Iter criminis - igepp.com.br · perigo concreto penalmente relevante. De outro lado, ... a...

22
Iter criminis Duas são as fases do iter criminis: interna e externa: 1ª fase: interna (cogitação): a cogitação, em Direito penal, é impunível: cogitationis poenam nemo patitur. O Direito penal não chega a ingressar no pensamento do agente para puni-lo pelo que pensa. Mentalmente todo delito (doloso) pode ser idealizado, mas o Direito penal não se interessa por isso. Por força do princípio da materialização (ou exteriorização) do fato, este só se torna penalmente relevante quando se manifesta exteriormente) Nullum crimen sine actio (não há crime sem conduta exteriorizada). 2ª fase: externa. Subdivide-se em: A) Atos preparatórios: são atos que antecedem imediatamente os executórios. Os atos preparatórios são chamados de conatus remotus e, em geral, são impuníveis. Só excepcionalmente são puníveis. ILUSTRANDO: 1) Na associação criminosa (CP, art. 288) pune-se a associação de três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes; 2) Vários verbos contidos no art. 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) representam tão somente a preparação para o tráfico efetivo, como ter droga em depósito, trazer consigo etc. No entanto, pela lei, já são puníveis. B) Atos executórios: os atos executórios envolvem (a) tanto a execução do verbo núcleo do tipo como (b) os atos imediatamente anteriores dirigidos (inequivocamente) ao verbo núcleo do tipo (começo de execução do crime). A execução do verbo núcleo do tipo é uma fase mais avançada que o começo de execução do crime. Ambos expressam, no entanto, atos executórios. Sobre o conceito de começo de execução do crime, assim como sobre a distinção entre os atos executórios e os atos preparatórios, existem várias teorias: Esquematizando: Teoria Conceito Críticas e Comentários Subjetiva Vislumbra ação executiva nos atos preparatórios, uma vez que estes já revelam a intenção do autor. Exemplo: pessoa é agredida num bar, vai até a sua casa se municia de arma de fogo e fica à espreita do seu agressor para matá-lo nas cercanias de sua casa – neste momento já está caracterizado o início da execução pela teoria subjetiva Trata-se de teoria idônea a permitir o início da persecução penal com base no “perfil do autor”. A repressão penal irá atingir pessoas e situações estatisticamente prevalentes, gerando novas estatísticas num ciclo vicioso, ao final culminando com a consagração do direito penal do autor Formal objetiva ou Objetivo formal Há ato executório quando o agente realiza a conduta correspondente ao verbo núcleo do tipo (quando começa a subtrair, quando aciona o gatilho da arma para matar etc.) Por vezes aguardar o início da prática do verbo que rege o tipo é nulificar a possibilidade de salvaguarda do bem protegido. Esperar que quadrilha de assalto a banco, que esteja sendo monitorada, ingresse na agência bancária e anuncie o assalto é esvaziar a razão de ser preventiva do aparto estatal Material objetiva ou Há o ato executório se dá tanto quando o agente realiza o verbo núcleo do tipo como em relação aos atos anteriores mas vinculados necessariamente com a Os antecedentes indestacáveis dos verbos que regem os tipos são bons indicadores de que o crime acontecerá: a aproximação sorrateira no furto; o saque

Transcript of Iter criminis - igepp.com.br · perigo concreto penalmente relevante. De outro lado, ... a...

Iter criminis

Duas são as fases do iter criminis: interna e externa:

1ª fase: interna (cogitação): a cogitação, em Direito penal, é impunível: cogitationis poenam nemo patitur. O Direito penal não chega a ingressar no pensamento do agente para puni-lo pelo que pensa. Mentalmente todo delito (doloso) pode ser idealizado, mas o Direito penal não se interessa por isso. Por força do princípio da materialização (ou exteriorização) do fato, este só se torna penalmente relevante quando se manifesta exteriormente) Nullum crimen sine actio (não há crime sem conduta exteriorizada).

2ª fase: externa. Subdivide-se em:

A) Atos preparatórios: são atos que antecedem imediatamente os executórios. Os atos preparatórios são chamados de conatus remotus e, em geral, são impuníveis. Só excepcionalmente são puníveis.

ILUSTRANDO: 1) Na associação criminosa (CP, art. 288) pune-se a associação de três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes; 2) Vários verbos contidos no art. 33 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) representam tão somente a preparação para o tráfico efetivo, como ter droga em depósito, trazer consigo etc. No entanto, pela lei, já são puníveis.

B) Atos executórios: os atos executórios envolvem (a) tanto a execução do verbo núcleo do tipo como (b) os atos imediatamente anteriores dirigidos (inequivocamente) ao verbo núcleo do tipo (começo de execução do crime). A execução do verbo núcleo do tipo é uma fase mais avançada que o começo de execução do crime. Ambos expressam, no entanto, atos executórios.

Sobre o conceito de começo de execução do crime, assim como sobre a distinção entre os atos executórios e os atos preparatórios, existem várias teorias:

Esquematizando:

Teoria Conceito Críticas e Comentários

Subjetiva

Vislumbra ação executiva nos atos preparatórios, uma vez que estes já revelam a intenção do autor. Exemplo: pessoa é agredida num bar, vai até a sua casa se municia de arma de fogo e fica à espreita do seu agressor para matá-lo nas cercanias de sua casa – neste momento já está caracterizado o início da execução pela teoria subjetiva

Trata-se de teoria idônea a permitir o início da persecução penal com base no “perfil do autor”. A repressão penal irá atingir pessoas e situações estatisticamente prevalentes, gerando novas estatísticas num ciclo vicioso, ao final culminando com a consagração do direito penal do autor

Formal objetiva ou

Objetivo formal

Há ato executório quando o agente realiza a conduta correspondente ao verbo núcleo do tipo (quando começa a subtrair, quando aciona o gatilho da arma para matar etc.)

Por vezes aguardar o início da prática do verbo que rege o tipo é nulificar a possibilidade de salvaguarda do bem protegido. Esperar que quadrilha de assalto a banco, que esteja sendo monitorada, ingresse na agência bancária e anuncie o assalto é esvaziar a razão de ser preventiva do aparto estatal

Material objetiva

ou

Há o ato executório se dá tanto quando o agente realiza o verbo núcleo do tipo como em relação aos atos anteriores mas vinculados necessariamente com a

Os antecedentes indestacáveis dos verbos que regem os tipos são bons indicadores de que o crime acontecerá: a aproximação sorrateira no furto; o saque

Objetivo material

conduta do verbo núcleo do tipo da arma no homicídio, etc.

Teoria individual

objetiva ou objetiva

individual

A teoria material objetiva posteriormente foi complementada pela ideia de que os atos anteriores à execução devem estar coligados com o plano concreto do autor, isto é, com o que ele quer (qual bem jurídico quer lesar) e sob qual forma quer alcançar esse resultado. Sabendo-se o que o agente quer (qual objetivo, qual bem jurídico) e como ele quer concretamente lesar esse bem jurídico, pode-se descobrir (apesar de todas as dificuldades) quando está iniciada a execução do crime (Zaffaroni). Essa teoria denomina-se objetiva individual (e é a que melhor explica a ideia de começo de execução do crime). Quem pula o muro de uma casa (mediante escalada) e quer subtrair o veículo que se encontra nela estacionado, já pratica atos executórios (atos imediatamente anteriores ao verbo núcleo do tipo). O sujeito, na porta de uma escola, coloca à força uma mulher em seu veículo. Esse ato executório refere-se a qual delito? Só se descobrindo o plano do autor é que saberemos a qual delito se refere esse ato executório (ou se é mesmo um ato executório). Se o plano do autor é matar a vítima, sua colocação dentro do carro é ato preparatório. Se o plano do autor é sequestrar a vítima, sua introdução no carro é ato executório. Se o plano do autor é extorsão mediante sequestro, cuida-se já de ato executório (relacionado com o sequestro) etc.

A teoria objetiva individual (que atende o plano concreto do autor) é a mais aceitável porque não descuida da parte objetiva (conduta que revele concreto perigo para o bem jurídico pretendido) e ainda exprime com maior precisão o momento próximo anterior (ao verbo núcleo do tipo) que já exterioriza esse perigo concreto penalmente relevante. De outro lado, elimina qualquer possibilidade de se punir a tentativa inidônea (quando o meio utilizado é absolutamente inidôneo – crime impossível, CP, art. 17).

C) Crime consumado (consumação formal e consumação material): a consumação é o terceiro momento da fase externa do iter criminis. O crime se consuma “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”, isto é, quando nele se reúnem todos os seus requisitos legais (CP, art. 14, I). Crime tentado ocorre quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (CP, art. 14, II).

Quando os crimes se consumam? Consoante a doutrina clássica (enfoque naturalístico e formal) admite-se a consumação formal da seguinte maneira:

a) nos crimes materiais, culposos e omissivos impróprios: consumam-se quando se dá o resultado naturalístico;

b) nos crimes de mera conduta, formais e crimes omissivos próprios: quando acontece a conduta; c) nos crimes qualificados pelo resultado: quando ocorre o resultado; d) no crime permanente: a consumação se prolonga no tempo (exemplo: sequestro, CP, art. 148); e) nos crimes habituais: para sua consumação exige-se a reiteração da conduta (exemplo:

curandeirismo, CP, art. 284, I); f) nos crimes complexos: quando se reúnem seus requisitos legais (ex.: roubo, que é a fusão do furto

com a violência ou grave ameaça contra a pessoa).

Relevância do momento consumativo do crime: saber o exato momento da consumação do crime é relevante em termos penais por várias razões: (a) a prescrição começa a ser contada (em regra) a partir da consumação do crime (CP, art. 111, I); (b) a competência de foro é determinada em regra pelo local da consumação do crime (CPP, art. 70); (c) só cabe prisão em flagrante quando o crime está se consumando ou quando acabou de se consumar etc. A jurisprudência brasileira enfoca nesses casos a consumação formal como relevante. Não é esse nosso ponto de vista, mas não há como negar o sentido da jurisprudência vigente.

D) Exaurimento (ou esgotamento) do crime: ocorre quando se realizam acontecimentos típicos posteriores à consumação.

ILUSTRANDO: Obtenção de vantagem ilícita na extorsão (CP, art. 158) é mero exaurimento do crime. Note-se que a vantagem ilícita, nesse delito, vem expressamente contemplada na formulação típica. Cuida a extorsão de crime formal ou de consumação antecipada ou de resultado cortado (é, portanto, um crime de perigo em relação ao bem jurídico patrimonial): consuma-se formalmente (só) com a exigência da vantagem indevida. E se o agente consegue obter a vantagem: essa etapa constitui mero exaurimento do crime, porque a consumação formal já se deu antes (crime de consumação antecipada).

A fase de exaurimento exige dois requisitos: (a) um acontecimento típico (leia-se: um evento previsto no tipo); (b) posterior à consumação formal. Na corrupção (solicitação de vantagem indevida), a obtenção dessa vantagem também configura só exaurimento. Aliás, nisso é que o exaurimento é distinto do post-factum impunível (este não vem previsto no tipo legal precedente).

ILUSTRANDO: Quem furta um objeto e depois o destrói, não responde por furto e danos, mas só pelo delito de furto (porque a intensificação da ofensa contra o mesmo bem jurídico pelo mesmo agente não significa um novo delito, sim, só incremento do precedente, o que o juiz deve levar em conta no momento da fixação da pena).

Cabe prisão em flagrante no momento do exaurimento do delito? Depende. A resposta será positiva se ela ocorre “logo depois” da consumação do crime (locução prevista no CPP, art. 302, IV, que trata da prisão em flagrante); será negativa se acontece muitas horas depois da consumação. A locução “logo depois” (agente encontrado logo depois da consumação) é porosa e incerta. Poucas horas depois da consumação (duas, três, quatro) podem ser consideradas logo depois. Mas não há fórmula matemática para isso. Cada caso é um caso (da tarefa de fixar o que se entende o “logo depois” deve se encarregar o operador jurídico).

APROFUNDANDO: o exaurimento não interfere no enquadramento típico, mas poderá: 1) servir como circunstância judicial desfavorável na dosimetria da pena base (art. 59 do CP), uma vez que maiores as consequências do crime; 2) atuar como qualificadora no crime de resistência (art. 329, § 1º do CP); 3) caracterizar causa de aumento de pena no crime de corrupção passiva (art. 317, § 1º do CP); 4) configurar crime autônomo (quando do sequestro com finalidade libidinosa, caso essa venha a se concretizar – é o exaurimento do sequestro mas que será enquadrado como novo crime, in casu, o do art. 213 do CP).

CRIME TENTADO

Espécies de tentativa

1. Perfeita ou acabada: ocorre quando o sujeito, de acordo com seu plano, esgota o processo de execução, isto é, pratica em sua integralidade (conforme as circunstâncias do caso concreto) uma conduta objetivamente capaz de alcançar o resultado lesivo. A conduta que exprime a tentativa perfeita deve ser dotada de potencialidade lesiva real (frente ao bem jurídico que o agente pretendia ofender). A essa tentativa perfeita ou acabada dá-se o nome de crime falho.

ILUSTRANDO: O sujeito planeja matar a vítima com dois disparos; possui dois projéteis no revólver, dispara os dois e não consegue a morte da vítima. Nas circunstâncias em que atuou, tendo em vista o plano do autor, assim como o meio de execução escolhido, nota-se que o processo de execução (possível) consistia no máximo em dois disparos. E o agente esgotou esse processo de execução. Fala-se, nesse caso, em tentativa perfeita ou acabada (crime falho).

2. Imperfeita ou inacabada: o sujeito, tendo em vista o seu plano, não esgota o processo de execução possível, nas circunstâncias em que se achava.

ILUSTRANDO: Agente planeja matar a vítima com dois disparos; possui dois projéteis no revólver, dispara o primeiro e todos avançam contra ele e tomam-lhe a arma. Não lhe foi possível, no caso, esgotar todo o processo de execução imaginado ou desejado. Logo, tentativa imperfeita ou inacabada.

A distinção entre tentativa perfeita (acabada) e imperfeita (inacabada) pode ter relevância no momento da pena (tudo depende de cada caso concreto). De qualquer maneira, a diferença entre uma e outra depende: (a) do plano do autor; (b) do meio escolhido; (c) dos atos externos realizados; (d) das circunstâncias de cada caso. Mais uma vez, é a teoria objetiva-individual que nos auxilia na distinção. Para efeito da pena, fundamental será não só constatar que o bem jurídico entrou no raio de ação da conduta perigosa, senão também qual foi o nível de perturbação ou turbação do bem jurídico (nível do perigo criado). Quanto mais a conduta perigosa do agente se aproximar da consumação, maior a pena (ou seja, menos a diminuição, em razão da tentativa).

ILUSTRANDO: O sujeito possui dois projéteis no revólver, dispara o primeiro, acerta a vítima e supõe que tenha sido suficiente para a morte (que não acontece). Temos aqui uma tentativa perfeita ou acabada (embora não tenha sido disparado o segundo projétil). Do ponto de vista do autor, esgotou-se o processo de execução. Diferente é a situação de quem tem dois projéteis, dispara o primeiro e é impedido de prosseguir. Aqui há uma situação de tentativa imperfeita ou inacabada (porque o autor pretendia avançar e não conseguiu).

3. Tentativa idônea: assim se denomina a tentativa que efetivamente cria perigo para o bem jurídico protegido. O bem jurídico ingressa concretamente na esfera de ação da conduta perigosa. Aliás, penalmente punível só o é a tentativa idônea.

ILUSTRANDO: O sujeito efetua um disparo contra a vítima, colocando sua vida em concreto risco, visto que o projétil acertou-lhe o peito (e o crime só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente).

4. Tentativa inidônea: ocorre quando o meio utilizado é absolutamente ineficaz ou quando não existe o bem jurídico, ou seja, o bem jurídico não ingressa no raio de ação da conduta perigosa. A tentativa inidônea tem correlação com as hipóteses de crime impossível (CP, art. 17), que veremos logo abaixo.

ILUSTRANDO: Pretender matar alguém por envenenamento, ministrando-lhe por equívoco pequena quantidade de açúcar em uma colher de chá. Essa quantidade de açúcar não é capaz de matar ninguém, nem sequer o diabético. Outro exemplo: pretender matar todos os passageiros de um avião, em pleno voo, jogando-lhe uma pedra. Quanto ao bem jurídico inexistente: disparar contra um cadáver. A tentativa é inidônea, em suma, quando, depois do fato (ex post-factum), se constata que o bem jurídico protegido não correu nenhum risco (seja porque o meio era absolutamente ineficaz, seja porque não havia o bem jurídico).

5. Tentativa irreal ou supersticiosa: acontece quando o agente acredita numa causalidade irrealizável. O bem jurídico de modo algum ingressa na esfera de ação de qualquer conduta perigosa. É o que ocorre com aquele que acredita que um trabalho de macumba seja suficiente para matar a vítima. É forma de crime impossível (caso o fato seja visto da perspectiva do bem jurídico) ou de delito putativo (quando o fato é enfocado desde a perspectiva subjetiva do agente). Concretamente não há nenhum perigo para o bem jurídico. Cuida-se de tentativa impunível, valendo observar que ninguém pode ser castigado só pela

intenção (só o desvalor da intenção não é suficiente para fundamentar uma condenação penal).

6. Tentativa branca ou incruenta: é a que deixa a vítima incólume (leia-se: ocorre quando a vítima não é atingida fisicamente). Tentativa vermelha ou cruenta: ocorre quando a vítima é fisicamente atingida, mas mesmo assim o crime não se consuma. As distinções que acabam de ser formuladas valem para as formas clássicas de delito (crimes individuais ou pessoais). Na atualidade, como se sabe, muitos crimes não contam com vítima claramente individualizada (crimes ecológicos, financeiros etc.). Esses crimes denominam-se “massificados” (crime massificado – ver item 10.50.).

7. Tentativa abandonada: isso se dá na desistência voluntária ou no arrependimento eficaz, que vamos estudar logo abaixo. Fala-se em tentativa qualificada quando, na desistência voluntária ou arrependimento eficaz, o agente deve ser responsabilizado “pelos atos já praticados” (CP, art. 15, parte final). Ele não responde pela tentativa que iniciou, sim, pelos atos objetivos praticados. Essa responsabilidade subsidiária é que se chama (impropriamente) de tentativa qualificada. Em suma: a tentativa abandonada está atrelada à primeira parte do art. 15 do CP. A qualificada com a segunda parte. O nome “tentativa qualificada” é totalmente incorreto (mas é muito recorrente).

Combinação das várias espécies de tentativa: é perfeitamente possível que o fato concreto retrate a combinação de várias espécies de tentativa. Por exemplo: o sujeito esgota o processo de execução (tentativa acabada), mas não acerta a vítima (tentativa branca). Essa tentativa, ademais, é idônea (houve efetivo perigo para o bem jurídico).

7.6.4. Crimes que não admitem tentativa

1. Crimes culposos: se o dolo é um dos requisitos da tentativa e se a tentativa depende do plano do autor, conclui-se que somente os crimes dolosos admitem a forma incompleta de delito. Somente os crimes dolosos admitem conatus (ou seja, a forma tentada).

Exceção: a única exceção reside na denominada culpa imprópria (que se dá na descriminante putativa fática vencível – CP, art. 20, § 1.º, parte final – ou no excesso culposo derivado de erro vencível – ver item 13.5.).

ILUSTRANDO: O sujeito à noite ouve barulho estranho em sua casa, pensa que é um perigoso ladrão e dispara abruptamente; verifica-se depois que era o guarda noturno que se abrigava da chuva e que tinha em suas mãos exatamente um guarda-chuva, não uma arma como se imaginou; é possível nesse caso que haja tentativa de homicídio “culposo”. E por que a culpa imprópria admite tentativa? Porque, na verdade, a conduta realizada é dolosa (o disparo foi feito intencionalmente). O que chamam de culpa imprópria, em suma, é, na essência, um crime doloso punido com a pena do crime culposo. Se a morte não se consuma, o agente é punido com a pena do crime culposo diminuída de um terço a dois terços (CP, art. 14, parágrafo único).

2. Preterdolosos: no crime preterdoloso temos dolo na conduta precedente e culpa no resultado subsequente. É o que ocorre na lesão corporal seguida de morte (CP, art. 129, § 3.º). A lesão é dolosa enquanto a morte subsequente é culposa. Não é possível falar em tentativa no crime preterdoloso em relação ao resultado posterior (que é culposo). Culpa não admite tentativa. Mas é perfeitamente possível a ocorrência de crime preterdoloso tentado quando o primeiro delito (doloso) não se consuma, dando-se, entretanto, o resultado subsequente. Isto se dá, p. ex., na tentativa de aborto qualificado (o sujeito tenta matar o feto, não consegue, mas a gestante vem a morrer – CP, art. 127).

3. Omissivos próprios: são os que se consumam formalmente com a simples omissão. Os crimes omissivos próprios não preveem resultado naturalístico. Exemplo: omissão de socorro (CP, art. 135). Equiparam-se ao crime de mera conduta ou mera atividade (porque lhes basta a mera inatividade), não sendo possível o desdobramento natural do iter criminis (atos preparatórios, executórios etc.).

4. Unissubsistentes: são os delitos cometidos com um só ato. Exemplo: injúria verbal. Tampouco admitem tentativa em razão da inexistência do desenvolvimento natural do iter criminis.

5. Habituais: são delitos que exigem a reiteração da conduta. Ex.: curandeirismo (CP, art. 284). O delito habitual não admite tentativa porque cada conduta que se realiza isoladamente não conta com relevância jurídica para a afetação do bem jurídico. Somente o conjunto é que configura o injusto penal, ou seja, que retrata o desvalor do resultado (ou a forma típica de ofensa ao bem jurídico). Não havendo a reiteração da conduta o fato é penalmente irrelevante.

6. Crime continuado: a reunião de todos os delitos que compõem o crime continuado é uma ficção que só vale para efeito da aplicação da pena. Todos os delitos continuados (vários furtos seguidos, v.g.) são tidos como crime único para efeito da sanção penal. Sendo uma ficção a unidade do crime continuado não há que se falar em tentativa desse crime. Isso não significa que não possa haver várias tentativas de crime em continuação (exemplo: sujeito comete três tentativas de roubo seguidas. São três delitos tentados em continuação).

• Situações peculiares:

1. Contravenções penais: em tese (leia-se: faticamente falando) muitas contravenções admitem tentativa. Ocorre que o legislador declarou ser impunível essa situação (LCP, art. 4.º). A contravenção, em suma, admite tentativa (em tese sim, muitas delas admitem), mas é impunível (ou seja, não conta com relevância penal). Não há que se falar, no caso, na punibilidade abstrata ou em ameaça de pena. A norma que prevê uma infração penal se invalida quando não acompanhada da ameaça de pena. Sem ameaça de pena, a norma penal perde seu valor. No Direito penal, destarte, tanto existe tentativa que não se pune (LCP, art. 4.º) como existe tentativa que é punida com a mesma pena do crime consumado (CP, art. 352). Mas a regra geral, como veremos, consiste em puni-la com pena menor que a do crime consumado (CP, art. 14, parágrafo único).

2. Crimes de empreendimento (ou de atentado): são crimes em que o tipo penal já faz expressa referência à tentativa (parte da doutrina os chama de crimes de atentado). Exemplo: CP, art. 352 (“evadir ou tentar evadir-se [...]”). Se a tentativa já vem descrita no tipo, prescinde-se do art. 14, II, do CP para a adequação típica. Cuida-se, na verdade, de crime que admite a tentativa, porém, dispensando-se o art. 14, II, do CP. Não é necessária a norma de extensão da tipicidade do mencionado art. 14, II, ou a norma de extensão da punibilidade do parágrafo único do mesmo artigo para se punir a tentativa nesse caso, porque ela já vem descrita no tipo legal. É caso de adequação típica de subordinação imediata.

3. Crimes que só são puníveis quando há um determinado resultado: isso ocorre, p. ex., em relação ao induzimento ao suicídio (CP, art. 122). Só é punível quando ocorre lesão corporal grave ou morte. Nesse caso, não há que se falar em perigo relevante para a vida ou para a integridade física (do ponto de vista penal), se esses resultados não acontecem. Não é punível qualquer outro fato (consumado ou tentado) que não apresente lesão corporal grave ou morte. E, se o fato não é punível, conclui-se que é penalmente irrelevante.

4. Crimes de mera conduta (ou mera atividade): quando se trata de conduta típica faticamente fracionável (injúria escrita, v.g.), admite-se a tentativa; quando a conduta não é fática ou objetivamente fracionável (injúria verbal, v.g.), é impossível a tentativa.

5. Crimes omissivos: os crimes omissivos próprios não admitem tentativa porque não possuem resultado naturalístico. Os crimes omissivos impróprios, quando dolosos, admitem tentativa. Diante de uma concreta situação de perigo (o banhista está se afogando), o salva-vidas, dolosamente, omite o salvamento, na esperança de que aquele venha a falecer. A morte não acontece por circunstâncias alheias à vontade do agente, que responde por tentativa de homicídio.

6. Tentativa nos crimes de perigo: quando se trata de um crime de lesão (homicídio, p. ex.) a forma tentada é admitida sem nenhum problema (quem tenta matar outra pessoa e não consegue por circunstâncias alheias à sua vontade coloca em perigo o bem jurídico vida). Já a tentativa nos crimes de perigo é tema muito controvertido, porque teríamos então um “perigo de perigo” (ou seja, uma dupla antecipação da tutela penal – quando o legislador pune um crime na forma de perigo já está antecipando a tutela penal; se

se admite a tentativa desse crime temos aí um “perigo de perigo”, quase sempre muito distante de uma afetação ao bem jurídico). O perigo de perigo em regra acaba tornando-se impunível, mas há exceções.

ILUSTRANDO: Nos arts. 261 e 262 do CP temos os crimes de perigo contra a segurança dos meios de transporte. São crimes de perigo concreto. No art. 264 do CP está descrito o delito de arremesso de projétil (arremessar qualquer objeto contra meios de transporte): é um crime de perigo de perigo (perigo de causar perigo concreto aos meios de transporte). No art. 254 temos o crime de inundação e no art. 255 o perigo de inundação, ambos do CP.

7.6.5. Punibilidade e punição na tentativa

As teorias mais relevantes sobre a responsabilidade penal na tentativa são:

1. Teoria subjetiva: para essa teoria o que importa (para a punição da tentativa) é a intenção do agente. A tentativa deve ser punida com a mesma pena do crime consumado.

2. Teoria da impressão: o fundamento da punição da tentativa reside na vontade contrária à norma de conduta, que conduz à diminuição da confiança da comunidade na ordem jurídica (JESCHECK). A tentativa já afeta o sentimento de segurança jurídica. A tentativa pode diminuir a pena do crime consumado; não é uma obrigação, é um poder (é uma faculdade do juiz).

3. Teoria objetiva: essa terceira corrente fundamenta a tentativa no risco concreto criado para o bem jurídico (CARRARA falava em “perigo corrido”). Se o injusto penal tentado é menor que o consumado, a pena do crime tentado não pode ser a mesma do crime consumado. Tem que ser menor. O desvalor do resultado no crime consumado transforma-o numa entidade objetiva de maior gravidade. Daí a coerência de ser punido mais severamente (por força do princípio da proporcionalidade). Adotada pelo nosso Código Penal, como regra: isso significa que quase sempre a pena da forma tentada do delito obrigatoriamente é diminuída de um a dois terços (CP, art. 14, parágrafo único). Cuida-se, como se vê, de causa obrigatória de diminuição da pena. O juiz não tem faculdade de diminuí-la, sim obrigação.

Como o juiz faz a graduação dessa diminuição? A regra de ouro é a seguinte: quanto mais o crime se aproxima da consumação (para isso o juiz tem que levar em conta o plano do autor assim como o meio de execução escolhido), menor a diminuição. E vice-versa: quanto mais distante da consumação, maior a redução da pena.

A regra do art. 14, parágrafo único, do CP é absoluta? Em regra a tentativa é punida com a pena do crime consumado, diminuída de um a dois terços. Excepcionalmente a tentativa tem a mesma pena do crime consumado (CP, art. 352) ou não é punível (LCP, art. 4.º).

Punibilidade da participação e tentativa: por força do art. 31 do CP o ajuste, determinação (induzimento), instigação ou auxílio são impuníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado. A forma tentada é o patamar mínimo para efeito da punibilidade da participação, que sempre depende de uma conduta principal (típica e antijurídica). Sabemos que a forma tentada exige atos executórios (execução do verbo núcleo do tipo ou começo de execução do crime – teoria objetiva-individual). Os atos preparatórios (que antecedem os executórios), em regra, não são puníveis. Isso é o que diz o art. 31 do CP. Várias pessoas ajustam (combinam) um roubo e elegem “A” para concretizá-lo. “A” nem sequer inicia a execução. A combinação precedente, nesse caso, é impunível.

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ (TENTATIVA ABANDONADA) – CP, ART. 15

Por força do art. 15 do CP,

“o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”.

O Direito penal tem como missão principal a proteção de bens jurídicos. Procura protegê-los por meio de normas, que são proibitivas ou mandamentais. A norma impõe uma determinada forma de conduta. Pode ser que o agente inicie a execução de um delito e, depois, pratique uma nova conduta (comissiva ou omissiva) tendente a evitar que a ofensa ao bem jurídico se consume. Essa conduta do agente (de salvamento do bem jurídico) é valorada positivamente pela lei penal brasileira, mesmo porque, com isso, ele pratica uma conduta valiosa, de respeito ao bem jurídico. Mais precisamente, é o art. 15 do CP que cuida disso, premiando o agente por sua atitude (positiva) de salvaguarda do bem jurídico (que já entrou no raio de ação da conduta perigosa).

A atitude de salvaguarda pode se dar de duas formas: pela desistência ou pelo arrependimento. Vejamos cada uma delas:

- Desistência voluntária: ocorre quando o agente voluntariamente desiste de prosseguir na execução do crime já iniciado e essa interrupção acaba sendo decisiva para evitar o resultado (a lesão) inicialmente desejado (desejada). Na desistência voluntária o agente pode prosseguir, pode avançar, pode consumar o delito (conforme o seu plano de ação), mas (voluntariamente) desiste (não quer, interrompe o processo, por ato deliberativo seu). Na desistência há, portanto, incoerência em relação ao plano delitivo inicial e o que efetivamente acontece (entre o resultado inicialmente pretendido e o efetivamente ocorrido).

Note-se que a característica essencial dela é a cessação do processo de execução, que, por si só, evita o resultado inicialmente desejado. O agente não precisa praticar nenhuma conduta positiva para salvar o bem jurídico que está em risco, basta abster-se, basta interromper a execução.

CASO CONCRETO: Um Deputado, numa discussão de trânsito, disparou contra o motorista de um ônibus, acertando-o levemente; aproximou-se dele, podia ter efetuado mais disparos, podia ter matado, mas desistiu (STF, AP 277-DF). Nisso reside o instituto da desistência voluntária. O agente pode consumar, mas não quer.

Voluntariedade da desistência: a desistência precisa ser voluntária, livre. Isso ocorre quando o agente pode prosseguir (na execução), mas desiste (por deliberação sua, por decisão própria, não por fatores externos, alheios à sua vontade). Quem desiste de prosseguir em razão da presença da polícia ou de terceiros, não desiste voluntariamente.

Não é preciso que a desistência seja espontânea, que a ideia de desistir provenha do próprio agente. Pode um terceiro dar a ideia da desistência: não há problema. Desde que seja ato voluntário (livre) do agente, aproveita-lhe. Não importa a natureza do motivo interno da desistência (piedade, compaixão, amor etc.). De outro lado, suspensão da execução de um crime que é retomada ou que será retomada logo após não é desistência.

Desistência voluntária e tentativa imperfeita: a desistência voluntária, segundo a doutrina dominante, só é compatível com a tentativa imperfeita, isto é, o agente, tendo em conta o que tinha planejado, não esgota o processo de execução, interrompe-o voluntariamente (porque já não quer consumar o crime). Podia prosseguir, mas não quis. O que importa para se saber se a tentativa é perfeita ou imperfeita é o plano do autor. Tudo depende do que ele planejou, do que ele quer e de como ele quer executar o delito. Se o agente planejou desferir três disparos na vítima, realiza o primeiro, pode prosseguir e não prossegue, há desistência voluntária.

Comparando: vejamos a semelhança e a distinção entre desistência voluntária e tentativa imperfeita:

Parte objetiva Parte subjetiva

Desistência voluntária

Cessação dos atos de execução Voluntária

(circunstâncias inerentes à vontade do agente)

Tentativa imperfeita

Cessação dos atos de execução Involuntária

(circunstâncias alheias à vontade do agente)

As duas regras que regem a responsabilidade penal na desistência voluntária são as seguintes:

ILUSTRANDO: 1) O sujeito disparou contra a vítima, acertando-lhe de raspão o ombro. Desiste de prosseguir. Podia prosseguir, mas não quis. Não responde pela tentativa de homicídio que iniciou. Só responde pelo que objetivamente fez: lesões corporais. 2) E se nesse caso o disparo não acertou a vítima, passando perto da sua cabeça? O agente só responde por perigo de vida (CP, art. 132). 3) o agente ingressa na casa da vítima para furtar. Desiste voluntariamente. Não responde pela tentativa de furto, só responde pelo que objetivamente fez: invasão de domicílio. Por força do princípio da subsidiariedade, afastada a punibilidade do fato principal, subsiste o fato secundário (se previsto em lei). A desistência voluntária constitui o que a doutrina clássica chama de “ponte de ouro” para que o agente não consume a lesão ao bem jurídico em risco (e consiga o benefício do art. 15 do CP).

Chama-se tentativa qualificada (essa não é uma denominação muito adequada) exatamente esse fenômeno que consiste na punição do agente exclusivamente pelo fato secundário (se previsto em lei).

Tal instituto existe para estimular o agente a evitar a consumação do resultado pretendido. No princípio o desvalor da ação está mais do que evidente (há o ânimo de matar, v.g.). Num segundo momento (quando o próprio agente evita o resultado) realiza-se uma conduta valorada positivamente pelo legislador. Compensa-se com isso não só o efeito negativo do desvalor da ação precedente, como a própria resposta penal que incidiria no fato iniciado.

Assim, a tentativa do primeiro momento se torna impunível em razão da desistência voluntária. O agente só responde pelos atos objetivos praticados. No caso do agente que inicia a execução de um homicídio e depois desiste, não se pune a tentativa de homicídio, mas somente a lesão corporal (caso a vítima tenha sido atingida).

- Arrependimento eficaz: acontece quando o agente impede (com uma conduta positiva de salvamento) que o resultado se produza, depois de já ter iniciado o delito. No arrependimento eficaz, destarte, também temos duas condutas bem distintas: (a) no primeiro momento o agente esgota o processo de execução (de acordo com seu plano); (b) no segundo ele se arrepende e realiza nova conduta (positiva) de salvamento do bem jurídico que já está em concreto perigo.

ILUSTRANDO: O agente ministra veneno no café da vítima, e, depois de ela o ter ingerido, arrepende-se e dá-lhe o antídoto necessário, salvando sua vida. O agente dispara contra a vítima; arrepende-se, a leva à UTI e a salva.

O arrependimento precisa ser eficaz, isto é, o bem jurídico tem que ser salvo. Não pode ocorrer o resultado pretendido inicialmente. Do contrário, não se aplica o art. 15 do CP. Quando ineficaz (se o agente arrependido tentou salvar a vítima, mas foi impossível), não incide o art. 15 do CP. O arrependimento eficaz só é compatível, diz a doutrina, com a tentativa perfeita ou acabada (o processo de execução foi esgotado).

O que caracteriza o arrependimento eficaz é o seguinte: os atos externos praticados já alcançaram tal nível de proximidade com a consumação que agora só uma conduta positiva de salvamento pode evitá-la. Já não basta cessar o processo de execução. Mais que isso, há um plus: exige-se um ato positivo de salvamento.

As duas regras que regem a responsabilidade penal no arrependimento eficaz:

1. O agente não responde pela tentativa do delito que pretendia (e que já foi iniciado).

2. O agente só responde pelo que objetivamente causou (se previsto em lei).

ILUSTRANDO: O agente envenenou a vítima e depois se arrependeu, salvando-a (com antídoto). Não responde pela tentativa de homicídio que iniciou, só responde pelo que fez: lesões corporais. O arrependimento eficaz, como se vê, constitui o que a doutrina clássica chama de “ponte de ouro” para que o agente salve o bem jurídico em risco (e consiga o benefício do art. 15 do CP).

Comparando: vejamos a semelhança e a distinção entre o arrependimento eficaz e tentativa perfeita:

Parte objetiva Resultado natural

Arrependimento eficaz

Esgotamento dos atos de execução segundo o plano do autor

Não aconteceu (por circunstâncias inerentes à vontade do agente)

Tentativa perfeita

Esgotamento dos atos de execução segundo o plano do autor

Não aconteceu (circunstâncias alheias à vontade do agente)

Distinção entre desistência voluntária e arrependimento eficaz: na primeira o agente apenas cessa o processo de execução e já evita o resultado; na segunda o agente além de cessar o processo de execução precisa praticar uma conduta positiva de salvamento do bem jurídico. Na primeira basta abster-se (conduta negativa); na segunda é preciso abster-se e fazer algo (positivo) para evitar a consumação do delito.

Natureza jurídica da desistência voluntária e do arrependimento eficaz: há muita controvérsia sobre a natureza jurídica desses dois institutos. A doutrina não conta com uniformidade de pensamento. Ora diz que eles afastam a tipicidade, ora a culpabilidade, ora seria causa pessoal de exclusão de pena etc. Duas correntes se destacam: (a) não há tentativa (afasta-se a tentativa); (b) existe tentativa, mas impunível (em razão da desistência ou do arrependimento).

Diferença entre arrependimento eficaz e arrependimento posterior: o primeiro está previsto no art. 15 do CP e implica numa causa de não punibilidade da tentativa iniciada (o agente só responde pelos atos objetivos praticados, não pela tentativa iniciada do delito pretendido); o segundo está contemplado no art. 16 do CP e será visto em seguida. Aquele impede a consumação do delito; este só acontece após a consumação do crime (por isso é que se chama de arrependimento posterior).

7.8. DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR – CP, ART. 16

Por força do art. 16 do CP,

“nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”.

Natureza jurídica: o que está contemplado no art. 16 do CP é uma causa de diminuição da pena (de um a dois terços), que entra (normalmente) na terceira fase da fixação da pena privativa de liberdade (o sistema trifásico da aplicação da pena de prisão – CP, art. 68 – consiste na determinação da pena-base, agravantes e atenuantes e causas de aumento e de diminuição da pena – o art. 16 do CP tem incidência, normalmente, nessa terceira fase).

Requisitos do arrependimento posterior:

1. Reparação do dano ou restituição da coisa: atendendo clássica reivindicação da Vitimologia (que é, na atualidade, um dos setores mais prósperos da Criminologia),1 nosso Código Penal, no art. 16, privilegiou os interesses da vítima (em detrimento dos interesses estatais de punição). O Estado abre-se mão de parcela da pena (do ius puniendi, da penalidade cabível no caso concreto) para favorecer a vítima, para estimular a satisfação dos seus interesses.

Reparação ou restituição integral ou parcial: a reparação (indenização à vítima) ou a restituição (devolução da coisa em espécie), para o efeito do art. 16 do CP, pode ser alternativa (uma coisa ou outra) ou complementar (pode-se devolver parte da coisa e indenizar o restante). De outro lado, pode ser integral (total, plena) ou parcial (STF, HC 98.658, rel. min. Marco Aurélio). Praticamente toda doutrina brasileira sempre sustentou a necessidade de reparação total. Para o efeito da diminuição da pena (prevista no art. 16 citado) ela só via um ângulo dessa questão (o temporal), ou seja, quanto mais rápida a reparação maior a diminuição (e quanto menos rápida, menor a diminuição da pena). Esse era o estado da questão, até o advento do julgado acima referido (do STF). Caso não seja seguido o pensamento exposto, restaria em favor do agente a atenuante prevista no CP, art. 65, III, b.

2. Ato voluntário do agente: o ato deve ser livre, mas não impõe espontaneidade (pode a ideia de reparar ou restituir emanar de um terceiro; fundamental é que o agente tome a iniciativa do ato que beneficia a vítima). E se um terceiro reparou os danos? Não há que se falar na aplicação do art. 16 do CP, visto que a lei exige ato do agente. É comum, de qualquer modo, que o pai do agente concretize a reparação, em nome do filho. Nesse caso, é sempre interessante investigar se o filho participou ou não, de alguma maneira, desse ato de reparação. Em caso positivo, deve-se fazer incidir o art. 16 do CP em seu benefício, tendo em vista que essa interpretação beneficia a vítima (principal destinatária do presente instituto penal)

Apreensão da coisa: cabe de outro lado salientar que restituição não é a mesma coisa que apreensão da coisa. Quando a polícia, dentro do seu poder de investigação, descobre o objeto e o apreende, nesse caso, não há nenhum ato voluntário restitutivo do agente. Logo, não há que se falar no art. 16 do CP (seja por falta do primeiro requisito – apreensão não é restituição –, seja por ausência do segundo – ato voluntário do agente).

3. Antes do recebimento da denúncia ou da queixa: esse requisito temporal estabelece um limite para a incidência do art. 16 do CP. Falou-se em recebimento, não em oferecimento. O que delimita a causa de diminuição da pena do art. 16 do CP, portanto, é o ato (válido) do juiz (competente) que recebe a peça acusatória. Se o ato reparador ocorrer após o recebimento (válido) da peça acusatória, deve-se aplicar a circunstância atenuante do art. 65, III, b, do CP.

4. Crime cometido sem violência ou grave ameaça contra a pessoa: afastou o legislador (terminantemente) a possibilidade de aplicação do art. 16 do CP quando se trata de crime violento. Mas note que é a violência contra a pessoa que não permite o arrependimento posterior. Logo, violência contra coisa (furto mediante rompimento de obstáculo, v.g.) não constitui fator de impedimento do art. 16 do CP.

Violência dolosa: de outro lado, como o legislador não definiu qual tipo de violência elimina o art. 16 do CP, só cabe ao intérprete incluir no texto legal a violência dolosa. Daí se infere que a violência culposa (homicídio culposo, p. ex., inclusive no trânsito) admite a aplicabilidade da diminuição de pena do art. 16 do CP.

Alcance do art. 16 do CP: excluídos com violência dolosa contra a pessoa, não há outro impedimento para se dar efetividade ao citado dispositivo legal. Crimes patrimoniais, crimes funcionais (cometidos por funcionários públicos) etc., todos admitem (plenamente) a diminuição da pena nele contemplada.

Exceções: muitas são as exceções em que não se aplica o art. 16 do CP (mera causa de diminuição da pena), mais que isso, a punibilidade fica totalmente afastada. Em algumas hipóteses a reparação do dano ou restituição da coisa pode gerar efeito mais benéfico que os do art. 16 do CP, qual seja, a extinção da punibilidade. Confira-se no quadro abaixo:

Peculato culposo

CP, art. 312. [...] § 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem. § 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade.

Estelionato mediante emissão

de cheque sem fundos

STF, SÚMULA 554: O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.

Crimes contra a ordem tributária

Art. 68. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, limitada a suspensão aos débitos que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento, enquanto não forem rescindidos os parcelamentos de que tratam os arts. 1º a 3º desta Lei, observado o disposto no art. 69 desta Lei. Art. 69. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.

Crimes de menor

potencial ofensivo

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

O art. 16 do CP comunica-se entre os agentes? O tema é polêmico, havendo duas posições. Prepondera o entendimento negativo, apesar de se tratar de uma causa objetiva de diminuição da pena. Sendo causa objetiva, diz a doutrina, o normal seria favorecer todos os agentes. Ocorre que o art. 16 do CP exige ato voluntário do agente (que é algo eminentemente pessoal). De outro lado, o fundamento da diminuição da pena é a suavização do desvalor do resultado (que fica atenuado com a reparação dos danos ou restituição da coisa). Se um só agente cumpriu as exigências do art. 16 do CP, apenas em relação a ele o desvalor do delito foi minorado. Por isso que o entendimento preponderante sustenta que apenas ele deve ser beneficiado pelo art. 16 do CP. No concurso de pessoas se um dos agentes repara apenas uma parte, só faz jus à diminuição mínima ou próxima da mínima.

Ponte de ouro, ponte de prata em sentido estrito e ponte de prata qualificada. De acordo com clássica lição de von Liszt, a quem se atribui a paternidade do direito penal moderno, a ponte de ouro está relacionada com institutos penais que, após o início da execução de um crime visam a eliminar a responsabilidade penal do agente, estimulando-o a evitar a consumação. São dessa natureza tanto a desistência voluntária (o agente inicia a execução do crime, pode prosseguir, mas resolve desistir) como o arrependimento eficaz (o agente esgota os atos executivos, se arrepende e pratica uma conduta voluntária de salvamento do bem jurídico). Ambos estão previstos no art. 15 do CP. O agente, nesse caso, se iniciou a execução de um crime de homicídio, não responde pela tentativa deste crime, sim, apenas pelo que objetivamente praticou (lesão corporal). A essência da ponte de ouro, em síntese, reside em evitar a consumação da lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal. Pontes de prata são institutos penais que, após a consumação do crime, pretendem suavizar ou diminuir a responsabilidade penal do agente. É dessa natureza, p. ex., o art. 16 do CP, que cuida do arrependimento

posterior; o agente consuma o crime não violento e depois repara os danos ou restitui a coisa, antes do recebimento da ação penal. Pontes de prata qualificadas (ou ponte de diamante). Na lei do crime organizado - Lei 12.850/132, o instituto da colaboração premiada, da qual a delação premiada é uma espécie, cumpre semelhantes papeis (de eliminar a responsabilidade penal ou de suavizá-la). Analisando-se os prêmios previstos na lei (para o colaborador da Justiça) podemos dividi-los em dois grupos: o perdão judicial e o não oferecimento de denúncia (art. 4º, caput, da citada lei e art. 4º, § 4º) seriam hipóteses de pontes de prata qualificadas ou pontes de diamante (porque eliminam a responsabilidade penal do agente, mesmo depois da consumação do crime); a redução da pena em até 2/3 e a possibilidade de concessão de regime prisional mais favorável (art. 4º, caput) seriam situações de pontes de prata em sentido estrito (porque apenas suavizam ou atenuam a responsabilidade penal). Se a colaboração acontecer depois do trânsito em julgado, cabe apenas redução da pena até metade ou progressão de regime (art. 4º, § 5º, da Lei 12.850/13), mesmo quando ausentes os requisitos legais do art. 112 da lei de execução penal ou do art. 2º, § 2º, da lei dos crimes hediondos. Ou seja: após o trânsito em julgado a lei somente dispôs sobre a ponte de prata em sentido estrito. Não se fala em ponte de prata qualificada para o colaborador da Justiça após o trânsito em julgado da sentença ou do acórdão condenatório ou confirmatório da sentença. Essa colaboração após o trânsito em julgado se chama tardia ou pós-processual.

CRIME IMPOSSÍVEL (OU QUASE-CRIME OU TENTATIVA INIDÔNEA OU TENTATIVA INADEQUADA) – CP, ART. 17

Por força do art. 17 do CP,

“não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”.

Ocorre o denominado crime impossível quando ex post-factum (após a realização do fato) verifica-se que ele jamais se consumaria (porque nenhum bem jurídico ingressou efetivamente no raio de incidência da conduta). Parte da doutrina denomina o crime impossível de crime “oco” justamente porque nele não há o bem jurídico ou o processo executivo é totalmente ineficaz.

Tentativa inidônea e crime impossível: a diferença entre a forma tentada do delito e o crime impossível é a seguinte: na primeira o bem jurídico sofre perigo concreto de lesão; no segundo o bem jurídico não entra no raio de ação da conduta praticada (não chega a correr risco). Logo, a literalidade do art. 17 do CP precisa ser bem compreendida quando diz que “não se pune a tentativa”. Qual? Só pode ser a inidônea. No crime impossível não existe tentativa idônea, só existe uma intenção de consumar um delito (que, posteriormente, se constata que jamais se consumaria). O que se verifica é apenas o desvalor da intenção, não o efetivo e real desvalor da ação (não há uma ação efetivamente perigosa para o bem jurídico, seja porque o meio é ineficaz, seja porque o bem jurídico não existe). Refere-se o art. 17 do CP, portanto, à tentativa inidônea (que não é, a rigor, tentativa). Devemos lê-lo da seguinte maneira: “não se pune a tentativa inidônea [...]”. O crime impossível, justamente por isso, também é chamado de “tentativa inidônea” ou “tentativa inadequada” (ou, ainda, de quase-crime).

Duas são as hipóteses de crime impossível:

1. Absoluta ineficácia do meio: os atos, para serem executórios, como vimos (por força da teoria individual-objetiva), dependem do que foi exteriorizado assim como do plano do autor (qual era o objetivo pretendido e qual foi o meio escolhido). Só se pode falar em tentativa idônea (punível) quando a conduta realizada revela concreta periculosidade para o bem jurídico protegido. Cuidando-se de meio absolutamente ineficaz, não há que se falar em tentativa idônea. Ao contrário, essa é uma situação de

tentativa inidônea (ou seja: de crime impossível).

ILUSTRANDO: 1) O agente quer envenenar a vítima, mas acaba, por erro, colocando uma pequena quantidade de açúcar em seu café, que não é eficaz nem sequer para afetar a saúde do diabético; 2) Quer matar todos os passageiros de um avião e joga-lhe uma pedra; 3) Quer matar a vítima por meio de um trabalho de macumba etc.

Ineficácia absoluta: quando o meio escolhido pelo agente é absolutamente ineficaz não há que se falar em atos executórios relevantes, muito menos em tentativa idônea. Para a existência de uma tentativa idônea, como se vê, não basta a intenção do agente (o desvalor da intenção). Ela requer atos executórios e, mais do que isso, atos capazes de efetivamente colocar em risco o bem jurídico protegido (desvalor da ação).

Ineficácia relativa do meio: cuidando-se de ineficácia relativa o agente responde normalmente. Exemplo: defeito momentâneo na arma, que impediu qualquer disparo no momento do fato (constatando-se posteriormente o bom funcionamento dela). Foi o acaso que impediu o disparo. Logo, o meio era eficaz. Só não funcionou num determinado momento. Solução penal: nesse caso o agente responde normalmente pelo delito (na forma tentada).

2. Impropriedade absoluta do objeto: o que não existe é o bem jurídico visado pelo agente.

ILUSTRANDO: Disparar contra cadáver, tentar praticar aborto quando não existe feto – leia-se: gravidez – etc. A impropriedade absoluta do objeto revela que o bem jurídico (desejado, que se pretende atingir) não tem existência real. Logo, não há que se falar em ofensa (ou mesmo em delito). No caso do disparo contra cadáver, pode ser que o agente venha a responder por disparo de arma de fogo (se presentes os requisitos do art. 15 da Lei 10.826/2003). Jamais por qualquer delito contra cadáver, porque o agente não tinha ciência disso.

Impropriedade relativa do objetivo: tratando-se de impropriedade relativa do objeto, há crime.

ILUSTRANDO: Vítima que usava colete de aço, vítima que tinha carteira de aço em seu bolso (na altura do coração), vítima que usava uma caneta (no bolso da camisa) que desviou a trajetória do projétil, vítima que tinha moedas no bolso da camisa e desviou o projétil etc.

Natureza jurídica: ambas as situações de crime impossível examinadas constituem fatos atípicos porque não há afetação concreta do bem jurídico. São causas de exclusão da tipicidade penal.

Responsabilidade penal do agente: em ambas as hipóteses de crime impossível a responsabilidade do agente é nenhuma, isto é, o agente não responde penalmente (tendo em vista o delito que pretendia praticar), pela simples razão de que não há fato punível (aliás, nem sequer tipicidade). Nosso Código Penal adotou a teoria objetiva, isto é, somente é punível a tentativa quando o bem jurídico se sujeita a concreto risco de afetação. De qualquer modo, ressalte-se que a lei exige absoluta ineficácia do meio ou impropriedade absoluta do objeto. Se relativa, o agente responde. Não basta para a responsabilidade penal o desvalor da intenção. Para além disso, mister se faz ainda o desvalor da conduta e do resultado.

CONCURSO DE PESSOAS Os crimes podem ser praticados por uma só pessoa ou por várias pessoas. Em relação a necessidade de um crime ser praticado por uma ou por várias pessoas temos a seguinte classificação:

1) Crime de concurso necessário (plurisubjetivos): quando o crime só puder ser cometido com a intervenção de mais de uma pessoa a pluralidade de pessoas intervindo no fato é exigência típica – só haverá a caracterização do crime com o concurso de pessoas. Ex.: quadrilha ou banco (art. 288 - Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes), paralisação de trabalho (art. 201 - Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa. Parágrafo único - Para que se considere coletivo o abandono de

trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados). Rixa (art. 137- Participar de rixa, salvo para separar os contendores). Obs.: tipo penal não precisa quantificar o número de pessoas para que ele seja de concurso necessário, bastando que, pela sua definição ele não possa ser realizado por uma única pessoa. Existe uma subclassificação dos crimes de concurso necessários que leva em conta a postura dos infratores em relação ao concurso (finalidade da união): a) crimes de condutas paralelas (os concorrentes se auxiliam – como no crime de quadrilha ou bando); b) crimes de conduta convergente (as ações dos concorrentes se fundem para resultar o crime – como a bigamia ou o já revogado adultério); c) crimes de condutas contrapostas: os concorrentes agem uns contra os outros – como na rixa).

2) Crime de concurso eventual (unisubjetivos ou mosossubjetivos): o crime, via de regra, pode ser cometido por uma só pessoa. Isso não impede que ele seja cometido por várias pessoas em concurso. Neste caso então o concurso de pessoas não é um exigência típica (dado inafastável para caracterização do crime) e sim algo eventual.

A norma que prevê o tema concurso de pessoas é uma “norma de extensão típica”, ou seja uma norma que amplia o espectro de incidência do tipo incriminador. O art. 29 do CP afirma que quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas”. A parte do dispositivo que amplia as hipóteses de fato atingidas pela regra incriminadora está contida na expressão “de qualquer modo”: via de regra para cometer um crime a pessoa tem que praticar o chamado “verbo reitor do tipo”, ou seja o verbo que traduz a conduta nuclear do tipo incriminador (subtrair no furto, matar no homicídio, ofender na lesão corporal, etc), no entanto o art. 29 do CP estende a incriminação para outras pessoas que, apesar de não terem incorrido na prática do verbo reitor, voluntariamente colaboraram para o delito. Veja o exemplo da pessoa que fica de vigília para alertar o furtador sobre o retorno dos donos de um imóvel enquanto seu comparsa realiza a subtração de bens alheios: ficar de vigília não é verbo reitor do art. 155 (que conforme já mencionado é subtrair) mas esse indivíduo fará jus as penas do furto uma vez que concorreu de qualquer modo.

TEORIAS PARA O TRATAMENTO PENAL DOS CONCORRENTES

No concurso de pessoas cada infrator atua, colaborando com a empreitada delituosa. Simples seria se a atuação de todos fosse idêntica: o enquadramento típico e a pena cabível seria a mesma para todos e não haveria discussão quanto a razoabilidade deste expediente. No entanto a realidade é distinta e na maioria das vezes cada um dos concorrentes contribui para o todo de forma diferente. Daí surge a questão: respondem todos eles pelo mesmo crime, cada um por um crime ou existe a separação de acordo com a importância do comportamento frente ao resultado? Para responder tais questionamentos surgiram as Teorias Monista, Dualista e Pluralista.

1) Teoria Unitária ou Monista: a colaboração de cada um, ainda que distinta da dos demais, tem idêntica finalidade e objetivo que é alcançar o resultado delitivo comum. Se o objetivo é comum a responsabilidade deve ser solidária, logo todos devem responder pelo mesmo crime. Se alguém “imobiliza” a vítima para que outro realize o “coito” ambos devem responder por estupro pois apesar de diversas as formas de atuar dentro do contexto, a finalidade fora comum. A doutrina afirma que o fundamento desta teoria é objetivo (reside no fato) uma vez que a Equivalência dos Antecedentes que fundamenta o nexo de causalidade (vínculo entre conduta e resultado) iguala os eventos anteriores, ainda que diferentes, colocando todos como antecedentes causais, sem distinção quanto ao grau de contribuição, proximidade ou efetividade para com o resultado. Lembrando que a Equivalência de Antecedentes funciona através da Eliminação Hipotética então no exemplo supra podemos afirmar que eliminando a imobilização não haveria o estupro e, igualmente, eliminando o “coito” também não: logo as contribuições são igualmente causas. As pessoas se associam para cometer crimes justamente para “dividir os trabalhos”, logo a força da associação está em alcançar um resultado comum inalcançável individualmente. Para esta Teoria então todos devem responder pela obra toda, ficando todos enquadrados no mesmo tipo penal;

2) Teoria Dualista: essa teoria parte do pressuposto que em toda empreitada delitiva existe a atuação principal e a atuação acessória. Então para seus adeptos sempre que existisse o concurso de

pessoas deveriam ser separados aqueles que atuaram de forma principal (os autores) e os que atuaram de forma secundária ou acessória (os partícipes). E mais: haveria um tipo penal para os autores e outro distinto para os partícipes. Se esta teoria fosse adotada em cada crime da parte especial ou da Legislação Extravagante havia uma previsão para enquadrar o autor e outra para enquadrar o partícipe. No entanto como veremos a frente esta não é a forma correta de distinguir o tratamento penal do autor e do partícipe;

3) Teoria Plurarista: Em sentido oposto à Teoria Unitária a Teoria Pluralista afirma que cada um dos concorrentes deve possuir tratamento penal autônomo uma vez que um colaborou efetivamente de forma distinta para o evento criminal. Haveria um tipo específico para cada forma de colaboração diferente em todos os tipos penais catalogados pela Lei Brasileira. A Teoria merece críticas pela impossibilidade prática de sua concretização e pelo fato de desvincular de direito condutas vinculadas de fato (transformar um só crime em diversos crimes simultâneos) . Para esta Teoria haveriam quantos crimes quanto fossem os autores que concorressem para o fato.

O Código Penal Brasileiro em seu artigo 29 deixa claro que as intervenções, ainda que diferentes não são consideradas independentes entre si mas sim parte de um todo e este, por ser comum, faz com que todos os concorrentes respondam pelo mesmo crime. O Código portanto adotou a Teoria Monista. Mas o Código a adotou de forma temperada ou matizada, uma vez que admite dois tipos de exceções: a) a cooperação dolosamente distinta (analisada posteriormente); b) exceções pluralísticas: em que apesar de concorrer para o mesmo fato cada participante terá um enquadramento distinto (1-Aborto consentido: a gestante será responsabilidade pelo art. 124 do CP e o terceiro que realiza o aborto pelo art. 126 do CP; 2-No crime de Corrupção o funcionário que recebe a vantagem indevida resposta pelo art. 317 do CP enquanto o particular responde nos termos do art. 333 do CP; 3-No crime de contrabando a pessoa que introduz a mercadoria no país responde pelo art. 334 do CP enquanto o funcionário público que o auxilia responde pelo crime do art. 318 do CP; 4-No falso testemunho quem falseia ou cala a verdade responde pelo art. 342 enquanto quem oferece dinheiro para que a testemunha minta responde pelo 343).

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO PENAL – ITEM 25 “DO CONCURSO DE PESSOAS”

Ao reformular o Título IV, adotou-se a denominação “Do Concurso de Pessoas” decerto mais abrangente, já que a co-autoria não esgota as hipóteses do concursus delinquentium. O Código de 1940 rompeu a tradição originária do Código Criminal do Império, e adotou neste particular a teoria unitária ou monástica do Código italiano, como corolário da teoria da equivalência das causas (Exposição de Motivos do Ministro Francisco Campos, item 22). Sem completo retorno à experiência passada, curva-se, contudo, o Projeto aos críticos dessa teoria, ao optar, na parte final do art. 29, e em seus dois parágrafos, por regras precisas que distinguem a autoria da participação. Distinção, aliás, reclamada com eloqüência pela doutrina, em face de decisões reconhecidamente injustas.

REQUISITOS

Para que possamos reconhecer a presença do concurso de pessoas são necessários a coexistência dos seguintes requisitos:

1) Pluralidades de condutas: cada um dos agentes que concorreu para o crime deve realizar pelo menos uma conduta que contribuiu para o resultado. Quando as diversas contribuições são caracterizadas por condutas comissivas (ações) o vínculo das ações entre si e com o resultado é de fácil visualização (duas pessoas se unem para matar um terceiro, sendo que uma o imobiliza enquanto o outro dá o golpe fatal). Pode haver dúvida em se visualizar o concurso de pessoas quando as condutas envolvidas são mistas (ações e omissões) ou apenas omissões. Exemplificando a hipótese de condutas mistas: segurança de condomínio assiste subtração pelo circuito interno de TV e nada faz para impedir o furto (omissão do segurança e ação dos demais furtadores). Já em relação a pluralidade de condutas omissivas imagine a seguinte hipótese: pessoa paraplégica vê seu desafeto se afogar e convence o salva-vidas a não salvá-lo: o salva-vidas responde pela omissão e o desafeto por ter participado da omissão do salva-vidas (uma vez que não poderia responder pelo não salvamento pela impossiblidade de agir gerada pela sua limitação física). Para doutrina

majoritária a pluralidade de condutas admite todas combinações possíveis: comissão + comissão; comissão + omissão; omissão + omissão.

2) Relevância causal das condutas: imagine a hipótese: Pessoa quer matar seu desafeto mas não encontra sua arma de fogo e portanto pede arma emprestada para um amigo sem entrar em detalhes (para que o empréstimo não caracterize instigação); ao retornar para casa faz mais uma busca e encontra sua arma; no dia do homicídio deixa a arma emprestada pelo amigo em casa usando apenas o seu artefato vulnerante. Pergunta: o amigo que emprestou a arma responde pelo homicídio? Resposta: NÃO! A sua conduta ao final se revelou completamente dispensável. Para que uma conduta seja considerada como integrante do crime praticado em concurso de pessoas ela deve ser indispensável. A relevância da conduta não tem relação com o fato do crime ter ou não se consumado: se ao invés de usar a própria arma tivesse utilizado a emprestada mas não conseguisse matar seu desafeto o amigo do homicida responderia pela tentativa em concurso de pessoas. Lembre-se: existe concurso de pessoas em crime tentado mas não existe tentativa de participar de concurso de pessoas. A conduta que contribuiu para o resultado em regra deve se efetivar antes da consumação: conduta posterior pode configurar um crime autônomo (a título de exemplo: se alguém esconde bem furtado não será partícipe ou co-autor do furto mas sim praticante do crime de favorecimento real do art. 349 - Prestar a criminoso, fora dos casos de co-autoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime). No entanto pode caracterizar o concurso de pessoas se a contribuição é posterior mas o ajuste é anterior (Alguém se compromete com o homicida de escondê-lo após o crime: a contribuição foi depois da execução mas o ajuste anterior).

3) Liame Subjetivo entre os agentes: o liame pode ser decomposto em duas ciências: a) ciência de que o concorrrente age para alcançar resultado comum; b) ciência do acordo entre as vontades dos concorrentes para alcançar o resultado comum. Muitos afirmam que para se falar em concurso de pessoas deve haver o acordo entre as partes no sentido de alcançar o resultado comum, dando ao requisito a nota da bilateralidade: no entanto é perfeitamente possível o concurso de pessoas em que apenas um dos concorrentes colabore sabendo que age em concurso de pessoas, ficando a sua colaboração desconhecida pelo outro (Sabendo do desejo de um homicida de eliminar um desafeto comum alguém provoca a queda deste quando da perseguição levada a efeito pelo primeiro auxiliando no crime sem que houvesse prévio ajuste entre os concorrente ou sem sequer que o homicida viesse a perceber que fora auxiliado). Então existe o requisito do liame subjetivo de forma bilateral (acordo prévio entre os agentes) e unilateral (adesão da vontade um agente na conduta do outro). Outro detalhe importante neste requisito é a necessidade de homogeneidade ou convergência das vontades: não existe concorrência/participação dolosa em crime culposo e não existe concorrência/participação culposa em crime doloso. Isso decorre até mesmo pelo fato da adoção da teoria monista mas, antes disso, por ser incabível caracterizar um acordo ou adesão de vontades em que uma finalidade é lícita (crime culposo – no crime culposo a finalidade é lícita e o que se pune foi o modo descuidado de se conduzir para alcança-la: quero chegar mais cedo em casa [finalidade lícita] e para isso desenvolvo velocidade incompatível com a via de circulação [modo descuidado] e venho a provocar um acidente) e a outra ilícita (crime doloso). Obs.: quando não existe vínculo subjetivo e temos duas pessoas concorrendo para o mesmo resultado criminoso teremos a autoria colateral.

4) Unidade de Infração: este é cobrado em provas como requisito mas na verdade é uma conseqüência ou desdobramento de se adotar a tese unitária de crimes para os concorrente. Veja uma conseqüência interessante: se dois comparsas realizam um assalto mas apenas um deles foge, sendo o outro preso este, que não levou consigo nenhum bem subtraído, responderá por roubo consumado, uma vez que seu comparsa atingiu a consumação.

AUTORIA

Apesar do Código ter utilizado a tese monista para definir que todos os concorrentes respondem pelo mesmo tipo penal no concurso de pessoas ele separou juridicamente a autoria da participação quando definiu no parágrafo primeiro do art. 29 uma causa de diminuição de pena em virtude da participação de menor importância: logo autores e co-autores praticam um comportamento central ou

principal enquanto os partícipes atuariam de forma secundária ou acessória. Mas o próprio Código não definiu quem deve ser considerado autor e quem deve ser considerado partícipe. Então coube a doutrina realizar a construção dos critérios de distinção:

1) Conceito Extensivo de Autor: pela teoria da equivalência dos antecedentes todos que contribuem para o resultado delitivo são igualmente causadores, logo no plano objetivo (levando em considerando o fato em si) não existe parâmetro para diferenciar autoria da participação: a contribuição objetiva do partícipe é tão causadora do crime quanto a contribuição objetiva do autor. Então para estabelecer uma diferença deve-se usar um critério subjetivo, distinguindo o autor (que tem ânimo de autor ou animus auctoris, ou seja quer o fato como fato seu) do partícipe (que tem animus socii, ou vontade de atuar mas em fato alheio) por uma teoria subjetiva da participação. Pela teoria subjetiva quem não agiu com vontade de realizar o delito como obra própria seria merecer de tratamento penal menos severo, vez que não age como protagonista. Essa teoria é sempre criticada com eloqüência com um mesmo exemplo: imagine que o matador de aluguel será sempre partícipe uma vez que ele quer sempre o fato como de terceiro (in casu do mandante do crime).

2) Conceito Restritivo de Autor: de outra parte (constatando que a diferenciação pelo critério puramente subjetivo sempre colocaria os executores como partícipes se houvesse um mandante ou autor intelectual no caso concreto) houve um esforço de se elaborar um conceito com lastro em critério objetivo surgindo a concepção de dois enfoques: a) Teoria Formal Objetiva: é autor quem pratica o verbo reitor do tipo (verbo nuclear caracterizador do crime em si), ainda que em parte ou ainda que um só dos verbos (em casos de delitos que possuem mais de um como o estupro ou roubo). Os adeptos dessa teoria afirmam que ela obedece a reserva legal: o comportamento penalmente relevante só pode ser aquele expressamente descrito no tipo. Ainda segundo seus adeptos essa vertente também explicaria o porque da norma do concurso de pessoas (art. 29) ser uma norma de extensão (não haveria necessidade de uma norma de extensão para as pessoas que praticassem o núcleo do tipo), mas ela seria uma norma de extensão apenas para os partícipes. Essa teoria peca em considerar o autor intelectual, o mandante e o financiador como meros partícipes, além de, para alguns, ser empecilho para reconhecimento da autoria mediata (que na verdade não é caso de concurso de pessoas e sim uma modalidade de autoria); b) Teoria Material-Objetiva: autor é aquele que dá a contribuição mais efetiva para o resultado ainda que não necessariamente pratique o verbo núcleo do tipo e partícipe é o que concorre de forma menos relevante ainda que pratique a conduta nuclear do tipo. Essa teoria peca porque na verdade não confere um critério para distinção de autor e partícipe uma vez que o teor de importância da contribuição varia conforme o aplicador da lei e a subjetividade (se não é levada em consideração quando da análise dos infratores) volta a ter importância uma vez que a irrelevância ou relevância da conduta estará na cabeça do juiz.

3) Conceito conciliatório ou Teoria Final-Objetiva ou Teoria do Domínio do Fato: uma teoria puramente objetiva ou puramente subjetiva jamais iria abarcar num conceito único todas as situações de protagonismo delitivo, deixando sempre uma ou mais situações em que o centro do injusto restaria por ser caracterizado como participação. A solução conciliatória admite num mesmo conceito partes objetivas e subjetivas. Desenvolvido por Hans Welzel e populariado por Roxin, a Teoria do Domínio do Fato não possui uma fórmula fechada e depende das circunstâncias de cada caso. Senhor do fato seria aquele que tem o domínio sobre todas as etapas de sua realização (parte objetiva) e com isso conforma o fato de acordo com a sua vontade previamente idealizada (parte subjetiva). O conceito alcança tanto o autor executor (que pratica o verbo que rege o tipo) quanto o autor intelectual ou mandante (idealiza o plano e distribui as tarefas), resolvendo as críticas principais das teorias puras tanto objetiva quanto subjetiva. Quem possui domínio do fato controla o início da execução dominando também sua eventual interrupção ou o impedimento do resultado (então somente quem possui domínio sobre o fato poderia usar a “ponte de ouro” do art. 15 do CP: O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados). A adoção da teoria do domínio do fato tem como desdobramentos: a) a realização pessoal (autor executor), isenta de erros e imputável, dos elementos do tipo sempre caracterizam autoria e jamais

participação; b) é autor quem executa o fato utilizando de terceiro como instrumento (autoria mediata); c) é autor o responsável por elaborar o plano (autor intelectual) ainda que no momento da execução não tome parte fisicamente da empreitada criminosa; d) é autor aquele que agindo em co-autoria realiza parte do plano (possuindo então o denominado domínio funcional do fato – se fala em domínio funcional do fato quando, a partir da divisão das tarefas o indivíduo não tenha domínio do todo mas apenas da própria tarefa, sendo esta indispensável para o êxito do delito). Conclui-se pela Teoria do Domínio do Fato que seria partícipe aquele que realizasse uma tarefa acessória dispensável à consumação do delito. As duas principais críticas à Teoria são: 1) ela não se aplica aos crimes culposos (onde a infração é justamente a perda do domínio sobre o fato, caracterizada pela quebra do dever de cuidado, que culmina num resultado penalmente relevante); 2) o controle completo sobre a situação é geralmente constatado posteriormente ao delito uma vez que se tomarmos por base o ponto de vista anterior a insuficiência da teoria fica clara, obrigando o recurso às teorias anteriores para resolver a questão, quando o fato não se desenrolar conforme o plano do autor (cidadão contrata mercenário para eliminar seu desafeto e este foge com o dinheiro, ou é preso antes de executar o homicídio ou se excede vindo a matar uma segunda vítima: todos estes casos revelam a ausência de domínio sobre o fato e boa parte das soluções cabíveis juridicamente para atribuir responsabilização partem das teses anteriores os domínio do fato).

CONCLUSÃO: Boa parte da doutrina pátria afirma que o Código adotou a teoria restritiva (objetivo-formal) para diferenciar autores e partícipes, aplicando-se a teoria do domínio do fato para as hipóteses de autoria mediata. No entanto é bom recordar que no recente julgamento da Ação Penal 470 (Mensalão) a tese prevalente para responsabilização criminal dos envolvidos foi a do Domínio do Fato, o que numa questão de concurso pode ser esposada como tese consolidada do STF (ainda que de fato isso seja algo discutível).

TIPOS DE AUTORIA

1) AUTORIA DIRETA: É a regra. Normalmente o próprio agente executa a conduta proibida de forma direta, sem se valor de outrem como instrumento para a prática de crime.

2) AUTORIDA INDIRETA ou AUTORIA MEDIATA: Se dá quando o autor do crime se utiliza de interposta pessoa como instrumento (autor imediato) para a prática do crime que ele deseja cometer (autor mediato). Na hipótese de autoria mediata é necessário antes de mais nada fazer um alerta: objetivamente a autoria mediata em tudo se assemelha ao concurso de pessoas (no plano de fato, pela “fotografia externa” as hipóteses de autoria mediata têm os requisitos do concurso de pessoas); a diferença reside na postura subjetiva (o autor executor não quer ou não sabe que comete o crime, cometido, este sim, pelo autor mediato). Existem no Código Penal quatro hipóteses de autoria mediata: a) o erro determinado por terceiro (art. 20, §2º do CP); b) a coação moral irresistível (art. 22, 1ª parte do CP); c) obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte); d) uso de impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal (art. 62, III, 2ª parte do CP). O erro determinado por terceiro pode ser o erro de tipo (médico induz o enfermeiro a administrar veneno afirmando se tratar de remédio), erro de tipo permissivo (alguém afirma para amigo, que porta arma, que terceira pessoa irá tentar matá-lo na próxima oportunidade que o avistar; eis que instantes depois surge o mencionado terceiro que leva a mão ao bolso para pegar o telefone celular que estava vibrando e faz com que o enganado suponha estar na iminência de realmente sofrer injusta agressão contra a sua vida, vindo então a sacar sua arma e efetuar disparos que vêm a ocasionar o óbito do terceiro) ou erro de proibição (indivíduo afirma para mulher que é permitido o abortamento em casos de insuficiência econômica da gestante, citando inclusive número de lei e página de publicação no diário oficial; enganada a gestante aborta). Nas situações de erro o autor imediato não sabe que comete crime. Nas hipóteses do art. 22 (coação moral irresistível e obediência hierárquica) a vontade do executor não é livre, sendo esmagada pela coação ou pelo dever de obediência, vindo a responder pelo crime apenas o coator ou o superior hierárquico que exarou o comando, aqui autores mediatos. Nas situações do art. 22 do CP devemos fazer uma distinção: na coação moral irresistível o autor imediato sabe que comete um crime (do qual ele não queria participar e somente o faz porque sofre coação) enquanto na obediência hierárquica ele não

sabe que comete um crime (pela aparência de legalidade que deve possuir a ordem). Nas hipóteses de uso de impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal (doentes mentais ou menores) devemos alertar: parte da doutrina afirma que se a responsabilização do autor mediato nestes casos somente se dá pelo uso da Teoria do Domínio do Fato, uma vez que o autor mediato (também chamado de “homem de trás”) não pratica o verbo que rege o tipo, como afirmar que alguém possui domínio do fato quando o executor necessariamente não possui autodeterminação (capacidade de gestão da própria vontade, capacidade de agir conforme desígnio próprio). Fica patente que se alguém determinar ou sugestionar a um louco que mate determinada pessoa a execução ou não do homicídio não está em nenhuma medida nas mãos do autor mediato, visto que não existe um padrão seguro de previsibilidade quanto a ação adotada pelo louco. A insanidade mental faz com que o autor mediato possa contar apenar com a probabilidade de que o autor executor realize conforme sugestão/determinação e, neste caso, não se pode afirmar que o mesmo possuiria domínio sobre o fato. Feita a ressalva doutrina majoritária considera que tal hipótese é perfeitamente cabível e que quando o agente se vale de inimputáveis ele será sim autor mediato (na verdade boa parte das situações envolvendo inimputáveis melhor seriam enquadráveis como omissão imprópria pela ingerência do art. 13, §2º alínea “c” do CP: uma vez que o indivíduo entrega uma arma ou qualquer instrumento vulnerante a menor ou doente mental, ou mesmo determina ou sugere a este o cometimento do delito ele com tal comportamento criou o risco da ocorrência do resultado e contra ele passa a valer o dever de impedir este mesmo resultado que, caso venha a acontecer, irá gerar a sua responsabilização). Nas hipóteses de exclusão da conduta que podem ser atribuídos a terceiros (hipnose e coação física irresistível), quem coage fisicamente ou induz o estado hipnótico não é autor mediato e sim imediato, pois nestes casos a pessoa hipnotizada ou coagida sequer tem o comando sobre a dinâmica motora de seu comportamento atuando ora como objeto inanimado (coação física irresistível) ora como uma marionete (hipnose).

3) Autoria Colateral, autoria incerta e autoria desconhecida: quando dois infratores agem para alcançar um mesmo resultado sem que um saiba da vontade do outro (sem acordo de vontades ou adesão da vontade de um na vontade do outro) teremos a chamada autoria colateral. Estarão presentes todos os requisitos objetivos do concurso de pessoas ficando de fora apenas o requisito subjetivo. No exemplo clássico A e B querem a morte de C e fazem tocaia esperando a passagem deste para então agiram contra a vítima; eis que ambos têm visada para C quando este passa pelo local mas nenhum tem visada para o abrigo do outro; ambos disparam e C vem a falecer. Identificado o autor do disparo letal este responderá por crime consumado enquanto o outro pela tentativa. Caso não se consiga estabelecer o autor do disparo fatal ambos responderão por crime tentado (uma vez que não há como punir qualquer deles por crime consumado – e para o Direito é sempre preferível absolver um culpado a condenar um inocente). Nesta hipótese diz-se que a autoria é incerta. Não se confunde a autoria incerta com a autoria desconhecida: na autoria incerta sabe-se quem são os possíveis autores (não existe a certeza sobre quem efetivamente alcançou o resultado), já na autoria desconhecida os autores não são conhecidos, não se sabe quem praticou as condutas.

4) Co-autoria: o co-autor é autor. Quando se dividem as tarefas para a consecução do delito teremos vários autores, denominados então de co-autores. A fragmentação da execução da infração faz com que cada co-autor tenha domínio da sua função dentro da empreitada delitiva, e não do todo, surgindo então a correção da denominação: de domínio do fato migramos para domínio funcional do fato (domínio da própria tarefa ou função dentro do fato e não do fato todo). Para se falar em co-autoria ou domínio funcional do fato não é imprescindível que a contribuição de cada co-autor seja diferenciada, reconhecendo-se ainda que se trate de contribuições homogêneas (podemos ter vários co-autores se revezando na direção de veículo automotor que transporta droga originária de destino longínquo – todos dividem tarefas e são co-autores e emprestam idêntica forma de contribuição). Para se falar em co-autoria é imperativo que a contribuição do infrator seja imprescindível para o êxito do delito (caso contrário estaremos no campo da participação e não da co-autoria). Não é necessário porém que o vínculo psicológico seja prévio ao início da execução podendo haver a adesão do co-autor em qualquer momento do iter criminis (Alguém se depara com pessoa espancando seu desafeto e querendo tomar parte no delito passa a auxiliar na agressão em andamento, sendo portanto ambos co-autores da lesão corporal). A regra é o vínculo

prévio mas quando este não for o caso e houver a adesão posterior ao início da execução teremos a denominada co-autoria sucessiva. Mas lembre-se: o co-autor sucessivo responderá pela infração penal em andamento mesmo em relação aos fatos que ocorreram antes de seu ingresso no delito sempre que estes tenham entrado em sua esfera de conhecimento e desde que eles não consistam em infrações penais mais graves já consumadas (quem adere a um roubo em andamento responderá pela causa especial de emprego de arma, ainda que não porte nenhuma, desde que saiba que os demais portam, mas não responderá por latrocínio caso no mesmo contexto uma das vítimas já tenha sido morta, mesmo que ele saiba do fato).

PARTICIPAÇÃO Após conceituar a autoria pode-se conceituar a participação a contrario sensu: será partícipe aquele que colaborar para o delito sem ter domínio do fato (caso se adote esta tese para configuração da autoria) ou será partícipe aquele que colaborar para o delito sem praticar o verbo que rege o tipo (caso se adote a tese objetivo-formal). A participação pode ocorrer pela via moral ou material. A participação moral se dá através do induzimento ou da instigação. Teremos o induzimento quando o partícipe faz surgir no autor o propósito, antes inexistente, de cometer o delito (A induz B a matar C). Teremos a Instigação quando o partícipe reforçar o propósito preexistente do autor no sentido de cometer o delito (B fala para A sobre o seu propósito de eliminar C; A afirma que a idéia de B de eliminar C é excelente, inclusive formulando com B qual seria o método perfeito de eliminá-lo). A participação material ocorre quando o partícipe presta assistência, normalmente de índole logística, de forma a facilitar a execução do crime pelo autor (A empresta a arma para que B elimine C). Eventualmente as provas fazem questionamentos sobre o momento em que cada forma de participação deve ou pode ocorrer para se caracterizar (é impossível induzir alguém a cometer um delito quando este já está se preparando ou o executando por exemplo) Vejamos:

Formas de Participação Comportamento Momento

MORAL

MATERIAL

Induzimento

Instigação

Auxílio

Cogitação

Cogitação/Preparação/Execução

Preparação/Execução

Sendo forma de atuar acessória a participação para ter relevância depende inexoravelmente da

sorte da conduta principal. Se A induz B a matar C e B sequer iniciar a execução do homicídio o induzimento será atípico e portanto penalmente irrelevante. A partir dessa relação de dependência algumas teorias foram formuladas para se estabelecer a partir de que grau a repercussão penal da conduta principal haveria a caracterização da relevância jurídica da participação (relevância não no sentido de contribuição para o êxito da infração mas no sentido de pertinência jurídica para existir). As quatro teorias formuladas são:

TEORIA

REPERCUSSÃO PENAL DA CONDUTA PRINCIPAL

CRÍTICAS

Acessoriedade

Mínima

Para a participação ser punível a conduta principal deve ser típica.

Não pode ser aceita uma vez que pune aquele que induz outrem a agir em legítima defesa por exemplo

Acessoriedade Limitada

Para a participação ser punível a conduta principal deve ser típica e ilícita

É majoritária. Como críticas temos: caracteriza o autor mediato como partícipe nas hipóteses do art. 22 e do uso do inimputável; por vezes quem auxilia aquele que se encontra em coação moral irresistível não será também merecedor de punição (quem empresta arma para que mãe que teve filho seqüestrado realize assalto ordenado pelos

seqüestradores não deve ser punido)

Acessoriedade

Máxima

Para a participação ser punível a conduta principal deve ser típica, ilícita e culpável.

Por esta teoria quem empresta arma para menor praticar crime não será punido fora dos casos de autoria mediata (se quem tiver o domínio do fato for o menor e não o maior dono da arma)

Hiperacessoriedade

Para a participação ser punível a conduta principal deve ser típica, ilícita, culpável e punível.

Aqui se o autor assegurar sua impunidade esta será automaticamente extensível ao partícipe (exemplo clássico: autor menor de 21 na data do fato, prescrição corre pela metade conforme art. 115 do CP, consegue reconhecimento da prescrição que, pelo uso da hiperracessoriedade, será extensível ao partícipe