IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS Andre...Isso, daí ela fica de manhã (a filha de 13 anos), arruma...
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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
08 a 10 de junho de 2016
GT12: Gênero, cuidados e uso do tempo.
Uso do tempo, cuidados e trabalho doméstico-familiar: percepções das
mulheres beneficiárias sobre as condicionalidadesdo Programa Bolsa
Família
Nayara André Damião¹
Jorge Rafael Ramirez²
Cássia Maria Carloto³
¹mestranda em Serviço Social e Política Social – UEL
²mestrando em Serviço Social e Política Social – UEL
³docente do departamento de Serviço Social – UEL
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IV SIMPÓSIO GÊNERO E POLÍTICAS PÚBLICAS GT12: Gênero, cuidados e uso do tempo
Uso do tempo, cuidados e trabalho doméstico-familiar: percepções das mulheres
beneficiárias sobre as condicionalidadesdo Programa Bolsa Família
Nayara André Damião1
Jorge Rafael Ramirez2
Cassia Maria Carloto3
Resumo: O presente artigo tem como proposta debater o uso do tempo das mulheres
beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), analisando a relação existente entre as
condicionalidades do PBF e as possibilidades e obstáculos para a construção da autonomia
das titulares do programa. Nesta pesquisa, a categoria tempo tem sido desenvolvida para dar
conta da integração entre trabalho remunerado e não remunerado, pois possibilita a
visualização das atividades que integram o trabalho doméstico familiar e o cálculo do volume
da carga total de trabalho. Assim, pode-se cumprir o objetivo de analisar o tempo gasto pelas
mulheres nas atividades não mercadorizáveis. Nesse sentido, este estudo tem como base uma
pesquisa qualitativa realizada em 2014 em Londrina e Presidente Prudente, dois municípios
de grande porte do interior do Paraná e São Paulo respectivamente, a fim de verificar junto às
beneficiárias do PBF em Londrina e Presidente Prudente como se caracteriza a rotina de
cuidados doméstico familiar segundo o parâmetro das condicionalidades do PBF: atividades
relativas à educação e saúde, e também às condicionalidades relacionadas à Assistência
Social. Para embasar as análises, foram utilizadas referências acerca do uso do tempo,
trabalho não remunerado doméstico familiar e relações de gênero. Os principais autores
utilizados nesse estudo são Rosário Aguirre, Ruben Lo Voulo, Ramón Ramos Torres, Cristina
Carrasco, Irma Arriagada e Guillermo Sunkel.
Palavras-chaves: Uso do tempo; cuidados; trabalho doméstico familiar; Programa Bolsa
Família.
1 Mestranda em Serviço Social e Política Social, Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail:
[email protected] 2 Mestrando em Serviço Social e Política Social, Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail:
[email protected] 3 Docente do departamento de Serviço Social, Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail:
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Introdução
A categoria uso do tempo relacionado às atividades que envolvem os
cuidados domésticos familiares é um bom indicador para aferir autonomia e empoderamento
das mulheres titulares de programas de transferência de renda. O exercício da autonomia está
intrinsecamente relacionado ao poder: ambos só podem ser exercidos quando as condições
individuais, coletivas, sociais e econômicas permitem fazer e concretizar escolhas.
Nesta pesquisa a categoria tempo tem sido desenvolvida para dar conta da
integração entre trabalho remunerado e não remunerado, pois facilita a visualização das
atividades que integram o trabalho doméstico familiar e o cálculo do volume da carga total de
trabalho, com objetivo de analisar o tempo gasto pelas mulheres nas atividades não
mercadorizáveis.
Nesse sentido, foi realizado um grupo focal com objetivo de verificar junto
às beneficiárias do PBF em Londrina e Presidente Prudente como se caracteriza a rotina de
cuidado doméstico familiar segundo o parâmetro das condicionalidades do PBF: atividades
relativas à educação e saúde, e também a relação às condicionalidades relacionadas à
Assistência Social.
Uso do tempo, cuidados e trabalho doméstico-familiar
A categoria tempo tem sido desenvolvida para dar conta da integração entre
trabalho remunerado e não remunerado, pois facilita a visualização das atividades que
integram o trabalho doméstico familiar e o cálculo do volume da carga total de trabalho,
permitindo desagregar uma grande quantidade de atividades.
A ideia central, conforme Aguirre (2009 p.29), é que para o trabalho ser
valorizado em todas as suas formas, deve-se contar com registros de atividade que deem conta
de sua existência, o que não tem acontecido, pois parte importante dos estudos econômicos
segue centrada no trabalho para o mercado. O trabalho não remunerado familiar, quando
considerado, é analisado de forma separada.
Uma investigação de Ramón Ramos Torres (2007), sobre o emprego do
tempo dedicado ao trabalho doméstico e cuidado das crianças, mostra como este está
fortemente moralizado, imbuído da ideia de bom e mal dever, concluindo que o tempo
também é recurso moral. O autor discutindo as variantes do tempo como recurso, cita o tempo
doado como aquele que é oferecido ao outro por considerações morais e afetiva, associado ao
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tempo da mãe, tempo dedicado ao trabalho doméstico e aos cuidados, que tem uma marca de
gênero porque é realizado fundamentalmente pelas mulheres.
O tempo doado tem a ver com as expectativas de reciprocidade de quem
recebe os cuidados, podendo aparecer tensões no circuito. O autor comenta também a
associação desse tempo com um sacrifício quase místico que reconhece duas versões, uma
vinculada a um sacrifício inerente à maternidade sem receber nem esperar nada e outra como
sacrifício que recebe e outro vinculado ao não querer perder nada do processo de crescimento
dos filhos.
A questão do tempo gasto pelas mulheres nas atividades não
mercadorizáveis, ou trabalho de cuidados domésticos familiares também é abordada nas
reflexões de Carrasco. Chama a atenção para uma característica desse trabalho que é não ser
linear, pois segue o ciclo da vida, intensificando-se quando se trata de cuidar de pessoas
dependentes: crianças, pessoas idosas ou doentes. Outra característica lembrada pela autora é
que os tempos de cuidados diretos são mais rígidos no sentido que não podem ser agrupados e
muitos deles exigem horários e jornadas bastante fixos e, em consequência, apresentam
maiores dificuldades de combinação com outras atividades. É só lembrarmos-nos dos horários
das unidades básicas de saúde, da escola das crianças e dificuldade das mulheres que
trabalham fora do lar.
Para Carrasco (2012 p. 43) a dimensão tempo como parte da dicotomia
público/privado, apresenta algumas características particulares. Só é valorizado, em nossa
sociedade, o tempo mercantilizável, aquele que se transforma em dinheiro e corresponde ao
tempo público. Mas há outro tipo de tempo, que existe à sombra da economia: o tempo
gerador da reprodução que mais que tempo medido e pago, “é tempo vivido, dedicado e
gerado, com um componente dificilmente quantificável e que incorpora aspectos intangíveis,
representados pela subjetividade da própria pessoa, materializados na experiência vivida”
(idem).
Carrasco aponta uma questão, que nos interessa particularmente quando se
pretende abordar o uso do tempo das mulheres para administrar as condicionalidades exigidas
pelo PBF, qual seja, que não se trata apenas de quantificar as horas gastas, pois o
gerenciamento de atividades na esfera dos cuidados doméstico-familiar vai além de uma
simples organização de horários. Como pontua a autora é um gerenciamento de tempo,
responsabilidades, afetos, emoções, redes, trabalho e lazer, participação, todos os elementos
difíceis de classificar em espaços separados.
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Percepções das mulheres beneficiárias sobre as condicionalidades do Programa Bolsa
Família
Os principais procedimentos de coleta de dados para conhecer as atividades
desenvolvidas pelas mulheres no espaço doméstico, voltados principalmente ao cuidado das
crianças tendo como referencia as condicionalidades do PBF, foram um grupo focal
desenvolvido em Londrina e entrevista4 em com três mulheres de Presidente Prudente.
Com esses instrumentos, procuramos conhecer as atividades desempenhadas
pelas mulheres relativas à educação e saúde, condicionalidades do PBF, e também a relação
com o CRAS, tendo como parâmetro a condicionalidade relacionada à Assistência Social. As
participantes foram convidadas pela psicóloga de um CRAS de Londrina e por uma assistente
social de um CRAS de Presidente Prudente. O critério foi o de serem beneficiárias do PBF. A
escolha deste CRAS foi por atender um território de alta vulnerabilidade e risco social. As
questões norteadoras aplicadas ao grupo em Londrina numa única sessão com 12 participantes
e em Presidente Prudente com as três mulheres que compareceram foram relativas às
atividades que desempenhavam para corresponder às condicionalidades do Programa Bolsa
Família, divididas em três blocos: atividades que envolvem a educação, atividades relativas à
saúde, e por fim a assistência social.
Iniciamos o grupo focal pedindo que as mulheres contassem sobre a rotina
diária com as crianças a partir do momento que acordavam de manhã. As atividades para
manter uma criança na escola não se resumem a levá-la e buscá-la, envolvem uma série de
tarefas voltadas à alimentação, ao preparo de material escolar e uniforme, a orientar as tarefas
escolares, a participar das reuniões de pais, a convencer as crianças a irem à escola como
relatado pelas mulheres no grupo. E todas essas atividades são desenvolvidas sem ajuda de
companheiros/maridos, às vezes contam com as filhas e netas.
Isso, daí ela fica de manhã (a filha de 13 anos), arruma o almoço pra esse
que chega de manhã, estuda de manhã almoçar, pros dois ir depois a tarde
pra escola, porque senão.
Havia nesse grupo uma mulher/avó responsável pelos cuidados dos netos.
Como já vimos em pesquisas anteriores, entre as famílias pobres, beneficiárias do PBF, há um
grande número de avós se responsabilizando pelos netos: “O meu é um neto (...) aí ele... eu
que levo ele né... na escola.”.
4Em Presidente Prudente apenas três mulheres compareceram no dia de aplicação do grupo focal, por isso
estamos denominando apenas de entrevistas.
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Em relação à alimentação, essa tem inicio no café da manhã, há o almoço,
um pequeno lanche à tarde e a janta. Como as escolas funcionam em tempo parcial, manhã ou
tarde, todas as crianças têm que almoçar em casa. Como comentou uma das mulheres, uma
rotina que impõem horários rígidos, principalmente o horário do almoço: “Tem que ter hora
certa né, senão atrasa eles...”.
O fato da escola não ser em período integral é um grande obstáculo às
possibilidades de trabalho assalariados destas mulheres. Além de ter que estarem disponível
no meio do dia, para poder buscar ou levar as crianças, muitas relataram que os filhos/as estão
em turnos diferentes; um a tarde e outro de manhã, e muitas vezes em escolas distintas em
locais distintos.
As mulheres relatam problemas relacionados à segurança no bairro, o que as
fazem sentirem-se culpadas e preocupadas quando não podem levar as crianças à escola.
Eu acho que era bom sempre a gente acompanhar as crianças lá... lá e
trazer, porque hoje em dia não dá pra confiar muito não.
Perigo... Porque esses dias a menina ia indo pra escola sozinha, um cara foi
seguindo elae ela ficou com medo, porque ela foi sozinha, aí.
Quando o aluno chegava no ponto de ônibus os meninos começavam passar
apelido nele, chamavam ele de magrelo. Teve um menino que oferecia ate
droga para ele. Tinha que arrumar alguém para buscar ele quando saía da
escola.
Nosso modelo de ensino na maioria das vezes separa em prédios distintos
em locais distintos e às vezes muito distantes entre si, a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio. Assim essas mães gastam muito tempo nesses deslocamentos;
não há também transporte escolar público disponibilizado para levar e buscar as
crianças/adolescentes.
Porque a gente tem que deixar tudo ali pra ir lá levar, depois a tarde tem
que buscar né, eu mesma tenho que ir lá, quando não é eu é a outra neta que
busca né... o menino... agora a outra vem sozinha.
Ah, no meu caso, pra mim... eu quase não tenho tempo né... que eu trabalho
três dias na semana... então de manhã eu até levo, agora buscar... não tenho
condições de buscar né.
A escola é longe de casa né, a dificuldade pra levar e buscar.
Há também o problema da falta de vagas na escola do bairro, como atesta o
próximo relato:
Quando eu vim de Marília (município de São Paulo há duas horas de
Londrina), foi uma dificuldade pra achar vaga aqui, eles queriam mandar lá
pro outro lado, e eu não tinha como levar lá a pé e voltar... buscar, levar e
era horário que eles queriam botar ela de manhã e ele a tarde. Foi uma
briga, a gente teve que ir no... eu fui no núcleo, fui na secretaria, fui em
vários lugares pra poder conseguir pôr no (inaudível), foi difícil, muito
difícil, eles ficaram um mês sem aula, porque não tinha vaga.
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Outra tarefa relatada é o preparo do uniforme, que tem que estar limpo. O
material escolar é outro item que demanda trabalho e tempo para ser organizado.
Material, almoço, uniforme...(tem que ser organizado) o meu é desse jeito...
tênis, que tem que tá tudo em ordem senão não vai.
Ai, o meu é difícil viu?
Até meia... lá em casa até a meia a mãe dele tem que...
A supervisão e acompanhamento da elaboração das tarefas escolares é uma
atividade que envolve além de tempo muitas preocupações: “Se não ajudar, eles não fazem.
Sozinhos, geralmente eles deixam pra depois e acabam não fazendo.".
As entrevistadas relatam dificuldades associadas a pouca escolaridade e
falta de conhecimento para ajudar os/as filhas nas tarefas escolares. Uma das participantes,
avó, relatou que voltou a estudar para poder ajudar os netos nas tarefas escolares.
Se a dificuldade com as crianças menores é levar e buscar na escola, a
dificuldade com o filho adolescente que se recusa a ir para a escola é que mais provoca
sofrimento. A preocupação e sofrimento estão relacionados não só a possibilidade de perda do
beneficio - PBF, mas também ao fato destas mulheres entenderem que os estudos é que
podem contribuir para um futuro melhor aos seus filhos/as.
Porque a gente fala, que a gente não tá pensando em Bolsa Família, que ele
ajuda, porque a gente fala assim: não filho vai pra escola, pra aquele Bolsa
Família comprar um par de tênis pra você, ou uma blusa, entendeu?
Incentiva um pouco sim, e então nessa parte não pode reclamar, mas falar
que só vem por causa disso? não é. Porque tem gente que às vezes pensa
que a gente manda os filhos pra escola, só interessado nisso, Entendeu?! E
aí acha que a gente não vai atrás pra saber de uma nota, de uma falta, nada
vê, a gente vai sim.
As falas nessa questão são sempre dúbias, ao mesmo tempo, que querem
mostrar que independentemente do benefício as crianças tem que ir para a escola, elas tem
muito medo de perder e usam isso para convencer as crianças: “vai perder o benefício, vai ser
um dinheiro a menos, quando perdeu o benefício na minha casa foi uma lei do castigo, não
foi na escola, foi aquela coisa...".
Aqui podemos constatar que há uma sobrecarga emocional para as mães,
pois tem que lidar com todo tipo de problema, para não perder o benefício, que na maioria das
vezes não é sua responsabilidade e sim das políticas públicas, como os exemplos vistos nestes
depoimentos: a falta de vaga, a distancia da escola, a não adaptação da criança à escola, a
postura de diretores e professores, o modelo de ensino que não leva em conta as
características do capital humano/simbólico dessas famílias e crianças.
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Então, da minha parte, essa parte não tem, falar 'não, você vai, senão vai
perder', porque a escola exige, né? Desde que a criança não tiver doente,
não pode faltar né? No máximo dois dias falta, três eles já ligam
perguntando se a criança tá doente, por que não foi, se faltar mais um dia
eles levam a criança no Conselho, aí o Conselho vem, então pra não
dificultar mais a vida da gente, a gente já fala: 'tem que continuar indo na
escola', porque daí a mulher já com o Conselho daí... do Conselho já
encaminha lá pro Fórum, aí já vão cobrar da gente.
Essa fala nos remete a questão da necessidade de exigências de
condicionalidades para o recebimento do benefício, quando a própria legislação impõe como
obrigação da família a frequência no ensino formal, com penalidades para quem não cumpre.
As falas abaixo mostram mais uma carência que deveria ser suprida se
tivéssemos um modelo de escola em período integral, que desse apoio pedagógico às tarefas
escolares. Essas mulheres, algumas analfabetas ou com pouco estudo não conseguem dar
conta de ajudar os filhos e netos:
Às vezes eu tinha dificuldade em ensinar tarefa daí, porque sabe... eu tinha
feito só o primeiro ano, eu voltei a estudar, falei: 'vou voltar a estudar', daí
o povo olhou na minha cara, começou a tirar sarro, lá na minha casa,
porque fui estudar depois de velha, aí eu entrei pra fazer supletivo, aí eu
ajudo a (fala os nomes dos netos), mas eu chego assim, só é neto pra fazer
tarefa sabe, ajudo o (neto) também, que é meio devagar, então voltei a
estudar pra mim ajudar na tarefa, porque os maiores, vai chegando um
tempo, eles não querem ajudar os mais novos não, viu.
Sinto também essa dificuldade, tenho pouco estudo.
É, porque meus pais sempre morou em sítio né, aí pra levar na escola era
muito distante, e quando ia na escola e a professora via que ia chover, não
ia. Então, poucas vezes a gente foi na escola, eu vim estudar aqui em
Londrina já era adulta, aí como você vai numa escola de adulto com
criança, né?
O meu menino fala que... como diz... usar as palavras certas... 'você é burra,
você não estudou', mas aí que é burra, se você não estudar hoje, você vai ser
chamada de burra o resto da vida.
Ah, seria perfeito né? (o ensino em período integral) Imagina, eles ficarem...
ficar o dia inteiro lá... (todas falam juntas) a gente ia poder trabalhar, não
ia ter preocupação de pagar alguém pra cuidar, ia ser ótimo.
Aí não compensa, nem compensa, você vai trabalhar pra você ganhar menos
da metade, você vai trabalhar o dia todo pra ganhar trezentos reais e nem...
vai que você tem que pagar pra você ir, e tem que comer, tem tudo, acaba
pagando pra trabalhar, ainda deixa eles com uma pessoa que você nem sabe
se vai olhar direito, se vai cuidar, se vai.
É a maior dificuldade pras mães.
Gente nova, têm muitas mães falando sobre isso. Eu já deixei meus filhos
muito sozinhos, deixei meus filhos sozinhos com sete anos e a marmitinha de
comida enrolada num pano... preso dentro de casa, preso, trancado pra ir
trabalhar.
A implantação de escolas em período integral, medida apoiada pelas
entrevistadas, consiste em uma proposta urgente para a socialização das atividades de cuidado
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entre famílias e Estado, o que permitiria que as mulheres, principalmente as mais pobres,
pudessem ter tempo para seu desenvolvimento pessoal e profissional, possibilitando sua
inserção no mercado de trabalho e autonomia econômica.
Neste debate foram relatados também o sofrimento e preocupação com o
modo como os/as filhos são tratados na escola.
Uma menina foi com shortinho aqui [curto]. O diretor: Eh, o que você veio
fazer aqui? Eles não tem educação com a crianças, eu estou falando porque
eu vi. Eles dizem: manda cala boca, gritando como se fosse uma vagabunda.
E eu olhei assim, falei: mas meu Deus! Se eu chego e estivesse falando com
um filho meu, aí a gente é errada, né?! Oh, meus filhos depois que vieram
para essa escola (X), nenhum se adaptou.
Aonde já se viu o diretor, xingou meu filho de vagabundo, etc, falou um
monte de coisa para um adolescente de 17 anos, você pode falar isso?! Não
teve aquela reunião com um monte de juiz,não sei o que? Eu fui. A hora que
o juiz perguntou: vocês têm alguma coisa pra falar? Eu ergui minha mão, e
falei eu tenho. Eu queria saber se o diretor tem o direito de apelidar os
alunos no meio da sala. Ele ficou branco [referindo-se ao diretor]. Ele não
mandou eu pro Fórum, mas eu fui. Aí você sabe que o diretor falou. Ele
olhou na cara do meu filho e falou assim: você não precisa vir mais para
escola, porque você não vai passar de ano.Ele já não queria estudar mesmo
naquela escola. Ele ajudou, não ajudou?! Meu menino não esta estudando
mais.Ai fez o projeto, aí que deu uma melhorada.
Com certeza, não estou falando que meu filho é santo, porque cada mãe
conhece o filho que têm, mas você e o professor tem que dar educação.
Porque, se você quer respeito comigo vou te respeitar. Quantas vezes eu
falava: meu filho pelo amor de Deus, ora antes de entrar na escola, a hora
que você ver o diretor da escola(X), você vira a cara, você não olha para
ele, parecia que era uma coisa. Ele entrava dentro da sala, levanta e sai.
Meu pai e minha mãe me deram muita educação, porque senão já tinha
quebrado a cara daquele diretor. Ele faz isso porque sabe, que a gente
recebe bolsa família.
As entrevistadas de Presidente Prudente relatam que há um tratamento
diferenciado, mais rigoroso, desrespeitoso e racista com as crianças e adolescentes do PBF.
[...] é direto criança ficando de castigo. Qualquer coisinha ficam não sei
quantas horas naquele corredor de castigo.
[o diretor] mandou meu filho tomar naquele lugar; chamaram meu filho de
macaco. Ai fui lá, falei: chama meu filho de macaco.
Ele falou pra mim assim: seu filho saiu da escola porque quis. Bati boca
com ele. Olha para mim, eu estava aqui, eu vi você falando com meu filho,
que não precisava mais vir pra escola. Onde já se viu o diretor falar isso.
Você tem que incentivar as crianças para estar vindo na escola.
É uma trabalheira toda... fiz... fiz segurança com os meninos tudo de
menor... só que eu fui no Conselho Tutelar, falei com o doutor que eu
trabalhava de segurança por mês porque... aí foi onde que a assistente
social falou: 'porque que você trabalha a noite?' Falei mas como... como
você quer que eu viva? É o serviço, a renda que entra dentro da minha
casa... Meus filhos foi criado sozinho... por isso que lá na minha casa o de
quinze e o de treze são bem responsáveis, limpam, eles lavam, eles passam,
eles cozinham, se eu chegar a ficar doente eu não tenho preocupação, eles
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sabem fazem tudo, eu ensinei todo mundo, um cuida do outro lá em casa,
todo mundo sabe fazer as coisas, cuidam da de sete anos, leva na escola,
leva na igreja, é assim... tive essa precisão, sabe.
Como vimos em pesquisa anterior são os adolescentes do sexo masculino os
que mais deixam de frequentar a escola. Algumas das razões estão relacionadas ao fato destes
adolescentes não terem conseguido avançar nas séries e agora já com 15 e 16 anos
frequentarem turmas com idades bem abaixo das suas, o que provoca grande desestimulo. Em
função, também, do modelo de avaliação escolar, muitos avançam as séries sem conseguir
dominar habilidades ou pré-requisitos da série em que se encontram. Relatam a falta de vagas
como uma das dificuldades em manter os adolescentes na escola.
O meu também não, porque já é adolescente né?! 15 anos. Mas é difícil
porque você fala filho vai pra escola né?! Ai pra ajudar tem um diretor que
não gostava dele [filho], ai ajudou distanciar da escola..
A fala abaixo mostra uma das causas da desistência de adolescentes na
escola. Eles não vêm sentido em continuar na escola, pois a mesma não acrescenta nada as
possibilidades de melhorar as condições de vida, ao contrário do trabalho que aparece como
uma alternativa imediata que melhoraria a vida.
A educação esta sendo a maior dificuldade, até hoje. A escola não colabora.
A escola de hoje em dia não presta não. A gente manda porque eu falo, se eu
pudesse eu pegava minha filha de 17 anos e colocava para trabalhar, mas se
eu fizer isso, vai em todo mundo cima de mim, porque o ensino mesmo você
vê que não está dando mais nada. Você vai na escola, é igual ela falou, você
vê o jeito do diretor/ diretora.
Algumas mulheres relataram que isso é o que mais causa mais preocupação
e o que dá mais trabalho. Ficam preocupadas em saber se os filhos adolescentes foram para a
escola, se permaneceram na escola.
Gastam/usam também tempo para resolver conflitos com as crianças e
adolescentes na escola.
Gasto muito tempo, às vezes ele( o filho) se envolvem em briga, porque o
meu menino tem problema na fala, aí o colega da sala caçoava dele, ai era
só briga. Ai eu era chamada, eu e ele.
Eu fui chamada uma vez só, ai expliquei, porque minha filha estava com
problema de infecção na urina?! Ai foi que aconteceu a falta. Por isso eu
perdi o BF esse mês.
A escola é muito barulhenta, quando aluno chegava no ponto de ônibus os
meninos começavam passar apelido nele, chamavam ele de magrelo. Teve
um menino que oferecia ate droga para ele. Tinha que arrumar alguém para
buscar ele quando saía da escola.
Tem meu netinho aí, que ele não quer... tem vez que ele não quer ir pra aula,
por causa dos outros ficarem falando Tem hora que ele chega chorar.
Eu passei pelo Centrinho, mas eu fiz só um ano. Porque a menina pegou
uma professora lá (indignação). Eu acho que ela não tinha capacidade para
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ensinar outra pessoa. Ela era muito estupida. Um dia minha menina
esqueceu o caderno ela foi com uma estupida, falei não: diante de mim você
não vai fazer isso não. Ai eu tirei.
A participação em reuniões da escola também foi lembrada, como uma
atividade que envolve a educação escolar dos/as filhos/as. Estas reuniões ocorrem em dias de
semana no período da tarde ou manhã, o que faz com quem muitas vezes as que trabalham
tenham que faltar. Como a maioria consiste em diaristas em serviços domésticos, elas não
recebem naquele dia.
Mesmo não estando diretamente relacionadas à educação escolar, uma das
ações lembradas é conversar com as crianças. Isso nos remete aos comentários de Carrasco
sobre a dimensão afetiva que envolve os cuidados. Nessa mesma direção, ensinar as crianças
a rezar/orar e ler a bíblia também foram assinaladas como uma ações das mães.
No segundo bloco de discussão, sobre a saúde, pôde-se perceber que os
cuidados com a saúde das crianças é uma das atividades que mais gasta tempo e energia das
mulheres, o que mais provoca estresse e preocupação. Sãos as seguintes, as principais queixas
das mulheres:
- Tempo de espera para serem atendidas nas unidades básicas de saúde e
hospitais;
- Tempo de espera para conseguir uma consulta, principalmente nas
especialidades:
As especialidades também, porque o meu filho não tem um testículo na bolsa
e faz quatro anos... porque já fez uma cirurgia da fimose, que ele fez e não
fizeram no testículo que precisava, aí o testículo... eles colocaram no lugar,
subiu de novo aí ele vai pro... vai pro HC, aí o HC manda pro posto de
novo, o posto manda pro Cismepar, o Cismepar manda pro posto de novo, o
posto manda pro HC, o HC mandou pra endocrinologista.
- A idas e vindas aos diferentes serviços para conseguirem atendimento para
as crianças, muitas vezes em outros bairros, o que ocasiona mais gastos com transporte, e
faltas ao trabalho assalariado;
Fica difícil, igual aconteceu no meu caso. O meu menino passou mal, muita
febre, aí levantei de manhã e fui no posto. E com aquela 'febrona', tossindo,
tossindo demais, tava doendo até a barriga. Cheguei no posto, a moça falou:
'ah, o médico não vai poder atender ele, porque... você não agendou, se você
quiser que ele te atende, é só sexta feira e hoje é segunda, ele vai poder
atender só você na sexta feira e vai ter uma vaga pra ele ser atendido'. Aí eu
falei: 'agora eu vou perder o dia no serviço'... aí o que eu fiz: peguei, voltei
em casa, coloquei outra roupa, peguei dinheiro e fui levar lá no PAI, que é
no centro, lá perto do terminal central. Consultou lá, pegou remédio,
remédio pra febre, remédio pra tosse, perdi meu dia de serviço.
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É, eu tive que pagar ônibus pra mim e pra ele, que ele já paga o ônibus né,
eles já cobram, então... já teve que pagar o ônibus pra mim ir e ele, depois
voltar de novo e eu perdi o dia daí de serviço, porque não tem como
trabalhar, eu não ia deixar ele com febre, tossindo, pra consultar na sexta
feira?
- O tempo de espera para marcar uma consulta na UBS do bairro;
Muitas vezes não tem pediatra ali, você vê que eles encaminham pra outros
lugares, e quando você não tem condição de ir, você vai sair com a criança
a pé e vai chegar lá no centro a pé?
Às vezes até tem, mas aí você vai né, e elas falam: 'ai, mas ele não pode
atender...', encaminha você pra outro lugar, mesmo quando tem.
- A demora para conseguir marcar e fazer exames laboratoriais. Essa é a
queixa mais comentada pelas mulheres:
Exame mesmo, demora seis, oito meses, a pessoa já vai morrer se deixar.
É os exames... os exames demoram muito tempo. Ela precisa fazer exame de
vista e o do nariz, que ela ronca muito, aí só o ano que vem que ela vai
fazer. Se ela tiver algum problema na vista, ela vai tá cega até o ano que
vem!
Além de um tempo demasiado longo para acessar os serviços de saúde, há
gasto extra com transporte quando têm que procurar atendimentos longe de seus bairros de
origem, penalizando ainda mais as beneficiárias do programa.
As contrapartidas exigidas pelo PBF no campo da saúde são as mais
tranquilas, inclusive porque vacinar sempre foi feito pelas mães independentemente das
condicionalidades. O que não faziam com frequência e passaram a fazer é pesar as crianças e
fazer o pré-natal.
No terceiro bloco abordamos a contrapartida na assistência social. As
questões norteadoras foram: quanto tempo gastam para tomar as providências em relação à
atualização cadastral e obter informações sobre a situação do benefício; quais dificuldades
encontram?
Na área de assistência social, crianças e adolescentes com até 15 anos em
situação de risco ou retiradas do trabalho infantil pelo Peti (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil), devem participar dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos – SCFV, e obter frequência mínima de 85% da carga horária mensal. Também há
orientações nesse campo que apontam que a família deve manter atualizado o CadÚnico de
dois em dois anos.
Neste item algumas entrevistadas do grupo focal de Londrina relataram
apenas a atualização do cadastro e que não tem problemas com isso, pois as idas aos CRAS
são marcadas com antecedência e elas podem se organizar. Foi relatada também a
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participação em algumas atividades em grupos voltadas às beneficiárias do PBF, dentro dos
CRAS, que elas comparecem.
Para outras entrevistadas, caso de Presidente Prudente, há sim um grande
gasto de tempo, como verificamos nos depoimentos abaixo, quando vão fazer um primeiro
cadastro.
A gente perde tempo fazendo um tipo de cadastro que as vezes nem sai.
Eu vim trazer o documento aqui, pra você ver como é uma burocracia, vim
trazer o documento porque disse que era por causa do cadastro, trouxe tudo
certinho. Ai ficou faltando documento atestado de matricula / vacina e o
comprovante de endereço, já vim mais de 4 vezes trazer esses papéis, não
está faltando documento nenhum, e a menina(funcionária) que me atendeu
entrou de férias. Ai eu falei, já fiquei nervosa. Eu tenho o meu compromisso,
né?! E cadê?!
O que se constata é não haver uma explicação sobre os motivos do não
recebimento do beneficio. Essa decisão ocorre no âmbito federal e nem as técnicas no nível
municipal tem conhecimento das causas da não aprovação do cadastro para recebimento de
benefício. A justificativa dada às usuárias é a famosa “a culpa é do sistema”.
No último bloco de questões perguntamos no que elas gastam mais tempo e
se gastam mais tempo agora por causa das condicionalidades do que antes de entrar no PBF.
Com isso, pretendíamos aferir o impacto das condicionalidades no tempo gasto pelas
mulheres para administrá-las.
As mulheres de Presidente Prudente nesta questão informam que agora têm
mais responsabilidades. Essas mulheres são mulheres catadoras de material reciclável, com
condições de vida piores que as mulheres de Londrina, o que ajuda na compreensão das falas.
Para as mulheres de Londrina não houve aumento de responsabilidades,
como exemplificado na fala abaixo:
Pra mim não tem diferença, não... porque eles tem que ir, né... se você
deixar eles reprovam de ano, se eles ficarem faltando, então ir na escola... é,
assim, ir ao médico também você tem que levar, é mais a pesagem lá...
pesagem a gente não costumava pesar a criança, só quando vai no médico
mesmo que eles pesam, mas o restante.
A preocupação/sofrimento está relacionada a um tempo que ocupa a mente
o dia todo, e não ao tempo ocupado nas atividades cotidianas da casa e para a família.
Meu tempo é minha mente preocupada.
Meu tempo todo é trabalhando, mais em casa, trabalho de casa e filhos,né?!
A preocupação do dia a dia, porque você esta em casa limpando, fazendo
comida, etc., está preocupada [filhas] estão bem? se estão lá [na escola].
Só a hora que vai dormir, eu levanto de manhã já faço o café e chamo ele, aí
arrumo ele... aí leva lá, volta, faço uma arrumadinha na casa, vou pro
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trabalho, chego em casa tem janta pra fazer, então você vai descansar na
hora de dormir, então você não tem... eu mesma não tenho tempo pra mim.
Abaixo, um relato de uma mulher que exemplifica o papel de cuidadora na
esfera doméstica familiar, detalhando sua rotina. É uma mulher que tem que cuidar dos netos,
para a filha poder trabalhar, e de sua mãe doente. O tempo do cotidiano todo pautado pelo
cuidado da família. Mostra também a importância da rede de apoio familiar e a reciprocidade
que envolve essa rede.
Eu cuido dos meus netos. Oh, a minha responsabilidade! Cuido dos meus
três netos, cuido da minha mãe e cuido do meu filho também. Minha filha
recebe o bolsa família e eu tenho um marido que é alcoólatra, ele não tem
responsabilidade com nada; então eu cuido dos meus netos pra minha filha
trabalhar no lixão pra ela pagar minhas contas. Ai tenho que limpar minha
casa, dar comida para os meus netos, ir correndo limpar casa da minha
mãe, dar comida pra minha mãe, dar remédio pra minha mãe. E eu não
posso ficar doente. Tem meu filho que é preso lá também, olha eu não tenho
nem condições de arrumar serviço pra mim. Então, eu cuido, eu falo
mesmo, eu cuido dos meus netos, para minha filha me sustentar e pagar
minhas contas. E eu agradeço a Deus que eu tenho minha filha, ela veio
morar perto de mim. (grifos nossos).
É notável, principalmente nesta fala, o quanto a vida e o cotidiano das
mulheres é em função do outro de tal maneira que estas não podem se ausentar pois todos
dependem de seus cuidados. Como é possível que essas mulheres possam se
desenvolver,cuidarem e ao menos pensarem em si mesmas, buscar trabalho e autonomia
financeira se passam o dia inteiro em função dos familiares? A mulher, historicamente
destinada aos cuidados doméstico-familiares, sem ter esses cuidados socializados em esfera
microssocial com homens nem em esfera macrossocial com Estado e mercado (AGUIRRE,
2007) são impossibilitadas de alcançarem o mínimo de autonomia, mesmo recebendo este
benefício.
Temos chamado a atenção para o papel das avós nos cuidados intra-
familiares nas famílias pobres. São mulheres que tem que cuidar de filhos, de netos, de
maridos. Já não podemos apenas falar do papel da mulher-mãe mas também da mulher-vó,
sobrecarregada com varias tarefas de cuidados, como vemos no depoimento abaixo.
Eu também ajudo minha filha com neto. Porque ai uma pede, a outra pede, e
a outra acaba pedindo ao mesmo tempo, ai acabo acudindo uma, buscando
na creche, a outra hoje não tem creche, tem que ficar com ela pra minha
filha trabalhar, pra ajudar o marido. E tem vez que fico assim, ai um dia
pego uma muda de roupa pra passar. Eu cheguei um dia, que estava
marcado [cirurgia] eu precisei ficar pras minha meninas, porque não tinha
creche, [ deixou de fazer cirurgia]. Ela precisa porque precisa ajudar o
marido. Eu sou um “olhadeira de neto”. Acaba de ir embora um, o outro
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está chegando. Ai eu olho para cara deles, meu coração corta. Eu não sei
falar não.
De toda essa rotina relatada, o que elas identificam que dá mais trabalho
e preocupação é cuidar dos filhos.
Cuidar das filhas.
Eu acho que é meu filho. Porque olha, estou aqui [fica pensando], onde será
que ele esta. Será que ele está aonde? O de 15 anos. Eu acho que é ele que
me da mais trabalho, mais cuidado, mais preocupação, assim na minha
cabeça é mais ele. E a vida da gente muda tanto, né?!
Trabalho com filho, preocupação enquanto não vejo ele chegar.
Trabalhar às vezes não é tanto, o ruim é quando a criança perde aquela
noção que não quer ir mais pra escola, isso abala toda a estrutura... da mãe
sabe? Fica sem estrutura, sem chão.
A gente faz o papel da gente, ai eles querem cobrar da gente, que eu estou
abandonando meu filho, porque eu preciso trabalhar, tenho que comer.
A última questão do grupo focal foi sobre a concordância das mulheres em
relação à exigência de condicionalidades. Todas concordam que tem que ter, que é uma
obrigação das mães vacinar, manter na escola. Que é uma forma de fazer com que algumas
mães cumpram com suas obrigações, pois nem todas o fazem.
Não, minha parte eu concordo sim, porque é parte né que tem que levar a
criança no médico, pra vacinar e eu acho que é nossa obrigação né, então a
gente tem que assumir essa parte, porque se a gente não levar na escola,
não levar a médico, não levar a nada, oque a gente vai ser? Eu sempre fui
cuidadosa, eu tive sete filhos, meus filhos nunca deixou de ir na escola,
porque eu não quis... toda vida eu mandei meus filhos na escola, se eles hoje
falam: 'ai, eu não quero ir na escola', não é por mim, eu toda vida... eu...
igual eu falei, eu tenho pouco estudo, mas eu... de leitura nem tanto, mas
eu... matemática é comigo mesmo, somar, essas coisas de matemática...
então na minha parte de estudo eu... eu sempre mandei meus filhos na
escola, eu nunca deixei de... falar: 'ah, eu não sei escrever que mãe não
levou', não, minha parte eu fiz, toda vida, toda... eles foram pra escola com
minha vontade, então nessa parte, minha parte eu fiz
Acho que a gente tem que fazer nossa parte né?
Não, eu não discordo, eu acho correto... porque tem muita mãe né, que não
liga pros seus filhos.
Nesse ponto, precisamos compreender como a idealização do papel da
mulher/mãe (e também mulher/mãe/avó) pesa no cotidiano dessas mulheres, impondo certos
tipos de comportamentos tidos como aceitáveis e outros como inaceitáveis – o que faz com
que algumas mulheres que não conseguem dar conta de exercer esse papel da maneira que a
sociedade impõe, são vistas como más mães, irresponsáveis ou relaxadas. É notável que a
maioria das beneficiárias, como as próprias entrevistadas afirmam fazer, já exerciam os
cuidados domésticos familiares relacionados às condicionalidades do PBF antes mesmo de
serem beneficiarias, sem precisar dessa imposição para o fazerem. Entretanto, as mesmas
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mulheres declaram que as condicionalidades são importantes pois “algumas mães não o
fazem”.
Para finalizar essa reflexão, destacamos a afirmação de uma das mulheres
entrevistadas, que parece paradoxal, mas que mostra o quão penoso é o trabalho de cuidados
intra-familiares: “É... quem fica muito dentro de casa fica estressado... fica cansado”.
Conclusão
Como resultado da pesquisa sob a lógica das atividades não mercadorizáveis
das mulheres percebe-se o grande volume de trabalho que envolve a manutenção de crianças
na escola, desde cuidados com alimentação e vestimenta, até cuidados subjetivos e afetivos,
como orações e conversas com as crianças. É importante ressaltar que esses cuidados não são
socializados em nível macro nem microssocial (AGUIRRE, 2007), o que penaliza as mulheres
no sentido de sobrecarregá-las, impedindo o exercício da autonomia. Além disso, é notável
que a falha nos serviços públicos dificulta ainda mais a situação da beneficiária: os serviços
de saúde são distantes, demorados e muitas vezes ineficientes; a escola não é atrativa,
contribuindo para a não permanência do adolescente; o transporte para cumprir as
condicionalidades pesa no orçamento familiar e eleva o gasto de tempo nessas atividades.
Além disso, a preocupação/sofrimento da mulher quanto ao cumprimento
das condicionalidades se caracteriza como um trabalho que ocupa a mente o dia todo, e não
somente durante o tempo desempenhado nas atividades cotidianas domésticas e familiares.
Esse tempo, impossível de contar e que permeia o cotidiano das mulheres é revelado em
sofrimento devido às preocupações com os familiares e com as atividades que são imputadas
a elas. É notável também o papel das avós nos cuidados intra-familiares envolvendo filhos,
netos, maridos. Já não podemos apenas falar do papel da mulher-mãe, mas também da
mulher-vó, sobrecarregada com varias tarefas de cuidados.
Nesse sentido, reafirmamos a necessidade da socialização das atividades de
cuidado com o Estado, que deveria proporcionar às mulheres o mínimo de amparo para que
estas consigam exercer minimamente sua autonomia. Para tanto, são necessárias escolas em
tempo integral suficientes e de qualidade, serviços de saúde e transporte nos territórios,
também suficientes e de qualidade, além das dimensões subjetivas que permeiam esses
processos: a ideia de que as mulheres são as únicas responsáveis e capacitadas para o cuidado
doméstico familiar, bem como a idealização do papel de “mulheres/mães/avós” perfeitas que
consome o tempo e a mente das mulheres.
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Também é preciso refletir sobre a existência de condicionalidades para o
recebimento do benefício: fato que imprime aos pobres a marca da incapacidade de gerir suas
vidas aliado à necessidade de intervenção do Estado para regular sua existência – as mulheres,
historicamente destinadas e socializadas para o ambiente doméstico já exercem e são
responsabilizadas pelo cuidado com os filhos independentemente das condicionalidades do
programa. Da mesma maneira, a existência de condicionalidades, combinada ao
direcionamento da gestão do benefício preferencialmente às mulheres reafirmam os valores
patriarcais e penalizam as mulheres na continuidade do ciclo de aprisionamento na condição
subjugada, inferiorizada e explorada.
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