebaixo de caras como ele parapuxar de debaixo dos ps.

    A nica sombra, disse ele, era areao extravagante de militnciade Adrian a favor de Derry. Eletinha uma camiseta com os dizeresO MAINE NO RUIM, MAS DERRY TIMA! Tinha uma jaqueta dosDerry Tigers. E, claro, havia o

  • chapu. Ele dizia achar a atmosferavital e criativamente revigorante.Talvez houvesse alguma coisanisso: ele tinha tirado o arrastadoromance da caixa pela primeira vezem quase um ano.

    Ento ele estava mesmoescrevendo o romance? Gardener perguntou a Hagarty, nose importando realmente, masquerendo manter Hagarty falando.

    Estava Estava escrevendopginas e pginas. Disse que podiaser um pssimo romance, mas noia ser mais um pssimo romanceinacabado. Ele esperava concluirantes do aniversrio, em outubro.

  • claro que ele no sabia como Derryera de verdade. Achava que sabia,mas no tinha passado tempo osuficiente aqui pra sentir o cheiroda verdadeira Derry. Eu ficavatentando falar pra ele, mas ele noouvia.

    E como Derry de verdade,Don? perguntou Reeves.

    Parece muito com umaprostituta morta com vermes saindoda boceta disse Don Hagarty.

    Os dois policiais olharam comassombro silencioso.

    um lugar ruim disseHagarty. um esgoto. Vocsquerem dizer que no sabem disso?

  • Vocs dois moram aqui a vida todae no sabem disso?

    Nenhum dos dois respondeu.Depois de um tempo, Hagartyprosseguiu.

  • 9At Adrian Mellon entrar em suavida, Don planejava ir embora deDerry. Morava l havia trs anos,mais por ter aceitado um perodolongo de aluguel de um apartamentocom a vista do rio mais fantsticado mundo, mas agora o contratoestava quase terminado e Donestava feliz. Era o fim das longasviagens de transporte pblico parair e voltar de Bangor. Era o fim dasenergias estranhas. Em Derry, eledisse uma vez para Adrian, pareciaque eram sempre 13 horas. Adrian

  • podia achar que Derry era um lugartimo, mas o lugar assustava Don.No era s a atitude homofbica dacidade, uma atitude claramenteexpressa pelos pregadores dacidade e pelas pichaes do ParqueBassey, mas era uma coisa que elenunca conseguiu identificar. Adrianrira.

    Don, todas as cidades dosEstados Unidos tm um contingentede pessoas que odeiam os gays disse ele. No me diga que nosabe disso. Afinal, estamos na erade Ronnie Moron e PhyllisHousefly.

    Vem pro Parque Bassey

  • comigo respondeu Don depoisde ver que Adrian estava realmentefalando srio, e que o que elerealmente estava dizendo era queDerry no era pior do que qualqueroutra cidade de tamanho medianodo interior. Quero te mostraruma coisa, meu amor.

    Eles foram para o Parque Basseyde carro. Isso aconteceu em meadosde junho, cerca de um ms antes doassassinato de Adrian, Hagartycontou para os policiais. Ele levouAdrian para as sombras escuras evagamente desagradveis da Pontedo Beijo. Apontou para uma daspichaes. Adrian precisou acender

  • um fsforo e segurar abaixo dotexto para conseguir ler.

    ME MOSTRA SEU PAU, SUA BICHA, EVOU CORTAR ELE FORA.

    Sei o que as pessoas achamdos gays disse Don baixinho. Levei uma surra em uma parada decaminhes em Dayton quando eraadolescente; alguns caras dePortland colocaram fogo nos meussapatos em frente a uma lanchoneteenquanto um policial velho e gordoficava dentro da viatura rindo. J vimuita coisa mas nunca vi nadaassim. Olha ali. D uma lida.

    Outro fsforo revelou ENFIEPREGOS NOS OLHOS DE TODOS OSVEADOS (POR DEUS)!

  • Quem escreve essas frasestem um problema srio de loucura.Eu me sentiria melhor se achasseque era s uma pessoa, um doenteisolado, mas Don passou obrao lentamente na direo daextenso da Ponte do Beijo. Temmuitas dessas coisas e acho queno foi uma pessoa que escreveutodas. por isso que quero sair deDerry. Lugares demais e pessoasdemais parecem sofrer de loucuraprofunda.

    Ah, espera at eu terminarmeu romance, t? Por favor?Outubro, eu prometo, nem um dia amais. O ar melhor aqui.

  • Ele no sabia que era com agua que ele precisaria tomarcuidado disse Don Hagarty comamargura.

  • 10Tom Boutillier e o chefeRademacher se inclinaram para afrente, os dois sem falar. ChrisUnwin estava sentado com a cabeabaixa, falando em tom montonopara o cho. Essa era a parte queeles queriam ouvir; essa era a parteque ia mandar pelo menos doiscretinos para Thomaston.

    A feira no estava boa disse Unwin. J estavam tirandotodos os brinquedos maneiros,sabe, como a Roda do Demnio e aQueda de Paraquedas. J tinham

  • colocado uma placa nos CarrinhosBate-Bate escrito fechado. Notinha nada aberto, s brinquedos debeb. Ento fomos pra rea dosjogos, e Webby viu o Jogue atGanhar; pagou cinquenta centavos eviu aquele chapu que a bichaestava usando e jogou pra pegarum, mas ficava errando, e cada vezque ele errava, o humor delepiorava, sabe? E Steve, o cara quecostuma sair por a dizendo esfria acabea, tipo esfria a cabea praisso, esfria a cabea praquilo, e porque voc no esfria essa porraduma vez, sabe? S que ele estavacom o humor fodido porque tomou

  • um comprimido sabe? No sei quetipo de comprimido. Umcomprimido vermelho. De repenteat era legal. Mas ele fica atrs deWebby at eu achar que Webby iabater nele, sabe. Ele fica repetindo:Voc no consegue nem ganhar ochapu daquela bicha. Deve estarmuito doido se no consegue nemganhar o chapu daquela bicha.Ento a dona acaba dando umprmio pra ele apesar do aro noter acertado nada, porque acho queela queria se livrar de ns. No sei.Talvez no. Mas acho que sim. Erauma coisa de fazer barulho, sabe?Voc sopra, ela enche e desenrola e

  • faz um barulho de peido, sabe? Eutinha um. Ganhei no Halloween ouno Ano-Novo ou numa porra deferiado. Achava bem legal, s queperdi. Ou pode ser que algumtenha tirado do meu bolso na merdade parquinho da escola, sabe? A afeira est fechando e estamossaindo e Steve ainda est no p deWebby por ele no ter conseguidoganhar o chapu da bicha, sabe, eWebby no est falando muito e seique isso mau sinal, mas eu estavabbado, sabe? Ento eu sabia quetinha que mudar de assunto, masno conseguia pensar em nada,sabe? Ento quando entramos no

  • estacionamento, Steve diz: Aondevoc quer ir? Pra casa? E Webbydiz: Vamos passar na porta doFalcon primeiro pra ver se aquelabicha est por l.

    Boutillier e Rademachertrocaram um olhar. Boutillierergueu um nico dedo e bateu nabochecha; apesar de o pateta debotas no saber, estava falandoagora de assassinato em primeirograu.

    Ento eu falo no, tenho que irpra casa, e Webby diz: est commedo de passar na porta daquelebar gay? E eu digo: porra, no! ESteve ainda est alto, eu acho, e

  • diz: vamos fritar carne de veado!Vamos fritar carne de veado! Vamosfritar

  • 11A sincronia foi perfeita para tudodar errado para todo mundo. AdrianMellon e Don Hagarty saram doFalcon depois de duas cervejas,passaram andando pela rodoviriae deram as mos. Nenhum dos doispensou no que estava fazendo; eraapenas uma coisa que eles faziam.Eram 22h20. Eles chegaram naesquina e viraram esquerda.

    A Ponte do Beijo ficava quase700 metros rio acima dali; elespretendiam cruzar a ponte da ruaMain, que era bem menos pitoresca.

  • O Kenduskeag estava baixo, comoera comum no vero, com nomximo 1,20 metro de guadeslizando apaticamente pelospilares de concreto da ponte.

    Quando o Duster chegou ao ladodeles (Steve Dubay tinha visto osdois saindo do Falcon e apontoupara eles alegremente), elesestavam na metade da extenso.

    D uma fechada! D umafechada! gritou Webby Garton.Os dois homens tinham acabado depassar debaixo de um poste de luz eele viu que estavam de mos dadas.Isso o enfureceu mas no tantoquanto o chapu. A enorme flor de

  • papel estava balanandoloucamente de um lado para ooutro. D uma fechada, porra!

    E Steve deu.Chris Unwin negaria

    participao no que se seguiu, masDon Hagarty contou uma histriadiferente. Ele disse que Garton saiudo carro quase antes de ele parar, eque os outros dois foramrapidamente atrs. Houve conversa.No foi boa. No houve tentativa deirreverncia nem de flerte falso daparte de Adrian naquela noite; elereconheceu que eles estavam comum problema bem grande.

    Me d esse chapu disse

  • Garton. Me d, bicha. Se eu der, voc vai deixar a

    gente em paz? Adrian estavaofegante de medo, quase chorando,olhando de Unwin para Dubay eGarton com olhos apavorados.

    Me d essa porra!Adrian entregou o chapu.

    Garton tirou um canivete do bolsoesquerdo da cala jeans e cortou-oem dois pedaos. Esfregou ospedaos no traseiro da cala. Emseguida, jogou no cho e pulou emcima.

    Don Hagarty se afastou um poucoquando a ateno deles estavadividida entre Adrian e o chapu.

  • Ele disse que estava procurando umpolicial.

    Agora vocs vo nos deixarem p comeou a falar AdrianMellon, e foi nessa hora que Gartondeu um soco na cara dele,empurrando-o contra a cerca daponte da altura da cintura. Adriangritou e levou as mos boca.Sangue jorrou entre seus dedos.

    Ade! gritou Hagarty, e saiucorrendo de novo. Dubay esticou op para derrub-lo. Garton chutou-ona barriga e o derrubou da caladapara a rua. Um carro passou.Hagarty ficou de joelhos e gritou. Ocarro no diminuiu. Ele contou a

  • Gardener e Reeves que o motoristanem olhou para trs.

    Cala a boca, veado! disseDubay, e chutou-o na lateral dorosto. Hagarty caiu de lado nasarjeta, semiconsciente.

    Alguns momentos depois, eleouviu uma voz, de Chris Unwin,mandando-o ir embora antes queele recebesse o que o amigo estavarecebendo. Em seu prpriodepoimento, Unwin confirmou quedeu esse aviso.

    Hagarty conseguia ouvir baquessurdos e o som de seu amantegritando. Adrian parecia um coelhoem uma armadilha, ele contou

  • polcia. Hagarty rastejou de voltaat o cruzamento e as luzes intensasda rodoviria, e quando estava auma certa distncia, se virou paraolhar.

    Adrian Mellon, que tinha 1,65metro e pesava apenas uns 60quilos, estava sendo empurrado deGarton para Dubay para Unwin emuma espcie de brincadeira. Ocorpo dele se balanava como ocorpo de uma boneca de pano. Elesestavam dando socos nele,golpeando, rasgando as roupas. Eledisse que, enquanto olhava, Gartondeu um soco na virilha de Adrian.O cabelo de Adrian caa sobre o

  • rosto. Sangue jorrava da boca eencharcava sua camisa. WebbyGarton usava dois anis pesados namo direita: um era um anel daDerry High School, o outro eletinha feito em uma aula, com asletras DB de metal entrelaadas emalto-relevo com 7 centmetros. Asletras representavam Dead Bugs,uma banda de heavy metal da qualele gostava muito. Os aniscortaram o lbio superior deAdrian e quebraram trs dentes decima perto da gengiva.

    Socorro! gritou Hagarty. Socorro! Socorro! Estomatando ele! Socorro!

  • Os prdios na rua Maincontinuaram escuros e secretos.Ningum saiu para ajudar, nem danica ilha branca de luz quemarcava a rodoviria, e Hagartyno via como isso era possvel:havia pessoas l. Ele as tinha vistoquando passou com Ade. Ser queningum sairia para ajudar?Ningum?

    SOCORRO! SOCORRO!ESTO MATANDO ELE,SOCORRO, POR FAVOR, PELOAMOR DE DEUS!

    Socorro sussurrou uma vozbem baixa esquerda de DonHagarty e em seguida, uma

  • risada. Expulsa o vagabundo!

    Garton estava gritando agoragritando e rindo. Todos os trs,contou Hagarty a Gardener eReeves, estavam rindo enquantosurravam Adrian. Expulsa ovagabundo! Por cima da grade!

    Expulsa o vagabundo!Expulsa o vagabundo! Expulsa ovagabundo! cantarolou Dubay,rindo.

    Socorro disse a voz baixade novo, e apesar de ser uma vozgrave, a risadinha soou depois denovo, e era como a voz de umacriana que no consegue se

  • controlar.Hagarty olhou para baixo e viu o

    palhao, e foi nesse ponto queGardener e Reeves comearam arelevar tudo que Hagarty dizia,porque o resto era delrio de umluntico. No entanto, mais tarde,Harold Gardener se viu em dvida.Depois, quando soube que o garotoUnwin tambm viu um palhao, oudisse ter visto, ele comeou a sequestionar. O parceiro nunca tevedvidas ou nunca admitiria.

    Hagarty disse que o palhaoparecia um cruzamento entreRonald McDonald e aquele velhopalhao da TV, o Bozo. Ou era o

  • que ele pensou no princpio. Foramos tufos desgrenhados de cabeloque levaram essa comparao mente. Mas consideraesposteriores fizeram com que eleachasse que o palhao no separecesse nem com um, nem comoutro. O sorriso pintado no rostobranco era vermelho, no laranja, eos olhos eram de um prateadocintilante estranho. Lentes decontato, talvez Mas uma partedele achou na hora e continuou aachar que talvez prateada fosse averdadeira cor daqueles olhos. Eleusava uma roupa larga com grandesbotes laranja em forma de

  • pompom; nas mos, havia luvas dedesenho animado.

    Se voc precisar de ajuda,Don disse o palhao , podepegar um balo.

    E ofereceu vrios que seguravana mo.

    Eles flutuam disse opalhao. Aqui embaixo, todosns flutuamos; em pouco tempo, seuamigo tambm vai flutuar.

  • 12 Esse palhao chamou voc pelonome disse Jeff Reeves com umavoz totalmente sem expresso. Eleolhou por cima da cabea baixa deHagarty para Harold Gardener, eum olho deu uma piscadela.

    Chamou disse Hagarty semlevantar o olhar. Sei comoparece.

  • 13 Ento vocs jogaram ele porcima disse Boutillier. Expulsa o vagabundo.

    Eu no! disse Unwin,erguendo o olhar. Ele tirou o cabelodos olhos com uma das mos eolhou para eles com desespero. Quando vi que eles realmentepretendiam fazer aquilo, tenteipuxar Steve, porque eu sabia que ocara podia se machucar Eram uns3 metros at a gua

    Eram 7. Um dos guardas do chefeRademacher j tinha medido.

  • Mas parecia que ele estavalouco. Os dois ficavam gritandoExpulsa o vagabundo! Expulsa ovagabundo!, e ento pegaram ele.Webby segurou por debaixo dosbraos e Steve pela parte de trs dacala, e e

  • 14Quando Hagarty viu o que elesestavam fazendo, correu na direodeles gritando No! No! No! aplenos pulmes.

    Chris Unwin o empurrou paratrs; Hagarty caiu na calada ebateu os dentes.

    Quer ir tambm? sussurrouele. Corre, querido!

    Eles jogaram Adrian Mellon daponte na gua. Hagarty ouviu o somdele caindo no rio.

    Vamos sair daqui disseSteve Dubay. Ele e Webby estavam

  • indo para o carro.Chris Unwin foi at a amurada e

    olhou para baixo. Ele viu Hagartyprimeiro, deslizando e se agarrandona grama da margem cheia de lixopara chegar at a gua. E ento, viuo palhao. O palhao estavaarrastando Adrian do outro ladocom um dos braos; os balesestavam na outra mo. Adrianestava encharcado, engasgado,gemendo. O palhao girou a cabeae sorriu para Chris. Chris disse queviu os olhos prateados brilhantes eos dentes mostra, dentes grandes,disse ele.

    Como o leo do circo, cara

  • disse ele. Eram mesmoenormes.

    Ele disse que viu o palhaoenfiar um dos braos de AdrianMellon para trs, para ficar porcima da cabea.

    E depois, Chris? disseBoutillier. Ele estava entediadocom essa parte. Contos de fadas oentediavam desde os 8 anos.

    Sei l disse Chris. Foia que Steve me agarrou e jogou nocarro. Mas acho que ele mordeuo sovaco dele. Ele ergueu oolhar para eles agora, comincerteza. Acho que foi isso queele fez. Mordeu o sovaco dele.

  • Como se quisesse comer ele, cara.Como se quisesse comer o coraodele.

  • 15No, disse Hagarty quando ouviu ahistria de Chris Unwin na formade perguntas. O palhao noarrastou Ade na outra margem, aomenos no que ele tenha visto eele concordou que no era umobservador indiferente quelasalturas; ele j estava completamenteenlouquecido.

    O palhao, disse ele, estava dep perto da margem oposta com ocorpo encharcado de Adrian nosbraos. O brao direito de Adeestava esticado atrs da cabea do

  • palhao, e o rosto do palhaoestava mesmo na axila direita deAde, mas ele no estava mordendo.Estava sorrindo. Hagarty conseguiuv-lo olhando por debaixo do braode Ade e sorrindo.

    Os braos do palhao apertarame Hagarty ouviu costelas sequebrarem.

    Ade gritou. Flutue conosco, Don disse

    o palhao pela boca vermelhasorridente, e apontou com uma dasmos com luvas brancas paradebaixo da ponte.

    Bales flutuavam debaixo daponte, no uma dezena ou uma

  • dezena de dezenas, mas milhares,vermelhos e azuis e verdes eamarelos, e impresso em cada umhavia EU DERRY!

  • 16 Bem, isso faz parecer que haviamuitos bales disse Reeves, edeu outra piscadela para HaroldGardener.

    Sei como parece repetiuHagarty com a mesma voz sombria.

    Voc viu esses bales disse Gardener.

    Don Hagarty levantou as moslentamente na frente do rosto.

    Eu os vi to claramentequanto consigo ver meus dedosneste momento. Milhares deles.No dava nem pra ver a parte de

  • baixo da ponte, porque erammuitos. Estavam tremendo umpouco, meio que balanando pracima e pra baixo. Havia um som.Tipo um grito meio baixo eestranho. Eram as laterais deles setocando. E fios. Havia uma florestade fios brancos de teia de aranha. Opalhao levou Ade l pra baixo.Consegui ver a roupa dele roandonos fios. Ade estava fazendoterrveis sons de engasgo. Comeceia ir atrs dele e o palhao olhoupra trs. Vi os olhos dele eimediatamente entendi quem eleera.

    Quem era, Don? perguntou

  • Harold Gardener baixinho. Era Derry disse Don

    Hagarty. Era esta cidade. E o que voc fez? falou

    Reeves. Eu corri, seu burro disse

    Hagarty, e caiu em lgrimas.

  • 17Harold Gardener ficou na dele at odia 13 de novembro, a vspera dodia em que John Garton e StevenDubay seriam julgados no Tribunaldo Distrito de Derry peloassassinato de Adrian Mellon. Eleprocurou Tom Boutillier. Queriafalar sobre o palhao. Boutillierno queria, mas quando viu queGardener poderia fazer algumacoisa idiota sem orientao, elefalou.

    No tinha palhao, Harold.Os nicos palhaos na rua aquela

  • noite eram aqueles garotos. Vocsabe disso to bem quanto eu.

    Temos duas testemunhas Ah, isso besteira. Unwin

    decidiu incluir o Homem de UmBrao, no melhor estilo ns nomatamos o pobre veadinho, foi ohomem de um brao assim queentendeu que tinha se metido emconfuso de verdade dessa vez.Hagarty estava histrico. Ele ficoude lado vendo os garotos matarem omelhor amigo dele. No teria mesurpreendido se tivesse vistodiscos voadores.

    Mas Boutillier sabia que no eraisso. Gardener conseguia ver nos

  • olhos dele, e a atitude esquiva dopromotor assistente o irritou.

    Para com isso disse ele. Estamos falando de testemunhasindependentes aqui. No me venhade merda.

    Ah, voc quer falar de merda?Est me dizendo que acredita quehavia um palhao vampiro debaixoda ponte da rua Main? Porque essa a minha ideia de merda.

    No, no exatamente, mas Ou que Hagarty viu um bilho

    de bales l embaixo, cada um coma mesma coisa que havia impressano chapu do amante dele? Porqueisso tambm minha ideia de

  • merda. No, mas Ento por que voc est me

    incomodando com isso? Para de me interrogar!

    gritou Gardener. Os doisdescreveram o mesmo e nenhumdos dois sabia o que o outro estavadizendo!

    Boutillier estava sentado mesa,brincando com um lpis. Agora elecolocou o lpis sobre a mesa, ficoude p e andou at Harold Gardener.Boutillier era 12 centmetros maisbaixo, mas Gardener deu um passopara trs frente raiva do homem.

    Voc quer que a gente perca

  • esse caso, Harold? No. claro que n Quer que essas pragas

    ambulantes fiquem livres? No! Certo. timo. Como ns dois

    concordamos com o bsico, vou tedizer exatamente o que acho. Sim,devia haver um homem debaixo daponte naquela noite. Talvez atestivesse usando uma roupa depalhao, apesar de eu j ter lidadocom testemunhas o suficiente prasaber que devia ser um vagabundoou um passante usando um bando deroupas descartadas por outraspessoas. Acho que devia estar l

  • embaixo procurando moedas cadasou restos de comida, metade de umhambrguer que algum jogou foraou talvez o farelo do fundo de umpacote de salgadinho. Os olhosdeles fizeram o resto, Harold. Isso possvel?

    No sei disse Harold. Elequeria ser convencido, masconsiderando a correspondnciaexata das duas descries no.Ele no achava possvel.

    A questo a seguinte. Noligo se era o Palhao Kinko ou umcara de terno do tio Sam de muletasou Hubert, o Homossexual Feliz. Seintroduzirmos esse sujeito no caso,

  • o advogado deles vai cair em cimadisso antes de voc conseguir dizerJack Robinson. Ele vai dizer queos dois cordeirinhos inocentes comcabelos recm-cortados e roupasnovas no fizeram nada alm dejogar o cara gay chamado Mellonda ponte de brincadeira. Vaiobservar que Mellon ainda estavavivo depois que caiu; eles tm otestemunho de Hagarty assim comoo de Unwin pra isso.

    Os clientes dele no cometeramassassinato, ah, no! Foi umpsicopata de roupa de palhao. Seintroduzirmos isso, o que vaiacontecer e voc sabe.

  • Unwin vai contar essa histriade qualquer jeito.

    Mas Hagarty no disseBoutillier. Porque ele entende.Sem Hagarty, quem vai acreditarem Unwin?

    Bem, ns disse HaroldGardener com uma amargura quesurpreendeu at ele mesmo , masacho que ns no vamos contar.

    Ah, me d um tempo! rosnou Boutillier, levantando asmos. Eles mataram o cara!No s jogaram ele da ponte.Garton tinha um canivete. Mellonfoi esfaqueado sete vezes, inclusiveuma vez no pulmo esquerdo e duas

  • vezes nos testculos. Os ferimentosbatem com a lmina. Quatro dascostelas dele foram quebradas.Dubay fez isso com o abrao deurso. Ele foi mesmo mordido.Havia mordidas nos braos, nabochecha esquerda, no pescoo.Acho que foram Unwin e Garton,apesar de s termos conseguidouma correspondncia clara, emesmo essa no deve estar clara obastante pra ser usada no tribunal.Ento, tudo bem, um pedao decarne sumiu do sovaco dele, e da?Um deles gostava mesmo demorder. Deve ter ficado at de pauduro quando estava fazendo isso.

  • Aposto em Garton, apesar dejamais conseguirmos provar. E olbulo da orelha de Mellon sumiu.

    Boutillier parou e olhou paraHarold com raiva.

    Se permitirmos essa histriade palhao, nunca vamos conseguirmandar prender os trs. Voc querisso?

    No, j falei. O cara era fruta, mas no

    estava machucando ningum disse Boutillier. E ento, donada, aparecem esses trs babacasde botas de motoqueiro e roubam avida dele. Vou colocar os trs nacadeia, meu amigo, e se eu souber

  • que os cuzinhos apertados delesforam arrombados em Thomaston,vou mandar cartes dizendo queespero que quem fez isso tenhaaids.

    Muito ardoroso, pensouGardener. E as condenaestambm vo ficar muito bem noseu registro quando vocconcorrer vaga principal emdois anos.

    Mas ele foi embora sem dizermais nada, porque tambm queriaver os trs presos.

  • 18John Webber Garton foi condenadopor homicdio culposo em primeirograu e sentenciado a dez a vinteanos na Priso Estadual deThomaston.

    Steven Bishoff Dubay foicondenado por homicdio culposoem primeiro grau e sentenciado a15 anos na Priso Estadual deShawshank.

    Christopher Philip Unwin foijulgado separadamente como menore condenado por homicdio culposoem segundo grau. Foi sentenciado a

  • seis meses no Instituto deTreinamento para Garotos de SouthWindham, com liberdadecondicional.

    Na poca em que este texto escrito, as trs sentenas esto emrecurso; Garton e Dubay podem servistos em qualquer dia olhandogarotas ou jogando moedas noParque Bassey, no longe de onde ocorpo desfigurado de Mellon foiencontrado flutuando contra um dospilares da ponte da rua Main.

    Don Hagarty e Chris Unwinsaram da cidade.

    No julgamento principal, o deGarton e Dubay, ningum

  • mencionou um palhao.

  • Captulo 3

    Seis telefonemas (1985)

    1

  • Stanley Uris toma um banhoPatricia Uris contou mais tarde paraa me que devia ter percebido que

    alguma coisa estava errada. Eladevia ter percebido porque Stanleynunca tomava banho de banheira nocomeo da noite. Tomava banho de

    chuveiro todas as manhs e svezes ficava na banheira tarde da

    noite (com uma revista em uma dasmos e uma cerveja gelada na

    outra), mas banhos de banheira s19h no eram do estilo dele.

    E havia a coisa com os livros.Devia t-lo alegrado; mas, dealguma forma obscura que ela no

  • entendia, pareceu t-lo aborrecidoe deprimido. Cerca de trs mesesantes daquela noite terrvel, Stanleydescobriu que um amigo de infnciadele tinha virado escritor. Noescritor de verdade, contou Patriciapara a me, mas romancista. Onome nos livros era WilliamDenbrough, mas Stanley s vezes ochamava de Bill Gago. Ele leuquase todos os livros do sujeito; naverdade, estava lendo o ltimo nanoite do banho, a noite de 28 demaio de 1985. Patty mesma pegarapara ler um dos primeiros, por puracuriosidade. Acabou parandodepois de apenas trs captulos.

  • No era apenas um romance,disse ela para a me mais tarde; eraum livrodeterror. Ela falou dessamaneira, como se fosse umapalavra s, como teria ditolivrodesexo. Patty era uma mulherdoce e gentil, mas no muitoarticulada. Ela queria contar meo quanto aquele livro a assustara epor que a incomodara, mas noconseguiu.

    Era cheio de monstros disse ela. Cheio de monstrosatrs de criancinhas. Havia mortese no sei sentimentos ruins edor. Coisas assim. Na verdade,ela o achou quase pornogrfico;

  • essa era a palavra que ficavaescapando dela, provavelmenteporque ela nunca a falou em toda avida, embora soubesse o quesignificava. Mas Stan parecia terredescoberto um dos amiguinhos deinfncia Ele falou em escreverpra ele, mas eu sabia que ele noia Eu sabia que aquelas histriaso faziam se sentir mal tambme e

    E ento, Patty Uris comeou achorar.

    Naquela noite, faltandoaproximadamente seis meses paracompletar 28 anos daquele dia em1957 quando George Denbrough

  • conheceu Pennywise, o Palhao,Stanley e Patty estavam sentados nasala de TV da casa em quemoravam em um subrbio deAtlanta. A TV estava ligada. Pattyestava sentada em um sof de doislugares na frente dela, dividindo aateno entre a costura e seu gameshow favorito, Family Feud. Elasimplesmente amava RichardDawson e achava o relgio debolso que ele usava incrivelmentesexy, apesar de nada no mundo sercapaz de arrancar essa confissodela. Ela tambm gostava doprograma porque quase sempresabia as respostas mais populares

  • (no havia respostas certas emFamily Feud, no exatamente; s asmais populares). Ela uma vezperguntou a Stan por que as quepareciam to fceis para elacostumavam ser to difceis para asfamlias no programa.

    Deve ser bem mais difcilquando voc est l debaixodaquelas luzes responderaStanley, e pareceu a ela que umasombra cruzou o rosto dele. Tudo fica bem mais difcil quando de verdade. a que voc engasga.Quando de verdade.

    Devia ser bem verdade, decidiuela. Stanley tinha percepes

  • precisas sobre a natureza humana svezes. Bem mais precisas, refletiuela, do que seu velho amigoWilliam Denbrough, que ficou ricoescrevendo um bando de livros deterror que apelavam aos instintosmais primitivos das pessoas.

    No que os Uris estivessem malde vida! O subrbio onde elesmoravam era bom, e a casa quecompraram por 87 mil dlares em1979 provavelmente valeria 165mil com facilidade. No que elaquisesse vender, mas era bom sabercoisas assim. Ela s vezes voltavado Fox Run Mall de Volvo (Stanleytinha um Mercedes a diesel, e para

  • provoc-lo, ela chamava deSedanley) e via a casa, posicionadaagradavelmente atrs de uma cercabaixa de teixos, e pensava: Quemmora a? Ah, sou eu! A sra. StanleyUris mora a! No era umpensamento completamente feliz;misturado a ele havia um orgulhoto feroz que s vezes a deixavameio enjoada. Antigamente, sabe,houve uma garota solitria de 18anos chamada Patricia Blum queno pde entrar na festa depois daformatura que aconteceu no countryclube na cidade de Glointon, NovaYork. A entrada foi negada porqueo sobrenome dela rimava com pum.

  • Essa era ela, s uma judiazinhamagrela no ano de 1967, e umadiscriminao assim era contra alei, claro, ha-ha, muito engraado,e alm do mais, era passado agora.Mas para uma parte dela, nuncaseria passado. Parte dela sempreestaria voltando para o carro comMichael Rosenblatt, ouvindo ocascalho debaixo dos saltos e dossapatos sociais alugados dele, parao carro do pai dele, que Michaelpegara emprestado para aquelanoite e que passara a tardeencerando. Parte dela sempreestaria andando ao lado de Michaelcom o palet branco alugado. Como

  • ele brilhava sob a noite suave deprimavera! Ela estava usando umvestido de noite verde-claro que ame declarou que a fazia pareceruma sereia, e a ideia de uma sereiajudia era bem engraada, ha-ha.Eles andaram com as cabeaserguidas e ela no chorou, nonaquele momento, mas entenderaque eles no estavam andando devolta, no, no de verdade; o queeles estavam fazendo era escapar,que rima com enojar, os dois sesentindo mais judeus do que jamaissentiram na vida, sentindo-se comopenhoristas, como passageiros detrem de carga, sentindo-se oleosos,

  • de narizes longos, de peleamarelada; sentindo-se judeuzinhosmo de vaca; querendo sentir raivae no conseguindo. A raiva ssurgiu depois, quando noimportava. Naquele momento, elas conseguiu sentir vergonha, sconseguiu sofrer. E ento, algumrira. Uma gargalhada aguda edescontrolada como notas rpidasem um piano, e no carro elaconseguiu chorar, ah, pode apostar,aqui est a sereia judia cujo nomerima com pum chorando comolouca. Mike Rosenblatt colocara amo desajeitada e consoladora nanuca dela e ela se afastou, sentindo

  • vergonha, sentindo-se suja,sentindo-se judia.

    A casa posicionada com tantobom gosto atrs da cerca vivamelhorou isso mas nocompletamente. A dor e a vergonhaainda estavam l, e nem ser aceitaneste bairro silencioso e ricoconseguiu fazer a infinitacaminhada com o som de pedrasdebaixo dos sapatos parar deacontecer. Nem o fato de eles seremmembros deste country clube, ondeo matre sempre os cumprimentavacom um respeitoso Boa noite, sr. esra. Uris. Ela voltava para casa,aninhada no Volvo 1984, e olhava

  • para a casa posicionada nogramado verde, e com frequncia(frequncia demais, ela achava)pensava naquela risada aguda. Etorcia para que a garota que riraestivesse morando em uma casa deloteamento de merda com ummarido goy que batesse nela, quetivesse ficado grvida trs vezes etido trs abortos, que o marido atrasse com mulheres com doenas,que ela tivesse hrnia de disco eps chatos e cistos na lngua sujaque ri.

    Ela se odiava por essespensamentos, pensamentos nogenerosos, e prometia melhorar:

  • parar de beber esses coquetisamargos e cheios de ressentimento.Meses se passariam sem ela teresses pensamentos. Ela pensava:Talvez finalmente tenha ficadopara trs. No sou mais aquelagarota de 18 anos. Sou umamulher de 36; a garota que ouviu ointerminvel clique das pedras daentrada, a garota que se afastouda mo de Mike Rosenblattquando ele tentou consol-laporque era uma mo judia, foimeia vida atrs. Aquela sereinhaboba est morta. Posso esquec-laagora e ser eu mesma. Certo. Bom.timo. Mas ento ela estaria em

  • outro lugar, no supermercado,talvez, e ouvia uma risada agudarepentina no corredor ao lado esuas costas ficavam arrepiadas, osmamilos ficavam duros e doloridos,as mos apertavam a barra docarrinho de compras ou uma outra, e ela pensava: Algumacabou de contar pra algum quesou judia, que no sou nada almde uma nariguda mo de vaca, queStanley no nada alm de umvagabundo mo de vaca, ele contador, claro, judeus so bonscom nmeros, deixamos entraremno country clube, tivemos quedeixar, foi em 1981, quando aquele

  • ginecologista narigudo judeuganhou o processo, mas rimosdeles, rimos e rimos e rimos. Ouela apenas ouvia um cliquefantasma e o barulho de cascalho epensava: Sereia! Sereia!

    A o dio e a vergonha voltavamcom tudo como uma enxaqueca, eela entrava em desespero noapenas por ela mesma, mas portoda raa humana. Lobisomens. Olivro de Denbrough, o que elatentou ler e largou, era sobrelobisomens. Lobisomens, porra. Oque um cara assim sabia sobrelobisomens?

    Mas a maior parte do tempo ela

  • se sentia melhor, sentia que estavamelhor. Ela amava o marido, amavaa casa e costumava conseguir amara vida e a si mesma. As coisasestavam boas. No foram sempreassim, claro. E era possvel?Quando ela aceitou o anel denoivado de Stanley, os pais ficaramzangados e infelizes. Ela oconhecera em uma festa deirmandade da faculdade. Ele foi daNew York State University, ondetinha bolsa de estudos, at afaculdade dela. Foram apresentadospor um amigo em comum, e quandoa noite terminou, ela desconfiavaque o amava. Nas frias de meio de

  • semestre, ela tinha certeza. Quandoa primavera chegou e Stanleyofereceu a ela um pequeno anel ded