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IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL” Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5 1763 DA EDUCAÇÃO PARA TODOS À EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA BURGUESA Gesilaine Mucio Ferreira Darlene Novacov Bogatschov Gislaine Aparecida Valadares de Godoy (DFE/UEM) 1 Jani Alves da Silva Moreira 2 Maria Eunice França Volsi (DTP/UEM) 3 Resumo A sociedade burguesa, desde sua constituição até a atualidade, adotou a bandeira da educação para todos como um de seus pilares de sustentação, embora a partir de diferentes enfoques teóricos e práticos. Pautado nestes enfoques, o presente trabalho analisou, numa perspectiva histórica, algumas modificações ocorridas no discurso e na prática educacional burgueses em defesa da educação para todos desde sua origem, no início da modernidade, até a contemporaneidade, no cenário global. A fim de dar conta do proposto, foram investigados três momentos educacionais: a) a educação para todos de caráter dualista, predominante até a primeira metade do século XIX; b) a educação para todos na perspectiva da escola pública e única, a partir da segunda metade do século XIX; e c) a educação para todos na perspectiva da escola inclusiva a partir do final do século XX. Essa análise, de caráter teórico, fundamentouse na leitura e na compreensão do pensamento educacional de alguns clássicos da modernidade e da contemporaneidade, de documentos de agências internacionais sobre educação e de publicações que versam acerca do período histórico e da temática delimitados nesta pesquisa. Também partiu do pressuposto de que o discurso da educação para todos, na sociedade burguesa, deve ser apreendido em sua totalidade histórica, isto é, na relação com o contexto econômico, social e político no qual está inserido. O lema educação para todos foi defendido pela sociedade burguesa desde a modernidade, período marcado pela transição do feudalismo para o capitalismo e responsável pelos debates acerca da formação do homem burguês em detrimento da educação medieval. Porém, o ideal da universalização escolar materializouse de fato, somente a partir da segunda metade do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, com a criação e generalização da escola pública, gratuita, laica e única. O século seguinte não somente encarregouse da universalização da escola pública, como também, em seu último quartel, apregoouse a escola inclusiva como uma escola que deve realizar adaptações em sua estrutura para acolher a todos os cidadãos, independente de suas diferenças individuais e sociais. Apesar dos avanços em relação à generalização da escola pública, a sociedade capitalista, alicerçada, contraditoriamente, no trabalho coletivo e na apropriação privada dos bens, fez concessões educacionais à população em doses homeopáticas, pois seu caráter excludente não permitiu a divisão igualitária dos bens materiais e culturais produzidos socialmente. Nessa ótica, o ideal contemporâneo da educação para todos na perspectiva da escola inclusiva, tende a permanecer somente no plano das ideias, uma vez 1 Professora Assistente do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE). Mestre em Educação pela UEM. 2 Professora Assistente do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE). Doutoranda pelo Programa da Pós Graduação da UEM. 3 Professora Assistente do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Políticas Públicas e Gestão Educacional (GEPPGE). Doutoranda pelo Programa da Pós Graduação da UEM.

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 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

1763 

DA EDUCAÇÃO PARA TODOS À EDUCAÇÃO INCLUSIVA: A CONSTRUÇÃO DA ESCOLA BURGUESA 

 Gesilaine Mucio Ferreira  

Darlene Novacov Bogatschov  Gislaine Aparecida Valadares de Godoy  

(DFE/UEM)1 Jani Alves da Silva Moreira 2 Maria Eunice França Volsi  

(DTP/UEM)3  

Resumo  

A sociedade burguesa, desde sua constituição até a atualidade, adotou a bandeira da educação para todos como um de seus pilares de sustentação, embora a partir de diferentes enfoques teóricos e práticos. Pautado nestes enfoques, o presente  trabalho analisou, numa perspectiva histórica, algumas modificações ocorridas no discurso e na prática educacional  burgueses  em  defesa  da  educação  para  todos  desde  sua  origem,  no  início  da modernidade,  até  a contemporaneidade,  no  cenário  global.  A  fim  de  dar  conta  do  proposto,  foram  investigados  três  momentos educacionais: a) a educação para todos de caráter dualista, predominante até a primeira metade do século XIX; b) a educação  para  todos na perspectiva da  escola  pública  e única,  a partir da  segunda metade do  século  XIX;  e  c)  a educação para todos na perspectiva da escola inclusiva a partir do final do século XX. Essa análise, de caráter teórico, fundamentou‐se na leitura e na compreensão do pensamento educacional de alguns clássicos da modernidade e da contemporaneidade, de documentos de agências  internacionais sobre educação e de publicações que versam acerca do período histórico e da temática delimitados nesta pesquisa. Também partiu do pressuposto de que o discurso da educação para todos, na sociedade burguesa, deve ser apreendido em sua totalidade histórica, isto é, na relação com o  contexto  econômico,  social  e  político  no  qual  está  inserido.  O  lema  educação  para  todos  foi  defendido  pela sociedade  burguesa  desde  a modernidade,  período marcado  pela  transição  do  feudalismo  para  o  capitalismo  e responsável pelos debates acerca da formação do homem burguês em detrimento da educação medieval. Porém, o ideal da universalização escolar materializou‐se de fato, somente a partir da segunda metade do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos, com a criação e generalização da escola pública, gratuita,  laica e única. O século seguinte não somente encarregou‐se da universalização da escola pública, como  também, em  seu último quartel, apregoou‐se a escola  inclusiva como uma escola que deve realizar adaptações em sua estrutura para acolher a todos os cidadãos, independente  de  suas  diferenças  individuais  e  sociais.  Apesar  dos  avanços  em  relação  à  generalização  da  escola pública, a  sociedade capitalista, alicerçada, contraditoriamente, no  trabalho coletivo e na apropriação privada dos bens, fez concessões educacionais à população em doses homeopáticas, pois seu caráter excludente não permitiu a divisão  igualitária dos  bens materiais  e  culturais  produzidos  socialmente. Nessa  ótica,  o  ideal  contemporâneo da educação para todos na perspectiva da escola  inclusiva, tende a permanecer somente no plano das  ideias, uma vez 

                                                           1 Professora Assistente do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Pesquisadora  do Grupo  de  Estudos  e  Pesquisa  em  Políticas  Públicas  e Gestão  Educacional  (GEPPGE). Mestre  em Educação pela UEM. 

2  Professora  Assistente  do Departamento  de  Teoria  e  Prática  da  Educação  da Universidade  Estadual  de Maringá (UEM).  Pesquisadora  do  Grupo  de  Estudos  e  Pesquisa  em  Políticas  Públicas  e  Gestão  Educacional  (GEPPGE). Doutoranda pelo Programa da Pós Graduação da UEM. 

3  Professora  Assistente  do Departamento  de  Teoria  e  Prática  da  Educação  da Universidade  Estadual  de Maringá (UEM).  Pesquisadora  do  Grupo  de  Estudos  e  Pesquisa  em  Políticas  Públicas  e  Gestão  Educacional  (GEPPGE). Doutoranda pelo Programa da Pós Graduação da UEM. 

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que a manutenção da  lógica burguesa ainda  requer a preservação das contradições entre capital e  trabalho e, por conseguinte, da exclusão social e escolar.   Palavras‐chave: Educação para todos. Escola. Capitalismo.  Introdução 

 

Para  a  sociedade  capitalista  contemporânea  o  direito  de  todas  as  pessoas  à  educação 

escolar é um tema inquestionável. Comumente ouvimos expressões como “lugar de criança é na 

escola” ou “é da educação das crianças que depende o futuro da nação”. O lema estandardizado 

educação  para  todos  foi  uma  construção  da  sociedade  burguesa  desde  a modernidade4.  Tal 

enfoque era necessário e responsável pela ampliação de debates acerca da formação do homem 

burguês em detrimento do modelo educativo medieval. Diante desse  contexto, ergueram‐se os 

discursos acerca da educação para todos e da universalização escolar.  

Esse ideal de escola se materializou a partir da segunda metade do século XIX, na Europa e 

nos Estados Unidos, com a criação da escola pública, gratuita, laica e única. Única, porque todas as 

crianças, independente de suas condições econômicas, estariam juntas na mesma escola e teriam 

acesso  ao  mesmo  conteúdo  escolar.  O  século  seguinte  não  somente  encarregou‐se  da 

universalização  desse modelo de  instituição  escolar, mas  em  seu  último  quartel  delineou‐se  a 

proposta da escola inclusiva como uma escola que deve realizar adaptações em sua estrutura para 

acolher a todos os cidadãos, independente de suas diferenças individuais e sociais. 

 

Observa‐se que, a sociedade burguesa, desde suas origens, adotou a educação como um 

de  seus  pilares  de  sustentação,  cujas  propostas  e  práticas  educativas  foram  desenhadas  e 

modificadas  até  a  contemporaneidade  em  função  das  próprias  transformações  ocorridas  no 

processo  de  consolidação  e  de  reestruturação  das  condições  econômicas,  políticas  e  sociais 

burguesas.  Diante  das  análises  aqui  evidenciadas,  o  presente  trabalho  tem  como  objetivo 

apresentar algumas diferenças  significativas do discurso e da prática educacional burgueses em 

                                                           4 Período ainda marcado pela transição do feudalismo para o capitalismo. 

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defesa da educação para todos produzidos até a contemporaneidade no cenário global5. Para isto, 

analisaremos  três  momentos  educacionais:  a)  a  educação  para  todos  de  caráter  dualista, 

predominante até a primeira metade do século XIX; b) a educação para  todos na perspectiva da 

escola pública e única a partir da segunda metade do século XIX; e, c) a educação para todos na 

perspectiva da escola inclusiva a partir do final do século XX.  

Esta  análise parte do pressuposto de que o processo educativo não pode  ser entendido 

como um  fenômeno isolado e neutro, mas como expressão de uma  totalidade histórica e social. 

Assim, o discurso da educação para  todos na  sociedade burguesa deve  ser  apreendido em  sua 

relação  com  o  contexto  econômico,  social  e  político  no  qual  está  inserido,  marcado  por 

contradições e pelas lutas de classes.   

 

A educação para todos e a formação da sociedade burguesa 

 

Na sociedade feudal, as relações sociais estavam quase que totalmente restritas ao feudo6, 

por  isto, as  trocas eram escassas, o  comércio bastante  limitado e as poucas  cidades existentes 

subjugavam‐se  aos  senhores  feudais,  cuja  riqueza  e  poder  advinham  da quantidade  de  terras 

(feudos) sob seu domínio. Diante disto, a existência da maioria dos homens desta sociedade era 

garantida  pela  dependência  às  terras  senhoriais;  dependência  alicerçada  nas  duas  principais 

relações sociais do momento: a relação entre senhor e servo, responsável pela economia feudal e 

a  relação de  vassalagem  estabelecida  entre nobres,  a  partir  da  qual  era  garantida  a posse  de 

propriedade e a administração política,  jurídica e militar dos domínios  feudais. A autonomia dos 

feudos  não  se  dava  apenas  no plano  econômico, mas  também política  e  administrativamente, 

exercendo o  rei  soberania  apenas em  seus  feudos e não  além deles  (ABRAMSON; GUREVITCH; 

KOLESNITSKI, 1978a; ARRUDA, 1996; PEREIRA; GIOIA, 1988). Nesse cenário, a Igreja se constituiu 

como  uma  instituição  forte,  tanto  nos  aspectos  econômicos  e  políticos  como  no  cultural. No 

âmbito econômico e político, essa força se explica pelo fato dela ser a maior proprietária feudal,                                                            5 O  termo  cenário  global  refere‐se  neste  texto ao  contexto  geral  da  sociedade  burguesa,  pois não  analisamos as características históricas específicas de cada região.  

6 Uma grande propriedade rural onde se produzia a maior parte do que era necessário para a sobrevivência de seus habitantes. 

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pois  tornou‐se dona “[...] de entre um  terço e metade de  todas as  terras da Europa Ocidental” 

(HUBERMAN, 1986, p. 13). Além disso,  após  a decadência do  Império Romano do Ocidente,  a 

Igreja encarregou‐se da  conservação da  cultura  greco‐romana e  constituiu‐se  como  a principal 

instituição  responsável pela difusão e  controle do  saber e pela  formação da mentalidade  cristã 

medieval.            

Essa ordem social começou a se desintegrar a partir do século XI. Com o aprimoramento 

das  forças  produtivas  no  interior  dos  feudos,  iniciou‐se  a  possibilidade  da  existência  de  uma 

produção de excedente destinada às cidades. Isto favoreceu o crescimento do artesanato urbano, 

o  revigoramento  do  comércio  e  o  renascimento  das  cidades,  processo  intensificado  pelo 

movimento das Cruzadas que fortaleceu o intercâmbio comercial com Oriente. O desenvolvimento 

urbano  possibilitou  a  fuga  dos  servos  para  as  cidades.  Na  tentativa  de  preservar  seus 

trabalhadores, os senhores feudais substituíram a renda em trabalho pela em renda em gênero e 

mais tarde em dinheiro. Por meio do arrendamento dos lotes de terras, os camponeses deixaram a 

condição de servos e passaram a uma condição de camponeses livres. Este processo acelerou‐se 

nos  séculos  XIV  e  XV,  início  da  dissolução  das  relações  de  trabalho  e  de  propriedade  feudal. 

(ABRAMSON; GUREVITCH; KOLESNITSKI, 1978b).  

Adam Smith (1996), na obra A Riqueza das Nações, demonstrou que os senhores feudais já 

estavam  internalizando  a  ideia do dinheiro  como  fonte de  riqueza. Primeiramente, o  comércio 

adentrou  aos  castelos  feudais e despertou no  senhor  feudal o  interesse pelos  artigos de  luxo. 

Assim, o senhor passou a trocar o excedente por mercadorias, o que até então seria dividido entre 

seus  dependentes.  Em  segundo  lugar,  os  próprios  senhores  feudais  ambiciosos  pelo  lucro,  ao 

arrendarem  suas  terras  e  ao  promoverem  a  substituição  da  produção  de  subsistência  pela 

produção de excedente para a troca, acabaram por se autodestruírem como categoria social, pois 

alteraram as bases da propriedade feudal que garantiam a dependência dos demais em relação a 

si.  

A  partir  da  dissolução  da  propriedade  feudal,  segundo  Marx  (1980a),  ocorreu  outra 

transformação significativa para a produção da relação social básica do capitalismo ‐ a relação de 

compra e venda da força de trabalho entre trabalhador e capitalista. Trata‐se da expropriação do 

camponês livre nos séculos XV e XVI, iniciada na Inglaterra. Os próprios senhores feudais, na ânsia 

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de  angariar mais  lucros,  expulsaram  os  camponeses  de  suas  terras  para  substituírem‐nas  por 

ovelhas das quais extrairiam lã para as manufaturas. Os trabalhadores, possuidores apenas da sua 

força de trabalho, foram obrigados a vendê‐la em troca de um salário.  

Além  disso,  segundo  Huberman  (1986),  após  a  formação  do  intermediário  capitalista7 

muitos  artesãos  e  jornaleiros  das  corporações  de  ofícios8  também  se  tornaram  trabalhadores 

assalariados. Isso porque os intermediários, que se enriqueceram, passaram a comprar a matéria‐

prima e entregaram‐na para os artesãos e jornaleiros. Estes últimos trabalhavam em casa (sistema 

doméstico) e, embora donos dos instrumentos de trabalho, não dispunham mais da matéria‐prima 

tampouco vendiam o produto final, convertendo‐se em “tarefeiros assalariados”.  O intermediário 

capitalista  ainda  promoveu,  no  âmbito  do  sistema  doméstico,  uma  modificação  no  processo 

produtivo  ao  substituir  o  trabalho  artesanal  pelo  manufatureiro9  com  vistas  à  ampliação  da 

produção  para  o  mercado  nacional  e  internacional,  provocando  o  enfraquecimento  das 

corporações  de  artesãos  voltadas  ao  mercado  local  (HUBERMAN,  1986).  Gradativamente,  o 

sistema  doméstico  também  foi  sucumbido  pelas  oficinas  construídas  especificamente  para  a 

alocação de trabalhadores para a produção manufatureira por aqueles que dispunham de grande 

soma de capital.  

Esse processo de desestruturação das  relações  feudais se completou, no âmbito político, 

pela  formação  das  monarquias  nacionais.  A  realeza  em  ascensão  e  a  burguesia  nascente 

estabeleceram alianças na  tentativa de  se  libertarem dos domínios  feudais e eclesiásticos.  Esta 

aliança  foi  possível  porque  a  burguesia  disponibilizava  recursos  financeiros  aos  reis  para 

comporem exércitos contra os senhores  feudais. Em  troca, os monarcas  legislariam em  favor do 

                                                           7O  intermediário capitalista assume as tarefas de mercador e comerciante anteriormente realizadas pelo artesão. O intermediário entrega ao artesão “[...] a matéria‐prima e recebe o produto acabado. O intermediário coloca‐se entre ele e o comprador. A tarefa do mestre artesão passou a ser simplesmente produzir mercadorias acabadas tão logo recebe a matéria‐prima” (HUBERMAN, 1986, p. 110).     

8 Corporação de artesãos urbanos constituída a partir dos séculos XI e XII.  Confira o capítulo 6 ‐ E nenhum estrangeiro trabalhará ‐, da parte I do livro História da riqueza do homem, de Leo Huberman.    

9  A manufatura  diferencia‐se  do  trabalho artesanal  pelo  fato  de  que o  artesão  fabrica o  produto  inteiro  sozinho enquanto que na manufatura  realiza‐se uma divisão do  trabalho, ou  seja, “[...] o operário  individual não produz mercadorias. Não é senão o produto coletivo dos operários parcelados que se transforma em mercadoria” (MARX, 1980b, p. 74). Em outras palavras, permanece o trabalho manual, mas a fabricação do produto era dividida entre vários trabalhadores; cada um realizando uma etapa da produção da mercadoria.     

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comércio emergente, ofereceriam proteção militar às cidades e garantiam a segurança necessária 

à expansão dos negócios burgueses (HUBERMAN, 1986). 

Diante dessas mudanças econômicas, sociais e políticas, que promoveram a dissolução da 

propriedade  feudal e o enfraquecimento político dos  senhores  feudais e do Papa, emergiu um 

pensamento  laico,  técnico e  racional. Uma expressão clara dessa  transformação no pensamento 

da época  foi o movimento do Renascimento que  começou  a  se desenvolver no  final da  Idade 

Média e atingiu seu apogeu nos séculos XV e XVI. As bases renascentistas como a racionalidade do 

pensamento,  a  secularização,  o  heliocentrismo,  o  antropocentrismo,  a  ciência  natural,  a 

substituição da relação homem‐Deus pela relação homem‐natureza opunham‐se à visão sagrada, 

ascética e estática do mundo medieval,  sendo atraentes  aos  interesses da  sociedade burguesa 

nascente (ARRUDA, 1979; PEREIRA; GIOIA, 1988).  

No bojo do Renascimento destacaram‐se alguns intelectuais conhecidos como humanistas. 

Esses  intelectuais, obedecendo à  linha  condutora do movimento,  concebiam o homem  como  a 

medida  de  todas  as  coisas,  questionando,  portanto,  o  teocentrismo medieval.  Os  humanistas 

passaram a conceber o mundo como expressão da  iniciativa dos homens, compreendidos como 

sujeitos  capazes  de  tomar  as  rédeas  da  história  e  de  conhecer,  de  interferir  e  de  dominar  a 

natureza e o mundo dessacralizados.  

Todas essas  transformações exigiram um novo perfil de homem que deveria ser educado 

para as novas  relações  sociais, pois a organização educacional existente  atendia à  formação do 

homem  medieval.  Na  verdade,  são  novas  relações  sociais  que  estão  sendo  estabelecidas, 

diferentes daquelas  regulamentadas pelo  contato  social  restrito do mundo  feudal e da  vida do 

campo. O crescimento urbano e o desenvolvimento comercial solicitavam novos comportamentos 

denominados atualmente de boas maneiras ou etiqueta.  

É  esta  preocupação  com  os  novos  comportamentos  que  encontramos  em  A  Civilidade 

Pueril, de 1530, do  renascentista humanista Erasmo de Rotterdam  (1466‐1536), embora em seu 

tempo ainda houvesse muitos sinais do feudalismo. Nesta obra destinada ao filho de um príncipe, 

Erasmo oferece diversas noções de civilidade e aborda  temas que abrangem desde os  trajes às 

regras gerais de conversação e de comportamento adequados aos diferentes ambientes públicos; 

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atitudes que não eram exigidas para a nobreza feudal, envolvida com guerras, tampouco para os 

camponeses destinados ao trabalho.  

Embora A Civilidade Pueril tenha sido destinada ao filho de um nobre, Erasmo afirmou que 

a  compostura nas  atitudes,  nos  gestos  e  nos  trajes  deveria  ser  aprendida por  todas  as  outras 

crianças. Segundo Figueira (1995), a sociedade capitalista emergente aproximava todas as classes 

e exigia universalização das  regras de convivência. Na verdade, as  relações comerciais e urbanas 

permitiram a convivência entre os diferentes grupos sociais e exigiram regras de comportamentos 

comuns,  por  isso  todos  deveriam  receber  uma  educação  destinada  à  inculcação  de  padrões 

comuns de civilidade.  

Entretanto, a proposta de educação para todos propalada por Erasmo não se restringiu à 

formação  de  comportamentos  para  a  civilidade.  Em  De  Pueris,  de  1529,  Erasmo  defendeu  a 

educação  como  um  direito da  criança  desde  o  seu  nascimento  e  um  processo  que  garante  a 

humanização. Afirmava que nenhuma riqueza poderia ser preservada sem sabedoria e instrução. 

Assim, o  futuro de um homem dependeria dos esforços dos pais ou  responsáveis em  relação à 

instrução das crianças. Por isto, ele dizia que a criança deveria ser educada desde cedo, cabendo 

ao pai escolher um bom preceptor, respeitado publicamente, e não economizar nos gastos com a 

educação  do  filho.  Defendeu  a  instrução  para  todos,  ou  seja,  também  para  os  pobres.  Como 

afirmou: 

Se a fortuna não lhe sorriu, por razão maior se fazem necessários os subsídios da educação e das letras a fim de poderem levantar a cabeça.  Ademais,  casos  há  de  indivíduos  tirados  dos  baixos  sociais  para  governar, chegando  até mesmo  à  dignidade  suprema  do  pontificado.  Verdade  que  nem todos sobem tão alto, mas todos devem ser educados para tanto (ERASMO, 1996, p. 48).  

O discurso da educação e da  instrução para  todos  ganhou  força na  sociedade burguesa 

nascente, pois a sobrevivência humana não era mais garantida pela dependência às terras de um 

senhor  feudal, mas por  relações de  trocas e pela aquisição da propriedade privada, apresentada 

como direito de todos e fruto do trabalho de cada um. A bandeira da educação foi levantada como 

um instrumento importantíssimo no momento em que a ideia de uma sociedade sem mobilidade 

social e predestinada por Deus dava lugar à concepção de um mundo dinâmico e construído pelas 

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ações humanas. Se o  futuro não dependia mais de Deus, mas dos próprios homens, estes novos 

homens precisavam ser educados para garantirem sua prosperidade.   

A burguesia, ao erigir‐se como classe  revolucionária na Modernidade,  reclamou o direito 

de todos à formação intelectual uma vez que contestava os privilégios e as desigualdades feudais, 

cujo saber estava concentrado nos domínios da  Igreja. A generalização da escola, do saber  ler e 

escrever, como diz Saviani (1994), não era questão no período medieval, pois a manutenção das 

relações sociais não dependia do domínio da escrita. Todavia, passou a ser uma preocupação para 

a sociedade burguesa centrada no desenvolvimento urbano e comercial, cujas relações humanas 

não  se  fundamentam mais em dependência, mas em  relações  contratuais. A  relação  contratual 

fundamentada no direito positivo, isto é, em  leis e  registros escritos, passou a  requerer o saber 

escolar. A burguesia necessitava da instrução para regulamentar seus negócios. Como esse grupo 

em ascensão se opunha aos privilégios feudais, ele não poderia se apresentar como defensor da 

desigualdade. Por  isso,  apregoava que os homens  são  iguais perante a  lei,  tendo, portanto, os 

mesmos direitos, dentre eles, o direito à educação.  

O movimento da Reforma Protestante, no século XVI, também foi um grande precursor da 

escola  moderna,  podendo‐se  até  se  dizer  que  ele  lançou  os  germes  da  escola  pública.  Ao 

denunciar  os  abusos  e  privilégios  da  Igreja  Católica,  Martinho  Lutero  (1483‐1546),  principal 

expoente  desse movimento,  questionou  a  autoridade  do  Papa  e  a  intermediação  do  clero  ao 

afirmar que o homem se salva pela própria fé. Para isto, defendia o acesso direto entre homem e 

Deus, mediado pela  leitura dos  textos bíblicos. Porém, a maior parte da população não  tinha o 

domínio  da  leitura  e  da  escrita,  sendo  a  universalização  da  alfabetização  na  língua  natural  a 

condição essencial para o alcance deste propósito  religioso  (TOLEDO, 1999). Além dessa  razão, 

Lutero  reconhecia  que o  próprio mundo  em  processo  de  secularização  necessitava  que  todos 

tivessem acesso à instrução: 

Mesmo que  (como  já disse) não existisse alma e não se precisasse das escolas e línguas por causa da Escritura e de Deus, somente  isso  já seria motivo suficiente para  instituir as melhores  escolas  tanto  para meninos  como  para meninas  em toda parte, visto que também o mundo precisa de homens e mulheres excelentes e aptos para manter seu estado secular exteriormente, para que então os homens governem  o  povo  e  o  país,  e  as mulheres  possam  governar  bem  a  casa  e  a criadagem. [...] (LUTERO, 1995, p. 318).  

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Para  a  oferta  da  educação  para  todos,  Lutero  (1995)  conclamou,  em  Aos  conselhos  de 

todas as cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs, obra datada de 1529, 

que os príncipes e demais autoridades oficiais se  responsabilizassem pela criação e manutenção 

das  escolas  para  todas  as  crianças,  já  que  os  pais  não  tinham  consciência  (embora  alguns 

disponibilizassem de verbas), aptidão ou tempo para desempenharem essa tarefa.  

A bandeira da educação para todos foi reafirmada no século XVII, também conhecido como 

século do método uma vez que pensadores como Bacon (1561‐1626) e Descartes  (1596‐1650) se 

dedicaram à busca do método mais adequado para a aquisição de conhecimento em oposição ao 

método escolástico medieval,  cuja  implicação no  campo educacional  foi a  investigação de uma 

nova forma de ensino. Orientado por essa preocupação metodológica, João Amós Comênio (1592‐ 

1670) elaborou sua grande obra pedagógica ‐ a Didática Magna‐, concluída em 1632.  

Educador  e  pastor  protestante,  Comênio  também  propôs  a  escolarização  de  todas  as 

crianças e afirmou que seria uma injúria contra Deus excluir as pessoas deste benefício, já que por 

meio  dele  teriam  condições de  conhecer melhor  Deus  e  amá‐lo.  Assim,  ele definiu  a  Didática 

Magna como o Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos ou 

Processo seguro e excedente de  instituir, em todas as cidades e aldeias, escolas tais que  toda a  juventude de um e de outro  sexo,  sem exceptuar ninguém em parte  alguma,  possa  ser  formada  nos  estudos,  educada  nos  bons  costumes, impregnada  de  piedade,  e,  desta maneira,  possa  ser,  nos anos  da  puberdade, instruída em tudo o que diz respeito à vida presente e à futura, com economia de tempo  e  de  fadiga,  com  agrado  e  com  solidez  (COMÊNIO,  1996,  p.  43  Grifos Nossos).      

 A defesa da educação para  todos não  representou, necessariamente, a defesa da escola 

única,  tampouco  a  generalização  do  saber  escolar.  Até  a  primeira  metade  do  século  XIX 

predominou  a  prática  de  uma  escola  dualista,  caracterizada  pela  oferta  de  uma  formação 

científico‐humanística aos afortunados, enquanto alguns pobres apenas  recebiam o básico –  ler, 

escrever e contar, pois a produção capitalista pautada na manufatura não poderia dispensar mão‐

de‐obra  para  os  estudos.  A  maior  parte  dos  trabalhadores  e  de  seus  filhos,  envolvidos  na 

produção, não  tinha acesso à escola. Essa orientação educacional  foi proposta por Adam Smith 

(1723‐1790),  na  obra  aqui  já  supracitada  A  Riqueza  das  Nações,  datada  de  1776.  Embora 

defendesse  a divisão do  trabalho manufatureiro,  reconhecia os efeitos dessa divisão para uma 

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grande parte dos trabalhadores que exerciam repetitivamente a mesma função. Assim, para evitar 

a degeneração intelectual dos  trabalhadores, propunha que o governo oferecesse aos  filhos dos 

trabalhadores,  antes  que  eles  pudessem  ser  inseridos na  produção,  o  ensino  elementar  –  ler, 

escrever e contar e algumas noções de geometria e mecânica – úteis à produção. Consciente da 

necessidade dos trabalhadores para a produção manufatureira, afirmava que a gente comum não 

tinha a possibilidade de passar muito tempo estudando (SMITH, 1996). 

Na França, do final do século XVIII, em meio às turbulências da Revolução Francesa, foram 

produzidos  diversos  projetos  de  leis  para  a  organização  da  instrução  pública,  cujas  intenções 

expressavam  os  interesses  dos  grupos  políticos  que  assumiam  o  poder  durante  a  Revolução. 

Apesar  das  diferenças  entre  os  projetos,  os  debates  versaram,  por  exemplo,  sobre  a 

universalização da instrução pública, o estabelecimento da gratuidade, da liberdade, da laicidade e 

da  obrigatoriedade  do  ensino. No  entanto,  ainda  não  era possível  a universalização da  escola 

pública, pois as relações de trabalho do momento, alicerçadas ainda na produção manufatureira, 

exigiam grande quantidade de mão‐de‐obra e não permitiam que as crianças dedicassem muito 

tempo aos estudos. Condorcet demonstra ter consciência disto ao defender a universalização da 

instrução pública, respeitado os limites das finanças públicas e da disponibilidade e do número de 

crianças por território e de crianças com tempo disponíveis aos estudos (LOPES, 1981). 

Além disso, Lopes (1981) evidencia que a maioria dos projetos de lei da Revolução Francesa 

não primou pela obrigatoriedade escolar e explicita  as  razões dessa atitude.   Primeiramente,  a 

burguesia que  acabara  de  assumir  o  poder na  luta  contra  a  autoridade do  antigo  regime  não 

poderia  impor algo aos cidadãos e  ferir o princípio da  liberdade veementemente defendida por 

ela. Em segundo lugar, a burguesia temia tanto a restauração do poder pela aristocracia como o 

fortalecimento do poder do povo. Assim, “[...] ao tornar não‐obrigatória a instrução, a burguesia 

fecha o espaço que, em caso contrário, seria aberto as  reivindicações para que as escolas  (onde 

certamente se cumpriria a obrigatoriedade) existissem realmente”. (LOPES, 1981, p. 119). Assim, 

no bojo da Revolução Francesa, apesar da defesa da igualdade de direito à educação, a sociedade 

apenas  vivenciou o discurso pela universalização da escola pública,  gratuita, única e  laica,  cuja 

materialização ocorreu apenas na segunda metade do século seguinte.  

 

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Da materialização da escola pública ao discurso da escola inclusiva 

 

A partir do  final da primeira metade do  século XIX,  com  as  crises econômicas e  sociais 

europeias,  a  criação e  a universalização da escola pública,  laica e única  (ensino elementar) não 

representou apenas um ideário revolucionário burguês, mas reacionário.  A escola pública e única 

significou um  instrumento material e  ideológico10 burguês na  tentativa de conter a crise social e 

camuflar as contradições capitalistas que se explicitaram no momento.  

A ampliação e expansão do uso da máquina no processo produtivo possibilitaram, de um 

lado, um grande aumento da produção e da riqueza social e, de outro lado, a miséria social gerada 

pelo  grande  índice  de  desemprego  e  pela  redução  dos  salários11.  As  contradições  do  capital, 

marcadas pela produção coletiva e apropriação privada dos bens, ao serem elucidadas, geraram o 

descontentamento popular e conflitos entre facções da burguesia e entre burgueses e proletários. 

Para  agravar  a  situação,  desenvolveram, nesse momento,  ideais  socialistas  e  comunistas,  cuja 

expressão maior é o Manifesto do Partido Comunista, de1848, elaborado por Marx (1818‐1883) e 

Engels (1820‐1895). O espectro do comunismo, como disseram estes dois pensadores, rondava a 

Europa  e  ameaçava  a  ordem  social  burguesa.  A  burguesia,  agora  na  posição  de  classe  contra 

revolucionária, precisava encontrar meios para conter tais problemas sociais.     

Segundo  Engels  (1985),  em  A  situação  da  classe  trabalhadora  na  Inglaterra,  com  a 

industrialização  houve  a  simplificação  e  objetivação  do  trabalho  e,  consequentemente,  a 

ampliação  da  exploração  do  trabalho  feminino  e  infantil  pelo  fato  de  as mulheres  e  crianças 

apresentarem  melhor  coordenação  motora  fina  e  destreza  no  trabalho  com  as  máquinas  e 

representarem  mão‐de‐obra  barata.  Por  outro  lado,  a  mecanização  do  processo  produtivo 

expulsou um grande contingente de mão‐de‐obra masculina adulta. Tais condições aumentaram 

os conflitos sociais e fizeram com que, na primeira metade do século XIX, fossem elaboradas leis 

                                                           10 Material  pelo  fato  da  escola  se  tornar  um  local  para  que  as  crianças  demitidas  das  fábricas  inglesas  ficassem enquanto seus pais trabalhavam. Ideológico, como forma de aparente concessão de um direito social reivindicado pelos trabalhadores, que na verdade, caracterizou‐se não só pela instrução (formação intelectual), mas também pela formação moral, cuja finalidade era amenizar os conflitos entre trabalhadores e capitalistas.   

11 Consequências da mecanização e da objetivação da produção. 

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com  o  intuito de  estabelecer  a  redução  da  jornada de  trabalho,  limites  ao  trabalho  infantil,  a 

obrigatoriedade escolar e de responsabilizar os patrões pela instrução das crianças.  

Embora estas leis não tivessem surtido grandes efeitos, serviram para encarecer o trabalho 

infantil.  A  partir  disto,  os  empregadores  voltaram  a  dar  preferência  à  mão‐de‐obra  adulta, 

reduziram a contratação de crianças e promoveram a liberação das mesmas do trabalho fabril.  O 

que a sociedade iria fazer com estas crianças? De acordo com Alves (1995), para que estas crianças 

não se convertessem em crianças de ruas e aumentassem o caos social, foi criado um local para 

abrigá‐las  enquanto  seus pais  trabalhavam:  a  escola pública,  única  e  gratuita.    Ricos  e  pobres 

passaram  a  frequentar  a mesma escola e  a  forma de dualidade do ensino predominante até  a 

primeira metade do século XIX foi superada.     

Acreditava‐se, segundo Alves (1995), que os filhos dos trabalhadores teriam conquistado o 

saber  científico‐humanista  de  privilégio  dos  grupos  abastados.  Contudo,  não  foi  esse  o 

encaminhamento  dado  pela  história.  A  universalização  da  escola  pública  trouxe  consigo  a 

degradação dos  conteúdos,  ao promover  a  refuncionalização dos manuais didáticos. Durante  a 

escola dualista, o professor era o centro do ensino e priorizava‐se o estudo dos clássicos. Com a 

expansão da escola pública e única não era mais viável o uso dos clássicos, seja pelo alto custo dos 

mesmos,  seja pela compreensão mais ampla da  realidade oferecida por eles. A  fragmentação e 

simplificação  dos  conteúdos  nos  livros  didáticos  serviram  ao  capital  na  medida  em  que  os 

trabalhadores12 perderam a noção da totalidade histórica, ou seja, “[...] viram‐se tolhidos ao não 

entendimento da historicidade do modo de produção, que os condenava a produzir a riqueza sem 

dela retirar sequer a possibilidade de se reconhecerem como homens. [...]” (ALVES, 1995, p. 11), o 

que dificultava a luta por seus direitos e diminuía a ocorrência dos conflitos sociais.  

Ideologicamente, a escola pública e única assumiu a  função de harmonizar os  interesses 

antagônicos  de  burgueses  e  proletários.  Esse  formato  escolar  fez  com  que  os  indivíduos  se 

conformassem com as diferenças sociais e se voltassem para os interesses gerais. Isto exigiu não 

só  o  uso  dos manuais  didáticos  e  a  simplificação dos  conteúdos,  bem  como  a  conciliação  dos 

conteúdos  científicos  (direcionados  à  formação  do  indivíduo,  às  atividades  produtivas,  à 

                                                           12 Por se tratar da escola pública e única, o efeito da degradação do conteúdo escolar também foi sentido pela classe burguesa (ALVES, 1995).  

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competição e aos negócios,  isto é, à garantia da sobrevivência) com os conteúdos humanísticos 

(voltados à formação das virtudes cívicas e morais). Nesse momento de crise social, a manutenção 

da  sociedade burguesa  requeria  a eliminação dos  conflitos de  classes. Por  isso,  foi  criada uma 

escola que não priorizasse apenas a instrução, mas também a educação moral e cívica, a formação 

dos cidadãos, isto é, daqueles que deixam de lutar por interesses particulares e se voltam para os 

interesses comuns a fim de garantir a unidade e a ordem social (LUCAS, 1999). 

No  final do século XIX a escola pública e única  tinha sido criada na Europa e nos Estados 

Unidos, bem como foram definidos os conteúdos dessa nova configuração escolar que passava a 

atender em  seu  interior  todas as  classes  sociais. Caberia  ao  século XX,  garantir a  generalização 

desse novo modelo escolar, função assumida pelo Estado do Bem‐Estar Social.  

No  século XX,  sobretudo após  a  crise de 1929, o processo de  acúmulo e  reprodução do 

capitalismo monopolista orientou‐se pelo modelo taylorista/fordista de origem norte‐americana e 

posteriormente adotado em alguns países europeus. Com a finalidade de alcançar a produção em 

massa e atender a um consumo amplo e, ao mesmo tempo, a racionalização dos gastos, essa fase 

do  capitalismo  converteu  a maior  parte  dos  trabalhadores,  expropriada  do  conhecimento  do 

processo  produtivo,  em  apenas  executora  de  tarefas  simples,  parceladas  e  padronizadas,  cujo 

tempo  e  procedimentos  foram  previamente  estudados  e  determinados  pelos  dirigentes  das 

fábricas (CORIAT, 1985; GOUNET, 2002). Diante desta organização do processo produtivo, criou‐se 

um novo perfil de  trabalhador que expropriado do  saber‐fazer e especializado  apenas em uma 

parte  do  fazer,  deveria  ser  passivo,  assíduo,  pontual,  obediente  às  ordens  daqueles  que 

planejavam o processo produtivo.  

Politicamente,  para  dar  sustentação  a  esta  fase  do  capital marcada  pela  produção  em 

massa, mas  também por  crises  (de  superprodução, estagnação do mercado e de desemprego) 

acirradas com as guerras mundiais, destacou‐se o Estado do Bem‐Estar Social, organização política 

hegemônica no período de 1945 a 1973. Esse Estado  tornou‐se  interventor não só nas políticas 

econômicas, mas  também nas políticas de distribuição de  renda, de pleno emprego e de defesa 

dos  direitos  sociais  como  saúde,  educação, moradia  e  previdência  social  (LIBÂNEO; OLIVEIRA; 

TOSCHI,  2003; MORAES,  2002).  Tratava‐se  de  uma  estratégia  política  para  evitar  novas  crises 

sociais e adequar os  trabalhadores  às exigências desse novo modelo de  reprodução do  capital.  

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Por meio de políticas sociais, o Estado reproduzia a força de trabalho, gerava consumidores para 

produção em massa e, ao mesmo tempo, alienava os trabalhadores evitando que internalizassem 

as ideais socialistas que ameaçavam o capitalismo.  

Alicerçado  na  ideia  de  direito  público  e  de  justiça  social,  no  princípio  da  igualdade  de 

oportunidades e na crença da importância da educação para a modernização e o desenvolvimento 

social, o Estado dirigiu esforços para a universalização da escola pública, única, laica e obrigatória. 

Ações foram empreendidas para a formação dos sistemas nacionais de educação e para a garantia 

de  igualdade  de  acesso  e  a  universalização  do  ensino  em  todos  seus  graus  e  modalidades 

(LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003).  

            Contudo,  as  ações  educacionais  estatais  planejadas  e pautadas  na  igualdade de direitos 

viram seu  fim a partir da crise mundial da década de 1970, quando o capitalismo deixara de se 

reproduzir sob os pilares do modelo taylorista/fordista e do Estado do Bem‐Estar Social. Um golpe 

foi  dado  ao  ideal  de  universalização  do  ensino  em  todos  os  níveis  e  modalidades.  Foram 

desenvolvidas as condições para a ampliação da exclusão social e, contraditoriamente, emergiu o 

discurso  em  favor  da  escola  inclusiva  justamente  no momento  em que  a  teoria  neoliberal  de 

minimização dos gastos públicos  foi  incorporada pelo Estado.   Cabe destacar que essa  teoria do 

neoliberalismo, de acordo com Moraes (2001) refere‐se: 

1. Uma  corrente  de pensamento  e uma  ideologia,  isto  é,  uma  forma  de  ver  e julgar o mundo social; 2. Um movimento  intelectual  organizado,  que  realiza  reuniões,  conferencias  e congressos,  edita  publicações,  cria  think‐tanks,  isto  é,  centros  de  geração  de idéias e programas, de difusão e promoção de eventos; 3.  Um  conjunto  de  políticas  adotadas  pelos  governos  neoconservadores, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 70 do século XX, e propagados pelo mundo a partir das organizações multilaterais criadas pelo acordo de Bretton Woods13 (1944), isto é, o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) (MORAES, 2001, p.10) 

   

                                                           13 Nome pelo qual  ficou conhecida a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas,  realizada em  julho de 1944, em Bretton Woods (New Hampshire, EUA) com representantes de 44 países, para planejar a estabilização da economia  internacional e das moedas nacionais prejudicadas pela Segunda Guerra Mundial. Os acordos assinados em  Bretton Woods  tiveram  validade  para  o  conjunto  das  nações  capitalistas  lideradas  pelos  Estados  Unidos, resultando na criação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) (SANDRONI, 1985, p.83). 

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             Para  o  enfretamento  da  crise  mundial,  desencadeada  a  partir  dos  anos  de  1970,  a 

sociedade capitalista passou por um novo processo de reestruturação econômica responsável pela 

substituição do modelo econômico  taylorista‐fordista alicerçado na produção  rígida e em massa 

pela produção  flexível14,  isto é, produção  conforme  a demanda e o  fluxo de mercadorias.  Esta 

nova organização do processo produtivo exigiu também a flexibilização do trabalho: o trabalhador 

fordista  que  realizava  tarefas  parciais,  padronizadas  e  repetitivas  deu  lugar  ao  trabalhador 

polivalente, capaz de  trabalhar em grupo e de se adaptar ao processo de produção diversificada 

de mercadorias.  

O grande desenvolvimento tecnológico e científico produzido, a partir dos anos 1980, e a 

adoção  de  relações  de  produção  e  de  trabalho  flexíveis  contribuíram  para  a  aceleração  do 

processo  de  internacionalização  das  relações  sociais  capitalistas,  denominado  atualmente  de 

globalização ou mundialização do capital. Essa nova ordem econômica implicou, no final do século 

XX,  no  desmantelamento do  Estado do  Bem‐Estar  Social  e  na  configuração de  um  Estado que 

desse suporte a esta nova forma de acumulação e de reprodução do capital – o Estado Mínimo. 

Reproduzindo os princípios neoliberais15, o  Estado passa a enfatizar o poder do mercado  como 

regulador da sociedade, a minimização das políticas e dos gastos públicos, a desregulamentação 

comercial e financeira, a livre concorrência, a defesa de relações de produção e trabalhos flexíveis, 

a  adoção  de  políticas  de  descentralização  administrativa  e  financeira,  de  privatização  e  de 

focalização  e  a  substituição  dos  direitos  sociais  pelos  direitos  privados  (LIBÂNEO;  OLIVEIRA; 

TOSCHI, 2003; ANDERSON; 1995; MORAES, 2002).  O ideário neoliberal disseminou‐se pelas ações 

de  agências  internacionais  como  o  Fundo Monetário  Internacional  (FMI)  e  o  Banco Mundial, 

sobretudo após o Consenso de Washington (1989) no qual se estabeleceu o programa de ajustes 

neoliberais que passaram a influenciar as reformas econômicas, políticas, sociais e educacionais da 

América Latina.  

                                                           14 Elemento essencial da organização da produção sob os moldes do toyotismo, desenvolvido pelos  japoneses, entre as décadas de 1950 a 1970, para se reerguerem após a destruição do Japão na Segunda Guerra Mundial (GOUNET, 2002). 

15O neoliberalismo somente foi adotado como modelo de Estado após a crise de 1973, destacando‐se em meados da década de  1970  na  Inglaterra  (Governo Thatcher)  e  no  início da década de  1980  nos  Estados Unidos  (Governo Reagan) (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2003).     

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Esta nova conjuntura política e econômica alcançou todos os setores sociais, entre eles, a 

educação,  reduzindo‐os à ótica do mercado. Nesse cenário, a educação deixa de ser um direito 

político  e passa  a  ser  uma mercadoria.   O  Estado Neoliberal  tem  promovido  a  degradação da 

escola pública ao reduzir os investimentos públicos para a educação mediante a descentralização 

administrativa e financeira, sob uma falsa ideia de autonomia escolar, e pela transferência de suas 

funções para a família e a sociedade civil. 

O resultado dessa ordem política e econômica é o aumento da exclusão social devido aos 

altos  índices  de  desemprego  e  subemprego,  a  terceirização  e  precarização  das  condições  de 

trabalho, a diminuição dos salários e a eliminação dos direitos sociais.  Exclusão social que não tem 

sido  ignorada pelos documentos  resultantes de  conferências mundiais produzidas por  agências 

internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização das 

Nações Unidas  (ONU)  e  a Organização das Nações Unidas  para  a  Educação,  Ciência  e  Cultura 

(UNESCO).  Nesses  documentos,  são  apresentadas  medidas  na  tentativa  de  eliminar  as 

desigualdades e a exclusão social, sendo a educação apregoada como um dos instrumentos para a 

qualificação  profissional,  o  desenvolvimento  e  o  progresso  dos  países.  Os  participantes  da 

Conferência Mundial  sobre  Educação para Todos,  realizada em  Jomtien  (Tailândia) de 5 a 9 de 

março de 1990 manifestaram esta visão ao afirmarem o entendimento de que “[...] a educação 

pode  contribuir  para  conquistar  um  mundo  mais  seguro,  mais  sadio,  mais  próspero  e 

ambientalmente mais puro, e que, ao mesmo  tempo,  favoreça o progresso social, econômico e 

cultural, a tolerância e a cooperação internacional;” (DECLARAÇÃO..., 1990, s.p.) 

Concepção semelhante foi defendida pela Declaração de Nova Delhi sobre Educação para 

todos, de 6 de dezembro de 1993. A educação, de acordo com esse documento, deve satisfazer às 

necessidades individuais de aprendizagens e às exigências sociais a  fim de garantir o combate à 

pobreza, o  aumento da produtividade,  a melhoria das  condições de  vida e a proteção ao meio 

ambiente para que todos possam contribuir para a construção de sociedades democráticas e para 

o enfrentamento dos problemas sociais.  

Ao reiterar a preocupação com o processo de exclusão, o documento da UNESCO intitulado 

Educação para todos: o compromisso de Dakar, de 2000, também conhecido como Declaração de 

Dakar,  apontou  como  um  dos  perigos  da  globalização,  a  criação  de  um mercado  na  área  do 

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conhecimento  que  exclua  as  pessoas  e  os  países  pobres  das  oportunidades  educacionais, 

condenando‐os  à marginalidade. Nesse  sentido, propala que  sem  a  aceleração  da  garantia da 

educação para todos dificilmente seria possível alcançar as metas nacionais e mundiais acordadas 

para o combate à pobreza e a desigualdade social tenderia a aumentar. Acreditando no potencial 

da  educação  na  luta  contra  a  pobreza  e  a  exclusão  social,  o  documento  de  Dakar  propõe  a 

organização urgente de sistemas educacionais inclusivos para que todas as crianças excluídas16 do 

processo educacional tenham, até 2015, “[...] acesso a uma educação primária de boa qualidade, 

gratuita e obrigatória, e possibilidade de completá‐la” (UNESCO; CONSED, 2001, p. 18). 

O diagnóstico da educação mundial apresentada na Declaração de Dakar revelou que após 

longos séculos de discurso pela educação para todos no bojo da sociedade capitalista, apesar dos 

avanços  significativos  no que  se  refere  à universalização  do  ensino, muitas  crianças  ainda  não 

tiveram acesso ao saber escolar. Além disso, na apresentação desse documento, destaca‐se que 

“[...] Se, por um lado, reconhece‐se os progressos alcançados na expansão do ensino fundamental 

e médio, por outro, incomoda a persistência de um grande contingente de analfabetos absolutos e 

funcionais [...]” (UNESCO; CONSED, 2001, p. 5). Assim, a Declaração já chamava atenção para um 

problema que muitos países  ainda enfrentam hoje, dentre eles, o Brasil  (passado mais de uma 

década de sua assinatura): a universalização escolar em detrimento da qualidade de ensino. Em 

outras palavras, muitas crianças que se “beneficiam” do processo de universalização escolar estão 

concluindo  os  anos  iniciais  do  ensino  fundamental  sem  os  conhecimentos  básicos  de  leitura, 

escrita e matemática.  É esta a realidade educacional de muitos países que desafia o estandarte da 

educação para todos e o paradigma da escola inclusiva.  

 

Considerações finais 

 

Ao concluir o exposto, uma problemática que nos incomoda é o fato de que no decorrer de 

sua trajetória histórica, a sociedade burguesa tem levantado a bandeira da educação para todos, 

                                                           16O documento de Dakar aponta como excluídos do processo educacional, as crianças com necessidades educacionais especiais,  aquelas  provenientes de minorias  étnicas  e  de populações migrantes  desfavorecidas, de  comunidades remotas e isoladas, de favelas e de outros grupos excluídos.  

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atualmente  reforçada pela defesa da escola  inclusiva, no entanto, grande parcela da população 

ainda continua, sobretudo nos países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, excluídas dos 

benefícios educacionais. Assim, indagamos: O que justifica a manutenção histórica desse discurso 

educacional  até  a  contemporaneidade,  embora  pautada,  nos  dias  de  hoje,  no  paradigma  da 

educação inclusiva? 

A  análise  do  desenvolvimento  do  modo  de  produção  capitalista  nos  revela  que  o 

capitalismo passou por diferentes processos de  reestruturação econômica e política, e garantiu, 

por meio deles, a sua reprodução como sistema. No entanto, suas bases não foram (e não podem 

ser)  alteradas –  condição essencial para  a  sua existência.  Independente da  forma específica de 

organização produtiva e política que assumiu, a sua relação social básica foi mantida: de um lado, 

proprietários dos meios de produção e de capital; de outro,  trabalhadores, proprietários apenas 

de sua  força de  trabalho que a vendem em  troca de um salário.  Isto significa que o  trabalhador 

não  se  apropria  do  fruto  do  seu  trabalho, uma  vez  que o  aliena  em  troca do  salário.  E mais, 

mediante a divisão do trabalho, realiza‐se um processo de produção coletiva, cuja apropriação dos 

bens  é  privada.  Independente  das  especificidades  econômicas  e  políticas  assumidas  pela 

sociedade burguesa, a contradição entre capital e trabalho tem sido mantida.  

[...] No capitalismo, seja na sua versão de fazer do Estado um potente planejador e interventor na economia e na sociedade, orientando a concorrência e coibindo os  exageros  do  monopólio,  ou  em  sua  versão  de  livre  mercado,  as  leis mercadológicas  têm  a  supremacia  econômica  sobre  a  política,  o  social  e  o cultural, mantendo  a  contradição básica  entre  capital  e  trabalho.  (NOGUEIRA; BORGES, 2004, p.87). 

 Isto também significa que a sociedade burguesa não se propôs e não tende a se propor a 

dividir igualitariamente os bens produzidos por ela, sejam eles materiais ou culturais. Isso pode ser 

sentido  pelo  agravamento  do  processo  de  exclusão  em  tempos  atuais  de  globalização,  da 

produção flexível e do Estado Neoliberal, já mencionado nesse texto. Ao discutir sobre a exclusão 

social vigente, Kuenzer (2002)  ressalta que a sociedade atual produz uma exclusão includente ao 

excluir o  trabalhador do mercado  formal, expropriando‐lhes os direitos  trabalhistas assegurados 

legalmente e, ao mesmo tempo, inclui uma massa de trabalhadores em condições de desemprego, 

subemprego, trabalho informal, terceirizado e precarizado. Inversamente, no campo educacional, 

a  sociedade  capitalista,  segundo  Kuenzer  (2002)  tem  gerado  uma  inclusão excludente,  pois  as 

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estratégias  adotadas  para  a  universalização  do  ensino  tem  resultado  na  oferta  de  um  ensino 

precário e de má qualidade. Por isso, a Declaração de Dakar chamou a atenção para o fato de que 

a qualidade de ensino não deveria ser prejudicada conforme o acesso à escola fosse ampliado. Na 

verdade,  o  discurso  sobre  a  inclusão  escolar  e  social  é,  contraditoriamente,  fruto  de  uma 

sociedade que tende a reproduzir a apropriação privada dos bens e a exclusão social. 

Da análise dessa relação contraditória, Ribeiro (2006) chegou à conclusão de que a própria 

sociedade  que  exclui  produz  as  políticas  de  inclusão  social.  Políticas  que  representam  “[...] 

estratégias para integrar os objetos – os excluídos – ao sistema social que os exclui e, ao mesmo 

tempo, de manter sob controle as tensões sociais que decorrem do desemprego e da exploração 

do trabalho, móveis da exclusão social” (RIBEIRO, 2006, p. 159).  

É inegável o fato de que a sociedade civil, desde as últimas décadas do século XIX, tem se 

organizado em diferentes instituições e organizações que favorecem a realização de mobilizações 

na  luta  contra a exclusão  social. Esses movimentos  geram pressões que  ameaçam a ordem e o 

equilíbrio social. As pressões e conflitos sociais obrigam o Estado a conceder direitos sociais como 

mecanismo  para  amenizar  as  tensões  sociais  e  garantir  a  manutenção  das  bases  reais  do 

capitalismo, sobretudo a  reprodução da mais‐valia. Por  isto, segundo Nogueira e Borges  (2004), 

categorias  como  democracia,  autonomia,  descentralização,  participação  e  cidadania, bandeiras 

burguesas desde o século XVIII, consolidaram‐se no século XIX, quando os embates entre capital e 

trabalho  começaram a ameaçar a ordem  social  capitalista. No entanto, essas  categorias não  se 

efetivaram, tampouco se efetivarão plenamente em países capitalistas, permanecendo no campo 

ideológico como instrumento para a justificativa e legitimação das relações sociais burguesas que 

não primam pela igualdade social (NOGUEIRA; BORGES, 2004). Nessa perspectiva, as legislações e 

políticas  contemporâneas  não  passam  de  simulacros  de  inclusão  social  e  educacional,  dada  à 

dificuldade de viabilização da inclusão social e escolar sob a égide do capitalismo.  

A  análise do discurso  educacional  burguês  evidencia  que  independente dos  avanços no 

sentido  da  generalização  da  escola  pública  e  da  universalização  do  ensino,  a  necessidade  da 

manutenção  das  contradições  entre  capital  e  trabalho  como  requisito  para  a  reprodução  das 

relações  sociais burguesas,  fez  da  educação  escolar  um  instrumento  a  favor do  capitalismo.  A 

sociedade  capitalista,  alicerçada,  contraditoriamente,  no  trabalho  coletivo  e  na  apropriação 

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 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

Universidade Federal da Paraíba – João Pessoa – 31/07 a 03/08/2012 – Anais Eletrônicos – ISBN 978-85-7745-551-5

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privada  dos  bens,  pode  até  fazer  concessões  educacionais  à  população,  mas  em  doses 

homeopáticas, pois seu caráter excludente não permitirá a divisão igualitária dos bens materiais e 

culturais produzidos socialmente. Nessa ótica, o ideal contemporâneo da educação para todos na 

perspectiva  da  escola  inclusiva  tende  a  permanecer  nos  plano  das  ideias  uma  vez  que  a 

manutenção da lógica burguesa requer a preservação das contradições entre capital e trabalho e, 

por conseguinte, da exclusão social e escolar.        

 

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 IX SEMINÁRIO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS “HISTÓRIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO NO BRASIL”

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