Iuçana de Moraes - Tese Mestrado

138
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CENTRO DE CIÊNCIAS DO AMBIENTE-CCA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZÔNIA-PPG/CASA Design Aplicado ao Artesanato, uma Ferramenta para a Sustentabilidade: Estudo de Caso sobre a Comunidade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de Acajatuba, Município de Iranduba/AM Aluna: Iuçana de Moraes Mouco Orientadora: Dra. Maria do P. Socorro R. Chaves Manaus - Amazonas 2010

description

Esta dissertação consiste no estudo de caso sobre a cadeia produtiva do artesanato produzidona comunidade ribeirinha de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro de Acajatuba/AM com oobjetivo de conhecer a organização sócio-cultural dos artesãos no processo de trabalho eorganização da produção

Transcript of Iuçana de Moraes - Tese Mestrado

  • 1

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CENTRO DE CINCIAS DO AMBIENTE-CCA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZNIA-PPG/CASA

    Design Aplicado ao Artesanato, uma Ferramenta para a Sustentabilidade: Estudo de Caso sobre a Comunidade de Nossa Senhora do Perptuo Socorro de Acajatuba,

    Municpio de Iranduba/AM

    Aluna: Iuana de Moraes Mouco Orientadora: Dra. Maria do P. Socorro R. Chaves

    Manaus - Amazonas

    2010

  • 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CENTRO DE CINCIAS DO AMBIENTE-CCA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS DO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE NA AMAZNIA-PPG/CASA

    IUANA DE MORAES MOUCO

    DESIGN APLICADO AO ARTESANATO, UMA FERRAMENTA PARA A SUSTENTABILIDADE: ESTUDO DE CASO SOBRE A COMUNIDADE DE NOSSA

    SENHORA DO PERPTUO SOCORRO DE ACAJATUBA, MUNICPIO DE IRANDUBA/AM

    Orientadora: Dra. Maria do Perptuo Socorro Rodrigues Chaves

    MANAUS 2010

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade

    na Amaznia, rea de concentrao Poltica e Gesto Ambiental..

  • 3

    Ficha Catalogrfica Catalogao na fonte pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Amazonas

  • 4

    IUANA DE MORAES MOUCO

    DESIGN APLICADO AO ARTESANATO, UMA FERRAMENTA PARA A SUSTENTABILIDADE: ESTUDO DE CASO SOBRE A COMUNIDADE DE NOSSA

    SENHORA DO PERPTUO SOCORRO DE ACAJATUBA, MUNICPIO DE IRANDUBA/AM

    Aprovado em 15 de julho de 2010.

    BANCA EXAMINADORA

    Prof Dr. Maria do Perptuo Socorro Rodrigues Chaves, Presidente Universidade Federal do Amazonas

    Prof Dr. Simone Eneida Baal, Membro Universidade Federal do Amazonas

    Prof. Dr. Denise Machado Duran Gutierrez, Membro Universidade Federal do Amazonas

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Programa de Ps-Graduao em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade na Amaznia

    da Universidade Federal do Amazonas, como requisito parcial para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias do Ambiente e Sustentabilidade

    na Amaznia, rea de concentrao Poltica e Gesto Ambiental.

  • 5

    Todo Amaznida tem direito ao pleno uso, gozo e fruio do seus recursos

    naturais existentes na rea, desde que o faa de modo no-destrutivo. Fica

    estabelecido o seu direito a subsistncia, liberdade de escolha,

    livre iniciativa, trabalho produtivo e justia social, e resguardada a

    sobrevivncia das geraes futuras e ao convvio harmonioso com a

    natureza BENCHIMOL, 1992.

    A todos os Amaznidas natos ou de corao e aos Amaznidas designers

    ou artesos.

    Dedico.

  • 6

    AGRADECIMENTOS

    minha Me Lucy e meu irmo Iuri pelos conselhos dados e o apoio durante toda essa jornada que me ajudou a superar os desafios encontrados e o suporte principalmente nos momentos de maior dificuldade, em especial ao meu irmo por ter sido um importante companheiro de viagem.

    Aos amigos Dr.Dino Camelo e Dr.Baslio Vianez, os quais me incentivaram a ingressar nesta jornada e me cobraram um bom desempenho; aos amigos conquistados durante o curso, Jander e Tnia, pelo compartilhamento das angstias, dvidas e solues; e aos amigos de sempre, em especial o Nelson, pela grande e companhia e colaborao para o desenvolvimento desta pesquisa e o bom relacionamento com a comunidade estudada.

    Fucapi, na pessoa de Robervando Gonalves, pela sua generosidade e apoio durante todas as etapas do curso e da dissertao, especialmente por compreender minhas ausncias. Ao SUPTI, em especial ao Enas Marques, pela grande ajuda e tempo despendido na soluo de problemas de TI.

    Aos criativos artesos de Acajatuba, em especial a D. Marlene, pela confiana, cuidados e sua recepo sempre acolhedora, a qual nos apresentou todos os artesos e todo o trabalho realizado na comunidade.

    minha orientadora de estgio, prof. Vnia Batalha, pela amizade e incentivo desde os tempos de graduao e s ergodesigners Jozzi e Amanda, pelas lies aprendidas e o apoio durante o estgio.

    minha orientadora, prof. Dr. Socorro Chaves pela pacincia e por me iniciar na rea de pesquisa de forma responsvel com fortes valores sociais e ambientais, alm de me adicionar novos conhecimentos e lapidar minha atuao como designer. Tambm agradeo ao grupo Inter-Ao, em especial Talita e Silvana, pela disposio e ateno a qualquer momento.

    s professoras da Universidade Federal do Amazonas e colegas de profisso Sheila Mota e Franciane Falco pelas dicas valiosas e a cesso de bibliografias.

    E por fim, a todos que direta ou indiretamente contriburam para a consecuo deste trabalho e que por alguma falha de memria no tenham sido citados.

  • 7

    RESUMO

    Esta dissertao consiste no estudo de caso sobre a cadeia produtiva do artesanato produzido na comunidade ribeirinha de Nossa Senhora do Perptuo Socorro de Acajatuba/AM com o objetivo de conhecer a organizao scio-cultural dos artesos no processo de trabalho e organizao da produo; caracterizar os elementos utilizados nos produtos (madeiras, sementes, pigmentos, cips) e verificar a possibilidade do designer contribuir para a produo e comercializao do artesanato de forma social e ambientalmente sustentvel. As categorias de anlise utilizadas para o embasamento terico desta pesquisa so: Sustentabilidade, artesanato e design. A partir destas categorias foi realizado um levantamento para a reflexo sobre os modelos de desenvolvimento adaptados Amaznia, que consideram toda a sua diversidade ambiental, social, cultural, a fim de garantir qualidade de vida para as suas populaes e a conservao do ambiente, alm de levantar as oportunidades existentes para o desenvolvimento do artesanato na regio. Na rea do design foi discutida a atividade do profissional a partir da insero da sustentabilidade em seus projetos e sua atuao na rea do artesanato, para assim, avaliar de que forma o designer pode contribuir para a melhoria deste tipo de produto. Para a compreenso da atividade artesanal realizada em Acajatuba/ AM, foi realizada uma pesquisa in loco atravs de uma metodologia com abordagem investigativa analtica; cujos procedimentos metodolgicos compreendem a conjuno de instrumentos de natureza qualitativa e quantitativa, sendo estruturado em trs fases de execuo. Desta forma, foi possvel identificar as potencialidades do design em contribuir para sustentabilidade social e a conscientizao ambiental, atuando diretamente nas atividades tradicionais das comunidades.

    Palavras-Chave: Design, artesanato, sustentabilidade.

  • 8

    ABSTRACT

    This project is the case study on the production chain of crafts produced in the riverside community of Our Lady of Perpetual Help in Acajatuba / AM and aimed to understand the socio-cultural organization of craftsmen in the work process and organization of production; characterize elements used in products (wood, seeds, pigments, vines) and verify the possibility of contributing to the production designer and marketing of handicrafts in a socially and environmentally sustainable. The categories of analysis used for the theoretical basis of this study are: Sustainability, craft and design. From these categories was gathered to reflect on the development models suited to the Amazon, considering all its diversity environmental, social, cultural, to ensure quality of life for their people and preserve the environment, and raise the opportunities for the development of handicrafts in the region. In the area of design activity has been discussed from the professional insertion of sustainability into their projects and their work in the craft, thus, assess how the designer can contribute to the improvement of this type of product. To understand the craftsmanship held in Acajatuba / AM, a survey was conducted in situ using a methodology, analytical investigative approach, methodological procedures which comprise the combination of tools for qualitative and quantitative nature, is structured in three phases of implementation. Thus, it was possible to identify the potential of design in contributing to social sustainability and environmental awareness, acting directly in the activities of traditional communities.

    Keywords: design, craftsmanship, sustainability.

  • 9

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 01 - Foto de satlite Manaus/Acajatuba........................................................................

    Figura 02 - Organizao do grupo de artesanato Japiim.........................................................

    Figura 03 - Grupos de trabalho desenvolvendo seus produtos: 1. Grupo de confeco na sua rea de trabalho. 2.Entalhador na oficina. 3. Beneficiador na oficina...............................

    Figura 04 - Produtos confeccionados pelos artesos de Acajatuba: 1. Colar em semente de

    aa. 2. Pulseira em semente de aa e morotot. 3. Escultura em casca de rvore.

    4. Zarabatana..........................................................................................................................

    Figura 05 - Problemas resultantes do armazenamento e beneficiamento no adequado

    da matria-prima: 1. Sementes de aa com fungo. 2. Madeira mida....................................

    Figura 06 - Descrio do processo produtivo de uma bijuteria confeccionada por uma artes de Acajatuba: 1. Secagem da semente. 2. Lixamento das sementes. 3. Sementes lixadas. 4. Furao das sementes. 5. Preparao para o polimento das sementes. 6. Incio

    da confeco do colar. 7. Perfurao da semente com agulha. 8 e 9. Colocao das sementes e contas de madeira no fio encerado. 10. Colar finalizado.......................................

    Figura 07- Descrio do processo produtivo de um entalhe confeccionada por um arteso de Acajatuba: 1. Matria-prima utilizada (madeira). 2. Desenho com gabarito. 3. Primeiros cortes na serra de fita. 4. Pea pr-cortada. 5. Entalhe com o uso do formo. 6. Pea entalhada. 7. Processo de lixamento. 8. Pea pronta................................................................

    Figura 08 - Condies de trabalho dos artesso de Acajatuba: 1. Iluminao ineficiente. 2. Banco sem encosto. 3. Postura desconfortvel do beneficiador de sementes.........................

    Figura 09 - Organizao das reas de produo.......................................................................

    108

    116

    118

    121

    127

    130

    131

    133

    136

  • 10

    Figura10- reas de produo utilizadas pelos artsso de Acajatuba: 1. rea de confeco

    na loja. 2. rea de confeco na casa. 3. rea da oficina de beneficiamento. 4. rea da oficina de entalhe......................................................................................................................

    Figura11- Produtos desenvolvidos pelos artesos de Acajatuba:1.Escultura em ourio de castanha. 2. Quadro entalhado em madeira. 3. Bolsa de ninho de Japiim. 4. Descansa prato em semente de aa e morotot, 5. Bolsa em semente de aa morotot.................................

    Figura 12- diagrama em radar demostrando a diviso por indicadores de sustentabilidade e a diviso por nvel de atendimento...........................................................................................

    Figura 13- diagrama em radar demonstrando o nvel de atendimento aos indicadores, alcanado pelo artesanato desenvolvido na comunidade de Acajatuba/AM............................

    Figura 14- Diagrama em radar comparando o nvel de atendimento aos indicadores, alcanado pelo artesanato desenvolvido na comunidade de Acajatuba/AM ( ) e pelo mesmo artesanato com a insero do design ( )....................................................

    140

    143

    144

    148

    149

  • 11

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 01 - Diviso dos artesos de Acajatuba de acordo com a Faixa Etria...........................

    Grfico 02 - Diviso dos artesos de Acajatuba de acordo com forma de aprendizagem do artesanato....................................................................................................................................

    Grfico 03 - Diviso dos produtos mais confeccionados pelos artesos de Acajatuba................

    140

    143

    148

  • 12

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 01 - A influncia dos movimentos histricos e sociais na atividade

    de Design.......................................................................................................................................

    Quadro 02 - Categorias do artesanato...........................................................................................

    Quadro 03 - Relao entre as dimenses de sustentabilidade de Sachs, a atuao do artesanato e do design ...................................................................................................................................

    Quadro 04 - Composio dos grupos de trabalho.........................................................................

    Quadro 05 - Descrio das matrias-primas utilizadas no artesanato de Acajatuba....................

    Quadro 06 - Descrio dos insumos, ferramentas e maquinrio utilizadas na confeco do artesanato de Acajatuba................................................................................................................

    Quadro 07 - Descrio do processo produtivo de uma bijuteria confeccionada por uma artes de Acajatuba..................................................................................................................................

    Quadro 08 - Descrio do processo produtivo de entalhe confeccionado por um arteso de Acajatuba......................................................................................................................................

    Quadro 09 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba, inseridos na categoria de sustentabilidade social..................................

    Quadro 10 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba, inseridos na categoria de sustentabilidade cultural...............................

    Quadro 11 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba, inseridos na categoria de sustentabilidade ecolgica............................

    36

    38

    70

    117

    122

    125

    129

    131

    147

    153

    159

  • 13

    Quadro 12 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba juntamente com o design, inseridos na categoria de sustentabilidade social.............................................................................................................................................

    Quadro 13 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba juntamente com o design, inseridos na categoria de sustentabilidade cultural..........................................................................................................................................

    Quadro 14 - Anlise entre as caractersticas intrnsecas ao artesanato e as caracterstica do artesanato de Acajatuba juntamente com o design, inseridos na categoria de sustentabilidade ecolgica.......................................................................................................................................

    169

    175

    180

  • 14

    SUMRIO

    INTRODUO......................................................................................................................

    CAPTULO I - DESIGN, ARTESANATO E SUSTENTABILIDADE...................................

    1.1 Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentvel: Marcos conceituais e histricos.......

    1.2 Design, pressupostos tericos e conceitos...........................................................................

    1.3 Artesanato, definies e histrico.........................................................................................

    1.4 Design e sustentabilidade........................................................................................................

    1.5 Design e artesanato: A busca de uma esttica brasileira........................................................

    1.5.1 Caractersticas e modos da atuao do design junto ao artesanato..............................

    1.6 Design, Artesanato e Sustentabilidade.................................................................................

    CAPTULO II- BIODIVERSIDADE AMAZNICA E AS PERSPECTIVAS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL..........................................................................................

    2.1 Uso da biodiversidade Amaznica........................................................................................

    2.2 Desenvolvimento regional da Amaznia..............................................................................

    2.3 Polticas pblicas e incentivos direcionados ao artesanato.................................................

    CAPTULO III

    PESQUISA IN LOCO.................................................................................

    3.1 Locus de Estudo......................................................................................................................

    3.1.1. A histria do artesanato na comunidade......................................................................

    3.2 Caracterizao dos informantes.............................................................................................

    14

    17

    18

    18

    20

    29

    37

    41

    50

    56

    68

    72

    72

    74

    92

    94

    106

  • 15

    3.3 Organizao da Produo.......................................................................................................

    CAPTULO IV- DISCUSSO A PARTIR DOS INDICADORES DE REFERNCIA.......

    4.1 Processo de produo artesanal praticada na comunidade de Acajatuba/AM......................

    4.1.1 Sustentabilidade Social.................................................................................................

    4.1.2 Sustentabilidade Cultural..............................................................................................

    4.1.3 Sustentabilidade ecolgica.............................................................................................

    4.2 O potencial do design como ferramenta para tornar a atividade artesanal socialmente e ambientalmente sustentvel..........................................................................................................

    4.2.1 Sustentabilidade Social.................................................................................................

    4.2.2 Sustentabilidade Cultural............................................................................................

    4.2.3 Sustentabilidade ecolgica............................................................................................

    CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................................

    REFERNCIAS............................................................................................................................

    APNDICES.................................................................................................................................

    ANEXOS......................................................................................................................................

    106

    107

    109

    111

    113

    139

    139

    140

    142

    148

    154

    162

    162

    169

  • 16

    INTRODUO

    A iminncia do esgotamento das fontes de recursos naturais, a ausncia de polticas pblicas que visam verdadeiramente o desenvolvimento social e a implementao de modelos econmicos que geram conflitos e tenses internas; denotam o desgaste do modelo de desenvolvimento presente, desta maneira, de extrema importncia a discusso sobre novos modelos que atendam s demandas das populaes atuais. Assim, este trabalho ganha importncia no que discute a sustentabilidade como um modelo ampliado e flexvel de desenvolvimento, capaz de se adaptar realidade local e integrar benefcios sociais, ecolgicos e econmicos (VIEIRA E WEBER, 2002).

    A Amaznia desde o incio de sua colonizao at os dias atuais foi vista como celeiro de matria-prima , principalmente por mercados externos, sua abundncia e

    variedade em recursos naturais, estimula a explorao, a qual muitas vezes realizada de forma predatria. Surge neste cenrio, uma relao de interesse entre os produtores regionais e os mercados externos, na qual estes ltimos apenas usufruem o conhecimento destes produtores sobre a regio para adquirir a matria-prima e explorar sua mo-de-obra; essa troca desigual resulta na desvalorizao da cultura local e agrava os problemas sociais (CHAVES, 2001).

    Diante deste quadro nota-se a importncia de discutir o artesanato como alternativa para valorizao e preservao da cultura local, assim como, para gerao de benefcios sociais e ambientais. O artesanato uma atividade capaz de utilizar todo o conhecimento adquirido ancestralmente pelas populaes tradicionais para valorizar, resgatar e divulgar a sua cultura; alm de gerar renda e ter um grande potencial de melhoria para a vida dessas populaes (SEBRAE, 2004).

    Neste contexto observa-se o design, um conhecimento tcnico com potencial para agregar valor a produtos, atravs do resgate de cones tradicionais e culturais, da melhoria da qualidade do material em si, alm de aplicar uma metodologia de trabalho que respeite as limitaes ambientais e a condio social da comunidade (BEZERRA, 2005). Sendo

  • 17

    importante a discusso sobre as possibilidades de aplicao deste conhecimento tcnico em atividades no industriais e de forma sustentvel, alm de analisar e verificar a contribuio que o profissional desta rea pode oferecer para o desenvolvimento sustentvel da regio, delimitando e/ou abrindo novas vertentes para sua rea de atuao (DIEDERICHSEN, 2003).

    A partir deste quadro esta dissertao investigou a cadeia produtiva do artesanato produzido na comunidade ribeirinha de Nossa Senhora do Perptuo Socorro de Acajatuba/AM, doravante nominada apenas como Acajatuba, a partir do potencial do design como ferramenta para melhoria da qualidade dos produtos, sob o prisma da sustentabilidade scio-ambiental. Atravs deste estudo de caso se conheceu a organizao scio-cultural dos artesos, no processo de trabalho e organizao da produo; foram caracterizados os elementos utilizados na produo do artesanato (madeiras, sementes, pigmentos, cips) e verificadas as possibilidades do designer contribuir para a produo e comercializao do artesanato de forma scio e ambientalmente sustentvel.

    A fim de instrumentalizar esta pesquisa construiu-se uma base terica a partir de estudos e conceitos considerados pertinentes para a compreenso da realidade problematizada. Neste contexto foram realizados levantamento e anlise dos principais autores relacionados sustentabilidade, artesanato e design, o que possibilitou a definio de indicadores para a avaliar a atividade realizada na comunidade na primeira etapa sem a interferncia do conhecimento tcnico do designer e em uma segunda etapa considerando esta interferncia; assim como, compreender a possvel inter-relao destas trs categorias.

    Desta forma no primeiro captulo foi realizado um levantamento histrico sobre o incio da interao entre o design e o artesanato, assim como da atuao do designer em bases sustentveis, para tal, buscou-se informaes atualizadas atravs de livros e revistas especializados na rea e autores como Manzini (1993), o mais relevante dentro desta temtica e outros como: Manzini & Meroni (2009), Fuad-Luke (2006), Kazazian (2005), Moraes (2009), Estrada (2008; 2007; 2006; 2004; 2002).

    A partir deste levantamento foi possvel entender o atual papel do designer na sociedade e suas possveis contribuies para a sustentabilidade; alm de se compreender como este profissional pode contribuir para a qualidade do artesanato e descrever as dificuldades encontradas para se ampliar os benefcios desta atividade. A proposta foi obter o aporte terico necessrio tomando como referncia a atividade do designer, a insero da

  • 18

    sustentabilidade em seus projetos e atuao deste na rea do artesanato; desta forma foi possvel entender este processo e avaliar como o designer pode contribuir para a melhoria do artesanato produzido em Acajatuba/ AM.

    No segundo captulo foi realizada uma reflexo sobre os modelos de desenvolvimento adaptados Amaznia, que considerem toda a sua diversidade ambiental, social e cultural; a fim de garantir qualidade de vida para as suas populaes e a conservao do ambiente, atravs da abordagem dos novos debates sobre esta temtica e as oportunidades existentes para o desenvolvimento do artesanato na regio. A proposta foi obter o aporte terico necessrio tomando como referncia o desenvolvimento regional e em complemento os incentivos e Polticas Pblicas existentes para o artesanato, com o objetivo de compreender a dinmica do desenvolvimento e avaliar como o artesanato produzido em Acajatuba/ AM pode ser inserido neste contexto.

    Para tal foram utilizados os autores: D Incao & Silveira (1994), Fleischfresser (2006), Becker & Wittmann (2003), Coelho & Mathis (2005) e informaes atualizadas atravs de publicaes de Farias (2007), e Costa (2007), alm de documentaes divulgadas pelo Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio-MDIC (2010), Ministrio da Cultura- MinC (2010), Servio de Apoio s Micro e Pequenas Empresas-SEBRAE (2010), Secretaria Municipal do Trabalho e Desenvolvimento Social SETRAD (2010).

    O terceiro captulo compreende a exposio do resultado da pesquisa realizada com os artesos da comunidade de Acajatuba/AM, para conhecimento da organizao scio-cultural dos artesos, do processo de trabalho e organizao da produo e da caracterizao dos elementos utilizados na produo do artesanato (madeiras, sementes, pigmentos, cips). As informaes foram coletadas in loco, diretamente com os artesos, atravs de conversas semi-informais, aplicao de formulrio e observao participante.

    A partir do levantamento realizado nos captulos anteriores criou-se ferramentas suficientes para realizar o objetivo da pesquisa, o quarto e ltimo captulo conclusivo e realiza uma reflexo sobre todos os pontos discutidos nos captulos anteriores utilizando as informaes coletadas nos captulos I e II como base para analisar as informaes levantadas sobre a comunidade no captulo III.

  • 19

    Para realizar uma avaliao consistente sobre a relao design e artesanato

    foram

    definidas trs categorias de anlise: sustentabilidade social, sustentabilidade ecolgica e sustentabilidade cultural. Segundo Sachs (2002), estas so as dimenses de sustentabilidade que se enquadram na sustentabilidade social e ambiental, objetivo deste projeto. Desta forma, a partir das trs categorias definidas, foi possvel levantar dentro de cada uma as caractersticas inerentes ao artesanato (indicadores), a fim de se avaliar a qualidade do artesanato realizado em Acajatuba/AM e em uma segunda etapa, as contribuies do designer para o artesanato realizado nesta comunidade. Desta forma, na primeira parte do captulo foi realizada uma avaliao comparativa entre as caractersticas do processo de produo artesanal praticada na comunidade de Acajatuba/AM sem a interveno do designer e na segunda com a interveno do designer.

    Em suma, como resultado desta pesquisa, percebeu-se o design, como conhecimento interdisciplinar com amplas potencialidades de contribuir para sustentabilidade social e a conscientizao ambiental, atuando diretamente nas atividades tradicionais das comunidades, sendo uma ferramenta importante no que diz respeito a agregar valor aos produtos e fazer do artesanato uma atividade que beneficie o desenvolvimento regional. Em adio na atuao do designer imprescindvel o trabalho em redes (KRUCKEN, 2009) e o envolvimento de outros profissionais e entidades, principalmente polticas, para que a sustentabilidade social e ambiental do artesanato seja duradoura e realmente incorporada comunidade.

  • 20

    CAPTULO I - DESIGN, ARTESANATO E SUSTENTABILIDADE

    A relevncia deste captulo se d pela discusso necessria para aprofundar e ampliar a reflexo acerca dos movimentos ocorridos na atividade de design, a qual sempre sofreu influncia dos movimentos histricos e sociais. A partir dos debates sobre sustentabilidade, o modo de atuar do designer foi se moldando aos atuais requisitos; assim, questes ambientais, sociais e ticas comearam a ser inserida em seus projetos, alm da econmica e mercadolgica j existente em seus trabalhos. importante destacar a apresentao do histrico da atuao do designer para a valorizao do artesanato, destacando os acontecimentos econmicos e sociais que influenciaram o encontro dessas duas atividades distintas que resultaram na descoberta de uma esttica brasileira, valorizada mundialmente.

    1.1 Ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentvel: Marcos conceituais e histricos

    A dcada de 70 foi um marco nas discusses ambientais em nvel mundial, incorporando os problemas ambientais no planejamento do desenvolvimento, a partir deste momento, vrias respostas surgiram para a soluo dos problemas ambientais e conseqentemente vrias linhas de pensamento sobre a temtica. Para melhor embasar esta pesquisa sero discutidos os dois conceitos mais usados nos debates sobre as questes ambientais: o desenvolvimento sustentvel e o ecodesenvolvimento, procurando entender seus fundamentos e diferenas (LIMA, 1997).

    O conceito de ecodesenvolvimento foi usado pela primeira vez por Maurice Strong em 1973, como proposta pioneira para o uso ecolgico dos recursos naturais, era uma forma alternativa de desenvolvimento baseada no uso racional destes recursos e na valorizao do conhecimento e tcnicas locais de produo, sem excluir variveis econmicas (CHAVES E NOGUEIRA, 2000); o modelo se opunha principalmente importao de modelos de

  • 21

    crescimentos e tecnologias no apropriadas, incentivando a outonomia das populaes e sua independncia cultural (LIMA, 1997).

    A partir de 1974, o conceito foi amplamente difundido, por Ignacy Sachs, que o renovou incluindo os pases em desenvolvimento nesta nova proposta e ampliando seus objetivos para atender as necessidades bsicas da populao envolvida e sua autonomia, incluindo aspectos polticos, culturais, sociais ticos, alm do econmico. Neste contexto Chaves e Nogueira (2000) afirmam que os princpios do ecodesenvolvimento permitem que a viso ecolgica esteja inserida no contexto do desenvolvimento, no combate as desigualdades sociais, na dependncia dos pases em desenvolvimento em relao aos desenvolvidos e na tomada de conscincia em relao ao limite do uso dos recursos. Layrargues (1997) resume o ecodesenvolvimento em trs pilares, de acordo com o pensamento de Sachs:

    1. Eficincia econmica

    2. Justia social,

    3. Prudncia ecolgica.

    A declarao de Cocoyococ em 1974 inseriu na discusso sobre ecodesenvolvimento a relao entre a exploso populacional, pobreza, degradao ambiental e a responsabilidade dos pases desenvolvidos a respeito do seu elevado nvel de consumo, desperdcio e poluio; destacando os diferentes efeitos de degradao sobre o ambiente em relao aos pases desenvolvidos (ricos) e em desenvolvimento (pobres). No primeiro caso, chamada poluio da riqueza, observa-se: usinas nucleares, chuvas cidas, consumo excessivo, dificuldade de destinar o lixo, doenas por excesso de alimentos, lcool, drogas e medicamentos. No segundo, poluio da pobreza encontra-se: subnutrio, falta de gua potvel, esgotos, lixo a cu aberto, falta de assistncia mdica e medicamentos, consumo de lcool e drogas, com o agravamento da importao de indstrias altamente poluidoras (petroqumica, qumica, de celulose) e com grande consumo de energia (alumnio), mais a situao de dependncia e subordinao aos pases desenvolvidos ocasionado pela dvida externa (LIMA,1997).

    Sachs (1986) um dos autores que mais critica a importao do modelo de desenvolvimento de pases industrializados para os pases em desenvolvimento, processo denominado pelo autor de crescimento imitativo ou mimtico, pois, traz custos ambientais e sociais muito elevados para os pases hospedeiros como: aumento das diferenas sociais, dependncia cultural, males estruturais e danos ambientais em funo da explorao sem

  • 22

    controle de seus recursos e patrimnio natural (LIMA, 1997). Layrargues (1997) destaca que no se deve depositar todas as expectativas no conhecimento tecnolgico limitado para a soluo dos problemas sociais, ecolgicos e econmicos; e adverte sobre a atuao ilimitada do mercado em busca de crescimento e modernizao que nem sempre levam ao bom desenvolvimento.

    O ecodesenvolvimento proposto por Sachs baseia-se na solidariedade sincrnica e diacrnica, ou seja, satisfazer as necessidades da gerao futura sem comprometer as necessidades da gerao atual; no entanto para se colocar em prtica este tipo de desenvolvimento necessrio um grande conhecimento sobre o ambiente em questo e as culturas nele inseridas, sendo imprescindvel a participao da sociedade civil no planejamento das estratgias (LAYRARGUES, 1997).

    Para o modo de produo Sachs sugere a tecnologia tradicional juntamente com a mo-de-obra intensiva e capital intensivo, explicando que o ecodesenvolvimento um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregio, insiste nas solues especficas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecolgicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas como tambm aquelas a longo prazo. Sem negar a importncia dos intercmbios, o ecodesenvolvimento tenta reagir moda predominante das solues pretensamente universais e das frmulas generalizadas. Em vez de atribuir um espao excessivo ajuda externa, d um voto de confiana a capacidade das sociedades humanas de identificar os seus problemas e lhes dar solues originais ainda que se inspirando em experincias alheias ( LAYARARGUES, 1997, p.20).

    A partir do conceito de ecodesenvolvimento, no final de 1975 surge o conceito de desenvolvimento sustentvel, publicado na Declarao de Cocoyoc e no Relatrio de Que Faire; este conceito passa a ser usado pelas organizaes internacionais, por ter uma conotao ideolgica menos radical que o ecodesenvolvimento e mais condizente com a fase de introduo de uma forma de desenvolvimento menos agressivo ao ambiente (CHAVES e NOGUEIRA, 2000). Em 1987, o relatrio Nosso Futuro Comum , retoma as discusses sobre desenvolvimento sustentvel e consolida sua definio como: Aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das geraes futuras satisfazerem suas prprias necessidades (CMMAD, 1991).

  • 23

    O conceito de desenvolvimento sustentvel inovou por no referir-se apenas aos problemas ambientais, mas tambm, as inter-relaes entre os tipos de desenvolvimento e suas conseqncias sobre a natureza, buscando a sustentabilidade atravs do equilbrio entre os aspectos econmicos, polticos, ticos, sociais, culturais e ecolgicos; tambm destaca a cooperao internacional, ao levantar questes como agravamento dos problemas ambientais e da pobreza que atrapalham o desenvolvimento sustentvel, a satisfao das necessidades bsicas e inovao tecnolgica baseada no uso de fontes energticas renovveis (LIMA, 1997).

    Para haver o desenvolvimento sustentvel necessrio que as necessidades bsicas de todos sejam atendidas e que todos tenham a possibilidade de ter e almejar uma vida melhor, por isso o destaque para a reduo da pobreza e a diminuio das diferenas entre os pases atravs da sustentabilidade entre a relao Norte-Sul (pases desenvolvidos e em desenvolvimento) (LIMA, 1997). Esta preocupao surgiu a partir do Relatrio Brundtland, o qual destaca os Pases do Sul como os maiores responsveis pela degradao da natureza devido pobreza, definindo um nvel de consumo mnimo para a soluo deste problema. Porm em relao aos Pases do Norte, os seus efeitos sobre o ambiente so amenizados no chegando nem mesmo a definir um nvel de consumo mximo, observando-se neste ponto uma estratgia para diminuir a responsabilidade ambiental dos pases desenvolvidos, que consomem e poluem excessivamente em busca do crescimento econmico (LAYRARGUES, 1997).

    Na viso dos autores que defendem o desenvolvimento sustentvel, o crescimento econmico pode manter-se na mesma proporo, pois acreditam na transformao dos insumos energticos mais eficientes e econmicos atravs do avano tecnolgico, resultando no atendimento uniforme de todas as naes. Por outro lado, h duvidas sobre as mudanas sociais e culturais, j que a sociedade industrial de consumo tem como caracterstica o desperdcio; destacam-se assim alguns limites para a sua implementao devido ao estado atual da tecnologia e organizao social em relao aos recursos ambientais e pela capacidade do planeta em absorver os efeitos das atividades humanas (LAYRARGUES, 1997).

    Outras crticas so feitas ao conceito de desenvolvimento sustentvel. Um dos principais so as possveis interpretaes que podem ser feitas a partir do conceito sem que

  • 24

    haja um definido, no havendo uma grande explicao de como essa estratgia funcionaria dentro de um quadro capitalista (LIMA, 1997).

    Desta forma a proposta acaba servindo apenas como ideologia; outros crticos destacam a ambigidade, contradies e a vulnerabilidade do conceito, sendo questionado a partir de: possvel conciliar crescimento econmico e preservao ambiental, no contexto de uma economia capitalista de mercado? No o desenvolvimento sustentvel apenas uma nova roupagem para uma proposta j superada? (mudar a aparncia para manter a essncia) No havendo um consenso sobre o que desenvolvimento sustentvel e como atingi-lo, qual interpretao ser privilegiada, a viso estadista, de mercado ou da sociedade civil? Como atingir eficincia econmica, prudncia ecolgica e justia social em uma realidade extremamente desigual, injusta e degradada? Como passar da retrica ao? Esto os pases desenvolvidos e as elites das naes subdesenvolvidas dispostas a mudanas e sacrifcios? (LIMA, 1997, p.208). Esses so tipos de perguntas que ainda no foram respondidas e mostram o desenvolvimento sustentvel com um conjunto de solues mitigadoras, sem atingir a raiz do problema.

    O ecodesenvolvimento e o desenvolvimento sustentvel possuem a mesma meta, uma sociedade ecologicamente sustentvel, considerando como base o direito das geraes futuras, o equilbrio dos aspectos ambientais e econmicos e poltica participativa, porm os dois conceitos assumem estratgias de execuo e ideologias diversas (LAYRARGUES, 1997); alguns autores afirmam que a ntida separao entre os dois conceitos se deu quando o desenvolvimento sustentvel passou a ser utilizado pelo setor empresarial, intitulado verde, sobre esses aspectos as principais diferenas ente os conceitos so: no ecodesenvolvimento a atuao do mercado limitada, no desenvolvimento sustentvel a instalao do mercado total.

    Segundo Chaves e Nogueira (2000) as diferenas poltico-ideolgicas e perspectivas de desenvolvimento entre desenvolvimento sustentvel e ecodesenvolvimento que o primeiro baseado no desenvolvimento capitalista industrial, porm de uma forma menos agressiva ao ambiente, adaptada com uma roupagem verde; j o ecodesenvolvimento prope um desenvolvimento diferente, contra a lgica predatria do capital. Entre 1973 e 1986 uma equipe de pesquisadores do CIRED

    Centre International de Recherche sur l'Environement et le Dveloppement e do FIPAD - Fondation Internationale pour un Autre Dveloppement,

  • 25

    define um novo conceito de desenvolvimento chamado sustentado como sendo um novo paradigma de desenvolvimento que integra questes econmicas, sociais, culturais, ecolgica e tecnolgica.

    Sachs (2002) tem um conceito de sustentabilidade mais abrangente o qual apresenta cinco dimenses principais:

    Sustentabilidade social - processo de desenvolvimento que conduz a um padro estvel de crescimento com a distribuio mais eqitativa da renda, assegurando uma significativa melhoria do acesso a bens e servios sociais das grandes massas da populao e seus direitos.

    Sustentabilidade econmica - possvel devido ao fluxo constante de inverses pblicas e privada, alm da alocao e manejo eficientes dos recursos naturais.

    Sustentabilidade ecolgica - o uso mximo do potencial da biodiversidade sem que este se deteriore, aproveitando integralmente a matria-prima disponvel com o mnimo de impacto ambiental, atravs da busca de conservao de energia e recursos, substituir recursos escassos por renovveis ou em abundncia, desenvolver tecnologias capazes de com o mnimo de impacto obter o mximo de eficincia.

    Sustentabilidade geogrfica - busca de uma distribuio mais equilibrada da populao, para que no haja concentrao da populao em reas urbanas, por exemplo, estabelecer unidades de conservao para proteger a diversidade biolgica e ao mesmo tempo, ajudar a populao local a viver melhor.

    Sustentabilidade cultural - fazer com que o conhecimento e a cultura tradicional se adaptem aos processos de modernizao, para que se mantenham sempre em uso, atuais e no se percam no decorrer do tempo.

    De acordo com Sachs (2000; p.29): Uma nova forma de civilizao, fundamentada no aproveitamento sustentvel dos recursos renovveis, no apenas possvel, mas essencial . Ainda hoje milhes de habitantes das florestas e a populao rural lutam por sua subsistncia, na maioria das vezes de maneira criativa, utilizando profundos conhecimentos sobre a dinmica do ambiente natural. muito importante que a sociedade atual transforme este conhecimento adaptado ao ambiente (decodificado e recodificado) pela etnocincia, como um

  • 26

    ponto de partida para uma civilizao que conseguir diminuir a dvida ecolgica e social com o passar dos anos at que essa inexista (SACHS, 2000).

    Portanto, tendo como referncia as definies de sustentabilidade acima descritas, verifica-se que a posio defendida por Sachs (2002) como a que mais se enquadra no sentido de fornecer bases analticas e explicativas para a realizao desta pesquisa, por se referir a sustentabilidade de forma mais abrangente que outros autores e por dimensionar aspectos de total relevncia para esta pesquisa.

    1.2 Design: pressupostos tericos e conceitos

    Segundo Denis (2000) a palavra design tem origem inglesa e significa idia, desgnio, inteno, arranjo, estrutura; sua origem mais antiga latim, designare, a qual pode significar tanto desenhar como designar. Muitos autores j discutiram o conceito de design, porm, at hoje no se tem um definido. Abs et al (2003) justifica este fato destacando o design como um novo campo do conhecimento que ainda est procura de delimitar sua rea de atuao e descobrir o limite de seus conhecimentos, sendo assim, muitas vezes o design se confunde com outras atividades projetuais como engenharia, arquitetura ou com atividades que geram produtos fsicos, como: artesanato, artes plsticas; porm, so apenas atividades limtrofes.

    De acordo com a conceituao tradicional a diferena entre o design e o artesanato que na atividade de design se projeta um artefato para ser fabricado por outras mos, de preferncia destinado a uma produo em srie por meios mecnicos (DENIS, 2000). Neste mesmo sentido Villas Boas diferencia design de arte ao afirmar: Design realizado para a produo, reproduzvel e efetivamente reproduzido a partir de um original, tendo como fim a persuaso e a venda, do contrrio uma pea nica circunscrita ao campo da arte (ABS et al, 2003, P.52).

    Para um projeto ser considerado de design ele tem que ter finalidade, se no, no h motivo para ele existir, assim o designer deve considerar em seu projeto a causa material, e formal eficientes para ter um resultado. Segundo Abs et al (2003) o designer no tem estilo, ele resolve de maneira lgica, todos os problemas atravs da escolha da matria-prima mais

  • 27

    apropriada, tcnicas mais justas, faz testes, leva em conta fatores psicolgicos, custos e cada funo isoladamente. O designer em seu projeto deve considerar a tecnologia de fabricao, resistncia dos materiais durante o processo de fabricao e utilizao pelo usurio, atendimento aos requisitos ergonmicos de conforto, segurana para o usurio, aspectos mercadolgicos de diferenciao em relao aos produtos similares, considerando as questes estticas (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p.157).

    Couto e Oliveira (1999) apresentam um conceito de design mais abrangente e de acordo com a atividade desenvolvida pelos designers atualmente, a qual pode ser tomada como referncia para esta pesquisa: conceitua-se design como a tecnologia projetual que objetiva o desenvolvimento de produtos, com uma configurao definida, para produo em pequena ou grande srie, considerando questes de uso, significao, desempenho, funcionamento, custo, produo, comercializao, mercado, qualidade formal e esttica, impacto ambiental, urbano e ecolgico (COUTO e OLIVEIRA, 1999, p.170).

    Ao longo do tempo o designer j foi visto de diferentes formas, segundo Niemeyer (1998) esse processo pode ser dividido em 3 funes:

    1. Artfice - Para ele, o importante era a atividade artstica; 2. Inventor - Valorizava a produtividade e a atualizao de tecnologia; 3. Coordenador - Exercia a funo de integrar diferentes especialistas, desde a especificao da matria-prima, produo at utilizao e destino final do produto.

    Apesar de no haver uma data exata para o surgimento da atividade, sabe-se que a palavra designer foi publicada pela primeira vez no Oxford English Dictionary no sculo XVII e s passou ser de uso corrente, referindo-se a profisso, no sculo XIX; quando surgiu na Inglaterra e depois em outros pases da Europa um considervel nmero de trabalhadores que se intitulavam designers, a maioria trabalhava na indstria txtil desenvolvendo estamparias (DENIS, 2000). Considera-se o nascimento da atividade de design o perodo da primeira Revoluo Industrial, sendo exatamente o momento em que a concepo e produo de um artefato eram feitos pela mesma pessoa, para o momento visvel da separao entre quem projeta e quem fabrica; os primeiros designers eram operrios que faziam parte do processo produtivo, chamados profissionais do ofcio, estes eram promovidos por sua experincia ou habilidade e passavam a controlar a produo e conceber produtos (DENIS, 2000).

  • 28

    A forma de atuao do designer foi se moldando de acordo com os movimentos histricos e sociais. No incio este profissional reduzia a forma do objeto a sua funo e eficcia tcnica, chamado de esttica industrial. A renovao dessas formas entrou no processo da moda com a finalidade de aumentar as vendas e acelerar a produo, surgindo em 1919 o movimento chamado Bauhaus, no qual as formas eram inspiradas em um rigoroso funcionalismo e na utilizao de novos materiais (COUTO e OLIVEIRA, 1999). Os anos 50 foram marcados pela ostentao, neste perodo surgia a classe mdia na Europa e nos EUA e uma elite urbana no Brasil, esta classe se diferenciava das mais pobres, expressando sua diviso hierrquica atravs dos produtos. Neste momento o designer saiu do anonimato das fbricas e se transformou em profissional liberal, projetando artefatos (no geral de uso domstico ou pessoal) de qualidade, conforto, luxo e elegncia, mas, especialmente que fossem a identidade social da pessoa, exaltando a esttica, no a funcionalidade (DENIS, 2000).

    Contraditoriamente nas dcadas de 40 e 50 os designers brasileiros tiveram que mudar o foco da elite para atingir um pblico maior e descobriram como fazer design para a populao que se encontrava na periferia do sistema. Assim, iniciou-se a busca por um design brasileiro, o qual deveria ter caractersticas da cultura e materiais do Brasil, ao contrrio do design que era feito com referncias de outros pases (DENIS, 2000).

    Neste perodo alguns designers desenvolveram mveis demonstrando como seria este design e a partir da outros comearam a utilizar formas e materiais ligados identidade e cultura local, porm, nesse primeiro momento os produtos no atingiram as classes mais baixas; s a partir de 1960 Geraldo Barros e Michel Arnoult projetaram peas com identidade brasileira que pudessem ser produzidas em srie e ter um custo mais baixo, conceito utilizado at hoje por muitos designers (DENIS, 2000).

    No fim da dcada de 60 as preocupaes com o meio ambiente, a contra-cultura e a autonomia poltica dos pases em desenvolvimento, contriburam para a formao de uma nova conscincia do papel do designer no mundo. O que possibilitou o desencadear de discusses na rea sobre ecologia humana, estratgias tecnolgicas alternativas e responsabilidade social deste profissional. Esses temas foram amplamente abordados nos livros: Design for the Real World, 1971, de Papanek e Small is Beautiful, de Schumacher, 1973 (DENIS, 2000).

  • 29

    Para Papanek o designer deveria estar ligado aos grandes desafios humanos e ambientais do mundo moderno, indo contra ao consumismo desenfreado, explorao ecolgica e o elitismo profissional; propondo o foco do profissional na soluo de problemas sociais, abrindo mo at de seus direitos intelectuais sobre os projetos. Assim, foi incorporada no Brasil a idia de importar uma poltica tecnolgica direcionada para o uso de materiais e mo-de-obra locais, respeitando as condies existentes de aplicao e dependendo de baixo custo de investimento (DENIS, 2000).

    De acordo com Denis (2000) em 1969 o Internacional Council of Societies of Industrial Design- ICSID, aconselhou os designers a darem prioridade qualidade de vida ao invs da quantidade de produo, surgindo o design ambiental ou ecodesign, atravs do qual os designers tm mostrado uma grande conscincia sobre as questes ecolgicas e adotado boas solues para o processo produtivo industrial e projetual.

    Os primeiros projetos neste sentido surgiram na dcada de 60 e propunham a rejeio ao consumismo e boicote s grandes empresas, surgindo projetos do tipo faa voc mesmo , porm esta estratgia no foi bem sucedida, pois, no atingiu a maior parte da populao. A partir da dcada de 80, as novas discusses ambientais trouxeram a proposta do consumo de produtos ecolgicos ou verdes , pelos quais o consumidor estava disposto a pagar mais por

    produtos menos poluentes ou fabricados com padres ambientais avanados, esse segmento de mercado gerou vrias oportunidades para os designers na criao de novos produtos e embalagens direcionados para o consumidor ecologicamente correto (DENIS, 2000).

    Segundo Denis (2000) desde a dcada de 90 se percebeu que o consumismo desenfreado seria insustentvel a longo e mdio prazo, que alguns recursos naturais j estavam se esgotando e provavelmente no existiria tecnologia para reverter esta situao. A partir desta constatao o design de sistemas e gesto da qualidade tm sido de extrema importncia para projetar o uso mais eficiente dos recursos atravs do planejamento do consumo e da eliminao do desperdcio.

    Para o designer atuante na indstria, passou a ser primordial aperfeioar o sistema de reciclagem e reaproveitamento para evitar o acmulo de materiais no degradveis e o uso indiscriminado de matrias-primas, projetar produtos j pensando no seu descarte e reutilizao de novas peas; neste sentido o designer deve pensar no ciclo de vida do produto projetado e criar solues que facilitem trs fatores (DENIS, 2000):

  • 30

    1. Uso de materiais no poluentes e de baixo consumo de energia. 2. Criao de produtos eficientes e de fcil manuteno. 3. Produtos com possibilidade de reutilizao e reciclagem aps descarte.

    O ensino formal do design foi implementado no Brasil em 1960, desde ento o setor design tem exercido o seu papel no Estado como instituio de ensino e prestador de servio, com fim desenvolvimentista. Em 1996, foi criado o Programa Brasileiro de Design - PBD, filiado ao Ministrio da Indstria, Comrcio e Turismo, assim, verificou-se a criao de programas estaduais de promoo do design com inteno de usar esta atividade como estratgia para agregar valor produo industrial no Brasil; a finalidade era aumentar a competitividade dos produtos nacionais para exportao, mostrando uma identidade nacional forte (DENIS, 2000).

    Em 1980 surgiram as primeiras experincias no chamado design social , mas, pouco relevantes; s com a nova gerao de designers se alcanou um design mais popular que atingiu as massas criando uma tradio nacional desta atividade. Desde o final da dcada de 80 houve um grande crescimento no campo do design no Brasil, com atuao em reas diversas. Na dcada de 60 os possveis clientes para os designers eram grandes empresas estatais ou multinacionais, na atualidade este mercado se estende micro e pequenas empresas, associaes e sociedades comunitrias, organizaes no governamentais, fundaes e outras entidades, alguns designers tem se envolvido diretamente com o comrcio e outras atividades empresariais e ainda h muita possibilidade de novos nichos mercadolgicos (DENIS, 2000).

    No Quadro 01, tem-se de forma resumida os perodos que mais influenciaram a atividade de design e o resultado dessa influncia nas caractersticas dos produtos. Facilitando a compreenso geral da evoluo do design.

    Perodo Caracterstica dos

    Produtos Objetivo

    1 Revoluo Industrial

    Funo e eficcia tcnica

    Facilitar produo

  • 31

    Sec. XX / Dec. 20 Funo e novos

    materiais Incentivar o consumo

    Sec. XX / Dec. 50 Esttica Ostentao

    Sec. XX / Dec. 60 Identidade nacional Atingir classes mais baixas

    Sec. XX / Dec. 70 Social e ecolgico Combater o consumo desenfreado,

    a explorao ambiental e os problemas sociais

    Sec. XX / Dec. 80 Ecodesign Incentivar o consumo de produtos

    ecolgicos

    Sec. XX / Dec. 90 Design de sistema e gesto da qualidade

    Uso mais eficiente dos recursos

    Quadro 01. A influncia dos movimentos histricos e sociais na atividade de Design. Fonte: Pesquisadora.

    1.3 Artesanato: definies e histrico

    De acordo com o Conselho Mundial de Artesanato (apud SEBRAE, 2004) artesanato primeiramente uma atividade econmica, pois, diferente do artista que produz com o objetivo de expressar anseios particulares, o arteso produz com o objetivo de vender, produzindo em pequenas sries, procurando conquistar o cliente, desta forma ele est sujeito ao mercado. O Conselho tambm divide o artesanato em categorias:

    Artesanato Indgena - Todo objeto produzido em comunidade indgena por seus prprios membros, geralmente coletivamente e incorporado no cotidiano, no sendo apenas uma expresso particular do autor.

    Artesanato Tradicional - Conjunto de artefatos mais expressivos da cultura de um determinado grupo, representativo das suas tradies, porm incorporado a sua

  • 32

    vida cotidiana. Sua produo de origem familiar ou de pequenos grupos de vizinhana.

    Artesanato de Referncia Cultural - Produtos caracterizados pela incorporao de elementos culturais tradicionais da regio onde so produzidos. So em geral resultados de uma interveno planejada de artistas e designers, em parceria com os artesos, com o objetivo de diversificar os produtos e preservar seus traos culturais mais representativos.

    Artesanato Conceitual - Objetos produzidos por pessoas com alguma formao artstica, geralmente de origem urbana. A inovao o elemento principal que diferencia este artesanato de outras categorias.

    De acordo com as caractersticas descritas acima, de forma geral o artesanato pode ser classificado como no Quadro 02.

    Categoria do Artesanato

    Caracterstica Tipo de Produo

    Expresso da cultura Indgena

    Incorporado no cotidiano

    Coletiva (comunidade)

    Expresso da tradio Tradicional

    Incorporado no cotidiano

    Coletiva (familiar/vizinhana)

    Interveno de artista ou designer

    De Referncia Cultural

    Insero de elementos culturais

    Coletiva (grupo) / individual

    Feito por um artista Conceitual

    Origem urbana

    Individual

    Quadro 02. Categorias do artesanato. Fonte: Pesquisadora.

  • 33

    A caracterstica mais forte da atividade artesanal a identidade cultural, por utilizar elementos que remetem ao seu grupo social, seja pelo uso de tcnicas ou materiais tpicos da regio, ou pelo uso de elementos simblicos. A auto-estima e a valorizao cultural tambm esto presentes na atividade, pois atravs dela, a origem do arteso passada de gerao em gerao, dando sentido ao artesanato e indicando para o arteso o seu lugar no mundo. Esta atividade tambm pode trazer muitos benefcios sociais, buscando a realizao pessoal, motivao e produo, promove a insero da mulher e do adolescente em atividades produtivas, desestimula a prtica de atividades ilegais e fixa o arteso no seu local de origem (SEBRAE, 2004).

    De acordo com o SEBRAE (2004), o artesanato no Amazonas mesmo tendo disposio um ambiente rico em biodiversidade, etnodiversidades e matria-prima em quantidade, geralmente no consegue se adequar ao mercado, pois, enfrenta problemas de estrutura (falta de informao, problemas com a comercializao) e tecnologia de produto (falta de conhecimento tcnico-cientfico em relao ao beneficiamento da matria-prima e tecnologias apropriadas).

    Em relao a esta questo, Bezerra (2005) afirma que a qualidade dos produtos muitas vezes prejudicada pela falta de conhecimento tcnico-cientfico do arteso em como beneficiar e armazenar a matria-prima, que aliado ao conhecimento tradicional influenciaria na melhoria da qualidade dos produtos. Outros problemas como produtos desconfortveis ao usurio e principalmente a descaracterizao da identidade cultural so constantemente encontrados no artesanato local; as peas muitas vezes so marcadas pela ausncia de caractersticas regionais, utilizao de elementos de fora do local (Mickey, escudos de time), substituio da matria-prima local por produtos industrializados, resultando em produtos repetitivos e com baixo valor de mercado.

    Vilela (2005) destaca o problema da comercializao, que se torna difcil primeiramente pela grande extenso da regio e o acesso s comunidades, gerando o problema de logstica. Em adio os produtos muitas vezes no facilitam o transporte por serem muito pesados ou de grandes dimenses e no possurem embalagem adequada; a falta de conhecimento do arteso sobre mercado, normas, regulamentos e barreiras tcnicas, aliadas

  • 34

    a falta de experincia nos tramites burocrticos tambm so obstculos para a comercializao direta do artesanato para os mercados nacional e internacional.

    Bezerra (2005) destaca a desvalorizao da atividade no mercado local, que faz com que os artesos vendam seus produtos a preos que no cobrem o custo de produo ou at pelo sistema de troca, conhecido como aviamento; gerando uma baixa auto-estima nos produtores, no melhorando a qualidade vida da populao e contribuindo para perda de identidade cultural j que, os mais jovens preferem seguir outra profisso, pois no acreditam no potencial de gerao de renda do artesanato, assim, os antigos artesos deixam de transmitir seus conhecimento para as novas geraes.

    Vilela (2005) afirma que a falta de organizao do setor muitas vezes ocasionada pela falta de unio dos artesos e os vrios conflitos internos existentes; o que incentiva o individualismo e dificulta o associativismo, mantendo a atividade frgil e sem gerar contribuies para a comunidade em geral.

    Percebe-se que apesar do artesanato enfrentar inmeros problemas, esta atividade se mostra uma manifestao comum dentro das comunidades e capaz de gerar renda de forma mais justa, valorizando a cultura local, facilitando o acesso aos bens e servios sociais, fazendo do arteso um cidado e trazendo desenvolvimento regional.

    1.4 Design e sustentabilidade

    Os movimentos ocorridos na rea do design, sempre sofreram influncia dos movimentos histricos e sociais, desta forma, os debates sobre sustentabilidade, modificaram o modo de atuar do designer, o qual passou a inserir em seus projetos questes ambientais, sociais e ticas. A seguir ser descrita a evoluo do design no contexto ambiental, a fim de se entender o atual papel deste profissional na sociedade e quais suas possveis contribuies para a sustentabilidade.

    Fuad-Luke (2006) inicia o debate colocando a insero das questes ambientais na atividade do design como uma necessidade surgida ao longo do debate sobre desenvolvimento

  • 35

    sustentvel. A partir deste momento muitas definies como: Design de Produtos Sustentveis (Sutainable Design Products-SDP), foram adotadas pela necessidade dos designers reconhecerem no s os impactos ambientais de sua atividade, mas tambm o impacto tico e social.

    O mesmo autor descreve esse processo histrico do design com referncia na sustentabilidade anterior a revoluo industrial, quando muitas culturas j se preocupavam com este tipo de interferncia. Bons produtos como mveis e utenslios costumavam ser produzidos localmente por artesos que utilizavam com satisfao os recursos disponveis no local. Com a insero de maquinrio nas reas rurais, um grande nmero de trabalhadores deslocou-se para os grandes centros urbanos, em busca de emprego nas indstrias.

    Os fundadores do movimento Art and Craft, um Movimento Esttico Social surgido na Inglaterra, na segunda metade do sculo XIX (1850-1914), logo notaram a degradao ambiental ocasionada pelas novas indstrias, ento passaram a defender o artesanato criativo como alternativa mecanizao e produo em massa. A produo em massa de produtos de baixa qualidade e seus conseqentes danos ambientais levaram busca de novos mtodos combinando reduo de impacto e aumento da produo. Porm, por razes sociais e tcnicas, este movimento atingiu apenas uma pequena parte da sociedade (FUAD-LUKE, 2006).

    Para Fuad-Luke (2006) este modo de pensar influenciou os modernistas, os quais iniciaram novos movimentos de arte, determinando que a forma dos objetos deveria ser reduzida sua funo e padronizaram formas simples facilitando a produo em massa de produtos com qualidade, durveis, preos acessveis; este movimento sim, atingiu a sociedade e contribuiu para a reforma social.

    Em 1929, surgem os primeiros designers a utilizar a binica em seus projetos. A binica uma tcnica de design com uma abordagem holstica, a qual extrai os modelos de componentes dentro dos sistemas existentes na prpria natureza para aplicao em seus produtos; dessa forma, os designers propunham produtos com o mximo de benefcios para a humanidade e o uso mnimo de materiais e energia (FUAD-LUKE, 2006).

    Ainda sobre a evoluo histrica do design e sustentabilidade, Fuad-Luke (2006) afirma que de 1945 at a metade de 1950, grande parte da Europa sofreu a escassez de materiais e suplementos de energia. Este evento incentivou a racionalizao do design, que

  • 36

    pode ser descrito pelo termo menos mais . Quanto a este tema Manzini (1993) acrescenta que as tendncias ambientais levam ao lema menos matria, menos energia e mais informao, mostrando a necessidade de elaborar uma cultura ecolgica capaz de resolver no s os problemas mais evidentes da quantidade, como tambm os dilemas mais sutis da qualidade, pois necessrio orientar a evoluo dos materiais em direo a equilbrios aceitveis entre o ambiente artificial e as leis da natureza a que estamos vinculados.

    De acordo com Fuad-Luke (2006) o movimento hippie de 1960, questionou o consumismo e levantou vrios temas de retorno natureza, inspirado no modo de vida e nas habitaes dos nmades. Neste perodo surgiram publicaes como o livro de design Do-it-yourself

    e The Whole Earth Catalogue , livros de pesquisa sobre ferramentas e dicas de auto-suficincia. Aps esse perodo surgem as tecnologias alternativas, que incentivaram a aplicao de nveis apropriados de tecnologia para o atendimento s necessidades bsicas como: gua potvel, saneamento bsico, energia e alimentao para os pases em desenvolvimento. Esse movimento incentivou jovens designers europeus, os quais experimentaram novas formas de utilizar materiais reciclados e verificaram alternativas para novos sistemas de produo e venda.

    Em 1971 surgiram os primeiros rumores sobre uma crise energtica, em 1974 a crise se concretizou com o rpido aumento do preo do barril de petrleo. A partir deste acontecimento designers e engenheiros comearam a desenvolver produtos que consumiam menos energia e menos dependentes de combustveis fsseis, resultando na primeira tentativa racional de verificar a vida til dos produtos e as conseqncias das suas necessidades energticas. Surge assim, a anlise de ciclo de vida (ACV), um processo utilizado para analisar os impactos ambientais de um produto, desde sua produo at o fim de sua vida; o qual passa pelas seguintes fases: produo, transporte, distribuio, embalagem, uso, descarte, reaproveitamento ou reciclagem (FUAD-LUKE, 2006).

    Kazazian (2005) complementa o autor acima descrevendo melhor o processo de ACV, para ele, a poluio gerada pela empresa em stios de produo geograficamente delimitada, neste sentido o produto pode ser considerado como um poluidor nmade. A cada ciclo de vida (extrao da matria-prima, fabricao, distribuio, utilizao, valorizao), fluxos de entrada (matrias e energia) e de sada (resduos, emisses lquidas e gasosas) produzem impactos negativos sobre o meio ambiente em diferentes lugares do planeta. Identificar esses

  • 37

    impactos constitui a base para qualquer preveno e melhora dos modos de concepo e consumo dos bens. O mtodo de anlise do Ciclo de Vida (ACV) permite avaliar quantitativa e qualitativamente esses impactos em um ciclo de vida inteiro, quer se trate de um produto ou de um servio.

    No contexto ambiental Kazazian (2005) e Fuad-Luke (2006) ressaltam a atuao do designer Victor Papanek, que em 1971 publicou o livro Design for a Real World , um texto premonitrio em relao s preocupaes dos designers e indstrias interessados na ecologia, no qual incita os designers a enfrentar os problemas sociais ao seu redor ao invs de agir apenas por interesses comerciais; o autor acreditava que estes poderiam proporcionar solues para sistemas e produtos com a finalidade de uso coletivo ou em comunidades, utilizando o simples e as tecnologias apropriadas (FUAD-LUKE, 2006). Papanek defendeu um design centrado no homem, na ecologia e na tica e destaca a responsabilidade moral do design, que convida sabedoria diante de sua produo e prope a inspirao na experincia de outros pases (notadamente aqueles em desenvolvimento), para melhor atender s necessidades bsicas dos seres humanos e sua relao com o design (KAZAZIAN, 2005).

    Fuad-Luke (2006) levanta a questo sobre as leis ambientais, segundo o autor em 1980 alguns fatores melhoraram a legislao ambiental. O grande nmero de publicaes sobre conscincia ambiental incentivou a competio do setor privado e tornou os consumidores ecologicamente corretos em uma fora visvel. Designers e indstrias tomaram para si a tarefa de produzir produtos ambientalmente amigveis , porm, muitas vezes designers e empresas utilizavam esse rtulo como uma estratgia de marketing verde para aumentar as vendas, sem que os produtos realmente trouxessem algum benefcio para o ambiente. Diante destes fatos, a legislao ambiental se tornou mais rigorosa, as regulamentaes aumentaram, principalmente em relao s informaes contidas nos rtulos quanto a classificao energtica e de eco-produto, assim como os padres de manejo ambiental.

    Neste mesmo perodo, 1980, alguns designers, combinaram as caractersticas do ps-modernismo com o uso de materiais de baixo impacto ambiental, componentes reciclados ou reaproveitados. Em 1991, Dorothy McKenzie, publicou o livro Green Design , descrevendo iniciativas individuais de designers e abordou os reais impactos dos produtos no meio ambiente (FUAD-LUKE, 2006).

  • 38

    Nesta mesma linha de atuao, Fuad-Luke (2006) descreve que no ano de 1990, em Netherland, a empresa Philips eletrnicos, o governo da Holanda e a Universidade de TU Delf, colaboraram para o desenvolvimento de uma anlise de ciclo de vida que poderia ser amplamente utilizada por todos os designers, principalmente os que trabalhavam no setor industrial. O resultado desta interao foi a criao de um programa que cria eco-indicadores para medir os impactos globais de um produto; este programa foi rapidamente aceito e hoje existem dez diferentes tipos, os quais podem ajudar os designers a minimizar os impactos ambientais de seus projetos desde a produo at o fim da vida.

    Kazazian (2005) insere preocupaes em relao s conseqncias do consumo em massa. Para o autor a curta felicidade material proposta s sociedades ocidentais depois da Segunda Guerra Mundial teve conseqncias considerveis sobre o meio ambiente e qualidade de vida, presente e futura. A Terra j se encontra enfraquecida para satisfazer s necessidades de menos de um bilho de seres humanos. H mais de uma dcada, grandes pases como a China e a ndia adotam os princpios da sociedade de mercado; em um futuro muito prximo haver trs bilhes de novos consumidores, sendo muito difcil satisfaz-los sem por em perigo a humanidade inteira.

    Esse verdadeiro desafio planetrio exige uma evoluo maior: a passagem progressiva de uma sociedade de consumo para uma sociedade dita de uso. Para Kazazian (2005) a soluo de grande parte dos bens materiais uma nova maneira de concepo: passar do produto ao servio implica a redefinio dos objetos. Os bens produzidos pelas empresas so as clulas-tronco do planeta consumo , assim, a empresa um dos principais elos da cadeia da mudana que poderia aprimorar esses produtos, oferecendo alternativas para aqueles que o concebem, financiam, produzem, distribuem e por fim para aqueles que os utilizam.

    De acordo com Kazazian (2005) a empresa a maior responsvel por esta evoluo, pois representa a escala mais eficiente para a introduo de mudanas fundamentais nas modalidades de consumo; reformar as ferramentas de mercado que so o marketing e o design em prol de um desenvolvimento sustentvel permitiria superar uma primeira etapa, que na atualidade parece ambiciosa demais, quer se olhe para a massa de consumidores, quer se escolha todo o sistema econmico. Obviamente poucas empresas adotaram ou vo adotar essa abordagem a no ser que obrigadas por regulamentao, por seus acionistas, pela sensibilidade do mercado, por imperativos da comunicao ou por todos esses elementos ao

  • 39

    mesmo tempo. Todavia a empresa poderia estar na origem de uma profunda mutao que teria por finalidade uma economia leve.

    Kazazian (2005) tambm transfere parte da responsabilidade para os designers ao afirmar que os objetos do cotidiano devem mudar radicalmente; no se trata de produzir menos, mas, imaginar objetos eficientes de simples uso: ampliar a oferta de produtos que respeitem o meio ambiente e seduzir para que essa evoluo seja fcil. A sociedade precisa dar um enorme salto criativo, isso dever acontecer por meio de objetos concebidos para tecer um novo vnculo entre o homem e a natureza.

    Manzini & Meroni (2009) concordam com o autor ao declarar que o design encontra o tema de transio em direo sustentabilidade, de modo potencial e frtil; cada vez mais evidente a necessidade de mudana de estilos de vida e dos modelos produtivos para reduzir o impacto ambiental. No entanto no to evidente que esta mudana deva ser do tipo radical e sistmico. necessria uma transformao no s na esfera tecnolgica, mas, sobretudo, na esfera social, nos comportamentos, nos hbitos e modos de viver. necessrio aprender a viver melhor, consumindo menos e regenerando o tecido social.

    Para Manzini & Meroni (2009) uma forma mais suave de alcanar este objetivo estabelecer um conceito sistmico de qualidade territorial (no s os produtos, mas tambm os processos e as relaes) com o conceito de comunicao orientada a favorecer as redes locais (entre produtores, consumidores e entre si), pode gerar solues promissoras em termos de sustentabilidade. Esta abordagem equivale a propor uma viso estratgica da sustentabilidade, na qual se consideram as intervenes de natureza tcnica sobre os materiais, as fontes energticas e a logstica; em conjunto com aes projetuais orientadas ao modo de viver, consumir e produzir, que atendam a um perfil de qualidade de experincia (as emoes, o prazer no uso de um bem ou servio) e de valor (as escolhas ticas e crticas).

    Fuad-Luke (2006) resume a discusso colocando o trabalho dos designers como uma grande mudana nesta dcada, pois este profissional tem tentado encontrar diferentes maneiras para atender as necessidades do consumidor, criando produtos, servios e sistemas que tenham menor impacto ambiental do que os produtos de aquisio individual. Uma maneira mais sustentvel de design de produo e consumo depende de uma mudana de comportamento dos consumidores e estilos de vida, neste contexto produtos podem ajudar neste caminho.

  • 40

    O atual desafio para o design no sculo XXI evitar ou minimizar os impactos negativos de todos os produtos no meio ambiente, tornando-os ao mesmo tempo, uma necessidade e uma oportunidade para guiar os debates sobre modelos de produo e concepo mais sustentveis, sem esquecer de interagir com o poder poltico e comercial (FUAD-LUKE, 2006).

    1.5 Design e artesanato: a busca de uma esttica brasileira

    Moraes (2009) inicia o debate identificando as transformaes determinantes para a consolidao do fenmeno da globalizao ocorridas a partir das ltimas dcadas do sculo XX, essas transformaes trouxeram grande impacto para a atividade de design. Desse perodo em diante, as mudanas resultantes da formao de uma sociedade ps-industrial e ps-moderna, denominada era do conhecimento e da informao, deram origem introduo de novos conceitos na atividade de design, diferente do modelo linear e previsvel seguido at ento, regido somente pela lgica moderna. Essas alteraes ampliaram a maneira de pensar e de fazer design, de forma nunca acontecida antes na histria.

    Estrada (2002b) afirma que a globalizao interferiu diretamente na forma de conceber e produzir; para se ter uma produo em larga escala e atingir o maior nmero de mercados possveis, foi necessrio excluir as grandes diferenas formais dos produtos, havendo uma homogeneizao dos mesmos. A autora ainda acrescenta a supervalorizao dos produtos importados, especialmente os italianos, por serem considerados elementos de modernidade e cultura (ESTRADA, 2004).

    Estrada (2002b) insere a questo econmica na influncia da produo brasileira no incio do sculo XXI, quando as taxas de cmbio aumentaram consideravelmente os valores dos produtos importados, desta maneira a aceitao dos distribuidores e consumidores brasileiros por peas cones do design internacional diminuiu; resultando na busca por produtos projetados e produzidos no Brasil. Em adio, o mercado mundial saturado por produtos homogeneizados, passa a buscar produtos diferenciados, baseados na diversidade de outras culturas. O mercado internacional passou a valorizar principalmente os produtos

  • 41

    originrios de pases em desenvolvimento, principalmente os que conseguiam transformar as suas singularidades em uma linguagem universal.

    Contribuindo com este processo o grande aumento da demanda por produtos autctones e valorizao da arte e tcnicas regionais, em especial os com referencial histrico local materializado em forma de artefato, ocorrido no incio do sculo XXI. Ocorre em paralelo o ressurgimento do artesanato como meio de produo possvel e de linguagem prpria, a demonstrar que tudo isso, ao mesmo tempo, completa e contrape a relao local-global instituda pelo processo de globalizao (MORAES, 2009).

    Segundo a autora acima citada, so exatamente essas caractersticas que proporcionaro ao mercado tecnicamente e esteticamente massificado, novos ordenamentos tipolgicos para os produtos industriais e de igual forma novos conceitos e novas possibilidades de uso e consumo. Toda essa realidade exige de produtores e designers do sculo XXI uma nova postura na concepo dos artefatos e produtos-servios, para ampliar o foco das atividades do projeto para a cultura projetual, da tecnologia para a cultura tecnolgica, e da produo para a cultura produtiva.

    Estrada (2002b) atribui a este fato, o crescimento do apelo local e global por novas expresses, solues inovadoras que tragam renovao produo industrial em todo o mundo e destaca este momento como uma oportunidade para o design brasileiro encontrar um caminho para afirmar sua forte identidade. O design brasileiro passa a ser referncia no Brasil e no mundo, tornando-se uma ferramenta para a competitividade e incentivo produtividade. Para tal os designers buscam uma esttica brasileira e encontraram na interao entre a indstria e o artesanato, o ponto de partida e de expresso para as suas criaes. O encontro destas duas vertentes opostas, no geral resgata o fazer artesanal em uma produo em larga escala; a esse processo se convencionou chamar de cara Brasil (ESTRADA, 2004).

    Estrada (2004) comenta sobre o design de cara brasileira , o qual passa a influenciar alguns designers internacionais e se destaca pelas expresses de liberdade, diversidade, exuberncia, ingenuidade das tradies locais. Este novo design representa de forma contempornea, a fuso dos mltiplos elementos culturais que j influenciaram o Brasil, j incorporados ao imaginrio coletivo; esta a principal e mais valorizada caracterstica da cultura brasileira, a qual pode ser chamada mestiagem criativa . A mestiagem absorve elementos de fora e vai com isso transformando o conjunto que recebe essas aquisies, neste

  • 42

    momento de globalizao, a mestiagem brasileira a resposta mais complexa e bem sucedida de resistncia ao domnio cultural de um s pas ou regio do planeta.

    Segundo a mesma autora, o conhecimento da prpria cultura e a percepo do fazer arcaico, popular o ponto de partida para aproximar o fazer artesanal do industrial e criar um novo repertrio de objetos que traduza e identifique sua procedncia. importante observar as matrias-primas naturais disponveis no local (madeira, fibra, papel, couro, borracha) e a tradio do seu uso, de mais de dois mil anos de forma criativa. O artesanato em todo mundo voltou a ser valorizado, mas, a proposta no um retorno ao fazer artesanal e sim, encontrar uma esttica brasileira e universal, atravs do caminho que passa pela recuperao e utilizao do artesanato.

    De acordo com Estrada (2002a) este exatamente o momento em que o design e o artesanato se interceptam, concomitante ao incentivo a projetos de estmulo revitalizao e atualizao do artesanato brasileiro, comea assim a ocorrer interao entre o design e o artesanato. Muito do que hoje est sendo recuperado vem pelas mos do designer, um trabalho que redescobre o antigo fazer artesanal e o orienta, sem interferir na sua expresso original, no sentido de torn-lo adequado ao mercado.

    Crocco (2000) levanta a questo econmica da atividade e destaca o papel do artesanato na economia dos pases em desenvolvimento como uma questo de interesse mundial. Na Amrica Latina, em particular, so marcantes as experincias que tm a finalidade de viabilizar o artesanato como fonte de renda para as comunidades que o desenvolvem, procura-se dar maior visibilidade produo artesanal, revalorizando-a de maneira a resgatar tradies por vezes esquecidas ou abandonadas.

    Os projetos para o resgate e valorizao do artesanato que aconteceram no Brasil no incio do sculo XXI, segundo Crocco (2000), ressaltam a importncia socioeconmica e cultural do artesanato, reconhecendo-o como elemento ativo na sociedade. O objetivo destes projetos tornar a produo artesanal economicamente vivel e atraente comercialmente; s possvel com a contribuio de instituies de apoio e empresas que comercializarem e divulguem este tipo de produto. Estes projetos destacam-se pelas propostas de resgate de tcnicas, oferecendo ao arteso, entre outros suportes, assistncia em design para desenvolvimento de produtos, visando preservao de valores criativos e artsticos tradicionais e contemporneos de cada regio.

  • 43

    Estrada (2004) adiciona discusso o papel da indstria neste processo. Atualmente as referncias locais, o projeto global, definem um novo produto que permitir diversificar o mercado e transformar o produto homogeneizado, resultado da globalizao. Antes se exportava matria-prima e mo-de-obra. O valor agregado, o produto sendo exportado com a prpria marca local resultado do investimento no design, no produto com caractersticas peculiares, como do design brasileiro. Neste momento o discurso desloca-se para o papel da indstria e o uso dos materiais, essa grande fora em que est se transformando o design brasileiro comea a encontrar respaldo na indstria; por desejo ou necessidade, as empresas capacitam seus parques industriais e abrem portas ainda cautelosas ao profissional brasileiro.

    Estrada (2002a) resume todo este processo como um grande encontro entre o design e o artesanato, o qual se destaca pelas contribuies e transformaes ocorridas nas duas reas. O design brasileiro que antes era uma cpia dos produtos europeus e sem muita representatividade e o artesanato que era considerado pobre e sem expresso; passam a uma criao com liberdade, diversidade e qualidade; qualidade no sentido de inovao do conceito, na forma, na escolha de materiais e tecnologia, qualidade de execuo, respeito ao ambiente e, o mais atual, ateno s razes culturais do prprio pas ou regio; definindo uma esttica brasileira para o mundo.

    1.5.1 Caractersticas e modos da atuao do design junto ao artesanato

    Entendendo o processo de interao ocorrido entre o design e o artesanato, faz-se necessrio explanar sobre a maneira como o designer trabalha para a melhoria do artesanato, para tal, Estrada (2007) define o design brasileiro de raiz artesanal como o design baseado nas culturas ou fazeres populares locais. Com este trabalho o designer pode agregar valor s peas, mesmo utilizando materiais bsicos (muitas vezes j utilizados pelo arteso) como: cones da cultura, local e trabalho em grupo, alm de favorecer a unio das comunidades e conservar a tradio local. Este profissional tambm recria com o olhar para o presente e para o mercado, a partir de tcnicas do artesanato tradicional, estimula o uso do material existente no local e o uso de elementos do entorno para criar desenhos e formas.

  • 44

    De acordo com Diederichsen (2003), o designer tem seu papel na valorizao do artesanato desde a escolha da matria-prima at a criao de linhas de produtos, passando pela organizao da produo, uso de tcnicas artesanais, resgate de valores tradicionais e culturais. Este profissional tambm deve se preocupar com a criao de grupos de trabalho, assim como a importncia da inovao e racionalizao do produto artesanal.

    Diederichsen (2003) tambm afirma que o designer a ponte entre o produto e o mercado, portanto deve mostrar ao arteso a necessidade de se conhecer mercados e formas de comercializao e como adequar seus produtos ao mercado pretendido; como ponte entre o arteso e consumidor deve mostrar ao arteso a potencialidade do artesanato brasileiro no mercado nacional e internacional.

    Segundo Bezerra (2005) o designer deve ser um facilitador da criatividade, deve trabalhar em parceria com o arteso, o incentivando e deixando que ele desenvolva suas prprias idias, para que no se sinta dependente dele e nem inseguro ou incapaz de produzir novas peas. O designer deve atuar nos seguintes pontos:

    Fazer do artesanato um meio de gerar renda.

    Promover a integrao das comunidades por meio de associao.

    Resgatar a auto-estima e melhorar a qualidade vida dos artesos.

    Resgatar as tradies populares locais da produo de artesanatos.

    Conscientizar o produtor para um desenvolvimento sustentvel.

    Propor alternativas de carter sustentvel.

    Esclarecer as dvidas dos artesos.

    Mostrar como o mercado de artesanato est localizado fora do seu universo.

    Criar equipes de responsabilidades.

    Conhecer limites e responsabilidades.

    Contribuir com idias diferenciadas de forma a agregar valor ao produto artesanal.

    Conhecer a matria prima regional e ampliar leque de aplicabilidade

    Propor parceria entre o capital intelectual do designer e a habilidade do arteso.

  • 45

    O designer um profissional com conhecimento tcnico-cientfico capacitado a atender s necessidades do artesanato, gerando solues atravs da aplicao dos conhecimentos tcnicos, mercadolgicos, produtivos e sociais e direcionando a prtica da atividade para que tome como referncia o respeito pelo ambiente; de modo que essa associao entre tcnico e produtor tradicional possa resultar na melhoria da qualidade de vida do arteso e do ambiente (BEZERRA, 2005).

    Uma reflexo sobre design baseado na valorizao de produtos atravs da promoo de recursos locais torna-se um instrumento possvel de atuao do designer nos dias atuais. Para Moraes (2009) ao se permitir a interferncia do design em todas as fases do processo produtivo, e no s na fase final por meio da insero de elementos formais e estticos, h uma contribuio para o significativo aumento do valor agregado do produto ao longo da cadeia produtiva. Sabe-se que vrios atributos antes tidos como secundrios, hoje passam a ser primrios; por exemplo, o valor de estima, os fatores emotivos, estticos e psicolgicos, a qualidade percebida, a certificao de origem e o reconhecimento da comunidade e do territrio onde se produz, so fatores determinantes e fortes diferenciais competitivos.

    Moraes (2009) destaca o fato dos designers terem, a capacidade de integrar redes possveis e de promover conexes distintas, ou seja, de relacionar todos os aspectos materiais e imateriais, o servio distribuio e logstica, a imagem e a comunicao com o mercado, os habilita a reconhecer e unir valores e transform-los em inovaes. A viso do design tradicional orientado principalmente para o desenvolvimento de produtos fsicos, se amplia para o design aplicado ao sistema de produo e ao sistema de consumo, que incluem produtos, servios e comunicao de forma conjunta.

    Santucci (1999) amplia a atuao do designer afirmando que este profissional pode contribuir para a abertura de novos mercados para os produtos artesanais, respeitando a cultura de cada local e a criatividade de seus profissionais; alm de associar cidades inteiras em regies rurais, transformando-se numa grande opo para o consumidor, que procura cada vez mais o novo no antigo, o moderno no bsico, a qualidade e a criatividade no trabalho manual at como padro de tendncia para a prpria indstria. importante que o designer alm de colaborar para o resgate da memria, divulgue e viabilize a comercializao da produo dos artesos e os coloque em contato com outros mercados e outras realidades, para enriquec-los abrindo novos campos de trabalho.

  • 46

    O mesmo autor tambm sublinha a forma como o designer atua junto ao arteso, afirmando que na maioria das vezes o designer atua mais como um filtro do que como uma interferncia; preferindo avaliar e selecionar os produtos mais interessantes para o mercado; sugerir a substituio de algum material por outro, orientar na adaptao das medidas do produto; sempre em conjunto com a comunidade trabalhada. Estrada (2002a) complementa este idia destacando que a interao entre designer e arteso, envolve questes fundamentais de postura e metodologia projetual, sobre a premissa de lidar com o fazer artesanal, agregar valor, dialogando com uma cultura diversa, e chegar s mo de quem a produz.

    Para se chegar a sugestes de melhoria necessrio que se faam vrias pesquisas junto aos artesos, no seu local de produo e em outras localidades, onde esto os profissionais que mais se destacam na rea do produto a ser desenvolvido. Os produtos podem ser avaliados segundo critrios estticos e qualitativos, considerando a originalidade da criao e a capacidade de produo das comunidades