J U N DIAÍ - QUART A-FEIRA / 4 DE ABRIL DE 2012 dia a dia ... · doença, por mais difícil que...

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BOM DIA JUNDIAÍ - QUARTA-FEIRA / 4 DE ABRIL DE 2012 2 O tremor é Fotos: Clodoaldo de SilvaAgência BOM DIA Michele Stella [email protected] Acostumada a escrever bas- tante e principalmente a fazer contas usando caneta e papel, ao invés das modernas calcula- doras, a auxiliar de contabilida- de aposentada Vera Becatti, 60 anos, percebeu que algo estava errado quando o tamanho de sua letra começou a diminuir consideravelmente. Há pouco mais de dois anos, ela sequer imaginava que este era um dos sintomas do mal de Parkinson, uma doença neuro- lógica crônica, degenerativa e evolutiva que afeta os movi- mentos do corpo, de acordo com o geriatra Eduardo José Martinelli. Os sintomas mais comuns, segundo o médico, são lentidão de pensamento, deambulação (caminhar sem rumo definido, com tendência a quedas), rigi- dez muscular, tremedeira e cansaço crônico. Mas como o diagnóstico é iminentemente clínico, nem sempre se descobre o mal de Parkinson no início. “Não há um marcador biológico para se detectar a doença e os exames de neuroimagem são inconclu- sivos nas fases iniciais”, expli- ca. “A pessoa não pisca os olhos, não franze a testa e, ao falar, mexe só a boca”. Para o neurologista Maurício Martins Baldissin, a doença é a mais difícil de ser identificada e de se lidar. E isso explica a de- mora de um diagnóstico, co- mum na maioria dos casos, co- mo o de Vera, que ficou quase cinco anos em tratamento para artrose. “Pessoas com aids podem ter as mesmas manifestações e também pacientes com ence- falite letárgica”, esclarece Bal- dissin, comentando que é pre- ciso ir desconsiderando outras doenças degenerativas do sis- tema nervoso até chegar ao disgnóstico do Parkinson. “Nem mesmo os exames mais TRATAMENTO Além de medicamentos, pacientes com mal de Parkinson precisam de fisioterapia, fonoaudiologia, alimentação adequada e vários outros tipos de atividades complementares para estimular os movimentos. “Se a doença for diagnosticada logo no início os resultados tendem a ser melhores”, diz o neurologista Maurício Martins Baldissin. dia a dia DESTAQUE VOLTA POR CIMA No Dia do Parkinsoniano, comemorado hoje, Vera Benatti, aos 60 anos, é exemplo de pessoa que não se deixa abater pela doença, por mais difícil que essa atitude seja. “Ainda tenho muitos sonhos para realizar, quero conhecer a Europa” modernos detectam a doença”. E o tempo de tratamento per- dido faz diferença. Alguns me- ses antes de ser diagnosticada como parkinsoniana, Vera chegou a perder praticamente todos os movimentos do corpo. “Eu não conseguia nem entrar no carro sozinha para que me levassem ao médico. Por uns três meses minha vida se resu- miu a ficar sentada dia e noite em uma cadeira da sala, sem conseguir sair para lugar al- gum”, recorda. Os momentos não saem da memória, assim como o dia da descoberta do Parkinson. “Foi em 8 de fevereiro de 2010”, diz a aposentada. No entanto, com o tratamento adequado, o qua- dro clínico melhorou. Hoje, Ve- ra consegue realizar atividades normais no dia a dia, embora mais lentamente. “Os remé- dios ajudam e a fisioterapia ainda mais”, diz. Segundo ela, força de vontade e fé em Deus são imprescindíveis para con- viver com o Parkinson. E, claro, o desejo de viver intensamente também. “E não se pode sentir vergo- nha, acho que esse é o primeiro passo. E não desanimar, tem que enfrentar as dificuldades e não abrir mão da vida social”, ensina Vera. Para ela, parece simples colocar tudo isso em prática. Apaixonada por Car- naval, compartilha uma con- quista: “Fiquei dois anos sem conseguir acompanhar meu bloco aqui na Ponte São João. Mas neste ano caminhei quase uma hora atrás do trio elétrico”, diz, com o olhar radiante de alegria, embora o sorriso no rosto seja discreto por causa de um dos sintomas da doença. apenas um temor Conhecido por sintomas como tremedeira e rigidez dos músculos, mal de Parkinson muda radicalmente o cotidiano das pessoas acometidas pela doença, mas conseguir vencer as limitações é possível

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BOM DIA J U N DIAÍ - QUARTA-FEIRA / 4 DE ABRIL DE 20122

O tremor é

Fotos: Clodoaldo de SilvaAgência BOM

DIA

Michele Stellam i c h e l e . s te l l a @ b o m d i aj u n d i a i . co m . b r

Acostumada a escrever bas-tante e principalmente a fazercontas usando caneta e papel,ao invés das modernas calcula-doras, a auxiliar de contabilida-de aposentada Vera Becatti, 60anos, percebeu que algo estavaerrado quando o tamanho desua letra começou a diminuircon sideravelmente .

Há pouco mais de dois anos,ela sequer imaginava que esteera um dos sintomas do mal deParkinson, uma doença neuro-lógica crônica, degenerativa eevolutiva que afeta os movi-mentos do corpo, de acordocom o geriatra Eduardo JoséMartinelli .

Os sintomas mais comuns,segundo o médico, são lentidãode pensamento, deambulação(caminhar sem rumo definido,com tendência a quedas), rigi-dez muscular, tremedeira ecansaço crônico.

Mas como o diagnóstico éiminentemente clínico, nemsempre se descobre o mal deParkinson no início. “Não háum marcador biológico para sedetectar a doença e os examesde neuroimagem são inconclu-sivos nas fases iniciais”, expli-ca. “A pessoa não pisca osolhos, não franze a testa e, aofalar, mexe só a boca”.

Para o neurologista MaurícioMartins Baldissin, a doença é amais difícil de ser identificada ede se lidar. E isso explica a de-mora de um diagnóstico, co-mum na maioria dos casos, co-mo o de Vera, que ficou quasecinco anos em tratamento paraartro s e .

“Pessoas com aids podem teras mesmas manifestações etambém pacientes com ence-falite letárgica”, esclarece Bal-dissin, comentando que é pre-ciso ir desconsiderando outrasdoenças degenerativas do sis-tema nervoso até chegar aodisgnóstico do Parkinson.“Nem mesmo os exames mais

T R ATAM E N TOAlém de medicamentos, pacientes com malde Parkinson precisam de fisioterapia,fonoaudiologia, alimentação adequada evários outros tipos de atividadescomplementares para estimular osmovimentos. “Se a doença for diagnosticadalogo no início os resultados tendem a serm e l h o re s ”, diz o neurologista MaurícioMartins Baldissin.

dia a diaDE STAQU E

VOLTA POR CIMANo Dia do Parkinsoniano, comemorado hoje, Vera Benatti, aos60 anos, é exemplo de pessoa que não se deixa abater peladoença, por mais difícil que essa atitude seja. “Ainda tenhomuitos sonhos para realizar, quero conhecer a Europa”

modernos detectam a doença”.E o tempo de tratamento per-

dido faz diferença. Alguns me-ses antes de ser diagnosticadacomo parkinsoniana, Verachegou a perder praticamentetodos os movimentos do corpo.“Eu não conseguia nem entrarno carro sozinha para que melevassem ao médico. Por unstrês meses minha vida se resu-miu a ficar sentada dia e noiteem uma cadeira da sala, semconseguir sair para lugar al-gum ”, recorda.

Os momentos não saem damemória, assim como o dia dadescoberta do Parkinson. “Fo iem 8 de fevereiro de 2010”, diza aposentada. No entanto, como tratamento adequado, o qua-dro clínico melhorou. Hoje, Ve-ra consegue realizar atividadesnormais no dia a dia, emboramais lentamente. “Os remé-

dios ajudam e a fisioterapiaainda mais”, diz. Segundo ela,força de vontade e fé em Deussão imprescindíveis para con-viver com o Parkinson. E, claro,o desejo de viver intensamentetamb é m .

“E não se pode sentir vergo-nha, acho que esse é o primeiropasso. E não desanimar, temque enfrentar as dificuldades enão abrir mão da vida social”,ensina Vera. Para ela, parecesimples colocar tudo isso emprática. Apaixonada por Car-naval, compartilha uma con-quista: “Fiquei dois anos semconseguir acompanhar meubloco aqui na Ponte São João.Mas neste ano caminhei quaseuma hora atrás do trio elétrico”,diz, com o olhar radiante dealegria, embora o sorriso norosto seja discreto por causa deum dos sintomas da doença.

apenas um te m o rConhecido por sintomas como tremedeira e rigidez dos músculos, mal de Parkinson muda radicalmenteo cotidiano das pessoas acometidas pela doença, mas conseguir vencer as limitações é possível

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l+Apoio familiarO apoio da família éimprescindível para oparkinsoniano de acordocom Sandro Conti,fundador da APP(Associação Pró-Parkinson). O primeiropasso é discutir sobre adoença aberta efrancamente. Procurarajuda de especialistastambém é fundamental,assim como a prática deexercícios físicos e oconvívio social. “Oparkinsoniano tem quecontinuar saindo, indo aoshopping, fazendoprogramas com a família.Não pode se isolar. Não écrime ser doente”.

H i s tó r i aO mal de Parkinson temesse nome por causa doneurologista JamesParkinson, quemdescreveu a doença pelaprimeira vez em 1817. Omal é comum em idosos,mas adultos em geral nãoestão imunes.

Sandro Conti, parkinsoniano disposto a mudar sua vida e de outros pacientes

Dificuldade transformada em oportunidaden É preciso muita coragem paraenfrentar diariamente uma série delimitações impostas pelo mal deParkinson. Quando os músculosenrijecem e o cérebro não comandamais atividades simples como o ca-minhar, o medo é incontrolável, se-

gundo o consultor Sandro Conti, de64 anos, parkinsoniano desde 2007.“De um dia para outro, descobri queseria necessário replanejar minhavida”, conta. Não há palavras paradescrever o desafio encarado porSandro. Mas é possível detalhar

ações que exemplificam bem a for-ça de vontade e determinaçãodiante de uma doença que afetapelo menos 1% da população mun-dial conforme estatísticas da OMS(Organização Mundial de Saúde).

“Tive que abrir mão do traba-lho, mas precisava continuar sen-do útil de alguma forma. Entãoresolvi fazer isso servindo deexemplo para outras pessoascom a mesma doença”, diz, ex-plicando sobre a fundação daAPP (Associação Pró-Parkinson)em Jundiaí em março de 2008,apenas alguns meses após rece-ber o diagnóstico da doença. “Avida não termina com o Parkin-son, mas pode recomeçar”, ensi-na. Atualmente, há 84 associa-dos, sendo 32 parkinsonianos e52 parentes. As reuniões ocor-rem todo último sábado do mêsna FMJ (Faculdade de Medicinade Jundiaí). No próximo dia 24, aagenda é especial. “Vamos fazerum piquenique em uma chácarano Corrupira”, conta Sandro, lem-brando que parkinsonianos esuas famílias podem participardos encontros, gratuitos. “A nãoaceitação é o principal problemaa ser enfrentado. Atletas esporti-vos se preparam para bater re-cordes. Nós nos preparamos paravencer a vida”.

EXEMPLO DE VIDA

“A vida não terminacom o mal deParkinson, maspode recomeçar”

_ Sandro Contip arkin s onianofundador da APP(Associação Pró-Parkin s on )