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  • 1. VANDA ALVES TORRES AZEVEDOYMI:SMBOLO ANCESTRAL FEMININO NO BRASIL Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE em Cincias da Religio, sob orientao do Professor Doutor nio Jos da Costa Brito. PUC / SP2006

2. BANCA EXAMINADORA___________________________________________________________________________________________________ 3. DedicatriaAo meu filho, parte minha, e esposo,encontro de nos dois.Dedico este trabalho a todo poder feminino,a toda poro feminina que descendo. 4. Agradecimentos Ao dono do tempo. O tempo sabe, o tempo toma conta, o tempo se encarrega, o tempo revela-se. Com especial reverncia ao Prof Dr. nio Jos da Costa Brito, meu orientador,que acreditou em mim, mestre dos mestres, homem sbio. O Universo testemunhado meu eterno agradecimento. Aos professores Dr. Jos J. Queiroz e Dra. Teresinha Bernardo, que juntos aomeu orientador compuseram, com valiosas sugestes, a Banca de Exame deQualificao. Ao Programa de Cincias da Religio, a todos mestres com quem tive aula eao feminino deste programa, Andria. Brgida pelo olhar cuidadoso na reviso finaldo meu trabalho. Com toda reverncia e carinho amiga, Maria das Graas de SantanaRodrigu, poder feminino importante no tocante aos estudos das Cincias da Religio,na PUC-SP e dos aspectos antropolgicos das religies afro-brasileiras. Agradeopela amizade, pelo incentivo por Or pr abrir caminho num momento em que eudeixei de acreditar. Ao Prof Dr. Sikiru Salami pela sua infinita sabedoria, suas palavras e suaapresentao do universo de entrevistados. A todos entrevistados: Babalorix Valdir de Oia, Sra. Lourdes, BabalorixAntonio, Ialorix Marta, Ialorix Raquel, Sr. Sergio, Ialorix Sandra Epega, IalorixSumab e Ialorix Sueli Oyalju (in memorium), que foram muito importantes naconstruo deste trabalho. Pesquisa no se inventa, revela-se. Aos muitos parentes consangneos e afins, que me deram apoio nosmomentos mais difceis, especialmente meu esposo Mauricio e meu filho Lon, quepartilharam comigo a disciplina e os sacrifcios impostos pela elaborao destetrabalho. 5. Ao grande colaborador aos estudos afro-brasileiros Pierre Fatumbi Verger(1902-1996), ligado a histria dos candombls da Bahia e das relaes entre a fricae o Brasil, de quem parafraseando me vejo: A nica concluso que posso tirar lanando um olhar dos anos j vividos e dos anos que estou vivendo. que se nunca soube muito bem o que queria soube ao contrrio o que eu no queria. Deste fato recusando fazer o que eu no gostava minha vida tomou sem que eu desse conta certa forma.11Mensageiro entre dois mundos. Luis Buarque de Hollanda. GNT, 1996. 6. Resumoymi, me primordial, divindade das prticas religiosas afro-brasileira em seusmbolo originrio, nosso objeto de estudo. ymi fundamental nos cultos deorigem africana.Estudar e investigar os conhecimentos reais sobre a concepo de ymi, suavenerabilidade, sua influncia na prtica do culto aos orixs, bem como seussmbolos, sua celebrao, suas rezas e suas louvaes so os nosso objetivos.Resgatar a identidade de ymi tarefa rdua, pois implica na superao dopreconceito e da viso redutiva deturpada que se fez sobre o aspecto ancestralfeminino.ymi, Me Ancestral, divindade mtica, representao coletiva das entidadesgenitoras ancestrais femininas, divindade das prticas religiosas afro-brasileiras. ymiveio para o Brasil com descendentes de populaes da frica Ocidental, meprimordial, matriz primeira da qual advm toda a criao do mundo material. Palavras-chaves: ymi, me ancestral, guld, smbolo, feminino. 7. Abstract ymi, primordial mother, deity of practical the religious afro-Brazilians in itsoriginary symbol, are our object of study. ymi is basic in the cults of African origin.To study and to investigate the real knowledge on the conception of ymi, itsvenerabilidade, its influence in the practical one of the cult to orixs, as well as itssymbols, its celebration, its prayers and its praises are our objectives. To rescue theidentity of ymi is arduous task, therefore it implies in the overcoming of thepreconception and the deturpada redutiva vision that if made on the feminineancestral aspect. ymi, Ancestral Mother, mythical deity, collective representation ofthe feminine ancestral genitoras entities, deity of practical the religious afro-Brazilians. ymi came to Brazil with descendants of populations of Africa Occidentalperson, primordial, first mother first of which advm all the creation of the materialworld.Word-keys: ymi, ancestral mother, guld, symbol, feminine. 8. SumrioIntroduo.....................................................................................................................10Captulo I: O mito de ymi : origem, evoluo e recepo no Brasil ...............16 1.1 - ymi na mitologia .......................................................... ..............................16 1.2 - Origens e significados mticos de ymi ........................................................19 1.3 - Mitos relacionados a ymi ............................................................................24 1.4 - ymi no Brasil ...............................................................................................28Captulo II: ymi na viso dos sacerdotes e devotos de orix ..........................34 2.1 - Celebrao ymi ......................................................................................34 2.2 - Oferendas ymi ........................................................................................38 2.3 - Smbolos de ymi ........................................................................................45 2.4 - Rezas e louvaes ........................................................................................48Captulo III: O resgate do smbolo: a identidade unvoca ou bipolar? ...............61 3.1 Smbolo e Identidade ....................................................................................61 3.2 - Alm do dualismo .........................................................................................66 3.3 - ymi no mundo Visvel (Aye) e no mundo Invisvel (Orun).........................70 3.4 - Poder de ymi ..............................................................................................72 3.5 - ymi: Criadora ou Destruidora .....................................................................74Concluso ................................................................................................................80Bibliografia................................................................................................................83Apndices ................................................................................................................94 Entrevista 1 - Ialorix Raquel ................................................................................94 Entrevista 2 - Sr Sueli ........................................................................................103 Entrevista 3 - Babalorix Valdir de Oia ...............................................................106 Entrevista 4 - Sra. Lourdes de Oia .....................................................................114 9. Entrevista 5 - Babalorix Sr. Antonio de Xang ..................................................119 Entrevista 6 - Ialorix Marta do orix Oxum ........................................................130 Entrevista 7 - Sr. Srgio ......................................................................................138 Entrevista 8 - Ialorixa Sumabe ............................................................................144 Entrevista 9 - Ialorixa Sandra Epega ...................................................................145Anexos ....................................................................................................................146 Figura 1 - Imagem de ymi em madeira (foto particular) ...................................146 Figura 2 - Mascara Guld (foto particular) .......................................................147 Figura 3 - Mascara Guld (Michel Huet, Danses DAfrique, p. 133) ...............148 Figura 4 Casal de Edan (Nelson Aguilar, Mostra do redescobrimento: arte afro- brasileira, p. 87) ...................................................................................................149 Figura 5 - Penas de pssaros: Agbe: Que a sorte da pessoa vem at ela. (foto particular) .............................................................................................................150 Figura 6 Penas de pssaros: Aluko: que o ax de ymi faa encontrar sua sorte. (foto particular) ...........................................................................................150 Figura 7 Penas de pssaros: Ikodide: para fazer preservao a essncia da pessoa. (foto particular) .......................................................................................151 Figura 8 Penas de pssaros: Leke-leke: Para que voc fique por cima de todas dificuldades da vida. (foto particular) ...................................................................151 Figura 9 - Desenho, representao do Orun e Aiye. Ialorix Sandra Epega desenhou durante a entrevista para ilustrar Orun e Aiye ....................................152 10. 10Introduo O motivo que me levou a estudar o tema da ymi como Smbolo AncestralFeminino no Brasil surgiu da minha experincia como Abi 1, no Il2 Ax de Oxum eCabocla Jurema, situado no bairro de Vila Nova Cachoeirinha, na cidade de SoPaulo. Em 16 de abril de 1984, entrei pela primeira vez em terreiro de candombl, o IlAx de Oxum e Cabocla Jurema, em busca de uma consulta com o jogo de bzios3, oqual confirmou a necessidade de eu fazer um bori. Perguntei a Ialorix4 o que era obori5. Ela me respondeu que se tratava de um ritual que juntamente com a lavagem-de-contas, abre o ciclo inicitico, estabelecendo um compromisso com o Orix. Apalavra Orix no era novidade para mim, pois tinha como religio a Umbanda. Desdeos meus seis anos acompanhava meus pais para ouvir o evangelho e receber o passeespiritual. Para realizar o bori, eu teria que ficar afastada das atividades de trabalho e deestudo por duas semanas. Passei a freqentar o Il e no ms de julho de 1984, emperodo de frias de minhas atividades, realizei o bori. Na condio de abi, minha participao na vida litrgica da comunidade eramnima. O tempo passou. Vivenciando o dia a dia do Ax, passei a dialogar com a1Segundo Alcides Manoel dos REIS, Candombl: a panela do segredo,p. 303: Abi - pessoas que nopassaram pelos rituais de iniciao ao sacerdcio, ou seja, que no so feitas no santo, mas j esto sepreparando para isso, freqentando o terreiro com assiduidade e participando da atividade da casa deCandombl.2Il - denominao da casa de candombl, geralmente seguida do nome do orix protetor do terreiro.Olga Gudolle CACCIATORE, Dicionrio de cultos afro-brasileiros, p. 143.3 Bzio Pequena concha branco-amarelado, de forma ovalada, tendo de um lado uma salinciaarredondada e do outro uma fenda serrilhada. tambm chamada cauri ou caurim (Cyproea moneta) eoutrora foi usada em muitos lugares da frica e pases orientais como dinheiro. O nome ioruba ey.Tanto na frica como no Brasil tem sido empregada nos cultos afro-brasileiros para oferendas, enfeitesrituais, colares, bem como em processo divinatrio denominado dilogun, no qual so usados 16 a 32bzios (s vezes em menor nmero). Os bzios usados na adivinhao so africanos, mais fortessendo os brasileiros muito quebradios. Exu, que traz as respostas no dilogun, um dos maioresapreciadores, de bzios, principalmente nos candombls mais tradicionais. Ibid., p. 70.4 Ialorix Sacerdotisa iniciada com obrigaes cumpridas preparada para o exerccio do sacerdciodo Culto aos Orixs, Me de s, Me espiritual. Maria das Graas de Santana RODRIGU, Or pr: o Ritual das guas de Oxal, p. 177.5 Segundo Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigria(frica do Oeste), p. 359: Bori ritual de alimentar o ori, essncia vital que responde pelo destinohumano. considerado um ato de busca de equilbrio e realizado para que a pessoa tenha mais sortena vida. 11. 11Ialorix, pois sentia necessidade de compreender o que estava cantando, o queajudaria, e muito, para acompanhar os cnticos. A resposta vinha de forma autoritria:s com o tempo se aprende. Eu continuava a indagar sobre a possibilidade de algum vir at o Il paraensinar iorub e de comprar livros, para que pudssemos ter um dia na semana paraleitura sobre a origem de cada Orix. No obtendo resposta afirmativa sobre o quesugeri, iniciei o curso sobre lngua iorub, na Universidade de So Paulo USP, poisa religio, no meu entender, tambm cultura. Afastei-me deste Il, pois vivia num contexto esttico. V-se uma prtica semquestionamentos. Dana-se e se canta sem conhecimento do que est acontecendo,isto , o individuo nem sabe o que est cantando ou o motivo pelo qual estdanando. Creio que exista a necessidade da teoria, que se refletia no acesso ao curso delngua iorub e aos livros que contm a histria dos Mitos e das Divindades para asquais se dana e se canta, por exemplo. Ser que s os Candombls de Tradiofazem isto? E esses outros tantos candombls espalhados, que nasceram dodesmonte de uma sala ou de um quarto tornando-se Il? Esses questionamentos levaram-me a buscar, nos cursos de lngua iorub, apronuncia, a gramtica e a escrita iorub e, cada vez mais, as leituras sobre religioafro-brasileira. Recusava-me a fazer o que eu no gostava e cantar semconhecimento do que estava pronunciando. Minha vida tomou um certo rumo, atravsdas leituras de Pierre Fatumbi Verger. Uma afirmao de Verger deixou-me curiosa.Diz, ele: ymi e o culto dos Orixs6 - esta ignorncia da exata personalidade de ymi impediu aqueles que escreveram sobre estas questes de associ-la ao culto dos orixs, apesar do fato de que nenhuma cerimnia pode ser realizada antes que oferendas lhe sejam dadas. 76Culto Lesse rs: Culto aos Orixs, culto de origem africana, que tem a funo de reverenciar osprincpios de unio com os demais elementos da natureza, visvel e invisvel. Na Bahia se estabelecena Religio dos Orixs.7Pierre Fatumbi VERGER, Artigos Tomo 1, p. 35. 12. 12 Guardei com carinho esta afirmao, suspeitando ter nela algo a serpesquisado. O tempo passou e um dia lendo o ensaio8 intitulado De Iy Mi a Pomba-gira: transformaes e smbolos da libido, reencontrei a mesma questo: As cantigas evocam de maneira no equivoca as caractersticas que fazem das Grandes Mes, designadas ainda mais diretamente pela forma singular Iymi minha me, as donas de to poderoso ax: O velho pssaro no se esqueceu no fogo, O pssaro doente no se esqueceu ao solo 9. De acordo com Augras, na simbologia iorub, o pssaro representa o poderprocriador da me: Nada pode aquecer o velho pssaro porque ele mesmo fonte de calor, de vida. Esse poder essencialmente misterioso secreto, escondido no mago do corpo da me, casa e morada, o medo de ficar preso para sempre dentro do corpo materno claramente assumido, pois que cilada essa, seno a prpria vagina aterradora? 10 Verger, em sua obra e dentro do seu sistema de trabalho, esteve semprepreocupado em apresentar o maior nmero de dados diferenciais. As informaes quefornece so dotadas de concretude, colocando problemticas difceis de sedesvendar. Com isto, refletimos a respeito de autores: o reverendo S. Crowther, oreverendo Bowen, o Abade Pierre Bouche, o padre Noel Baudin, B. Ellis, queescreveram sobre ymi, mas no perceberem que ymi est intimamente ligada aomito ioruba da criao do mundo e tambm no a associaram ao culto dos orixs.Conceitos bsicos e fundamentais foram adulterados e repassados ao longo dosanos, como verdade admitida por autores que se copiaram. Como as pessoas8 Monique AUGRAS, De Iy Mi a Pomba-gira, In: Carlos Eugnio Marcondes MOURA (org.),Candombl: religio do corpo e da alma, p. 18. 9 Ax - fora vital que promove os acontecimentos. Segundo Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valoresde Conduta Social entre os Yoruba da Nigria (frica do Oeste), p. 358: ax: fora vital, valorsupremo, determinante do ideal de viver forte no plano material e social. Enquanto energia, pode serobtida ou perdida, acumulada ou esgotada, transmitida. Seu acmulo manifesta-se fsica esocialmente como poder e seu esgotamento como doena fsica ou adversidades de toda ordem.Significa tambm assim seja (ocorrer, acontecer, assim ser) ax: a qualquer momento ocorrero que est sendo afirmando.10Monique AUGRAS, De Iy Mi a Pomba-gira, In: Carlos Eugnio Marcondes MOURA (org.),Candombl: religio do corpo e da alma, p. 18. 13. 13envolvidas com o candombl, nos dias de hoje, percebem, sentem e cultuam essesmbolo? Todos tm conhecimento do smbolo? Quais as implicaes para acomunidade quando se admite este smbolo? O objeto do nosso estudo ymi, Me Ancestral, divindade mtica,representao coletiva das entidades genitoras ancestrais femininas, divindade dasprticas religiosas afro-brasileiras. Terra mantenedora do mundo detentora do ax11feminino poder da fecundao. ymi veio para o Brasil com os descendentes daspopulaes da frica Ocidental, me primordial, matriz primeira da qual advm toda acriao do mundo material. Na pesquisa terica e emprica, procuraremos responder algumas questes:Qual a origem e a identidade do smbolo de ymi? Quais os mitos relacionados ymi? Qual a posio e o lugar que ymi ocupa no culto? Qual a importncia dosmbolo no culto dos orixs? Como as pessoas envolvidas percebem e sentem essesmbolo? Todos tm conhecimento da sua existncia? Trabalharemos com duas hipteses. A primeira hiptese diz que foi feita umaleitura do mito da deusa, eminentemente, patriarcal, o que extirpou o poder femininopresente no mesmo mito. Uma segunda hiptese que, apesar do fato acimarelatado, o feminino por ser arqutipo acaba se impondo. Pretendemos entender de modo mais completo a concepo da ymi, seusmbolo, sua influncia e sua venerabilidade na prtica do culto aos orixs. Faz-senecessrio superar a deturpao do conceito primordial, que a coloca em p deigualdade com Exu, uma das principais entidades africanas e dos candombls doBrasil, que carrega, em sua histria, uma ambigidade bem / mal, pondo em evidnciao aspecto negativo. Tambm buscamos contribuir com Cincias da Religio, ao esclarecer um temapouco pesquisado na sociedade brasileira, marcada por tantas e to gravescontradies. Recorreremos aos estudos de Antnio Ciampa a respeito da identidade. Osestudos de Mircea Eliade, sobre os smbolos sero de grande valia. Outro autor que11Marcos Antonio dos SANTOS, Iy gb j, a ancestralidade manifesta, In: Clo MARTINS; RaulLODY, Faraimar, o caador traz alegria, p. 267. 14. 14teremos presente Clifford Geertz, em A Interpretao das Culturas e Saber Local,obras estudadas com cuidado. O caminho adotado para trabalhar nosso objeto tambm se dividiu emprocedimentos tericos e empricos. Para os estudos tericos e bibliogrficos foramrealizadas: pesquisa, seleo bibliogrfica, anlise e interpretaes de textos. Almdisso, participamos de cursos, que achamos importante destacar, pois contriburampara iluminar o nosso objeto e compor nosso quadro terico. So eles: A Questo daAfricanidade - Introduo ao estudo de elementos estruturadores de processos sociaisem civilizaes negro-africana, Do afro brasileiro: religio e cultura nacional, ymi -Osoronga as Mes Feiticeiras e tambm o curso do Centro Cultural Oduduwa.Tambm visitamos alguns centros de excelncia em estudos da cultura afro-brasileira,os quais nos forneceram documentos, materiais impressos e livros. So eles:Fundao Pierre Fatumbi Verger, CEAO Centro Estudo Afro Ocidental eSECNEB Sociedade de Estudos da Cultura Negra no Brasil. Os dados empricos da pesquisa foram colhidos a partir de entrevistas semi-dirigidas, gravadas, com aproximadamente duas horas de durao. As entrevistasforam realizadas com dois Babalorixas, cinco Ialorixs e dois devotos de orixs,residentes na Grande So Paulo e na cidade de Petrpolis. Das pessoas procuradas para fazerem as entrevistas, a Ialorix, SandraEpega, disse-me para ouvir a opinio de pessoas de outras casas e sugeriu a casa deme Ada. J a Ialorix Sumabe do Il de Oxum e Ogum guas do Abaet disse-mepara voltar outro dia, pois estava ficando com dor de cabea: Esse assunto comea aarder a cabea, eu tinha que preparar um banho para voc, o assunto muito 12delicado, vamos parar por aqui voc me liga para marcar outro dia. Liguei no diaindicado e a Ialorix disse que iria viajar e, por isso, no poderia dar entrevista. A estrutura do nosso trabalho apresenta-se dividida em trs captulos. Nocaptulo I, fazemos um levantamento da mitologia, da origem, dos significadosrelacionados ymi, atravs de textos, ensaios e literatura. Discutimos a presena determos malficos e destrutivos associados e atribudos s mulheres. O captulo II foielaborado a partir das prprias falas dos entrevistados e revela a viso dos sacerdotes12Ialorix Sumabe do Il de Oxum e Ogum guas do Abaet, entrevistada pela autora, caderno deanotaes, documento Word, So Paulo, 20/06/2000. Ver Apndice p. 144. 15. 15e dos devotos do candombl sobre ymi-agb (Me Ancestral) nas cidades de SoPaulo e de Petrpolis. O captulo III resgata o smbolo de ymi para os sacerdotes eos devotos do candombl, mediante a revelao de sua identidade unvoca ou bipolar. 16. 16Captulo I: O mito de ymi: origem, evoluo e recepo noBrasilEste captulo constitui-se de um levantamento da mitologia, da origem e dossignificados relacionados ymi. Apresentaremos tambm o mito na frica e noBrasil, como forma de verificar a veracidade dos textos, dos artigos e da literatura quese referem ymi. Notaremos que alguns deles esto impregnados de termosmalficos e de um poder destruidor, que atribudo s mulheres e s ancis. O teordeste captulo a apresentao de dados histricos sobre as divergncias queexistem entre o mito e o smbolo ancestral feminino de ymi.1.1 - ymi na mitologiaOs mitos que fazem parte da tradio oral dos diversos povos que formam ocomplexo lingstico cultural iorub1 foram preservados nos pases da disporaafricana, especialmente no Brasil. O mito transcrito a seguir baseado em algumashistrias, Itan2, publicadas por Verger s mj.De acordo com uma histria contida no verso de adivinhao do If 3, noOdu4s mj, Olodumare5 foi quem deu o poder primeira mulher. Depois dacriao da Terra, Olodumare enviou trs orixs, incluindo dois homens, Obarix6 eOgum7, e uma mulher, Od8, para administr-la:1 Segundo Olga CACCIATORE, Dicionrio de cultos Afro-brasileiros, p. 149, Iorub povo sudansque habita a regio de Yorub (Nigria, frica Ocidental), que se estende de Lagos para o norte, at orio Nger (Oya) e do Daom para leste, at a cidade de Benin. Sua capital poltica Oy e a religiosaIf, onde a Humanidade foi criada, segundo os mitos.2 Segundo Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigria(frica do Oeste), p. 363, Itan narrativas que integram os enunciados de If.3If divindade iorub. Jogo divinatrio realizado com ikin ou opele.4Para Ibid., p. 364, Odu corpus literrio de If se compe de um total de 256 odu, classificados em16 odu maiores - Oju Odu e 240 menores Omo Odu ou Amulu Odu, compondo um total de 4.096(16x16x16) poemas que servem de suporte para interpretao oracular. Os Odu so, simultaneamente,divindades que estabelecem relaes hierrquicas entre si.5Olodumare: Deus Supremo. Criou os orixs e deu a eles atribuies de criar e controlar o mundo.6Obarix: outro nome para Obatal. Obatal, literalmente, Rei do pano branco, orix da criao, criadordo homem, considerado o maior dos orixs.7Ogum: divindade civilizatria de origem iorub, associada guerra, caa, agricultura e forja.8 Segundo Pierre Fatumbi VERGER, Artigos Tomo I, p. 10, Od O segundo aspecto de ymi,menos conhecido, aquele de divindade deposta, nossa me chamada Od (no confundir com odu deIf), ou Od lgbje, aquela que ao vir ao mundo, recebe de Olodumar o poder sobre os orixs, poder 17. 17If consultado para Odno dia em que ela vem do alm para a Terra.If consultado para Obarix,No dia em que ele vem do alm para a TerraIf consultado para Ogum, no dia em que ele vem do alm para a Terra.9Para Obarix, Olodumare deu um ax especial para comandar e fazer todasas coisas e a Ogum, ele deu o poder do ferro, da caa e da guerra. No princpio, Od no foi determinado nenhum poder especial. Insatisfeita, ela voltou aOlodumare para pedir o seu prprio poder. Olodumare respondeu: Voc sempreser chamada, para sempre, me deles, voc sustentar a Terra10. Com estasobservaes, Od vem do alm para a terra e recebe de Olodumare11, ser supremoo poder de Eleye12, dona do pssaro, pois:Na histria das divindades celestes um fenmeno no mais alto grau reveladorpara a experincia religiosa da humanidade: que estas figuras divinas tmtendncia a desaparecer do culto: em parte nenhuma desempenham papelpredominante, foram afastadas e substitudas por outras foras religiosas: cultodos antepassados, espritos e deuses, notvel que esta substituio se faasempre em proveito de uma fora religiosa ou de uma divindade maisconcreta,mais dinmica, mais frtil, exemplo, Grande Me. 13Voltando ao mito, quando ele perguntou como ela usaria o seu poder na terra,Od respondeu que ela o utilizaria para lutar com aqueles que a insultasse ou adesrespeitasse, mas no hesitaria em us-lo para ajudar aqueles que a adorassem.simbolizado pelo eye o pssaro. Ela torna-se eleye (proprietria do pssaro ou proprietria da fora dopssaro). Ela recebe tambm uma cabaa, imagem do mundo e contendo seu poder.9Pierre Fatumbi VERGER, Artigos - Tomo I, p. 65.10 Cf. Ibid., p. 25. No livro, o texto encontra-se com as seguintes palavras: Voc ser y won, a medeles, para sempre; voc sustentar o mundo uma citao com outras palavras.11Segundo Jos BENISTE, Orun, iy, p. 37-38: Os objetivos na religio yorub, legados aoCandombls do Brasil, tm sido o culto ao Orix. Dessa forma, todo o estudo da religiosidade tem-seconcentrado nessas divindades, dando-se a entender que no h nenhum culto e venerao a um SerSupremo. O pouco que se fez a respeito tornou o assunto confuso por m interpretao, motivada, emgrande parte, por concepes pessoais e influenciada por outras concepes religiosas. Os equvocosse sucederam e conduziram a uma noo errnea de que Olorun ou Olodumar um deus incerto eremoto, e, por esse motivo no venerado. Essa omisso talvez se deva ao fato de que, no panteo dasdivindades, no se encontra o nome de Olodumar.12 Eleye, literalmente, a dona do pssaro, epteto usado para referir-se ymi.13Mircea ELIADE, Histria das Religies, p. 98-99. 18. 18 Od revela disciplinas e regras, assim o indivduo indisciplinado na vidaresponde por seus atos. Toda coisa que ela fizer para algum, se ele se mostrar, emseguida, impertinente, ela diz que o retoma. Naquele tempo a mulher podia tudo, osobjetos sagrados pertenciam-lhe, especialmente Od, ymi, que so as mesancestrais supremas, detentoras e transmissoras do poder sobrenatural. Podemosconstatar que: Od representa as mulheres, so as mes, esto no poder. A sociedade est fundada sobre o matriarcado, elas tm a seu cargo at o culto dos ancestrais, o culto de Egum. Os homens tm apenas um papel apagado, tanto no governo quanto nas funes sacerdotais. Quando as mes exageraram os homens reagiram frente aos seus excessos. Eles retomaram o exerccio do poder e o comando, mas as mulheres, entretanto, controlavam o poder. Sem elas os seres humanos desapareceriam. 14 Tal afirmao vai ao encontro do que diz Muraro: ... a mulher, numa pocaanterior ao perodo neoltico, no qual h possibilidades de existncia de sociedadesmatriarcais, continha o poder da continuidade da vida nas mos e na falapredestinadora 15. Obarix insatisfeito com aquela mulher enrgica, a quem Olodumar confiou aTerra, vai consultar Orumila16 para descobrir o poder de Od. Faz oferendas, aguardacom pacincia o momento em que a anci (gb), aquela que carrega o poder damulher, vai exagerar. Dado esse momento, Obarix, utilizando-se dos objetossagrados, passa a conduzir Egum17, dando incio disputa da hegemonia do mundo.14Pierre Fatumbi VERGER, Artigos Tomo 1, p. 28.15Rose Marie MURARO, Introduo, In: James SPRENGER; Heinrich KRAMER, O martelo dasfeiticeiras, p. 5.16Orunmila Divindade primordial. Orix que introduziu o sistema divinatrio de If. Orculo divino,tambm denominado If.17 Para Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigria (fricado Oeste), p. 360, tambm gn. Abreviatura de egngn. Egungun culto secreto aos ancestraismasculinos. Uma vez por ano, ou em ocasies especiais, so evocados e caminham pelas ruas dascidades abenoando as pessoas e recebendo presentes. Tambm participam dos rituais de iniciao deOya. 19. 191.2 - Origens e significados mticos de ymi A vida dos iorub depende de vrias sociedades, freqentemente secretas,tendo sua prpria histria, cerimnias e festivais. A Sociedade Gld, estabelecidaentre os povos iorub do oeste, permite comunidade prestar homenagem ymi,minha me, me ancestral, fora feminina do cosmos. A origem do culto se situa naregio do Ktu. O Gld acontece principalmente nas reas ocidentais e litorneasocupadas pelos Ktu, Sb, hr, gbdo, ng e wr. Apesar do Gld poderser executado em honra de qualquer orix, sua funo mais popular de aplacar yNl (a grande me) e as suas discpulas terrestres, aj18, mes poderosas,freqentemente identificadas como a primeira mulher no universo iorub. SegundoLawal: y Nl permanece um enigma. Isto porque ela a me natureza, ela Yewajob, ymi , ya (a me de tudo e a me das mes) compendiando o princpio materno no cosmo ioruba, combinando na sua natureza os atributos de todas as deidades femininas principais Yemoja (a me de todas as guas), Olkun (deusa do mar), Oxum (deusa do rio Oxum), Od (a fundadora da feitiaria), Odu (deusa da Terra), Il (deusa da Terra) e Oya (deusa do Rio Nger). Pouca coisa ioruba do Brasil mostra Yemoja como Od-ymi, enquanto os ioruba de Cuba uma vez celebram Gld em honra de Yemoja-Olkun. Como Olkun (esprito do mar) e Yemoja (a me de todas as guas), y Nl era o mar primevo do qual a terra habitvel emergiu em Il-If o bero da civilizao dos ioruba. Como Il (a Terra) venerada pelo Ogboni, ela sustenta a vida, a humanidade e a cultura. Como incorporao de bem e do mal do mundo fsico, ela Olway (senhora do mundo), e ymi srng, a primeira mulher a quem o Ser Supremo deu um poder especial (ax) na forma de um pssaro incluso em uma cabaa, cpias das quais ela apresentou as suas discpulas, as aj, mes poderosas. 19 Ronilda Ribeiro escreveu: Os ancestrais femininos dos iorubs tm sua instituio nas sociedades Gelede e Egbe Eleekeo. A sociedade Gelede, integrada por homens e mulheres, cultua as Iya-agba, tambm chamadas Iyami, que simbolizam aspectos coletivos do poder ancestral feminino. Dirigida pelas Erelu, mulheres detentoras dos segredos e poderes de Iyami, cuja boa vontade deve ser cultivada por ser18 Aj mes poderosas. Segundo Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre osYoruba da Nigria (frica do Oeste), p. 357: Aj mulher com poderes extraordinrios que pratica tantoo bem quanto o mal. Para Ronilda RIBEIRO, Me negra, .186: Aj bruxa, mulher com poderessobrenaturais que, segundo a concepo iorub, pratica tanto o bem como o mal.19 Bbtund LAWAL, The Gld spectacle, p. 25. (Traduo nossa) 20. 20essencial continuidade da vida e da sociedade, o culto tem por finalidadeapaziguar seu furor: propiciar os poderes mticos femininos: favorecer afertilidade e a fecundidade e reiterar normas sociais de conduta. Seu festival realizado anualmente, por ocasio da colheita de inhame, e dura sete dias. 20 O objetivo do Gld ressaltar, sobretudo, que as mulheres possuem umpoder,nomnimoigualdoqueaquele dos deuses edosancestrais.Segundo Verger21, nas regies de Kto, Egba e Egbadad, onde florescia Atigali(caadores de feiticeiras), que existem as mscaras Gld: so mscaras22 usadaspor homens que fazem parte de sociedades controladas e dirigidas por mulheres, quepossuem os segredos e os poderes de j. As ymi, longe de estarem excludas dasociedade iorub so, ao contrrio, tratadas com muito respeito e considerao, poiso objetivo desta sociedade Gld o de acalmar a possvel clera de ymi comcerimnias e com danas feitas em sua honra. Segundo Juana Elbein23: Homens e mulheres podem fazer parte da sociedadeGld, mas sua cpula constitui uma sociedade secreta feminina e sua funoconsiste em cultuar as y-gb. A dirigente da sociedade dos Gld usa o ttulo deerel24. Algumas histrias de If do ymi uma imagem que est de acordo com aestabelecida pela crena popular. Nesta imagem possvel observar que:Manifestam, por um lado, a polaridade de duas personagens divinas, provenientes deum nico e mesmo princpio e destinadas, em diversas verses, a reconciliarem-senum illud tempus escatolgico 25. Na sociedade iorub, grande o nmero de entidades que formam o conjuntodas mes ancestrais, associadas ao poder mgico religioso, consequentemente magia e ao uso do poder sobrenatural. Oxum, Yemoja e Nn encabeam asociedade Gld. Oxum Ijm, rainha de todas as Oxum est em estreita ligaocom ymi -j e Oxum yla ou Oxum yanl, a av, que foi a mulher deOgum.Oxum Olr y-gba j chefe supremo de nossas mes ancestraispossuidoras de pssaros. Nn uma divindade muito antiga. A rea que abrange o20Ronilda RIBEIRO, Me Negra, p.120.21 Pierre Fatumbi. VERGER, Artigos Tomo 1, p. 23.22 Para saber mais sobre as mscaras Gld vide fotos no anexo.23 Juana Elbein dos SANTOS, Os Ng e a Morte, p. 116.24 Erel mulheres detentoras dos segredos e poderes de ymi. Segundo Eduardo FONSECA JUNIOR,Dicionrio antolgico da cultura afro-brasileira, p. 324: Erel ttulo geralmente dado mulher da casade Ogboni ou a mulher chefe em qualquer comunidade.25 Mircea ELIADE, Tratado de Histria das Religies, p. 341. 21. 21seu culto muito vasta e parece estender-se de leste, alm do Nger, at a regiotap, a oeste, alm das regies dos guang, ao nordeste dos ashant. Alguns orixs femininos, irunmal, divindades da esquerda, acham-serelacionados s Iya-agba, ancestrais femininos, do Egbe Eleye, sociedade daspossuidoras de pssaros. Segundo Juana Elbein26: Nn, Nn Buruk, N Buruku ou N Buk, localiza-se no grupo de Orix genitores da esquerda27 e est estreitamente vinculada ao elemento terra, s guas e unio dessas duas substncias: a lama. Nn est associada criao nos seus primrdios, a anci a av preciso apazigu-la, representa o ciclo da vida e morte. Yemoj divindade dos Egb, uma nao iorub que antigamente ficava entre 28If e Ibadan29, onde h o rio Yemoj. Com as guerras existentes nas naesiorubas, o povo Egb foi para Abeokut, transformando-se em objeto do culto sancestrais femininas, que eram homenageadas no incio dos festejos dedicados sgrandes mes ancestrais no festival Gld. Segundo Lydia Cabrera: Olokun Yemaya, que foi amarrada no fundo do mar imenso por uma cadeia, grande demais para baixar na cabea de um mortal. Assim como Yewa, no se pode pronunciar seu nome sem antes tocar no cho a ponta dos dedos e beijar com fervor os vestgios da poeira que neles ficaram. Olokun Yemaya o princpio fundamental das Yemaya, a mais velha, a mais profunda, que no abandona seu filho respeitoso e cumpre suas obrigaes. 3026Jaime SODR, As esculturas de Mestre Didi, In: Juana Elbein dos SANTOS (org.), AncestralidadeAfricana no Brasil, p.179.27 Juana Elbein dos SANTOS, Os Ng e a Morte, p. 70: A classificao simblica de direita e deesquerda no deve ser interpretada como oposio, mas como sistema de relaes. (...) Ambas do ascategorias so importantes. (...) Assim um indivduo est constitudo de elementos da direita, herdadosde seu pai e de seus ancestrais masculinos, e de elementos da esquerda, herdados de sua me e deseus ancestrais femininos.28 Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigria (frica doOeste), p. 362: If ou Il If cidade sagrada localizada no estado de Oyo, Nigria. Segundo a crenayoruba, foi nessa cidade que ocorreu o nascimento da humanidade.29 Segundo Pierre Fatumbi VERGER, Notas sobre o culto aos orixs e voduns na Bahia de todos ossantos, no Brasil, e na antiga Costa dos escravos, na frica, p. 293: Em Ibadan, Yemoj representada por uma mulher grvida, smbolo da maternidade. As mos esto ao lado do ventre e elatem seios fartos. Fazem-se aluses a isso em cantigas e orikis: Nossa me de tetas chorosas.30 Lydia CABRERA apud Pierre Fatumbi VERGER, Notas sobre o culto aos orixs e voduns na Bahiade todos os santos, no Brasil e na antiga Costa dos escravos na frica, p. 298. 22. 22 Agayu teve amores com Yemaya, de quem nasceu Xango31. Yemaya,entretanto, abandonou-o e Obatal colheu-o e o criou, mais tarde, sem saber queYemaya era sua me, ele quis fazer-lhe a corte. A autora, dando continuidade aoassunto, publica alguns oriki: Rainha que vive na profundeza das guas. Yemoj quetem os seios midos. Ela tem muitos plos na vagina. Que, por ocasio das relaes32sexuais. Tem a vagina apertada como o inhame seco . Uma outra qualidadedeYemoj, que tem relao com as ymi sronga (minha me feiticeira), YemojMaleleo. Alguns de seus rituais so realizados nas florestas. uma Yemoja velha,reservada e vingativa. Incomoda-se quando se toca o rosto de sua ia e retira-se dafesta, tem estreita relao com Ogum. Os orixs femininos que representam aSociedade Gld tm em comum os termos: velha, a mais velha, a av. Na bibliografia pesquisada podemos perceber que as divindades perdem suacaracterstica que tinham nos mitos: me que recebeu de Olodumare a tarefa decuidar das barrigas das mulheres, de medic-las para que no tivessem abortos, deproteger as crianas pelo tempo necessrio, at que soubessem falar, andar, foi tarefadelegada Oxum. Nana33, aquela que faz justia. Buku mata quem quer que procurefazer mal a seu prximo, detecta os ladres e torna as mulheres fecundas.Representada nas imagens de uma matrona, de seios volumosos, smbolo dematernidade fecunda e nutritiva, possvel observar as particularidades de Yemoj. Verger, ao longo de suas pesquisas, pde constatar como informaesexpressas descuidadamente por pessoas respeitveis criaram uma tradioaparentemente lgica. Essas informaes foram copiadas e publicadas inmerasvezes, sem que sua autenticidade fosse posta em dvida 34. Em 1772, h 234 anos passados, o padre Labat35 j constatava: Que certasinformaes foram dadas por vrios autores e acrescentava: mas talvez no tenhamsido a opinio de quem as escreveu primeiro que outros seguiram e copiaram sem seimportar se estavam bem ou mal fundadas.31Xang do trovo e da justia, rei de Oi.32 Lydia CABRERA apud Pierre Fatumbi VERGER, Notas sobre o culto aos orixs e voduns na Bahiade todos os santos, no Brasil e na antiga Costa dos escravos na frica, p. 298.33 Ibid., p. 274.34 Pierre Fatumbi VERGER, Etnografia religiosa e probidade cientifica, Revista Religio e Sociedade,p.4.35 Ibid., p.4. 23. 23 Como exemplo deste tipo de situao, em 1894, foi publicado um artigo querelacionava Yemoj ao tema do incesto. As lendas redigidas pelo padre Baudin foramcopiadas, traduzidas e publicadas pelo tenente-coronel A. E. Ellis. Na histria, Yemojera perseguida por seu filho incestuoso, atribuindo a este ltimo, propsitos galantes eaudaciosos, quando declarava a sua me que ningum saberia o que se estavapassando, que no podia viver sem ele. Parece-nos que Yemoj, na mitologia dasdivindades do panteo iorub, alvo preferido de certos autores. Um outro aspecto de Yemoj a ser destacado o processo de ressignificaopela qual ela passou dentro das religies afro-brasileiras. Monique Augras, no seuensaio intitulado De y Mi a Pomba-Gira: Transformaes e Smbolos da Libido teceo seguinte comentrio: ... enquanto os terreiros tradicionais de candombl mantm o culto dos deuses em toda sua complexidade (ainda que de modo bastante discreto no que diz respeito aos aspectos mais ameaadores da sexualidade feminina), a umbanda parece ter promovido, em torno da figura de Iemanj, um esvaziamento quase total do contedo sexual. 36 Para autora, Iemanj, no contexto da Umbanda, est com a imagem apagadano que se refere ao seu aspecto sexual, sendo seu contraponto a Pomba-Gira, rainhada marginlia, como Maria Molambo, tambm chamada Pomba-Gira da Lixeira.Acrescenta: Maria Padilha de alguma maneira vem resgatar o antigo poder terrveldas ymi 37. ymi, smbolo ancestral feminino, originria da Nigria, povo iorub, assumena umbanda o ttulo de Rainha das encruzilhadas, Rainha da marginlia, Pomba-Girada Lixeira, onde oferendas so realizadas visando apaziguar a terrvel entidade, daqual a autora reencontra os atributos das velhas feiticeiras. Faz-se necessrio umareviso crtica da viso redutiva que se criou ao longo do tempo sobre ymi, smboloAncestral Feminino. S assim certos conceitos e certas descries podem serquestionados.36 Monique AUGRAS, Da Iy Mi a Pomba-Gira, In: Carlos Eugnio Marcondes de MOURA, (org.).Candombl: religio do corpo e da alma, p. 17-30.37 Ibid., p. 39. 24. 241.3 - Mitos relacionados ymi A cultura iorub transmitida oralmente, somente em poca muito recente,sculo XIX, surgiram os primeiros registros escritos em iorub. Segundo Fabio Leite: A palavra est presente tambm na narrao dos mitos e da histria (memria coletiva do grupo), na arte, no artesanato, na caa, na pesca na organizao poltica da sociedade. A palavra considerada elemento vital da personalidade e como fora vital, (Ax/mantu), presente na ligao com os ancestrais38 (invocao dos antepassados e ligao presente/passado). A oralidade africana baseia-se numa concepo especfica e originria dohomem, bem como do seu lugar e do seu papel no conjunto da realidade. Vansina39,ao definir oralidade, inclui um nvel de registro consciente dos acontecimentospassados e dos depoimentos, tais como as crnicas orais de um reino ou asgenealogias de uma sociedade segmentaria; e um nvel de registro inconsciente,como a literatura oral, que alm de fornecer detalhes sobre o passado, constituiimportante fonte para a histria das idias, dos valores e da habilidade oral. Astradies so tambm obras literrias e deveriam ser estudadas como tal, assimcomo necessrio estudar o meio social que as cria e transmite e a viso de mundoque sustenta o contedo de qualquer expresso de uma determinada cultura40. 41 Os mitos originalmente fazem parte dos poemas oraculares cultivados pelos42babalas , falando a respeito da criao do mundo e de como ele foi criado.Ressaltamos que os mitos aqui estudados, originrios das tradies orais iorub, tmsido preservados e ressignificados nos pases da Dispora. So eles quefundamentam a prtica religiosa dos candombls das naes iorubanas e dosterreiros nag: Ao recitar os mitos, reintegra-se aquele tempo fabuloso e a pessoatornar-se conseqentemente contempornea, de certo modo dos eventos, evocados,compartilha da presena dos Deuses ou Heris 43.38Cf. Fabio LEITE, A palavra em sociedades negro-africanas, In: Juana Elbein dos SANTOS (org.),Democracia e Diversidade Humana, p. 85-95.39 Cf. J. VANSINA, A tradio oral e sua metodologia, In: UNESCO, Histria Geral da frica, p. 159.40 Ibid., p. 159.41 A compreenso do discurso ioruba exige um esforo de interpretao exegtica de seus mitos e nouma desmistificao como porventura possa parecer. Sikiru SALAMI, Ogum, p. 67.42 Babala, babalawo, literalmente, senhor do segredo, pai do segredo.43 Mircea ELIADE, Mito e Realidade, p. 21. 25. 25Dada a importncia dos mitos dentro de uma sociedade de tradio oral, comoa iorub, apresentaremos, em seguida, alguns relatos mticos para apreciarmos suabeleza e fora, em especial do orix Oxum, que possui um destaque especial.Segundo Juana Elbein:No tempo da criao, quando Oxum estava vindo das profundezas do orun,Olodumareconfiou-lhe o poder de zelar por cada uma das crianas criadas pororix que iriam nascer na terra. Oxum seria a provedora de crianas. Eladeveria fazer com que as crianas permanecessem no ventre de suas mes,assegurando-lhes medicamentos e tratamentos apropriados para evitar abortose contratempos antes do nascimento, mesmo depois de nascida a criana, atela no estar dotada de razo e no estar falando alguma lngua, odesenvolvimento e a obteno de sua inteligncia estariam sob o cuidado deOxum. Ela no deveria encolerizar-se com ningum a fim de no recusar umacriana a um inimigo e dar a gravidez a um amigo. 44 Oxum a rainha de todos os rios e a mais importante entre as mulheres dacidade Ialode. a dona da fecundidade das mulheres, como observamos no mitorelatado, e a dona do grande poder feminino. O segundo relato chama a ateno paraos poderes mticos da mulher em seu duplo aspecto: protetor e generoso, perigoso edestrutivo 45:Certo dia Oxum, a deusa da beleza, mostrou-se aborrecida pelo desprezo comque era tratada pelos orixs do sexo masculino. Lanando mo de seuspoderes de feitiaria, atribuio do sexo feminino inerente metade inferior doIgbad, determinou que, at que fosse reconhecido este poder, uma praga seabateria sobre a Terra: as mulheres tornar-se-iam estreis, os animais nomais dariam crias e as plantas no se reproduziriam. Desta forma, o mundoestava condenado extino.Afinal, no tinha ela recebido o ttulo e as atribuies de ymi Akoko, a meancestral suprema, a grande protetora da gestao?No era ela, tambm a ggun ati gjlo ninu awon ymi srnga chefesuprema e comandante de todas as senhoras dos pssaros? Por que motivo,ento, no era convidada, jamais, a participar dos rituais?Nesta poca os orixs j haviam estabelecido cultos sobre a Terra. Seguindoas orientaes do orculo de If, abriram uma clareira na floresta a qualdenominaram Igbo Oro, consagrando-a a Oro, e onde era prestado culto a ori.Abriram outra clareira, consagrando a Egun, o Igbo Ignala, onde os espritosancestrais dos humanos eram cultuados sob o nome genrico de Egungun.44 Juana Elbein dos SANTOS, O Ng e a Morte, p. 85-86.45 Ronilda RIBEIRO, Me Negra, p.123. 26. 26 Na mesma floresta, outra clareira foi aberta e consagrada a If, o Igbo If, onde o orculo criado por Orumil era consultado por todos que queriam conhecer os seus destinos. Uma outra clareira, ainda, fora aberta na floresta chamada Igbo Orix, onde os orixs eram cultuados. No entanto ela, Oxum, a poderosa ymi Aj, jamais fora convidada a participar de qualquer das cerimnias. Mas sempre que os Orixs retornavam da floresta, trazendo consigo os animais oferecidos em sacrifcio, quer fosse para Oro, Egun, Orix ou at mesmo para Orunmil, entregavam-no a ela, para que os limpasse e cozinhasse, prevenindo-a, no entanto, de que no poderia comer nenhuma poro, por mnima que fosse, daquelas oferendas. Revoltada Oxum, resolveu estender sobre todas as coisas o seu Ax de ymi Aj, que tornava tudo estril, improdutivo.46Oxum no s lder das ymi Aj, ela tambm a doadora de filhos, quandoa mulher d luz, ela pe no mundo ela ativa47. a deusa da fertilidade e, comotal, ela protege os nascimentos e suas dores e assegura a continuidade humana, sema qual os orixs no podem existir. A caracterstica que decorre de seu poder genitor o de ser ymi Akoko, me ancestral suprema, e sua funo de chefe supremo dopoder ancestral feminino faz de Oxum a lder da sociedade das ymi, chamadatambm ya-agba (as mes ancis).Oxum simboliza o poder da mulher como lder das aj, que suspende osplanos das divindades masculinas porque as suas aes causam um desequilbrio fundao do universo. O odu Osetura revela que qualquer tentativa para organizar omundo sem o princpio feminino conduz a desordem: ... e o caos no esto somente situados, esto exemplificados topologia imaginria, simblica, associa-se um conjunto de figuras que manifestam sua ao dentro do prprio espao policiado. Figuras ordinrias, no sentido de que se encontram banalmente dentro da sociedade, mas em situao de ambivalncia por aquilo que dito delas e aquilo que elas designam. (...) Tais figuras so instrumentos de ordem ao mesmo tempo em que agentes potenciais da desordem. 48 A seguir, apresentaremos um outro mito, a histria de Irete Ogbe, tal qual revelada pelo Od If, que tambm se configura como uma importante orix para oestudos das ymi. A histria conta como Od chegou a ser esposa de Orunmil:46 Adilson de OXAL, Igbadu, p. 63-64.47 Monika Von KOOS, Feminino + Masculino, p. 110.48 Georges BALANDIER, A desordem, p.103. 27. 27 Od recebe de Olodumar um pssaro chamado rgmag. Este pssaro far para Od o trabalho que ela quiser, seja para o bem, seja para o mal Orunmil quer ter Od como esposa. Os babalaos dizem: He! Od tem um grande poder em suas mos. Orunmil deve depositar uma oferenda na rua feita de rato, peixe, caracol e azeite de dend. Orunmil faz o que lhe foi pedido. Quando Od chega, v a oferenda e Exu lhe diz que Orunmil quer despos-la. Od aceita e faz com que todos os entes malvolos que a acompanham, comam da oferenda. Ela abre a cabaa e faz com que rgmag, tambm coma. Assim Orunmil adquire as boas graas das ms inclinaes de Od e de seu poder. Od entra na casa de Orunmil, mas ela no se servir de seu poder contra ele. Ela o ajudar com o poder do seu pssaro. Mas ela diz a Orunmil que tem uma proibio: nenhuma de suas outras mulheres pode ver o seu rosto, e nenhuma pessoa deve caoar dela, porque Od o poder do babala.49 A proibio de ver o rosto de Od uma interdio de olhar dentro do igbddos babalas. Sikiru Salami em seu excelente estudo sobre poemas de If relata que: ...igba-odu significa cabaa do odu e designa aquele que possui todos os If. A divindade simbolizada por uma ou vrias cabaas contendo objetos sagrados. Os nomes igba-odu ou odu, raramente pronunciados, referem-se aos espritos dos babalas, visto que eles a representam. Os nomes em honra a Igba-Odu so numerosos Odulogboje aquela cujo pote feito de chumbo e no de madeira, Ajerereabojuojo aquela cujos olhos esto voltados para todas as direes, Adakinikinikara juza suprema, que distingue o bem e o mal e que sanciona, Alaburaja a sanguinria, que ama o sangue e dele se alimenta, Okalekotogowo a que d vida e cobra, em seguida, com a vida dos dependentes: a que tira aquilo que quer de acordo com sua vontade, Iya-agba velha anci, Igba-iwa cabaa da existncia. Igba-Odu, considerada um dos orixs mais temveis, esposa de If, seu maior segredo ningum poder apreender totalmente seu sentido. Misteriosa e de poder comparvel ao das ymi inspiram medo. Para assentar Igba-Odu em casa a pessoa tem que ser bastante forte e, ao faz-lo, recebe uma fora slida de defesa contra ataques de toda ordem. Representada por uma cabaa grande que contm quatro menores repletas de objetos, muitos dos quais de alto custo, representa o misterioso: Odu-wa la n pe l odu ! Odu que no conhecemos, salva-nos! Smbolo do cu e da terra em sua unio fecunda, detentora suprema do50 conhecimento de If. Os mitos relacionados acima revelam o aspecto ameaador do smboloancestral feminino, o seu grande poder da gestao e da criao, condio inerente mulher, poder, esse, que Olodumare concedeu a ela. Porm, conforme apontamos, os49 Pierre Fatumbi VERGER, Artigos - Tomo I, p. 80.50Sikiru SALAMI, Poemas de If e Valores de Conduta Social entre os Yoruba da Nigria (frica doOeste), p.137. 28. 28mitos iorubas formam preservados e ressignificados nos pases da Dispora. distoque falaremos a seguir.1.4 - ymi no Brasil As divindades africanas aportaram com os escravos que aqui desembarcaramtrazidos da frica. Nas matas, nos rios e no interior das senzalas, o batuque se faziaouvir, mas sempre longe dos olhos dos senhores, no esconderijo, como f ememria51sob o peso da proibio oficial. Embora as circunstncias da escravidotornassem difcil preservar na sua totalidade os costumes africanos, a organizaocoletiva possibilitou salvaguardar algumas formas de organizao econmica, social,familiar e algumas tradies52 religiosas. Esta preservao exigiu criatividade,imaginao e tenacidade. Fabio Leite considera que as tradies e as prticas religiosas negro-africanasno Brasil formulam-se idealmente em trs perodos distintos e sugere que justamente na segunda fase, sculo XIX, que ... aparecem os candomblstradicionais, fontes de valores e prticas institucionais da maior parte dos cultos afro-brasileiros ligados s origens Yoruba, o que ocorreu na Bahia53. A origem fsica do primeiro Candombl est ligada Igreja. Ele foi fundado nosculo XIX, por antigas escravas libertas, originrias de Keto (antigo reino Daom,atual Repblica de Benin) e pertencentes confraria de Nossa Senhora da Boa Morte,situada numa rua atrs da Igreja da Barroquinha. Essas mulheres teriam tomado ainiciativa de criar um terreiro de candombl chamado y Omi se ir Intil, numacasa situada na Ladeira do Berquo, hoje rua Visconde de Itaparica, prxima Igrejada Barroquinha. Iyaluss Danadana e Iyanass Akala, segundo uns, e Iyanass Ok so osnomes africanos dessas mulheres que, auxiliadas por um Baba Assik, teriam sido asfundadoras do terreiro de se ir Intil. Iyaluss Danadana regressou frica e l51 Segundo Alfredo BOSI, Dialtica da Colonizao, p. 5: A memria o centro vivo da tradio, opressuposto de cultura no sentido de trabalho produzido, acumulado e refeito atravs da Histria. ParaPlato a memria ativa. Aprender lembrar, lembrar aprender. (...) Quem se lembra com agudeza eprofundidade, desoculta o que estava coberto na prpria alma.52Cf. Fabio LEITE, Tradies e Prticas Religiosas Negro-Africanas na Regio de So Paulo, In:Culturas Africanas, Documentos da Reunio de Peritos As Sobrevivncias das tradies Religiosas nasCarbas e na Amrica Latina, p. 140-155.53 Ibid., p. 155. 29. 29morreu. Iyanass teria, pelo seu lado, viajado a Keto, acompanhada de Marcelina daSilva tendo est ltima como seu nome de iniciada Obatoss. Iyanass e Obatosstrouxeram de Keto, alm dessas filhas e netas, um africano chamado Bangbox, querecebeu na Bahia o nome de Rodolfo Martins de Andrade.O terreiro situado, quando de sua fundao, por trs da Barroquinha, mudou-sepor diversas vezes e se instalou sob o nome de Il Iyanass na Avenida Vasco daGama, onde ainda hoje se encontra, sendo chamado de Casa Branca de EngenhoVelho. Marcelina Obatoss tornou-se a me de santo aps a morte de Iyanass. Aprimeira me de santo teria sido Iya Ak, distinta Iyanass, que regressou frica,onde veio a falecer. A segunda me de santo teria sido Iyanass Ok e no Akal.No se sabe com preciso as datas de todos esses acontecimentos, pois, noincio do sculo XIX, a religio catlica era ainda a nica autorizada. As reuniesprotestantes eram toleradas apenas para os estrangeiros, o islamismo, que provocarauma srie de revoltas de escravos entre 1808 e 1835, era formalmente proibido eperseguido, o culto aos deuses africanos era ignorado e passava por prticassupersticiosas.Este ltimo tinha um carter clandestino e as pessoas que neles tomavamparte eram perseguidas pelas autoridades. Em 1826, a polcia havia efetuado buscascom o objetivo de prevenir possveis levantes de africanos, escravos ou livres, nacidade recolhendo atabaques e outros objetos.Com a morte de Marcelina Obatoss, Maria Jlia Figueiredo, Omonike, Iyalode,tambm chamada Erel na sociedade Gld, que se tornou a nova me-de-santo.Houve uma tentativa de fundao dessa sociedade, por parte de mulheres da CasaBranca do Engenho Velho, mas no vingou, pois naquele momento estava ocorrendouma ruptura entre os membros do terreiro, com discordncias de todos os lados54.Como conseqncia das discusses provocadas pela sucesso do terreiro, umgrupo formados por Eugnia Ana Santos, Aninha Obaiyi, cujo orix era Xang,auxiliada por Joaquim Vieira da Silva, Obasanya um africano do Recife, fundaram o IlAx Op Afonj. A direo deste terreiro foi depois assumida por Senhora, MariaBibiana do Esprito Santo, descendente em quinta gerao de Iyanass, a fundadorado terreiro da Casa Branca do Engenho Velho.54 Pierre Fatumbi VERGER, Orixs, p. 29 30. 30Jlia Maria da Conceio Nazar fundou o terreiro chamado Iy Omi seymass, conhecido popularmente como terreiro do Gantois. Segundo Verger:A dirigente da sociedade dos Gld, usa o ttulo de Erel, que se aproximasingularmente daquele de lelu, dos nupe. (...) na Bahia, descendentes dehabitantes de Keto para c trazidos nos sculos passados, faziam, alguns anosatrs, a dana dos gld todos os anos no dia 8 de dezembro, na festa daBoa Viagem; a festa era presidida por Maria Jlia Figueiredo, uma Ialorix docandombl do Engenho Velho55.Juana Elbein d as seguintes informaes:A sociedade Gld existiu no Brasil. Sua ltima sacerdotisa suprema foiOmonike, que tinha o nome catlico de Maria Jlia Figueiredo .Com sua mortecessaram-se de celebrar os festivais anuais bem como a procisso que serealizava no Bairro da Boa Viagem. Uma parte dos objetos rituais, entre elesinteressantes paramentos de cabea esculpidos, foram levados ao s pfonj,e as oferendas e ritos eram celebrados todos os dias 8 de dezembro,aproveitando o feriado em louvor a Nossa Senhora da Conceio da Praia,associada a Oxum. Nesse dia cultuava-se no s as ymi mas tambm Onle,smbolo coletivo dos ancestrais masculinos. Omonik56 tinha o ttulo de ylode-55 Pierre Fatumbi VERGER , Artigos Tomo I, p. 24.56 Telefonei em 07/09/2000 (5 feira) para Il ya Nso, Casa Branca do Engenho Velho, 0 (71) 334-2900, Av. Vasco da Gama N 463 Vasco da Gama - Salvador Bahia, apresentando-me como alunado curso de Ps Graduao Cincias da Religio, PUC/SP, interessada em obter maiores informaessobre Maria Jlia Figueiredo, Omonik, e sobre a histria do Il ya Nso. Perguntei se o Il possua ummuseu. Quem atendeu ao telefone foi a Sr Dalva, que disse que no saberia informar, pedindo paraligar no perodo da tarde e falar com a Sr Terezinha. Telefonei em 08/09/2000 (6 feira) para o Il e faleicom a Sr Terezinha. Ela me disse que no poderia passar maiores informaes, orientou-me para falarcom o Sr. Ordep Serra. Forneceu o nmero do telefone da residncia do mesmo. Consegui falar em09/09/2000 (sbado) com Sr Ordep Serra, antroplogo, chefe do departamento de antropologia daUFBA. Informou-me que a esse respeito: Gld no tem mais quem fale o nico que poderia falarsofreu derrame a pouco tempo, no est em condies (sic). Se houvesse interesse de minha parte emrealizar uma pesquisa no Il y Nso, Casa Branca do Engenho Velho, teria que lhe enviar um projetode pesquisa relatando como essa pesquisa poderia contribuir com a casa, pois acontece muito dopesquisador obter informaes, depois ir embora. Em 27/11/2000 (3 feira 14:55 hs), telefonei para oIl y Nso. Perguntei se haveria algum site na Internet referente a Il. O Sr. Antonio disse que no,pois eles ainda esto no tempo arcaico. Perguntou-me o que precisaria saber. Disse-lhe que o Il yNso teve como sacerdotisa suprema Omnik, Maria Jlia Figueiredo, que pertencia sociedadeGld, que cultuava as ymi. Quando ele ouviu a palavra ymi, s ele falava: S pessoas de postodentro da religio sabe a respeito. algo oculto, poucas pessoas sabem, as que sabem no vo lhefalar porque secreto. Sociedade secreta. muito perigoso falar a respeito e quando se pronuncia essenome deve-se cruzar com as pontas dos dedos no cho. muito difcil algum querer lhe informar, maspode ser que exista alguma pessoa que se disponha. Hoje em dia est tudo to divulgado. Por telefoneno posso dar maiores informaes, mas tome muito cuidado com esse assunto o que posso lheadiantar (sic). Foi logo se despedindo. Colocamos tal situao apenas com um carter ilustrativo, jque no foi possvel gravar ou fazer anotaes destas conversas. Colocamos estas informaes guisade esclarecimento. 31. 31 Erel, o que constitui em si mesmo um interessantefragmento de informao57. Dois aspectos chamaram a ateno na descrio de Juana Elbein: o primeiro, omotivo pelo qual parte dos objetos ritual foi levada para o Il s p Afonj e no semantiveram no Il ya-Nso. O segundo, a autora refere-se ao Onil, smbolo coletivodos ancestres masculinos. Prandi, num artigo intitulado, Os Orixs e a Natureza,afirma: O mito de Onil poder ser encontrado em vrios poemas do orculo de If, estando vivo ainda hoje, no Brasil, na memria de seguidores do candombl iniciados h muitas dcadas. Assim a mitologia dos Orixs nos conta como Onl ganhou o governo do planeta Terra. Onl era filha mais recatada e discreta de Olodumare. Vivia trancada em casa do pai e quase ningum a via... Cultuada discretamente em terreiros antigos da Bahia e em candombls africanizados, a Me Terra desperta curiosidade e interesse entre os seguidores dos Orixs, sobretudo entre aqueles que compem os seguimentos mais intelectualizados da religio. Onl assentada num montculo de terra vermelha e acredita-se que guarda o planeta e tudo que h sobre ele, protegendo o mundo em que vivemos e possibilitando a prpria vida. Na frica, tambm chamada Ai e Il, recebendo em sacrifcio galinhas, caracis e tartarugas..Onl, isto , a Terra, tem muitos inimigos que a exploram e podem destru-la. Para muitos seguidores da religio dos Orixs interessados em recuperar a relao orix-natureza, o culto de Onl representaria, assim, a preocupao com a preservao da prpria humanidade e de tudo que h em seu mundo58. No glossrio do livro de Reginaldo Prandi, Mitologia dos Orixs, l-se: Onl -literalmente, Dona do Il da Terra. Orix feminino pouco conhecido no Brasil,homenageado, contudo, em candombls tradicionais da Bahia e candomblsafricanizados, especialmente no incio do xir59. Tambm chamada Ai60.57 Juana Elbein SANTOS, Os Nag e a morte, p. 115. Os paramentos de cabea esculpidos referem-sea duas mscaras Guld, que esto no Museu Il Ohun Lailai, a Casa das Coisas Antigas, no Il AxOp Afonj, onde, em 30/01/2002, estive em visita. Sra. Cristina era a pessoa encarregada de levargrupo de pessoas para visitar o museu. Perguntei-lhe sobre as mscaras e ela disse que j viu algumasmscaras, mas no saberia responder onde elas se encontravam.58 Reginaldo PRANDI, Os Orixs e a Natureza, Jornal Tambor, p. 6-7.59 Segundo Rita AMARAL, Xir!, p. 51-52: Xir Desde a entrada da roda-de-santo no barraco,portanto todos os papis religiosos so vividos intensamente, numa atuao sincrnica, cujoselementos ordenados so dados pelo xir. Esse o nome da estrutura que organiza a entrada dascantigas e danas ao som do ritmo dedicado a cada orix, cujo transe previsto nesse momento. Assimque o orix vira, outros papis so imediatamente acionados: a equede, que deve acompanha-lo,vesti-lo, secar-lhe o suor do rosto e danar com ele; a me ou o pai-de-santo, que devem receber areverencia do orix; os alabs, que devem saber o qu e de que modo deve ser tocado para aquele 32. 32Juana Elbein, em Os Ng e a Morte, relembra que o terreiro onde se cultuamos gun fisicamente organizado em trs unidades ou espaos:... rea aberta se encontra um montculo de terra onde est fincada uma varatr ritualmente preparada. Trata-se do Onil, representao coletiva dospatronos da terra, que cada terreiro gun deve possuir. Onl um Irnmal61adorado pelos Elgun, sacerdotes dos gun. Sempre deve ser o primeiro a servenerado e o primeiro a receber as oferendas62.As descries dos dois autores nos remetem a proposio motivadora destapesquisa: nenhuma cerimnia pode ser realizada antes que oferendas lhe sejamdadas. Parece-nos que mesmo sendo pouco conhecida, esta orix ainda possui umacerta relevncia, j que se encontra descrita nos mitos, como tambm, em algunsterreiros, possui um espao destinados as suas oferendas.Bernardo corrobora est nossa idia em sua tese de livre-docncia, quandoafirma que: por isso que no Alaketu, a santa da barriga, Iapacoc a mesma I MiOxoronga est assentada e cultuada. Em toda sua trajetria, Olga63, como omito, esconde revelando, revela escondendo. (...) Olga fala de Iapacoc, amesma I Mi Oxorong, com doura e afeto, diferentemente do povo-de-santoque tem medo da I Mi. Tanto que a sacerdotisa tem Iapacoc assentada emseu terreiro e a chama de santa da barriga porque est relacionada com osovrios, o tero, a gravidez, o aborto e todos os demais aspectos queconstituem a singularidade feminina. 64orix. Alm de ser uma estrutura seqencial ordenadora das cantigas (louvaes), o xir denotatambm a concepo cosmolgica do grupo, funcionando como elemento que costura a atuao dospersonagens religiosos em funo dos papis e dos momentos adequados sua representao.60 Reginaldo PRANDI, Mitologia dos Orixs, p. 568.61 Ibid., p. 566: Irunmol (irnmol): o mesmo que imol. Imole (ml): designao das divindades quehabitaram a Terra nos tempos primordiais e que participaram da Criao; o mesmo que irunmol.Dizem que so em nmero de trezentos e um, ou seja, incontveis: tambm se diz que so os prpriosorixs.62 Juana Elbein SANTOS, Os Nag e a morte, p. 124.63 Olga - Olga Francisca Rgis. Aos 79 anos, Olga de Alaketu parte fundamental da histria da Bahia.Me de 12 filhos, que hoje compartilham com ela o amor pelo candombl. Olga filha de Ians e Iroko,Matriarca do Terreiro fundado em 1636, Il Maroi Lji, localizado no alto de uma colina, no bairro deBrotas. O terreiro Il Maroi Lji mais conhecido como Alaketu, nome referente a sua origemnigeriana.64 Teresinha BERNARDO, Negras, mulheres e mes, p.131. 33. 33ymi recebe de Olodumar o poder de Eleye, dona dos pssaros sagrados,que transmitem ax, tornando-se detentora e transmissora de poder sobrenatural.ymi simboliza aspectos coletivos do poder ancestral feminino, tendo sua instituionas sociedades Guld. Alguns mitos indicam que determinados objetos sagradosoriginalmente pertenciam ao princpio feminino ymi, me ancestral suprema, e foramusurpados por Obarix, dando a disputa da hegemonia do mundo.No Brasil as ymi foram esquecidas, sendo lembradas apenas no ritual dopad em terreiros tradicionais. S recentemente seu culto vem sendo restaurado nacidade de So Paulo e de Petrpolis, fato que ficar claro, no prximo captulo,quando apresentarmos as entrevistas realizadas. 34. 34Captulo II: ymi na viso dos sacerdotes e dos devotos de orix Aps termos apresentada a mitologia referente ymi, bem como o seusignificado na frica e no Brasil, daremos continuidade ao nosso trabalho, enfocandoas informaes colhidas na pesquisa emprica. Como colocado na introduo, osdados da pesquisa foram obtidos a partir de entrevistas semi-dirigidas, gravadas (comdurao em torno de duas horas). Foram realizadas com dois babalorixs, cincoialorixs e dois devotos de orixs, residentes na Grande So Paulo e na cidade dePetrpolis. Essas entrevistas realizadas com os sacerdotes e com devotos de orixs foramtranscritas, digitadas na ntegra e constituem o apndice desta dissertao. Asprincipais questes contidas no roteiro da entrevista, elaborado com o intuito denortear as perguntas, investigam a venerabilidade, a celebrao, as oferendas, ossmbolos, as rezas e as louvaes relativos ymi. Alm disso, abordamos a suaposio, o seu lugar e a sua importncia no culto dos orixs, bem como explicitamoscomo as pessoas envolvidas percebem, sentem esse smbolo e qual o conhecimentoque elas tm de ymi, visando expor o conceito de ymi e sua influncia na prticado culto dos orixs.2.1 - Celebrao ymi A celebrao uma forma dos devotos de vrias religies de re-atualizao ede ritualizao do mito, sendo, esse, incorporado pelo homem na sua prtica. Para ossacerdotes e os devotos de orixs, quando se celebra, alm de rememorar tambm secomemora. Uma das celebraes existente na religio dos orixs o culto s ymi.Quando as pessoas dessa religio falam sobre as ymi, geralmente as chamam de"mes". Como as ymi so celebradas? Vejamos o que disse a senhora Lourdes,devota de orix, filha do Templo de Oia, que pertence ao Babalorix Valdir de Oia: 35. 35O culto s mes um ritual fechado. Dentro da casa existe todo um preparopara todos os filhos da casa poderem estar aptos para estar lidando com estafora. Ento, na realidade, a gente conduzida primeiro a manter a posturapara que ns possamos estar dentro desse ritual. E enquanto a gente noalcana essa conduta, no alcana essa postura, ento, a gente no tem comochegar no ritual s mes. E isso nos ensinado, nos passado. sempreestimulado para que a gente vai procurando o melhor de si. Tirar o melhor desi, para que um dia a gente possa chegar nelas. Por que as pessoas cultuam asymi? O conhecimento na realidade. na realidade. O conhecimento narealidade, elas no tem. Esse conhecimento total para que se cultua asmes. O que significa isso? Existe todo um respeito pela hierarquia natural daprpria vida e da nossa prpria existncia. Dentro do mundo fsico em que agente vive. A gente cultua a me que nos deu a vida, que nos deu a chance danossa existncia, ou seja, de cumprir o nosso ciclo dentro de todas as faixas devida de reencarnao. O culto as mes, na realidade, compactuar com afora gestante. Que uma fora pura. E que vai trazer para o ser humanoaquilo que de direito para o seu destino. Olodumar no colocou o homem naterra para o sofrimento. Infelizmente, o ser humano, dentro dos conceitos noqual ele vive, ele no consegue encontrar as ferramentas para trazer o prprioremdio para ele, para isso existe If. E para isso existe o culto s mes, a Exue aos orixs. Ento quando se cultua as mes se cultua para cura, paraprosperidade, para tranqilidade, a longevidade do ser humano.1Como podemos observar, o culto a ymi fechado, secreto, para a maior partedos indivduos. Para fazer parte do culto a ymi, o devoto deve mudar sua posturamoral. Cultuar ymi compartilhar da fora da Me (fora gestante), para que elaatue na vida do ser humano de forma a proteg-lo na cura e na prosperidade.Durante a entrevista com o Sr. Valdir de Oia, babalorix, o mesmo afirmou arespeito da celebrao:... vai de acordo com o conhecimento que cada um vai adquirindo. Existem paisque vo zelar das mes uma vez por semana, outros vo todos os dias, outrosvo a cada dois meses. Cria-se um vnculo com as mes. Isso natural, cadaum vai criar um modo, um jeito de manter, se equilibrar, de tratar as mes, dereverenciar as mes. (...) At mesmo que tem uma casa grande, com filhos,deve sempre estar reverenciando s mes. Porque a casa s est de pporque existem as mes. Como eu quero fazer eb na minha casa sem ter umadireo. Para qual lugar eu vou colocar esse eb? Sempre na rua? Sempre nasmatas? No, existe um local que eu tenho que levar e esse local apresentar terra a existncia de tudo, aiye, as mes. Esse lugar sagrado, esse localno qualquer um que entra, este local no qualquer um que pe as mos,este local no qualquer hora que voc vai batendo e entrando. Existe umpreparo, banhos, rituais sagradssimos que no se pode quebrar. Mas euacredito que cada um tem a sua f, cada um tem o seu modo de expressar.1 Lourdes de Oia, entrevistada pela autora, gravao em fita de udio, Santo Andr, 17/03/04, fita no 4.Ver apndice p. 114. 36. 36Ento, quem sou eu para determinar o dia e a hora que as pessoas vo ter quelouvar as mes. Eu falo que eu desde que acordo, que eu vou dormir, vinte equatro horas no tempo, o meu or ligado a elas. Por que eu agradeo a minhaexistncia, a minha sabedoria, a minha paz, o meu equilbrio, o meu sucesso, omeu bem estar, eu agradeo tudo isso s mes. 2O culto ymi est relacionado com a noo de equilbrio. Dependendo daposio que o indivduo ocupa em uma casa, as celebraes so diferentes. Se ele forum babalorixa ou uma ialorixa deve estar em constante reverncia ymi. possvelafirmar que quando se realiza um eb para ymi, apresenta-se a existncia de tudo terra, ao aiye e s mes. Nesse momento podemos verificar um outro nome dado aymi: terra, aiye,mes. Estando associada terra, ao aiye, a ialorix Raquelcomplementa:... a ymi, no se precisa cham-la para fazer parte de nada. Elas, as mes,sempre esto. No momento que voc mata um bicho, cai uma gota de sangueno cho, aquele sangue delas. Voc chamando ou no, elas esto presentes.No momento que se joga um pouco de gua no cho, elas se queira ou no,elas esto ali. 3Invocando ou no, ymi est presente, Ialorix Raquel ainda diz que foiapresenta Sociedade de Culto s Mes l na Nigria durante o perodo em que elaesteve l para a sua iniciao, como quem estava falando para dar respaldo a suasafirmaes:... aqui no Brasil existe um costume, que ningum sabe porque tem essecostume, e essa uma coisa que veio dos iorubas, africanos. Voc vai numbar, uma pessoa est tomando uma bebidinha, uma pinga. Qual a primeiracoisa que ele faz antes de beber a pinga? Joga no cho. Depois ele bebe apinga, aquela pinga para quem que ele jogou no cho? Geralmente se fala: um pouco para o santo. E a, eles falam o santo, mas eles no dosignificado completo da coisa. Por que? Os antigos no explicaram que santo aquele que eles esto jogando aquela pinga no cho. (...)ymi o cotidiano. Nesse dia a dia seria despachar a gua, quando algumchega da rua. Jogar gua na rua tem vrios significados. No s as ymi, houtros significados.42Valdir de Oia, entrevistado pela autora, gravao em fita de udio, Santo Andr, 17/03/04, fita no 3.Ver apndice p. 106.3Ialorix Raquel, entrevistada pela autora, gravao em fita de udio, So Paulo, 08/03/04, fita no 1.Ver apndice p. 94.4 IDEM, entrevistada pela autora, gravao em fita de udio, So Paulo, 08/03/04, fita no 1. Verapndice p. 94. 37. 37 Ainda sobre as celebraes, o devoto de orix Sr. Srgio afirma: ... que as ymi so a fora que d o equilbrio, a criao do universo e a partir do momento que algum est se iniciando no culto aos orixs, naturalmente est se celebrando a energia das Mes. Que ao celebrar Exu tambm uma espcie de celebrao as ymi, elas so as donas do caminho, ou seja, as senhoras que conduzem o Eb, a oferenda. Ento, o que eu pude perceber era um contentamento provocado pela conscincia de saber e ao mesmo tempo de poder dar significados aos atos e atitudes rituais.5 Nareligio afro-brasileira, noculto aosorixsa pessoa iniciadaautomaticamente cultua ymi, pois como elas esto sempre presentes. Elas recolhema fora do eb, conduzem o caminho do eb. O babalorix Sr. Antonio diz a respeitoda atuao das ymi: Hoje tenho conscincia, e por ter esta conscincia acabo, muitas vezes, principalmente quando so clientes no revelando, mas para os iniciados, para os filhos da casa, isso fica mais evidente, mais claro. Hoje eu tenho conscincia de que seja qual for o orix que esteja sendo cultuado, tenha cortes, tenha bicho, tenha eje, sangue ou no, elas estaro atuando tambm. Ento, elas estaro participando do comeo ao fim. E aps essa conscientizao, eu passei por situaes onde o fato de no ter reverenciado, ou melhor, o fato de no ter dado um destaque maior no trabalho, o eb no teve fluncia. Ele ficou travado, somente depois que eu determinei uma parcela daqueles elementos utilizados, naquele trabalho, destinei exclusivamente a elas. que o trabalho comeou a fluir. Porque anterior a esta destinao, como se ele ficasse travado, truncado aquele trabalho, entendeu. Se faz necessrio esta destinao propriamente dita, para que realmente exista a fluncia. Tal qual a fluncia necessria quando se faz alguma coisa com relao a Exu. Dentro da minha concepo, em que eu acredito, que a certa, se voc vai fazer um trabalho seja para qualquer orix, para qualquer energia, para qualquer ori, se voc no destinar, se voc no pedir permisso, no apaziguar Exu, esse trabalho, existe uma grande chance dele ficar truncado, dele no ter fluncia, evoluo. Na mesma proporo com relao as mes, com relao ymi Osoronga.6 Tal qual Exu, orix responsvel pelo movimento, tambm as ymi precisam sercultuadas, independente do trabalho que est sendo feito ou da energia que estsendo evocada. Elas so responsveis, segundo o relato, pela fluncia, pela evoluodas coisas. Porm, este eb no pode ser feito de qualquer maneira, sendo5Srgio, entrevistado pela autora, gravao em fita de udio, So Paulo, 15/04/2004, fita 07. Verapndice p. 138.6Babalorix Antnio de Xang, entrevistado pela autora, gravao em fita de udio, So Paulo,24/03/04, fita no 5. Ver apndice p. 119. 38. 38necessria a obedicncia aos rituais, pois o eb para ser aceito por ymi tem que serbem direcionado, pois corre o risco de dar errado. A ialorixa Sueli Oyalju diz: Eu particularmente reverencio as mes, ymi Osoronga, em qualquer lugar. Na frente da casa, nos fundos, na encruzilhada, na beira da cachoeira, eu reverencio em qualquer lugar. Agora para cultuar, para fazer uma oferenda, eu tenho espao restrito destinado a isso. Eu, por exemplo, venero em qualquer lugar, circunstncias, porque o poder delas ilimitado. um poder visvel e um poder invisvel. Ela tem poderes sobrenaturais, naturais. Elas so pilares que sustentam tudo o que existe no mundo. Ento, em qualquer circunstncia, eu venero. Como eu j falei anteriormente ou para o bem material, ou para um bem de Ori, de mente, intelectual ou para uma doena. Porque elas tm poderes curativos, atrativos e construtivo. O poder delas e muito amplo, ento, voc pode cultuar em qualquer circunstncia que voc ache justo ou que voc necessite, elas podem ser cultuadas.7 O poder de ymi ilimitado. um poder visvel , um poder invisvel, tempoderes sobrenaturais e naturais. O ser humano pode cultu-la para todos osaspectos de sua vida. O que verificamos nas entrevistas que a celebrao ymi ocorre no dia adia da vida do sacerdote, da sacerdotisa, do devoto e da devota de orix. As pessoaspara estarem celebrando, cultuando ymi, precisam estar iniciadas no seu culto. Paraque essa iniciao ocorra, necessrio que o indivduo tenha boa ndole, procuremelhorar cada vez mais sua conduta diante do grupo e do social. O culto a ymi um ritual fechado (secreto) e, por isso, nem todos os envolvidos que podem adentrarno local consagrado ymi. O culto a ymi significa compactuar com a foragestante feminina.2.2 - Oferendas ymiVamos iniciar relembrando uma passagem na qual Verger faz referncias soferendas. Diz ele:7Ialorix Suely Oyalju, entrevista realizada pela autora, gravao em fita de udio, So Paulo,10/03/04, fita no 2. Ver apndice p. 103. 39. 39... em uma dessas histrias, feiticeiras (iymi aj) vm morar na barriga daesposa de Orunmil. Consultado, If prescreve uma oferenda de caranguejos(akn), um rato (kt) cricetomys gambianus), que aparentemente so bemaceitas pela ymi uma vez que so usadas nas oferendas para se obterfavores de feiticeiras (ynu ymi). As oferendas ento se transformam em umleopardo (ekn) e as ymi ficam com medo e fogem da barriga da esposa de8Orunmil.Podemos observar que mitologicamente os prprios orixs fazem oferenda, notempo em que eles eram habitantes do aiye, o mundo. O que as pessoas esperamquando fazem oferendas? Se as pessoas fazem oferendas, significa que algoaconteceu na vida delas. Por que importante cultuar as ymi? Qual a necessidadedas oferendas e da reverncias? Com qual objetivo se faz as oferendas? O que aspessoas esperam quando fazem as oferendas? Vejamos o que dizem nossosentrevistados e os estudiosos da religiosidade afro-brasileira pensam a este respeito.Antes de abordarmos as oferendas, falaremos de um elemento a gua quese encontra presente na maioria das oferendas. Destacamos a gua, pois alm dessepapel, ela tambm um smbolo, por excelncia, do feminino primordial9.Pode-se dizer, como afirma Juana Elbein, que omi a gua, a oferenda porexcelncia, que veicula e representa ao mesmo tempo a gua-smem e a gua-contida-sangue-branco-feminino; ela fertiliza, apazigua e torna propcio; nenhuma10oferenda ou invocao poder ser efetuada sem gua. Nesta mesma linha depensamento, Agenor Miranda da Rocha coloca que a gua o elemento primordial e 11est sempre presente. Nada se faz sem antes colocar gua . Outra afirmao ade Raul Lody: o uso exclusivo da gua, um dos elementos mais significativos e8Pierre Fatumbi, VERGER, Ewe, p. 52.9Cf. Jean CHEVALIER; Alain GHEERBRANT; Dicionrio dos smbolos.10 Juana Elbein dos SANTOS, Os nags e a morte, p. 188.11 Agenor Miranda da ROCHA, As Naes Ktu:origens, ritos e crenas, p. 87.Agenor Miranda da ROCHA, nascido em Luanda, Angola, no dia 8 de setembro de 1907. Faleceu17/07/2004 no Rio de Janeiro, Brasil. Foi iniciado aos cinco anos de idade pelas mos de me Aninha,Iyalorix, fundadora dos terreiro Ax Op Afonj de Salvador e do Rio de Janeiro. Era professorcatedrtico aposentado do colgio Pedro II, morava no Engenho Novo, subrbio do Rio, estudioso eadivinho do candombl, o brasileiro que mais conheceu a herana cultural afro-brasileira. A fora docandombl est no sangue verde das plantas e no no sangue vermelho dos animais. O sacrifcio deanimais, um dos ritos mais comuns e simblicos do candombl, contestado pelo senhor. Por que? Acho umamaldade. Os orixs, que so fragmentos da natureza, precisam de sangue? Matar os animais querepresentam a natureza? Matar, alm de tudo, com uma faca, devagarinho, com cantiga, at chegar emuma palavra para tirar a cabea do bicho. No d! Sou contra a matana. Na vida, tudo evolui com otempo. O candombl podia ter evoludo um pouquinho, ser mais moderado. O candombl, hoje, umluxo. Gladys PIMENTEL, Sou Zelador-de-Santo, Jornal A Tarde, p. 1. 40. 40propiciadores dos terreiros, capaz de intermediar e promover o encontro entre Exu,os antepassados e os Deuses 12. J para Eliade:O contato com a gua implica sempre a regenerao, por um lado, porque dissoluo se segue um novo nascimento, por outro lado, porque a imersofertiliza e aumenta o potencial da vida e da criao. A gua confere um novonascimento por um ritual inicitico, ela cura por um ritual mgico, ela assegurao renascimento post mortem. 13A gua, elemento feminino, passivo, mantenedora da vida e circula em toda anatureza sob forma de chuva, de seiva, de leite, sangue. Possui o poder de tornarsagrado o que toca e de estabelecer a harmonia. Como todo ser vivente procede dasguas, os banhos favorecem os renascimentos rituais e propiciam uma novacirculao das foras por multiplicarem o potencial de vida. Transparentes, profundas,fecundas, correntes ou estancadas, doces ou salgadas, tempestuosas ou calmas,atingem distintos objetivos rituais. As guas superiores, guas das chuvas e dosereno, descem sobre a terra, enquanto as guas inferiores, dos rios, dos lagos, dosmares ascendem atravs da evaporao. Em movimento contnuo e ininterrupto, semlutar, as guas rompem o que duro e resistente.Segundo o Babalorixa Valdir de Oia, quando questionado diz que:No se pode a qualquer hora ficar levando as pessoas para as mes. Porqueuma, elas no tm muito comportamento. E, s vezes, vo fazer uma coisaque no sabe. Ento, antes de voc levar algum para as mes tem quesentar com ela, orientar. Agora quando um eb para sade, faz um ebpara as mes. O que no pode ser confundido com outras coisas que aspessoas confundem as mes, n. Acha que para amarrao, para o amor.Isso no funciona. Porque o eb, ele tem o poder tanto atrativo, preventivo,como curativo. Ento, ele vai prevenir, ele vai te curar, ele vai te amenizaraquela dor, aquele sofrimento. Ento, as mes, na mesma proporo, porqueo eb pertence a elas. Qualquer eb que eu fizer, eu estou fazendo para asmes, mesmo no mencionando o nome delas. Mas s o fato de eu colocargua na terra, eu estou evocando as mes. E quando eu vou levar um eb,tirar um eb de uma pessoa, por isso que eu digo que o eb umaimportncia s pessoas. Porque as pessoas fazem eb sem saber para onde,para quem vo. Tiram os seus ebs e jogam. Ento, uma pergunta muitoimportante em enfatizar todo esse contexto, essa graciosidade, o poder daexistncia de um eb.12 Raul LODY, Tem Dend, tem ax: etnografia do dendezeiro, p. 84.13 Mircea ELIADE, Tratado de Histria das Religies, p. 232. 41. 41Tem que ser qualificado, tem que ser seriamente tirado e no pode brincar emeb. Se v muito falar em eb: televiso, programa brincando: Ah, vai l, tiraum eb que voc est mal. S que o fato de eu fazer, eu no vou tirar eb, euno vou tirar eb, quando eu estou mal, pelo contrrio, eu tenho que tirar ebquando eu estou bem. Porque quanto mais eu fizer eb, mais eu estou melivrando, estou me prevenindo, estou me curando, estou atraindo o amor, odinheiro, o trabalho, a conquista. Eu vou ter que atrair. Ento, vou ter quebuscar ele. Mas eu tambm tenho que ter a sorte comigo. A sorte, preservaressa sorte comigo e para que essa sorte que est em mim preservada euconsiga atingir, quando eu vou fazer esse eb. E as mes conceber este eb,me direcionar esse eb, direcionar para que eu volte a atrair, volte a brilhar. tudo questo de foras quando a gente esta equilibrado, esta com uma foraaltamente positiva, equilibrado mente sadia, boa postura, pensamento bom. Abondade com voc flui automaticamente. Voc no sofre. Tirar eb pensar oontem, a resposta do amanh no vir. morrer, nascer novamente. Cadaeb, voc morre e nasce de novo. Porque esta tirando o que est de pesado, oque est dificultando para voc. Elas, ymi, sempre esto aparecendo nos ebs emuitos no tem noo (conhecimento)?... no tem a noo que um eb. Tiram em rvores, matas. Mas o perigoest a. Porque a gente tem que estar preparado, tem que estar muito bempreparado, iniciado corretamente, seguir uma ordem, para que essa ordemno seja destruio para sua vida e para destruio da vida das pessoas quevem fazer o eb. muito serio um eb. Quando vamos falar que vamos fazereb para mes, no vamos falar isso para as pessoas, porque as pessoasno conhecem o que um eb, muito menos o que ymi Osoronga.Acredito que hoje, com trabalhos que esto se fazendo, vai se propagando aspessoas vo entendo o que ymi. As graciosas, as guardis da morte.Tudo isso importante. Agora, o eb to srio quanto as mes, porqueno brincadeira fazer um eb, tirar um eb de uma pessoa no brincadeira. Porque voc mexer com visvel uma coisa, voc mexer com oinvisvel, voc no tem tamanho da dimenso de uma fora ou daquele14problema que est atuando naquela pessoa, naquele instante.S o fato de eu colocar gua na terra, j esta invocando ymi. A importnciado eb fica bem clara nas palavras do Babalorix Valdir de Oia. O eb um dosrecursos fundamentais de transformao das condies existenciais, seja de ordemnatural ou social. um ato propiciatrio realizado a partir de uma boa orientao,com vistas a prevenir o mal ou atrair o bem para liberar os problemas e conquistar obem necessrio para o individuo.No momento certo que elas (referindo-se a Iyami) me pedem para fazer oritual para elas. Elas podem avisar que j est na hora de serem alimentadas,atravs de sonho ou atravs de algumas deixas que elas do. Por exemplo,se estou fazendo as coisas eu comeo a me cortar com muita facilidade, eu j14Valdir de Oia, entrevista realizada pela autora, gravao em fita udio, Santo Andr, 17/03/2004, fitano 3. Ver apndice p. 106. 42. 42sei que hora de aliment-las. E tem muitas outras coisas, um dos meios da 15gente saber. Voc comea a se cortar, ou seja, voc esta expondo sangue.Ao cultuar ymi, a pessoa cria um vnculo com ela e atravs at de sonhoselas podem manifestar-se. O Babalorixa Antonio fala que:... em noventa por cento dos casos que eu trato com as mes para aspessoas, cem por cento em agradecimento. Agradecimento para que ascoisas fluam, para que minha vida flua, para que eu consiga resolver os meusproblemas. Hoje em dia so grandes. Mais para que eu consiga resolver osmeus problemas. Quando se trata de clientes, de pessoas que me procuram,filhos-de-santo, vamos colocar assim, noventa por cento das vezes emfuno da sade, noventa por cento das vezes e posso dizer e afirmar queem cem por cento desses casos eu tenho sido o condutor desse bom xito.Quem solucionou foram elas. E eu fui o condutor disso. Objetivamos sucessonesse tipo de coisa. No demais, geralmente, porque so pessoas queprecisam se harmonizar com essa energia. Eu diria que esses dez por centoque fica fora, eu digo que em funo de que a pessoa tem algum vnculo comessa energia, mas no tem conscincia desse vnculo e precisa serharmonizada. Ento, onde tambm precisa ser cultuada. Onde so feitas asoferendas a partir desse momento em que ymi precisa ser cultuada? Exatamente. Ofato de eu fazer a oferenda e eu estar dando algum alimento, enfim, evocandoessa energia para aquela pessoa uma forma de reverenciar. 16O devoto de orix entrevistado, Sr. Srgio, diz que:... o objetivo das oferendas de voc estar em harmonia com essa energia. Eleacrescenta: acho que voc tem uma obrigao por ser uma fora vital. Equando voc tem essa obrigao deve ter uma ligao muito mais forte do queo normal, do que uma simples simpatizao com a energia. Voc deve ter umaligao mais profunda. E ao cumprir essa necessidade de voc fazer umaoferenda, a contra partida que voc tem todo esse lado benfico dela. Aquela viso de me mesmo, aquela me protetora mesmo, aquela quedefende seu filho com unhas e dentes. Delas, eu espero isso. Ai que eu digoque uma energia to forte, to vital, que elas... eu consigo estar dominandoas outras energias naturais da vida que a inveja, a doena, o desemprego, aprpria ansiedade, as doenas, todo aspecto negativo mesmo de uma vida, defalta de sorte. Acho que com elas voc combate porque a vitalidade.O foco principal dela a vitalidade, por isso que ela est muito ligada menstruao, ao sangue a vida, a energia, ax. o equilbrio. Acho que a15 Ialorix Raquel, entrevistada pela autora, gravao em fita de udio, Santo Andr, 08/03/2004, fita no1. Ver apndice p. 94.16 Babalorix Antonio, entrevistado pela autora, gravao em fita de udio, Vargem Grande, 24/03/2004,fita no 5. Ver apndice p. 119. 43. 43 gente atinge o ax das ymi, quando voc se torna um filho disciplinado. Entende? Porque aquilo: eu no estou simplesmente indo do lado mgico17 das coisas, eu quero tambm corrigir, me corrigir. Ento, a forma de eu estar conduzindo, tendo oportunidade, que atravs das energias estar buscando o caminho do meio, que a maioria acha que o ponto do equilbrio. Ento ela te d essa condio. aquilo que eu falei, se te diz que voc o problema e voc a soluo, ento, ela est te orientando para voc conseguir um caminho. Ter uma disciplina. E tendo a disciplina, voc tem tudo. Um fator que eu acho que quando falam do lado colrico para ns que somos pais e mes. Fica bem ntido para mim quando voc vai punir o seu filho, te d aquela culpa de remorso. Ento acho que a que entra a clera delas. Por que que voc fez eu sentir isso por voc? Risos. Ento, por isso que voc tem que se cuidar, tem que se zelar, para ter a energia de todos os orixs. bem o equilbrio. Eu acho que elas vieram ao mundo. Que s vezes as pessoas falam: Ah, mas onde elas esto participando tem o caos. Tem que ter o caos para voc ter equilbrio, para voc no ficar encostado. Entende? A partir do momento que tudo fluir bem para que, voc vai querer as coisas? Ento, se voc de repente cai numa situao de caos uma forma de voc buscar energia para se restabelecer. Ento, aquilo, o prprio movimento do mar, vai e vem, a mar est cheia, a mar est baixa e a vida esse movimento. E elas proporcionam isso para voc crescer tambm. Ento, de repente, um caos que acontece pessoa j v