JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700...

164

Transcript of JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700...

Page 1: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito
Page 2: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida porJAM-JURÍDICA EDITORAÇÃO E EVENTOS LTDA.

Endereço Comercial:Av. Praia de Itapuã, Quadra 17, Lotes 49/52,Shopping Boulevard, Salas D 2.4 e D 2.5Lauro de Freitas - BahiaCEP 42700-000Fones: (71) 3342-4531 / 3342-3756 / [email protected]

Editor:JAM-JURÍDICA EDITORAÇÃO E EVENTOS

Conselho Redacional:Adilson Abreu DallariAfonso H. BarbudaAlice Maria González BorgesAndré dos Santos Pereira AraújoCarlos Alberto Sobral de SouzaLuciano FerrazRafael Carrera

Diretor ComercialAndré dos Santos Pereira Araú[email protected]

Revisão:

Rosangela Lyra

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Elizabet Häussler CRB-5/1237

JAM JURÍDICA: Administração Pública, Executivo e Legislativoe Administração Municipal. Salvador: Jam-Jurídica Editoraçãoe Eventos Ltda. Ano XV, edição especial, agosto, 2010.

Periodicidade Mensal

ISSN 1806-1346

1. Administração Pública - Periódico. 2. AdministraçãoMunicipal - Periódico. I. Título.

CDU 35(05)

As idéias esposadas nos opinativos e demais matérias doutrináriassubscritas pelos colaboradores desta revista são de sua exclusivaresponsabilidade.

Page 3: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA I•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 COLABORADORES

Adilson Abreu Dallari

Advogado

Professor Titular de Direito Administrativo da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/

SP

Afonso H. Barbuda

Chefe da Assessoria Jurídica do Tribunal de

Contas dos Municípios/BA

Alice González Borges

Professora Titular de Direito Administrativo

da UCSAL

Membro do Conselho Superior do Instituto

Brasileiro de Direito Administrativo

André dos Santos Pereira Araújo

Administrador

Especialista em Gestão Pública Municipal

Bacharel em Direito

Pós-graduando em Direito Público – UNIFACS

Angélica Maria Santos Guimarães

Advogada

Mestra em Direito Público (UFPE)

Procuradora do Município do Salvador

Professora Universitária

Carlos Alberto Sobral de Souza

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado

de Sergipe

Carlos Ayres Britto

Ministro do Supremo Tribunal Federal

Carlos Pinto Coelho Motta

Advogado

Professor Adjunto de Direito Administrativo

da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG

Carmem Lúcia Antunes Rocha

Professora Titular de Direito Constitucional

da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG

Celso Antônio Bandeira de Mello

Advogado

Professor Titular de Direito Administrativo da

PUC/SP

Darcy Queiroz

Assessora Jurídica do Tribunal de Contas dos

Municípios/BA

Edite Mesquita Hupsel

Advogada

Procuradora do Estado da Bahia

Ernandes de Andrade Santos

Advogado

Professor de Direito do Trabalho da UCSAL

Evandro Martins GuerraAdvogadoProfessor de Direito Administrativo e DireitoFinanceiro da Faculdade Milton Campos eUniversidade FUMECCoordenador da pós-graduação em DireitoAdministrativo do CEAJUFE

Fábio Nadal PedroConsultor Jurídico da Câmara Municipal deJundiaí/SP

Fabrício Motta Procurador-Geral do Ministério Público juntoao TCM/GOMestre em Direito Administrativo pela UFMG

Flávio C. de Toledo Jr.EconomistaTécnico do Tribunal de Contas do Estado deSão Paulo

Francisco de Salles Almeida Mafra FilhoDoutor em Direito Administrativo pela UFMG;Professor Adjunto I de Direito Administrativona UFMT

Francisco Ferreira Jorge NetoJuiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de SãoCaetano do SulProfessor UniversitárioMestre em Direito das Relações Sociais –Direito do Trabalho pela PUC/SP

Francisco Fontes HupselAdvogado

Gina CopolaAdvogada

Gustavo Justino de OliveiraAdvogadoDoutor em Direito do Estado pela USPProfessor Universitário

Hugo de Brito MachadoProfessor Titular de Direito Tributário da UFCPresidente do Instituto Cearense de EstudosTributáriosJuiz aposentado do TRF – 5ª Região

Ivan Barbosa RigolinAdvogado, parecerista e consultor jurídicode entes públicosAutor de obras jurídicas especializadas naárea do Direito Público

Jair Eduardo SantanaMestre e doutorando em Direito do Estado(PUC/SP)Professor em cursos de pós-graduaçãoMagistrado de entrância especial

João Batista Alcântara FilhoJuiz de Direito do Tribunal de Justiça da Bahia

João Carlos de Mendonça LealAssessor Jurídico do Tribunal de Contas dosMunicípios/BA

João de Deus Pereira FilhoAdvogadoEconomista

João Fernandes NetoCoordenador CAA do Tribunal de Contas dosMunicípios/BA

João Jampaulo JúniorAdvogadoMestre e Doutor em Direito Constitucionalpela PUC/SPProfessor de DireitoConsultor em Direito do Estado

Jorge Jesus de AzevedoBacharel dm DireitoPós-graduando em Direito Público – UNIFACS

José ArasProfessor de Direito Administrativo da EscolaLivre de Direito Josaphat MarinhoProfessor de Direito Administrativo daFaculdade de Direito da UCSALProfessor substituto de Direito Administrativoda UFBAAdvogado e Consultor Jurídico de PrefeiturasMunicipais

José Francisco de Carvalho NetoProfessor de Direito Administrativo da UCSALSuperintendente Geral do TCM – BA

José Nilo de CastroMestre e Doutor em Direito AdministrativoProfessor Titular de Direito Municipal e deDireito Administrativo da Faculdade de DireitoMilton Campos

Jouberto de Quadros Pessoa CavalcanteAdvogadoProfessor da Faculdade de Direito MackenzieMestre em Direito Político e Econômico pelaUniversidade MackenzieMestre em Integração da América Latina pelaUniversidade de São Paulo (USP/PROLAM)

Juarez FreitasProfessor de Direito Administrativo – UFRGSe Escola Superior da Magistratura – AJURIS

Kiyoshi HaradaEspecialista em Direito Tributário e em DireitoFinanceiro pela FADUSPMestre em Processo Civil – UNIPProfessor de Direito Tributário, Administrativoe FinanceiroEx-Procurador-Chefe da Consultoria Jurídicado Município de São Paulo

Page 4: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

II •

COLABORADORES

Luciano Ferraz

Advogado

Doutor e Mestre em Direito Administrativo

pela UFMG

Professor de Direito Administrativo da UFMG

Professor de Direito Financeiro e Finanças

Públicas da PUC/Minas

Lúcio Flávio Camargo Bastos

Procurador Jurídico do INCRA – Bahia

Luiz Alberto Blanchet

Mestre e Doutor em Direito

Professor nos cursos de Mestrado e

Doutorado em Direito Constitucional e

Administrativo da Pontifícia Universidade

Católica do Paraná

Membro Catedrático da Academia Brasileira

de Direito Constitucional

Membro do Instituto dos Advogados do

Paraná

Marcos Juruena Villela Souto

Procurador do Estado do Rio de Janeiro

Professor de Direito Administrativo,

Constitucional e Econômico na Escola de

Pós-Graduação em Economia da Fundação

Getúlio Vargas e na Escola da Magistratura

do Estado do Rio de Janeiro

Marcus Vinícius Americano da Costa

Professor de Direito Constitucional e Direito

do Trabalho da Faculdade de Direito da UCSAL

Professor de Direito Constitucional, Municipal

e do Trabalho da Faculdade Ruy Barbosa –

BA

Mestre em Direito – UFBA

Maria da Conceição Castellucci Ferreira

Assessora Jurídica do Tribunal de Contas

dos Municípios/BA

Maria da Graça Diniz da Costa Belov

Professora Assistente da Cadeira de Direito

Constitucional da Criança e do Adolescente

– UCSAL

Maria do Carmo de Macêdo Cadidé

Auditora Jurídica do Tribunal de Contas do

Estado da Bahia

Maria Elisa Braz Barbosa

Advogada

Mestre em Direito Administrativo – UFMG

Maria Gravina Ogata

Advogada Ambientalista

Mestre em Geografia Física

Moacir Joaquim de Santana Junior

Bel. em Direito – UFS

Pós-Graduado em Gestão Pública – UNIT

Secretário de Controle Interno da Prefeitura

de Aracaju

Diretor Presidente da Empresa de Serviços

Urbanos de Aracaju – EMSURB

Morgana Bellazzi de Oliveira Carvalho

Especialista em Direito Público e

Responsabilidade Fiscal pelo CEPPEV

Especialista em Processo Civil pelo CCJb

Agente de Controle Externo do TCE/BA

Advogada

Nelson Nery Costa

Professor Adjunto da Universidade Federal

do Piauí Presidente da OAB/PI

Patrícia Verônica N. C. Sobral de Souza

Contadora e Advogada

Professora de Pós-graduação – UNIT

Pós-graduada em Auditoria Contábil – UFS

Pós-graduada em Direito Civil e Processo

Civil

Assessora de Gabinete do Tribunal de Contas

do Estado de Sergipe

Paulo Borba Costa

Advogado

Procurador do Estado da Bahia

Professor da Faculdade de Direito da UCSAL

Paulo Modesto

Professor de Direito Administrativo da

Universidade Federal da Bahia – UFBA

Membro do Ministério Público da Bahia

Membro do Instituto Brasileiro de Direito

Administrativo – IBDA

e do Instituto dos Advogados da Bahia – IAB

Pedro Henrique Lino de Souza

Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado

da Bahia

Pedro Paulo de Almeida Dutra

Professor da Faculdade de Direito da UFMG/

MG

Petrônio Braz

Advogado

Assessor Jurídico

Pilar Célia Tobio de Claro

Juíza de Direito da Justiça Estadual da Bahia

Rafael Carrera Freitas

Mestre em Direito Público pela UFBA

Professor Universitário

Procurador do Município de Salvador

Ricardo Maurício Freire SoaresAdvogadoProfessor de Graduação e Pós-Graduaçãoda UNIME – BahiaDoutor e Mestre em Direito pela UniversidadeFederal da BahiaMembro do Instituto dos AdvogadosBrasileiros e do Instituto dos Advogados daBahia

Roberto Maia de AtaídeAdvogado

Romário da Costa GomesJornalistaAuditor Jurídico do Tribunal de Contas daBahia

Rubens Nunes SampaioProcurador aposentado do Estado da BahiaMembro do Conselho Estadual do MeioAmbiente – SEPRAM – BA

Sarah Maria PondéChefe da UNAI do Tribunal de Contas dosMunicípios/BA

Sérgio de Andréa FerreiraAdvogadoProfessor Titular de Direito Administrativo/RJDesembargador Federal aposentado

Sérgio FerrazAdvogadoEx-professor Titular de Direito Administrativoda PUC/RJ

Simone da Costa Neves AraújoBacharel em DireitoPós-graduanda em Direito Público – UNIFACS

Tatiana Maria Nascimento MatosAdvogada

Toshio MukaiMestre e Doutor (USP)

Walter Moacyr Costa MouraAssessor Jurídico do Tribunal de Contas dosMunicípios/BA

Weida ZancanerMestre em Direito Administrativo pelaPontifícia Universidade Católica de São PauloProfessora de Direito Administrativo daPontifícia Universidade Católica de São Paulo

Yuri Carneiro CoelhoAdvogadoProfessor UniversitárioDiretor Nacional Secretário da ABPCP –Associação Brasileira de Professores deCiências PenaisMestre em Direito Público/UFBA

Page 5: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA III•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • MENSAGEM

Prezado leitor,

A Associação dos Procuradores do Município do Salvador – APMS, em parceriacom a JAM-JURÍDICA Editoração e Eventos, apresenta-lhe a edição especialda Revista JAM-JURÍDICA, composta por artigos e outros trabalhos jurídicosde seus associados que se dedicam a matérias pertinentes ao cotidiano daAdministração Pública, em especial dos municípios.

O crescente amadurecimento da Democracia no Brasil pós-ditadura e o avançonas teorizações acerca da obrigatoriedade de efetivação dos DireitosFundamentais fortalecem, cada vez mais, a necessidade da carreira doAdvogado Público, tanto na União quanto nos Estados, Municípios e DistritoFederal, o que, de resto, já havia sido reconhecido pela própria CartaConstitucional de 1988.

Cabe ao Advogado Público a nobre e difícil missão de atuar em defesa dointeresse público. Na atividade de consultoria, intermedeia, de formaindependente, a relação entre os interesses do Administrador e os interessesindicados na Constituição Federal e nas Leis, buscando compatibilizá-los, demodo que as políticas públicas possam ser planejadas e executadas nosparâmetros da juridicidade, sempre com fulcro na garantia dos direitos docidadão. Da mesma forma, sua atuação na representação judicial do Estadogarante a efetiva, impessoal e contínua proteção do ente público e do erário,independentemente da direção em que soprem os ventos da política.

Cientes, então, de seu papel no Estado Democrático de Direito, os Procuradoresdo Município do Salvador, por meio de sua Associação, compartilhamexperiências com a comunidade, esperando oferecer não só prazerososmomentos de estudo e reflexão, mas, sobretudo, um contributo para a defesado interesse público e para a boa gestão da coisa pública.

Salvador, agosto/2010

Geórgia CampelloPresidente da APMS

Page 6: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

IV •

• SUMÁRIO

3

16

26

43

56

77

89

96

105

118

131

148

DOUTRINA

“Carona” no registro de preços: problemas e cautelasAngélica Guimarães ........................................................................................................................

O ISS e as cooperativas no âmbito da legislação municipal.Geórgia Teixeira Jezler Campello ....................................................................................................

O IPTU verde: progressividade no tempoGisane Tourinho Dantas ..................................................................................................................

Tratamento tributário das sociedades cooperativasPedro Leonardo Summers Caymmi .................................................................................................

A responsabilidade subsidiária da Administração Pública e a obrigação de fazer aplicada no processodo trabalhoTercio Roberto Peixoto Souza .........................................................................................................

PARECER

Parecer em processo administrativo - Adesão a ata de registro de preçosJoão Deodato Muniz de Oliveira ....................................................................................................

Parecer proferido nos autos do processo administrativo nº 827/2009 acerca da possibilidade deelaboração de projeto de lei de arrecadação de imóveis urbanos, abandonados há mais de cinco (5)anos, sem pagamento de indenizaçãoKarla Letícia Passos Lima .................................................................................................................

Parecer nº 35/2010Rafael Carrera Freitas ......................................................................................................................

PRÁTICA FORENSE

Razões finais em embargos à execução fiscal opostos contra exigência de crédito de ISS sobrefaturamento de clínicas médicasDavid Bittencourt Luduvice Neto ....................................................................................................

Ação rescisória – contestação – imunidade recíproca das sociedades de economia mistaEugênio Leite Sombra .....................................................................................................................

Contestação em ação declaratória de nulidade do Decreto Municipal nº 19.094/2008 movida contrao Município de Salvador, relativa à competência para criação de unidade de conservação ambiental naIlha dos Frades.José Andrade Soares Neto e Mário Pinto Rodrigues da Costa Filho ..................................................

Contestação nos autos da Ação Popular intentada em face da ausência de comunicação prévia àCâmara dos Vereadores acerca do reajuste da tarifa de transportes urbanos, bem como da falta decompetência do Secretário dos Transportes para fixá-la.Pedro Augusto Costa Guerra ...........................................................................................................

Page 7: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

DOUTRINA

Page 8: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito
Page 9: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 3•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

“Carona” no registro de preços:problemas e cautelas

Angélica GuimarãesSubprocuradora Geral do Município do SalvadorMestra em Direito PúblicoEspecialista em processo e licitação e contratosProfessora de Direito Administrativo, Constitucional e Ciência Política das Faculda-des Rui Barbosa e FTEAutora de artigos e livros jurídicos, dentre os quais, “Competência Municipal emMatéria de Licitações e Contratos Administrativos”.

A problemática da figura do “carona” nosistema de Registro de Preços tem como esco-po a constitucionalidade e a legalidade da ex-tensão de uma determinada licitação para ou-tros órgãos ou entidades da Administração Pú-blica não participantes previamente das deman-das encaminhadas ao órgão gerenciador domencionado sistema.

Trata-se da análise acerca da possibilidadejurídica e legal de um órgão ou entidade quenão está contemplado na ata do SRP e que nãoteve sua demanda prevista inicialmente no pro-cedimento licitatório poder participar a

posteriori.

Sem dúvida, o instituto provoca dissensona doutrina e na jurisprudência, de modo queé preciso entender que o pensar científico deve

ser sempre uma peneira aberta para o novo,especialmente no Direito Administrativo ante aausência de condificação e alteração da dinâ-mica e postura estática da máquina estatal paraum modelo de gestão otimizada, eficiente, eco-nômica e resoluta, segundo parâmetros consti-tucionais, legalidade, igualdade (direito / garan-tia), impessoalidade, moralidade, razoabilidade,boa fé, proporcionalidade, dentre outros.

No âmbito da saúde pública, por exem-plo, o instituto tem sido utilizado com amplitu-de pelo Ministério da Saúde, com amparo noque enuncia a Lei Federal 10.191, de 14 defevereiro de 2001, que no seu art. 2º faculta aprevisão nas Atas de Registros de Preços da uti-lização pelos Estados, o Distrito Federal e Mu-nicípios, bem como as respectivas autarquias,fundações e demais órgãos vinculados das com-

Page 10: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

4 •

• DOUTRINA

pras de materiais hospitalares, inseticidas, dro-gas, vacinas, insumos farmacêuticos, medica-mentos e outros insumos estratégicos, realizadapelo Ministério da Saúde e órgãos vinculados,desde que expressamente prevista esta possi-bilidade no edital da licitação.

Alegam os defensores do instrumento oraanalisado que sua utilização confere àscontratações públicas maior celeridade e efici-ência, evitando-se a realização desnecessária dediversos certames para o mesmo propósito.

Favoravelmente à utilização do “carona”,advogam os princípios da economicidade, daeficiência e da cooperação federativa, o exercí-cio legal da atividade regulamentar do PoderExecutivo e da competência normativa interna

corporis dos Poderes Legislativo e Judiciário, dosTribunais de Contas e do Ministério Público, bemcomo o aspecto pragmático da celeridade queé imposta às contratações públicas.

Já a doutrina contrária à sua utilização, aler-ta para a o fato de que todo e qualquer ato oucomportamento administrativo que vise a con-secução dos princípios da eficiência e daeconomicidade não pode perder de vista a le-galidade, a legitimidade e a segurança jurídica,conforme enunciam os arts. 1º e 5º, caput,inciso II e XXXVI, bem como 37 e 60, § 4º daConstituição Federal de 1988, consideradoscomo são pilares, alicerces básicos do EstadoDemocrático de Direito, entendido este nãocomo escudo para arbitrariedades do poderpúblico, e sim, como limites à atuação estatal.

A lei não pode mais ser o escudo do Esta-do, para manter uma máquina burocrática quenão mais legitima suas finalidades, mas deve sero limite, o freio, ou seja, o paradigma limitantede atuação, pois o Estado só pode fazer o quea norma jurídica determine, entendendo-se estacomo a normodinâmica formada por regras eprincípios.

De fato, além da dissonância doutrinária edas reiteradas decisões restritivas das Cortes deContas do Brasil, a questão apresenta uma sé-rie de complicados a serem cuidadosamenteabordados sob a ótica constitucional, fiscal eadministrativa.

Preliminarmente, é preciso tecer algumasconsiderações preliminares acerca do tema abor-dado.

O Registro de Preços não é modalidadelicitatória, e sim, um procedimento especial delicitação por não obrigar a aquisição do produ-to ou serviço, que com observância do princí-pio da isonomia, efetiva-se nas modalidadesconcorrência ou pregão sui generis, selecionan-do a proposta mais vantajosa para eventual efutura contratação.

O instrumento contratual decorrente doRegistro de Preços tem natureza de contratonormativo, a ser celebrado pela AdministraçãoPública, com direito de preferência para o for-necedor ou prestador registrado, visando a con-secução de uma gestão atenta, especialmente,aos princípios da eficiência, da eficácia e daeconomicidade, sem perder de vista a legalida-de em sentido amplo, especialmente a isonomia.

O Sistema de Registro de Preços é um ins-trumento, uma ferramenta de gestão adminis-trativa muito importante e tem, repita-se, na-tureza de contrato normativo, que contém umarelação jurídica continuada, em que se definemas condições para contratações administrativassucessivas de bens e serviços durante um perío-do determinado.

A principal característica do Registro dePreços, portanto, é justamente a produção deum cadastro de propostas, bem com de for-necedores de serviços e bens, comespecificações minuciosas, sem que a Adminis-tração seja obrigada a contratar.

Page 11: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 5•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Com o Sistema de Registro de Preços for-ma-se um estoque virtual que garantirá o aten-dimento das necessidades da AdministraçãoPública com manutenção, em regra, dos pre-ços registrados durante a sua vigência, alémde possibilitar que uma pluralidade de órgãossejam beneficiários de um único sistema.

O SRP resulta de uma licitação promovidapor um ou mais órgãos administrativos deter-minados e é disciplinada por um edital que fixaos quantitativos máximos a serem adquiridossegundo as necessidades que integram o Siste-ma de Registro de Preços.

Neste sentido o regime jurídico do Siste-ma de Registro de Preços corporifica-se no art.22, inciso XXVII, da Constituição Federal de1988 c/c o art. 15, da Lei 8666/93, e DecretosFederais nº 3931/01 e 4342/02, bem comonormas municipais e estaduais.

O Registro de Preços foi regulado pelo art.15 da Lei 8666/93, que enuncia normas geraisde caráter nacional para as compras que foremrealizadas pela Administração Pública, deven-do ser regulamentado por normas federais,estaduais e municipais, em cumprimento à au-tonomia dos entes federados em matéria de li-citação e contratos, especialmente no queconcerne à autogestão e administração dos seusinteresses, que é típica matéria de direito ad-ministrativo.

Por seu turno, a ata do Registro de Preçosé uma promessa de contratação que regerácontratos sucessivos posteriores, sendo quesua validade não se confunde com a validadedos contratos.

Logo, o contrato de Registro de Preçosnão é irrelevante, posto que as condições pre-vistas neste instrumento vinculam, mesmo nãotendo a Administração o dever de contratar nocaso em comento.

Diuturno, se a Administração resolver con-tratar o particular que teve os seus preçosregistrados, tem direito de preferência ante ademanda administrativa e uma vez instado acontratar deve fazê-lo, sob pena deinadimplemento das condições previamenteestabelecidas no edital, na ata de Registro dePreços e no termo de fornecimento.

Uma peculiaridade fiscal e financeira inte-ressante sobre o Sistema de Registro de Preçosé a de que enquanto uma licitação convencio-nal só pode ser deflagrada quando houver pre-visão de recursos orçamentários para o cus-teio de seu objeto informada, expressamenteno procedimento, no ato convocatório e con-trato, anexo, na forma do art. 14 da lei 8.666/93, essa obrigatoriedade inexiste quando alicitação for realizada para registro de pre-ços.

Neste caso, a obrigatoriedade de existênciado recurso orçamentário fica transferida parao momento da contratação que porventuravenha a ser formalizada.

O Sistema de Registro de Preços apresen-ta como principais vantagens a simplificaçãoadministrativa, a redução de custos, comotimização de gastos, a rapidez na contratação,a aquisição de bens ou serviços por diferen-tes órgãos através de um único certame, des-de que preservadas as características essen-ciais do objeto registrado.

Posto isto, passamos a discorrer sobre a fi-gura do “carona” no Sistema de Registro de Pre-ços, deixando, de logo, claro que a possibilida-de de vários órgãos usufruírem de um mesmocertame é da essência do sistema; o que ora sediscute é a possibilidade de que esta participa-ção ocorra a posteriori.

O marco normativo do instituto jurídico do“carona”, ou seja, a sua origem e o seu regime

Page 12: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

6 •

• DOUTRINA

jurídico no Brasil, é o art. 8º do Decreto fe-deral 3931/01, com as alterações introduzidaspelo Decreto federal 4342/02.

Na realidade, a ata de registro de preçostem como usuários dois grupos, quais sejam; a)órgãos ou entidades participantes originários; b)órgãos ou entidades participantes a posteriori.

Os órgãos ou entidades participantes ori-ginários são os que participam previamentedos procedimentos iniciais do Sistema de Regis-tro de Preços e que formalizaram sua participa-ção por meio de termo de adesão e integram aata de Registro de Preços.

Tais participantes são os que no momentoda convocação do órgão gerenciador, compa-recem e participam da implantação do Sistemade Registro de Preços, informando os objetospretendidos, qualidade e quantidade, com atu-ação na esfera federal prevista no inciso IV, doart. 1º do Decreto 3931/01.

Assim, os participantes originários, então,têm suas expectativas de consumo previstas noato convocatório, e por este motivo, tem dosfornecedores o compromisso de fornecimento,como consequitário do direito de requisitar,automaticamente, todos os objetos previstos noRegistro de Preços.

Já os órgãos ou entidades participantes aposteriori, denominados de CARONAS, sãoaqueles que , não tendo participado na épocaoportuna, informando suas estimativas de con-sumo, requerem, a posteriori, ao órgãogerenciador, o uso da ata de Registro de Pre-ços, informando a dotação orçamentária paratanto. Neste caso, a única limitação constantedo Decreto Federal 3931/01 é temporal, ou seja,que a ata esteja em vigor.

O Decreto Federal 3931/01, no seu art. 8º,enuncia o seguinte:

A Ata de Registro de Preços, durante sua

vigência, poderá ser utilizada por qualquer

órgão ou entidade da Administração que

não tenha participado do certame licitatório,

mediante prévia consulta ao órgão geren-

ciador, desde que devidamente comprova-

da a vantagem.

§ 1º Os órgãos e entidades que não partici-

param do registro de preços, quando de-

sejarem fazer uso da Ata de Registro de Pre-

ços, deverão manifestar seu interesse junto

ao órgão gerenciador da Ata, para que este

indique os possíveis fornecedores e respec-

tivos preços a serem praticados, obedecida

a ordem de classificação.

§ 2º Caberá ao fornecedor beneficiário da

Ata de Registro de Preços, observadas as

condições nela estabelecidas, optar pela

aceitação ou não do fornecimento, inde-

pendentemente dos quantitativos registra-

dos em Ata, desde que este fornecimento

não prejudique as obrigações anteriormente

assumidas.

§ 3º As aquisições ou contratações adicio-

nais a que se refere este artigo não pode-

rão exceder, por órgão ou entidade, a cem

por cento dos quantitativos registrados na

Ata de Registro de Preços.

A obrigatoriedade constitucional daefetivação de licitação está prevista no inc. XXI,do art. 37 da Constituição Federal o qual estatuique ressalvados os casos especificados na legis-

lação, as obras, serviços, compras e aliena-

ções serão contratados mediante processo de

licitação pública que assegure igualdade de

condições a todos os concorrentes (...). (grifosnossos)

Já o art. 89 da Lei Federal 8666/93 dispõeque a violação da norma constitucional supra,tipifica uma conduta criminosa, por violação daregra geral gizada no dever de licitar. O órgãogestor que permitir o ingresso da figura do “ca-rona” e os fornecedores beneficiados pelo ins-

Page 13: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 7•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

tituto, incorrem nas penas previstas no referidodispositivo legal.

O Decreto n. 3.931, de 19/09/2001, trou-xe, ao tratar do registro de preços no âmbitofederal, portanto, uma violação à norma cons-titucional constante do inc. XXI, do art. 37, poisos órgãos ou entidades que, no curso da exe-cução de uma ata de registro de preços, po-dem adquirir os bens ou serviços licitados peloórgão gestor e pelos outros convidados a parti-cipar, em última análise, estão adquirindo bensou serviços sem ter participado de qualquer li-citação.

Assim, a figura do carona, como a doutri-na já apelidou os órgãos ou entidades integran-tes do Registro de Preços a posteriori e que, poressa via, compram bens ou contratam serviçossem licitação, afrontam o mencionado inc. XXIdo art. 37 da Constituição Federal de 1988.

De fato, o art. 37, inciso XXI, da Consti-tuição Federal de 1988 traduz o princípio dareserva legal, pois legislação foi utilizada no sen-tido de norma jurídica formal e material, aque-la que pode inovar, alterar o ordenamento jurí-dico brasileiro, cabendo ao decreto apenas, re-gular, explicitar, esclarecer a aplicação da lei, demaneira que pretender regular a figura do “ca-rona” por decreto é violação do mencionadoprincípio da reserva legal.

A função do Decreto, no rigor do artigo 84inciso IV, da Constituição Federal, é garantir afiel execução da Lei, significando que o real co-mando é da lei e não do Decreto.

Por outro lado, a hermenêutica constituci-onal não deixa qualquer dúvida quanto ao ca-ráter absoluto do princípio da reserva legal, es-pecialmente considerando que a disciplina damatéria é deferida pela Constituição à lei, emsentido estrito, com exclusão, de qualquer ou-tra fonte infralegal, ex vi do que enunciam as

seguintes fórmulas: a lei regulará, a lei disporá,

a lei complementar organizará, a lei criará, a lei

definirá, dentre outras.

Nesta linha de idéias, é possível defender,acompanhando a doutrina prevalente, que nashipóteses de dispensa, a competência para le-gislar foi reservada às normas gerais de caráternacional, cabendo aos demais entes federados,apenas regulamentar.

O Decreto regulamentador visa explicar alei, esmiuçá-la, facilitar sua aplicação, não é dadoa este ato administrativo normativo prover situa-ções não expressas, explícitas ou implícitas nalegislação, não pode inovar o ordenamento jurí-dico, está em situação inferior à lei, e não podecontrariá-la.

É cediço que qualquer modalidade ou for-ma de dispensa de licitação realizada pela Ad-ministração Pública somente pode ingressar noordenamento jurídico brasileiro por força de lei,que é o mais democrático instrumentonormativo.

A figura do “carona” nada mais é do quecontratação direta, sem licitação, eis que o pró-prio art. 8º dispõe que a ata de registros, du-

rante sua vigência, poderá ser utilizada por qual-

quer órgão ou entidade da Administração que

não tenha participado do certame licitatório (...),o que implica não só em uma inconstituciona-lidade, como também na prática de um crime,previsto na Lei Federal 8666/93.

Assim sendo, o argumento da existência delicitação anterior não elide esta inconstituciona-lidade, pois o certame precedente tinha finali-dade e limites definidos no ato convocatório,sem qualquer menção à demanda do “caro-na”, sendo, portanto, também violação dosprincípios da segurança jurídica e da reserva le-gal.

Page 14: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

8 •

• DOUTRINA

A permissão de utilização do participante aposteriori infringe, também, a autonomia dosentes federados; a legalidade e a supremaciaconstitucional, a isonomia, a vinculação ao ins-trumento convocatório; a legalidade orçamen-tária; a LRF e a segurança jurídica das relaçõesdecorrentes do certame.

Em resumo, a invalidade reside justamen-te no fato de que “o carona” frustra, burla oprincípio da obrigatoriedade de licitar e implicaem dispensa de licitação sem previsão legislativa,como acima afirmado.

Há quem defenda, ainda, a necessidade derealizar uma otimização, uma ponderação en-tre legalidade e economicidade, ou sejavantajosidade das condições originais, antes dese defender a ilegalidade do instituto.

Ocorre que tal sugestão não encontra qual-quer amparo normativo constitucional. Inexisteprevisão legislativa para a utilização do “caro-na”; além do mais, esta lei se existisse seriainconstitucional por ferir a isonomia, criandoprivilégio para o vencedor da licitação, que sevalerá do seu resultado para uma sérieindeterminada e ilimitada de contratações, ob-tendo um lucro extraordinário, salvo se adotadasas cautelas a seguir elencadas.

De fato, a utilização do “carona” fere aisonomia e a moralidade administrativas, espe-cialmente pela impossibilidade de definição dequantitativos máximos em face da projeção dosórgãos interessados e das correspondentes do-tações orçamentárias e por criar uma espéciede privilégio para o vencedor de um certame,que poderá se valer deste resultado para umasérie indeterminada e ilimitada de contrataçõesfuturas.

Outro princípio constitucional que não podeser olvidado no caso do instituto ora analisadoo da república, ou republicano, que resta pre-

judicado, pois os preços praticados no Sistemade Registro de Preços usaram como parâmetroas condições e os limites da licitação original.

O ingresso no registro de preços a posteriori

é a contramão do princípio da economia deescala, segundo o qual, quanto maior a quanti-dade de unidades menor o custo individual decada uma.

A permissão do ingresso do “carona” pro-duz a elevação dos quantitativos originais pre-vistos sem a redução do preço unitário pagopela Administração, ou seja, o resultado é danoao erário, improbidade.

Outro aspecto negativo, é o fomento de“reserva de mercado” ou fraude à competição,pois a indicação dos órgãos ou entidades inte-ressadas influencia na competição, ou seja, sa-bendo quem são os reais participantes do Re-gistro de Preços os potenciais licitantes podemaumentar ou restringir, mas se depois for per-mitido o ingresso de outros participantes, é pos-sível que terceiro interessado na competiçãopossa ter sido preterido.

Quanto maior a definição das quantidadese prazos no edital do Registro de Preços, maiora segurança do particular e menor o preço, poisquantitativo maior implica em melhores condi-ções do contrato e quanto pior a circunstânciada execução, pior o preço.

O Sistema de Registro de Preços tem vali-dade limitada a certo período de tempo e paracertas quantidades previamente estabelecidos noato convocatório, sendo o “carona” o antago-nismo deste espírito.

Ademais, ocorre também, nesta hipótese,a quebra, violenta, do sistema federativo, já queos órgãos e entidades da Administração esta-dual, por exemplo, poderão pegar “carona” emlicitações de Registro de Preços efetuadas por

Page 15: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 9•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

qualquer órgão ou entidade pertencente àUnião, aos Municípios, Distrito Federal e ou-tros Estados-membros, aniquilando a autono-mia legislativa suplementar e complementar dosentes federados em matéria de licitação e con-tratos administrativos. Ora, isto nada mais é doque a demolição da Federação, ou seja, é oabandono, a conspurcação da estruturamorfológica federativa de Estado.

Ademais, o art. 60, § 4º, da ConstituiçãoFederal de 1988 enuncia o princípio federativocomo cláusula pétrea da seguinte forma; (...)não será objeto de deliberação a proposta de

emenda tendente a abolir: I – a forma federati-

va de Estado, ou seja, se por uma emenda cons-titucional, norma jurídica, em sentido estrito,não se pode afastar o referido princípio, muitomenos por simples decreto, que tem naturezade ato administrativo normativo.

Além da violação de todos os princípiosacima articulados, entendemos que aumentarcompetitividade é distribuir possibilidades iguaisaos fornecedores, para ampliar o mercado eobter vantagens para o erário.

De qualquer forma, se o Registro de Pre-ços garante ao participante originário o direitode requisitar a sua demanda enquanto vigenteo sistema, a possibilidade de ingresso de partici-pantes posteriores ao certame pode implicar aredução desta disponibilidade, razão pela qualpara ser possível a aplicação do instituto do“carona”, além da concordância do órgãogerenciador e dos fornecedores, é preciso quea norma jurídica disciplinadora exija como re-quisito a prévia permissão de todos os órgãosparticipantes originariamente.

Para que as normas constitucionaisprincipiológicas possam ser respeitadas, o for-necedor do produto ou serviço registrado temque suportar a demanda do “carona” não pelomesmo preço declarado na licitação como pro-

posta mais vantajosa, e sim, pelo valor,renegociado, ou melhor, por um preço inferi-or, em razão da economia de escala, sendoque o art. 12 do decreto em comento dispõeem sentido diametralmente inverso a este en-tendimento, possibilitando a majoração dospreços em razão de variação de mercado.

Neste diapasão, já é possível afirmar que autilização do Registro de Preços a posteriori de-penderá da existência de norma autorizativaespecífica, previsão desta faculdade no edital dalicitação para Registro de Preços, prévia consul-ta e anuência dos participantes originários e doórgão gerenciador, com demonstração de in-teresse formal e celebração de instrumentode cooperação prévio, bem como norma espe-cífica autorizativa.

Além do mais, a indicação pelo gerenciador,do fornecedor ou prestador do serviço, deveráobservar a ordem de classificação e não poderágerar prejuízo dos compromissos assumidos naata em relação aos participantes originários, sobpena de descaracterizar o sistema.

Outra cautela que não poderá ser esqueci-da, é a colheita de prévia aceitação pelo forne-cedor e a manutenção da mesmas condiçõesdo Registro de Preços, salvo renegociações pro-movidas pelo órgão gerenciador para a devidaadequação da demanda ao princípio da eco-nomia de escala.

É importante lembrar que o TCU, noAcórdão 668/2005, exige prova da vantagemdo preço registrado, através de pesquisa demercado feita internamente por procedimentoadministrativo do próprio carona.

Por fim, não se pode admitir que o incre-mento de quantitativos não tenha um limiteexpressamente previsto em lei e no edital, poiscaso contrário, deve-se afastar o percentual de100% enunciado no decreto federal e limitar a

Page 16: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

10 •

• DOUTRINA

demanda do “carona” aos 25% do art. 65, daLei Federal 8666/93.

De fato, o tema é intrincado e envolve di-versos questionamentos, inclusive acerca dapossibilidade de participação de outras esferasfederadas no Registro de Preços realizado pelaUnião, por exemplo, ante o disposto no decre-to federal.

Deste questionamento decorrem uma sé-rie de outras controvérsias, a seguir elencadas:

a) a interpretação da expressão “órgão ouentidade da Administração” deve serrestritiva, na forma do art. 6º da Lei8666/93, ou extensiva, para abrangertodas as unidades federadas;

b) há omissão normativa ou vácuolegislativo;

c) cabe interpretação sistemática?

d) licitação e contrato administrativo é ma-téria de direito administrativo, de auto-nomia local?

e) o decreto é norma geral de caráter na-cional?

f) é possível estender a figura prevista nodecreto federal para as demais esferasfederadas?

g) há necessidade de norma jurídicaautorizativa específica, ou seja, decretode cada esfera federada, que manifestea intenção de participar da ata de Regis-tro de Preços na condição de carona?

h) é indispensável a formalização de ins-trumento de colaboração entre o órgãogerenciador e o carona, ou seja, de con-vênio, além da simples consulta, ou seja,

deve haver ato de colaboração ou ter-mo de cooperação técnica?

i) o convênio só será obrigatório quandoo órgão gerenciador cobra um paga-mento dos órgãos participantes pela ges-tão do Sistema de Registro de Preços,ou deve ser exigido em qualquer cir-cunstância?

As dúvidas acerca da utilização interesta-dual decorrem da ausência de previsão expres-sa desta possibilidade no decreto 3.931/01.

Parte da doutrina entende que isto é possí-vel a partir de uma interpretação sistemática edesde que haja norma autorizativa específica,por se tratar de vácuo legislativo em relação aoqual se permite a integração por atos que res-peitem os princípios norteadores da licitação.

Pondero, entretanto, na esteira de GenaroCarrió, que a má compreensão dos problemaslinguísticos e das questões terminológicas no âm-bito jurídico podem apresentar diferentes signi-ficados e controvérsias, razão pela qual oordenamento não deve ser interpretado de for-ma sistemática, e sim sistêmica, tendo como ali-cerce básico a norma constitucional fundante1,a lex fundamentalis.

Não há lacuna no caso do “carona”, trata-se de silêncio intencional, eloquente da norma,a ser perfeitamente compreendido em face dosprincípios constitucionais e do art. 6º, da Lei8666/93, que buscam preservar o princípio daobrigatoriedade de licitar, o da autonomia e ofederativo.

Tal omissão parece denotar a vontade derestringir a utilização ao âmbito federal e nãopoderia ser de outra forma, salvo se lei federal

1 CARRIÓ, Genaro R. Notas sobre Derecho y Lenguaje. 4.ed.. Buenos Aires: Abeledo – Perrot, 1994, p. 109-112.

Page 17: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 11•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

de caráter nacional dispusesse expressamentede maneira diversa, por ser a hipótese, típicocaso de licitação dispensável, cujo rol taxativoencontra-se elencado no art. 24 da Lei federal8666/93.

O ordenamento é sistêmico e harmônico,não existem normas isoladas. Logo, a análiseque se deve fazer é do sistema, considerandoo conjunto das normas constitucionais einfraconstitucionais, imputando-se uma interpre-tação coerente, ou seja, uma operação de in-vestigação lógica e técnica que permita a com-preensão do exato contexto normativo.

E, falando-se em interpretação, não se podeolvidar a importância dos princípios constituci-onais como garantia da supremacia da lex

fundamentalis.

A interpretação das normas jurídicas deveser, portanto, construtiva e finalística na medi-da em que visa adequar a norma investigadaao restante do texto e do ordenamento comoum todo.

Por outro lado, repita-se, o ordenamento,enquanto sistema, não tem obscuridades. Logo,no caso em apreço, à luz da principiologia cons-titucional, não há outro caminho senão o deentender que se trata de omissão proposital,pois o decreto só tem validade no âmbito fede-ral, e mesmo assim, repita-se, questionável, emface do princípio da reserva legal.

Superada a questão da necessidade de pre-visão do “carona” em lei, ou seja, de regula-mentação de forma correta, a utilização do ins-tituto entre entes federados deverá ser precedi-da de convênio do qual conste preâmbulo comnome, cargo, matrícula, endereço, qualificaçãodos responsáveis pela entidade ou órgão, dosresponsáveis pela requisição dos objetos, dogestor do contrato, data da requisição, anexocom formulário de requisição, indicação das

quantidades mínimas e máximas estimadas,cronograma estimado de aquisição, locais deentrega, definição dos preços com os custosdefinidos previamente em razão da diversidadede localização do solicitante; forma de entregaou remessa; forma de devolução de produtosdesaprovados; forma de apresentação da re-clamação; procedimento dos pedidos de apli-cação de penalidade, inclusive multas, dentreoutras condições.

Caso o órgão gerenciador queira cobrarpela gestão do sistema, será necessário preverno convênio uma contrapartida, como formade remuneração cobrada pelo órgãogerenciador, com valor, base de cálculo e datade pagamento, se for o caso, com o fito de co-brir os custos incrementados para o órgão ouentidade gerenciadora e a redução dos recur-sos com atividades-meio disponibilizadas em fun-ção do ingresso do “carona”.

A problemática do acréscimo de 100% dademanda originária do Registro de Preços emrazão do ingresso do “carona” é ilegal, pois maisuma vez o Decreto 3931/01, no § 3º, do seuart. 8º viola a reserva legal, exorbita o meropoder regulamentar e contraria o § 1º, do art.65, da Lei n. 8.666/93.

À luz do Decreto Federal 3931/01, cadacarona pode solicitar até 100% dos quantitati-vos registrados na ata de Registro de Preços,sendo apenas temporal o único limite impostonesta norma.

Logo, o aumento de 100% dos quantitati-vos originariamente licitados é uma solução ile-gal e teratológica, com violação de princípiosconstitucionais, especialmente, os da vinculaçãoda contratação ao instrumento convocatório, oda isonomia, moralidade, o da obrigatoriedadede licitar, o da vinculação da despesa ao orça-mento disponível, e ainda viola o art. 65 da Lei8666/93, pois ultrapassa o enunciado da lei e

Page 18: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

12 •

• DOUTRINA

decreto é para regulamentar, e não, para am-pliar, inovar ou restringir a norma jurídica emsentido estrito.

É clara a violação ao princípio da vinculaçãoao instrumento convocatório quanto ao quanti-tativo fixado na licitação, pois este poderá ser alte-rado ad infinitum, segundo o aludido DecretoFederal, na medida que houver adesão à Ata deRegistro por outros órgãos da Administração Pú-blica, de forma ilimitada, alterando, ainda, o va-lor estimado da contratação, prazos, locais e con-dições de entrega, dentre outras condições daaquisição do produto ou serviço.

De forma alguma, portanto, poderão seralterados os quantitativos licitados além dos li-mites do art. 65, da Lei 8666/93, não sendopossível também alterar qualitativamente o ob-jeto do certame, salvo edição de norma federalde caráter nacional, dispondo de forma diversasobre a matéria.

Ante o quanto aduzido supra, urge sejamnormatizados, além do que já sugerimos, al-guns outros requisitos indispensáveis à utili-zação lícita do “ carona” no Registro de Pre-ços, dentre os quais, os que a seguirelencamos:

1 - motivação do pleito do carona, justi-ficando a não integração originária etempestiva do Registro de Preços em conjun-to ou isoladamente;

2 - demonstração de que o empréstimonão acarretará a frustração de qualquer dosrequisitos de validade da licitação cabível;

3 - prova de que o Registro de Preços foiprecedido das mesmas formas de publicida-de que seriam exigidas caso a licitação tives-se sido promovida pelo órgão interessado,pois isso pressupõe, dar ampla publicidade àintenção “carona”, para permitir que quais-

quer outros interessados evidenciem que po-deriam promover fornecimento em condiçõesmais satisfatórias;

4 - prova de que os termos da contrataçãosão vantajosas para os interesses supra-indi-viduais sob tutela estatal, vantagem essa con-firmada por pesquisa de mercado, incluindo-seo custo indireto da licitação, na forma do art.113 da Lei 8666/93;

5 - renegociação dos preços para atenderà economia de escala;

Assim, em que pese a existência de entendi-mento diverso defendido por doutrinadores na-cionais de escol, com a devida vênia, advogo ainconstitucionalidade da utilização da “carona” noRegistro de Preços, em razão dos fundamentos jáarticulados, pois além de violar os princípios fun-damentais do federalismo e da simetria constitu-cional entre os entes federados, o instituto jurídi-co instituído pelo Decreto Federal nº 3931/01rechaça princípios basilares da Administração Pú-blica e do procedimento licitatório, em especial, amoralidade, a isonomia, a vinculação ao instru-mento convocatório, a publicidade, além daeconomicidade, já que pelo princípio da econo-mia de escala quando se compra mais, paga-semais barato e se a Administração Publicadimensiona, inicialmente, a sua contratação emum quantitativo inferior ao que vem posterior-mente a adquirir, além de possivelmente violarinteresse de terceiros, estará atuando emdissonância com a economicidade, que resultarána perda de eficácia da contratação, ou seja,desnaturará uma das principais características evantagens do Sistema de Registro de Preços.

Outrossim, há flagrante ilegalidade nodescumprimento da Lei de ResponsabilidadeFiscal e do art. 7º da Lei Federal 8666/93.

Neste sentido, o Acórdão 1487/07, do TCU,entendeu inadequada juridicamente a carona

Page 19: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 13•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

e determinou a revisão da utilização desta figu-ra. De fato, não proibiu expressamente, masrecomendou a não utilização.

Tal atitude se justifica, porque este tribunalnão pode produzir decisão de efeitos vinculantesgerais e abstratos para toda a Administração,ou melhor, o seu julgado não tem o condão deproduzir efeitos erga omnes.

Já o Tribunal de Contas do Estado de SãoPaulo, no acórdão 038240/026/08, de3.12.2008, determinou ao Centro Estadual deEducação Tecnológica Paula Souza – CEETEPSque se abstivesse de admitir a figura do “caro-na” em edital de Pregão para registro de pre-ços.

Não obstante, a realidade é que se ficarprovado enriquecimento sem causa no uso do“carona”, respondem o agente público do ór-gão gerenciador, o fornecedor e o carona.

O convênio e a existência de normaautorizativa específica de cada esfera federadasão imprescindíveis à utilização do “carona”.

Ademais, é também impossível a utilizaçãoda figura do “carona” entre esferas federativasdiversas, inclusive pela diversidade de regrasacerca do certame e da publicidade existenteentre eles, ainda que a contratação seja forma-lizada de forma autônoma, com relação diretaentre contratante e contratado.

Assim, para que atenda ao princípio da le-galidade, a previsão da figura do carona no Sis-tema de Registro de Preços deve ter previsãoem lei federal de caráter nacional, ser regula-mentado tanto pelo órgão que licita quanto peloque pretende se valer do certame, sem violaros princípios da impessoalidade, da segurançajurídica e da isonomia, além de ser contempla-da esta possibilidade no ato convocatório, comprevisão das quantidades estimadas, incluindo-

se a demanda dos possíveis caronas, pois ospreços tendem a variar de acordo com a quan-tidade prevista para uso no lapso de validade evigência do Sistema de Registro de Preços.

A não previsão dos quantitativos do caro-na no edital e a ampliação para o carona impli-ca em mudar a regra do edital a posteriori, in-dependente do volume licitado, sem observaro princípio da vinculação ao ato convocatório.

Este entendimento já foi chancelado peloTCU na Súmula 177, in verbis:

(...) a definição precisa e suficiente do ob-

jeto licitado constitui regra indispensável da

competição, até mesmo como pressuposto

da igualdade entre os licitantes, do qual é

subsidiário o princípio da publicidade, que

envolve o conhecimento, pelos concorren-

tes potenciais, das condições básicas da li-

citação para compra, a quantidade deman-

dada de uma das especificações mínimas e

essenciais à definição do objeto do pregão.

A “carona”, da forma como regulada hojeno ordenamento brasileiro, é um procedimen-to de adesão à ata de Sistema de Registro dePreços que burla o dever de licitar, e na maio-ria das vezes, serve de escudo para dissimulardesídia e falta de planejamento administrati-vo.

A prática do “carona” é inválida, pois am-plia por decreto o rol taxativo de hipóteses delicitação dispensável previstas no art. 24 da Lei8666/93, frustrando o princípio da obrigato-riedade da licitação prévia e configurando dis-pensa de licitação sem previsão legislativa.

Outrossim, a invocar a existência de umalicitação anterior para elidir a ilegalidade, emsentido amplo, não é cabível, eis que tal licita-ção tinha finalidade e limite diversos definidospreviamente no edital.

Page 20: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

14 •

• DOUTRINA

O caráter da obrigatoriedade da licitação éduplamente violado, seja em relação à Admi-nistração que adere a Ata de Preços, sem terpromovido ou participado da licitação para oregistro de preços, bem como em relação aofornecedor beneficiário da ata de Registro dePreços permitindo-lhe contratar com órgão semparticipar de licitação promovida por este, ouseja, utilizando-se de contratação direta nãoprevista em lei.

Em suma, é forçoso reconhecer que a figu-ra do “carona” se constitui em um típico desviode finalidade do Sistema de Registro de Preçosprevisto no artigo 15 da Lei 8666/93.

A utilização do “carona” poderá se consti-tuir em uma ferramenta formidável para admi-nistradores e fornecedores, sem escrúpulos, quevisem obter vantagens pessoais, causando pre-juízo aos cofres públicos e a terceiros.

A figura do “carona” afeta ainda o princí-pio da competitividade, quando obsta a livreconcorrência prevista no artigo 170, inciso IV,da Constituição Federal, já que privilegia deter-minado fornecedor, desigualando-o em relaçãoaos demais, por ter sido contemplado em umaAta de Registro de Preços, precedida de licita-ção realizada por certo órgão da AdministraçãoPública.

Além do mais, da forma como foi criada, afigura do “carona” fomenta a falta de planeja-mento administrativo e a reserva de mercado.

A ausência de previsão legal do participante“carona”, não pode ser suprida com a aplicaçãodo art. 24, VII, da Lei Federal 8666/93, pois éóbvio que este dispositivo não se refere à adesãoem Ata de Registro de Preço de outro órgão.

O aludido artigo se refere a contrataçãodireta independente de adesão em Ata de Re-gistro de Preços, no caso de licitação anterior

infrutífera. O registro de preços é citado no dis-positivo simplesmente como parâmetro deaceitabilidade de propostas.

É impossível esquecer que a licitação buscarealizar dois fins, igualmente relevantes: o prin-cípio da isonomia e a seleção da proposta maisvantajosa.

Caso prevalecesse exclusivamente a ideia da“vantajosidade”, ficaria aberta oportunidadepara interpretações disformes. A busca da “van-tagem” poderia conduzir a Administração aopções arbitrárias ou abusivas. Enfim, poderiaverificar-se confusão entre interesses primáriose secundários da Administração.

A vantajosidade da oferta ou do negócioque a Administração visa pactuar, isoladamen-te, não é motivação suficiente para que se dis-pense licitação.

O ordenamento pátrio impõe a realizaçãode licitação, que tem ainda a finalidade da cum-prir ao princípio da isonomia que vem impon-do à observância de outros princípios não me-nos importantes no desenvolvimento da licita-ção, tais como, legalidade, competitividade,publicidade, moralidade e probidade adminis-trativa, vinculação ao edital, impessoalidade,dentre outros

Para que a licitação cumpra sua finalidade,portanto, é fundamental o atendimento do in-teresse primário, que é o interesse da coletivi-dade como um todo.

A utilização da figura do “carona” descum-pre o dever constitucional de licitar, violando,repita-se, os princípios constitucionais aplicáveisà Licitação e à Administração Pública, especial-mente os que dizem respeito à legalidade,isonomia, vinculação ao instrumentoconvocatório, moralidade e probidade adminis-trativa e o da competitividade.

Page 21: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 15•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Cria privilégio a certo fornecedor detentorde uma ata de registro de preços, que poderánegociar com a Administração Pública e comela contratar em detrimento de outros que po-deriam competir nos preços, prazos e qualida-de, sem a existência de regras claras para que acontratação se efetive.

No entanto, sobrevindo uma norma geralde caráter nacional que venha a disciplinar o“carona”, os pontos críticos que vem sendo tra-zidos à baila, tais como a forma de publicidade,controle, limitação de quantitativos e de ade-são, a necessidade de prova de prévio planeja-mento administrativo, mecanismos que venhampropiciar que o maior número de órgãos se ins-crevam como participantes da licitação, e ou-tros, devem ser regulamentados.

Neste ponto, vale ratificar a necessidade deformalização da relação entre gerenciador e nãoparticipante, através de um instrumento jurídi-co de colaboração para regular as relações en-tre órgão gerenciador e os órgãos não partici-pantes quando inexiste a cobrança de qualquerremuneração dos órgãos participantes pelo usoda Ata de Registro de Preços; ou, por um con-vênio, quando o órgão gerenciador cobra umpagamento dos órgãos não participantes pelaadministração do Sistema de Registro de Pre-ços.

No caso da adesão, após adotadas as cau-telas aqui articuladas, é importante que o “ca-rona” certifique-se de que houve regularidadenos procedimentos da licitação que registrou ospreços aos quais pretende aderir, pois, haven-do ilegalidade, a licitação será anulada, assimcomo os atos dela decorrentes, incluindo oscontratos que venham a ser firmados pelogerenciador, pelo participante ou pelo “caro-na”.

Em conclusão, a figura do “carona” tal comodisciplinada no Decreto Federal 3931/01 viola,

também, o princípio prudencial da democra-cia, por rechaçar política pública constitucionalcontida no dever de prévia licitação, além decriar modalidade nova de dispensa de licitação,por decreto, sem observar o elenco exaustivodo art. 24, da Lei Federal 8666/93, que nãoenuncia tal possibilidade.

O Decreto Federal 3931/01, repita-se, agri-de o sistema constitucional, em especial, o prin-cípio da reserva legal e o federativo, além deimplicar em usurpação da competêncianormativa da união para a edição de normageral de caráter nacional sobre licitação dispen-sável.

Page 22: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

16 •

• DOUTRINA

O ISS e as cooperativas no âmbito dalegislação municipal

Geórgia Teixeira Jezler CampelloProcuradora do Município de SalvadorChefe da Subespecializada de Créditos TributáriosPresidente da Associação de Procuradores do Município de SalvadorPresidente da Comissão de Advocacia Pública junto à OAB/BAEmail: [email protected]

PALAVRAS-CHAVE:ADEQUADO TRATAMENTO AO ATO COOPERADO. RECEPÇÃO DALEI 5.765/71 PELA CF/88. DO ATO COOPERADO. TRIBUTAÇÃO DASCOOPERATIVAS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS ESTADOS. LEIMUNICIPAL 7.186/06.

1. Origem e conceito de cooperativismo.2. Tratamento adequado ao ato cooperado. Do regime Constitucio-

nal-tributário das cooperativas.3. Análise dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e a

sua aplicação às cooperativas.4. A caracterização do ato cooperado.5. ISSQN: Incidência e não incidência sobre os atos praticados pelas

cooperativas.5.1 O tratamento dado às cooperativas pela legislação do município

de Salvador.6. Conclusões.

Page 23: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 17•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

1.Origem e conceito do cooperativismo

As cooperativas foram organizadas original-mente na Inglaterra, como forma dos trabalha-dores se protegerem.

Os autores são unânimes em considerarque o cooperativismo, tal qual o conhecemosatualmente, nasceu em 1844, na Inglaterra. Em21 de dezembro de 1844, no bairro deRochdale, em Manchester, na Inglaterra, 28 te-celões (27 homens e 1 mulher) fundaram a “So-ciedade dos Probos Pioneiros de Rochdale” como resultado da economia mensal de uma librade cada participante durante um ano. Eles reu-niram-se em assembleia em novembro de 1843com a finalidade de encontrar meios alternati-vos de sobrevivência, diante da miserável reali-dade de seus cotidianos e dos efeitos da Revo-lução Industrial sobre suas vidas. Os presentesà reunião sugeriram algumas propostas, comoa emigração, abstinência de bebidas alcoólicase a fundação de um armazém cooperativo. Emseguida, economizaram durante um ano intei-ro o capital necessário à organização da coope-rativa e com essa quantia inauguraram, em de-zembro de 1844, o armazém, apresentando aosassociados pequena quantidade de farinha, açú-car, manteiga, e aveia.

Tendo o homem como principal finalidade- e não o lucro – os tecelões de Rochdale bus-cavam, naquele momento, uma alternativa eco-nômica para atuarem no mercado, frente aocapitalismo que os submetia a preços abusivos.

Naquele momento, a constituição de umapequena cooperativa de consumo de alimen-tos e roupas estaria mudando os padrões eco-nômicos da época e dando origem ao movi-mento cooperativista.

Na referida época, foram definidos os prin-cípios cooperativos, que estão bemsedimentados no seguinte conceito:

“Cooperativa é uma sociedade de pessoasque se propõe, mediante princípios de auto-ajuda (solidariedade), democracia, econo-mia, liberdade, igualdade, altruísmo e pro-cesso social, conseguirem a sua realizaçãoeconômica.”1

2. Tratamento Adequado ao Ato Coo-perado. Do Regime Constitucional-Tri-butário das Cooperativas

A CF/88, que privilegiou o Estado Social,pretendeu de forma genérica, através dos arts.5º, 146 e 174 e de maneira específica, quandocuidou das cooperativas agrícolas, de garimpo,de crédito e de saúde, beneficiar essas formassocietárias, em face do seu cunho social, atri-buindo-lhes tratamento favorecido.

Vale ressalvar que a Carta Constitucionalnão beneficiou as cooperativas com a imunida-de, e sim determinou que o legislador comple-mentar ofertasse-lhes adequado tratamento tri-butário.

“Art. 146. Cabe à lei complementar:...........III - estabelecer normas gerais em matériade legislação tributária, especialmente so-bre:c) adequado tratamento tributário ao atocooperativo praticado pelas sociedades co-operativas.”....”

O “adequado tratamento tributário” nãose confunde com imunidade, que advém dire-tamente da própria Constituição. O dispositivoconstitucional é dirigido ao legislador comple-mentar, a quem incumbe esclarecer edimensionar o que seja adequado tratamento

1 Definição exposta por Marcos Aurélio Cravo no prefácio.In Cooperativas e Tributação. 1ª Ed. São Paulo: Juruá, 2001.

Page 24: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

18 •

• DOUTRINA

tributário ao ato cooperativo praticado pelassociedades cooperativas. Contudo, caberá aosentes federados, nas esferas de suas competên-cias tributárias, isentar os atos cooperados, es-quivando-os da esfera de incidência da normatributária, ou reduzindo aspectos do critérioquantitativo da regra-matriz de incidência tri-butária. 2

Nessa linha, manifestou-se o STF, no jul-gamento do AC 2209 AgR / MG, que tevecomo relator o ministro Joaquim Barbosa, DJU26/03/2010: “O art. 146, III, c, da Constitui-ção não implica imunidade ou tratamento ne-cessariamente privilegiado às cooperativas.Conforme orientação desta Corte, em matériatributária, não há hierarquia entre lei comple-mentar e lei ordinária, nem a observância desimetria entre as formas para revogar isenções.A circunstância de dado tributo estar sujeito àsnormas gerais em matéria tributária não signi-fica que eles deverão ser instituídos por lei com-plementar, ou então que qualquer norma quese refira ao respectivo crédito tributário tam-bém deva ser criada por lei complementar. Aconcessão de isenções ou outros benefícios fis-cais, bem como a instituição dos critérios dasregras-matrizes dos tributos não têm perfil denormas gerais (normas destinadas a coorde-nar o tratamento tributário em todos os entesfederados), embora delas extraiam fundamentode validade. Não é possível, sem profundoexame da questão de fundo, considerar comoviolada a regra da isonomia e da capacidadecontributiva, considerada a tributação das co-operativas, em si consideradas (de trabalho,crédito, consumo etc.), e comparadas com asdemais pessoas jurídicas. Não está completa-mente afastada a predominância da interpre-tação da legislação infraconstitucional e da aná-lise do quadro probatório paradescaracterização dos ingressos oriundos daprática de atos por cooperativas comofaturamento.”

A rigor, diante da natureza peculiar dasentidades cooperativas, devem os sistemas tri-butários de cada ente federado enquadrá-lasde acordo com a especial finalidade, de supe-ração de dificuldades econômicas, que os seuscooperados isoladamente seriam incapazes deenfrentar.

As normas constitucionais nos conduzem aesse entendimento, nas palavras de Celso Ri-beiro Bastos, “assegurando apoio e estímulo aocooperativismo, bem como um adequando tra-tamento tributário ao ato cooperativo (arts. 174,par. 2º e 146, III, “c”). Normas programáticascomo essas possuem o efeito imediato de im-pedir que dispositivos de menor escalão as con-trariem ou afrontem”.3

Vale ressaltar que a norma constitucionalpossui efetividade4, ao passo que o direito exis-te para realizar-se e o Direito Constitucional nãofoge a esta regra.

2 Na doutrina de Paulo de Barros Carvalho, com base naslições de Lourival Vilanova, a construção, não só da regra-matriz de incidência tributária como de qualquer normajurídica, é obra do intérprete. Sua hipótese prevê fato deconteúdo econômico, enquanto seu consequente estatuivínculo de caráter obrigacional entre o Estado, na condiçãode sujeito ativo e uma pessoa física ou jurídica, particularou pública, como sujeito passivo. (Direito Tributário,Linguagem e Método, 3ª edição, São Paulo, Noeses, 2009,p. 604)

3 As Tendências do Direito Público. São Paulo: Saraiva, 2000,p. 471.

4 Sobre a eficácia jurídica das normas constitucionais,podemos afirmar, com base na doutrina de José Afonso daSilva que todas elas possuem e são aplicáveis nos limitesobjetivos do seu teor normativo. Todas elas possuem forçaimperativa, não se constituindo em meros conselhos, avisosou lições.Já a eficácia social da norma constitucional, ou seja, dosmecanismos para a sua real aplicação, da sua efetividade,resulta do cumprimento espontâneo das suas disposições.Ao jurista cabe formular estruturas lógicas e provermecanismos técnicos aptos a dar efetividade às normasjurídicas, mas também, terá que haver uma determinaçãopolítica do poder público em sobrepor-se à resistência.(Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e aEfetividade de suas Normas, Rio de Janeiro: Renovar, 1996,p. 84)

Page 25: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 19•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

A Lei n. 5.764/71 disciplina o regime dassociedades cooperativas e o mencionado diplo-ma foi incorporado ao ordenamento pátrioinaugurado pela Constituição Federal de 1988,nos moldes do par. 5º do art. 34 do ADCT.

A lei referenciada foi recepcionada pela CR/88. Propugna o professor Paulo de Barros Car-valho que esta recepção se deu como lei com-plementar, consoante o trecho transcrito a se-guir:

“Ocorre que o legislador, ao criar a Lei n.5.764/71, disciplinou, em muitos de seusdispositivos, matéria privativa de lei com-plementar, como é o caso do adequadotratamento tributário ao ato cooperativo.Logo, em face dessa orientação semântica,foram tais preceptivos acolhidos peloordenamento jurídico com a forçavinculativa daquele Estatuto, em função doassunto por eles regulado, não podendo,consequentemente, ser revogados ou alte-rados, por legislação ordinária.”

Entretanto, o STF já se manifestou no sen-tido de que inexiste lei complementar federalregulando a matéria no julgamento da ADI 429-MC, que teve por foco o questionamento so-bre a competência dos estados para regular aquestão5:

“A falta de lei complementar da União queregulamente o adequado tratamento tribu-tário do ato cooperativo praticado pelassociedades cooperativas, (CF, art. 146, III,c), o regramento da matéria pelo legisladorconstituinte estadual não excede os lindesda competência tributária concorrente quelhe é atribuída pela Lei Maior (CF, art. 24, §3º).” (ADI 429-MC, Rel. Min. Célio Borja,julgamento em 4-4-1991, Plenário, DJ de19-2-1993.)

3. Análise dos princípios da igualdadee da capacidade contributiva e a suaaplicação às cooperativas

A igualdade é direito fundamental do con-tribuinte e limita a competência tributária doEstado, de modo que, com base no referidoprincípio, não se pode tributar fatos não abran-gidos pela hipótese de incidência da lei que ins-titui o tributo.

Nas lições de Humberto Ávila, a igualdade,como metanorma que estrutura a aplicação deoutras normas (como postulado, na classifica-ção do referido autor), constitui um dever pu-ramente formal, vez que estabelece uma formaque só funciona com a complementação deconteúdos. Desse modo, só com a conjugaçãode normas jurídicas materiais é que a igualdadetorna-se passível de aplicação. 6

Ultimando a isonomia, a ordem jurídicadispensa tratamento diferenciado a pessoas queestejam em diferentes situações, em função dedeterminado elemento discriminador, que jus-tifique o tratamento jurídico diverso.

Nesse passo, resta concluir que a capacida-de contributiva é um critério de aplicação daigualdade.

Arremata o festejado autor que: “A deter-minação da medida, que a eficácia econômicadesigual de uma regra não poderá ultrapassar,deve ser obtida pela análise das decisõesvalorativas da Constituição em favor, por exem-plo, da proteção da família e do casamento eda solidariedade social.” 7

5 Os ministros Moreira Alves, Marco Aurélio e o relatorCélio Borja pactuaram da mesma opinião.

6 Ávila, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4a

edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 372.7 Ob. Cit. p. 372.

Page 26: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

20 •

• DOUTRINA

Neste contexto é que se deve analisar o fatoda realização do ato cooperado como sujeito àincidência tributária.

4. A caracterização do ato cooperado

O art. 79 da Lei 5.764/71 define os atoscooperativos como “atos praticados entre ascooperativas e seus associados, entre estes eaqueles e pelas cooperativas entre si, quandoassociadas, para consecuções dos objetivos so-ciais.”

Acerca da diferença entre ato cooperativoe ato comercial, Sandra A. L Barbon Lewis pro-feriu esclarecedora palestra, no I Simpósio Bra-sileiro sobre a Tributação das Cooperativas, re-alizado em Curitiba, nos seguintes termos:

“Assim, no ato cooperativo não estão pre-sentes o lucro, nem a intermediação. O quecaracteriza uma cooperativa é o fato de oassociado atuar como proprietário e comobeneficiário. São inúmeros os objetivos, taiscomo: facilitar o consumo dos cooperados,facilitar o trabalho dos cooperados, depen-dendo do tipo de cooperativa.

Quando falamos em cooperativa, estamosnuma distância abissal das demais socieda-des ou pessoas jurídicas empresariais.Estamos diante de uma instituição de finsde interesse superior, que é o interesse so-cial. Não porque eu estou dizendo, mas simo Texto Legal considerou oportuno estatuir.Art. 174, § 2º.

Ora, o que a Constituição concede comuma mão não retira com a outra.”*

É imprescindível dissociar o ato cooperati-vo, aquele que atinge os atos vinculados à fina-lidade básica da associação, o ato cooperativotípico, dos atos externos praticados a não asso-ciados.

Nessa linha, a não incidência dos tributossobre o ato praticado pela cooperativa depen-

de do exame de dois pontos: i) a conformaçãodo ato praticado à definição do art. 79 da Lei5764/1971; ii) a verificação se os atos coopera-dos típicos resultam ou não na prestação deserviços ao mercado, gerando, portanto,faturamento.

Vale ressaltar que a cooperativa muitas ve-zes pratica atos de mercado, contudo esta nãoé a sua finalidade precípua, o seu objetivo pri-mordial é fornecer bens e serviços ao coopera-do, que remunera apenas o custo da atividadeda cooperativa.

Assevere-se que muitos consideram que ocusto dessa intermediação não é remuneradopor taxa de administração, de sorte que estataxa cobre apenas as despesas da cooperativa,tanto assim que as sobras são redistribuídas aoscooperados, não havendo remuneração pelaprática do ato cooperado.

Destarte, não resta dúvida acerca da tribu-tação dos atos externos praticados pela coope-rativa. Não é outro o entendimento da Supre-ma Corte:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EX-TRAORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL.INCIDÊNCIA SOBRE RECEITA AUFERIDAPOR COOPERATIVA. LEI Nº 7.689/88.INCONSTITUCIONALIDADE. IMPROCE-DÊNCIA. Contribuição Social sobre o Lucro.Alegação de que o juízo de origem declarouinconstitucional in totum a Lei nº 7.689/88.Improcedência. Distinção entre receitaadvinda dos associados, sujeita a rateio en-tre os médicos cooperados, e aquela perce-bida em razão de serviços prestados a não-associados, sobre a qual incide a contribui-ção social sobre o lucro. Interpretação decláusulas do Estatuto Social da entidade eda legislação infraconstitucional que disci-

* In GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Cooperativase Tributação. 1ª Ed. Curitiba, Juruá, 2001.

Page 27: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 21•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

plina a organização de cooperativas.Reexame. Impossibilidade. Agravo regimen-tal a que se nega provimento” (RE 274406AgR/PR, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 20/04/2001).

A própria lei prevê a possibilidade do for-necimento de bens e serviços a terceiros, levan-do os resultados dessas operações à conta deassistência técnica e educacional, contabilizando-os em separado para viabilizar o cálculo dos tri-butos.

Assim, por sua natureza e finalidade, associedades cooperativas não são tributados ape-nas nos atos cooperativos próprios, o que éconclusivo do cotejo do parágrafo único do art.79 da Lei nº 5.764/71 (o ato cooperativo nãoimplica operação de mercado, nem contrato decompra e venda de produto ou mercadoria)com o art. 87 da mesma lei (os resultados dasoperações cooperativas com não associados,mencionados nos artigos 85 e 86, serão leva-dos à conta do “Fundo de Assistência Técnica,Educacional e Social” e serão contabilizados emseparado, de molde a permitir cálculo pra inci-dência de tributos).

5. ISSQN: Incidência e não incidênciasobre os atos praticados pelas coopera-tivas

Para que haja a incidência do ISS sobre osserviços prestados pela cooperativa é necessá-rio que a referida prestação tenha conteúdoeconômico, haja vista que a cooperativa nãotem despesa nem receita. Não se trata de merainexistência de lucro, mas de inexistência dereceita e despesa, uma vez que a primeira édestinada aos sócios e a segunda é suportadapor estes. As cooperativas só terão receita edespesa quando realizarem atos com não coo-perados, ou seja, quando os serviços beneficia-rem, também, pessoas da mesma categoria eco-nômica dos cooperados que não sejam inte-grantes do seu rol de associados.8

O novo Código Civil trata das cooperativasnos arts. 1.093 a 1.096. Nos termos da lei civil,as sociedades cooperativas possuem as seguin-tes características: variabilidade, ou dispensa docapital social; concurso de sócios em númeromínimo necessário a compor a administraçãoda sociedade, sem limitação de número máxi-mo; limitação do valor da soma de quotas docapital social que cada sócio poderá tomar;intransferibilidade das quotas do capital a ter-ceiros estranhos à sociedade, ainda que porherança; quorum, para a assembléia geral fun-cionar e deliberar, fundado no número de só-cios presentes à reunião, e não no capital socialrepresentado; direito de cada sócio a um só votonas deliberações, tenha ou não capital a socie-dade, e qualquer que seja o valor de sua parti-cipação; distribuição dos resultados, proporci-onalmente ao valor das operações efetuadaspelo sócio com a sociedade, podendo ser atri-buído juro fixo ao capital realizado;indivisibilidade do fundo de reserva entre ossócios, ainda que em caso de dissolução da so-ciedade.

De acordo com a Lei 5.764/71, as coope-rativas são sociedades de pessoas com perso-nalidade jurídica própria e de natureza civil, cujoobjetivo é a prestação de serviços e a assistênciaaos seus associados, sem finalidade lucrativa.Ainda segundo a referida legislação, as coope-rativas devem ser constituídas em AssembléiaGeral realizada por seus fundadores, documen-tada em ata ou instrumento público. O atoconstitutivo deverá obrigatoriamente deliberarsobre a denominação da sociedade, sede, ob-jeto, qualificação detalhada de cada coopera-do, bem como dos eleitos para os órgãos deadministração e fiscalização, valor e número dequotas de participação de cada cooperado,como estabelecem os arts. 14, 15 e 16. O art.21 desse diploma legal, por sua vez, determina

8 LIMA, Reginaldo Ferreira. Direito Cooperativo Tributário.São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 173.

Page 28: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

22 •

• DOUTRINA

que o estatuto social, o qual estabelece a rela-ção jurídica entre a cooperativa e seus associa-dos, deve indicar, expressamente, a área deatuação e o objeto da cooperativa, de modo apermitir o fiel cumprimento de suas finalida-des.9

Repisamos que os atos cooperativos sãoaqueles dirigidos a criar, manter ou extinguirrelações cooperativas, celebrados conforme oobjeto social e em cumprimento de seus finsinstitucionais, através dos quais a entidade atin-ge os seus fins e os atos não-cooperativos sãoaqueles que extrapolam as finalidadesinstitucionais, devendo gerar tributação.

Transcrevemos, por oportuna, a lição deKiyoshi Harada (O ISS e as Cooperativas de Ser-viços Médicos, BDM - Boletim de Direito Muni-cipal - Setembro/96), segundo a qual, “em ha-vendo sinais exteriorizadores de que determi-nada cooperativa está agindo com desvio de suafinalidade, deverá ser submetida a uma fiscali-zação específica, com o exame de sua contabi-lidade, único critério seguro para comprovar aprática de atividade remunerada pela socieda-de cooperativa”.

Destarte, para se precisar se os atos prati-cados pelas cooperativas são hipóteses de inci-dência do ISS, deve-se analisar minuciosamen-te o seu estatuto, assim como verificar se naprática podem ser enquadrados como econô-micos, se os serviços foram prestados com in-tuito negocial.

Quanto à incidência do ISS sobre as coo-perativas decidiu o STJ na seguinte direção:

“TRIBUTÁRIO – COOPERATIVAS DE EN-SINO – REQUISITOS - SÚMULA 7/STJ -ISS: INCIDÊNCIA – VALORES REPASSA-DOS PELA COOPERATIVA AOS COOPE-RADOS EM RAZÃO DO SERVIÇO DE EN-SINO PRESTADO – ATO COOPERATIVO

IMPRÓPRIO. 1. Incide o óbice da Súmula7/STJ quando a constatação de ofensa à leifederal demanda o reexame do contextofático-probatório. 2. É irrelevante para aincidência do ISS o fato das cooperativasatuarem como meras intermediárias de seuscooperados, tendo em vista que: a) elas sãosociedades simples e possuem existênciaprópria; b) exercem atividade econômica;c) a própria Lei que define a Política Nacio-nal de Cooperativismo determina a tribu-tação sobre atos praticados com não coo-perados; e d) por força da expressa deter-minação do art. 111 do CTN, as outorgasde isenções tributárias devem ser interpre-tadas literalmente. 3. Divergênciajurisprudencial prejudicada nos termos daSúmula 83/STJ. 4. Recurso especial conhe-cido em parte e, nessa parte, não provi-do.” (REsp 962529 / RS, Rel MinistraELIANA CALMON, DJ 06/08/2009).

Quanto às atividades das cooperativas mé-dicas consistentes na prestação de serviços deadministração a terceiros, ficou assentado noegrégio tribunal que:

“TRIBUTÁRIO. ISS. COOPERATIVAS MÉ-DICAS. INCIDÊNCIA. 1. As Cooperativas

9 Sobre as previsões estatutárias, decidiu o STJ:“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ISS. LEI5.764/71. ATOS COOPERATIVOS E ATOS NEGOCIAIS.AGRAVO DESPROVIDO. 1. O art. 21 da Lei 5.764/71determina que o estatuto social, o qual estabelece a relaçãojurídica entre a cooperativa e seus associados, deve indicar,expressamente, a área de atuação e o objeto da cooperativa,de modo a permitir o fiel cumprimento de suas finalidades.2. O estatuto social de uma cooperativa pressupõe opreenchimento de uma série de requisitos legais, entre osquais o dever de delimitar a área de atuação e o objeto dasociedade. Ressalta-se, ainda, que o referido documentodeve ser submetido à aprovação do órgão competente, nocaso, da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais. 3.Desse modo, a suposta previsão, no estatuto, de relaçõescom terceiros não-cooperados que não ensejam aincidência do ISS, deve ser objeto de análise, caso a caso.4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 622794/ MG, Rel. Ministra Denise Arruda, DJ 12/12/2007)

Page 29: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 23•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

organizadas para fins de prestação de ser-viços médicos praticam, com característicasdiferentes, dois tipos de atos: a) atos coo-perados consistentes no exercício de suasatividades em benefício dos seus associa-dos que prestam serviços médicos a tercei-ros; b) atos não cooperados de serviços deadministração a terceiros que adquiram seusplanos de saúde. 2. Os primeiros atos, porserem típicos atos cooperados, na expres-são do art. 79, da Lei 5.764, de 16 de de-zembro de 1971, estão isentos de tributa-ção. Os segundos, por não serem atos co-operados, mas simplesmente serviços remu-nerados prestados a terceiros, sujeitam-seao pagamento de tributos, conforme de-terminação do art. 87 da Lei 5.764/71. 3.As cooperativas de prestação de serviçosmédicos praticam, na essência, no relacio-namento com terceiros, atividades empre-sariais de prestação de serviços remunera-dos. 4. Incidência do ISS sobre os valoresrecebidos pelas cooperativas médicas de ter-ceiros, não associados, que optam por ade-são aos seus planos de saúde. Atos nãocooperados. 5 . Recurso provido.” (REsp n.254.549/CE, Rel. Ministro José Delgado, emsessão de 17/08/2000)

5.1 O tratamento dado às cooperativaspela legislação do município de Salva-dor

Com a lei complementar apontada no art.146, III, “c”, da CR/88 ou sem ela, as pessoaspolíticas devem dispensar adequado tratamen-to tributário ao ato cooperativo praticado pelassociedades cooperativas. Contudo, é a própriaConstituição, sistematicamente interpretada eaplicada, que determina em que consiste tal tra-tamento tributário adequado. Essa lei não pode,por exemplo, considerar o ato cooperativocomo ato mercantil, passível da incidência detributos.10

Dessa forma, cabe não só ao legisladorcomplementar, mas também ao ordinário con-siderar o desígnio constitucional.

A propósito, a Lei municipal n. 4.279/9011 jáisentava o ato cooperado, nos seguintes termos:

‘Art. 83. A incidência do impostoindepende:.............§ 1º O imposto não incide sobre:.............IV - o ato cooperativo praticado por socie-dade cooperativa.”

Como se não bastasse, o mesmo diplomalegal, no art. 88, beneficiava, com alíquota re-duzida, o ato não cooperativo, praticado pelasreferidas entidades:

“Art. 88. O imposto terá o seu cálculo efe-tuado de acordo com as alíquotas fixadasna Tabela de Receita n° II, anexa a esta Lei.§ 1º - Será beneficiada com a alíquota pre-vista no Código 9.0, da Tabela de Receitan. II, a cooperativa que prestar serviçostributáveis, ressalvado o disposto no incisoIV - do § 1º do art. 83, mediante contratoespecífico celebrado com o tomador dosserviços, desde que:I - esteja regularmente constituída, na for-ma da lei;II - esteja inscrita no Cadastro Geral de Ati-vidades (CGA) do Município;III - esteja devidamente autorizada a funci-onar pelo órgão executivo federal de con-trole ou órgão local credenciado para essefim; eIV - cuja totalidade dos seus associados se-jam, também, inscritos no CGA.§ 2º - Poderá a cooperativa beneficiar-secom alíquota mais favorável, se houver na

10 CARRAZZA, Roque Antonio. Direito ConstitucionalTributário. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 922.

11 Atualmente, o art. 86, § 1º, IV, da Lei 7186/06 possui omesmo teor.

Page 30: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

24 •

• DOUTRINA

Tabela de Receita n. II previsão nesse senti-do para os serviços por ela prestados.”

O atual Código Tributário de Rendas doMunicípio de Salvador, Lei n. 7186/06, mante-ve o tratamento benéfico às cooperativas, con-soante as previsões insculpidas no § 1º, IV, doart. 86, in verbis:

“Art. 86. A incidência do impostoindepende:.....................§ 1º O imposto não incide sobre:.........IV - o ato cooperativo praticado por socie-dade cooperativa.”“Art. 96. O valor do imposto será calculadoaplicando-se ao preço do serviço ou aovalor da receita presumida a alíquota cor-respondente, na forma da Tabela n. II, ane-xa a esta Lei.Parágrafo único. Será beneficiados com aalíquota específica, prevista na Tabela de Re-ceita n. II anexa a esta Lei, os serviçostributáveis prestados por cooperativa, res-salvado o disposto no inciso IV do § 1º, doart. 86, desta Lei, mediante contrato espe-cífico celebrado com o tomador dos servi-ços, e desde que:I - esteja regularmente constituída, na for-ma da lei;II - esteja inscrita no Cadastro Geral de Ati-vidades – CGA, do Município;III - esteja devidamente autorizada a funci-onar pelo órgão executivo federal de con-trole ou órgão local credenciado para essefim; eIV - seus associados sejam inscritos no Ca-dastro Geral de Atividades – CGA, do Mu-nicípio.”

Resta patente, portanto, a intenção do le-gislador municipal, considerando a norma devalor consubstanciada nos arts. 146, III, “c, e174 da CF, no exercício da sua plena compe-

tência para atender as suas peculiaridades, deexcluir da esfera de incidência do imposto mu-nicipal as cooperativas e os atos cooperados típi-cos e beneficiar com a redução de alíquotas osatos cooperados atípicos.

Apropriada a citação de trecho da palestraproferida por Betina Treiger Grupenmacher12:“Então conclui-se que não há subsunção por-que não há hipótese de incidência , não haven-do hipótese de incidência, não há fato imponível,não havendo fato imponível, não nasce a rela-ção jurídica tributária e consequentemente nãohá o dever de pagar. Parece-me que, ao cobrartributo da atividade desempenhada pelas coo-perativas de trabalho, as municipalidades estãoferindo frontalmente o princípio da segurançajurídica do contribuinte. Eu perguntaria, quesegurança o contribuinte pode ter se é dada apossibilidade ao Município, aos Estados ou aqualquer uma das pessoas políticas de direitopúblico, de cobrarem tributo sem que tenhanascido uma relação jurídica, cuja consequênciaseja o dever de pagar o tributo e o correlatodireito subjetivo de exigi-lo.”

6. Conclusão

A proteção ao Cooperativismo encampadapela Constituição Federal, explícita e implicita-mente nos artigos 5º, XVVV, 146, III,”c”, 174,par. 2º, 3º 4º, 187, IV, e 192, deve ser conside-rada como um verdadeiro valor, requerendoportando uma tributação abrandada.

Nessa perspectiva, a Lei 5.764/71, que dis-ciplina o regime das sociedades cooperativas,foi recepcionada pela Carta Constitucional de1988, com fulcro no § 5º do art. 34 do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias.

12 Cooperativas e Tributação, 1ª Ed. Curitiba, Juruá, 2001,p.181.

Page 31: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 25•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Não obstante a inexistência da lei comple-mentar apontada no art. 146, III, c, da CF/88,regulando o adequado tratamento tributário aoato cooperativo, as Constituições Estaduais po-dem regrar a matéria, com fulcro no art. 24,§3º da Carta Constitucional.

Exercendo a sua competência tributária, omunicípio de Salvador, através da Lei 7.186/06,isentou os atos cooperativos praticados por so-ciedades cooperativas da esfera de incidênciado ISS, bem como previu a aplicação dealíquotas mais benéficas aos serviços tributáveisprestados por cooperativas.

Bibliografia

ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tri-

butário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucio-

nal e a Efetividade de suas Normas. Rio de Ja-neiro: Renovar, 1996.

BARROS, Mário da Fonseca Fernandes de. Das

sociedades cooperativas perante o direito co-

mercial brasileiro. Imprensa Vitória, Bahia, 1943.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Consti-

tucional. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 1997.

BASTOS, Celso Ribeiro e TAVARES, André Ra-mos. As Tendências do Direito Público. No Limiar

de um Novo Milênio. São Paulo: Saraiva, 2000.

BECHO, Renato Lopes. Tributação das Coope-

rativas, 2ª edição. São Paulo: Dialética.

BULGARELLI, Waldirio. As sociedades coope-

rativas e sua disciplina jurídica. 2ª edição. Riode Janeiro: Renovar, 2000.

CARRAZZA, Roque Antonio. Direito Constitu-cional Tributário. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros,2009.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributá-

rio, Linguagem e Método. 3ª edição. São Paulo:Noeses, 2009.

GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Co-operativas e Tributação. 1ª edição. Curitiba:Juruá, 2001. p. 81

HARADA, Kiyoshi. ISS e as Cooperativas de Ser-

viços Médicos. BDM - Boletim de Direito Muni-cipal - Setembro/96.

JUNIOR, Amilcar Barca Teixeira e CIOTTI, LivioRodrigues. Participação de Cooperativas em Pro-

cedimentos Licitatórios. Belo Horizonte: Man-damentos, 2002.

LEWIS, Sandra. A. L. Barbon. In GRUPEN-MACHER, Betina Treiger (coord.). Cooperativase Tributação. 1ª edição. Curitiba: Juruá, 2001.p. 81

LIMA, Reginaldo Ferreira. Direito Cooperativo

Tributário. São Paulo: Max Limonad, 1997.

MELO, José Soares de. ISS Aspectos Teóricos ePráticos. 4ª Ed. São Paulo: Dialética, 2005.

SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das NormasConstitucionais. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros:2007.

Page 32: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

26 •

• DOUTRINA

O IPTU verde: progressividade no tempo

Gisane Tourinho DantasProcuradora do Município de Salvador, lotada na Procuradoria FiscalEx-Chefe da Representação da Procuradoria na Secretaria de Serviços Públicos ePrevenção à ViolênciaEx-Defensora Pública do Estado de SergipeEspecialista em Direito do Estado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)Pós-graduada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Preparatório à Carreira deMagistratura (EMAB/UCSAL)Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários(IBET)

Sumário: 1.O IPTU e o Estatuto da Cidade - 1.1 Perspectivas ambientais;1.2 Função social da propriedade urbana - 2. Tributação e Meio ambi-ente: IPTU verde - 2.1 O IPTU como tributo verde: alíquotas progres-sivas no tempo - 2.2 Regra-matriz de incidência tributária do IPTU ver-de – Conclusão - Referências.

Palavras-chave: Tributo verde; IPTU; progressividade no tempo; Estatu-to da Cidade.

As discussões acerca do meio ambiente vi-raram pauta do dia. O tema é recorrente noscírculos internacionais e objeto do discurso dospolíticos e governantes. Não é para menos. Osreflexos das ações humanas na biota e no climaestão evidentes.

É por esse motivo que acertam aqueles quepensam que a questão da responsabilidadesocioambiental possui raízes, também, tributá-rias. Ora, o imposto predial e territorial urbano(IPTU) tem relação direta com o meio ambien-te artificial. Senão vejamos.

Meio ambiente é o conjunto de condições,leis, influências e interações de ordem física,química, biológica, social, cultural e urbanística,que permite, abriga e rege a vida em todas assuas formas1 e possui quatro dimensões: artifi-cial, cultural, do trabalho e natural2.

1 FARIAS, Talden Queiroz. O conceito jurídico de meioambiente. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1546>. Acesso em: 08.jan.2010;

2 Ibid.

Page 33: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 27•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Essas concepções são tratadas no art. 3º daLei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do MeioAmbiente). O meio ambiente natural ou físicoé constituído pelos recursos naturais, como osolo, a água, o ar, a flora e a fauna, e pela cor-relação recíproca de cada um destes elementoscom os demais.

O meio ambiente cultural é formado pelopatrimônio histórico, artístico, paisagístico, eco-lógico, científico e turístico e constitui-se tantode bens de natureza material, a exemplo doslugares, objetos e documentos de importânciapara a cultura, quanto imaterial, a exemplo dosidiomas, das danças, dos cultos religiosos e doscostumes de uma maneira geral.

Já o meio ambiente do trabalho, conside-rado também uma extensão do conceito demeio ambiente artificial, é o conjunto de fato-res que se relacionam às condições do ambien-te de trabalho, como o local de trabalho, asferramentas, as máquinas, os agentes químicos,biológicos e físicos, as operações, os processos,a relação entre trabalhador e meio físico.

Por fim, o meio ambiente artificial é aqueleconstituído pelo espaço urbano construído,consubstanciado no conjunto de edificações(espaço urbano fechado) e dos equipamentospúblicos (espaço urbano aberto). Assim, vê-seque tal espécie de meio ambiente está intima-mente ligado ao próprio conceito de cidade.

No âmbito do meio ambiente artificial e suarelação com a tributação, foco deste artigo, háuma conjugação de normas constitucionais quegarantem aos Municípios a instituição e a co-brança de imposto sobre a propriedadeterritorial urbana (art. 30, III c/c art. 156, I) –IPTU –, além do dever do Poder Público prote-ger o meio ambiente e combater a poluição,bem como legislar sobre assuntos de interesselocal, promover o adequado ordenamentoterritorial, promover a proteção do patrimônio

histórico-cultural local, promover a política dedesenvolvimento urbano por meio do planodiretor e assegurar o meio ambiente ecologica-mente equilibrado para as presentes e futurasgerações (art. 23, VI c/c art. 30, I, II, VII, VIII eIX c/c art. 182, § 4º c/c art. 225), emcontraponto ao direito de propriedade (art. 5º,XXII e XXIII c/c art. 170, III).

Diante da ponderação de interesses, pois,surge o por mim denominado, neste trabalho,IPTU verde, isto é, o IPTU com alíquotas pro-gressivas no tempo em razão do descumpri-mento, por parte do proprietário, das condi-ções e prazos previstos na lei para conceder àpropriedade urbana sua função social.

A tributação verde, ou seja, tributação comviés ecológico, é crescente no mundo inteiro,ainda mais após os reflexos da natureza em res-posta à atuação humana, e no Brasil surgem,cada vez mais, projetos de lei e propostas deemenda constitucional que visam tributaçãomais elevada para quem agride o meio ambi-ente e desoneração para aqueles que o preser-vam, a exemplo da Proposta de Emenda Cons-titucional (PEC) 353/2009.

Como a instituição e cobrança deste im-posto ainda é facultativo aos Municípios, con-soante disposição da norma do § 4º do art. 182da Carta Magna, sua implementação poderáimplicar no aumento de arrecadação, semprenecessário ao erário municipal, muito emboranão seja essa a sua finalidade. Isto porque oobjetivo maior é obrigar que o imóvel exerçasua função social.

1.1 Perspectivas ambientais

A Constituição Federal de 1988 (CF/88)prevê, no seu art. 225, caput, que a todos éassegurado o direito “ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado, bem de uso comum dopovo e essencial à sadia qualidade de vida,

Page 34: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

28 •

• DOUTRINA

impondo-se ao Poder Público e à coletividade odever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações”.

O paradigma ético constitucional brasileirode proteção do meio ambiente tem origem naDeclaração de Estocolmo, de 1972, que tratoua questão ambiental de maneira antropocên-trica, nas palavras de Antônio HermanBenjamim3, com traço marcadamente lastreadona dignidade da pessoa humana.

A Declaração de Estocolmo4 prevê que édever de todos os governos a proteção e o me-lhoramento do meio ambiente urbano, inverbis:

(...)1. O homem é ao mesmo tempo obra econstrutor do meio ambiente que o cerca,o qual lhe dá sustento material e lhe ofereceoportunidade para desenvolver-se intelectu-al, moral, social e espiritualmente. Em largae tortuosa evolução da raça humana nesteplaneta chegou-se a uma etapa em que, gra-ças à rápida aceleração da ciência e datecnologia, o homem adquiriu o poder detransformar, de inúmeras maneiras e emuma escala sem precedentes, tudo que ocerca. Os dois aspectos do meio ambientehumano, o natural e o artificial, são essenci-ais para o bem-estar do homem e para ogozo dos direitos humanos fundamentais,inclusive o direito à vida mesma.2. A proteção e o melhoramento do meioambiente humano é uma questão funda-mental que afeta o bem-estar dos povos e odesenvolvimento econômico do mundo in-teiro, um desejo urgente dos povos de todoo mundo e um dever de todos os governos.(...)

Sem olvidar de diversos outros acordos in-ternacionais, a importância da Declaração doRio de Janeiro, de 1992 (ECO-92), e do Proto-colo de Kyoto, de 1997, ambos ratificados peloBrasil, é indiscutível.

A Declaração do Rio/92, que foi o marcoda Convenção sobre a Mudança Climática, es-tabelece uma conexão estreita entre a degra-dação ambiental e a pobreza mundial, sendoacordadas a necessidade de adoção de provi-dências permanentes no campo do desenvolvi-mento sustentável5.

O Protocolo de Kyoto, por sua vez, é umnovo componente àquela Convenção sobreMudança Climática, fixou metas para que ospaíses desenvolvidos reduzissem a emissão degases que causam o efeito estufa.

Recentemente, de 7 a 18 de dezembro de2009, houve, em Copenhague (Dinamarca), a15ª Conferência das Partes (COP 15), que foiuma nova rodada de negociações visando esta-belecer metas mais agressivas em vista da redu-ção da emissão de gases geradores do efeitoestufa e a formação de um fundo de ajuda paraas alterações climáticas.

Contudo, do ponto de vista de ações práti-cas e imediatas para enfrentar a urgência dosproblemas climáticos do planeta, a COP 15 foi,senão um fiasco, uma grande decepção, istoporque nada de concreto em relação às metasde redução de emissão de gases ficou acorda-do entre os países participantes, conforme foiexaustivamente noticiado pela imprensa6.

3 BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionalização doAmbiente e Ecologização da Constituição Brasileira, inDireito Constitucional Ambiental Brasileiro. OrganizadoresJosé Joaquim Gomes Canotilho e José Rubens Morato Leite.São Paulo: Saraiva, 2007. p. 108-109;

4 Disponível em: < http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/estocolmo.doc>. Acesso em:08.jan.2010.

5 GRANZIERA, Maria Luíza Machado. Direito Ambiental. SãoPaulo: Atlas, 2009.p.43.

6 Nota: As organizações não-governamentais e a imprensafizeram uma cobertura exaustiva sobre a COP 15. Algunscomentários noticiados sobre a COP 15 podem ser vistosem: < http://www.parana-online.com.br/colunistas/201/73299/>; < http://opensadorselvagem.org/ciencia-e-humanidades/demografia/resultados-da-cop-15-de-copenhague>; < http://www.wwf.org.br/?23600/Plenario-vazio-resultados-pifios-fim-melancolico-da-COP-15-clama-por-mais-mobilizacao-global>, todos acessados em08.jan.2009;

Page 35: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 29•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Percebe-se, nesse diapasão, que a preocu-pação com o meio ambiente é crescente e, nestaseara, os governos federal, estadual, distrital emunicipal têm que estar atentos. É por essa ra-zão que já existem, em diversos lugares, incen-tivos fiscais àqueles que degradam menos o meioambiente, inclusive mesmo, no Brasil, com oart. 6º, VI, da recente Lei nº 12.187, de 29 dedezembro de 2009, que instituiu a Política Na-cional sobre Mudança do Clima - PNMLC. Nes-se inciso VI, do art. 6º, há previsão de medidasfiscais e tributárias destinadas a estimular a re-dução das emissões e remoção de gases de efeitoestufa.

Nessa perspectiva, tramita no CongressoNacional a Proposta de Emenda Constitucional(PEC) 353/20097, que prevê alterações nas di-retrizes gerais para a Reforma TributáriaAmbiental, estabelecendo tributação elevadapara as pessoas que agridem o meio ambientee desoneração para aqueles que o preservam.

A justificativa para a PEC é bastante inte-ressante. Segundo o deputado federal peloPSDB/MA Roberto Rocha, autor da proposta,o movimento de reforma da legislação tributá-ria com ênfase ambiental surgiu, na Europa, nadécada de 90 e na primeira década do séculoXXI. Na oportunidade, alterou-se a distribuiçãoda carga tributária de modo a intensificar asexações contra os degradantes do meio ambi-ente. Senão vejamos8:

A expressão “Reforma TributáriaAmbiental” advém da tradução deEnvironmental Tax Reform (ETR), tambémconhecida por Ecological Tax Reform ouGreen Tax Reform. Trata-se de um movi-mento de reforma da legislação fiscal quealcançou realidade na maioria dos estadoseuropeus na década de 90 e nesta primei-ra década do século XXI. As experiênciascolhidas alteraram substancialmente a dis-tribuição da carga tributária nacional de

forma a intensificar exações sobre ativida-des poluentes e aliviar a tensão fiscal sobreinvestimentos, folhas de pagamentos e ren-das das empresas e das pessoas físicas. En-tre os países que promoveram a ETR, emmaior ou menor grau, encontram-se Grã-Bretanha, Alemanha, Noruega, Suécia, Fin-lândia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Áus-tria, Itália, Suiça, Portugal, Grécia e Irlanda.

Em relação especificamente ao IPTU, a PEC353/2009 inclui, no inciso II do art. 156,alíquotas diferenciadas de acordo com o res-peito à função socioambiental da propriedade,in verbis:

Art. 156. ...................................................................................................................§ 1º ...........................................................................................................................II – ter alíquotas diferentes de acordo coma localização e o uso do imóvel e o respeitoà função socioambiental da propriedade.(grifou-se)

A correlação entre tributação, dever de pre-servar o meio ambiente e o direito de proprie-dade encontra respaldo no art. 5º, XXII, art. 23,VI, art. 30, I, II, III, VII, VIII e IX, bem como oart. 156, I, art. 182 e o art. 225. Conjuntamen-te, há, ainda, a disposição do preâmbulo e o art.1º, III e IV da CF/88, que apesar de não possuirforça normativa, é um enunciado de intençõesque visa servir de elemento de interpretação eintegração do texto constitucional, nas palavrasdo constitucionalista Alexandre de Moraes9.

7 Nota: A última movimentação de sua tramitação indica aaprovação pela Comissão de Constituição e Justiça e deCidadania (CCJC). A consulta da tramitação da PEC 353/2209 encontra-se disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.html?link=http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=430593>. Acesso em: 08.jan.2010;

8 Ibid.9 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed.

São Paulo: Atlas, 2005. p.15.

Page 36: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

30 •

• DOUTRINA

Como é sabido, a finalidade do Estado é arealização do bem comum, permitindo, naspalavras de Kyoshi Harada10, o desenvolvimen-to pleno das potencialidades humanas. Paratanto, o Estado necessita prover e aplicar recur-sos financeiros e, visando isso, desenvolve inú-meras atividades, sejam elas primárias, comoconcernentes à segurança pública e a prestaçãojurisdicional, por exemplo, sejam elas secundá-rias, como as desenvolvidas pelas concessioná-rias de serviços públicos.

Com o crescimento das atribuições estataise as necessidades crescentes e diversificadas dapopulação, o Estado lançou mão de uma fonteregular e permanente de recursos financeiros –a tributação.

No caso do IPTU, sua importância é enor-me, haja vista a crescente concentração da po-pulação nos centros urbanos, implicando namaior demanda de serviços básicos e obras deinfra-estrutura.

Nas palavras de Cintia EstefâniaFernandes11, o IPTU é essencial para o desen-volvimento dos Municípios e para o fortaleci-mento do princípio federativo, já que “sua co-brança de forma adequada faz com que estesdependam menos dos valores circunscritos nosrepasses do Governo Central e Estadual, aumen-tando sua autonomia financeira e, por via deconseqüência, aumentando também a autono-mia administrativa e política.”

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)regulamentou o IPTU verde, nos arts. 7º e 8º,explicitando a aplicação de alíquotas progressi-vas no tempo em caso de descumprimento dascondições e prazos para promover a funçãosocial da propriedade urbana, com a possibili-dade de desapropriação do imóvel e o paga-mento da indenização com títulos da dívidapública.

Assim, o imposto predial e territorial urba-no verde, seja pelas alíquotas diferenciadas pelorespeito à função socioambiental da proprie-dade proposta pela PEC supra, seja pelaprogressividade das alíquotas no tempo previs-ta no Estatuto da Cidade, é um tema atualíssimoe que merece maior atenção dos Municípios eda sociedade civil para sua importância, já queestá em consonância com a proteção do meioambiente, como se verá oportunamente.

1.2 Função social da propriedade urba-na

Como já visto antes, o meio ambiente arti-ficial é aquele constituído pelo espaço urbanoconstruído, consubstanciado no conjunto deedificações (espaço urbano fechado) e dos equi-pamentos públicos (espaço urbano aberto).Assim, vê-se que tal espécie de meio ambienteestá intimamente ligado ao próprio conceito decidade.

Com a promulgação da CF/88, fundamen-tada no sistema econômico capitalista com li-mites na dignidade da pessoa humana (art.1º,III e IV), a cidade, passou a ser concebida numavisão jurídico-ambiental, lastreada de forma di-reta no art. 225 da Carta Magna, e, de formaindireta, nos arts. 182 e 183 do mesmo diplo-ma.

Assim, o conceito de ordem urbanística, naspalavras de Fiorillo12, está associado à ordemeconômica e social que o legislador ordinário,após mais de dez anos depois da promulgaçãoda CF/88, entendeu por bem estabelecer umaLei do Meio Ambiente Artificial (Estatuto da Ci-dade).

10 HARADA, Kyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 10. ed.São Paulo: Atlas, 2002. p. 23.

11 FERNANDES, Cintia Estefânia. IPTU – Texto e Contexto. SãoPaulo: Quartier Latin, 2005. p. 23-24.

Page 37: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 31•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Não obstante, o direito de propriedade, quesempre foi visto de maneira absoluta e egoísta,passou a ser relativizado. Com as transforma-ções sociais que ocorreram nos séculos XIX e XXem razão da Revolução Industrial e dos pós-guer-ras, a mentalidade econômica e social que sur-giu com o Estado Social influenciou, inevitavel-mente, a mentalidade jurídica, alcançando, as-sim, nova concepção do direito de propriedade.

A evolução social, dessa maneira, demons-trou que a justificação do interesse individual setorna, muitas vezes, fator de sacrifício de inte-resses coletivos. É nesse sentido que o alcancedo direito de propriedade possui comolimitador o exercício de sua função social.

Nelson Rosenvald13 esclarece:

A refundação da propriedade prende-se atrês princípios: o bem comum, a participa-ção e a solidariedade. Quanto ao primeiro,a sociedade surge porque as pessoas des-cobrem uma vontade geral e um bem queé comum e dispõem-se a construí-lo. A elese subordinam os bens particulares; a par-ticipação resulta na contribuição de todos,a partir daquilo que são e daquilo que têm.A participação transforma o indivíduo emser humano; por último, a solidariedade,que nasce da percepção de que todos vi-vemos uns pelos outros, valor sem o qual asociedade não é humana.

Além da previsão de que a propriedadeexercerá sua função social (art. 5º, XXIII), essadimensão axiológica da propriedade resta evi-denciada, ainda, na CF/88, no capítulo da Or-dem Econômica, quando, no art. 170, III, de-termina que a ordem econômica tem por fimassegurar a todos existência digna, observado oprincípio da função social da propriedade.

Aliado às quatro conhecidas faculdades dodireito de propriedade (usar, gozar, dispor e

reivindicar), alia-se, agora, um elemento dinâ-mico, que é a sua funcionalidade (função soci-al)14. Em consonância com o exposto, o § 1ºdo art. 1.228 do Código Civil/2002 é categóri-co:

§ 1o O direito de propriedade deve ser exer-cido em consonância com as suas finalida-des econômicas e sociais e de modo quesejam preservados, de conformidade como estabelecido em lei especial, a flora, afauna, as belezas naturais, o equilíbrio eco-lógico e o patrimônio histórico e artístico,bem como evitada a poluição do ar e daságuas.

É importante não esquecer que há muitotempo a Lei de Introdução ao Código Civil já,no art. 5º, determinava que a lei atenderia aosfins sociais e às exigências do bem comum.

Portanto, percebe-se que, mesmo sendocláusula geral (técnica legislativa intencionalmenteimprecisa e com grande abertura semântica),possuindo, portanto, uma dimensão subjetiva,o alcance da função social encontrará respaldona interpretação a ser feita pelo operador doDireito em consonância com a ponderação devalores individuais e sociais justificáveis na CF/88.

Contudo, é interessante desenvolver o con-ceito da locução “função social”, até para se teruma ideia das suas implicações. NelsonRosenvald15 o faz com propriedade:

12 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da CidadeComentado. 3.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2008. p.31-32;

13 ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3.ed.Rio de Janeiro:Impetus, 2004. p. 29.

14 ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3. ed. Rio de Janeiro:Impetus, 2004 p. 31;

15 Ibid. p. 30.

Page 38: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

32 •

• DOUTRINA

A locução função social traduz o compor-tamento regular do proprietário, exigindoque ele atue numa dimensão na qual reali-ze interesses sociais, sem a eliminação dodireito provado do bem que lhe assegureas faculdades de uso, gozo, e disposição.Vale dizer, a propriedade mantém-se pro-vada e livremente transmissível, porém de-tendo finalidade econômica adequada àsatividades urbanas e rurais básicas, no in-tuito de circular riquezas e gerar empregos.

A função social, assim, adicionada ao inte-resse privado que reveste a propriedade, noentender de Maria Luíza Granzieira16, explicitao interesse público incorporado em seu con-teúdo.

Nesse sentido, a função social da proprie-dade urbana e a política de desenvolvimentourbano foram explicitados com a regulamenta-ção do art. 182 da CF/88, que se deu por meiodo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001).

Essa estabelece as diretrizes gerais do Planode Desenvolvimento Urbano17. Suas normas, deordem pública e interesse social, regulam o usoda propriedade em prol do bem coletivo, dasegurança, do bem-estar dos cidadãos e doequilíbrio do meio ambiente.

Através de instrumentos urbanísticos, oMunicípio disciplinará a função social da pro-priedade urbana, seja por meio do seu planodiretor (cidades com mais de 20 mil habitan-tes), seja pelas leis orgânicas locais.

O crescimento da urbe será delimitado,então, visando impedir a especulação imobiliá-ria e garantir a ordenação e controle do solo. Apropriedade urbana cumpre sua função socialquando atende às exigências fundamentais deordenação da cidade expressas no plano dire-tor, assegurando o atendimento das necessida-des dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à

justiça social e ao desenvolvimento das ativida-des econômicas, nos termos do art. 39 do Esta-tuto da Cidade.

O citado diploma, que regulamentou o §4º, do art.182 da CF/88, traz vários instrumen-tos que forçam o proprietário a cumprir a fun-ção social do seu imóvel urbano, previstos nosart. 4º, dentre eles institutos tributários e finan-ceiros, como é o caso do IPTU verde, contri-buição de melhoria e incentivos e benefícios fis-cais e financeiros, o que é louvável para evitar oconfisco, vedado no art.150, IV da CF/88.

Em relação ao imposto predial e territorialurbano verde, ele somente será devido se forprevisto, em lei específica do Município, já que,infelizmente, pela análise do § 4º, II, do art.182da CF/88, ele ainda é facultativo, in verbis:

§ 4º - É facultado ao Poder Público munici-pal, mediante lei específica para área inclu-ída no plano diretor, exigir, nos termos dalei federal, do proprietário do solo urbanonão edificado, subutilizado ou não utiliza-do, que promova seu adequado aprovei-tamento, sob pena, sucessivamente, de:

I - parcelamento ou edificação compulsó-rios;II - imposto sobre a propriedade predial eterritorial urbana progressivo no tempo;III - desapropriação com pagamento me-diante títulos da dívida pública de emissãopreviamente aprovada pelo Senado Fede-ral, com prazo de resgate de até dez anos,em parcelas anuais, iguais e sucessivas, as-segurados o valor real da indenização e osjuros legais.(grifou-se)

16 GRANZIERA, Maria Luíza Machado. Direito Ambiental. SãoPaulo: Atlas, 2009. p. 76;

17 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed. Riode Janeiro: Lúmen Júris, 2009. p. 323.

Page 39: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 33•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

O art. 5º do Estatuto da Cidade prevê quelei específica municipal para área incluída no planodiretor poderá determinar o parcelamento, aedificação ou até a utilização compulsórios dosolo urbano não edificado, subutilizado ou nãoutilizado, devendo fixar as condições e os prazospara implementação da referida obrigação.

O art. 6º do citado diploma legal esclareceque aquelas modalidades de obrigações sãopropter rem, já que são estabelecidas em razãodo imóvel, objeto do direito, recaindo sobre osujeito que for titular atual do direito de proprie-dade.

O mais importante dispositivo do Estatutoda Cidade, foco deste trabalho, é o art. 7º por-que estabelece os parâmetros para a regra-ma-triz de incidência tributária (RMIT) do IPTU ver-de, isto é, aquele com alíquotas progressivas notempo em razão do descumprimento das obri-gações e prazos previstos no art. 5º do citadoestatuto. Observe-se que a norma constitucionalque o ampara é o art. 182, § 4o.

Analisando a redação do art. 7º, percebe-se que em caso de descumprimento da funçãosocial da propriedade urbana, mesmo após adeterminação de parcelamento, edificação ouutilização compulsórios do solo urbano, o Mu-nicípio que possui previsão, nesse sentido, emsua lei, procederá à aplicação do IPTU comalíquotas progressivas no tempo, durante o pra-zo de cinco anos, respeitada a alíquota máximade 15%.

A progressividade no tempo do IPTU verdee a sua RMIT será assunto do próximo tópico.

2.1 O IPTU como tributo verde:alíquotas progressivas no tempo

Já foi visto que a finalidade do Estado é arealização do bem comum. Visando atingir esseobjetivo, o Estado necessita prover e aplicar re-

cursos financeiros. Nas palavras de KyoshiHarada18, o Estado adquire recursos desenvol-vendo inúmeras atividades, sejam elas primári-as, como concernentes à segurança pública e aprestação jurisdicional, por exemplo, sejam elassecundárias, como as desenvolvidas pelas con-cessionárias de serviços públicos.

Com o crescimento das atribuições estataise as necessidades crescentes e diversificadas dapopulação, o Estado lançou mão de uma fonteregular e permanente de recursos financeiros –a tributação.

Observe-se que o Estado de Direito, naspalavras de Klaus Tipke e Douglas Yamashita19,não pode esgotar-se na sua concepção formal,que visa garantir, antes de tudo, a segurançajurídica aos cidadãos.

No Direito Tributário, esse aspecto formal,segundo os citados autores, resta comprovadona medida em que os impostos somente po-dem ser arrecadados com base legal, “que asleis tributárias devem ser suficientemente deter-minadas, que leis tributárias por princípio nãopodem retroagir e que a aplicação analógica deleis tributárias não é permitida.”20

Ora, o Estado de Direito não pode apenaspromulgar leis, ajustadas às regras estritamentetécnicas e de conveniência. Isto porque elas nãopodem ser arbitrárias e injustas materialmente.A CF/88 tutela a justiça, seja no preâmbulo, sejacomo objetivo da República Federativa do Bra-sil previsto no art. 3º, I.

O Município, ante a sua autonomia, temcompetência tributária para instituir e cobrar o

18 HARADA, Kyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 10. ed.São Paulo: Atlas, 2002. p. 23;

19 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípioda Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros, 2002.p. 16;

20 Ibid.

Page 40: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

34 •

• DOUTRINA

IPTU, nos termos do art. 156, I da CF/88. Oprincípio da autonomia municipal está inseridonos arts. 29 e 30 da CF/88 e a competência dosMunicípios foi prevista diretamente na CartaMagna, sendo este, então, o fundamento devalidade de suas leis. Roque Carraza21 ressalta,desse modo, ser a autonomia municipal cláu-sula pétrea.

Competência tributária, nas palavras dePaulo de Barros Carvalho22, “é uma das parce-las entre as prerrogativas legiferantes de que sãoportadoras as pessoas políticas, consubstanciadana possibilidade de legislar para a produção denormas jurídicas sobre tributos.” Segundo odouto estudioso, três são as características dacompetência tributária: indelegabilidade,irrenunciabilidade e incadubilidade.

Considerando que este trabalho não temo objetivo de esgotar a matéria e de rememorarconceitos basilares, faremos o corteepistemológico necessário e passaremos ao querealmente interessa.

Pois bem. Em razão da responsabilidade nagestão fiscal a que estão submetidos os entes daFederação, prevista no art. 11 da Lei de Res-ponsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000), os Mu-nicípios têm o dever de instituir, prever e efeti-vamente arrecadar todos os tributos da sua com-petência constitucional, sob pena de implicarem renúncia de receita e, em conseqüência,crime de responsabilidade fiscal. Mais um moti-vo para instituir e cobrar o IPTU verde.

E o que seria o IPTU progressivo no tem-po? Nas palavras de Daniel Barbosa L. F. C. Sou-za,23 é possível classificar o IPTU ambiental, istoé, aquele com fundamento no meio ambiente,em três tipos: o IPTU ambiental preservacionista(em função da preservação ambiental), o IPTUambiental repressivo (em função do impactocausado no imóvel) e o IPTU ambiental pro-gressivo no tempo (em função do não-cumpri-mento da função social da propriedade).

A função do imposto sobre a propriedadepredial e territorial urbana é essencialmente fis-cal, pois seu objetivo primordial é a obtençãode recursos financeiros para o Município.

Contudo, no mundo moderno com mui-tas complexidades, os entes tributantes passa-ram a ter a necessidade de dotar alguns tribu-tos de caráter extrafiscal. A extrafiscalidade é,pois, o meio através do qual se pretende incen-tivar ou desestimular uma conduta.

No caso do IPTU ele também poderá tercaráter extrafiscal. É o caso do IPTU verde abor-dado neste trabalho, pois ele visa implementara função social da propriedade do imóvel ur-bano.

A progressividade tributária significa, naspalavras de Hugo de Brito24, a existência de“alíquotas progressivas, crescentes na medida emque cresce a base de cálculo do imposto, ouexcepcionalmente um outro elemento eleitopara esse fim”.

Segue o tributarista aduzindo que aprogressividade pode ter diversos objetivos, tra-balhando, via de regra, em função da base decálculo do imposto. Outra hipótese é que aprogressividade seja em função do elemento“tempo”, isto é, o tempo decorrido sem queseja corrigido o uso do imóvel tido como inade-quado, como é a hipótese que aborda esse tra-balho.

Portanto, são duas as progressividades: umaligada ao princípio da capacidade contributiva

21 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito ConstitucionalTributário. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 162-163;

22 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de DireitoTributário.19. ed. rev. Saraiva: São Paulo, 2008. p. 236.

23 SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa. IPTU Ambiental.Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1983>. Acesso em: 11.jan. 2010.

24 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 299.

Page 41: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 35•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

(art. 145, § 1º c/c art.156, § 1º, I, da CF/88) e aprogressividade em razão do tempo (art. 182,§ 4°, II, da CF/88), que é instrumento de pro-moção da adequação da propriedade urbanaà sua função social, revelando seu caráter puni-tivo.

Por fim, cumpre ressaltar a diferença entreprogressividade e seletividade. O imposto seráprogressivo, como visto, quando sua alíquotacresce em função de sua base de cálculo, ou,em razão do tempo pelo qual o contribuintedesobedece ao plano de urbanização da cida-de (progressividade no tempo).

Já a seletividade, nas palavras de Hugo deBrito25, implica em alíquotas diversas em razãoda diversidade do objeto tributado. E continua:

Assim, o IPTU será seletivo se as suas alíquotasforem diferentes para imóveis diferentes,seja essa diferença em razão da utilização,ou da localização, ou de um outro critérioqualquer, mas sempre diferença de um imó-vel para o outro.

Discute-se na doutrina e na jurisprudênciaa inconstitucionalidade da progressividade doIPTU. Atualmente, a questão foi resolvida noâmbito nos tribunais, no sentido de que, antesda Emenda Constitucional (EC) 29/2000, so-mente era possível a progressividade do IPTUpara assegurar o cumprimento da função socialda propriedade, existindo até a Súmula 668 doSupremo Tribunal Federal (STF) ressaltando estavisão.

Resta, ainda, a controvérsia acerca dainconstitucionalidade da EC 29/2000, para que,mesmo com a edição da citada emenda, o IPTUnão comporta alíquotas progressivas em razãodo valor do imóvel (art. 156, § 1º, I da CF/88).A discussão já está no STF, que está firmandoposicionamento, no julgamento do RecursoExtraordinário nº 423.768/SP26, que conta com

todos os votos já proferidos (num total de cin-co) e mais a indicação do Ministro Gilmar Men-des, de seguimento da tese no sentido de que aConstituição Federal admite a instituição deIPTU com a progressividade fiscal.

A progressividade no tempo do IPTU ver-de, prevista no art. 182, § 4o, da CF/88 e regu-lamentado no art. 7º do Estatuto da Cidade, éum instrumento de política urbana que visaimplementar a função social da propriedade doimóvel urbano.

O art. 7º do Estatuto da Cidade estabeleceos requisitos para a cobrança do IPTU verde,isto é, aquele com alíquotas progressivas no tem-po em razão do descumprimento das obriga-ções e prazos previstos no art. 5º do citado di-ploma.

Em razão do descumprimento da funçãosocial da propriedade urbana, mesmo após adeterminação de parcelamento, edificação ouutilização compulsórios do solo urbano, o Mu-nicípio que possui previsão, nesse sentido, emsua lei, procederá à aplicação do IPTU comalíquotas progressivas no tempo, durante o pra-zo de cinco anos, respeitada a alíquota máximade 15%.

A progressividade no tempo do IPTU ver-de ainda é, infelizmente, uma faculdade dosMunicípios, consoante disposição da norma do§ 4º do art. 182 da Carta Magna. Os entesmunicipais que ainda não possuem legislaçãoneste sentido estão deixando de aumentar a

25 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário.26. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2005. p.390-391;

26 Nota: a consulta está disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2219868>. Acesso em: 11.jan.2010.

Page 42: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

36 •

• DOUTRINA

arrecadação, sempre necessário ao erário, es-pecialmente os pequenos Municípios que de-pendem das receitas oriundas do Fundo de Par-ticipação dos Municípios, muito embora não sejaessa sua finalidade essencial.

Isto porque, como já dito em diversas oca-siões, a função do IPTU progressivo no tempo,dado seu caráter extrafiscal, é de implementara política de desenvolvimento urbano, estimu-lando o proprietário a conceder ao seu imóveluma função social.

Além de sua implementação implicar emum possível aumento de arrecadação – cujoobjetivo primordial não é este –, o Municípioque aplica alíquotas progressivas no tempo pelodescumprimento da função social da proprie-dade, exerce o dever de proporcionar o meioambiente ecologicamente equilibrado, de as-segurar a dignidade da pessoa humana e depromover o desenvolvimento urbano susten-tável.

Cintia Estefânia Fernandes27, no seu livroque trata especificamente sobre o IPTU, escla-rece:

O Estatuto da Cidade é uma Lei que permi-te aos Municípios nova forma de tributa-ção, mas não é uma Lei que tem o condãode garantir aos Municípios mais recursospela utilização do IPTU.

Fiorillo28 é assertivo em afirmar que oIPTU previsto no art. 7º do Estatuto da Cida-de é, claramente, um tributo ambiental, queconsiste em “obrigação jurídica pecuniária de-corrente da presente lei com amparo na Cons-tituição Federal em face do que determina oart. 182, § 4º, II”.

Segue ainda aduzindo que esse IPTU pro-gressivo no tempo possui como característica ser

um instrumento jurídico vinculado aos deno-minados institutos tributários e financeiros doEstatuto da Cidade (art. 4º, IV, a), obedecendoao instrumento da política urbana adaptado àsnecessidades de tutela do meio ambiente artifi-cial.

O IPTU verde, regulamentado no art. 7ºdo Estatuto da Cidade, é um instrumento tribu-tário e financeiro que possui a finalidade deviabilizar efetivamente as funções sociais da ci-dade em respeito às necessidades vitais da dig-nidade da pessoa humana, e não, pura e sim-plesmente, do Estado, com a arrecadação dedinheiro aos cofres públicos.

A finalidade da tributação progressiva écoercitiva. Cuida-se de compelir os munícipes aobservarem as regras urbanísticas, contidas nalei local, revelando um caráter eminentementesancionatório.

Observe-se, no entanto, que o carátersancionatório do IPTU progressivo no temponão decorre de um ato ilícito. Elizabeth NazarCarraza, citada por Fiorillo29 esclarece que oIPTU, mesmo nesse caso “incide sobre o fatolícito de uma pessoa ser proprietária de um imó-vel urbano. A sanção advém, sim, do mau uso(de acordo com a lei local) que esta pessoa fazde sua propriedade urbana”.

Para a incidência da progressividade no tem-po das alíquotas de IPTU verde, é necessária leimunicipal específica para área incluída no pla-no diretor, quando for o caso, ou na lei orgâni-ca.

27 FERNANDES, Cintia Estefânia. IPTU – Texto e Contexto. SãoPaulo: Quartier Latin, 2005. p. 396;

28 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da CidadeComentado. 3.ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2008. p.89;

29 Ibid. p. 91.

Page 43: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 37•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Essa progressividade será pelo prazo de cin-co anos, respeitada a alíquota máxima de 15%.Findo o período, e não sendo cumprida a obri-gação de parcelamento, edificação ou utiliza-ção o Município poderá promover a desapro-priação do imóvel, com o pagamento da inde-nização mediante títulos da dívida pública, nostermos do previsto no art. 8º do Estatuto daCidade. Caso não realize a desapropriação, se-gue a cobrança do IPTU com a alíquota máxi-ma até o cumprimento da obrigação.

Esses títulos da dívida pública terão préviaaprovação pelo Senado Federal e serão resga-tados no prazo de até dez anos, em prestaçõesanuais, iguais e sucessivas, assegurados o valorreal da indenização e os juros legais de seis porcento ao ano. No próximo item, discutiremos aRMIT do IPTU verde em tela.

2.2 Regra-matriz de incidência tributá-ria do IPTU verde

Tentaremos traçar, neste item, a regra-ma-triz de incidência tributária (RMIT) do IPTU ver-de. Contudo, antes, faremos uma breve intro-dução sobre o fenômeno da incidência.

Geraldo Ataliba30 afirma que “O conteúdoessencial de qualquer norma jurídica é seu man-damento principal”. Na visão, ainda, do citadoautor, o conteúdo das normas tributárias con-siste numa ordem para que se entregue ao Es-tado certa soma de dinheiro.

Ensina, ainda, o citado mestre31 que a nor-ma jurídica possui a seguinte estrutura: “1) hi-pótese, 2) mandamento, 3) sanção, só é obriga-ção tributária a que nasce por força do (2) man-damento. Aquelas obrigações pecuniárias quedecorrem da (3) sanção, não são tributárias”.

No caso da norma tributária, a obrigaçãotributária surge com o mandamento, e as obri-gações pecuniárias que surgem com a sançãonão são tributárias. Paulo de Barros32 classifica a

norma tributária, com lastro no critério do gru-po institucional a que pertencem, em: normasque demarcam princípios (visa dar limites davirtualidade legislativa na será tributária), nor-mas que definem incidência de tributo (normasque traças a RMIT, bem como isenções e regrassancionatórias) e normas que fixam providên-cias administrativas para operacionalizar a co-brança do tributo (fiscalização, lançamento edeveres instrumentais).

Assim, de acordo com o tributarista supra,a norma tributária em sentido estrito é aquelaque define a incidência fiscal, sendo normas tri-butárias em sentido amplo todas as demais.

Dentro desse panorama surge o fenôme-no da incidência. É frequente designar a inci-dência como o fenômeno da subsunção de umfato à hipótese legal, gerando consequênciasjurídicas automáticas. Todavia, seguindo o pen-samento de Paulo de Barros, entendo equivo-cada essa posição, pois a incidência somenteocorrerá com a linguagem competente que re-lata o evento descrito pelo legislador, e desdeque todos os requisitos da norma sejam atendi-dos.

Isto porque, a exemplo do IPTU verde,caso um proprietário de imóvel urbano conti-nue a desobedecer a obrigação de concederfunção social ao seu imóvel, e não houver fisca-lização e cobrança por parte do Município, ja-mais haverá, neste caso, a incidência do IPTUcom alíquotas progressivas no tempo.

A regra-matriz de incidência tributária(RMIT) é, segundo Paulo de Barros Carvalho33,por excelência, uma regra de comportamento,isto é, norma de conduta que prescreve a obri-gação de pagar tributo.

30 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed.São Paulo: Malheiros, 2006. p. 21;

31 Ibid. p.53;32 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.

19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 259.

Page 44: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

38 •

• DOUTRINA

Enquanto não houver individualização, anorma será norma geral e abstrata, alcançandoa totalidade das pessoas que se encontrem emdeterminada situação, mas a partir do momen-to em que se identifica o sujeito que deve cum-prir a obrigação prevista na norma, ela passa aser individual e concreta.

A progressividade no tempo do IPTU ver-de impõe aos munícipes observarem as regrasurbanísticas, contidas na lei local, revelando umcaráter eminentemente sancionatório. Comodito antes, o caráter sancionatório do IPTU pro-gressivo no tempo não decorre de um ato ilíci-to.

Elizabeth Nazar Carraza, citada por Fiorillo34

esclarece que o IPTU, mesmo nessa situação,incide sobre o fato lícito de uma pessoa ser pro-prietária de um imóvel na zona urbana, sendoque a sanção decorre do não cumprimento dafunção social da propriedade urbana.

Assevera Cristina Camilo dos Santos, citadapor Luiz Carlos de Assis Junior35, que o IPTUverde não pode ser visto apenas por seu poten-cial de arrecadação. Sua finalidade extrapola oslimites da mera fiscalidade. Aduz, ainda, CristinaCamilo36:

(...) sua aplicabilidade é mais ampla, poden-do trazer muitos benefícios ao meio urba-no, como o reordenamento e requalificaçãodo uso e ocupação do solo, a redução dacarência de terras, o combate a especula-ção imobiliária, investimentos em projetosde moradias e redução dos gastos públicoscom implementação de infra-estrutura téc-nica e social.

Relembremos que as normas relativas aoIPTU, inclusive o verde, estão previstas nos arts.32 a 34 do Código Tributário Nacional (CTN),no art. 182 da CF/88 e nos arts. 5º a 8º doEstatuto da Cidade.

Convém esclarecer, ainda, o conceito dezona urbana está previsto no art. 32 do CTN,conforme visto acima. Não se pode olvidar que,em razão do vigente Decreto-lei 57/66 (que foirecepcionado pela CF/88 como lei complemen-tar por tratar de matéria tributária, conformedecidiu o STF no RE 140.773/SP), os imóveislocalizados em zona urbana e que possuemdestinação econômica de exploração vegetal,agroindustrial ou pecuária são tributáveis peloimposto territorial rural (ITR), de competênciada União (art. 153, VI, da CF/88), e não peloIPTU.

Outro ponto importante, e, data venia,crucial para a temática, é a inconstitucionalidadedo art. 7o do Estatuto da Cidade questionadapor alguns estudiosos. De um lado, Toshio Mukaie Odete Medauar, por exemplo, citados porSérgio Luiz Boeira e outros37 preconizam aconstitucionalidade do artigo em análise, sob ofundamento de ser IPTU com caráter extrafiscal,encontrando-se em consonância com a defini-ção constitucional da função social da proprie-dade urbana.

Roque Carraza38, por outro lado, entendeque o artigo é inconstitucional porque adentrouem seara própria das normas gerais em matéria

33 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 259.

34 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da CidadeComentado. 3. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2008. p.91;

35 JUNIOR, Luiz Carlos de Assis. O IPTU progressivo no tempo:um instrumento de proteção do meio ambiente artificialurbano. Disponível em:<http://artigocientifico.uol.com.br/uploads/artc_1237777407_27.doc.> Acesso em: 09.jan.2010;

36 Ibid;37 BOEIRA, Sérgio Luís; SANTOS, Adriana Clara Bogo dos;

SANTOS, Alini Giseli dos Santos. Estatuto da Cidade: aspectosepistemológicos, sociopolíticos e jurídicos. Disponívele m : < h t t p : / / w w w . s c i e l o . b r /s c i e l o . p h p ? s c r i p t = s c i _ a r t t e x t & p i d = S 0 0 3 4 -76122009000300008>. Acesso em: 11.jan.2010;

38 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito ConstitucionalTributário. 23 ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 115;

Page 45: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 39•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

de legislação tributária, que somente pode sertratada por meio de lei complementar, confor-me exige a norma do art. 146, III, da CF/88.Vejamos a redação do artigo em comento:

Art. 146. Cabe à lei complementar:(...)III - estabelecer normas gerais em matériade legislação tributária, especialmente so-bre:a) definição de tributos e de suas espécies,

bem como, em relação aos impostos discri-

minados nesta Constituição, a dos respecti-

vos fatos geradores, bases de cálculo e con-

tribuintes;b) obrigação, lançamento, crédito, prescri-

ção e decadência tributários;(...) grifou-se

Segundo Carraza39, enquanto lei ordináriaque é, o Estatuto da Cidade extrapolou seuâmbito de atuação – urbanismo –, para tratarde regras eminentemente tributárias.

O STF40, muito embora por via transversa,tenha admitido a constitucionalidade daprogressividade no tempo, não analisou a ques-tão suscitada por Carraza. Segundo aquela CorteConstitucional, a cobrança do IPTU progressi-vo para fins extrafiscais, previsto no art. 182, §4o, II, da Carta Magna, somente se tornou pos-sível com a edição da Lei 10.257/01, já que eladescreve os requisitos que devem ser observa-dos pelos Municípios para a cobrança do im-posto, não se confundindo, assim, com o IPTUprogressivo fiscal, introduzido pela EC 29/2000.

Ora, se a cobrança do IPTU progressivo notempo somente se tornou possível com o Estatu-to da Cidade significa dizer, portanto, que o STFnão entendeu inconstitucional o seu art. 7o.

Superada a discussão sobre a possívelinconstitucionalidade do art. 7o do Estatuto daCidade, tema bastante interessante, mas que

não é objeto desta monografia, traçaremos,abaixo, a RMIT do IPTU verde.

Na hipótese da norma, conforme vistooportunamente, estão os critérios material, tem-poral e espacial. No caso do IPTU verde, o cri-tério material é o comportamento humano tu-telado na norma, isto é, deixar o proprietáriodo imóvel urbano de cumprir as obrigações eos prazos previstos para efetuar o parcelamento,a edificação ou a utilização compulsórios do solourbano não edificado, subutilizado ou não uti-lizado, previstos em lei municipal específica paraárea incluída no plano diretor.

O critério espacial significa a zona urbanado Município que instituiu a lei, ressalvada a ob-servação feita sobre imóvel na zona urbana comdestinação pecuária, agrícola ou para aagroindústria, que é tributável pelo ITR.

Já o critério temporal do IPTU verde é aincidência do imposto no primeiro dia de cadaano, após o descumprimento dos prazos, fixa-dos na lei municipal, para parcelar, edificar eutilizar compulsoriamente o solo urbano.

Observe-se que lei municipal estabeleceráos citados prazos para edificação e outras obri-gações do art. 5o, caput, mas observando-se osprazos mínimos já estabelecidos pelo Estatutoda Cidade, nos termos do seu art. 5o, § 4o.

No âmbito do consequente da norma, te-mos os critérios pessoal e quantitativo. Em rela-ção ao primeiro, o sujeito ativo é o Municípioque instituiu a norma e o sujeito passivo, o pro-prietário, o titular do domínio útil ou seu pos-suidor com animus domini que descumpriu a

39 Ibid;40 Nota: ver julgamento do RE-AgR338589, da relatoria do

Min. Eros Grau. Disponível em;< http://www.stf.jus.br/porta l / inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=338589&classe=RE-AgR>. Acesso em: 11 jan. 2010.

Page 46: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

40 •

• DOUTRINA

obrigação de parcelar, edificar ou utilizar com-pulsoriamente o solo urbano e os prazos previs-tos na lei municipal instituidora do IPTU verde.

Nesse particular, é preciso conjugar os arts.32 e 34 do CTN com o art. 182, § 4º da CF/88e o art. 7º do Estatuto da Cidade. Muito embo-ra a Carta Magna e o Estatuto mencionem ape-nas a figura do proprietário do imóvel, na ver-dade, o sujeito passivo deve ser visto tambémcomo o possuidor de domínio útil e o possui-dor com animus domini que deixarem de atri-buir função social ao imóvel urbano, com oparcelamento ou outra obrigação.

Isto porque, entendo que a finalidade danorma constitucional foi a de se evitar, confor-me explica Luiz Assis Junior41, “o fim especulativo

de imóveis ou sua má utilização, independente-

mente de quem esteja no seu controle, seja pro-

prietário, seja titular do seu domínio útil, seja

possuidor”. E segue explicitando42:

Desta forma, a finalidade constitucionalapenas será alcançada se entendermos comosujeitos passivos do IPTU progressivo no temponão apenas o proprietário propriamente dito,mas também o titular do domínio útil e o pos-suidor, este, desde que possa dispor do imóvel.

Por fim, no critério quantitativo, a base decálculo será o valor venal do imóvel e a alíquotaserá aquela definida na lei do Município queinstituiu a progressividade no tempo, respeita-do o teto de 15%.

Na hipermodernidade, período em que asrelações estão complexas e interconectadas, opoder estatal é revelado, segundo o argentinoRoberto Dromi43, pelo governo e pelo controle,fazendo-se necessária a harmonia entre as fun-ções, para que não falte poder àqueles quemandam e nem falte liberdade àqueles queobedecem, resguardada mediante controles idô-neos, que assegurem qualidade e eficácia.

Nesse sentido, o IPTU verde está em con-sonância com o mundo da hipermodernidade,pois visa atribuir função social ao imóvel urba-no (caráter do meio ambiente artificial), ao tem-po em que se busca o bem-estar da comunida-de. Jorge Forbes44 afirma que “(...) quando o

laço social muda, o homem muda”.

Referências

ALVES, José Eustáquio Diniz. Resultados da COP/

15 de Copenhague. Disponível em: < http://opensadorselvagem.org/ciencia-e-humanida-des/demografia/resultados-da-cop-15-de-copenhague>. Acesso em: 08 jan. 2009;

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental.12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009;

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tri-

butária. 6. ed. São Paulo: Melhoramentos,2006;

AZEVEDO, Junqueira de. A caracterização jurí-

dica da dignidade da pessoa humana. In: Revis-ta Trimestral de Direito Civil – RTDC, n.9, jan/mar 2002;

BECUE, Sabrina Maria Fadel. Os resultados da

COP-15. Disponível em: < http://www.parana-online.com.br/colunistas/201/73299/>. Acessoem: 08 jan. 2009;

41 JUNIOR, Luiz Carlos de Assis. O IPTU progressivo no tempo:um instrumento de proteção do meio ambiente artificialurbano. Disponível em:<http://artigocientifico.uol.com.br/uploads/artc_1237777407_27.doc.> Acesso em: 09 jan.2010;

42 Ibid;43 DROMI, Roberto. El Derecho Público em la

Hipermodernidad. Madri-México: Hispania Libros, 2005.p. 358-359.

44 A Invenção do Futuro - Um debate sobre a Pós-modernidadee a Hipermodernidade. Organizador Jorge Forbes, MiguelReale Junior e Tércio Sampaio Ferraz Júnior. São Paulo:Manole, 2005., cap. 1, p. 6.

Page 47: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 41•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

BENJAMIN, Antônio Herman. Constitucionaliza-

ção do Ambiente e Ecologização da Constitui-

ção Brasileira, in Direito Constitucional AmbientalBrasileiro. Organizadores José Joaquim GomesCanotilho e José Rubens Morato Leite. São Pau-lo: Saraiva, 2007;

BOEIRA, Sérgio Luís; SANTOS, Adriana ClaraBogo dos; SANTOS, Alini Giseli dos Santos. Es-

tatuto da Cidade: aspectos epistemológicos,

sociopolíticos e jurídicos Disponível em:<http:// w w w. s c i e l o . b r / s c i e l o . p h p ? s c r i p t =sci_arttext&pid=S0034-76122009000300008>. Acesso em: 11 jan. 2010;

BRASIL. Constituição da República Federativa do

Brasil.Organizador Alexandre de Moraes. 24.ed. São Paulo: Atlas, 2005;

_______ Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Am-biente, seus fins e mecanismos de formulação eaplicação. Disponível em: < http://w w w. p l a n a l t o . g o v. b r / c c i v i l _ 0 3 / L e i s /L6938.htm>. Acesso em: 11 jan. 2001;

________Lei nº 12.187, de 29 de dezembrode 2009. Institui a Política Nacional sobre Mu-dança do Clima – PNMLC. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L12187.htm>. Acesso em: 12jan. 2010;

_______Lei nº 10. 257, de 10 de julho de 2001.Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constitui-ção Federal e estabelece diretrizes gerais dapolítica urbana. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 11 jan. 2001;

_______ Lei nº 5.172, de 25 de outubro de1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Naci-onal e institui normas gerais de direito tributá-rio aplicáveis à União, Estados e Municípios.

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm>. Acesso em: 11 jan.2001;

_______ Lei nº 101, de 4 de maio de 2000.Estabelece normas de finanças públicas volta-das para a responsabilidade na gestão fiscal.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Leis/LCP/Lcp101.htm>. Acesso em: 11jan. 2001;

______ Supremo Tribunal Federal. Recurso Ex-traordinário no Agravo Regimental AgR 338589,da relatoria do Min. Eros Grau. Disponívelem;< http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=338589&classe=RE-AgR>. Acesso em: 11 jan. 2010;

______ Supremo Tribunal Federal. Recurso Ex-traordinário 423.768/SP. Disponível em:<http:/ /www.st f. jus.br/portal /processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2219868>. Acesso em: 11 jan. 2010;

_______ Ministério do Meio Ambiente. Decla-ração de Estocolmo. Disponível em:< http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arqui-vos/estocolmo.doc>. Acesso em: 08 jan. 2010;

_______ Câmara dos Deputados. Proposta deEmenda Constitucional 353/2009, da autoriado deputado federal pelo PSDB/MA RobertoRocha. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/internet/proposicoes/chamadaExterna.html?l ink=http://www.camara.gov.br/s i leg/Prop_Detalhe.asp?id=430593>. Acesso em: 08 jan. 2010;

CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito

Constitucional Tributário. 23 ed. São Paulo:Malheiros, 2007;

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito

Tributário. 19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007;

Page 48: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

42 •

• DOUTRINA

________________________ Base de Cálculo

como Fato Jurídico e a Taxa de Classificação de

Produtos Vegetais. In: Revista Dialética de Direi-

to Tributário n. 37;

DROMI, Roberto. El Derecho Público em la

Hipermodernidad. Madri-México: HispaniaLibros, 2005;

FARIAS, Talden Queiroz. O conceito jurídico de

meio ambiente. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura &artigo_id=1546>.Acesso em: 08 jan. 2010;

FERNANDES, Cintia Estefânia. IPTU – Texto e

Contexto. São Paulo: Quartier Latin, 2005;

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Estatuto da

Cidade Comentado. 3. ed. rev. atual. ampl. SãoPaulo: RT, 2008;

FORBES, Jorge. A Invenção do Futuro- Um de-

bate sobre a Pós-modernidade e a

Hipermodernidade. Organizador Jorge Forbes,Miguel Reale Junior e Tércio Sampaio FerrazJúnior. São Paulo: Manole, 2005;

GRANZIERA, Maria Luíza Machado. Direito

Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009;

HARADA, Kyoshi. Direito Financeiro e Tributá-

rio. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2002;

JUNIOR, Luiz Carlos de Assis. O IPTU progressi-

vo no tempo: um instrumento de proteção do

meio ambiente artificial urbano. Disponívelem:<http://artigocientifico.uol.com.br/uploads/artc_1237777407_27.doc.> Acesso em: 09jan. 2010;

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito

Tributário. 26. ed. rev. atual. ampl. São Paulo:Malheiros, 2005;

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional.17. ed. São Paulo: Atlas, 2005;

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3.ed.Riode Janeiro: Impetus, 2004;

SOUZA, Daniel Barbosa Lima Faria Corrêa. IPTU

Ambiental. Disponível em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1983>.Acesso em: 11 jan. 2010;

TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fis-

cal e Princípio da Capacidade Contributiva. SãoPaulo: Malheiros, 2002;

< http://www.wwf.org.br/?23600/Plenario-va-zio-resultados-pifios-fim-melancolico-da-COP-15-clama-por-mais-mobilizacao-global>. Aces-so em: 08 jan.2009.

Page 49: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 43•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Tratamento tributário das sociedadescooperativas

Pedro Leonardo Summers Caymmi*

PALAVRAS-CHAVE:DIREITO TRIBUTÁRIO – DIREITO COOPERATIVO – NORMAS GERAISDE DIREITO TRIBUTÁRIO – ATO COOPERATIVO – ATO DE MERCA-DO.

SUMÁRIO:01. INTRODUÇÃO. 02. NATUREZA JURÍDICA DAS COOPERATIVAS.03. NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO E O ATO COOPERA-TIVO. 03.1. PAPEL DAS NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO.03.2. “ADEQUADO” TRATAMENTO TRIBUTÁRIO. 04. TRATAMENTOTRIBUTÁRIO DO ATO COOPERATIVO. 05. CONCLUSÃO.

01. INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca estudar qual ocorreto tratamento tributário dos atos pratica-dos pelas sociedades cooperativas, especialmen-te em relação ao imposto municipal sobre ser-viços de qualquer natureza (ISSQN), evidenci-ando a singular disciplina jurídica a que estasestão submetidas e a diversidade dos tipos deatos envolvidos em sua atividade regular. Efe-tua-se uma tentativa de distinguir os atos relaci-

onados à típica atividade cooperativa, os assimchamados “atos cooperativos”, daqueles que,embora praticados por estas sociedades de pes-soas, possuem outra natureza, investigando ain-da se esta diferença implica igualmente em di-ferente tratamento tributário.

* Procurador do Município do Salvador, lotado naProcuradoria Fiscal. Mestre em Direito Público pela UFBA.Professor de Direito Tributário e Financeiro da FaculdadeBaiana de Direito e do curso JusPodivm.

Page 50: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

44 •

• DOUTRINA

Inicialmente, se analisa o conceito e naturezajurídica das sociedades cooperativas. Na seqüên-cia, qual o tratamento conferido, em matéria tri-butária, a estas sociedades pelo ordenamento ju-rídico vigente, para então, ao final, aferir qual oentendimento doutrinário e jurisprudencial atualsobre as questões levantadas.

02. NATUREZA JURÍDICA DAS COO-PERATIVAS

A sociedade cooperativa tem caráterinstitucional, caracterizando-se pela reunião depessoas com a finalidade de unir esforços emtorno de um objetivo comum, buscando a cria-ção de uma estrutura orgânica e operacionalpara facilitar a realização das atividades de cadacooperado. João Batista Brito Pereira define ocooperativismo como “campo fértil para o exer-cício da solidariedade, da ajuda mútua e da ali-ança nos diferentes ramos da atividade huma-na, como forma de minimizar os males da com-petição capitalista, eliminar o intermediário eminimizar custos1”.

Este tipo de associação tem carátermutualista, visto que os cooperados são, a umsó tempo, cooperadores e beneficiários dos ser-viços da entidade. Trata-se de sociedade de pes-soas, existente tão somente para servir ao gru-po associado, dotando a união de trabalhado-res de um poder de mercado maior do queteria cada um isoladamente, conforme o artigoquarto da Lei federal 5.794/712.

O Direito Positivo Brasileiro disciplina associedades cooperativas não só na citada Lei fe-deral 5.794/71, mas também nos artigos 1.093a 1.096 da Lei federal 10.406/2002 (CódigoCivil), sendo estas conceituadas do seguintemodo por Heleno Taveira Torres, a partir deuma série de definições doutrinárias anteriores:

Por essa razão, preferimos conceituar a co-

operativa como espécie de sociedade

constituída mediante contrato plurilateral,

sob os valores do trabalho e da solidarie-

dade, com variabilidade de membros e de

capital, que tem por finalidade alcançar o

interesse comum dos participantes, na du-

pla qualidade de sócios-usuários, por atos

internos e externos, segundo os princípios

determinados pela legislação, com garanti-

as constitucionais de não-intervenção e

dever de formação de um patrimônio co-

mum irrepartível que garanta a manuten-

ção da entidade3.

As sociedades cooperativas, qualquer que sejao ramo a que se dediquem, devem ter a exclusivafinalidade de prestar serviços aos seus coopera-dos, sem busca de resultados próprios ou mesmopagamento de expressivos pro labores aos seusdiretores, que, em última análise, prestam ape-nas serviços à categoria. Esta é outra peculiarida-de de fundamental importância na distinção en-tre a cooperativa e as demais sociedades, sob penade, inexistindo, se entrar no campo do abuso deforma e da simulação societária.

O artigo terceiro da Lei federal 5.794/71 éclaro ao afirmar que as pessoas que celebramcontrato de sociedade cooperativa “reciproca-mente se obrigam a contribuir com bens ouserviços para o exercício de uma atividade eco-nômica, de proveito comum, sem objetivo de

1 PEREIRA, João Batista Brito. Da sociedade cooperativa. In:FRANCIULLI NETO, Domingos et alli (coord.). O novocódigo civil: estudos em homenagem ao prof. MiguelReale. São Paulo: LTr, 2003, pp. 906.

2 Art. 4º. As cooperativas são sociedades de pessoas, comforma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, nãosujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aosassociados, distinguindo-se das demais sociedades pelasseguintes características:(...)

3 TORRES, Heleno Taveira. A cooperativa como conceito dedireito positivo e seu atual regime jurídico. A cooperativae sua diferença em relação ao tratamento das demaisespécies de sociedades empresárias – o alinhamento entreConstituição e o Novo Código Civil. In: GRUPENMACHER,Betina Treiger (coord.). Direito Tributário e o Novo CódigoCivil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, pp. 99.

Page 51: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 45•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

lucro”. Do mesmo modo, o Código Civil de2002, nos incisos VII e VIII do seu artigo 1.094,ressalta que são características da sociedadecooperativa “distribuição dos resultados, propor-cionalmente ao valor das operações efetuadaspelo sócio com a sociedade” e “indivisibilidadedo fundo de reserva entre os sócios, ainda queem caso de dissolução de sociedade”.

Percebe-se, assim, que a atividade da coo-perativa é muito mais uma atuação “interna”,de organização e serviço a seus sócios, e que,dentro desta perspectiva, não há sentido algumem qualquer tributação desta atividade inter-na, o que, como se verá, é reforçado pela legis-lação nacional; não se pode, entretanto, quali-ficar do mesmo modo os atos internos e os atosde mercado praticados pela cooperativa, espe-cialmente quando não existe prova contábil dointegral repasse, com dedução apenas de taxade administração razoável (suficiente a cober-tura dos custos estruturais da cooperativa), dosvalores percebidos aos cooperados.

Esclarecido o conceito de cooperativa, deveser analisado como a Constituição Federal de1988 disciplina o tratamento tributário destassociedades.

03. NORMAS GERAIS DE DIREITO TRI-BUTÁRIO E O ATO COOPERATIVO

03.1. PAPEL DAS NORMAS GERAIS DEDIREITO TRIBUTÁRIO

A Constituição Federal de 1988 (CF-88),na alínea c do inciso III do seu artigo 146, fixaque cabe à Lei complementar estabelecer nor-

mas gerais em matéria de legislação tributária,especialmente sobre o adequado tratamento

tributário ao ato cooperativo praticado pelassociedades cooperativas. A Lei complementar,neste ponto, assume papel de instrumento deexpansão e “complementação” do próprio texto

constitucional, ou seja, como afirma LucianoAmaro, “se destina a desenvolver princípios bá-sicos enunciados na Constituição4”.

Adotando esta função de desenvolvimentode determinados aspectos eleitos pela CF-88para desdobramento por Lei complementar,esta, quando exerce este papel, se torna Lei na-

cional, e, “enquanto Leis nacionais, aplicam-seàs três ordens jurídicas parciais da União Fede-ral, dos Estados e dos Municípios5”, como ex-plica Humberto Ávila.

A antiga controvérsia entre as denomina-das correntes “dicotômicas” (defendiam umpapel mais reduzido às Leis complementares tri-butárias) e “tricotômicas” (defendiam um papelmais amplo) foi aparentemente resolvida emfavor destas últimas, como sinalizam diversosentendimentos jurisprudenciais, inclusive a re-cente súmula vinculante 08 do STF6.

Diversos argumentos podem ser expostosem defesa de ambas as posições. A conforma-ção das competências tributárias municipais eestaduais por Leis complementares sempre ge-rou enorme polêmica, havendo quem consi-dere não ser possível esta disciplina, por ferir aautonomia dos entes federativos, prevista na CF/88; é preciso, entretanto, também considerarque esta mesma Carta Magna contempla, ine-quivocamente, que Leis complementares naci-onais devem fixar normas gerais de Direito Tri-butário, conforme o já citado inciso III do artigo146 da CF-88.

4 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13. Ed.São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 167.

5 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. SãoPaulo: Saraiva, 2004, pp. 132.

6 SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DOARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OSARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAMDE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITOTRIBUTÁRIO.

Page 52: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

46 •

• DOUTRINA

O conceito de normas gerais de Direito Tri-butário, na verdade, passa, para sua definição,por uma necessária ponderação entre os diver-sos valores jurisdicizados pela Constituição de19887. De um lado, considera-se a autonomiamunicipal, o pacto federativo e a igualdade en-tre os entes públicos; de outro, a segurança ju-rídica, a unidade e a uniformidade do tratamen-to tributário no território nacional e ofavorecimento à livre iniciativa econômica. Aposição de cada intérprete, oscilando entre es-tes princípios constitucionais, no processo dinâ-mico de concretização de seu texto, os divide,como exposto, em dois grupos hermenêuticos.

A primeira corrente, chamada “dicotômica”,valoriza em maior grau a autonomia dos entesfederativos, só enxergando duas funções paraa Lei Complementar Tributária (resolver confli-tos de competência e regular limitações consti-tucionais ao poder de tributar). Esta correnteesvazia o conteúdo do inciso III do artigo 146da CF/88, considerando que a competênciapara edição de normas gerais em matéria tribu-tária estará sempre vinculada à resolução deconflitos de competência ou a uma limitaçãoao poder de tributar. Integram esta correnteJOSÉ SOUTO MAIOR BORGES8, PAULO DEBARROS CARVALHO9, e ROQUE ANTÔNIOCARRAZZA, que afirma:

Relembramos que o Município é pessoa

política, dotada de ampla autonomia. Ora,

se o Município é autônomo e se sua auto-

nomia é assegurada principalmente com a

decretação e arrecadação dos tributos de

sua competência (art. 30, III, da CF), já ve-

mos que o campo do ISS não pode ter suas

dimensões aumentadas, diminuídas ou,

muito menos, anuladas por uma Lei com-

plementar. Senão, estaremos implicitamen-

te aceitando que é o Congresso Nacional,

por meio de Lei complementar, que confe-

re aos Municípios competências para que

tributem os serviços de qualquer natureza.

Diante do exposto, somos de parecer de

que a Lei complementar a que alude o art.

156, III, in fine, da CF só pode dispor so-

bre conflitos de competência entre o ISS e

outros tributos federais, estaduais, munici-

pais e distritais e regular as limitações cons-

titucionais ao exercício da competência

para, por via do imposto, tributar as pres-

tações de serviços de qualquer natureza10.

Até estes mesmos autores, entretanto, aca-bam por reconhecer que a autonomia dos en-tes federativos não é absoluta, e que é precisoconferir algum sentido ao inciso III do artigo 146da CF/8811. Baseados nestes postulados, e valo-rizando a segurança do contribuinte e a unida-de do tratamento tributário no país, o que faci-lita a atividade econômica, outros autores de-fendem que a Lei Complementar Tributáriaexerce um efetivo papel regulador e unificadordo Sistema Tributário Nacional, representandoverdadeira expansão do Texto Constitucionalnos pontos em que este para si delega a regula-mentação de determinada matéria.

Valorizam estes juristas o texto do artigo146 da CF/88, adotando posição mais voltadapara a valorização da Lei complementar tribu-tária RICARDO LOBO TORRES12, e EURICOMARCOS DINIZ DE SANTI13, além deposicionamentos do Supremo Tribunal Fede-ral14. Respondendo àqueles que negam eficáciaà Lei complementar em face do pacto federati-vo, pondera SACHA CALMON NAVARROCOELHO:

7 Para uma profunda análise sobre o tema da conciliação deprincípios pela técnica da ponderação de interesses, verDANIEL SARMENTO (SARMENTO, Daniel. A ponderaçãode interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2000).

8 BORGES, José Souto Maior. Lei complementar tributária.São Paulo: RT, 1975, pp.185/206.

9 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário.11. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, pp.153.

10 CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direitoconstitucional tributário, 14. Ed. São Paulo: Malheiros,2000, pp. 614.

Page 53: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 47•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Ocorre que o federalismo brasileiro, comotalhado na Constituição de 1988, énormativamente centralizado, financeira-mente repartido e administrativamente des-centralizado. Há tantos federalismos, diver-sos entre si, quantos Estados federativosexistam. O importante é que haja umminimun de auto determinação política, deauto governo e de produção normativa daparte dos Estados federados. Quanto à re-partição de competências legislativas, a ques-tão resolve-se pela opção do legislador. NoBrasil, ao menos em tema de tributação, oconstituinte optou pelo fortalecimento dasprerrogativas do poder central. Este fato,por si só, explica porque avultou a árealegislativa reservada à Lei complementar tri-butária15.

Concordamos que a Lei complementar,autonomamente, não possa restringir compe-tência tributária. As competências tributáriasestão expressas em regras de estrutura consti-tucionais, não podendo ser alteradas por nor-ma de inferior hierarquia, caso da Lei comple-mentar. A Lei complementar poderá, entretan-to, versar sobre competência tributária quandoassim for determinado pelo próprio Texto Cons-titucional. Estando as competências rigidamen-te estabelecidas pela CF/88, somente normasde igual hierarquia podem restringi-las, diretaou indiretamente. Deste modo, a única hipóte-se em que Lei complementar poderá efetuaresta restrição será quando assim determinadopela própria norma constitucional.

É o que ocorre com as normas gerais dedireito tributário, previstas no inciso III do arti-go 146 da CF/88. Aqui, temos uma autoriza-ção constitucional para que a Lei complemen-tar disponha sobre certas matérias, o que re-força o seu caráter de instrumento de expan-são do Texto Constitucional; não há, assim, in-versão sistemática, pois é a própria CF/88 queestá restringindo suas disposições.

É necessário ainda ressaltar que é precisose garantir uma acepção de base à qualquervocábulo jurídico, sob pena de cairmos emcasuísmos sem precedentes. Deve ser preserva-do, na atividade hermenêutica, o sentido míni-mo da linguagem em que é vertido cada enun-ciado prescritivo, sendo rejeitadas construçõesnão razoáveis com os padrões de significaçãoda língua. Sendo verdade, com efeito, que exis-tem diversas significações contextuais possíveispara a linguagem, naturalmente indeterminada,também é inegável a existência de sua acepçãode base, de seu conteúdo mínimo de sentidoconsensual, que não pode ser ignorado peloagente aplicador do Direito.

Afirma, neste sentido, Lênio Luiz Streckque “quando se popularizou a assertiva de queo texto não é igual à norma e de que a normaé o produto da interpretação do texto, nem delonge quer dizer que o texto não vale nada ouque norma e texto sejam “coisas a disposiçãodo intérprete”, ou, ainda, que depende do in-térprete a “fixação da norma16”. Alerta aindaHumberto Ávila que se deve efetuar uma“revalorização da linguagem constitucional, cujaimportância terminou diminuída em face deeuforia com que a doutrina começou a lidarcom a interpretação sistemática e com o con-

11 Assim registra PAULO DE BARROS CARVALHO, op. cit.,pp. 148; 153.

12 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro etributário, 07. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, pp. 346.

13 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescriçãono Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp.87-90.

14 O STF garantiu a superioridade do art. 9º, §§ 1º e 3º dodecreto-lei 406/68 frente às legislações municipais emdiversas ocasiões, como no julgamento do RE 237.689-6 /RJ, Relator Ministro Marco Aurélio; além disso, já definiuser taxativa a Lista de Serviços de que trata o art. 156, III daCF/88, como no julgamento do RE 75.952 /SP, RelatorMinistro Thompson Flores.

15 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários àConstituição de 1988 – sistema tributário. 08. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1999, pp. 80.

16 STRECK, Lênio Luiz. Verdade e consenso: Constituição,hermenêutica e teorias discursivas. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2006, pp. 250.

Page 54: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

48 •

• DOUTRINA

texto17”, lamentando que “propor uma inter-pretação baseada em argumentos semânticosou no sentido literal possível das palavras pas-sou a ser visto como algo a ser banido18”.

Não podemos, deste modo, simplesmenteignorar o inciso III do artigo 146 da CF/88, reti-rando-lhe qualquer conteúdo, quando é bemclaro, pelos padrões convencionais de significa-ção da linguagem escrita, que ele remete à Leicomplementar para a fixação dos fatos gerado-res, bases de cálculo e contribuintes dos impos-tos nominados na Constituição, bem como paradisciplina do tratamento diferenciado das soci-edades cooperativas.

Explica Sacha Calmon Navarro Coelho osfundamentos desta posição:

No Brasil, o campo de eleição da Lei com-plementar tributária é a norma geral deDireito Tributário, que examinaremos emseguida. Convém adiantar que, nesta ma-téria, a Lei complementar é Lei delegadapelo constituinte. Suas prescrições sãoquestionáveis juridicamente apenas se oJudiciário decretar a incompatibilidade de-las em relação à Constituição. Afora isso,as normas gerais de Direito Tributário sãosobranceiras. O fundamento de validez dasnormas gerais é a própria Constituição19.

Deste modo, as disposições editadas porLei complementar para disciplinar o adequadotratamento do ato cooperativo são normasimpositivas a todos os entes federativos, que nãopodem contrariar tal orientação.

03.2. “ADEQUADO” TRATAMENTO TRI-BUTÁRIO

Neste ponto, entretanto, é interessante ana-lisar o que quer dizer a CF-88 ao demandarum “adequado” tratamento ao ato cooperati-vo. O entendimento mais aceito é que este tra-

tamento adequado não equivale necessaria-mente a uma imunidade ou isenção tributária,mas apenas a um tratamento diferenciado, aser prescrito pela Lei complementar. ExplicitaAntônio Carlos Rodrigues do Amaral:

Adequado, obviamente, é aquilo que nãoé inadequado. Sendo assim, é tratamentoque necessariamente se impõem e todasas relações jurídicas regradas pelo sistemapositivo. O máximo que se poderia tentarextrair do texto constitucional seria, quan-do muito, uma sinalização ao legisladorinfraconstitucional para que, ao disciplinar,por Lei complementar, o ato cooperativo,concedam-lhe tratamento jurídico diferen-ciado daquele aplicável ao ato de comér-cio em geral. O discurso do dispositivo nãoparece conformar qualquer imunidadeimplícita a ser eventualmente reconhecidaao ato cooperativo20.

No mesmo sentido, de acordo com enten-dimento do Supremo Tribunal Federal, VicentePaulo e Marcelo Alexandrino afirmam que “oSTF já estabeleceu que tratamento adequadonão significa necessariamente tratamento privi-legiado21”, não obstante, como lembra HelenoTaveira Torres, “pode-se não saber ao certo oque seja ‘tratamento adequado’, mas certamen-te saberemos o que significa tratamento ‘inade-quado’, que será sempre todo aquele que pre-

17 ÁVILA, Humberto. Limites à tributação com base nasolidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio & GODOI,Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social etributação. São Paulo: Dialética, 2005, pp. 87.

18 Ibidem, pp. 87.19 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito

Tributário Brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999,pp.107. Grifos nossos.

20 AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. Lei Complementar,In MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso deDireito Tributário, volume 1. 05. Ed. São Paulo: CEJUP,1997, pp. 103.

21 PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. DireitoTributário na Constituição e no STF. 12. Ed. Niterói:Impetus, 2007, pp. 39.

Page 55: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 49•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

judique essa diferença essencial entre ato coo-perativo e ato mercantil22".

Resta observar, portanto, como a Lei com-plementar de normas gerais disciplina o trata-mento tributário do ato cooperativo, para quese possa fixar os limites deste tratamento ade-quado.

04. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOATO COOPERATIVO

O ato cooperativo é definido pelo artigo 79da Lei federal 5.764/71, recepcionado comstatus material de Lei complementar, que afir-ma expressamente que o ato cooperativo nãoimplica operação de mercado, nem contrato decompra e venda de produto ou mercadoria. Re-nato Lopes Becho, a partir da definição legal,conceitua atos cooperativos como “os atos jurí-dicos que criam, mantêm ou extinguem rela-ções cooperativas, exceto a constituição da pró-pria entidade, de acordo com o objeto social,em cumprimento de seus fins institucionais23”.Heleno Taveira Torres complementa esta defi-nição apontando que “as relações internas, detodo institucionais, não-contratuais, dão-se noslimites dos estatutos, configurando-se a classeorgânica dos chamados atos cooperativos24”.

Uma vez que o ato cooperativo não impli-ca operação de mercado, nem contrato de com-pra e venda de produto ou mercadoria ou deprestação de serviços, não se pode falar em tri-butação do ato cooperativo, até mesmo porausência de expressão econômica ou índice decapacidade contributiva.

Raciocinando a partir da natureza do atocooperativo e de seu tratamento legal, pode-mos ir além e concluir que, enquanto atuemsegundo os seus objetivos sociais, as socieda-des cooperativas não auferem sequer receita doato cooperativo, já que a taxa de administra-ção, quando razoável e cobrada sem abuso deforma, é apenas para cobrir os custos da ativi-

dade que, em última análise, são dos própriosassociados, que rateiam as despesas nos termosda Lei e do estatuto social, como expressa oartigo 80 da Lei federal 5.764/7125.

O ato cooperativo, portanto, não é ato demercado, servindo apenas para possibilitar àcooperativa o seu regular funcionamento comopólo arrecadador das receitas individuais de seuscooperados, sendo esta inclusive sua própriaratio essendi, que é a facilitação do exercício daatividade profissional.

Neste sentido, Geraldo Ataliba conclui que“é unânime a doutrina em salientar que o atocooperativo não tem o cunho de alteridade,elidindo o lucro, o proveito, o sobre-preço, queprecisamente caracterizam o ato mercantil26”.José Souto Maior Borges, ainda, ressalta que“a cooperativa tem por objetivo eliminar o lu-cro, característica tida como basilar da socieda-de mercantil e do ato de comércio”, e, por isso,“não comportando lucros, deduz-se que nãohá circulação econômica nas operações de saí-da (circulação) de produtos realizadas exclusi-vamente com os seus associados27”. Resumeigualmente Ruy Barbosa Nogueira:

22 TORRES, Heleno Taveira. A cooperativa como conceito dedireito positivo e seu atual regime jurídico. A cooperativae sua diferença em relação ao tratamento das demaisespécies de sociedades empresárias – o alinhamento entreConstituição e o Novo Código Civil. In: GRUPENMACHER,Betina Treiger (coord.). Direito Tributário e o Novo CódigoCivil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, pp. 117.

23 BECHO, Renato Lopes. Tratamento tributário dascooperativas. 02. Ed. São Paulo: Dialética, 1999, pp. 145.

24 TORRES, Heleno Taveira. A cooperativa como conceito dedireito positivo e seu atual regime jurídico. A cooperativae sua diferença em relação ao tratamento das demaisespécies de sociedades empresárias – o alinhamento entreConstituição e o Novo Código Civil. In: GRUPENMACHER,Betina Treiger (coord.). Direito Tributário e o Novo CódigoCivil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, pp. 101.

25 Art. 80. As despesas da sociedade serão cobertas pelosassociados mediante rateio na proporção direta da fruiçãodos serviços.

26 ATALIBA, Geraldo. ICM – Não incidência sobre atocooperativo. Estudos e pareceres de Direito Tributário,volume III. São Paulo: RT, 1980, pp. 63.

27 BORGES, José Souto Maior. Não-incidência do ICM sobreatos cooperativos típicos. Revista de Direito Tributário,volume 04. São Paulo: RT, 1978, pp. 64-65.

Page 56: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

50 •

• DOUTRINA

Eis aí a explicação necessária e suficientecontida no próprio texto da Lei nacional:os serviços fornecidos aos seus associadosnão incidem no imposto de serviços, poisnão são serviços explorados, não têm pre-ço, não são remunerados, mas apenas ser-viços cooperativos prestados aos associadospor determinação do regime cooperativoestatuído como função de colaboração aoEstado, pelas cooperativas28.

Ocorre que a não tributação do ato coo-perativo não implica necessariamente a não tri-butação de todo e qualquer ato praticado pelacooperativa. Isto porque o artigo 79 da Lei fe-deral 5.764/71 é bem claro ao definir os limitesdo ato cooperativo, prescrevendo que este com-preende apenas (1) “os praticados entre as co-operativas e seus associados”, (2) “entre estes eaquelas” e (3) “pelas cooperativas entre si quan-do associadas”, para a consecução dos objeti-vos sociais.

Deste modo, os atos praticados pela coo-perativa em relação a terceiros estão, inequivo-camente, fora do conceito de ato cooperativo,sendo, por consequência, atos de mercado,sujeitos a tributação regular. Souto MaiorBorges, nesta hipótese, alerta que “será entre-tanto tributável a cooperativa, (...), em igualda-de com qualquer outra pessoa natural ou jurí-dica, estabelecimentos autônomos etc., sempreque, desviando-se de suas finalidades específi-cas, passe a participar do processo econômicocirculatório29”.

É por isso que o artigo 87 da própria Leifederal 5.764/71 prescreve que os resultadosdas operações com não associados, mais preci-samente a aquisição de produtos de não coo-perados e o fornecimento de bens e serviços aestas pessoas estranhas ao quadro social com-põem o “Fundo de Assistência Técnica, Educa-

cional e Social” e são contabilizados à parte para

fins de tributação, reiterando ainda o artigo111 a natureza de renda tributável destes in-gressos.

Do mesmo modo, a súmula 262 do Supe-rior Tribunal de Justiça consolida entendimentode que incide imposto de renda sobre as apli-cações financeiras (ato praticado com institui-ção financeira, terceiro estranho à cooperativa)realizadas pela sociedade cooperativa. Partilhaainda deste entendimento Renato Lopes Becho:

Nossa posição é a seguinte: não deve ser

vetado às cooperativas a possibilidade de

estabelecer negócios jurídicos com tercei-

ros, mantendo o cumprimento dos fins so-

ciais como limite.

Quanto aos negócios realizados com não-

associados para permitir o cumprimento dos

objetivos sociais, como contratos de forne-

cimento e de trabalho, aluguéis etc., estes

não devem ser reconhecidos como atos

cooperativos30.

É exatamente neste aspecto que deve seranalisada a abrangência do conceito de ato coo-perativo em relação às cooperativas de serviço eo ISSQN. Primeiro, é preciso lembrar que, comoexposto, a CF-88 não traz qualquer modalidadede isenção ou imunidade direta ao ato coopera-tivo; segundo, que a Lei complementar, ao tra-zer o tratamento tributário adequado, limita oconceito de ato cooperativo, fora do mercado,aos atos internos da cooperativa, ou destas comoutras sociedades cooperativas, nunca abrangen-do seus atos relacionados a terceiros.

28 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito Tributário Aplicado.Rio de Janeiro: Forense/USP, 1975, pp. 342.

29 BORGES, José Souto Maior. Não-incidência do ICM sobreatos cooperativos típicos. Revista de Direito Tributário,volume 04. São Paulo: RT, 1978, pp. 64.

30 BECHO, Renato Lopes. Tratamento tributário dascooperativas. 02. Ed. São Paulo: Dialética, 1999, pp. 137.

Page 57: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 51•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

O ISSQN, nesta perspectiva, incide quandoa cooperativa explora a atividade econômica,exercendo atos negociais diretamente com nãocooperados, ainda que os serviços acabem sen-do prestados pelos cooperados. Neste sentido,entendimento recente do STJ:

TRIBUTÁRIO – COOPERATIVAS DE ENSI-NO – REQUISITOS - SÚMULA 7/STJ - ISS:INCIDÊNCIA – VALORES REPASSADOSPELA COOPERATIVA AOS COOPERADOSEM RAZÃO DO SERVIÇO DE ENSINO PRES-TADO – ATO COOPERATIVO IMPRÓPRIO.1. Incide o óbice da Súmula 7/STJ quando aconstatação de ofensa à Lei federal deman-da o reexame do contexto fático-probatório.2. É irrelevante para a incidência do ISS ofato das cooperativas atuarem como merasintermediárias de seus cooperados, tendoem vista que: a) elas são sociedades simplese possuem existência própria; b) exercematividade econômica; c) a própria Lei quedefine a Política Nacional de Cooperativismodetermina a tributação sobre atos pratica-dos com não cooperados; e d) por força daexpressa determinação do art. 111 do CTN,as outorgas de isenções tributárias devem serinterpretadas literalmente.3. Divergência jurisprudencial prejudicadanos termos da Súmula 83/STJ.4. Recurso especial conhecido em parte e,nessa parte, não provido.(REsp 962.529/RS, Rel. Ministra ELIANACALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em23/06/2009, DJe 06/08/2009)

É esclarecedor ainda o entendimento ex-presso pela Ministra Relatora Eliana Calmon noseu voto condutor:

Na linha da jurisprudência firmada pela Se-

gunda Turma, deve ser afastada, igualmen-

te, a incidência do ISS apenas sobre os atos

cooperativos típicos praticados pela recor-

rente, ou seja, aqueles que atendem as con-

dições subjetivas e objetivas estabelecidas no

art. 79 da Lei 5.764/71: o serviço de

intermediação prestado pela cooperativa

a seu associado.

Todas as demais operações devem ser tri-

butadas, ou seja, os valores pagos em ra-

zão da efetiva prestação de serviço e re-

passados pela cooperativa ao cooperado,

sendo, portanto, indiferente se a coope-

rativa auferia ou não renda com os servi-

ços prestados a terceiros. Em outras pala-

vras, tratando-se de operações praticadas

entre as cooperativas e terceiros, indepen-

dentemente de estarem tais operações se-

guindo os objetivos da cooperativa, a re-

gra é da incidência tributária, porque

não se tem, na espécie, ato cooperativo

puro.

Assim, considerando que as cooperativas

de trabalho médico, de ensino e asseme-

lhados realizam a hipótese de incidência

do ISS, “prestando”, através dos seus coo-

perados, serviços mediante remuneração,

que constituem ingresso de receitas em sua

contabilidade, ainda que posteriormente

as repasse a seus associados, não se pode

afastar a tributação na hipótese.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul já proferiu julgamento seguindo este en-tendimento, conforme a seguinte notícia:

Cooperativa que presta serviços tem de

pagar ISS

As cooperativas de trabalho ou de presta-ção de serviços são contribuintes do ImpostoSobre Serviços de Qualquer Natureza sem-pre que os serviços forem prestados em seunome, mesmo que a remuneração seja re-passada aos seus associados na qualidadede executores dos serviços. No caso de acooperativa apenas agenciar os serviços emfavor dos associados, ela não se sujeita ao

Page 58: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

52 •

• DOUTRINA

referido imposto.O entendimento é da 2ª Câmara Cível doTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul,que negou pedido da Equipe Cooperativade Serviços para que fosse declarada a não-incidência do imposto.Ao analisar a ação, o relator, desembar-gador Roque Joaquim Volkweiss, definiu asmodalidades de prestação de serviços pe-las cooperativas:“a) ou serve de simples intermediária entreos interessados pelos serviços e seus coo-perados, sendo a cobrança, contudo, feitadiretamente por estes, hipótese em que oISS não será devido por ela, mas por seuscooperados, que são os prestadores dosserviços;b) ou presta, ela própria, utilizando a mão-de-obra de seus associados, os serviços aterceiros, cobrando por eles, hipótese emque o ISS será devido pela cooperativa, naqualidade de prestadora direta dos servi-ços.”O desembargador destacou que ficou de-monstrado que a prestadora dos serviços éa cooperativa, embora utilizando mão-de-obra dos seus associados, e que é ela quemcobra pelos serviços. “Sendo ela aprestadora do serviço, é ela, conseqüente-mente, a contribuinte do ISSQN.”Processo: 70013495668(Consultor Jurídico. Inserido em24.02.2006 http://www.conjur. com.br/2006-fev 24/cooperativa_presta_servicos_pagar_iss.Acesso em: 26.08.2009)

No mesmo sentido, ainda, os seguintesposicionamentos do STJ:

TRIBUTÁRIO. ISS. COOPERATIVAS MÉDI-CAS. INCIDÊNCIA.1. As Cooperativas organizadas para fins deprestação de serviços médicos praticam,com características diferentes, dois tipos de

atos: a) atos cooperados consistentes noexercício de suas atividades em benefíciodos seus associados que prestam serviçosmédicos a terceiros; b) atos não coopera-dos de serviços de administração a tercei-ros que adquiram seus planos de saúde.2. Os primeiros atos, por serem típicos atoscooperados, na expressão do art. 79, daLei 5.764, de 16 de dezembro de 1971,estão isentos de tributação. Os segundos,por não serem atos cooperados, mas sim-plesmente serviços remunerados prestadosa terceiros, sujeitam-se ao pagamento detributos, conforme determinação do art. 87da Lei 5764/71.3. As cooperativas de prestação de serviçosmédicos praticam, na essência, no relacio-namento com terceiros, atividades empre-sariais de prestação de serviços remunera-dos.4. Incidência do ISS sobre os valores rece-bidos pelas cooperativas médicas de tercei-ros, não associados, que optam por ade-são aos seus planos de saúde. Atos nãocooperados.5. Recurso provido.(REsp 254.549/CE, Rel. Ministro JOSÉ DEL-GADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2000, DJ 18/09/2000 p. 105)

TRIBUTÁRIO - ISS - COOPERATIVA MÉ-DICA- ATO COOPERADO - ISENÇÃO 1.As cooperativas podem praticar atos coo-perados, ao coordenar e planejar o traba-lho de seus associados, os quais recebempelo trabalho realizado, com isenção detributos, nos termos da Lei 5.764/71, arti-go 79.2. Diferentemente, podem as cooperativasna captação de clientes firmarem com es-tes ato negocial, vendendo planos de saú-de, recebendo dos terceiros importânciapelo serviço realizado, sem isenção algumaporque de ato cooperado não se trata.3. Hipótese dos autos em que a cooperati-

Page 59: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 53•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

va age intermediando os serviços de seuspróprios associados, os médicos, reunidosem prol de um trabalho comum, exercen-do verdadeiro ato cooperativo.4. Recurso especial improvido.(REsp 487.854/SP, Rel. Ministra ELIANACALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em03/06/2004, DJ 23/08/2004 p. 182)

Ressalte-se que, em algumas hipóteses, omáximo que se poderia admitir, em relação aosatos não cooperados (praticados pela coopera-tiva junto ao mercado consumidor), é que aincidência fosse limitada à taxa de administra-ção, desde que comprovado, de modo contábil

e documental, o repasse a cada cooperado deacordo com os serviços prestados por cada um,em cada competência, e que a taxa de admi-nistração possua valor razoável, não existindoindícios de abuso de forma ou simulação. Nes-te sentido, o STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DE-CLARAÇÃO. OBSCURIDADE CONFIGU-RADA. ISS. COOPERATIVA DE SERVIÇOSMÉDICOS. ATOS NÃO COOPERADOS.INCIDÊNCIA DO ISS SOBRE A TAXA DEADMINISTRAÇÃO. NATUREZADECLARATÓRIA DO ACÓRDÃO.1. Os embargos de declaração são cabíveisquando houver no acórdão ou sentença,omissão, contrariedade ou obscuridade,nos termos do art. 535, I e II, do CPC.2. O acórdão embargado deu provimentoparcial ao recurso especial tão-somentepara declarar que os atos cooperativos nãoestão sujeitos ao ISS, bem como para reco-nhecer a legalidade da incidência da exação,no que tange aos atos não-cooperados,apenas sobre a taxa de administração, ex-cluindo-se os valores pagos ou reembolsa-dos aos associados.3. O aresto embargado, em momento al-gum, consignou a necessidade de que fos-se efetuado novo lançamento para consti-

tuição do crédito tributário remanescente.Ao revés, o auto de infração foi considera-do hígido, eficaz, em seus aspectos formaise materiais no tocante ao fato de preten-der incidir ISS sobre os atos não-cooperati-vos relativos à taxa de administração, bemassim à sanção pelo descumprimento deobrigação acessória.4. A jurisprudência desta Corte orienta-seno sentido de que o excesso na cobrançaexpressa na CDA não macula a sua liquidez,desde que os valores possam ser revistospor simples cálculos aritméticos, entendi-mento este aplicável à espécie.5. Destarte, à míngua de comprovação, pelarecorrente, da tributação incidente indistin-tamente sobre os atos cooperados e os não-cooperados, cabe a esta proceder à demons-tração, no curso da execução fiscal, dos va-lores sobre os quais o acórdão embargado,de natureza meramente declaratória, afas-tou a incidência do tributo.6. Embargos de declaração acolhidos.(EDcl no REsp 875.388/SP, Rel. MinistroLUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em11/03/2008, DJe 28/04/2008)

A incidência tributária, na verdade, só éafastada nas hipóteses em que a cooperativasomente pratica atos cooperativos em sua defi-nição legal, conforme o já citado artigo 79 daLei federal 5.769/1971, ou seja, em relação aosseus cooperados, não em relação ao mercado:

PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART.535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. MANDA-DO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. PRA-ZO DECADENCIAL. ART. 18, LEI N.º1.533/51. INAPLICABILIDADE. TRIBUTÁ-RIO. PIS. COOPERATIVA DE TRABALHOMÉDICO. ATOS COOPERATIVOS.(...)2. No campo da exação tributária com re-lação às cooperativas, a aferição da incidên-cia do tributo impõe distinguir os atos coo-

Page 60: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

54 •

• DOUTRINA

perativos através dos quais a entidade atin-ge os seus fins e os atos não cooperativos;estes extrapolantes das finalidadesinstitucionais e geradores de tributação; di-ferentemente do que ocorre com os pri-meiros. Precedentes jurisprudenciais.5. A cooperativa prestando serviços a seusassociados, sem interesse negocial, ou fimlucrativo, goza de completa isenção, por-quanto o fim da mesma não é obter lucro,mas, sim, servir aos associados.6. Os atos cooperativos stricto sensu nãoestão sujeitos à incidência do PIS e daCOFINS, porquanto o art. 79 da Lei 5.764/71 (Lei das Sociedades Cooperativas) dispõeque o ato cooperativo não implica opera-ção de mercado, nem contrato de comprae venda de produto ou mercadoria.7. Não implicando o ato cooperativo emoperação de mercado, nem contrato decompra e venda de produto ou mercado-ria, a revogação do inciso I, do art. 6°, daLC 70/91, em nada altera a não incidênciada COFINS sobre os atos cooperativos. Oparágrafo único, do art. 79, da Lei 5.764/71, não está revogado por ausência dequalquer antinomia legal.8. A Lei 5.764/71, ao regular a Política Na-cional do Cooperativismo, e instituir o regi-me jurídico das sociedades cooperativas,prescreve, em seu art. 79, que constituem‘atos cooperativos os praticados entre ascooperativas e seus associados, entre estese aquelas e pelas cooperativas entre si quan-do associados, para a consecução dos ob-jetivos sociais’, ressalva, todavia, em seu art.111, as operações descritas nos arts. 85,86 e 88, do mesmo diploma, como aque-las atividades denominadas ‘não coopera-tivas’ que visam ao lucro. Dispõe a Lei dascooperativas, ainda, que os resultados des-sas operações com terceiros ‘serãocontabilizados em separado, de molde apermitir o cálculo para incidência de tribu-tos (art. 87).

(...)14. Agravo Regimental desprovido.(AgRg no REsp 911.778/RN, Rel. MinistroLUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em04/03/2008, DJe 24/04/2008)

Deste modo, não se pode afirmar nem quetodo e qualquer ato praticado pelas cooperati-vas poderá ser tributado nem o seu inverso, ouseja, que nunca poderão caracterizar fato gera-dor da obrigação tributária, devendo ser anali-sado cada caso para que se constate se o atopraticado é ou não ato cooperativo, nos ter-mos da definição legal, fora do que impossívelafastar a incidência tributária.

05. CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se concluir que:

a. o ato cooperativo, de acordo com a alí-nea c do inciso III do artigo 146 da CF-88, deve ter tratamento tributário ade-quado;

b. a CF-88 não antecipa o que seria estetratamento adequado, delegando suadisciplina à Lei complementar.

c. o artigo 79 da Lei federal 5.764/71 defi-ne a não tributação do ato cooperativo;

d. este mesmo dispositivo legal conceituao que pode ser entendido como atocooperativo;

e. atos praticados pela cooperativa comterceiros não são atos cooperativos, masatos de mercado, devendo sofrer tribu-tação regular, de acordo com o enten-dimento jurisprudencial exposto;

f. é impossível definir, em caráter geral eabstrato, se todos os atos de determi-

Page 61: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 55•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

nada cooperativa devem ou não ser tri-butados, devendo se analisar, em cadacaso, se o ato é ato cooperativo ou atode mercado, de acordo com a defini-ção legal.

REFERÊNCIAS

AMARAL, Antônio Carlos Rodrigues do. LeiComplementar, In MARTINS, Ives Gandra daSilva (coord.). Curso de Direito Tributário, vo-lume 1. 05. Ed. São Paulo: CEJUP, 1997.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasilei-

ro. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

ATALIBA, Geraldo. ICM – Não incidência sobreato cooperativo. Estudos e pareceres de Direi-

to Tributário, volume III. São Paulo: RT, 1980.

ÁVILA, Humberto. Limites à tributação combase na solidariedade social. In:GRECO, MarcoAurélio & GODOI, Marciano Seabra de(coord.). Solidariedade social e tributação. SãoPaulo: Dialética, 2005.

_______. Sistema Constitucional Tributário.São Paulo: Saraiva, 2004.

BECHO, Renato Lopes. Tratamento tributário

das cooperativas. 02. Ed. São Paulo: Dialética,1999.

BORGES, José Souto Maior. Lei complementar

tributária. São Paulo: RT, 1975.

_______. Não-incidência do ICM sobre atos

cooperativos típicos. Revista de Direito Tribu-tário, volume 04. São Paulo: RT, 1978.

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito

constitucional tributário, 14. Ed. São Paulo:Malheiros, 2000.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direitotributário. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

COELHO, Sacha Calmon Navarro. Comentári-os à Constituição de 1988 – sistema tributário.08. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

_______. Curso de Direito Tributário Brasilei-ro. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito TributárioAplicado. Rio de Janeiro: Forense/USP, 1975.PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo.Direito Tributário na Constituição e no STF.12. Ed. Niterói: Impetus, 2007.

PEREIRA, João Batista Brito. Da sociedade coo-perativa. In: FRANCIULLI NETO, Domingos etalli (coord.). O novo código civil: estudos emhomenagem ao prof. Miguel Reale. São Pau-lo: LTr, 2003.

SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência ePrescrição no Direito Tributário. São Paulo:Max Limonad, 2000.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interes-ses na Constituição Federal. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2000.

STRECK, Lênio Luiz. Verdade e consenso: Cons-tituição, hermenêutica e teorias discursivas. Riode Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

TORRES, Heleno Taveira. A cooperativa comoconceito de direito positivo e seu atual regimejurídico. A cooperativa e sua diferença em rela-ção ao tratamento das demais espécies de soci-edades empresárias – o alinhamento entreConstituição e o Novo Código Civil. In:GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Di-reito Tributário e o Novo Código Civil. São Pau-lo: Quartier Latin, 2004.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito finan-ceiro e tributário, 07. Ed. Rio de Janeiro: Re-novar, 2000.

Page 62: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

56 •

• DOUTRINA

A responsabilidade subsidiária daadministração publica e a obrigação defazer aplicada no processo do trabalho

Tercio Roberto Peixoto SouzaProcurador do Município do SalvadorAdvogadoProfessor da UNIFACSPós Graduado em Direito Público pela UNIFACSMestre em Direito pela UFBA

Palavras-chave: Responsabilidade; Administração Pública; ObrigaçãoProcessual.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 DO REGIME GERAL DA RESPONSA-BILIDADE TRABALHISTA. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE SUB-SIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO. 3 SOBRE A QUESTÃO DA RESPON-SABILIDADE PATRIMONIAL NO PROCESSO EXECUTIVO. 4 DA OBRI-GAÇÃO DE FAZER. 5 DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DO NÃO CABI-MENTO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA ENQUANTO DEVEDOR SUB-SIDIÁRIO. 6 CONCLUSÕES. BIBLIOGRAFIA.

1. INTRODUÇÃO

Nos tempos modernos, as terceirizações,longe de serem uma exceção, constituem deuma inconteste regra. Sem entrar no mérito doseventuais benefícios ou prejuízos que são cau-sados aos prestadores, aos tomadores ou aospróprios trabalhadores, no que tange à utiliza-ção de tal expediente, o fato é que tem sido

uma constante a contratação de terceiros paraa prestação de serviços, seja por particulares,ou pela própria Administração Pública.

Tal contratação teria por finalidade permi-tir uma maior especialização, por parte doprestador do serviço, bem como umaotimização de custos, por parte do contratante,sendo permitida não apenas implícita, mas

Page 63: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 57•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

explicitamente pelo ordenamento pátrio em re-lação à Administração Pública (tal qual sedepreende da própria Lei 8.666/93).

Dado o seu caráter eminentemente tuitivo,consagrado no princípio da proteção aohipossuficiente, coube ao Direito do Trabalhoapresentar alguns delineamentos acerca do re-gime da responsabilidade do tomador dos ser-viços, visando impedir o desamparo do própriotrabalhador que, em diversas oportunidades,viu-se vítima da fraude.

Com efeito, a partir da utilizaçãoindiscriminada da subcontratação, notou-se ainterposição de pessoas físicas ou jurídicas semqualquer capacidade econômica de asseguraro adimplemento das obrigações trabalhistas, quefraudulentamente passaram a figurar entre o tra-balhador e o beneficiário final dos serviços, ocontratante.

Como não havia o vínculo de emprego en-tre o contratante e o trabalhador que lhe pres-tou serviços, não havia mecanismos para aresponsabilização do tomador do serviço.

Insatisfeito com tal estado de coisas, o Po-der Judiciário, notadamente o Especializado Tra-balhista, consagrou entendimento no sentido deque cabe ao tomador do serviço a responsabi-lidade pelo adimplemento das parcelas decor-rentes daquela relação. No influxo da ‘não-res-ponsabilidade’ a prática tem identificado o in-tuito da ‘total-responsabilidade’ por parte doTomador.

Ou seja, o Poder Judiciário tem entendidoque cumpre ao tomador, responsabilizado naforma da Súmula 331 do TST, a responsabili-dade pelo pagamento de todas as obrigações,inclusive processuais, tais como custas, multas edemais despesas eventualmente deferidas emfavor do trabalhador.

Ocorre que, quando a terceirização envol-ve diretamente a Administração Pública, a ques-tão acaba tornando-se um tanto mais comple-xa, dada a diversidade de regimes jurídicos im-plicados na relação entre a Administração, ocontratado e o trabalhador.

Com efeito, a contratação pública deman-da formalidades específicas e a execução domesmo contrato impõe limites não apenas àatuação do Poder Público, mas em relação aopróprio regime da sua responsabilidade.

Quando tal realidade é apresentada nocontexto processual trabalhista, agravam-se asdúvidas, críticas e o tratamento assistemático damatéria. Isso porque não se tem discutido, naesfera processual trabalhista, como conciliar aeventual obrigação de fazer imposta ao deve-dor principal com a responsabilidade da Admi-nistração Pública, demandada como responsá-vel subsidiária na demanda.

Daí, em hipótese concreta, facilmente apu-rada nas lides trabalhistas, nota-se verdadeiro‘Deus nos acuda’ diante dos consectários da-quela questão: Pode o Juízo impor ao ente pú-blico, na condição de devedor subsidiário, obri-gação de fazer inicialmente devida ao verdadei-ro empregador? Poderia o Município ser insta-do a, por exemplo, assinar a CTPS de um de-terminado trabalhador, para proceder-lhe abaixa do vínculo, em lugar da empresaprestadora do serviço? Poderia ser cominadamulta em desfavor da Municipalidade pelo nãocumprimento da obrigação pelo devedor prin-cipal?

Através do presente, busca-se o delinea-mento dos adequados contornos da matéria,a fim de que se desconstrua a noção de res-ponsabilidade total e absoluta que se preten-de impor à Administração, respondendo-se asperguntas acima dentro de alguma lógicasistêmica.

Page 64: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

58 •

• DOUTRINA

2. DO REGIME GERAL DA RESPONSABI-LIDADE TRABALHISTA. A QUESTÃO DA RES-PONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINIS-TRAÇÃO

O primeiro aspecto a que se deve fazermenção é o de que, em regra, cumpre apenasao empregador a responsabilidade peloadimplemento das parcelas decorrentes do con-trato de trabalho.

Contudo, a Lei do Trabalho Temporário (Leinº. 6019/74) imputou como solidária a respon-sabilidade da empresa tomadora dos serviçosem relação às verbas de contribuiçõesprevidenciárias, remuneração e indenização nahipótese de falência da empresa de trabalhotemporário (art. 16).

Ocorre que, como bem destaca MaurícioGodinho Delgado1 a solidariedade estava res-trita ao pagamento daquelas verbas, com a con-dição de decretação de falência da empresa detrabalho temporário.

Diversos foram os esforços no sentido dese consagrar a responsabilidade que, a partirdo entendimento de uma série de dispositivoslegais e constitucionais, culminou com o atualentendimento fixado na Súmula nº. 331 do E.Tribunal Superior do Trabalho. Aquela Súmulaestá assim vazada:

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVI-ÇOS. LEGALIDADE (mantida)I - A contratação de trabalhadores porempresa interposta é ilegal, formando-se ovínculo diretamente com o tomador dosserviços, salvo no caso de trabalho tempo-rário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).II - A contratação irregular de trabalhador,mediante empresa interposta, não gera vín-culo de emprego com os órgãos da admi-nistração pública direta, indireta oufundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com otomador a contratação de serviços de vigi-lância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e deconservação e limpeza, bem como a deserviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente apessoalidade e a subordinação direta.IV - O inadimplemento das obrigações tra-balhistas, por parte do empregador, impli-ca a responsabilidade subsidiária dotomador dos serviços, quanto àquelas obri-gações, inclusive quanto aos órgãos da ad-ministração direta, das autarquias, das fun-dações públicas, das empresas públicas edas sociedades de economia mista, desdeque hajam participado da relação proces-sual e constem também do título executivojudicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de21.06.1993).

O entendimento constante da Súmula nº.331 do E. Tribunal Superior do Trabalho tempor objetivo cessar o possível conluio entreempresas tomadoras e prestadoras de serviçosque estejam com o intuito de fraudar a legisla-ção trabalhista e, consequentemente, não pa-gar as verbas trabalhistas de seus empregados.

A mais alta Corte Trabalhista pretendeu, aotransformar em Súmula o entendimento emapreço, proteger o empregado de situação quese tornou corriqueira no País, qual seja, o fe-chamento repentino de empresas prestadorasde serviços que deixavam em desamparo osempregados a estas vinculados, os quais não ti-nham contra quem reclamar perante a Justiçado Trabalho.

Tal enunciado da posição dominante doTST indica claramente que, na hipótese deterceirização, não há como se proceder ao re-conhecimento do vínculo de emprego direta-

1 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito doTrabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 432.

Page 65: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 59•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

mente com a Administração Pública, na formado art. 37 da CF/88 (inciso II da Súmula), masigualmente demonstra que o inadimplementodas obrigações trabalhistas, por parte do em-pregador, implica a responsabilidade subsidiá-ria do tomador dos serviços, quanto àquelasobrigações (Inciso IV).

Segundo Maurício Godinho Delgado talesforço hermenêutico se deu:

“seja por analogia com preceitos próprios

ao Direito do Trabalho (art. 16, Lei 6.019/

74; art. 2º da CLT, que trata da assunção

dos riscos por aquele que toma trabalho

subordinado, não-eventual, pessoal e one-

roso; art. 8º, CLT, dispõe sobre a integração

jurídica), seja por analogia com preceitos

inerentes ao próprio Direito comum (arts.

159 e 160, I, in fine, CCB/1916, por exem-

plo)”.

Nesse sentido, Amauri Mascaro Nascimen-to2 demonstra que a intenção da aludida Súmula331 fora justamente de apurar o princípiofinalístico da prestação do serviço, qual seja ode que o inadimplemento das obrigações tra-balhistas, por parte do empregador, implica aresponsabilidade subsidiária do tomador dosserviços quanto àquelas obrigações, desde queeste tenha participado da relação processual econste também do título executivo judicial.

Afinal, em ultima instância, o tomador te-ria sido beneficiário do serviço prestado pelotrabalhador, além de ser responsável pela esco-lha inadequada, capaz de ensejar prejuízos paraos obreiros.

No que toca especialmente ao entendimen-to indicado no inciso IV da aludida Súmula, quetrata da responsabilidade do tomador do servi-ço, cumpre especial atenção ao Incidente deUniformização de Jurisprudência nº 297751/1996, relatado pelo Min. Milton de Moura Fran-

ça, através do qual foi autorizada a redação atualdaquela parte da Súmula.

Sem ingressar no mérito da argumentaçãoapresentada pelo E. TST, as suas razões de de-cidir foram assim pontuadas:

“Embora o artigo 71 da Lei nº 8.666/93contemple a ausência de responsabilidadeda Administração Pública pelo pagamentodos encargos trabalhistas, previdenciários,fiscais e comerciais resultantes da execuçãodo contrato, é de se consignar que a apli-cação do referido dispositivo somente severifica na hipótese em que o contratadoagiu dentro de regras e procedimentos nor-mais de desenvolvimento de suas ativida-des, assim como de que o próprio órgãoda administração que o contratou pautou-se nos estritos limites e padrões danormatividade pertinente. Com efeito, evi-denciado, posteriormente, o descumpri-mento de obrigações, por parte do contra-tado, entre elas as relativas aos encargostrabalhistas, deve ser imposta à contratan-te a responsabilidade subsidiária.(...)Registre-se, por outro lado, que o art. 37, §

6º, da Constituição Federal consagra a res-

ponsabilidade objetiva da Administração,

sob a modalidade de risco administrativo,

estabelecendo, portanto, sua obrigação de

indenizar sempre que cause danos a ter-

ceiro. Pouco importa que esse dano se ori-gine diretamente da Administração, ou, in-diretamente, de terceiro que com ela con-tratou e executou a obra ou serviço, porforça ou decorrência de ato administrati-vo.(...) Por força da norma em exame, airresponsabilidade da Administração Públi-ca, em decorrência de inadimplemento de

2 NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito doTrabalho. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 374.

Page 66: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

60 •

• DOUTRINA

obrigações trabalhistas por parte daquelecom quem contratou a execução de obraou serviço, assenta-se no fato de sua atua-ção adequar-se aos limites e padrões danormatividade disciplinadora da relaçãocontratual.(...)Evidenciado, no entanto, que odescumprimento das obrigações, por par-te do contratado, decorreu igualmente deseu comportamento omisso ou irregular emnão fiscalizá-lo, em típica culpa in vigilando,inaceitável que não possa pelo menos res-ponder subsidiariamente pelas conse-quências do contrato administrativo queatinge a esfera jurídica de terceiro, no caso,o empregado.(...)Realmente, admitir-se o contrário, partin-do de uma interpretação meramente lite-ral da norma em exame, em detrimentode uma exegese sistemática, seria menos-prezar todo um arcabouço jurídico de pro-teção ao empregado e, mais do que isso,olvidar que a Administração Pública devepautar seus atos não apenas atenta aos prin-cípios da legalidade, da impessoalidade, massobretudo, pelo da moralidade pública, quenão aceita e não pode aceitar, num con-texto de evidente ação omissiva oucomissiva, geradora de prejuízos a terceiro,que possa estar ao largo de qualquer co-responsabilidade do ato administrativo quepratica.(...)Aliás, outra não é a dicção do art. 173 daConstituição Federal, com a redação dadapela Emenda Constitucional nº 19/98, queao dispor, “que a lei estabelecerá o estatu-to jurídico da empresa pública, da socieda-de de economia mista e de seus subsidiá-rios que explorem atividade econômica deprodução ou comercialização de bens oude prestação de serviços”, enfatiza em seuinciso III que referidas pessoas deverão

observar, em relação à licitação econtratação de obras, serviços, compras ealienações, os princípios da administraçãopública.(...)Some-se aos fundamentos expostos que oart. 195, § 3º também da Constituição Fe-deral é expresso ao preconizar que “a pes-soa jurídica em débito com o sistema daseguridade social, como estabelecido em lei,não poderá contratar com o Poder Públi-co, nem dele receber incentivos ou benefí-cios fiscais”, o mesmo ocorrendo com o art.29, IV da Lei nº 8.666/93, com a redaçãoque lhe foi dada pela Lei nº 8.883/94, aodispor que “prova de regularidade relativaà Seguridade Social e ao Fundo de Garan-tia por Tempo de Serviço (FGTS), demons-trando situação regular no cumprimentodos encargos sociais instituídos por lei”, pro-vidências essas todas evidenciadoras dodever que tem a Administração Pública dese acautelar com aqueles que com ela pre-tendam contratar, exigindo que tenhamcomportamento pautado dentro da idonei-dade econômico-financeira para suportaros riscos da atividade objeto do contratoadministrativo.(...)Registre-se, finalmente, que o art. 37, § 6º,da Constituição Federal consagra a respon-sabilidade objetiva da Administração, soba modalidade de risco administrativo, esta-belecendo, portanto, sua obrigação de in-denizar sempre que cause danos a tercei-ro.(...)Pouco importa que esse dano se originediretamente da Administração, ou, indire-tamente, de terceiro que com ela contra-tou e executou a obra ou serviço, por for-ça ou decorrência de ato administrativo.Como ensina Hely Lopes Meirelles, em casode dano resultante de obra, que, guarda-da a peculiaridade, mas perfeitamente apli-

Page 67: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 61•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

cável à hipótese em exame, porque eviden-cia a natureza da responsabilidade semculpa da Administração, “o só fato da obracausar danos aos particulares, por estesdanos responde objetivamente a Adminis-tração que ordenou os serviços, mas, se taisdanos resultam não da obra em si mesma,porém da má execução dos trabalhos peloempreiteiro, a responsabilidade é origina-riamente do executor da obra, que, comoparticular, há de indenizar os lesados pelaimperfeição de sua atividade profissional e,subsidiariamente, da Administração, comodona da obra que escolheu mal o emprei-teiro” (Direito Administrativo - 16ª EdiçãoRT. pág. 553 - 1991).(...)

Ou seja, fora reconhecida pelo E. TST comopremissa para o seu raciocínio que é constituci-onalmente válida a imputação de responsabili-dade patrimonial à Administração porque ine-gáveis as parcelas que se pretende proteger, nocaso os direitos materiais dos trabalhadores e,diante da consagração da responsabilidade ad-ministrativa sob a modalidade do risco admi-nistrativo, a Constituição Federal autorizaria aimposição de responsabilidade sem culpa daAdministração.

É nesse sentido que o E. Tribunal Superiordo Trabalho compreende a questão da respon-sabilidade, que nos dizeres do Ministro IvesGandra Martins da Silva Filho3, podem ser as-sim pontuados:

4. “In casu”, a responsabilidade subsidiáriadecorre de dois fatores: a) a prestação di-reta dos serviços do empregado é para aempresa estatal, que se beneficia da forçade trabalho alheia; e b) se a prestadora dosserviços que forneceu a mão-de-obra nãoé idônea ou não paga os salários de seusempregados, a estatal que a contratou temculpa “in eligendo” ou “in vigilando” comrelação à empresa terceirizada.

5. O que não se admite em matéria de Di-reito do Trabalho é a empresa tomadorados serviços beneficiar-se do esforço huma-no produtivo e depois o trabalhador que odespendeu ficar sem receber a retribuiçãoque tem caráter alimentar.6. Assim, não há que se falar em violaçãodo art. 37, “caput”, da Constituição Fede-ral, que prevê que a investidura em cargoou emprego público depende de préviaaprovação em concurso público, uma vezque não se discutiu, na decisão rescindenda,se era ou não necessário o concurso públi-co antes da Constituição Federal de 1988,até porque reconhecida a inexistência devínculo empregatício entre a Reclamante eo Banco, pois o foco da controvérsia vol-tou-se para o fato de que este beneficiou-se do labor da Autora (digitadora), uma vezque ela exercia função típica de sua ativi-dade-fim, de modo que o “decisum” estádevidamente respaldado numa interpreta-ção sistemática do ordenamento jurídico-trabalhista”.

Ou seja, o fundamento apresentado peloE. Tribunal Superior do Trabalho para a conso-lidação do entendimento apontado na Súmula331 é justamente a afetação da riqueza geradapelo trabalhador em favor do pagamento dassuas verbas contratuais, de um lado, e a res-ponsabilidade civil do tomador que, dada a suaculpa in eligendo ou in vigilando, de outro, podepermitir que sejam causados danos em desfavordos trabalhadores.

É justamente nesse sentido que têm sidoproferidos diversos julgados, em todo o PoderJudiciário Trabalhista, inclusive no âmbito do E.Tribunal Superior do Trabalho:

3 Acórdão unânime da SDI II do E. TST, proferido nos autosdo Proc. n° ROAR - 1940-2001-000-15-00, publicado noDJ no dia 06/02/2004, que teve como relator o ilustreMinistro Ives Gandra Martins da Silva Filho.

Page 68: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

62 •

• DOUTRINA

“RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DAADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – NÃO-CO-NHECIMENTO – DECISÃO EM CONSO-NÂNCIA COM O ENUNCIADO Nº 331, IV,DO TST – VIOLAÇÃO DO ARTIGO 71 DALEI Nº 8666/93 NÃO CONFIGURADA –Embora o artigo 71 da Lei nº 8666/93 con-temple a ausência de responsabilidade daAdministração Pública pelo pagamento dosencargos trabalhistas, previdenciários, fiscaise comerciais resultantes da execução docontrato, é de se consignar que a aplicaçãodo referido dispositivo somente se verificana hipótese em que o contratado agiu den-tro de regras e procedimentos normais dedesenvolvimento de suas atividades, assimcomo de que o próprio órgão da adminis-tração que o contratou pautou-se nos es-tritos limites e padrões da normatividadepertinente. Com efeito, evidenciado, pos-

teriormente, o descumprimento de obriga-

ções, por parte do contratado, entre elas

as relativas aos encargos trabalhistas, deve

ser imposta à contratante a responsabilida-

de subsidiária. Realmente, nessa hipótese,não se pode deixar de lhe imputar, emdecorrência desse seu comportamentoomisso ou irregular, ao não fiscalizar o cum-primento das obrigações contratuais assu-midas pelo contratado, em típica culpa invigilando, a responsabilidade subsidiária e,conseqüentemente, seu dever de respon-der, igualmente, pelas conseqüências doinadimplemento do contrato. Admitir-se ocontrário, seria menosprezar todo umarcabouço jurídico de proteção ao empre-gado e, mais do que isso, olvidar que aAdministração Pública deve pautar seus atosnão apenas atenta aos princípios da legali-dade, da impessoalidade, mas, sobretudo,pelo da moralidade pública, que não acei-ta e não pode aceitar, num contexto deevidente ação omissiva ou comissiva, gera-dora de prejuízos a terceiro, que possa es-tar ao largo de qualquer co-responsabili-

dade do ato administrativo que pratica.Registre-se, por outro lado, que o art. 37,§ 6º, da Constituição Federal consagra aresponsabilidade objetiva da Administração,sob a modalidade de risco administrativo,estabelecendo, portanto, sua obrigação deindenizar sempre que causar danos a ter-ceiro. Pouco importa que esse dano se ori-gine diretamente da Administração, ou, in-diretamente, de terceiro que com ela con-tratou e executou a obra ou serviço, porforça ou decorrência de ato administrati-vo. Recurso de revista não conhecido. (TST– RR 471868 – 4ª T. – Rel. Min. Milton deMoura França – DJU 31.08.2001 – p. 650)

O entendimento apontado acima, aparen-temente contraria expressa disposição legal. Issoporque a Lei Federal 8.666, de 21/06/93, queregulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constitui-ção Federal, e institui normas para Licitações eContratos da Administração Pública, em seu art.71, dispõe que:

“O contratado é responsável pelos encargostrabalhistas, previdenciários, fiscais e comer-ciais resultantes da execução do contrato.§ 1º A inadimplência do contratado, comreferência aos encargos estabelecidos nesteartigo, não transfere à Administração Públi-ca a responsabilidade por seu pagamento...”

A declaração de constitucionalidade do alu-dido dispositivo encontra-se subordinada aocontrole concentrado de constitucionalidadepelo E. Supremo Tribunal Federal, através daADC-DF nº. 16-9, não cabendo a esse estudoa sua análise.

De todo modo, parte-se da premissa fáticade que se tem imputado a responsabilidadesubsidiária à Administração, quando na condi-ção de tomador, na hipótese de nãoadimplemento das verbas trabalhistas pelo de-vedor principal, o real empregador.

Page 69: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 63•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Contudo, é preciso indicar tais premissas,para que se possa, com efeito, conhecer os pro-blemas que permeiam o objeto do presente tra-balho. Tal qual denuncia Popper4 “um, assimchamado, assunto científico é, meramente, umconglomerado de problemas e soluções tenta-das, demarcado de uma forma artificial. O querealmente existe são problemas e soluções e tra-dições científicas”5.

3. SOBRE A QUESTÃO DA RESPON-SABILIDADE PATRIMONIAL NO PRO-CESSO EXECUTIVO

Tal qual indicam Fredie Didier, Rafael Oli-veira e outros6 o direito a uma prestação é opoder jurídico de exigir de outrem o cumpri-mento de uma prestação que, caso inadimplida,recairão sobre o patrimônio do devedor ou deterceiros previstos em lei.

Daí porque a responsabilidade patrimonialseria a sujeição do patrimônio do devedor, oude terceiros responsáveis, às providências exe-cutivas voltadas à efetiva satisfação da obriga-ção.

Contudo, é preciso trazer a lume a explica-ção daqueles no que toca às regras sobre res-ponsabilidade patrimonial, fazendo a necessá-ria distinção acerca do teor material ou proces-sual da lei que assim disponha.

Com efeito7:

‘uma regra sobre responsabilidadepatrimonial, ao determinar qual é o sujeitoque deve responder pelo cumprimento daobrigação, é uma regra de Direito materi-al. Cuida de regular o processo obrigacional,definindo as posições jurídicas que os su-jeitos devem assumir em determinada re-lação jurídica. Serve ao órgão jurisdicionalcomo diretriz para a tomada de suas deci-sões. É o Direito material que determina

quem é o responsável pela obrigação. Umanorma de direito material é uma norma dedecisão: serve para a solução do problemajurídico posto à apreciação do órgãojurisdicional. E as regras sobre responsabili-dade patrimonial têm essa função.As regras que estabelecem limitações à res-ponsabilidade patrimonial, impedindo quedeterminados bens sirvam à garantia daobrigação, são, porém, regras processuais,pois servem de controle ao exercício dafunção jurisdicional executiva. Uma regraé processual quando serve para definir omodo pelo qual o poder pode ser exerci-do. Ao impedir a penhora sobre determi-nado bem, a regra jurídica funciona comoregra de Direito Processual.”

Pois bem, feitas tais considerações, facilmen-te se depreende que, de fato, as regrasdefinidoras da responsabilidade patrimonial daAdministração Pública, inclusive aquelas ‘pre-vistas’ na Súmula 331 do TST, possuem nature-za eminentemente material, dado que definem,ao fim e ao cabo, a possibilidade deresponsabilização do ente público, na hipótesede inadimplemento.

Não se trata, portanto, de regras de caráterprocessual, dado que somente podem assimconsiderar aquelas que impõem, por exemplo,a impenhorabilidade do patrimônio público,segundo a lição acima indicada.

4 POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais. 3 ed. Rio deJaneiro: Tempo Brasileiro, 2004. p. 19.

5 DIDIER JR, Fredie, OLIVEIRA, Rafael et all. Curso de DireitoProcessual Civil: Execução. 2 ed. Salvador: Juspodivm,2010. p. 247.

6 DIDIER JR, Fredie, OLIVEIRA, Rafael et all. Curso de DireitoProcessual Civil: Execução. 2 ed. Salvador: Juspodivm,2010. p. 255.

7 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. RecursoEx-Officio e Ordinario: 953200706802006 SP 00953-2007-068-02-00-6. Relator(a): Marcelo Freire Gonçalves.Julgamento: 08/04/2010. Órgão Julgador: 12ª turma.Publicação: 20/04/2010.

Page 70: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

64 •

• DOUTRINA

De outro lado, é preciso que se note que aprática judiciária tem equiparado a responsabi-lidade da Administração à posição do fiador,dentro da regra de responsabilidade geral, pre-vista no Código de Processo Civil.

Nesse sentido, os seguintes precedentesdemonstram claramente tal entendimento, ser-vindo este, inclusive, como fundamento parauma série de parcelas, dentre as quais, a pró-pria multa prevista no artigo 477 ou 467, am-bos da CLT:

ADMINISTRAÇAO PÚBLICA DIRETA/INDI-RETA. TOMADORA DE SERVIÇOS. RES-PONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A respon-sabilidade subsidiária não pode ser afasta-da com base no parágrafo 1º doart. 71 da Lei 8666/93 eis que tal dispo-sitivo legal somente poderá beneficiar a Ad-ministração Pública quando esta compro-var que fiscalizou a efetiva satisfação dasobrigações trabalhistas e previdenciárias porparte da empresa que lhe oferece mão deobra,exigindo que esta comprove mensal-mente o cumprimento das referidas obri-gações, sendo certo que o ente público podereter os pagamentos referentes à execuçãodo contrato, ou até mesmo rescindi-lo,como forma de coibir a infringência de leistrabalhistas e previdenciárias por parte daprestadora de serviços. O dispositivo legalinvocado pela recorrente não pode favo-recer a Administração Pública quando esta,por omissão, participa da lesão perpetradacontra trabalhadores de cuja mão de obrase beneficia. 2 - Responsabilidade Subsidi-

ária. Abrangência. O responsável subsidia-

riamente, assemelha-se à figura do avalista

ou fiador, está na relação jurídica única e

exclusivamente para garantir a satisfação

total do credor e portanto responde por

todos os créditos deferidos ao reclamante,inclusive multa do artigo 477 e multa doar t i go 467 da CLT. Entendimento

congruente aos termos da Súmula 331, IV,do C. TST8.

EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSI-DIÁRIA. Para que haja a responsabilizaçãosubsidiária do segundo reclamado, faz-senecessário o inadimplemento por parte daempregadora. Restando evidenciada a

inexistência de bens da executada principal

e de valores nas contas bancárias da em-

pregadora, incumbia ao agravante indicar

bens do devedor principal para que se de-

sobrigasse de responder pelos débitos de-

vidos ao exeqüente, a exemplo do que

ocorre com o fiador (artigo 827, parágrafoúnico do Código Civil e artigo 595, “caput”do CPC), o que não se verificou. Agravoimprovido.9

No mesmo sentido, o E. Tribunal Superiordo Trabalho10, sobre o tema assim se pronun-ciou:

(...) DIREITO DO TRABALHO - RESPON-SABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOTOMADOR DOS SERVIÇOS - ENTE PÚ-BLICO. Para o Direito do Trabalho, que temo intuito de proteger os trabalhadores quan-to à liquidez dos seus créditos, importa ape-nas que empresas e/ou instituições distin-tas e autônomas, com o escopo de bemdesenvolverem suas atividades econômicasou não, se associaram contratualmente eintermediaram mão-de-obra, dando cau-sa à responsabilidade subsidiária da

8 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 10 Região. AgravoDe Petição: Ap 233200401810008 Df 00233-2004-018-10-00-8. Relator(a): Desembargadora Elaine MachadoVasconcelos. Julgamento: 19/05/2008. Órgão Julgador: 1ªTurma. Publicação: 30/05/2008.

9 Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo DeInstrumento Em Recurso De Revista: AIRR 207 207/2006-006-08-40.7. Relator(a): José Pedro de CamargoRodrigues de Souza. Julgamento: 02/05/2007. ÓrgãoJulgador: 5ª Turma. Publicação: DJ 25/05/2007.

Page 71: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 65•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

tomadora dos serviços, na forma do itemIV da Súmula 331 do c. TST, o qual se en-contra em perfeita consonância com aConstituição Federal, em seus artigos 1º, IIIe IV; 5º, 6º, 7º, 100, 170, caput e 173, §1º, e Lei Complementar nº 5.172/62. (...)Como se vê, o tomador dos serviços deempregado terceirizado, desde que tenhaparticipado da relação processual e constetambém do título executivo judicial, respon-de subsidiariamente por todas as obriga-ções trabalhistas imputadas ao contratado,empregador direto, sendo absolutamenteirrelevante, para eximi-lo dessaresponsabilidade, não ter contribuído paraesse descumprimento ou não ter tido pos-sibilidade de evitá-lo. Afinal, o responsável

subsidiário tem, nesse caso, posição jurídi-

ca semelhante à do fiador ou do avalista de

obrigações civis ou cambiais: sua responsa-

bilidade integral decorre, pura e simples-

mente, do inadimplemento das obrigações

por eles garantidas, não se podendo pre-

tender que respondam apenas pela parte

daquelas obrigações para cujo

descumprimento tenham de alguma forma

contribuído. Diante do exposto, NEGOPROVIMENTO ao Agravo. ISTO POSTO.ACORDAM os Senhores Ministros daQuinta Turma do Tribunal Superior do Tra-balho em, por unanimidade, negar provi-mento ao agravo de instrumento.Brasília,02 de maio de 2007. José Pedro deCamargo. Juiz Convocado Relator

Sendo assim, o presente estudo deve re-meter à análise do art. 595 do CPC, que aindasegundo a lição de Fredie Didier e Rafael Olivei-ra11 impõe ao fiador a condição de devedor eresponsável, embora a sua obrigação seja tãosomente acessória.

Ou seja, em relação ao fiador, o benefíciode ordem previsto no CPC autoriza o benefícioe excussão, autorizando, inclusive que o mes-

mo indique bens em nome do devedor, na ten-tativa de deixar a salvo os seus, assim como podeo fiador exigir a respectiva reparação dos danossofridos frente ao devedor principal, em casode pagamento do débito desse último.

Feita tal análise, cumpre agora aduzir acer-ca do regime da execução específica, das obri-gações de fazer, de não-fazer e de entregar coi-sa distinta de dinheiro.

4. DA OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO-FAZER E ENTREGAR COISA.

No que tange ao regime geral das obriga-ções de fazer, não fazer ou entregar coisa, épreciso mais uma vez remeter ao CPC, destafeita em relação aos arts. 461 e 461-A, os quaispositivaram, definitivamente, as chamadas sen-tenças mandamentais e executivas lato sensu,assim vazados:

Art. 461. Na ação que tenha por objeto ocumprimento de obrigação de fazer ou nãofazer, o juiz concederá a tutela específicada obrigação ou, se procedente o pedido,determinará providências que assegurem oresultado prático equivalente ao doadimplemento.§ 1o A obrigação somente se converteráem perdas e danos se o autor o requererou se impossível a tutela específica ou aobtenção do resultado prático correspon-dente.§ 2o A indenização por perdas e danosdar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).§ 3o Sendo relevante o fundamento dademanda e havendo justificado receio deineficácia do provimento final, é lícito ao

10 Idem, p. 285.11 ALVIM, Arruda. Obrigações de Fazer e de Não Fazer –

Direito Material e Processo in TEIXEIRA, Sávio FigueiredoTeixeira. Estudos em Homenagem ao Ministro AdhemarFerreira Maciel. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 67.

Page 72: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

66 •

• DOUTRINA

juiz conceder a tutela liminarmente oumediante justificação prévia, citado o réu.A medida liminar poderá ser revogada oumodificada, a qualquer tempo, em deci-são fundamentada.§ 4º O juiz poderá, na hipótese do pará-grafo anterior ou na sentença, impor mul-ta diária ao réu, independentemente depedido do autor, se for suficiente ou com-patível com a obrigação, fixando-lhe prazorazoável para o cumprimento do preceito.§ 5º Para a efetivação da tutela específicaou a obtenção do resultado prático equi-valente, poderá o juiz, de ofício ou a re-querimento, determinar as medidas neces-sárias, tais como a imposição de multa portempo de atraso, busca e apreensão, re-moção de pessoas e coisas, desfazimentode obras e impedimento de atividade noci-va, se necessário com requisição de forçapolicial. § 6º O juiz poderá, de ofício, modificar ovalor ou a periodicidade da multa, caso ve-rifique que se tornou insuficiente ou exces-siva.Art. 461-A. Na ação que tenha por objetoa entrega de coisa, o juiz, ao conceder atutela específica, fixará o prazo para o cum-primento da obrigação.§ 1º Tratando-se de entrega de coisa de-terminada pelo gênero e quantidade, o cre-dor a individualizará na petiçãoinicial, se lhe couber a escolha; cabendoao devedor escolher, este a entregará indi-vidualizada, no prazo fixado pelo juiz. § 2º Não cumprida a obrigação no prazoestabelecido, expedir-se-á em favor do cre-dor mandado de busca e apreensão ou deimissão na posse, conforme se tratar decoisa móvel ou imóvel.§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigoo disposto nos §§ 1º a 6º do art. 461.

Não obstante não seja da essência dessetrabalho um estudo exauriente a respeito da-

queles dispositivos, para o presente estudo faz-se necessário indicar as bases elementares acer-ca da compreensão do instituto.

Para tanto, em primeiro plano, cumpreevidenciar a posição de Arruda Alvim12 que delonga data apresenta o tema sob os seguintesdizeres:

“A execução das obrigações de fazer e denão fazer, à luz da disciplina concretizadano art. 461 do Código de Processo Civil,com a redação decorrente da Lei nº. 8.952,de 13-12-1994, deve ser havida comomodalidade de execução indireta com o fitode obter a especificidade da prestação, emque se aspira por excelência a uma modifi-cação de comportamento do devedor, quenão cumpre a obrigação, mas que, com-pelido pelo Judiciário, eficientemente, aca-ba realizando aquilo o que se obrigara.Nesta modalidade de execução, portanto,

não há propriamente sub-rogação, senão

que ela pode e deve decorrer da conduta

do próprio obrigado”.

Ou seja, segundo tal entendimento, a fina-lidade da imposição é justamente para que sejacompelido o próprio devedor ao cumprimentodaquilo o que se obrigara, ou seja, seja produ-zido em seu espírito uma modificação de com-portamento, para que, pessoalmente, o deve-dor cumpra à obrigação.

Avançando-se sobre tal questão, admite-se como noção elementar, prevista em lei, a deque o Juiz pode determinar as medidas neces-sárias no sentido de prover a efetivação da tu-tela ou obtenção do resultado prático equiva-lente.

12 ALVIM, Arruda. Obrigações de Fazer e de Não Fazer –Direito Material e Processo in TEIXEIRA, Sávio FigueiredoTeixeira. Estudos em Homenagem ao Ministro AdhemarFerreira Maciel. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 82.

Page 73: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 67•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

Sendo assim, a função daquele instituto étão somente a imposição da obrigação de fazerou não-fazer à parte, sendo certo que tal obri-gação somente se converterá em perdas e da-nos na hipótese de optar o autor por tal expe-diente, ou ser impossível a tutela específica ou aobtenção do resultado prático corresponden-te.

Nesses casos, a indenização por perdas edanos dar-se-á sem prejuízo da multa previstano artigo 287 do CPC (astreintes) incidente emcaso de descumprimento da obrigação fixadajudicialmente.

Isso porque, é preciso que se diga, asastreintes constituem-se em multa, aplicada aodevedor recalcitrante, sendo independentes daseventuais perdas e danos. Com efeito, ‘aastreinte foi uma criação da jurisprudência, esua história é dominada por uma ruptura pro-gressiva com a teoria das perdas e danos. Valedizer, se inicialmente as multas eram represen-tativas do que viriam a ser as perdas e danos,sucessivamente, ocorreu desvinculação, do queresultou a autonomia das astreintes.’13.

É preciso, ainda, indicar com clareza que aimposição daquela multa (astreinte) deve sercompatível com a própria obrigação. Daí por-que Carlos Henrique Bezerra Leite14 mencionaexpressamente que:

“(...) o juiz poderá, na sentença, impormulta diária (astreinte) ao réu (provimentojudicial executivo lato sensu), independen-temente de pedido do autor, se for sufici-

ente ou compatível com a obrigação, fixan-do-lhe prazo razoável para o cumprimen-to do preceito”.

Ou seja, de acordo com a lição daquelemestre, a fixação daquela imposição deve, emprimeiro lugar, ser compatível com a obrigaçãojudicialmente fixada.

Não por outra razão, Nelson Nery Junior15

assim se posiciona sobre as aludidas multas:

“deve ser imposta a multa de ofício ou arequerimento da parte. O valor deve sersignificativamente alto, justamente porquetem natureza inibitória. O juiz não deve fi-car com receio de fixar valor em quantiapensando no pagamento. O objetivo das

astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor

da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obriga-

ção na forma específica. A multa é apenasinibitória. Deve ser alta para que o deve-dor desista de seu intento de não cumprira obrigação específica. Vale dizer, o deve-dor deve sentir preferível cumprir a obriga-ção na forma específica a pagar o alto valorda multa fixada pelo Juiz”.

No mesmo sentido, Mauro Schiavi16:

“Pensamos que o valor da multa deve serrazoável em compasso com a natureza daobrigação, a probabilidade de cumprimen-to, o comportamento do devedor e aefetividade do cumprimento da obrigação.As astreintes podem ser majoradas ou re-duzidas de ofício pelo Juiz se se tornou ex-cessiva ou insuficiente a garantia da execu-ção, conforme faculta o § 6º do art. 461,do CPC.”

Sendo assim, na fixação daquelas multas,é preciso não apenas a aferição da sua identi-dade com a própria obrigação, e a sua nature-za (material), bem como, ao que parece, a apu-ração da própria relação processual em desta-que.

13 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processualdo Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 945.

14 NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo CivilComentado. 10 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 673.

15 SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho.3 ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 892.

16 Idem. p. 422.

Page 74: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

68 •

• DOUTRINA

Por isso, impossível a imposição de obriga-ção de fazer em face da Fazenda Pública quan-do na condição típica de devedor subsidiário.Veja-se.

5. DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DONÃO CABIMENTO CONTRA A FAZEN-DA PÚBLICA ENQUANTO DEVEDORSUBSIDIÁRIO

A imposição de obrigação de fazer ao de-vedor principal não pode repercutir, sob qual-quer aspecto, em face do devedor subsidiário,como a Fazenda Pública, nas reclamações tra-balhistas, fundado na S. 331 do TST.

Em primeiro lugar, porque a obrigação defazer, tal qual mencionado, visa, por essência, aresponsabilidade pessoal e indelegável do obri-gado. Ou seja, a tutela específica visa, tal qual jáabordado, precipuamente que o próprio deve-dor assuma, ou melhor, cumpra o encargo aque, por lei ou avença se obrigara.

No mesmo sentido, Fredie Didier e RafaelOliveira17:

“As obrigações (repita-se: em sentido am-plo) tuteladas pelo art. 461 do CPC sãoaquelas que têm por objeto imediato umaconduta positiva ou negativa do devedor eque têm por objeto mediato uma presta-ção de fato, assim entendida aquela queexige uma atividade pessoal do devedor.”

Se é assim, então não se poderia exigir deum terceiro o efetivo cumprimento daquelaobrigação de fazer ou não fazer ou entregar.Daí porque é evidente o descabimento dacominação daquela obrigação em desfavor domero devedor subsidiário que, efetivamente,não possui qualquer obrigação, seja legal, sejacontratual, de assim proceder.

No mesmo sentido, e ainda de acordo coma natureza daquela tutela específica, é preciso

identificar que a verdadeira efetividade da deci-são judicial estaria não na mera imposição documprimento, por parte do devedor principalda obrigação, mas na imposição judicial, direta,dos efeitos pretendidos.

Mauro Schiavi18 indica alguns exemplos fre-quentes de obrigações de fazer executáveis naJustiça do Trabalho, entre as quais a reintegra-ção de empregado estável, a anotação do regis-tro do contrato de trabalho na CPTS do traba-lhador, a determinação de promoção do em-pregado, a obrigação de entrega das guias deseguro-desemprego e/ou TRCT, para fins de sa-que do FGTS.

Nessas hipóteses, evidente que a tutelajurisdicional se daria de forma muito mais efeti-va se o próprio Juízo determinasse, através dealvará, a liberação do FGTS eventualmente de-positado, bem como a concessão do seguro-desemprego ou, determinar à Secretaria da Varaa anotação na CTPS do trabalhador, somente atítulo de exemplo.

Sobre essa última hipótese, o regime geralda obrigação de anotação da CTPS do traba-lhador está prevista nos arts. 29 e seguintes daCLT, não havendo dúvida quanto à obrigaçãodo empregador em proceder às anotações pre-vistas em lei.

Contudo, tal obrigação de fazer não seadéqua à relação jurídica existente em relaçãoao devedor subsidiário, dado que esse não po-deria, jamais, por exemplo, procedervalidamente as anotações devidas nas CTPS dostrabalhadores, embora eventualmente a admi-

17 SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho.3 ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 891.

18 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região.Processo 0081500-69.2008.5.05.0026 RecOrd, ac.nº 014524/2009. Relatora Desembargadora MaramaCarneiro. 1ª. TURMA. DJ 19/06/2009.

Page 75: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 69•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

nistração seja responsável pelo adimplementodas verbas trabalhistas devidas ao trabalhador,na forma da Súmula 331 do TST.

Por isso mesmo que algumas cortes pátrias,inclusive o E. Tribunal Regional do Trabalho da5ª Região, acertadamente entendem ser impos-sível a fixação de imposição de obrigação defazer, quando a decisão judicial corresponden-te à anotação na Carteira de Trabalho e Previ-dência Social do trabalhador se dará de manei-ra muito mais efetiva com a determinação daanotação pela própria Secretaria da Vara doTrabalho, na forma do art. 39 da CLT:

ANOTAÇÃO DA CTPS. MULTA DIÁRIA.Ante a possibilidade de a Secretaria da Varado Trabalho realizar a anotação da CTPS,se descumprida pelo empregador, incabívela imposição de multa diária.19

MULTA DIÁRIA. ASSINATURA DE CTPS.Não se pode impor a multa por mora pa-tronal, já que o art. 39 da CLT autoriza aque a Secretaria da vara do trabalho deorigem faça as anotações necessárias do vín-culo de emprego, na Carteira de trabalhoe Previdência Social do obreiro. Inteligên-cia dos arts. 247 do Código Civil, e 461,§ 1º do Código de Processo Civil,subsidiariamente aplicados.20

Por isso Cassio Scarpinella Bueno21 indicaque a ‘diferença entre a tutela específica e oresultado prático equivalente ao doadimplemento repousa muito mais nos meca-nismos a serem empregados jurisdicionalmentepara obtenção do cumprimento da obrigação(pedido imediato) do que, propriamente, nobem da vida pretendido pelo autor (pedidomediato)’. O resultado prático é o mais rele-vante.

Identificado o não cabimento daquela obri-gação, pela sua não identificação com a natu-

reza da prestação a que se busca, é preciso,ainda, indicar o não cabimento da consequentemulta por inadimplemento.

Isso porque, sendo impossível a cominaçãoda obrigação de fazer, evidente o não cabimen-to da consequente multa por inadimplemento(287 do CPC), bem como a sua exigibilidadeem caso de responsabilidade subsidiária.

Nesse sentido é possível mencionar a posi-ção de alguns Tribunais que claramente indi-cam tal impropriedade:

“DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇAO DEFAZER. MULTA COMINATÓRIA. RESPON-SABILIDADE EXCLUSIVA DO EMPREGA-DOR. A obrigação de registro é do empre-gador, em caso de descumprimento, daSecretaria da Vara. Assim, não tendo otomador de serviço como evitar taldescumprimento, a ele não pode ser im-putada a responsabilidade subsidiária, poisse na constância do contrato entre as par-tes até se poderia exigir do Estado contra-tante a responsabilidade in vigilando, apósa rescisão, e sendo cominado em juízo obri-gação que cabe, exclusivamente, àprestadora de serviço, não há como o Enterecorrente compelir ao cumprimento de talobrigação.22

19 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região.Processo 0028200-71.2007.5.05.0401 RecOrd, ac.nº 005773/2009, Relator Desembargador Valtércio DeOliveira. 4ª. TURMA. DJ 26/03/2009.

20 BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Processo CivilInterpretado. Antonio Carlos Marcato (coord.). São Paulo:Atlas, 2004. p. 1.404.

21 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14 Região - RecursoOrdinario: Ro 90820074041400 Ro00908.2007.404.14.00. Relator(a): Juiza Vania Maria DaRocha Abensur. Julgamento: 29/10/2008. Órgão Julgador:Primeira Turma. Publicação: Detrt14 n.204, de 03/11/2008)”

22 Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: REsp940309 MT 2007/0077995-4. Relator(a): Ministro SidneiBeneti. Julgamento: 11/05/2010. Órgão Julgador: T3 -Terceira Turma. Publicação: DJe 25/05/2010.

Page 76: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

70 •

• DOUTRINA

Ainda faz-se necessária a análise da ques-tão sob a ótica exclusivamente da responsabili-dade.

Com efeito, tal qual já mencionado, a res-ponsabilidade da Administração, segundo oentendimento firmado, no âmbito da Súmula331 do E. TST, trata-se do reconhecimento deobrigação de ordem material.

A responsabilidade pelo débito, segundoposição consolidada na jurisprudência, e tal qualmencionado, decorre categoricamente da rela-ção jurídico-material existente entre o trabalha-dor e a Administração, unidos pelo liame daresponsabilidade.

Tal qual mencionado, a responsabilidadede adimplir aos eventuais débitos não pagos porparte do tomador do serviço frente ao traba-lhador decorre diretamente da ‘regra’ de direi-to material consagrada no entendimentosumulado. Isso porque, o item IV, da Súmulanº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, estáassim vazada:

O inadimplemento das obrigações trabalhis-

tas, por parte do empregador, implica a res-

ponsabilidade subsidiária do tomador dos

serviços, quanto àquelas obrigações, inclu-sive quanto aos órgãos da administraçãodireta, das autarquias, das fundações pú-blicas, das empresas públicas e das socie-dades de economia mista, desde que ha-jam participado da relação processual econstem também do título executivo judi-cial (art. 71 da Lei nº 8.666, de21.06.1993).”

Sendo assim, a responsabilidade subsidiá-ria do tomador dos serviços, quanto aoinadimplemento das obrigações trabalhistas é aúnica, ao fim e ao cabo, que se poderia exigirda própria Administração, segundo o entendi-mento consolidado.

Portanto, mesmo o entendimento sumularveda expressamente a imposição de responsa-bilidade ao tomador do serviço quando a natu-reza da obrigação em jogo não for aquela qua-lificada como ‘obrigação trabalhista’.

Daí por que, facilmente se pode identifi-car, que a imposição de uma determinada obri-gação de fazer, longe de constituir-se em umaobrigação trabalhista, trata-se de evidentecominação de ordem processual, já que funda-do, exclusivamente, no preceito do art. 461 doCPC.

Fora justamente tal a justificativa apresen-tada pelo E. STJ, na compreensão do instituto,capaz de infirmar, segundo o quando demons-tra o aresto abaixo, a possibilidade de limitaçãodaquela multa.

Ou seja, dado o caráter eminentementeprocessual, autônomo, portanto, do instituto,não caberia a limitação daquela cominação:

PROCESSUAL CIVIL.1) EXECUÇAO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA IMPOSTANO DESPACHO INICIAL. VALIDADE.2) “ASTREINTE”, CONSISTENTE EM ELE-VADA MULTA, FIXADA LIMINARMENTEPARA A OUTORGA DE ESCRITURA. VA-LIDADE.3) ALEGAÇÃO DE INSUBSISTÊNCIA DAMULTA, EM VIRTUDE DA SUSPENSÃODO PROCESSO DE EXECUÇÃO, AFASTA-DA;4) EMBARGOS DO DEVEDOR REJEITA-DOS DIANTE DE ANTERIOR JULGAMEN-TO;5) VALOR DA MULTA COMINATÓRIACOM NATUREZA DE “ASTREINTE”, TÍMI-DA MODALIDADE BRASILEIRA DO“CONTEMPT OF COURT”, DERIVA DESANÇÃO PROCESSUAL, QUE NÃO SOFREA LIMITAÇÃO DA NORMA DE DIREITO

Page 77: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 71•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

CIVIL PELA QUAL O VALOR DA MULTANÃO PODE ULTRAPASSAR O DO PRIN-CIPAL. (...) 4.- A limitação, no âmbito dodireito contratual, do valor da multa aovalor da obrigação principal (art. 920 doCód. Civil/1916) não se aplica à multa denatureza de “astreinte”, a qual constitui efi-caz instrumento processual de coerção in-direta para a efetividade do processo deexecução, ainda, no processo nacional, tí-mido instrumento, se comparado com o“contempt of Court” do Direito anglo-ame-ricano, que responsabiliza mais fortemen-te a parte recalcitrante e o próprio patrocí-nio temerário desta. 5.- O valor da multacominatória como “astreinte” há de ser na-turalmente elevado, no caso de dirigir-se adevedor de grande capacidade econômi-ca, para que se torne efetiva a coerção in-direta ao cumprimento sem delongas dadecisão judicial. 6.- Recurso Especialimprovido.23

No mesmo sentido:

AGRAVO DE PETIÇÃO. OBRIGAÇÃO DEFAZER. MULTA DIÁRIA FIXADA NO TÍTU-LO JUDICIAL EXEQÜENDO. COISAJULGADA. INCIDÊNCIA. Demonstradonos autos que o Município-agravante nãose atentou para os comandos inseridos nodispositivo da sentença, vez que a preten-dida incorporação salarial somente veio aser materializada em outubro/2007, nocurso do processo de execução forçada,deve ser aplicada multa “astreintes”, de

natureza processual, em obediência à coi-sa julgada material. Agravo improvido.24

Portanto, seguindo o entendimento firma-do, dada a natureza eminentemente processualda parcela, é evidente que o devedor subsidiá-rio, com base na S. 331 do TST, não possui qual-quer responsabilidade quanto ao seu eventualadimplemento, seja direta, seja indiretamente.

Por fim, ainda é preciso mencionar a in-compatibilidade daquela responsabilidade àprópria noção de fiança, defendida como al-guns como sendo o equivalente à responsabili-dade subsidiária, tal qual já mencionado.

Pontes de Miranda25 ao conceituar a fiançaindica claramente que o fiador se obriga (ou éobrigado) ao adimplemento apenas do contra-to ou negócio jurídico, sem qualquer outra dí-vida que decorreu, decorre ou decorrerá da-quela obrigação. Verbis:

A fiança é promessa de ato-fato jurídico oude outro ato jurídico, porque o que se pro-mete é o adimplemento do contrato, oudo negócio jurídico unilateral, nu de outrafonte de dívida, de que se irradiou, ou seirradia. ou vai irradiar-se a divida de ou-trem.(...)O fiador vincula-se à prática do ato deoutrem, que é o devedor principal: o fia-dor tem de adimplir o que prometeu. Emconseqüência disso, é devedor daquiloque prometeu: o ato-fato jurídico dopagamento, ou outro ato jurídico deadimplemente

Sendo assim, mesmo diante da equipara-ção da responsabilidade subsidiária com a fian-ça, como têm insistido alguns Tribunais pátrios,fica clara a impropriedade da imposição dequalquer obrigação processual ao responsávelsubsidiário.

23 Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.AGRAVO DE PETICAO: AP 19520071111400 RO.00195.2007.111.14.00. Relator(a): JUÍZA ELANACARDOSO LOPES LEIVA DE FARIA. Julgamento: 18/12/2008. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA.Publicação: DETRT14 n.241, de 26/12/2008

24 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. T. 44.Campinas: Bookseller, 2006.

Page 78: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

72 •

• DOUTRINA

Por óbvio, diante daquela limitação, avedação persiste não apenas em relação à im-posição da obrigação processual, como em re-lação à multa cominatória dele decorrente oumesmo as eventuais perdas e danos passíveisde serem exigidas do devedor principal em facedo seu inadimplemento.

Afinal, não fora o ente público o responsá-vel pelo descumprimento, tampouco eventuaisprejuízos sofridos pelo descumprimento da or-dem judicial.

Evidente, assim, o não cabimento da im-posição de qualquer obrigação de fazer emdesfavor do obrigado subsidiariamente pelasobrigações trabalhistas devidas ao trabalhador.

6. CONCLUSÕES

A partir do quanto fora apresentado é evi-dente a infirmação da pretensa verdade que seapresenta, qual seja, a que pretende impor res-ponsabilidade, ampla, geral e irrestrita ao deve-dor subsidiário pelas obrigações deferidas, emJuízo, em favor do trabalhador terceirizado.

A partir das premissas ora postas, restouevidente o não cabimento de cominação deobrigação de fazer em face da Fazenda Públi-ca, quando o ente público figura em Juízo nacondição de devedor subsidiário,quando talobrigação de fazer inicialmente era devida aoverdadeiro empregador.

Da mesma forma, restou demonstradoque, tão somente a título de exemplo, é ilegíti-ma a imposição ao ente público, a, por exem-plo, assinar a CTPS de um determinado traba-lhador, para proceder-lhe a baixa do vínculo,em lugar da empresa prestadora do serviço, bemcomo outras obrigações de fazer cuja eficácia,no particular, restarão absolutamente manieta-das.

Dada a impropriedade mencionada, ma-nifesta a impossibilidade de imposição de mul-ta ou mesmo de responsabilidade pelas perdase danos em desfavor da Municipalidade pelonão cumprimento da obrigação pelo devedorprincipal. E sendo assim, não poderão ser im-putadas em seus efeitos ao Poder Público, noparticular.

Resta evidente que, a partir de um delinea-mento sensato, seguindo os adequados contor-nos da matéria, evidente a falsidade da premis-sa que pretende a responsabilidade total e ab-soluta da Administração, no particular.

A submissão de tal resposta à testabilidade,refutabilidade ou falsificabilidade é importantecritério de demarcação da tese como fruto dopensamento científico.

No particular, é relevante demonstrar queas conclusões que se buscam nesta oportuni-dade não são fruto de uma mera ideologia. Ali-ás, é justamente um apego exagerado a deter-minadas ideologias, afetos a verdadeirodogmatismo, que impede um adequado desen-volvimento do Direito do Trabalho.

O presente questionamento trata-se datentativa de reafirmar a incoerência das res-postas atribuídas, até então, às questões men-cionadas. Fora demonstrada a falta de razãodo posicionamento que pretende a responsa-bilidade irrestrita da Administração. Se a im-posição da própria responsabilidade subsidiá-ria à Administração é questionável, tal qual evi-denciado, não se pode, sem qualquer razãolegítima, impor a responsabilidade de todos oscidadãos, meramente representados pelo entepúblico, ao adimplemento de obrigação de or-dem eminentemente processual, devida porum terceiro. Essa, sim, é a verdadeira premis-sa.

Page 79: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 73•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • DOUTRINA

BIBLIOGRAFIA

ALVIM, Arruda. Obrigações de Fazer e de NãoFazer – Direito Material e Processo in TEIXEIRA,Sávio Figueiredo Teixeira. Estudos em Home-nagem ao Ministro Adhemar Ferreira Maciel.São Paulo: Saraiva, 2001.

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Es-pecial: REsp 940309 MT 2007/0077995-4.Relator(a): Ministro Sidnei Beneti. Julgamen-to: 11/05/2010. Órgão Julgador: T3 - Tercei-ra Turma. Publicação: DJe 25/05/2010.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Re-gião. Agravo de Petição: Ap 233200401810008 Df 00233-2004-018-10-00-8.Relator(a): Desembargadora Elaine MachadoVasconcelos. Julgamento: 19/05/2008. ÓrgãoJulgador: 1ª Turma. Publicação: 30/05/2008.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Re-gião - Recurso Ordinario: Ro 90820074041400Ro 00908.2007.404.14.00. Relator(a): JuizaVania Maria Da Rocha Abensur. Julgamento: 29/10/2008. Órgão Julgador: Primeira Turma. Pu-blicação: Detrt14 n.204, de 03/11/2008.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 14ªRegião. AGRAVO DE PETICAO: AP19520071111400 RO. 00195.2007.111.14.00. Relator(a): JUÍZA ELANA CARDO-SO LOPES LEIVA DE FARIA. Julgamento: 18/12/2008. Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA.Publicação: DETRT14 n. 241, de 26/12/2008.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Re-gião. Recurso Ex Officio e Ordinário:953200706802006 SP 00953-2007-068-02-00-6. Relator(a): Marcelo Freire Gonçalves. Jul-gamento: 08/04/2010. Órgão Julgador: 12ªturma. Publicação: 20/04/2010.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Re-gião. Processo 0028200-71.2007.5.05.0401RecOrd, ac. nº 005773/2009, RelatorDesembargador Valtércio de Oliveira. 4ª.TURMA. DJ 26/03/2009.

Brasil. Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Re-gião. Processo 0081500-69.2008.5.05.0026RecOrd, ac. nº 014524/2009. RelatoraDesembargadora Marama Carneiro. 1ª.TURMA. DJ 19/06/2009.

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Agravo deInstrumento em Recurso de Revista: AIRR 207207/2006-006-08-40.7. Relator(a): José Pedrode Camargo Rodrigues de Souza. Julgamen-to: 02/05/2007. Órgão Julgador: 5ª Turma.Publicação: DJ 25/05/2007.

Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. Proc. n°ROAR - 1940-2001-000-15-00. DJ no dia 06/02/2004. Relator Ministro Ives Gandra Martinsda Silva Filho. SDI II.

BUENO, Cassio Scarpinella. Código de Proces-so Civil Interpretado. Antonio Carlos Marcato(coord.). São Paulo: Atlas, 2004.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direi-to do Trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2008.

DIDIER JR, Fredie, OLIVEIRA, Rafael et all. Cur-so de Direito Processual Civil: Execução. 2 ed.Salvador: Juspodivm, 2010.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Di-reito Processual do Trabalho. 8 ed. São Paulo:LTr, 2010.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Pri-vado. T. 44. Campinas: Bookseller, 2006.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso deDireito do Trabalho. 14 ed. São Paulo: Saraiva,1997.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Ci-vil Comentado. 10 ed. São Paulo: RT, 2007.

POPPER, Karl. Lógica das Ciências Sociais. 3 ed.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2004.

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processu-al do Trabalho. 3 ed. São Paulo: LTr, 2010.

Page 80: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito
Page 81: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

PARECER

Page 82: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito
Page 83: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 77•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

Parecer em Processo AdministrativoAdesão a Ata de Registro de Preços

João Deodato Muniz de OliveiraConsultor Jurídico com Especialização em Direito Administrativo pela FundaçãoFaculdade de Direito da Bahia e em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro deEstudos TributáriosProcurador do Município do SalvadorMembro do Instituto dos Advogados da Bahia

Palavras chave:Registro de Preços, Adesão a Ata de outro ente público, Princípio daLegalidade

SUMÁRIO1- Sinopse Fática2- Fundamentação Jurídica3- Conclusão

PROCESSO NO. .................ORIGEM: ...........ASSUNTO: ADESÃO A ATA DE REGISTRO DE PREÇOS DE OUTROESTADO OU MUNICÍPIO

PARECER

1- SINOPSE FÁTICA

A .................. dirige expediente para a Pro-curadoria Geral do Município solicitando pro-nunciamento acerca da possibilidade de vir aaderir a Ata de Registro de Preços de outro Es-tado ou Município, em especial para a locaçãode equipamentos, sob o pressuposto de queestariam sendo praticados em outras praçaspreços inferiores aos que se encontrariam

consubstanciados no Sistema de Registro dePreços da Secretaria Municipal de Planejamen-to, Tecnologia e Gestão – SEPLAG.

2 - FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Antes de qualquer pronunciamento quan-to ao cerne da questão, impõe-se, inicialmen-te, fixar alguns conceitos a propósito do Regis-tro de Preços.

Page 84: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

78 •

• PARECER

O Sistema de Registro de Preços (SRP ouSIREP) tem previsibilidade desde a edição da Leinº. 8.666, de 21 de junho de 1993 (Lei de Lici-tações e Contratos Administrativos). No entan-to, sua regulamentação só ocorreu com a edi-ção do Decreto nº. 3.931, de 19 de setembrode 2001.

Segundo o art. 1º, parágrafo único, incisoI, do Decreto nº. 3.931/2001, esta forma delicitar é caracterizada como conjunto de proce-dimentos para registro formal de preços relati-vos à prestação de serviços, aquisição e locaçãode bens, para contratações eventuais (futuras).

Ao versar sobre a temática, Jorge UlissesJacoby Fernandes, após criterioso exame de con-ceitos formulados por outros autores e tendo emconsideração a experiência recolhida, sintetizouo SRP como “um procedimento especial de lici-tação, que se efetiva por meio de uma concor-rência sui generis, selecionando a proposta maisvantajosa, com observância do princípio daisonomia, para futura contratação pela Adminis-tração” 1. Interpretação que torna mais compre-ensível a caracterização do sistema.

Decompondo o conceito apresentado,tem-se o SRP como procedimento especial emrazão de o ente público não se eximir da reali-zação do certame licitatório, e sim, adota umprocedimento especial e flexível, previsto em lei,que se aproxima da forma de aquisição prati-cada pelo setor privado, efetivando-se por meiode uma concorrência sui generis em que nãoobriga a Administração Pública promover àsaquisições dos bens ou a contratações dos ser-viços e, condiciona o licitante vencedor ao com-promisso de manter a proposta por determina-do lapso temporal, salvo ocorrência de fatossupervenientes e comprovadas alterações doscustos dos insumos.

Oportuno esclarecer que o SRP não se apre-senta como uma modalidade de licitação, como

aquelas previstas no art. 22 da Lei de Licitaçõese Contratos Administrativos, mas sim, como umprocedimento especial e flexível, onde se des-taca dispensabilidade da existência de orçamen-to prévio para realização do certame licitatório,aspecto que se afigura vantajoso, pois a Admi-nistração agilizará o procedimento decontratação, antecipando a licitação, que, de-pois de conclusa, ficará apenas no aguardo doorçamento para efetivação da respectivacontratação.

A Ata de Registro de Preços, por sua vez, éum documento vinculativo e obrigacional, la-vrado após o processamento do certamelicitatório, no qual constarão os preçosregistrados para futura contratação, bem comoos fornecedores, órgãos participantes e condi-ções a serem praticadas, conforme disposiçõescontidas no instrumento convocatório e propos-tas apresentadas.

Com a publicação da ata surgirá para oparticular, ofertante do preço registrado, umvínculo de natureza obrigacional para com aAdministração, que se apresenta no dever de,quando convocado, vir a fornecer o objetoofertado pelo preço registrado, salvo se confi-gurado o direito de revisão ou reajuste. Acercada natureza jurídica da Ata, a esse propósito,Eliana Goulart Leão comenta:

“A Ata de registro de preços não é um con-

trato de fornecimento, mas sim um instru-

mento obrigacional unilateral regido pelo

direito público e, sem a conotação de

contraprestacionalidade, própria dos con-

tratos resultantes das licitações comuns.”2

1 Sistema de registro de preços e pregão presencial eeletrônico. 2ª. ed., Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2006

2 O Sistema de registro de preços. Campinas: Bookseller.1996

Page 85: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 79•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

O Município do Salvador cuidou de regu-lamentar o seu Sistema de Registro de Preçospor meio do Decreto nº 14.150, de 2003, cujafinalidade encontra-se estampada no seu art.1º, nos seguintes termos:

“Art. 1º - O Sistema de Registro de Preços,previsto no art.15, inciso II, § 3º, da Lei8.666/93, tem por finalidade selecionar ecadastrar os preços que poderão ser utili-zados em contratos futuros de serviço, lo-cação e aquisição de bens, no âmbito daAdministração Direta, Autárquica,Fundacional, Empresas Públicas e Socieda-des de Economia Mista do Município doSalvador”.

No que tange à aplicabilidade do aponta-do Sistema, cabe observar o disposto no art. 6ºdo mesmo diploma:

“Art. 6º - Cabe à Secretaria Municipal daAdministração, através da CoordenadoriaCentral de Material e Patrimônio, a execu-ção do Sistema de Registro de Preços, queserá utilizado, obrigatoriamente, pela Ad-ministração Direta.§ 1º - O Sistema de Registro de Preços serásempre precedido de estudos para definiros materiais e os serviços que possam serconsiderados comuns, cujos padrões dedesempenho e qualidade possam ser, con-cisa e objetivamente, definidos no objetodo edital e que terão preços registrados.§ 2° - Os Órgãos da Administração Direta,Autárquica, Fundacional e as empresas doMunicípio poderão elaborar e administrarseus registros de preços para contratos fu-turos de materiais e serviços de naturezaespecífica e não sistêmica e para a realiza-ção de serviços das suas atividadesfinalísticas”. (Inserido pelo Art. 1° do De-creto n° 15.098/04. D.O.M. de 19 de agos-to de 2004).

Dessa forma, constituindo-se a ........ ementidade da administração descentralizada doMunicípio do Salvador, sob a forma empresa-rial, poderia ela elaborar e administrar seus re-gistros de preço, independente daqueles orga-nizados pela SEPLAG (atual denominação daantiga SEAD), desde que para objetos de natu-reza específica e não sistêmica, voltado para assuas atividades finalísticas. Ao contrário, o quese pretende é a adesão à Ata de Registro dePreços de outro ente, o que não foi objeto deprevisão na regulamentação do aludido Siste-ma, no âmbito do Município do Salvador.

A prática da adesão por órgãos não partici-pantes da licitação pelo sistema de registro depreços promovida por outro órgão, constitui-seem procedimento que vem sendo chamado de“carona”, figura esta que tem sido objeto de in-tensos debates doutrinários, havendo quem de-fenda o entendimento de que a sua utilizaçãoviolaria os princípios jurídicos aplicáveis às Licita-ções Públicas, tais como a legalidade, isonomia,vinculação ao instrumento convocatório,moralidade e probidade, competitividade, den-tre outros, conforme retratado no Acórdão 1.487/2007, do TCU, que analisou procedimento doMinistério de Planejamento Orçamento e Ges-tão do Governo Federal.

A Constituição Federal de 1988 instituiu aobrigatoriedade de se realizar licitação prévia nostermos do artigo 37, inciso XXI, que preceitua:“XXI - ressalvados os casos especificados na le-gislação, as obras, serviços, compras e aliena-ções serão contratados mediante processo delicitação pública que assegure igualdade de con-dições a todos os concorrentes”.

Por sua vez a Lei 8.666 de 21 de Junho de1993, prevê em seu artigo 22, licitação nasmodalidades concorrência, tomada de preços;convite; concurso; e leilão e dispõe ainda no §8º do referido artigo: “É vedada a criação deoutras modalidades de licitação ou a combina-ção das referidas neste artigo”.

Page 86: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

80 •

• PARECER

A Lei 10.520 de 17 de junho de 2002, deigual hierarquia à da 8.666/93, convertendo Me-dida Provisória criou a modalidade Pregão des-tinada à aquisição de bens e serviços comuns.

A licitação pelo Sistema de Registro de Pre-ços (SRP) pode ser realizada nas modalidadesConcorrência Pública (§ 3º do artigo 15 da Lei8666/93) ou Pregão (artigo 11 da Lei 10.520/02).

O Decreto 3.931/2001 permite a um ór-gão administrativo que não promoveu ou par-ticipou da licitação para o registro de preçosbeneficiar-se da Ata de Registro de outro órgãomediante prévia consulta ao fornecedor, desdeque o beneficiário da ata aceite lhe fornecer oobjeto, tudo sem que tenha participado daelaboração do projeto básico ou termo de re-ferência, como é o caso do órgão promotor ouparticipante que obrigatoriamente deve cum-prir estes requisitos previstos na Lei 8666/93.

Esta aceitação invariavelmente ocorrerá pelavantajosidade de utilização da economia de es-cala que opera em favor do fornecedor. O pro-cedimento apelidado, como “carona” está pre-visto expressamente no artigo 8º do referidoDecreto:

“Art. 8º A Ata de Registro de Preços, du-rante sua vigência, poderá ser utilizada porqualquer órgão ou entidade da Adminis-tração que não tenha participado do cer-tame licitatório, mediante prévia consultaao órgão gerenciador, desde que devida-mente comprovada a vantagem.§ 1º Os órgãos e entidades que não partici-param do registro de preços, quando de-sejarem fazer uso da Ata de Registro dePreços, deverão manifestar seu interessejunto ao órgão gerenciador da Ata, paraque este indique os possíveis fornecedorese respectivos preços a serem praticados,obedecida a ordem de classificação.

§ 2º Caberá ao fornecedor beneficiário daAta de Registro de Preços, observadas ascondições nela estabelecidas, optar pelaaceitação ou não do fornecimento, inde-pendentemente dos quantitativosregistrados em Ata, desde que este forneci-mento não prejudique as obrigações ante-riormente assumidas.§ 3º As aquisições ou contratações adicio-nais a que se refere este artigo não pode-rão exceder, por órgão ou entidade, a cempor cento dos quantitativos registrados naAta de Registro de Preços”.

Diante do dispositivo em tela verifica-se queum órgão poderá adquirir bens ou serviços semter participado de qualquer licitação. Para boaparte da Doutrina e do quanto se extrai de Jul-gados do Tribunal de Contas da União, tal pro-cedimento ofenderia o disposto no artigo 37 daConstituição Federal, pois é uma espécie desubstitutivo legal do procedimento licitatório, nãopermitido constitucional ou legalmente, utiliza-do como forma de exclusão da licitação. O pro-cedimento licitatório, salvo as exceções legais (dis-pensa e inexigibilidade), é condição obrigatóriapara a Administração Pública adquirir bens eserviços é segundo Hely Lopes Meirelles “ante-cedente necessário do contrato administrativo”.3

Marçal Justen Filho tem como inválido oprocedimento em questão:

“A prática da ‘carona’ é inválida. Frustra oprincípio da obrigatoriedade da licitação,configurando dispensa de licitação sem pre-visão legislativa. Não cabe invocar a exis-tência de uma licitação anterior, eis que tallicitação tinha finalidade e limite definidosno edital”. 4

3 Licitação e Contrato Administrativo. 12. ed. São Paulo:Malheiros, 1999. 21-22

4 Marçal.TCU restringe a utilização de “carona” no sistemade registro de preços. Disponível na internet: <http://www.justenfilho.com.br/midia/15.pdf > Acesso em:09.07.2008

Page 87: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 81•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

Por essa linha de entendimento, o caráterda obrigatoriedade da licitação estaria sendoduplamente violado, seja em relação à Admi-nistração que adere a Ata de Preços, sem terpromovido ou participado da licitação para oregistro de preços, bem como em relação aofornecedor beneficiário da Ata de Registro dePreços permitindo-lhe contratar com órgão semparticipar de licitação promovida por este.

Para Ramos Alves Mello, em trabalho vei-culado sobre o tema 5 a utilização do procedi-mento “carona” frustraria princípios basilaresaplicáveis à Administração Pública, a se iniciarpelo princípio da licitação. A forma de a Admi-nistração efetivar contratações de serviços e bensé totalmente vinculada, se dá através de licita-ção, de pessoas também, através de concursopúblico, conforme lembrado por Luiz CláudioSantana. 6

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por sua vez,destaca que: “a própria licitação constitui umprincipio a que se vincula a Administração Pú-blica. Ela é uma decorrência do principio daindisponibilidade do interesse público e que seconstitui em uma restrição à liberdade adminis-trativa na escolha do contratante; a Adminis-tração terá que escolher aquele cuja propostamelhor atenda ao interesse público”. 7

Diz-se, assim, que a ausência de previsãolegal do “carona” seria o fundamento para asua ilegalidade, já que não seria aplicável à Ad-ministração Pública o princípio de que “se a leinão proíbe, então estaria permitido” conformelição de Joel de Menezes Niebuhr que conside-ra estar vedado à Administração pública utili-zar-se da figura do carona. 8

O princípio da legalidade apresenta umperfil diverso no campo do Direito Público e nocampo do Direito Privado. No Direito Privadopode se fazer tudo que a lei não proíbe; noDireito Público, pelo contrário existe uma rela-

ção de subordinação perante a lei, ou seja, sóse pode fazer o que a lei expressamente autori-ze ou determine. O que se verifica na feliz liçãode Hely Lopes Meirelles: “A lei para o particularsignifica ‘pode fazer assim’, para o administra-dor público significa: ‘deve fazer assim’.” 9

Indagar-se-ia, então: A figura do caronapoderia ser criada por um decreto, instrumen-to meramente regulamentador? A função doDecreto, no rigor do artigo 84, inciso IV, daConstituição Federal, é garantir a fiel execuçãoda Lei, significando que o real comando é da leie não do Decreto. Trata-se de reserva legal nosensinamentos de José Afonso da Silva:

“É absoluta a reserva constitucional de leiquando a disciplina da matéria é reservadapela Constituição à lei, com exclusão, por-tanto, de qualquer outra fonte infralegal, oque ocorre quando ela emprega fórmulascomo: a lei regulará, a lei disporá, a lei com-plementar organizará, a lei criará, a lei de-finirá, etc.”10

Assim, tem-se afirmado que ocorreu umextrapolamento das competências constitucio-nais (inciso IV do artigo 184 da CF), por partedo Exmo. Senhor Presidente da República nainclusão da figura do carona no Decreto deRegulamentação do SRP previsto no artigo 15da Lei 8666/93, que nem remotamente lhe fazreferência. Por esse prisma, o Chefe do Execu-

5 Web Artigos – 07.08.20086 O Sistema de Registro de Preços e o Carona. ILC –

Informativo de Licitações e Contratos, nº 166. Curitiba:Zênite jan. 2007

7 Direito Administrativo. 19 ed. São Paulo: Atlas, 20068 “Carona” em Ata de Registro de Preços: Atentado

Veemente aos Princípios de Direito Administrativo. ILC –Informativo de Licitações e Contratos, nº 143. Curitiba:Zênite jan. 2006

9 Direito Administrativo Brasileiro, 20 ed. São Paulo:Malheiros, 1995, p. 82

10 Curso de Direito Constitucional Positivo, 16 ed. rev. e atual.,Malheiros, São Paulo, 1999. p. 423-424

Page 88: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

82 •

• PARECER

tivo ultrapassou a alçada regulamentar, que lheautoriza a Constituição Federal.

O Decreto regulamentador visa explicar alei, esmiuçá-la, facilitar sua aplicação, não sen-do dado ao decreto prover situações não ex-pressas, explícitas ou implícitas na legislação; nãopode inovar ao ordenamento jurídico, está emsituação inferior à lei e para Hely LopesMeirelles: “por isso mesmo, não a pode con-trariar”. 11

A figura do “carona” poderia ser criada peloPoder Legislativo, por meio de lei, em estritaobservância ao princípio da legalidade. Salien-ta Joel de Menezes Niebuhr:

“Agora, não é constitucionalmente admissível

que regulamento administrativo, um decre-

to da lavra do presidente da República, crie

o carona sem qualquer lastro legal, inovan-

do a ordem jurídica por meio da outorga

autônoma de competência aos agentes ad-

ministrativos, com repercussões de monta

na esfera jurídica de terceiros”. 12

Logo em seguida, acrescenta o citado au-tor: “No Estado Democrático de Direito não sedeve governar por decreto, mas por lei comopreceitua o princípio da legalidade”. 13

Assim também entende Marçal Justen Fi-lho:

“O Direito brasileiro não autoriza que uma

contratação seja realizada com base em li-

citação promovida para outros fins – nem

mesmo mediante a invocação da

vantajosidade das condições originais. Por-

tanto, a instituição da figura do carona de-

penderia de uma previsão legislativa, a qual

não existe”. 14

Nesse sentido ainda se posiciona Paulo Sér-gio Monteiro Reis:

“Nosso posicionamento pessoal é no senti-do de que o ‘carona’ só poderia ser institu-ído na ordem legal por expressa disposiçãoda lei.”15

Diz-se, ainda, que o princípio da isonomiatambém seria violado quando a figura do caro-na propicia ao beneficiário de uma Ata de Re-gistro de Preços, direito em contratar com ou-tros órgãos, sem licitação, em detrimento deoutros potenciais interessados do mesmo ramode atividade e com as mesmas condições jurídi-cas.

O Princípio da Isonomia significa que aosindivíduos deve ser assegurado tratamentoisonômico, ou seja, tratar os iguais de forma iguale os desiguais desigualmente.

Essa igualdade deve ser observada tanto naelaboração das leis, quanto na sua aplicação. Oprincípio da igualdade decorre do caput do art.5º da Constituição Federal de 1988, que pre-coniza que todos são iguais perante a lei.

Conforme se vê, estamos diante de um prin-cípio, direito e garantia para o qual todas asdemais normas devem obediência. É nestediapasão lição de Celso Ribeiro Bastos:

“Na verdade, sua função é de um verda-deiro princípio a informar e a condicionartodo o restante do direito. É como se esti-vesse dito: assegura-se o direito de liberda-de de expressão do pensamento, respeita-da a igualdade de todos perante este direi-to. Portanto, a igualdade não assegura ne-nhuma situação jurídica específica, mas na

11 ob. cit., p. 162-16312 Op. cit. 200613 Op. cit. 200614 Op. cit. 200815 O Carona no Sistema de Registro de Preços. ILC –

Informativo de Licitações e Contratos, nº 167. Curitiba:Zênite jan. 2008

Page 89: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 83•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

verdade garante o indivíduo contra toda máutilização que possa ser feita na ordem jurí-dica. A igualdade, é, portanto, o mais vastodos princípios constitucionais, não se vendorecanto onde ela não seja impositiva”. 16

Acrescenta-se ainda em estudo ao princí-pio doutrina Cármen Lúcia Antunes Rocha: “Aigualdade jurídica domina o conteúdo da lega-lidade justa e é o princípio que a expressa quese põe na base do Estado Democrático”. 17

Dessa forma, por tal entendimento, o prin-cípio da isonomia seria violado quando a Cons-tituição Federal obriga à Administração Públicasomente contratar mediante licitação e esta as-sim não procede. Há exceções, mas são aque-las previstas na Lei 8666/93, que se constituemna inexigibilidade, quando houver inviabilidadede competição e dispensa, que pressupõe pre-juízo ao interesse público, se for optado pelarealização do processo licitatório. Hipótesesestas que, por esse prisma, não se vislumbra nafigura do “carona”.

A licitação visa a escolha da proposta maisvantajosa e o tratamento isonômico a todos osinteressados que se encontram nas mesmas si-tuações jurídicas, o fato de um ou mais destester sido contemplado em uma licitação pelo SRPnão o faz desigual e nos dizeres de Marçal JustenFilho “infringe o princípio da isonomia, eis quecria uma espécie de privilégio para alguém quevenceu uma licitação”. 18

Argumenta-se, ainda, que a figura do “ca-rona” violaria o princípio da vinculação ao ins-trumento convocatório, quanto ao quantitativofixado na licitação, pois este poderá ser altera-do ad infinitum na medida que houver adesãoà Ata de Registro por outros órgãos da Admi-nistração Pública, de forma ilimitada, alterandoainda o valor estimado da contratação, prazos,locais e condições de entrega, etc. e até mesmoalteração ou adaptação do objeto devido às

necessidades do órgão, ou ainda adaptação daspróprias necessidades dos órgãos “caronas”,conforme noticiam Madeline Rocha Furtado eAntonieta Pereira Vieira:

“O ‘carona’ negocia, adere e às vezes atémodifica o objeto inicialmente registrado,o que não é permitido pela legislação.

Outra preocupação que nos chama atençãosão as adesões realizadas adequando-se àsnecessidades do órgão à Ata Registrada.

Como isso ocorre? Em alguns órgãos daAdministração Pública, seja pela corriquei-ra falta de planejamento, seja pela falta deconhecimento específico, acentuada pelafacilidade da adesão a qualquer momen-to, diante da necessidade do bem ou doserviço, sem a realização de um estudoadequado de quantitativos necessários, re-aliza tais adesões adequando o objeto pre-tendido à Ata de Registro de Preços dispo-nível no mercado”. 19

Acena-se, também, que a adesão a Ata deRegistro de Preços afrontaria o princípio davinculação ao edital no que se diz respeito àfigura do contratante dos serviços, que via deregra é aquele órgão promotor, no entanto afigura do carona faz com que poderá ser firma-do contrato entre a vencedora do certame, ouseja, o detentor da Ata de Registro de Preços,com órgãos diversos, não indicados no edital.

16 Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva,2001, p. 191

17 Princípios Constitucionais da Administração Pública. BeloHorizonte: Del Rey, 1994, p. 152

18 Marçal. TCU restringe a utilização de “carona” no sistemade registro de preços. Disponível na internet: <http://www.justenfilho.com.br/midia/15.pdf > Acesso em:09.07.2008

19 Cuidados nas aquisições pelo sistema de registro de preços.Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, BeloHorizonte, ano 6. n. 67, jul. 2007, p. 70-72

Page 90: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

84 •

• PARECER

Assim, por essa linha de raciocínio, o de-tentor da referida Ata de Registro, poderá sevaler de um resultado favorável, sob as condi-ções de determinado instrumento convocatório,dar a largada para um número indeterminadoe ilimitado de fornecimentos do mesmo obje-to.

É necessário salientar que o instrumentoconvocatório possui natureza de atoregulamentador de caráter necessário e indis-pensável à instauração da licitação tendo comofinalidade básica reger a instauração do certa-me e seu processamento e fixar as condiçõesda futura contratação, tanto que o inciso III doartigo 40 da Lei no. 8.666/93 relaciona comorequisito obrigatório que a minuta do futurocontrato faça parte dos anexos do edital. Des-sa forma, diz-se que a figura do “carona” viola-ria estas funções e características do Instrumen-to convocatório.

O Tribunal de Contas da União, por inter-médio do Acórdão nº. 1.487/2007 deliberouquanto à utilização da Ata de Registro de Pre-ços pelos órgãos/entidades não participantes:

“Acórdão: VISTOS, relatados e discutidosestes autos de Representação da 4ª Secex,apresentada com base no art. 237, incisoVI, do Regimento Interno, acerca de possí-veis irregularidades na ata de registro depreços do Pregão nº. 16/2005, da Coor-denação-Geral de Recursos Logísticos doMinistério da Saúde, consoante o decididono Acórdão nº. 1927/2006 - 1ª Câmara.ACORDAM os Ministros do Tribunal deContas da União, reunidos em Sessão Ple-nária, ante das razões expostas pelo Relator,em:9.1. conhecer da presente representaçãopor preencher os requisitos deadmissibilidade previstos no art. 237, incisoVI, do Regimento Interno/TCU, e considerá-la parcialmente procedente;

9.2. determinar ao Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão que:9.2.1. oriente os órgãos e entidades daAdministração Federal para que, quandoforem detectadas falhas na licitação pararegistro de preços que possam comprome-ter a regular execução dos contratosadvindos, abstenham-se de autorizar ade-sões à respectiva ata;9.2.2. adote providências com vistas àreavaliação das regras atualmenteestabelecidas para o registro de preços noDecreto nº. 3.931/2001, de forma a esta-belecer limites para a adesão a registros depreços realizados por outros órgãos e enti-dades, visando preservar os princípios dacompetição, da igualdade de condiçõesentre os licitantes e da busca da maior van-tagem para a Administração Pública, ten-do em vista que as regras atuais permitema indesejável situação de adesão ilimitada aatas em vigor, desvirtuando as finalidadesbuscadas por essa sistemática, tal como ahipótese mencionada no Relatório e Votoque fundamentam este Acórdão;9.2.3. dê ciência a este Tribunal, no prazode 60 (sessenta) dias, das medidas adotadaspara cumprimento das determinações deque tratam os itens anteriores;9.3. determinar à 4ª Secex que monitore ocumprimento deste Acórdão;9.4. dar ciência deste Acórdão, Relatório eVoto, ao Ministério da Saúde, àControladoria Geral da União e à Casa Ci-vil da Presidência da República”.

Do voto do Ministro Relator pode-se ex-trair:

“7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, §3º, do Decreto nº. 3.931, de 19 de setem-bro de 2001, que permite a cada órgãoque aderir à Ata, individualmente, contra-tar até 100% dos quantitativos aliregistrados. No caso em concreto sob exa-

Page 91: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 85•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

me, a 4ª Secex faz um exercício de raciocí-nio em que demonstra a possibilidade realde a empresa vencedora do citado Pregão16/2005 ter firmado contratos com os 62órgãos que aderiram à ata, na ordem deaproximadamente 2 bilhões de reais, sen-do que, inicialmente, sagrou-se vencedorade um único certame licitatório para pres-tação de serviços no valor de R$ 32,0 mi-lhões. Está claro que essa situação é incom-patível com a orientação constitucional quepreconiza a competitividade e a observân-cia da isonomia na realização das licitaçõespúblicas.[...]10. Vê-se, portanto, que a questão recla-ma providência corretiva por parte do ór-gão central do sistema de serviços gerais doGoverno Federal, no caso, o Ministério doPlanejamento, Orçamento e Gestão, razãopela qual, acompanhando os pareceresemitidos nos autos, firmo a conclusão deque o Tribunal deva emitir as determina-ções preconizadas pela 4ª Secex, no intui-to de aperfeiçoar a sistemática de registrode preços, que vem se mostrando eficazmétodo de aquisição de produtos e servi-ços, de modo a prevenir aberrações taiscomo a narrada neste processo.11. Faço pequeno acréscimo para incluir aCasa Civil da Presidência da República en-tre os destinatários da deliberação que viera ser adotada, visto que compete ao Chefedo Executivo Federal a expedição do De-creto regulamentador”.

No âmbito do AC-1487-32/07-P, e tratan-do especificamente de questão relacionada comadesão a Ata de Registro de preços, o TCU járessaltou que:

“6. Diferente é a situação da adesão ilimi-tada a atas por parte de outros órgãos.Quanto a essa possibilidade não regulamen-tada pelo Decreto nº 3.931/2001, comun-

go o entendimento da unidade técnica edo Ministério Público que essa fragilidadedo sistema afronta os princípios da compe-tição e da igualdade de condições entre oslicitantes”.

Em outra Decisão (AC-0668-18/05-P), oTCU fez algumas ressalvas a adesão a Registrode Preços, conforme se infere dos seguintes tre-chos:

“32. Com relação à utilização do Sistemade Registro de Preços, após analisar maisdetidamente a matéria, entendo, a despei-to da lição extraída da obra de Marçal JustenFilho (item 27 e 28 supra), que, em respei-to ao interesse público, seria possível, comalgumas ressaltas, sua aplicação no caso emanálise. Vislumbro que o interesse públicona utilização do SRP estaria representadona economia de escala e na conseqüenteredução do preço médio contratado, secomparado àquele que seria obtido emcontratações isoladas. Entretanto, confor-me registrado, a aplicação do sistema de-verá ter alcance restrito, também em aten-ção ao interesse público, na forma a seguirdisposta.33. Pelas razões expostas nos itens 24, 29e 30 supra, entendo que seria convenientea utilização de SRP no presente caso, comfundamento no art. 2º, inciso III, do De-creto 3.931/2001, desde que esse alcan-çasse apenas os órgãos participantes, nãosendo estendido aos demais órgãos/entida-des da Administração.34. Uma vez que os órgãos participantesdo SRP devem encaminhar, no início docertame, os dados referentes às suas ne-cessidades, o que, caso o edital seja elabo-rado sem as contradições/obscuridadesapontados nesta Proposta de Deliberação,possibilitará a formulação, pelas licitantes,de propostas coerentes com o conjunto dosassistidos, distribuídos entre o Ministério da

Page 92: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

86 •

• PARECER

Cultura e suas entidades vinculadas, emrelação a esses órgãos/entidades o SRP aten-derá ao interesse público, mostrando-seconveniente sua aplicação.35. Com relação aos demais órgãos daAdministração, consoante exposto no item24 supra, considerando a natureza com-plexa/singular do objeto licitado em rela-ção aos diversos fatores que definem o custodo serviço, não é conveniente que venhama se utilizar da ata de registro de preços re-sultante da licitação em questão, uma vezque o preço ofertado para o Ministério daCultura dificilmente será o adequado paraqualquer outro órgão da Administração.Essa conclusão decorre das prováveis in-compatibilidades entre as necessidades dosórgãos, principalmente no que se refere àabrangência territorial ou área geográfica,à rede credenciada e à massa de assistidos.[...]38. É importante salientar que a prerroga-tiva insculpida no § 2º do art. 8º do Decre-to 3.931/2001 coloca em situação confor-tável a empresa beneficiária do SRP, que sóoptará pela aceitação do fornecimento aoutros órgãos da Administração quando lhefor conveniente. É claro que, diante dascaracterísticas do órgão não-participante doSRP, se não for vantajoso para a empresacontratar pelo preço registrado, ela recusa-rá. Por outro lado, quando a situação mos-trar-se vantajosa para a empresa, isto é,quando as características do órgão não-par-ticipante do SRP ensejarem um preço me-nor do que aquele registrado, a empresaaceitará contratar, em prejuízo da Admi-nistração. No presente caso, o complexoconjunto de fatores que definem o custodo objeto contratado deixa a Administra-ção em posição ainda mais delicada, tendoem vista a dificuldade que terá em definirexatamente qual seria o preço ideal dacontratação, para verificar, então, se o pre-ço registrado é ou não vantajoso.

39. Diante disso, entendo que a possibili-dade de adesão de outros órgãos na ata deregistro de preços referente ao objeto emquestão é fator de risco para a Administra-ção.40. Esse entendimento, a meu ver, nãoconstitui ofensa ao art. 8º do Decreto3.931/2001, que expressamente prevê autilização da ata de registro de preços porórgãos não-participantes do SRP, in verbis:‘Art. 8º A Ata de Registro de Preços, duran-te sua vigência, poderá ser utilizada porqualquer órgão ou entidade da Adminis-tração que não tenha participado do cer-tame licitatório, mediante prévia consultaao órgão gerenciador, desde devidamentecomprovada a vantagem’ (grifei).41. Registro que essa interpretação, ade-quando a aplicação do SRP a determinadasespécies de serviços, vai ao encontro do in-teresse público, e visa resguardar o própriosistema. Sobre esse ponto, cito mais umavez Marçal Justen Filho (ob. cit., página 155):‘(...) A aplicação do sistema relativamentea serviços apresenta algumas peculiarida-des e sua perfeita aplicação pode envolveralgumas dificuldades.Assim, a identificação das ‘unidades’ deserviço, para fins de registro, deve ser cau-telosa. É problemático produzir registro depreços para serviços de qualidade diversa eassim por diante. Por certo, a utilizaçãoconcreta do registro de preços para servi-ços envolverá problemas práticos impossí-veis de serem previamente cogitados. De-verão ser solucionados em face dos princí-pios gerais do instituto do Direito das Lici-tações’ (grifei).42. Entendo que, em homenagem ao prin-cípio da busca pela proposta mais vantajo-sa para a Administração, deva ser vedada autilização, por órgãos não-participantes doSRP, da ata de registro de preços referenteà contratação de operadora de plano deassistência à saúde”.

Page 93: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 87•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

Dessa forma, vê-se que, apesar de admitir,em um caso concreto, a adesão a Ata de Regis-tro de preços, o TCU desaconselhou a sua uti-lização por órgãos não participantes.

A admissão da adesão a Atas de Registrode preços por parte do TCU, com ressalvas,pode ser também observada no AC-1219-15/08-2, Rel. Min. Raimundo Carreiro - SegundaCâmara, do qual se transcreve o seguinte tre-cho:

“1.1. Determinar à Caixa de Financiamen-to Imobiliário da Aeronáutica (CFIAe) que:.................................................................................................................1.1.3 faça constar nas contratações reali-zadas mediante adesão a ata de registro depreços, que nos respectivos processoslicitatórios realizados pela unidade:a) que a contratação a ser procedida sejaacompanhada de justificativa que atendaao interesse da administração, sobretudoquanto aos valores praticados, conformepreceitua o art. 3º, § 4º, inciso II, do De-creto nº 3.931/2001 (Acórdão nº 555/2007- TCU 1ª Câmara, subitem 2.3.2);b) justificativa contendo o diagnóstico danecessidade da aquisição;c) ampla pesquisa de mercado, em equi-pamento equivalente ou similar, de formaa atender o disposto no § 1º do art. 15 daLei nº 8.666/1993;”

Apreciando o tema relacionado com a “ca-rona” no Sistema de Registro de Preços, o Tri-bunal de Contas do Estado de Mato Grosso, noâmbito do Processo no. 29513/2009, atenden-do ao quanto fixado por sua Consultoria Téc-nica, no Parecer no. 015/CT/2009, admitiu talpossibilidade, respeitados, todavia, determina-dos pressupostos, conforme se segue:

“1. Admite-se a contratação por órgãos eentidades que não participaram da licita-ção resultante no registro de preço, nos li-

mites fixados no decreto regulamentador,a ser editado pelos entes (estadual e muni-cipais mato-grossense), nos termos do dis-posto no art. 15, § 3º da Lei nº 8.666/93,desde que motivada pela economicidade eeficiência para a Administração Pública.2. Em caso de silêncio na norma específica,mostra-se razoável limitar a adesão à atade registro de preço em até 25% do quan-titativo. 3. Afronta os princípios da competição eda igualdade de condições entre os licitan-tes a adesão ilimitada à ata de registro depreço.4. Observa o princípio da eficiência apenasas contratações em que o objeto contrata-do atende qualitativamente as necessida-des do órgão ou entidade ‘carona’”.

O fundamento para tanto foi explicitadonos seguintes termos:

“Em tese, é razoável admitir a figura do ‘ca-rona’ quando isso representar economici-dade e eficiência para a Administração Pú-blica, pois esses lhe são princípios caros, oque somente poderá ser aferido em cadacaso concreto. De todo o exposto, entende-se pela possi-bilidade de contratação pela Câmara Mu-nicipal de Cuiabá ou por qualquer órgãoou entidade alheios ao registro de preço,ou seja, que não realizaram a licitação, nemmesmo como órgão participante, desde queobservados os limites quantitativos previa-mente definidos no decreto regulamentadormunicipal para essa adição, sob pena deviolar os princípios da competição e da igual-dade de condições entre os licitantes (art.37, inciso XXI da Constituição Federalcumulado com o previsto nos arts. 3º e 4ºda Lei de Licitação)”.

O Tribunal de Contas do Estado do Tocantinsjá aderiu a Sistema de Registro de Preços, de

Page 94: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

88 •

• PARECER

outro ente (Procuradoria Geral da República),conforme Resolução nº 529/2008-TCE-Pleno,da qual se destaca o seguinte trecho:

“8.3. Considerar formalmente legal a Ade-são, pelo Tribunal de Contas do Estado doTocantins, à Ata de Registro de Preços nº019/2007, decorrente do Pregão para Re-gistro de Preços nº 072/2007, realizado pelaProcuradoria Geral da República, onde fi-gura como contratante o Tribunal de Con-tas do Estado do Tocantins e como contra-tada a empresa LENOVO TECNOLOGIADO BRASIL LTDA;8.4. Alertar o responsável que, doravante,nas próximas Adesões ao SRP realizado poroutros órgãos/instituições, não deixe de jun-tar cópia da publicação do Extrato da Notade Empenho no DOE, considerando quetal procedimento trata-se de exigência pre-vista no Art. 2º da Lei 8.666/93".

3- CONCLUSÃO

Dessa forma, ainda que se admita possível,em tese, a adesão a Ata de Registro de Preçospor outros órgãos da Administração Pública, asua aplicação deve sujeitar-se a determinadascondições, não se podendo, admitir adesões ili-mitadas e sem qualquer controle, conformereconhecido, até mesmo, por quem defende aadmissibilidade da propalada “carona”.

No caso específico de que ora se cuida,tem-se que existe um Sistema de Registro dePreços em vigor no âmbito da AdministraçãoPública do Município do Salvador, conformeDecreto nº 14.150, de 2003, e ali não constaautorização para que entes municipais possamvir a aderir a Atas de Registro de Preços de ou-tro Estado ou Município. O que se admite é queos entes municipais possam vir a criar e admi-nistrar seus próprios Registros de Preços, denatureza não sistêmica e para atendimento desuas finalidades específicas (art. 6º, parágrafo

segundo, do mencionado Decreto, inserido peloArt. 1° do Decreto n° 15.098, de 2004).

Assim sendo, da mesma forma que seelencam razões para não se admitir a propalada“carona”, com base no princípio da legalidade,pode-se erigir tal princípio como obstáculo àpretensão da ......., na medida em que inexistenorma municipal que autorize e regulamentetal questão. De mais a mais, e conforme bemlembrado pela Senhora Subprocuradora Geraldo Município do Salvador, em seu despacho defls. 07, in fine, uma pura e simples adesão aSistema de Registro de Preços de outro Municí-pio ou de Estado, existindo um Sistema no pró-prio Município do Salvador, poderia ensejarafronta ao princípio da autonomia municipal.

S.M.J., é o Parecer

Salvador...

João Deodato Muniz de OliveiraProcurador do Município

Page 95: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 89•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

Parecer proferido nos autos do ProcessoAdministrativo nº 827/2009 acerca dapossibilidade de elaboração de projeto delei de arrecadação de imóveis urbanos,abandonados há mais de cinco (5) anos,sem pagamento de indenização

Karla Letícia Passos LimaProcuradora do Município do Salvador

PALAVRAS-CHAVE: arrecadação, imóveis, urbanos, abandonados, in-denização.

SUMÁRIO1. RELATÓRIO2. ANÁLISE JURÍDICA E COMPARADA DO TEMA3. CONCLUSÃO

1. RELATÓRIO

O presente processo nos foi encaminhadopara análise e parecer acerca de o e-mail envi-ado ao Excelentíssimo Prefeito desta Capital,pelo Advogado, Doutor ..., apresentando par-te de projeto de lei para arrecadação de imó-veis, sem pagamento de indenização, abando-nados há mais de cinco (5) anos e sem paga-mento dos impostos.

O processo teve início com o ofício de fo-lha 1, expedido pela Chefia de Gabinete doExcelentíssimo Prefeito, expedido para dar co-nhecimento do documento ao ExcelentíssimoChefe da Casa Civil.

À folha 6, os autos foram remetidos a estaPGMS, mais especificamente para a PROFI.

Pelo ilustre Procurador deste Município,Doutor Pedro Leonardo Summers Caymmi, foiemitido o parecer de folhas 7 a 9. No opinativo,o Colega aduziu, em síntese, que o projeto defolhas 4 se baseia no artigo 1.276 do Código Ci-vil; tratando-se de medida administrativa de ges-tão do patrimônio e meio ambiente urbano, eelencou quais os requisitos para a suaimplementação, a saber: a) o imóvel deve serurbano, b) o imóvel deve ter sido abandonadopelo proprietário, c) o imóvel deve ser arrecada-do como bem vago, para três (3) anos depois, oMunicípio do Salvador assumir a titularidade.

Page 96: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

90 •

• PARECER

O d. Procurador ressaltou, ainda, que aexistência de ônus fiscais (débitos de IPTU/TRSD), por si só, não caracteriza o abandonoexigido pelo Código Civil, mas mero indício, umavez que o fato principal é o abandono. Adver-tiu ainda que a perda integral do direito de pro-priedade pelo inadimplemento tributário carac-terizaria confisco, vedado pelo artigo 150, incisoIV, da Constituição Federal.

Assinalou, por último, que, em se tratandode questão relativa ao patrimônio municipal emeio ambiente urbano, deveria ser ouvida aProcuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio,Urbanismo e Obras – PROAPO.

Os autos foram, então, redirecionados aesta PROAPO para apreciação e emissão deparecer.

Relatados, assim, os principais fatos do pro-cesso, passo, agora, à análise do quanto questi-onado.

2. ANÁLISE JURÍDICA E COMPARADADO TEMA

O Código Civil de 2002 dispôs acerca doabandono de bem imóvel – heterodoxa formade perda voluntária da propriedade –, e da pos-sibilidade de arrecadação pelo Município, emseu artigo 1.276, caput e parágrafos:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o propri-etário abandonar, com a intenção de nãomais conservar em seu patrimônio, e quenão se encontrar na posse de outrem, po-derá ser arrecadado, como bem vago, epassar, três anos depois, à propriedade doMunicípio ou a do Distrito Federal, se seachar nas respectivas circunscrições.§ 1º. O imóvel situado na zona rural, aban-donado nas mesmas circunstâncias, pode-rá ser arrecadado, como bem vago, e pas-sar, três anos depois, à propriedade da

União, onde quer que ele se localize.§ 2º. Presumir-se-á de modo absoluto aintenção a que se refere este artigo, quan-do, cessados os atos de posse, deixar o pro-prietário de satisfazer os ônus fiscais.

O dispositivo elenca os dois (2) requisitospara a caracterização do abandono:

1º) o abandono, pelo proprietário, com aintenção de não mais conservar em seupatrimônio, e que o imóvel não se encon-tre na posse de outrem;

2º) o proprietário deixar de satisfazer os ônusfiscais, após cessados os atos de posse.

Grande avanço deste artigo 1276, em rela-ção ao artigo 589, parágrafo segundo, alínea“a” do revogado Código Civil de 1916, foi a re-dução do prazo de dez (10) anos para imóveislocalizados na zona urbana, para o prazo úni-co de três anos para imóveis abandonados ur-banos e rurais, a serem incorporados pelo Po-der Público como bem vago.

Trecho do artigo da ilustre Procuradora doMunicípio de Porto Alegre, Alexandra GiacometPEZZI, publicado no Jornal do Comércio, edi-ção de 4 de janeiro de 2005, página 6, intituladoAlcance do art. 1276 do novo Código Civil, re-sume a intenção do legislador na redação doartigo em comento:

“A intenção do legislador foi nobre: a imple-mentação de uma política habitacional,como previsto nos artigos 182 e 183, daConstituição Federal. Desde 1988, com apromulgação da Carta, a propriedade dei-xou de ser encarada como um direito ab-soluto, quase sagrado.”

Deste modo, claro está que o dispositivocivil foi inserido em perfeita consonância com oartigo 5º, inciso XXIII, o artigo 170, inciso III, e

Page 97: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 91•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

o artigo 182, § 2º, todos da Constituição Fede-ral, que tratam da função social da proprieda-de, bem como com a norma constitucional re-petida no artigo 39 da Lei nº 10.257/01 – Esta-tuto da Cidade, que dispõe que a propriedadeurbana cumpre sua função social quando aten-de às exigências fundamentais de ordenação dacidade expressas no plano diretor:

A propriedade atenderá a sua função so-cial. (art. 5º, inc. XXIII, CF)

A ordem econômica, fundada na valoriza-ção do trabalho humano e na livre iniciati-va, tem por fim assegurar a todos existên-cia digna, conforme os ditames da justiçasocial, observados os seguintes princípios:(...) função social da propriedade. (art. 170,inc. III, CF)

A propriedade urbana cumpre sua funçãosocial quando atende às exigências funda-mentais de ordenação da cidade expressasno plano diretor. (art. 182, § 2º, CF)

A propriedade urbana cumpre sua funçãosocial quando atende às exigências funda-mentais de ordenação da cidade expressasno plano diretor, assegurando o atendi-mento das necessidades dos cidadãosquanto à qualidade de vida, à justiça sociale ao desenvolvimento das atividades eco-nômicas, respeitadas as diretrizes previstasno art. 2o desta Lei. (art. 39, Lei nº 10.257/01- Estatuto da Cidade)

Ademais, o PDDU 2007 (Lei nº 7.400/08)estabelece, no artigo 7º, parágrafos primeiro esegundo, que os imóveis localizados no Municí-pio do Salvador devem cumprir a sua funçãosocial:

Art. 7° São princípios da Política Urbanado Município:(...)

§ 1º A função social da cidade no Municí-pio do Salvador corresponde ao direito àcidade para todos, o que compreende osdireitos à terra urbanizada, moradia, sane-amento básico, segurança física epsicossocial, infra-estrutura e serviços pú-blicos, mobilidade urbana, ao acesso uni-versal aos espaços e equipamentos públi-cos e de uso público, educação, ao traba-lho, cultura e lazer, ao exercício da religio-sidade plena e produção econômica.§ 2º A propriedade imobiliária urbana cum-pre sua função quando, em atendimentoàs funções sociais da cidade e respeitadasas exigências fundamentais doordenamento territorial estabelecidas noPlano Diretor, forem utilizadas para:I - habitação, principalmente Habitação deInteresse Social, HIS;II - atividades econômicas geradoras deoportunidades de trabalho e renda;III - infra-estrutura, equipamentos e servi-ços públicos;IV - conservação do meio ambiente e dopatrimônio cultural;V - atividades de cultos religiosos;VI - atividades do terceiro setor.

Armando Antônio LOTTI, Procurador deJustiça do Estado do Rio Grande do Sul, tratoude forma bastante elucidativa o tema acerca danatureza da originária da aquisição pelo entepúblico do imóvel abandonado e a necessida-de, no plano registral, da abertura de uma novamatrícula:

“Essa ausência de transmissão de um sujei-to para outro faz com que a aquisição porparte do ente público tenha contorno deaquisição originária, passando a coisa aban-donada ao patrimônio público em toda asua plenitude, surgindo sem dependênciacom qualquer relação anterior, não sofren-do as limitações impostas aos antecessores

Page 98: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

92 •

• PARECER

do proprietário. Gera, no plano registral,por consequência, a abertura de matrículanova, inaudita.”

LOTTI ainda sugere a “aplicação, no quecouber, por extensão analógica, das regrasprocedimentais relativas à herança jacente, ci-tando como exemplo a Lei Municipal nº 785/2005 de Camaquã, município situado na re-gião sul do Estado do Rio Grande do Sul, queregulamentou o procedimento de arrecadaçãode imóveis urbanos abandonados, de acordocom os artigos 1.275 e 1.276 do Código Civil, asaber:

Art. 1º. O procedimento para encampaçãoe arrecadação de imóveis urbanos aban-donados, nos termos do artigo 1.275, III, e1.276, ‘caput’ e parágrafo 2º, do CódigoCivil, dar-se-á de acordo com o dispostonesta lei, aplicando-se, nos casos de omis-são, as normas previstas no Código de Pro-cesso Civil que regulam a herança jacente(arts. 1.142 e 1.158) no que couber.Art. 2°. Poderá haver a encampação e ar-recadação de imóvel urbano quando con-correrem as seguintes circunstâncias:I – o imóvel encontrar-se abandonado;II – o proprietário não tiver mais a intençãode conservá-lo em seu patrimônio;III – não estiver na posse de outrem;IV – cessados os atos de posse, estar o pro-prietário inadimplente com o pagamentodo Imposto Predial Territorial Urbano;Parágrafo único: Há presunção de que oproprietário não tem mais intenção de con-servar o imóvel em seu patrimônio quan-do, cessados os atos de posse, não satisfi-zer os ônus fiscais.Art. 3º. O procedimento será iniciado deofício ou mediante denúncia.§ 1º. A fiscalização municipal fará de ime-diato relatório circunstanciado, descreven-do as condições do bem, e lavrará autosde infração à postura do Município.

§ 2º. Além dos documentos relativos aosautos e diligências previstas no parágrafo an-terior, o processo administrativo também seráinstruído com os seguintes documentos:I – requerimento ou denúncia que moti-vou a instauração do procedimento de ar-recadação, quando houver;II – certidão imobiliária atualizada;III – prova do estado de abandono;IV – termo declaratório dos confinantes,quando houver;V – certidão positiva de ônus fiscais.Art. 4º. Atendidas as diligências previstas noart. 3º e evidenciadas as circunstâncias men-cionadas no art. 2º desta lei, o Chefe doPoder Executivo Municipal decretará aencampação e arrecadação do imóvel, fi-cando este sob guarda do Município.Art. 5º. Será dada publicidade ao decretomediante a publicação da íntegra de seuconteúdo no átrio do prédio-sede da pre-feitura e em jornal de circulação local, de-vendo, também, ser afixado edital junto aoprédio encampado, em local visível.Parágrafo único: A publicidade do atooportunizará o contraditório e a ampladefesa.Art. 6º. Decorridos três anos da data daúltima publicação em jornal de circulaçãolocal, se não manifestada expressamente aintenção do proprietário em manter o bemem seu patrimônio, fazendo para tanto orecolhimento dos respectivos tributos, opagamento de multa por infração à Postu-ra Municipal e o ressarcimento de eventu-ais despesas realizadas pelo Município, obem passará à propriedade do Município,na forma do artigo 1.276 do Código CivilBrasileiro.Art. 7º. A Procuradoria-Geral do Municí-pio adotará, de imediato, as medidas judi-ciais cabíveis para regularização do imóvelarrecadado na esfera cartorial.Art. 8º. O imóvel arrecadado que passar àpropriedade do Município poderá ser em-

Page 99: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 93•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

pregado diretamente pela Administração ouser objeto de concessão de direito real deuso a entidades civis que comprovadamentetenham fins filantrópicos, assistenciais,educativos ou esportivos.Art. 9º. Essa lei também se aplica aos casosem que, antes de sua entrada em vigor, oimóvel urbano, por se encontrar nas con-dições descritas no art. 2º, tenha sido sub-metido à guarda do Município, medianteprocedimento realizado com observânciados artigos 3º, 4º e 5º desta lei, contando-se a partir da publicação do respectivo atoo prazo de três anos aludido pelo art. 6º.Art. 10. Esta lei entre em vigor na data dasua publicação. Camaquã, 30 de dezem-bro de 2005.”

Mister que se indique a louvável precauçãoque teve a lei acima transcrita, do Municípiogaúcho de Camaquã, de assegurar a publicida-de dos atos praticados, a fim de possibilitar oexercício do contraditório e da ampla defesa.

Pesquisando acerca do tema, verificou-seque o município fluminense de Niterói promul-gou, recentemente, sua lei municipal dispondosobre a arrecadação de imóveis abandonadose que deixaram de satisfazer seus ônus fiscais,ressalvando, inclusive, a destinação dos imóveispara implantação de programas habitacionaispopulares e de regularização fundiária e urba-nística, mediante a concessão de direito real deuso, conforme segue o inteiro teor da referidaLei:

Lei n° 2550, de 14 de maio de 2008A Câmara Municipal de Niterói decreta eeu sanciono e promulgo a seguinte Lei:Dispõe sobre diretrizes e providências paraa arrecadação, por parte do Município deNiterói, de bem imóvel urbano abandona-do, com fundamento no artigo 1.276 doCódigo Civil Brasileiro, dando-lhe prioritáriadestinação social.

Art. 1º - O imóvel urbano abandonado, quenão se encontre na posse de terceiros e cujoproprietário seja inadimplente com o Muni-cípio, no que tange ao não pagamento dodevido IPTU (Imposto Predial e TerritorialUrbano), poderá ser arrecadado, como bemvago, passando após três anos, à proprieda-de do município, nos termos do artigo 1.276do Código Civil Brasileiro.Parágrafo único – O procedimento paraarrecadação de bem imóvel descrito nocaput obedecerá ao disposto nos artigos1.170 e seguintes do Código de ProcessoCivil Brasileiro, no que for aplicável.Art. 2º - Os imóveis enquadrados como emestado de abandono serão identificados ecadastrados pelo órgão público municipalcompetente, constando nos respectivos ca-dastros, informações pormenorizadas so-bre a sua atual situação fiscal.Art. 3º - Os imóveis urbanos abandona-dos, arrecadados como vagos e incorpora-dos ao patrimônio imobiliário do Municí-pio, serão prioritariamente destinados àimplantação de programas habitacionaispopulares e de regularização fundiária eurbanística.Art. 4º - As famílias destinatárias dos proje-tos sociais a que se refere o artigo anteriorcelebrarão contratos administrativos com oMunicípio, cujo objetivo consistirá em con-cessão de direito real de uso, após préviaobservância do procedimento administra-tivo a ser seguido, prevendo requisitos econdições jurídicas pessoais essenciais à ce-lebração e vigência do supracitado instru-mento formal de utilização de bem públi-co, além de disposições quanto ao uso dosolo urbano, às limitações administraçõesadministrativas específicas para a área e orespeito ao meio ambiente e os direitos devizinhança, estes consubstanciados nos ar-tigos 1.277 e seguintes do Código Civil.§ 1º – Para efeitos desta Lei, concessão dedireito real de uso é o instituto de direito

Page 100: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

94 •

• PARECER

público pelo qual o Município concederá,por meio de um contrato administrativo, ouso de imóvel urbano abandonado – in-corporado ao patrimônio público munici-pal, ao ter sido arrecadado como bem vagoà família interessada, cuja situação esteja emperfeita conformidade com os dispositivosexpostos, sendo certo que o imóvel rever-terá à Administração concedente se o con-cessionário ou seus sucessórios não lhe de-rem o uso prometido ou o desviarem desua finalidade contratual.§ 2º - Serão condições e requisitos essenci-ais a que se refere o caput, sem prejuízo deoutras pertinentes exigências a seremestabelecidas, para que as famílias de bai-xo poder aquisitivo, sejam beneficiadas comos programas a serem implantados por estaLei.I – não desfrutar de outra espécie de utili-zação de bem público;II – não possuir bem imóvel, nem direitoreal sobre imóvel urbano ou rural;III – possuir renda familiar incompatível coma possibilidade de adquirir um imóvel;IV – utilizar o imóvel concedido, exclusiva-mente, para fins de moradia e habitaçãoda família, cumprindo assim sua destinaçãoespecífica e fazendo com que o referidoatenda sua devida função social.Art. 5º - O Poder Executivo Municipal, noque couber, regulamentará a presente Lei.Art. 6º - Esta Lei entra em vigor na data desua publicação, revogadas as disposições emcontrário.Prefeitura Municipal de Niterói, 14 de maiode 2008.Godofredo Pinto – Prefeito(Proj. n° 157/05 – Aut. Ver.: José Vitor VieiraBissonho Júnior)

Ainda, na realização da pesquisa sobre otema se verificou que, dentre outros, os muni-cípios de Florianópolis (PL nº 13.393/2009,autor: Vereador Jaime Tonello) e Curitiba (PL

nº 28/2004, autor: Vereador André Passos) jápossuem projetos de lei que regulamentam aarrecadação prevista nos artigos 1.276 e 1277do Código Civil.

3. CONCLUSÃO

Assim, com base nas razões expostas e nosdispositivos legais transcritos, opina-se pela POS-SIBILIDADE DE ELABORAÇÃO DE PROJETODE LEI para regulamentar o quanto dispostono artigo 1.276 do Código Civil, a ser submeti-do à aprovação da Câmara Municipal, para queo Município do Salvador possa arrecadar comobem vago os imóveis em estado de abandonopelo proprietário. Sugere-se ainda que o proje-to de lei não se olvide de observar que:

1. o imóvel esteja abandonado, pelo pro-prietário, com a intenção de não maisconservá-lo em seu patrimônio;

2. o imóvel não se encontre na posse deoutrem;

3. após cessados os atos de posse, o pro-prietário tenha deixado de satisfazer osônus fiscais;

4. seja dada publicidade aos atos do pro-cedimento;

6. seja assegurado aos proprietáriosderreliquentes o contraditório e a am-pla defesa;

7. os imóveis passem para a propriedadedo Município ao final do decurso doprazo de três (3) anos;

8. em razão da natureza da originária daaquisição da propriedade pelo ente pú-blico, há necessidade, no planoregistral, da abertura de uma novamatrícula imobiliária;

Page 101: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 95•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

9. seja estipulada na lei a destinaçãoprioritária dos imóveis arrecadados.

Por fim, vale ressaltar, ainda, que adestinação dos imóveis dada pela Lei n° 2550,de 14 de maio de 2008, do Municípiofluminense de Niterói (acima transcrita) – im-plantação de programas habitacionais popula-res e de regularização fundiária e urbanística –alcança plenamente a função social da proprie-dade urbana.

É o parecer.

Salvador, 28 de setembro de 2009.

REFERÊNCIAS

LEI N° 2550 de 14 de maio de 2008. Disponí-vel em <http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/arquivos-e-ima-gens -ocu l to /LE I%20ABANDONO%20-%20NITEROI.doc.>. Acesso em 28/09/2009.

LOTTI, Armando Antônio. Abandono de bem

imóvel e a derrelição presumida. Disponível em<htpp://www.mp.rs.gov.br/urbanistico/doutri-na>. Acesso em 23/09/2009.

PEZZI, Alexandra Giacomet. Alcance do art.

1276 do novo Código Civil, Porto Alegre: Jor-nal do Comércio, edição de 4 de janeiro de2005, página 6.

PL nº 13.393/2009. Disponível em <http://www.jaimetonello.com.br/>. Acesso em 28/09/2009.

PL nº 28/2004. Disponível em < http://www.cmc.pr.gov.br/>.Acesso em 28/09/2009.

Page 102: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

96 •

• PARECER

Parecer nº 35/2010

Rafael Carrera FreitasProcurador do Município do SalvadorMestre em Direito Público pela UFBA.

PROCESSO: ..........INTERESSADO: ...........CONSULENTE: ...........ASSUNTO: PRAZO PARA RESPOSTAS NA VIA ADMINISTRATIVA – ART.108 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DO SALVADOR

Ementa: O prazo de 20 (vinte) dias úteis fixado na Lei Orgânica doMunicípio do Salvador deve ser interpretado em conformidade com oart. 49 da Lei 9.784/99, Lei de Processo Administrativo, que admite aextensão do prazo quando devidamente motivadas as circunstânciasda dilação temporal. Dessa forma, o prazo de 30 (trinta) dias previstosna Lei 9.784/99 abre caminho para a aplicação do art. 108 da LOM,norma especial e de procedimento. A resposta ao direito de petiçãopoderá ser postergada a bem da segurança das informações que serãodirigidas aos cidadãos e/ou órgãos representativos. Devem o Requeren-te e a Administração estar atentos às divergências de prazos em razãoda fase processual ou mesmo em razão do tipo de Processo. O prazopara a decisão acerca de um requerimento ou esclarecimento ou pro-vocação de qualquer cidadão ou ente Representativo no âmbito daAdministração Pública Municipal, salvo os processos especiais, é de 20dias úteis prorrogáveis por outros 20 dias úteis a contar da superaçãoda fase instrutória, não podendo ultrapassar 60 (sessenta) dias corridos.O início do prazo coincide com a data em que os autos são colocados àdisposição da autoridade competente para emitir a decisão. Esclareçoque este prazo não deve ser confundido com o tempo total consumidopor um processo, pois este depende de características que variam decaso a caso, além do que, neste tempo total deve se computar ainda asfases: postulatória e instrutória.

Page 103: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 97•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

I – Consulta / Breve Relatório

1.1 Honra-nos o ........... com a consultaora formulada no sentido de perquirir a respei-to do prazo de 20 dias úteis estipulado no art.108 da Lei Orgânica do Município do Salvador(LOM) para que o Poder Público possa mani-festar-se acerca de requerimentos formuladospelos cidadãos e ou entes Representativos, aexemplo de Sindicatos ou Associações.

1.2 A instrução do processo apenas con-templa o pedido de esclarecimento do .........acerca do ponto acima colocado. Registre-seque, ao contrário, do que menciona o art. 108da LOM, na petição de fls. 01 assinada peloCoordenador Jurídico da entidade, fez-se cons-tar o prazo de 20 (vinte) dias e não de 20 (vin-te) dias úteis.

1.3 O requerimento foi dirigido ao ...........que ao endereçá-lo à ........., esta, por sua vez,o encaminhou para análise desta PGMS.

1.4 Nada mais havendo, o tema está naordem dos desafios da EADTR/PROCAT.

II - Fundamentação

2.1. A indagação do ........... tem por baseos art. (s) 107 e 108 da Lei Orgânica do Muni-cípio do Salvador. Tomemos, portanto, conhe-cimento do que tratam estes diplomas:

Art. 107. O Município assegurará a todosos cidadãos o direito de:I - receber dos órgãos públicos informaçõesde seu interesse particular ou de interessecoletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujosigilo seja imprescindível à segurança dasociedade e do Estado;II - obter nas repartições públicas, indepen-dentemente do pagamento de taxas, certi-dão de atos, contratos, decisões e parece-res, para defesa de direitos e esclarecimen-tos de situações de interesse pessoal;

III - peticionar aos poderes públicos, inde-pendentemente do pagamento de taxas,em defesa de direito ou contra ilegalidadeou abuso de poder.Art. 108. As informações, esclarecimentosou certidões a que se refere o artigo ante-rior serão fornecidos pela administraçãono prazo máximo de vinte dias úteis, sobpena de responsabilidade da autoridadeou servidor que negar ou retardar a pres-tação ou expedição.Parágrafo Único. No mesmo prazo a ad-ministração deverá atender às requisiçõesjudiciais, se outro não for fixado pela auto-ridade judiciária.

2.2. Análogo ao princípio da demanda, naesfera administrativa pode se falar no princípioda petição ou o direito de petição. O professorJosé Afonso da Silva em seu Curso de DireitoConstitucional Positivo afirma: o direito de peti-ção tem como corolário o dever de resposta daAdministração. De igual sorte, Manoel Gonçal-ves Ferreira Filho e Temístocles BrandãoCavalcanti seguem a mesma posição, reforçan-do o direito do administrado quanto ao exercí-cio do direito à demanda perante a administra-ção pública. Os três depoimentos estão trans-critos no texto de Fábio Nadal Pedro intituladoDo Direito de Petição e Obtenção de Certidõesnas Repartições Públicas publicado no site doUOL (http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1982):

“Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “odireito de petição é aquele pelo qual qual-quer um faz valer junto à autoridade com-petente a defesa de seus direitos ou do in-teresse coletivo (5). Sobre o campo deabrangência de tal instituto, TemístoclesBrandão Cavalcanti assevera que “o direitode petição é amplo, devendo a autoridadepública encaminhar esse pedido em formaa que sejam apuradas as irregularidadesapontadas. Para tanto, reconhece também,

Page 104: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

98 •

• PARECER

a todos os cidadãos, o direito de ser partelegítima, em qualquer processo administra-tivo ou judicial, destinado a apurar os abu-sos de autoridade e a promover a sua res-ponsabilidade (6).” Todavia, conformeescólio de José Afonso da Silva, “a Consti-tuição não prevê sanção à falta de respostae de pronunciamento da autoridade, masparece-nos certo que ela pode serconstrangida a isso por via do mandado desegurança (7), quer quando se nega expres-samente a pronunciar-se quer quando seomite; para tanto é preciso que fique bemclaro que o peticionário esteja utilizandoefetivamente o direito de petição, o que secaracteriza com maior certeza se for invo-cado o art. 5º, XXXIV, “a”. Cabe, contudo,o processo de responsabilidade administra-tiva, civil e penal, quando a petição visa cor-rigir abuso, conforme disposto na Lei 4.898/65.”(8)

2.3. A LOM não é o único DiplomaNormativo a reger o processo administrativomunicipal. O próprio processo administrativodisciplinar regido pela LC 01/91 contempla pra-zos distintos. A despeito de a sindicância serprocedimento e não processo, só a guisa deexemplo, deverá ser instaurada em 3 (três) diase o processo administrativo disciplinar, cuja re-gularidade depende de prévia oportunidadepara o contraditório e a ampla defesa, deveráser concluído em 60 (sessenta) dias.

2.4. O processo administrativo tributárioadmite também prazos especiais (vide Lei 7.186/2006, Código Tributário e de Rendas do Muni-cípio do Salvador), de igual forma acontece comvários procedimentos investigatórios, a exem-plo de tomada de contas especial (TCE). Os pro-cessos que decorrem do poder de polícia doMunicípio também demandam regras específi-cas (Lei 9.099/2005 – Código de Policia Admi-nistrativa). Enfim, a generalização ou universa-lização do prazo previsto no art. 108 da LOM é

contrária ao bom senso e ofende vários diplo-mas normativos municipais.

2.5. A natureza jurídica da LOM équestionável, sendo para alguns doutrinadoresuma verdadeira Constituição Municipal. Esseponto de vista parece ser verdadeiro para oDistrito Federal, cujas características se asseme-lham ao Estado (Vide STF - ADI 980-0 – DF,Min. Celso de Mello).

2.6. Já para os demais Municípios, a Cartade 1988, em seu art. 29, foi categórica em rela-cionar as matérias que estariam afetas à LOM,não incluindo o procedimento administrativomunicipal. Leis ordinárias municipais podem –em nosso ponto de vista – desde que não tra-tem de uma das matérias reservadas à LOM:revogar, derrogar ou modificar dispositivo da LeiOrgânica.

2.7. As Leis especiais municipais, portanto,que vieram ao longo dos anos tratando de pro-cedimentos administrativos especiais – váriasdelas aqui já mencionadas – são – em nossoentender – válidas.

2.8. Outro aspecto importante que deveser levado em consideração quanto ao tratodesta temática diz respeito à aplicação da Lei9.784/99, “Lei de Processo Administrativo Fe-deral”. Nesse âmbito também residem algumasdúvidas se a Lei de cunho inicialmente federal éaplicável ou não a Estados, Municípios e Distri-to Federal.

2.9. Dois argumentos me parecem conclu-sivos no sentido de que a Lei 9.784/99 vai alémda trincheira federal: (a) competência privativada União para legislar em termos de processo(art. 22, I) e; (b) a forma como a ConstituiçãoFederal de 1988 (art. 22, XXVII) disciplinou acompetência da União para legislar em termosde Licitação, que é um processo administrativo,entregando à União a definição de normas ge-

Page 105: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 99•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

rais e a Estados, Municípios e Distrito Federal adefinição de normas específicas.

2.10. A tradição de um Direito baseado nosistema da “Civil Law” tem dificultado o uso dométodo indutivo para a solução de diversos pro-blemas jurídicos no Brasil. Deixado em segun-do plano, o método indutivo é muito útil naresolução de problemas como este. Esse é umcaso onde a Constituição não foi clara e genéri-ca quanto à competência para legislar em ter-mos de processo administrativo; porém, deixouuma dualidade presente: a primeira, a de quecompete à União legislar sobre normas proces-suais e a segunda de que a Carta Maior consa-grou o princípio da autonomia dos entesfederados, onde incluímos também os Municí-pios.

2.11. Como não pode haver antinomiasreais dentro do sistema jurídico, isto é, duasnormas não podem se “anular”, há de se en-contrar o caminho do meio, do equilíbrio. Essaalternativa que está também impregnada nosensinamentos budistas é um indicativo claro deque a solução do impasse pode estar – comoacreditamos que de fato está – na interpreta-ção ampliativa do inciso XXVII do art. 22 da CF/88.

2.12. A orientação, portanto, é de aplica-ção da Lei 9.784/99, Lei de Processo Adminis-trativo, também em âmbito estadual, munici-pal e distrital naquilo que possui de normas decaráter geral, porque, por exemplo, há disposi-tivos de cunho procedimental no próprio Di-ploma Normativo citado que se aplicam, emprincípio, apenas à União. Do contrário, esta-ria comprometida a autonomia das demais en-tidades federadas. Vejamos a colocação de Fá-bio Barbalho Leite:

“Antes de continuar, uma questão mereceesclarecimento: porque o disposto pelo art.54 da Lei 9.784/1999, teria relevância

normativa (não por expediente integrativo,mas por direta incidência) para oregramento da estabilização dos atos ad-ministrativos supostamente viciados produ-zidos por entes federativos distintos daUnião Federal? O esclarecimento se faz comremissão ao que constatado anteriormen-te: é normação federal aquela competentepara dispor sobre o prazo de acesso ao Ju-diciário (tema de direito processual) para ofito de invalidação dos atos administrativossupostamente viciados (...)” (LEITE, FábioBarbalho. Rediscutindo a Estabilização peloDecurso Temporal dos Atos Administrati-vos Supostamente Viciados. Revista Trimes-tral de Direito Público, nº 38. p. 76)

2.13. Um mesmo dispositivo pode contem-plar regras de cunho processual e regras de cu-nho procedimental. Exemplos desta assertiva sãoos art.(s) 24, 42 e 49, todos da Lei 9.784/99.

Art. 24. Inexistindo disposição específica,os atos do órgão ou autoridade responsá-vel pelo processo e dos administrados quedele participem devem ser praticados noprazo de cinco dias, salvo motivo de forçamaior.Parágrafo único. O prazo previsto neste ar-tigo pode ser dilatado até o dobro, medi-ante comprovada justificaçãoArt. 42. Quando deva ser obrigatoriamen-te ouvido um órgão consultivo, o parecerdeverá ser emitido no prazo máximo dequinze dias, salvo norma especial ou com-provada necessidade de maior prazo.§ 1º Se um parecer obrigatório e vinculantedeixar de ser emitido no prazo fixado, oprocesso não terá seguimento até a respec-tiva apresentação, responsabilizando-sequem der causa ao atraso.§ 2º Se um parecer obrigatório e nãovinculante deixar de ser emitido no prazofixado, o processo poderá ter prossegui-mento e ser decidido com sua dispensa, sem

Page 106: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

100 •

• PARECER

prejuízo da responsabilidade de quem seomitiu no atendimento.Art. 49. Concluída a instrução de processoadministrativo, a Administração tem o pra-zo de até trinta dias para decidir, salvo pror-rogação por igual período expressamentemotivada.

2.14. Os dispositivos acima transcritos (art.(s)24, 42 e 49, todos da Lei 9.784/99) refletem,em certa medida, o dever de resposta da Ad-ministração, portanto, têm caráter processual.Considerado este aspecto, o âmbito de valida-de de todos estes artigos é nacional. Notem queno art. 5º da Carta de 1988 é assegurado tantoao processo judicial quanto ao processo admi-nistrativo, o contraditório e a ampla defesa. Asnormas da Lei 9.784/99 que asseguram estasgarantias constitucionais não poderiam ter ou-tra amplitude que não a nacional. O mesmoacontece com aqueloutras que determinam apublicidade dos atos do processo, que garan-tem a impessoalidade do julgamento etc. Note-se, contudo, que quando Estados, Distrito Fe-deral e Municípios não legislam acerca de pro-cesso administrativo, as normas da Lei 9.784/1999, inclusive procedimentais, passam a incidirsobre estas entidades até que elas editem suaspróprias Leis. Em obra clássica e sempre refe-rendada da professora Alice González Borgesacerca das Normas Gerais em matéria de Licita-ções e Contratos Administrativos, aduz a insig-ne doutrinadora:

“Daí se retiram os seguintes corolários, de

extremo valor para as conclusões, de nosso

trabalho: 1º. A União está limitada a edi-

ção de normas diretrizes nacionais que se

dirigem aos legisladores estaduais, para os

quais são cogentes, direta e imediatamente

eficazes; 2º As normas específicas baixadas

pela União, juntamente com as normas ge-

rais ou os aspectos específicos por acaso

nestas contidas, não tem aplicação sobre

os estados-membros; 3º. Inexistindo e en-

quanto inexistir legislação estadual específi-

ca, tanto as diretrizes nacionais, contidas nas

normas gerais quanto sua pormenorização

federal se aplicam subsidiária, direta e ime-

diatamente, às relações concretas nelas pre-

vistas.; 4º Inexistindo normas gerais da

União versativas sobre qualquer assunto ou

aspecto que deva ser legislado pela modali-

dade de competência concorrente limita-

da, o estado-membro poderá legislar am-

plamente (...); 5º. A norma específica esta-

dual que regular direta e imediatamente,

uma relação ou situação jurídica concreta-

mente configurada afasta a aplicação de

norma federal coincidente; 6º. Em razão

de sua inafastável característica nacional,

não será norma geral a que dispuser sobre

organização, servidores, e bens do Estado

ou Municípios (...). (BORGES, Alice

Gonzalez. Normas Gerais no Estatuto de

Licitações e Contratos Administrativos. São

Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2ª ed.,

1991. p. 39/41)

2.15. Acontece que cada um deles, artigos24, 42 e 49 da Lei 9.784/99, possuem tam-bém índole procedimental, porque estipulamprazos para a efetivação do direito de petição.No primeiro caso, o prazo é de cinco dias pror-rogáveis (art. 24); no segundo caso, o prazo éde 15 dias, prorrogáveis (art. 42); e, no terceirocaso, o prazo é de 30 dias prorrogáveis (art.49).

2.16. Como afirmamos linhas atrás, aquiloque há de caráter procedimental, Estados eMunicípios podem ditar regras diferentes da Lei9.784/99 porque também são competentespara tal, segundo a CF/88. Celso Antônio Ban-deira de Mello, ao versar sobre o que seriamnormas gerais em matéria de Licitações e Con-tratos Administrativos afirma:

“Normas que estabelecem particularizadas

definições, que minudenciam condições es-

Page 107: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 101•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PARECER

pecíficas para licitar ou para contratar, que

definem valores, prazos e requisitos de

publicidade, que arrolam exaustivamente

modalidades licitatórias e casos de dispen-

sa, que regulam registros cadastrais, que

assinalam com minúcias o iter e o regime

procedimental, os recursos cabíveis, os pra-

zos de interposição, que arrolam documen-

tos exigíveis de licitantes, que preestabelecem

cláusulas obrigatórias de contratos, que dis-

põem até sobre encargos da Administração

contratante no acompanhamento da exe-

cução da avença, que regulam penalidades

administrativas, inclusive quanto aos tipos

e casos em que cabem, evidentíssimamente

sobre não serem de Direito Financeiro,

menos ainda serão normas gerais, salvo no

sentido de que toda norma, por sê-lo – é

geral”. (grifo nosso)

2.17. O art. 108 da LOM prevê o prazo de20 (vinte) dia úteis para a realização do ato ad-ministrativo e como norma especial sua valida-de ou autoridade é dada pelo art. 22, incisoXXVII, da Constituição Federal de 1988.

2.18. Este prazo de 20 (vinte) dias úteis épara a decisão do processo administrativo e paratanto devemos considerar que a instrução doprocesso já tenha sido concluída satisfatoria-mente. Outra conclusão é de que há prazosdistintos para momentos processuais distintos.

2.19. Um processo administrativo possuitrês etapas até se chegar ao julgamento:propositura, instrução e fase decisória propria-mente dita. Comentando a última fase, istoporque foi a ordem estabelecida pelo própriorequerente, o prazo para a resposta é de fato20 (vinte) dias úteis, mas no art. 49 da Lei 9.784/99 abre-se a possibilidade de prorrogar esteperíodo. Esta prorrogação não é incompatívelcom a legislação municipal; ao revés, acomplementa. Consequentemente, um proces-so administrativo no Município do Salvador, que

não goze de regramento especial, deve levarentre o final da fase instrutória e a decisão daautoridade, não mais que 60 (sessenta) dias ou20 dias úteis prorrogáveis por mais 20 dias úteis,prevalecendo o que ocorrer primeiro.

2.20. Como dito antes, há prazos tambémpara a fase de propositura. Citamos os 3 (três)dias para a abertura da sindicância, mesmo queseja um procedimento. Há prazo também paraa fase instrutória, a exemplo dos 5 (cinco) diaspara atos de mero expediente, 15 dias para umparecer e, para ambos os casos, sempre com apossibilidade de prorrogação que estão escul-pidas na Lei 9.784/99.

2.21. A preservação dos ritos especiais estáconsagrada no art. 69 da Lei 9.784/99:

Art. 69. Os processos administrativos espe-cíficos continuarão a reger-se por Lei pró-pria, aplicando-se-lhes apenas subsidiaria-mente os preceitos desta Lei.

2.22. Resumidamente: 1) A LOM temstatus constitucional quando trata das matériasque a CF/88 delineou como de sua competên-cia; 2) A LOM perde a natureza de norma su-perior quando versa sobre matérias não arrola-das no art. 29 da CF/88; 3) O sistema proces-sual administrativo que regula as relações entreadministrados e o Município do Salvador deveobedecer a LOM, porém, este diploma não é oúnico, incidindo também diversas Leis munici-pais que tratam de processos específicos, comotambém a Lei 9.784/99; 4) A Lei 9.784/99 temâmbito de validade nacional naquilo que con-templa de normas processuais e que tenha ca-ráter geral; 5) A interpretação combinada daLei 9.784/99 com a Lei Orgânica do Municípiodo Salvador sugere que o prazo da fase decisóriaé de 20 dias úteis, prorrogáveis por mais vintedias úteis, não ultrapassando 60 dias no total,prevalecendo o que ocorrer primeiro; 6) O pra-zo máximo de 60 (sessenta) dias não deve ser

Page 108: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

102 •

• PARECER

confundido com todo o tempo de vida do pro-cesso porque este engloba ainda as fases:postulatória e instrutória; 7) Devem ser respei-tados os ritos processuais especiais, a exemplodos processos administrativos: disciplinar e tri-butário.

III - Conclusão

3.1. Esta Procuradoria Geral do Municípiodo Salvador opina pela incidência combinadado art. 108 da LOM com o artigo 49 da Lei9.784/99, chegando à conclusão de que o pra-zo da fase decisória é de 20 (vinte) dias úteisprorrogável por igual período, não podendoultrapassar 60 (sessenta) dias no total.

3.2. O prazo acima pode diferir nos casosem que se verificar regramento especial, comosoe acontecer com o processo administrativodisciplinar e o processo administrativo tributá-rio.

3.3. Esclarecer, previamente e de maneiracautelar, que este prazo é relativo à fase decisóriae não representa o tempo total do processo,pois nesse caso, haveríamos de contabilizar ain-da as fases: postulatória e instrutória.

É o parecer, s. m. j.

Salvador...

Rafael Carrera FreitasProcurador do Município

Page 109: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

PRÁTICA FORENSE

Page 110: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito
Page 111: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 105•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

Razões Finais em Embargos à ExecuçãoFiscal opostos contra Exigência de Créditode ISS sobre Faturamento de ClínicasMédicas

David Bittencourt Luduvice NetoBacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador – UcsalPós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Escola de Comércio ÁlvaresPenteado – SP/Juspodivm – Faculdades Jorge AmadoMBA em Direito Empresarial da Indústria de Petróleo e Gás – Fundação GetúlioVargas - RJPós-Graduando em Processo Administrativo e Judicial Tributário pela FundaçãoOrlando Gomes – UFBA/Faculdade Baiana de DireitoEx-Gerente Setorial Substituto de Direito Tributário do Jurídico da Petrobras - BahiaMembro da Comissão de Advocacia Pública da OAB-BAProcurador do Município do SalvadorAdvogado

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ...ª VARADA FAZENDA PÚBLICA DE SALVADOR,BAHIA

Processo n.º ...

MUNICÍPIO DO SALVADOR, por seu Pro-curador infrafirmado, nos autos dos EMBAR-GOS À EXECUÇÃO FISCAL em epígrafe, opos-tos por CLÍNICA ..., vem perante V. Ex.ª, con-forme determinado em audiência, apresentaro seu memorial de RAZÕES FINAIS, na formaque se segue:

O cerne da questão na presente demandaé justamente saber se a Embargante – socieda-

de de médicos dotada de estrutura e organiza-ção gerencial de um verdadeiro hospital – podese valer do mesmo regime jurídico tributáriodestinado pela lei aos consultórios médicos deprofissionais liberais.

Em outras palavras, o que irá decidir esteDouto Magistrado é se a Embargante pode, comode fato pretende, usufruir das vantagens de umaorganização indiscutivelmente empresarial (den-tre as quais a ampliação do faturamento e lucropor meio da massificação da prestação do servi-ço e dos contratos de adesão com convênios,típicos de relações de consumo) e ao mesmo tem-po gozar de benefício fiscal (tributação do ISS,não sobre o faturamento, mas sim por cota fixa)

Page 112: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

106 •

• PRÁTICA FORENSE

destinado aos profissionais liberais que, pela na-tureza pessoal de sua prestação de serviço, nãousufruem daquelas vantagens da massificação daatividade.

Não há dúvida de que o pleito buscado pelasociedade médica em foco representa flagranteofensa ao princípio da isonomia tributária, pos-to que atribui à Embargante a mesma condiçãodos profissionais liberais, à qual de fato nãopertence.

Ofende também o princípio da capacida-de contributiva, visto que seria tributada muitoaquém do real produto financeiro de sua ativi-dade (faturamento), contribuindo proporcional-mente menos até do que os profissionais libe-rais aos quais busca se equiparar; na medidaem que seu faturamento é muito superior aodeles.

Dita conduta da Embargante acaba aindapor ofender o princípio da livre concorrênciaque rege o direito privado, na medida em que,com relação aos seus pares de fato (hospitaiscom os quais efetivamente concorre) passaria ater uma indevida vantagem, no caso, a cargatributária muito menor a repercutir em um custooperacional abaixo da média de seus concor-rentes diretos, aumentando sua margem de lu-cro não por meio de legítimo planejamento tri-butário, mas sim por verdadeira evasão fiscal.

Por certo que V. Ex.ª julgará pelo não aco-lhimento da pretensão da Embargante, forte nocaráter empresarial da sociedade médica emquestão que fora exposto de forma cristalinanos autos, não só pelos elementos de provadocumental, mas também por confissão emdepoimento pessoal dos próprios sócios emaudiência e ainda, diante do fato de que a pro-va pericial não concluiu pela prestação pessoaldos serviços médicos pelos sócios, elemento esseessencial para a fruição do regime excepcionaldo ISS.

I. CARÁTER EMPRESARIAL EVIDEN-CIADO PELO ESTATUTO DA SOCIE-DADE

O primeiro ponto relevante da demanda aser destacado é o fato de que a natureza em-presarial da sociedade Embargante decorre delei, prescindindo de qualquer discussão quantoa isso, por força da clareza solar dos termos do§ único do art. 982 do Código Civil, que dis-põe: Independente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; (...).

Significa dizer que, seja a sociedade porações aberta ou fechada (como a Embargante),independentemente de qual seja o seu objetosocial (a norma não faz ressalva, o que inclui osserviços médicos como os prestados pelaEmbargante), uma vez que a sociedade optepelo tipo organizacional Sociedade Anônima(modalidade de sociedade por ações), elainexoravelmente se submete ao regime jurídicoempresarial, com todas as suas obrigações per-tinentes, inclusive as tributárias.

Isso justamente porque, ao se constituircomo sociedade anônima, a Embargante bus-cou a modalidade mais complexa de adminis-tração societária para sua atividade, objetivandotodas as vantagens de gestão previstas na Lein.º 6.404/76, em particular a organização daestrutura em torno do capital e não da pessoados sócios, o potencial de acesso a recursos fi-nanceiros (seja por via direta do mercado decapitais, seja como elemento facilitador na ob-tenção de financiamentos bancários) e a espe-cialização da gestão por meio da divisão emdepartamentos (assembleia, diretoria, conselhoadministrativo, conselho fiscal).

Todos esses institutos jurídicos que estavame estão disponíveis à Embargante, deixam pa-tente que, no bojo de sua atividade, o ato mé-dico, desde a adoção da forma de SociedadeAnônima (em .../.../... – fls. ... a ...), passou a

Page 113: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 107•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

ser um dos elementos da empresa (ativida-de), no sentido de que a organização empre-sarial que se formou em torno do serviçomédico é consubstanciada na pessoa jurídicae não na pessoa de cada sócio, fazendo comque a clientela busque o serviço médico damarca ... e não daquele sócio-médico especí-fico, como ocorre no caso dos consultóriosmédicos de profissionais liberais, verdadeirosdestinatários do benefício fiscal do art. 9º, § 3º,do Decreto n.º 406/68.

Julgado recente do STJ, relatado pela Exm.ªMinistra Eliana Calmon, bem elucida a ques-tão:

Esta Corte tem entendido que o benefíciofiscal instituído em favor das sociedadesuniprofissionais, que realizam a prestação deserviço em caráter personalíssimo, não sepode estender às demais sociedades queassumem feição empresarial, perdendo ocaráter pessoal em razão da conotação delucro à atividade. Para fazer jus ao benefíciofiscal – que por estar incluído na competên-cia tributária concorrente do Município podeser restringido ainda mais em face das pecu-liaridades locais (cf. art. 30 da ConstituiçãoFederal de 1988) – a pessoa jurídica deveser uniprofissional ou pluriprofissional, masos profissionais prestadores de serviço de-vem se vincular ao serviço prestado – nalinguagem da norma responderem pesso-almente. Procura-se o serviço pelo profis-sional e não em razão da pessoa jurídica.Pessoas jurídicas com conotação empre-sarial são objetivas e massificam o produ-to de sua atividade, aproximando-se maisdas sociedades de capital que das socie-dades de pessoas, nas quais o valor dos só-cios, empregados ou da mão-de-obra é con-siderado na escolha pelo tomador de servi-ço.Assim, não considero haver violação à le-gislação federal pelas regras estipuladas na

legislação municipal, que nesse sentido es-tão em conformidade com a legislação com-plementar, na medida em que visam fo-mentar a atividade personalíssima dassociedades uni e pluriprofissionais e nãoservir de escudo à tributação pelas socie-dades que vestem a roupagem daquelesentes para usufruir de benefício tributá-rio a elas não extensível.(STJ – 2ª Turma: REsp 866286/ES; Rel. Min.Eliana Calmon, por unanimidade, DJe29.04.2009).

Não bastasse o simples fato de ser aEmbargante uma S.A para demonstrar sua na-tureza de sociedade empresária, os dispositi-vos de seu estatuto social (fls. ... a ...) deixampatente essa condição, visto que estabelecem:

1. Previsão de emissão de ações preferen-ciais, instituto societário que demonstraa natureza de sociedade de capital, postoque confere vantagens econômicas emdetrimento do direito a voto – Art. 5ºdo estatuto;

2. Responsabilidade dos acionistas limita-da ao valor de suas ações integralizadasno capital social;

3. Admissão de administração profissionalda sociedade, mediante a previsão dapossibilidade de composição da Direto-ria por membros NÃO ACIONISTAS –Art. 7º do estatuto;

4. Remuneração do Diretor Superinten-dente em montante global, independen-te da efetiva prestação de serviço médi-co e do seu quantitativo de atendimen-to, bem assim fixação de remuneraçõesem valores iguais para os demais Dire-tores, mediante o mesmo critériodesvinculado da prestação pessoal – Pa-rágrafo 2º do Art. 7º do estatuto;

5. Participação em consórcios, associaçõescom outras sociedades e participação da

Page 114: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

108 •

• PRÁTICA FORENSE

Companhia como sócia de outra pes-soa jurídica – Art. 12 do estatuto;

6. Segregação de responsabilidades entreos acionistas Diretores: ... ... – DiretorSuperintendente, ... ... ... – Diretor Fi-nanceiro, ... ... – Diretor de Filiais e ...... – Diretor Técnico, o que denota aausência de responsabilidade pessoal dossócios pela prestação do serviço médico(fl. ...);

7. Conselho Fiscal – Art. 18 do estatuto;8. Previsão de dividendo anual obrigató-

rio e mínimo de 25% do lucro líquidoaos acionistas, o que configura remu-neração desvinculada da efetiva presta-ção do serviço enquanto médicos, ouseja, rendimento de capital e não de tra-balho – Art. 20 do estatuto;

Justamente por isso, por essa ausência depessoalidade dos sócios na prestação do servi-ço médico, é que a marca ... dá respaldo aoatendimento médico realizado pelos mais de 60(sessenta) médicos contratados que atuam nas4 (quatro) unidades da empresa (sede e filiais),como consta do item SERVIÇOS - ESPECIALI-DADES do site da clínica, o que é fato notório ede indiscutível conhecimento da Embargante.

Assevere-se, nesse ponto, que o site ofici-al da Embargante também revela muito de suanatureza empresarial, como inclusive restoudemonstrado em audiência:

1. O sócio ... ... não integra a relação dosmédicos que prestam serviço na sede e/ou filiais – item SERVIÇOS – ESPECIALI-DADES;

2. Possui Pronto Socorro (emergência 24h)– item SERVIÇOS – PRONTO ATENDI-MENTO;

3. A unidade-sede não possui mera enfer-maria, mas sim apartamentos e UTI pre-parados para internamento de médio elongo prazo (item SERVIÇOS -

INTERNAMENTO), tanto assim que opróprio site se refere ao serviço deHOTELARIA HOSPITALAR (item ES-TRUTURA - HOTELARIA);

4. Na Embargante são realizados examesnão diretamente relacionados com aespecialidade médica de ortopedia etraumatologia (objeto social da clínica),consoante item SERVIÇOS – EXAMES dosite. E.g.: eletrocardiograma, testeergométrico, ecocardiograma, endosco-pia digestiva com biópsia, mapeamentode retina, acuidade visual, laringoscopia,audiometria;

5. Além dos convênios, que por si só járevelam a massificação da atividade daEmbargante, esta oferece aos seus cli-entes um cartão de fidelidade e planode assistência médica particular –CARTÃO SAÚDE (item SERVIÇOS dosite), que inclusive propicia descontos emfarmácias, óticas, hotéis e academias deginásticas;

6. A Embargante oferece ainda serviçosalheios ao seu objeto social, no caso,os serviços de fisioterapia (item SERVI-ÇOS do site) e psicologia hospitalar(item INSTITUCIONAL do site);

7. A Embargante se vale do uso de MAR-CA (item INSTITUCIONAL – APLICA-ÇÃO DE MARCA do site), instituto jurí-dico próprio da atividade empresarialregido pela Lei n.º 9.279/96 – Lei dePropriedade Industrial e que tem o ob-jetivo de ampliar o alcance da oferta deserviços, viabilizando a contratação emmassa e sem a pessoalidade dos sócios;

8. A Embargante, assim como os hospitais,oferece a atividade institucional de RE-SIDÊNCIA MÉDICA, o que vai além daspossibilidades de uma clínica médica,haja vista que oferece suporte para operíodo de formação através de bolsade estudos, centro de estudo, bibliote-ca, acervo literário, tudo isso em franca

Page 115: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 109•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

extrapolação do seu objeto social. Esseponto revela ainda que, no total, alémdos sócios e dos mais de 60 (sessenta)médicos contratados, o corpo médicoefetivo de atendimento da sociedadeEmbargante conta ainda com os resi-dentes.

A jurisprudência recente do STJ entendepela presença do elemento de empresa nas so-ciedades de médicos constituídas sob a formade limitadas, de modo que, se assim concluiu aE. Corte Superior quanto às sociedades limita-das, com maior razão ainda há de se concluirno mesmo sentido quanto a Embargante, cons-tituída sob a forma de S.A:

Nos termos do art. 9º, § 3º, do DL 406/68, têm direito ao tratamento privilegiadodo ISS as sociedades civis uniprofissionais,que têm por objeto a prestação de serviçoespecializado, com responsabilidade sociale sem caráter empresarial.“Nos termos do art. 1.052 do CC/2002,‘na sociedade limitada, a responsabili-dade de cada sócio é restrita ao valor desuas quotas, mas todos respondem soli-dariamente pela integração do capital so-cial’ (Rubens Requião). Nesse contexto,não há se falar em responsabilidade ili-mitada dos sócios, tampouco em ausên-cia de caráter empresarial” (AgRg no Ag960733/RJ, Min. Denise Arruda, 1ª T. DJde 08.05.2008).(1ª Turma: Resp 1057668/RS – Rel. Min.Teori Albino Zavascki, DJe 04.09.2008).

TRIBUTÁRIO – SOCIEDADES CIVIS – LA-BORATÓRIO – ISS – SOCIEDADE LIMITA-DA POR COTAS – FINALIDADE EMPRE-SARIAL – NÃO-INCIDÊNCIA DO § 3º DOARTIGO 9º DO DECRETO-LEI N. 406/68.1. O STJ assentou o entendimento segun-

do o qual têm direito ao tratamento pri-

vilegiado do ISS as sociedades civisuniprofissionais, que têm por objeto aprestação de serviço especializado, comresponsabilidade social e sem caráterempresarial, o que não é o caso dos au-tos.

2. As sociedades limitadas por cotas deresponsabilidade inegavelmente pos-suem caráter empresarial, o que assubtrai do benefício contido no art. 9º,§ 3º, do DL n. 406/68. Agravo regimen-tal improvido.

(STJ – 2ª Turma: AgRg no REsp 1031511/ES, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 09/10/2008).

TRIBUTÁRIO – SOCIEDADES CIVIS – MÉ-DICOS – ISS – FINALIDADE EMPRESARIAL– NÃO-INCIDÊNCIA DO § 3º DO ARTIGO9º DO DECRETO-LEI N. 406/68.1. A controvérsia limita-se a saber se a re-

corrente faz jus ao privilégio fiscal previs-to no Decreto-Lei n. 406/68, estando as-sentado na instância ordinária sua natu-reza empresarial.

2. As sociedades de profissionais liberais,malgrado formadas exclusivamente pormédicos, constituíram-se formalmen-te como sociedades empresariais, demodo que a simples presença deles nãorepresenta elemento hábil a desfigurara natureza comercial da atividadeexercida.

3. Conquanto o corpo de sócios seja for-mado exclusivamente por médicos, associedades constituídas sob a modali-dade “limitadas” desempenham ativi-dade empresarial, uma vez que, noscontratos sociais, há, inclusive, dispo-sição de como devem ser distribuídosos dividendos.

Agravo regimental improvido.(STJ – 2ª Turma: AgRg no REsp 1003813/SP, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 19/09/2008).

Page 116: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

110 •

• PRÁTICA FORENSE

ISS. ALÍQUOTA FIXA. AUSÊNCIA DOS RE-QUISITOS PARA CONCESSÃO DO BENE-FÍCIO. SOCIEDADE POR COTAS DE RES-PONSABILIDADE LIMITADA.I - A agravante não se enquadra no concei-to de sociedade uniprofissional integradapor profissionais que atuam com respon-sabilidade pessoal. É sociedade por cotasde responsabilidade limitada e, nos termosda jurisprudência desta Corte, o ISS é de-vido quando a sociedade assume caráterempresarial. Precedentes: REsp nº 555.624/PB, Rel. Min. FRANCIULLI NETTO, DJ de27/09/2004, p. 324; AgRg no AG nº458.005/PR, Rel. Min. TEORI ALBINOZAVASCKI, DJ de 04/08/2003, p. 233; REspnº 334.554/ES, Rel. Min. GARCIA VIEIRA,DJ de 11/03/2002, p. 202; REsp nº145.051/RJ, Rel. Min. MILTON LUIZ PEREI-RA, DJ de 22/06/1998, p. 34.II -Agravo regimental improvido.(STJ – 2ª Turma: AgRg nos EDcl no REsp919708/MS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ30/08/2007, p. 234).

O E. Tribunal de Justiça da Bahia, emacórdãos recentes, tem acompanhado os pro-cedentes do STJ:

Mandado de Segurança – Processual Civil eTributário – Existência de Prova Pré-consti-tuída de modo a permitir o Exame da Pre-tensão – ISS – Sociedade Civil – Prestaçãode Serviços Médicos na Área de OncologiaClínica – Pretensão de Recolhimento do ISScom Base no Benefício previsto no Art. 9º,§§ 1º e 3º, do Decreto-lei n.º 406/68 – Im-possibilidade – Aplicação do § 3º, art. 515,do CPC....No caso em tela, examinando com o devi-do cuidado o Contrato Social (fls. 31/39) daImpetrante, ora Recorrente, Kodevan Clíni-ca Médica Ltda., constata-se que a mesma,não obstante tenha por objetivo social “aprestação de serviços médicos de ginecolo-

gia” (cláusula quinta – fl. 32), não se enqua-dra no item 01 da Lista de Serviços anexaao Decreto-lei 406/68, com redação dadapela Lei Complementar n.º 56/87, não fa-zendo jus, por esse motivo, ao recolhimen-to do ISS com base no benefício previsto noart. 9º, §§ 1º e 3º, do mencionado Decre-to-lei.Isso porque, conquanto a Impetrante/Ape-lante seja formada apenas por profissionaisda área médica, infere-se do seu ContratoSocial (fls. 31/39) a presença de característi-cas típicas de sociedade empresária.Observe-se, em primeiro lugar, que (...) apossibilidade de abertura de filiais e ou-tros estabelecimentos (...) (cláusula décimaprimeira – fl. 32), evidencia, de maneiramuito clara, que os serviços não são pres-tados pessoalmente pelos integrantes dasociedade.Demais disso, a impessoalidade na presta-ção dos serviços pode ser aferível, igualmen-te, pela cláusula sétima (fl. 35), a qual prevêa retirada de pró-labore mensal pelo exer-cício da gerência. Ora, se os serviços fos-sem prestados pessoalmente por cada in-tegrante da sociedade, a remuneração dossócios deveria ser proporcional aos traba-lhos efetivamente prestados, de acordocom a respectiva produtividade.Ressalte-se por fim, que a cláusula oitava (fl.32) dispõe sobre a possibilidade de divi-são de lucros, afirmando que “(...) os lu-cros e/ou prejuízos apurados em balanço aser realizado após o término do exercíciosocial, serão repartidos entre os sócios, pro-porcionalmente à cota de cada um no ca-pital social (...)”.(TJ-BA – Câmara Especializada: ApelaçãoCível n.º 30998-1/2006, Rel. Desa. VeraLúcia Freire de Carvalho, à unanimidade, j.em 19.12.2006).

No caso em tela, examinando com o devi-do cuidado o Contrato Social (fls. 30/40)da Impetrante, ora Recorrente, IDAB –

Page 117: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 111•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

Instituto de Dermatologia e Alergia da Bahia,constata-se que a mesma, não obstante te-nha por objetivo social “a prestação de ser-viços médicos, em especial de dermatologia,da pneumologia e da alergologia, através deconsultas, exames diagnósticos e procedi-mentos terapêuticos” (cláusula segunda – fl.36), não se enquadra no item 01 da Listade Serviços anexa ao Decreto-lei 406/68,com redação dada pela Lei Complementarn.º 56/87, não fazendo jus, por esse moti-vo, ao recolhimento do ISS com base nobenefício previsto no art. 9º, §§ 1º e 3º, domencionado Decreto-lei.

Isso porque, conquanto seja formada ape-nas por médicos, conforme se observa nacláusula quinta do mencionado ContratoSocial Consolidado (fl. 37), os sócios daImpetrante/Recorrente não são res-ponsabilizados pessoalmente pelos servi-ços prestados, uma vez que a responsabi-lidade técnica da sociedade é atribuída,única e exclusivamente, a um Diretor-Mé-dico, de modo que tal fato, por si só, jáseria suficiente para afastar o tratamentoprivilegiado para o recolhimento do ISS.

(TJ-BA – Câmara Especializada: ApelaçãoCível n.º 4484-4/2007, Rel. Desa. VeraLúcia Freire de Carvalho, à unanimidade, j.em 29.04.2008).

No mesmo sentido: TJ-BA – Câmara Espe-cializada: Apelação Cível n.º 37804-0/2006, Rel.Desa. Vera Lúcia Freire de Carvalho, à unani-midade, j. em 01.02.2007.

II. CARÁTER EMPRESARIAL EVIDEN-CIADO PELAS DEMAIS PROVAS DOSAUTOS

Ademais, não só do estatuto social emergea natureza empresarial da Embargante. O pró-prio laudo pericial constante dos autos, bem as-

sim a confissão dos representantes legais da so-ciedade tomada em audiência, deixa patenteque o ato médico representa elemento da em-presa (atividade) desempenhada pela socieda-de, impondo a tributação pelo ISS através doregime jurídico geral, diga-se, a base de cálculocomo sendo o preço do serviço constante dofaturamento.

Examinemos o laudo pericial e o seu lau-do complementar:

- fl. ... – o gerenciamento dos cinco estabe-lecimentos da Embargante (sede, quatro fi-liais e um depósito fechado) fica a cargo deum dos médicos sócios que, em função dasegregação das atribuições de gestão(especificidade da administração) exerceunicamente a função de Diretor-gerente deFiliais;- fl. ... – A clínica, para o desempenho desuas atividades, utiliza a prestação de ser-viços de outras pessoas jurídicas, comoconsta da resposta ao Quesito 7 daEmbargada. É a seguinte a conclusão do lau-do, in verbis: “Os Balanços Patrimoniais de31.12.2000 e 31.12.2001 e Declaraçõesde Rendimentos Pessoas Jurídicas Trimes-trais, sob títulos Custo de Serviços e Servi-ços Prestados por Pessoas Jurídicas, respec-tivamente, declaram estes serviços nas es-pecialidades de: odontologia, cardiologia,medicina interna e outros não relaciona-dos com as atividades da Embargante paraatendimento a pacientes politraumatizados.Anexo IV deste Laudo.”- fl. ... – Em resposta ao Quesito 10 daEmbargada, o Sr. Perito concluiu que nãohá segregação entre a remuneraçãoauferida com a alegada prestação diretade serviços pelos acionitas e a remunera-ção proveniente dos serviços terceirizadoscontratados. Nesse sentido a conclusão dolaudo é clara: “No período examinado,2000 e 2001, a Contabilidade classificava as

Page 118: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

112 •

• PRÁTICA FORENSE

receitas, como: Convênios e Particulares,inclusive Filiais, não permitindo a classifica-ção conforme pedido da presente questão”;- fl. ... – No laudo complementar, a con-clusão da perícia é taxativa quanto àimpessoalidade na prestação do serviço, namedida em que atesta, de forma irrefutável,inexistir correlação entre pró-labore eprestação de serviços médicos. Nos seuspróprios termos: “Os sócios Diretores re-cebem pró-labore mensal estabelecido emAssembléia conforme Artigo 7º, parágrafo2º do Estatuto Social da Sociedade (respostaao quesito 4.1 anterior, desta série). Nãohá correlação com a prestação de serviçosmédicos”.

Na mesma linha, revelando o caráter em-presarial indiscutível da sociedade, a confissãodos representantes legais da Embargante cor-robora tudo o quanto evidenciado através doexame do estatuto social e da perícia. De for-ma irrefutável, os Diretores acionistas declaramem seus depoimentos:

Primeiro depoente: “(...) disse que desdea fundação nunca fez controle efetivo deatendimento para fins remuneratórios,optavam os sócios por um caixa único,até porque era impossível identificar cadapaciente; disse que a responsabilidadetécnica da clínica envolvendo, além dosatendimentos, a parte de fisioterapia ehotelaria hospitalar sempre ficou a cargodo Dr. ... ..., embora todos os demais sóci-os participassem ativamente de todas asdecisões, também de natureza técnica; (...)que faz menos de um ano foi instituído ocartão de assistência para melhor atendi-mento em massa; (...) que não tem condi-ções de precisar até pelo tamanho da clí-nica que percentual ou como consiste aparticipação de forma exemplificativa dospsicólogos e terapeutas, etc, na composi-ção do preço final”. (...).

Segundo depoente: “(...); disse queestatutariamente os sócios tinham os mes-mos valores de retirada do faturamentoda clínica (...); disse que independente donúmero de atendimento de cada sócio aretirada mensal sempre foi igual; (...); disseque o cartão assistencial tem o objetivo deconceder descontos aos pacientes e as re-ceitas vindas deste cartão vão para a ar-recadação global da clínica; (...); disse odepoente que todas as especialidadesindicadas no site da embargante têm comoobjetivo socorrer o paciente vítima de umacidente traumatológico e que o pagamentodessas outras especialidades pode ser feitodiretamente ao médico ou através da clí-nica; (...)”

Os elementos de empresa da Embarganteevidenciados tanto pelo laudo pericial, quantopelo depoimento dos seus representantes, têmsido considerados de forma relevante nos jul-gados do Egrégio Tribunal de Justiça da Bahiapara afastar reconhecer a natureza empresarialde sociedades de médicos:

Apelação Cível. Embargos à Execução Fis-cal. Sociedade Médica. Imposto sobre Ser-viços de Qualquer Natureza. TributaçãoEspecial, à luz do art. 9º, §§ 1º e 3º, doDec. Lei 406/68. Inaplicabilidade. Objeti-vo Empresarial Explícito no Contrato eResponsabilidade Limitada dos Sócios aoCapital Social. Divisão Proporcional dosLucros, Retirada de Pró-labore em CotaFixa de Remuneração Mensal a Diretor-gerente e Prestação de Serviço Não Con-templado no Rol da Lei Complementar n.º56/87. Estrutura Societária Incompatívelcom o Regime Fiscal Privilegiado. Prece-dentes do STJ. Reforma da Sentença. Pro-vimento do Recurso.(...)É fato a prestação de serviço especializado,todavia, inequivocamente associado ao

Page 119: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 113•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

exercício da empresa, ademais, ao contra-tar serviços de terceiros – apurado na faseinstrutória – desvirtua o caráter depessoalidade exigido pela legislação deregência, ou quando incluiu o serviço defisioterapia não elencado no rol taxativoda Lei Complementar n.º 56/87. (...)(TJ-BA – Quarta Câmara Cível: ApelaçãoCível n.º 27.826-3/2008, Rel. Des. JoséOlegário Monção Caldas, à unanimidade,j. em 17.06.2009).

APELAÇÃO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FIS-CAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRO-FISSIONAL DE MÉDICOS. EXAÇÃO PRIVI-LEGIADA DO DEC-LEI 406/68, ART. 9º,PARÁGRAFOS 1º E 3º (POR PROFISSIO-NAL E NÃO SOBRE A RECEITA BRUTA).SERVIÇOS MÉDICOS OFERECIDOS PELAAPELADA SEM RESPONSABILIDADE PES-SOAL DOS SÓCIOS EM RAZÃO DACONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE CLÍNI-CAS DA MESMA ESPECIALIDADE. BENE-FÍCIO FISCAL AFASTADO.Segundo o STJ, o privilégio fiscal contidono § 3º, do art. 9º do Dec-lei 406/68 só seaplica às sociedades profissionais constituí-das exclusivamente por médicos, para aprestação de serviços especializados, emcaráter pessoal e sem cunho empresarial,em que o sócio assume a responsabilidadeprofissional pela atividade exercida pesso-almente ao usuário....É patente a estreita relação dos §§ 1º e 3ºao norte apontados. Primam por benefici-ar o contribuinte que presta pessoalmenteo serviço a ser tributado e assume a res-ponsabilidade pelo mesmo.A intenção da lei, ao estender o citadoregime especial a determinados serviçosprestados por sociedades, foi a de dar tra-tamento privilegiado àquelas em que oserviço seja prestado em caráter pessoal,como o desenvolvido por pessoa física,

dispensando, assim, atenção igualitária apessoas que se encontram em situaçãosemelhante.Não é outra a razão pela qual a socieda-de profissional, cujos sócios exerçam ati-vidade impessoal e tenha cunho empre-sarial, está fora da benesse fiscal em foco.No caso dos autos, apesar de a clínica Re-corrida ter seu quadro societário compos-to de apenas dois médicos, não se vis-lumbra que a responsabilidade pelos ser-viços por eles prestados aos seus usuári-os seja pessoal.É que, da análise dos documentoscarreados, mormente do seu históricocontábil de fls. 90 e 92, onde estão rela-cionadas algumas notas fiscais de presta-ção de serviços respectivas, constata-seque a referida empresa, ao ofertá-los aomercado, se valeu da atividade de outrasclínicas da mesma especialidade desen-volvida pela Embargante/Apelada.Ora, veja-se que a orientação do STJ, acimaconsignada, sugere que, para oenquadramento no tratamento privilegiadoem apreço, há de ser levado em conta, den-tre outros critérios, o da prestação pessoaldo serviço pelo profissional habilitado, ve-dando-se, consequentemente, a prestaçãoimpessoal ou empresarial.Não é outra a razão de ser das expressõescontidas nos preceptivos legais acimaaverbados: “Quando se tratar de prestaçãode serviços sob a forma de trabalho pessoaldo próprio contribuinte ...” e “embora as-sumindo-se responsabilidade pessoal”.Para fins de tributação por alíquota fixa,ora tratada, importa ao usuário do servi-ço das sociedades profissionais não aexistência destas (que se justifica apenasem razão da necessidade dos seus sóciosconjugarem esforços para atingirem, sa-tisfatoriamente, os fins que, sozinhos, nãoseria possível alcançar), mas o trabalhopessoal dos que a integram.

Page 120: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

114 •

• PRÁTICA FORENSE

E se outras empresas executam para aApelada serviços médicos que constitu-em seu objeto social, não há como res-ponsabilizar os sócios daquela.(TJ-BA – Quarta Câmara Cível: Apelação

Cível n.º 14179-4/2008; Rel. Desa. Vera

Lúcia Freire de Carvalho, à unanimidade, j.

em 30.07.2008).

III. INEFICÁCIA DA COISA JULGADA- ANULATÓRIA N.º ... - SOBRE O PRE-SENTE FEITO

A Embargante sustentou como matéria pre-judicial que a coisa julgada material constituídana ação anulatória em que figurou no pólo ati-vo (n.º ...), tramitada perante a ...ª Vara da Fa-zenda Pública de Salvador, fez lei específica parao caso concreto (diga-se, sobre a relação jurídi-co-tributária entre Embargante e Município, fir-mando a incidência da norma excepcional datributação do ISS mediante cota fixa por profis-sional), alcançando assim todos os créditos per-tinentes a exercícios fiscais posteriores ao seutrânsito em julgado, dentre os quais, o que foraobjeto do presente feito.

Entretanto, em se tratando se relação jurí-dica continuativa, a coisa julgada tributária so-mente pode ter seus efeitos estendidos aos exer-cícios fiscais subsequentes àquele em que se deuse e somente se, forem mantidas as mesmascondições fáticas e jurídicas que se faziampresentes no momento em que o julgadordecidiu a questão, ou seja, o estado de fato ede direito que formou o convencimento domagistrado.

Esse tem sido o entendimento deste E. Tri-bunal, consoante se verifica pela seguinte trans-crição de recente acórdão da Quinta CâmaraCível:

“...A imutabilidade das declarações judiciais,no entanto, apenas é protegida enquantoas circunstâncias fáticas e jurídicas da cau-sa permanecerem as mesmas, inseridasque estão na causa de pedir da ação. Sem-pre que houver modificação dessas cir-cunstâncias será possível ao Judiciárioapreciar a lide, até porque se estará diantede uma nova demanda.É sob esses influxos que deve ser analisa-da a coisa julgada no âmbito do DireitoTributário....Verifica-se, deste modo, que a declaraçãojurisdicional, transitada em julgado (vide cer-tidão de fl. 104) antes da autuação, pro-duziu uma lei específica para o caso con-creto, cuja disciplina, a qual se aplica aosexercícios posteriores por não se referir aum exercício específico, somente poderáser modificada em sobrevindo mudança noestado fático ou jurídico da causa”.(Apelação Cível n.º 49723-3/2006; Rel.Vera Lúcia Freire de Carvalho, DPJ.26.06.2009).

Pede vênia ainda para destacar acórdão doSTJ que trata especificamente da coisa julgadaem matéria de ISS de sociedade uniprofissionale que concluiu pela necessidade da prova damanutenção do estado de fato que ensejou asentença:

RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. MAN-DADO DE SEGURANÇA. ISS. SOCIEDA-DE UNIPESSOAL. COISA JULGADA TRI-BUTÁRIA. NÃO-OCORRÊNCIA. DIREITOLÍQUIDO E CERTO CONSUBSTANCIADONO ESTADO DE FATO NÃO-COMPRO-VADO DE PLANO. NECESSIDADE DEDILAÇÃO PROBATÓRIA. APLICAÇÃODA SÚMULA 239/STF.1. Nos casos em que o pedido não se refira

a exercício financeiro específico, mas aoreconhecimento da inconstitucionalidade

Page 121: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 115•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

ou ilegalidade da exação, ou de sua imu-nidade ou isenção, por exemplo, deveser afastada a restrição inserta na Súmula239/STF, desde que mantidasinalteradas as situações de fato e dedireito.

2. No mandado de segurança, a recorren-te não comprovou, de plano, a sua atu-al situação de sociedade unipessoal(estado de fato), a qual foi rechaçadapelo Tribunal de Justiça e pelo Ministé-rio Público. Desse modo, não se ope-rou a coisa julgada em relação aosexercícios futuros, sendo plenamenteaplicável a Súmula 239/STF.

3. Recurso a que se nega provimento....A questão a ser dirimida nestes autos re-fere-se aos limites temporais da coisajulgada nas sentenças proferidas em ma-téria tributária.Sobre o tema, cumpre destacar osensinamentos do eminente Ministro TeoriAlbino Zavascki (in Eficácia das Sentençasna Jurisdição Constitucional, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001), segundo oqual as relações jurídicas advindas das cir-cunstâncias temporais do fato gerador clas-sificam-se em: instantâneas, permanentese sucessivas. Ressalta que a relação jurídicasucessiva nasce de fatos geradores instan-tâneos que, todavia, se repetem no tempode maneira uniforme e continuada. ......Daí concluir-se que, se a sentença foi pro-ferida em relação jurídica de caráter per-manente, há a possibilidade de sua eficá-cia protrair-se no tempo, atingindo fatosgeradores futuros, até que haja alteraçãono estado de direito e/ou no estado defato existentes quando da prolação dadecisão....Entretanto, deve-se ressaltar que para apli-car tal entendimento, devem ser mantidas

inalteradas as situações de fato e de di-reito, que na hipótese, estãoconsubstanciadas na natureza jurídica daempresa – sociedade uniprofissional, e nalegislação que regula a matéria, respecti-vamente....Todavia, verifica-se que o recorrente, utili-zando-se da via mandamental, não conse-guiu comprovar, de plano, que a sua con-dição de sociedade uniprofissional man-teve-se inalterada, desde a propositura daação ordinária, em 4 de junho de 1993.Isso ficou evidenciado nos autos a partirdo acórdão proferido pelo Tribunal de Jus-tiça, acima transcrito, bem como dos pare-ceres exarados pelos órgãos do MinistérioPúblico de primeiro e segundo graus, querechaçaram vigorosamente a alegação darecorrente de que conservava a mesmaestrutura. Confira-se:“(...) a verificação da efetiva natureza dosserviços prestados pelo Impetrante, do seunúmero de empregados, estruturaorganizacional, etc., depende da produ-ção de provas (principalmente pericial),para que se constate se o interessado ca-racteriza-se como sociedade uniprofissio-nal, fazendo jus ao tratamento pretendi-do em relação à tributação do ISS.” (fl.284)“Trazendo estas lições à hipótese subjudice, constata-se que a verdadeira na-tureza (caráter pessoal ou empresarial)dos serviços prestados pelo impetrantedepende de acurada instrução probatória,que não pode ser desenvolvida na via es-treita deste writ.” (fl. 286).(STJ – 1ª Turma: AgRg no REsp 706.176-RJ; Rel. Min. Denise Arruda, por unanimi-dade, DJ 01.02.2007, p. 399).

Assevere-se que o julgado supra, ao se re-portar à necessidade de prova pré-constituídade que o estado fático e o estado jurídico se

Page 122: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

116 •

• PRÁTICA FORENSE

mantiveram inalterados após a sentença, mes-mo o fazendo quanto a mandado de seguran-ça, cabe perfeitamente à hipótese dos autos,haja vista que nos presentes embargos à exe-cução a contribuinte não fez qualquer provada manutenção do seu estado de fato que ser-viu de base à coisa julgada, diga-se, sua con-dição de sociedade uniprofissional alegada àépoca.

Seguindo as premissas corretamenteestabelecidas nos arestos acima expostos, ca-beria à Executada ter demonstrado por meiodos embargos à execução a manutenção dascircunstâncias de fato sobre as quais se for-mou a coisa julgada. Isso justamente porque aprova aludida somente caberia ser produzidapela contribuinte, a quem compete o ônus dedebelar a presunção da CDA.

De fato, esse é o consectário lógico do pa-rágrafo único do art. 3º da Lei n.º 6.830/80que dispõe:

Art. 3º – A Dívida Ativa regularmente ins-crita goza da presunção de certeza eliquidez.Parágrafo Único - A presunção a que serefere este artigo é relativa e pode ser ilididapor prova inequívoca, a cargo do executa-do ou de terceiro, a quem aproveite.

Significa dizer que, uma vez proposta a exe-cução fiscal, é do Executado o ônus processualde demonstrar, não por simples indício, mas simpor conduto de prova inequívoca, fatoimpeditivo, modificativo ou extintivo do direitocreditório da Fazenda Pública que, naquelemomento, encontra-se sob o pálio do institutojurídico da presunção de certeza e liquidez.

Disso se constata que, sabendo-se que a coi-sa julgada tributária somente tem eficácia so-bre exercícios futuros se mantidos inalteradoso estado de fato e de direito, com certeza V. Ex.ª

terá em consideração que a Embargante não sedesincumbiu do seu onus probandi de demons-trar que aquelas circunstâncias fáticas que lheconferiram o direito se mantêm inalteradasmesmo após a coisa julgada.

Isso decorre da própria presunção de cer-teza e liquidez da CDA, nos moldes estritos doparágrafo único do art. 3º da LEF.

Assim, o que se verifica é que, diante dasistemática legal da execução fiscal, a coisajulgada evocada pela Embargante não possuieficácia sobre o feito em tela, haja vista quesomente através de prova inequívoca produzi-da pela Executada – no sentido de que o esta-do de fato e de direito de sua relação jurídicapermanecem os mesmos da época da forma-ção da coisa julgada – é que se poderia admitirque fosse debelada a presunção de certeza eliquidez da CDA. E essa prova, de fato, nãoocorreu nos autos.

Esse entendimento, como visto, albergadopela jurisprudência, decorre justamente da in-teligência harmônica do parágrafo único doart. 3º da Lei n.º 6.830/80 com o art. 471, I,do CPC, o que necessariamente cabe ser feito,sob pena de se negar vigência a tais dispositivos.

IV. INEXISTÊNCIA DE PROVAINeQUÍVOCA QUANTO À PRESTA-ÇÃO PESSOAL DO SERVIÇO – ONUSPROBANDI NÃO CUMPRIDO PELAEMBARGANTE

Não foi só quanto à manutenção do esta-do de fato (requisito para a eficácia da coisajulgada tributária em exercícios futuros) que aEmbargante deixou de se desincumbir do seuonus probandi. Também a alegada pessoalidadedos sócios na prestação do serviço, não obstanteseja requisito essencial para o benefício fiscal emquestão, deixou de ser provada nos autos.

Page 123: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 117•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

De fato, a prova pericial produzida nosautos, a requerimento da própria Embargante,não logrou êxito em demonstrar que os mé-dicos acionistas, na consecução do objetosocial, prestam serviço médico (atendimen-to) direta e pessoalmente aos seus clientes,sendo remunerados por referido trabalho (atomédico).

Isso justamente porque o próprio Sr. Pe-rito, em esclarecimento prestado na audiên-cia (fl. ...), expressa e irrefutavelmente reco-nheceu que a conclusão do laudo acerca daprestação pessoal de serviço pelos sócios nãoteve embasamento em escala/fichas de aten-dimento de pacientes ou outro documentoque atestasse o efetivo ato médico dos acio-nistas, mas sim, em mera declaração unilate-ral do próprio representante da Embargante.

Os termos do depoimento do Sr. Perito fo-ram os seguintes: “disse que não lhe foi forne-cido, apesar de solicitado, a escala de atendi-mento por parte do sócio; disse o perito queem perícias realizadas em outros processos teveacesso às fichas, contudo, por força do sigilomédico, não as trouxe aos autos; que na perí-cia destes autos as fichas não lhe foram entre-gues; que o perito se baseou, para resposta doquesito complementar 4.4, na declaraçãofornecida por um dos sócios às fls. ....”

Desta forma, a pessoalidade na prestaçãodo serviço pelos sócios, que é elemento essen-cial para a fruição do beneficio fiscal do art. 9º,§ 3º, do Decreto-lei n.º 406/68, consoante osprecedentes do STJ e do E. Tribunal de Justiçada Bahia, não restou comprovado nos autospela Embargante.

Desse modo, também nesse ponto a con-tribuinte não produziu prova inequívoca capazde debelar a presunção de certeza e liquidezda CDA, consoante define o art. 3º da Lei n.º6.830/80.

V. CONCLUSÃO

Por tudo o quanto exposto, espera que oDouto magistrado, considerando todos os pon-tos da demanda acima declinados, julgue pelaimprocedência do pedido dos presentes embar-gos à execução, reiterando-se assim todos ostermos da impugnação de fls. ... a ...

T. em que,Pede deferimento.

Salvador, ...

David Bittencourt Luduvice NetoProcurador do Município

Page 124: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

118 •

• PRÁTICA FORENSE

Ação Rescisória – Contestação –Imunidade recíproca das sociedades deeconomia mista

Eugênio Leite Sombra*

Procurador do Município

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORADESEMBARGADORA RELATORA DA AÇÃORESCISÓRIA (...) – SEÇÃO CÍVEL DE DIREITOPÚBLICO – TJ/BA.

(...)

O MUNICÍPIO DO SALVADOR, citadodos termos da ação rescisória nº (...), propostapor (...), vem, tempestivamente, por um de seusprocuradores, apresentar Contestação, confor-me fundamentos a seguir deduzidos:

I – Síntese da Demanda

O Município do Salvador ajuizou contra a(...) a Execução Fiscal (...), com vistas à cobran-ça do IPTU e da TL (taxa de coleta de lixo), dosexercícios de 1997/1998/1999/2000, vincula-dos ao imóvel inscrito no cadastro fazendáriosob o nº (...).

A executada opôs-se à cobrança, por meiodos embargos nº (...), alegando: a) que a posse

por si exercida sobre o imóvel tributado seriadestituída de animus domini, não se configu-rando, portanto, o fato gerador do IPTU; b)que faria jus à imunidade tributária recíproca;e c) que o diploma instituidor da TL seriainconstitucional.

O MM. Juízo singular julgou os embargosprocedentes.

Tal sentença, porém, veio a ser reformadapor esse egrégio Tribunal de Justiça, ao prover,na íntegra, recurso voluntário interposto pelaFazenda Municipal.

Inconformada, a (...) intenta, sob invoca-ção do art. 485, V, do CPC, rescindir osupracitado decisório (acórdão), ao argumentode que teria infringido o disposto no art. 150,VI, a, da Constituição Federal.

* Procurador do Município do Salvador, lotado naProcuradoria Fiscal.

Page 125: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 119•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

II – Da Inadmissibilidade do Reexameda Prova em Rescisória

Consta, à fl. 11 dos autos (10ª lauda dainicial), a afirmação de que “jamais poderia oMunicípio de Salvador instituir e cobrar IPTUsobre imóvel da União utilizado pela (...) paraprestação de serviço público essencial, posto queNÃO é possuidora, proprietária, nem tampoucodetém o domínio útil desses bens, que perma-necem na esfera patrimonial da União” (grifosdo original).

Em seguida, à fl. 16 (15ª lauda da inicial), édito que “não havendo qualquer dúvida a res-peito da inconstitucionalidade e ilegalidade dacobrança de IPTU sobre os imóveis da Uniãoocupados pela (...), sem animus domini, faz-seimperiosa a procedência dessa ação paradesconstituir a decisão rescindenda...”.

Tais fragmentos da vestibular constituemverdadeira suma da causa de pedir. A autoraassenta a sua pretensão nos seguintes “fatos”-base: (i) o imóvel em tela, inscrito no cadastrofazendário sob o nº (...), é de propriedade daUnião; (ii) a (...), além de não ser proprietária,não é possuidora com animus domini,tampouco detém o domínio útil do imóvel.Firme em tais premissas fáticas, conclui pelainviabilidade de ocorrência do fato gerador doIPTU, obstruído pela imunidade recíproca quebeneficia a União (CF/88, art. 150, VI, a).

Maxima venia concessa, a autora parte depremissa de fato distinta da adotada peloacórdão rescindendo, firme em reconhecerque, embora pertencente à União, o referidoimóvel teve o seu domínio útil transferido à(...), ostentando esta, de conseguinte, a con-dição de enfiteuta. É o que se extrai do seguin-te trecho da fundamentação do decisório guer-reado (vide fl. 905):

Segundo o art. 32 do Código TributárioNacional – CTN, a hipótese de incidênciado IPTU é a propriedade, o domínio útilou a posse, de bem imóvel por naturezaou acessão física, como definido no Códi-go Civil, situado na zona urbana do Muni-cípio, desde que servido por, no mínimo,dois dos melhoramentos arrolados no § 1ºdaquele dispositivo.Na hipótese, ora analisada, a Apelada éenfiteuta do terreno, cuja propriedade é daUnião, sendo titular do seu domínio útil.Caracteriza-se o contrato de enfiteuse peloônus que se grava sobre a propriedade emque o proprietário atribui a outrem o do-mínio útil do imóvel.Domínio útil, por seu turno, é o nomedado pelo Código Civil (arts. 678 e ss.), aoconjunto de atributos conferidos ao titularde enfiteuse, aforamento ou empraza-mento, direito real em favor de terceiro,não proprietário do bem, que lhe permiteagir como se o fosse.Na hipótese dos autos, o IPTU vem a incidirsobre o domínio útil, exercido pela (...), enão sobre a propriedade da União, alijandoa apelada de qualquer direito à imunidaderecíproca. (grifos acrescidos).

Tal premissa, vale dizer, a condição deenfiteuta da (...), não pode ser infirmada, por-quanto a rescisória não comporta a reavaliaçãodo acervo probatório que embasou o julgadorescindendo. Aliás, nem mesmo a má aprecia-ção da prova (inocorrente na espécie) poderiajustificar a rescisão da res iudicata, conforme li-ção do insuperável Pontes de Miranda1: “Ospressupostos para a ação rescisória constam dosarts. 485 e 486, e de modo algum se pode le-var adiante a rescindibilidade das decisões. A

1 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado daAção Rescisória: das sentenças e de outras decisões. 1ªed. São Paulo: Bookseller, 1998, pp. 400.

Page 126: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

120 •

• PRÁTICA FORENSE

má apreciação da prova não é suficiente parafundamento da rescisão”.

Em sentido convergente, a jurisprudênciado STJ:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUALCIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDORPÚBLICO ESTADUAL. REAJUSTE SALARI-AL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LI-TERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. REEXAME DEPROVAS APRECIADAS NA AÇÃO ORIGI-NÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSOCONHECIDO E PROVIDO.1. A açãorescisória não é o meio adequado paracorrigir suposta injustiça da sentença, apre-ciar má interpretação dos fatos, reexaminaras provas produzidas ou complementá-las.Precedentes do STJ.2. Hipótese em que o acórdão rescindendo,com base no conjunto probatório dos au-tos, considerou não-comprovada a ilegiti-midade ativa do recorrente para percebero reajuste de que trata a Lei Estadual10.395/95, questão somente provada nosautos da ação rescisória, pelo que inviávelseu reexame e a conseqüentedesconstituição do julgado.3. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 924.012/RS, Rel. Ministro ArnaldoEsteves Lima, Quinta Turma, julgado em 20/11/2008, DJe 09/12/2008 – grifou-se).PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL– AÇÃO RESCISÓRIA – VIOLAÇÃO A LI-TERAL DISPOSIÇÃO DE LEI – FGTS –EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – SÚMULA343/STF – INDEFERIMENTO LIMINAR DAPETIÇÃO INICIAL – AUSÊNCIA DE INTE-RESSE JURIDICAMENTE PROTEGIDO.1. A ação rescisória é eminentemente téc-nica e não se presta a corrigir injustiças, máapreciação da prova ou erro de julgamen-to, senão aqueles catalogados em numerosclausus no art. 485 do CPC.

2. Indeferimento da petição inicial darescisória, destituída de razões suficientespara demonstrar violação literal à lei.3. Agravo regimental improvido.(AgRg na AR 1997/CE, Relatora MinistraEliana Calmon, S1 – Primeira Seção, julga-do em 28/11/2001, DJ 25/02/2002, p. 191– grifou-se).

In casu, a causa de pedir disseca-se nos se-guintes termos: imóvel de propriedade daUnião (fato), utilizado pela autora sem animus

domini e sem a titularidade do correspondentedomínio útil (“fato”), não sujeito, portanto, àincidência do IPTU, face à imunidade recíprocaque escuda o patrimônio da União, nos termosdo art. 150, VI, a, da CF-88 (fundamento jurí-dico).

O fundamento jurídico (infringência ao art.150, VI, a, da CF-88) assenta-se, porém, emfato negado, veementemente, pelo decisóriorescindendo, que, como visto, afirma ser a (...)“enfiteuta do terreno, cuja propriedade é da

União”.

O acórdão esclarece, ainda, referindo-seimplicitamente ao art. 32, caput, do CTN2, que“o IPTU vem a incidir sobre o domínio útil,

exercido pela (...), e não sobre a propriedade

da União”.

Tais nuances do julgado rescindendo sãoabsolutamente importantes. Caso as premissasda rescisória estivessem corretas, seria inviável aincidência do IPTU, que, como cediço, tem porpossíveis fatos geradores a propriedade, a pos-se ad uso capionem ou o domínio útil de imó-

2 Redação do art. 32, caput, do CTN: “O imposto decompetência dos Municípios, sobre a propriedade prediale territorial urbana tem como fato gerador a propriedade,o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza oupor acessão física, como definido na lei civil, localizado nazona urbana do Município.”

Page 127: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 121•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

vel urbano (CTN, art. 32). De fato, se o imóvelem tela, além de ser de propriedade da União,não tivesse o correspondente domínio útil tres-passado à (...) (como assegurado pela decisãorescindenda), seria inviável sequer cogitar-se daincidência do aludido imposto, já que os imó-veis públicos não estão sujeitos a usucapião.

Mas, como visto, se trata de imóvel cujodomínio útil integra o patrimônio da (...), sen-do esta, portanto, e não a União, a ocupantedo pólo passivo da relação jurídica tributária.

O aspecto é, por demais, relevante: se a(...) não detivesse o domínio útil do imóvel, bas-taria, para elaboração da causa de pedir darescisória, afirmar que, sendo ele (imóvel) depropriedade da União, o lançamento do IPTUvulnerou a imunidade recíproca prevista no art.150, VI, a, da Constituição. Nada mais precisa-ria ser dito. Como, porém, a (...), sociedade deeconomia mista, detém o domínio útil do imó-vel, ocupando, pois, a condição de enfiteuta,tal fato-base, assumido como verdadeiro peloacórdão rescindendo, deveria ter sido levadoem conta na fundamentação do pedidorescisório.

Isto porque, em se tratando de imóvel in-tegrado ao patrimônio de entidade da adminis-tração indireta da União (sociedade de econo-mia mista), a questão da imunidade recíprocanão se resolve apenas no plano do art. 150, VI,a, da Constituição, mas a partir, também, daexegese dos §§ 2º e 3º do mesmo artigo. Tantoé assim que o acórdão rescindendo baseou-sena inteligência desses dispositivos, especialmen-te na interpretação do § 3º do art. 150 da CF,conforme revela o seguinte trecho da sua fun-damentação (vide fl. 904 dos autos):

As tarifas e os preços públicos são remune-rações pagas pelos particulares aos entes daFederação em decorrência de serviços pres-tados sob o regime de direito privado. Ou

seja, na hipótese de o Estado agir comoagente explorador de atividade econômica(p.ex., por meio de sociedade de econo-mia mista), este receberá, pelos serviçosprestados, remuneração sujeita ao regimede direito privado, a qual, portanto, não sesubmete ao regime de serviços públicos.Trata-se de ente da Federação atuandocomo agente privado (artigo 173, § 2º, daCF). A remuneração percebida é tarifa oupreço público.

Com efeito, conclui-se que se a (...), ora Ape-lada, presta serviço público mediantecontraprestação, está, portanto, alijada daimunidade tributária, conforme o disposto noparágrafo 3º do art. 150 da CF. (grifou-se).

Em síntese, a impugnação dos fundamen-tos da decisão rescindenda teria que passar,necessariamente, pela exegese do § 3º do art.150 da CF-88, o que só se revelou “desneces-sário”, em função de a (...) haver afirmado, nainicial, que não detém o domínio útil do imó-vel. Deveras, se a (...) não ostentasse a condi-ção de enfiteuta, a chancela, pelo acórdãorescindendo, do lançamento do IPTU, implica-ria, de per si, infringência ao disposto no art.150, VI, a, da Constituição, já que, sendo oimóvel de propriedade da União, não seria viá-vel a tributação da posse sobre ele exercida porterceiros. Seriam, nesse caso, desnecessáriasconsiderações adicionais envolvendo a exegesedos §§ 2º e 3º do art. 150 da CF/88; a lide seriasolvida a partir, exclusivamente, do art. 150, VI,a, da Constituição. Como, porém, a (...) detémo domínio útil do imóvel, a situação muda defigura: viável, em princípio, a incidência do IPTU,faz-se necessário perquirir o alcance da imuni-dade recíproca, mediante exegese dossupracitados §§ 2º e 3º.

Nessa quadra, importa reiterar que o Có-digo de Processo Civil “filiou-se à chamada teo-ria da substanciação quanto à causa de pedir. A

Page 128: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

122 •

• PRÁTICA FORENSE

decisão judicial julgará procedente, ou não, opedido em face de uma situação descrita, ecomo descrita” (grifou-se). 3

Ao aduzir que não detém o domínio útildo imóvel em questão, quando o acórdãorescindendo afirma exatamente o contrário, a(...) inviabiliza a apreciação do mérito darescisória, já que: (i) descabe o reexame da provaque embasou o decisum guerreado; e (ii) comocorolário da adoção de premissa fática equivo-cada (domínio útil supostamente não atribuídoà autora), a causa de pedir não tratou da imu-nidade recíproca à luz dos §§ 2º e 3º do art.150 da CF-88, explicitamente abordados nojulgado rescindendo, limitando-se a focalizar aquaestio com base no art. 150, VI, a, da CF/88.

Não seria demais lembrar que, se até mes-mo em sede de recurso, deve o recorrente im-pugnar o fundamento da decisão recorrida, sobpena de não conhecimento (Súmula nº 283/STF), com muito mais razão, em se tratando derescisória, deve o autor infirmar o fundamentoadotado pelo acórdão rescindendo, demons-trando, assim, a eventual violação a literal dis-posição de lei. Ao adotar premissa fática distin-ta daquela encampada pelo decisório guerrea-do, a autora deixou de enfrentar a questão daimunidade à luz dos §§ 2º e 3º do art. 150 daCF-88, passando ao largo da fundamentaçãodaquele decisum.

Por todo o exposto, pugna-se pela extinçãodo feito, sem julgamento do mérito, face à im-possibilidade jurídica do pedido (oordenamento pátrio não contempla hipótese dereexame de prova em sede de rescisória), alia-da à deficiência da causa de pedir (baseada empremissa de fato equivocada e elaborada semimpugnação do fundamento do julgadorescindendo, que, como visto, baseia-se nos §§2º e 3º do art. 150 da CF-88).

III – Da Inépcia da Inicial – Falta deCausa de Pedir Relativa ao Suposto Errode Fato

A (...) aduz, textualmente, logo na segundalauda da petição inicial (fl. 03), o seguinte:

O acórdão que se pretende rescindir éuma decisão de mérito transitada em jul-gado, conforme se depreende da certidãode trânsito em julgado anexa, devido a suaviolação latente à Constituição Federal de1988 e a presença de erro de fato, enqua-drando-se, assim, na possibilidade deajuizamento da Rescisória de acordo como art. 485, V e IX, do CPC. (destacou-se).

O pórtico da vestibular sinaliza, pois, que acausa de pedir, que seria construída nas laudasseguintes, assentar-se-ia em duas das hipótesesde cabimento previstas no art. 485 do CPC: (i)violação a literal dispositivo de lei (inciso V) e (ii)erro de fato (inciso IX).

Pois bem.

É sabido que a inicial da rescisória deve pre-encher os requisitos essenciais do art. 282 do CPC4,dentre os quais a indicação dos fatos e funda-

mentos jurídicos do pedido (inciso IV). Ao exigirtal descritivo, o Código de Processo Civil “filiou-seà chamada teoria da substanciação quanto à cau-sa de pedir. A decisão judicial julgará procedente,ou não, o pedido em face de uma situação des-crita, e como descrita” (grifou-se)5.

Ainda segundo Vicente Greco Filho6, “na

3 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil

Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. 1996. vol. 2, pp.108.

4 O caput do art. 488 do CPC estatui: “A petição inicial seráelaborada com observância dos requisitos essenciais doart. 282...”

5 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil

Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. 1996. vol. 2, pp.108.

Page 129: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 123•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

teoria da substanciação, adotada por nossa lei,a petição inicial define a causa, de modo quefundamento jurídico não descrito não pode serlevado em consideração” (destacou-se).

No presente caso, embora sinalize que adecisão rescindenda ter-se-ia fundado em errode fato, a autora não motivou tal assertiva, dei-xando, pois, de descrever o fundamento jurídi-co do pedido, no particular. Note-se que o incisoIX do art. 485 do CPC, genericamente invoca-do na inicial, estatui ser cabível a rescisória quan-do a decisão rescindenda for “fundada em errode fato, resultante de atos ou de documentosda causa” (grifou-se).

Caberia, pois, à (...) indicar na inicial, paraefeito de composição da causa petendi, quaisatos ou documentos da causa estariam rela-cionados ao suposto erro de fato no qual seteria fundado o acórdão rescindendo. Mas alémde não indicar tais aspectos, malgrado suaessencialidade, a (...), o que é mais grave, nãodeclinou sequer o erro que teria viciado odecisum rescindendo! Que fato (incontroverso)inexistente foi admitido pelo acórdão guerrea-do? Ou, por outra banda, que fato efetivamen-te ocorrido foi tido por inexistente?

Como não precisou o erro no qual odecisório rescindendo teria incorrido, não maispoderá fazê-lo, inclusive em sede de eventualréplica, mesmo porque tal posturaconsubstanciaria aditamento vedado pelo art.264, caput, do CPC, verbis: “Feita a citação, édefeso ao autor modificar o pedido ou a causade pedir, sem o consentimento do réu, man-tendo-se as mesmas partes, salvo as substitui-ções permitidas em lei”.

Confira-se, nesse sentido, a decisão do STJassim ementada:

AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMEN-TAL. PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO.

1. A AÇÃO RESCISÓRIA, PARA TER CUR-SO, HÁ DE TER DEMONSTRADO, DE IME-DIATO, OS PRESSUPOSTOS EXIGIDOSPELO ART. 485, DO CPC, PARA O SEUCABIMENTO.2. O ERRO DE FATO, PARA FUNDAMEN-TAR RESCISÓRIA, DEVE SER, DE IMEDI-ATO, DEMONSTRADO NA PETIÇÃO INI-CIAL, A FIM DE SER ANALISADO, DE PLA-NO, O CONTEÚDO DA POSSIBILIDADEJURÍDICA E DO INTERESSE EMDESCONS-TITUIR A DECISÃO.INDEFERIMENTO, “IN LIMINE”, DE PRE-TENSÃO RESCISÓRIA QUANDO NÃO SEAPONTA A EXISTÊNCIA DE ERRO DEFATO CONFORME O EXIGIDO PELO ART.485, IX, PAR. 1º E PAR. 2º, DO CPC.3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.(STJ, AgRg na AR 536/DF, Rel. Ministro JOSÉDELGADO, Primeira Seção, julgado em 11/02/1998, DJ 01/06/1998 p. 23 – grifou-se).

Em síntese, no que tange ao ventilado errode fato, a inicial apresenta-se absolutamentedestituída de causa de pedir, seja porque nãoindicados os atos ou documentos da causa comos quais estaria (o erro) relacionado (CPC, art.485, inciso IX), seja porque não indicado o pró-prio erro em que se teria fundado a decisãorescindenda (CPC, art. 485, § 1º), seja, ainda,porque não demonstrada a inexistência de con-trovérsia ou de pronunciamento judicial sobreo fato que teria motivado o suposto erro (CPC,art. 485, § 2º).

Descortina-se, portanto, flagrante vácuo dacausa petendi, por ausência de fundamentação,no particular.

Isto posto, sob invocação dos artigos 267,I, e 295, I, e parágrafo único, I, do CPC, a Fa-

6 Op. cit., pp. 108.

Page 130: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

124 •

• PRÁTICA FORENSE

zenda Pública requer seja o feito parcialmenteextinto, sem julgamento de mérito, no que tan-ge à suposta alegação de erro de fato, generi-camente ventilada às fls. 03 (segunda lauda dainicial) e 23 (vigésima segunda lauda – pedidode letra “c”).

IV – Da Inépcia da Inicial – Da Narra-ção dos Fatos não Decorre Logicamentea Conclusão

Ao dizer em sua causa de pedir que odecisório rescindendo teria vulnerado aliteralidade do art. 150, VI, a, da CF-88, queconsagra a imunidade tributária recíproca daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dosMunicípios, sem apontar qualquer outro dispo-sitivo potencialmente infringido, seria de se es-perar que o pedido de rescisão (iudiciumrescindens) focalizasse apenas parte do acórdãoguerreado.

Com efeito.

O referido acórdão assegurou a viabilidadeda cobrança de um imposto (IPTU) e de umataxa (TL). Como a imunidade de que trata oart. 150, VI, a, da CF-88 só alcança os impos-tos, afigura-se inepta, ao menos em parte, ainicial, quando formula pedido (amplo) de res-cisão desse mesmo acórdão.

Isto porque a causa de pedir deve guardarcongruência com o pedido. Ao questionar, nainicial, a cobrança do IPTU, porque supostamentecontrária à imunidade recíproca, sem nada di-zer, ainda que tangencialmente, a respeito dacobrança da TL (taxa de coleta de lixo), a (...)formula causa de pedir relacionada a apenas umdos capítulos do decisório rescindendo; não ata-ca o capítulo (autônomo) referente à TL. Logo,incorre em inépcia quando formula pedido derescisão de todo o acórdão impugnado (da nar-ração dos fatos não decorre logicamente a con-clusão – CPC, art. 295, parágrafo único, II).

Frise-se que a teoria dos capítulos da sen-tença, amplamente acolhida pela doutrina epelos tribunais, possibilitava à autora formularpedido de anulação parcial do acórdãorescindendo, não se justificando, pois, a formu-lação de causa de pedir limitada aos impostos(IPTU) e, por outro lado, a formulação de pe-dido rescisório irrestrito (IPTU e TL), ou seja, derescisão de todo o acórdão. Ilustre-se, à guisade subsídio, com lição do professor CândidoRangel Dinamarco7:

Se o vício foi prejudicial só no tocante àdecisão de uma das parcelas do petitum enão a este como um todo; ou se ele sóporta prejuízo a um dos litisconsortes e nãoa todos, a anulação integral da sentençatransgride a prestigiosa regra pas de nullitésans grief, consagrada no art. 249, § 1º, doCódigo de Processo Civil.(...).A própria lei não é infensa às anulaçõesparciais de sentença. Na disciplina da exe-cução provisória, o art. 588, § 1º, do Códi-go de Processo Civil prevê o caso de a sen-tença ser ‘anulada apenas em parte’, paradispor que, nessa situação, ‘somente nessaparte ficará sem efeito a execução’. Eis aí,para quem não se curvar às razões ofereci-das pela própria teoria dos capítulos de sen-tença e pela regra da conservação dos atosjurídicos (utile per inutile non vitiatur – art.284 CPC), uma claríssima disposição legalsuficiente para autorizar a preservação decapítulos hígidos não dependentes, semembargo da nulidade de algum outro capí-tulo, não condicionante (destacou-se).

Face ao exposto, sob invocação dos artigos267, I, e 295, I ,e parágrafo único, II, do CPC,a Fazenda Pública requer seja o feito parcial-

7 RANGEL DINAMARCO, Cândido. Capítulos de Sentença.São Paulo: Malheiros, 2002, pp. 86.

Page 131: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 125•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

mente extinto, sem julgamento de mérito, notocante ao pedido de rescisão do capítulo do jul-gado rescindendo que avalizou a cobrança daTL.

V – Da Ausência de Violação a LiteralDisposição de Lei

Embora confie no acolhimento das preli-minares suscitadas, a Fazenda Pública passa, ematenção ao princípio da eventualidade e da con-centração da defesa, a demonstrar que, tam-bém no mérito, razão não assiste à autora.

Conforme acima salientado, a (...) funda-menta sua pretensão no art. 485, V, do CPC,que considera rescindível a sentença de méritoque “violar literal disposição de lei”.

Olhos fitos na segurança jurídica, o legisla-dor armou-se de cautela ao elaborar o rol doart. 485 do CPC: previu a possibilidade de res-cisão da sentença violadora de “literal disposi-ção de lei” (destacou-se).

A esse respeito, a doutrina sedimentouexegese no sentido de só ser rescindível a sen-tença que, flagrante e induvidosamente, con-traria dispositivo de lei. Nesse exato sentido, àguisa de ilustração, o ensinamento de VicenteGreco Filho8: “A violação de lei para ensejar arescisão deve ser frontal e induvidosa. Se a leicomportava mais de uma interpretação razoá-vel não incide o dispositivo, se a sentença op-tou por uma delas (grifou-se)”. Sérgio GilbertoPorto9, por seu turno, alerta que “somente aofensa literal, flagrante, é que autoriza o pedi-do de rescisão do julgado”. Conclui, ainda,Bernardo Pimentel Souza10:

O vocábulo ‘literal’ inserto no inciso V doartigo 485 revela a exigência de que a afron-ta deve ser tamanha que contrarie a lei emsua literalidade. Já quando o texto legal dáensejo a mais de uma exegese, não é pos-sível desconstituir o julgado proferido à luzde qualquer das interpretações plausíveis(grifou-se).

Tal orientação tem ecoado fortemente noSuperior Tribunal de Justiça, como atestam asdecisões assim ementadas:

AÇÃO RESCISÓRIA. CONTRIBUIÇÃOPREVIDENCIÁRIA. AUTÔNOMOS, ADMI-NISTRADORES E AVULSOS. COMPENSA-ÇÃO. ART. 485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO ALITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.INEXISTÊNCIA. SÚMULA 343/STF.1. Hipótese em que a autora propõe AçãoRescisória com fundamento no art. 485, V,do CPC e não aponta qual a violação pre-sente no acórdão rescindendo, insurgindo-se mais uma vez contra o mérito dodecisum.2. Como bem afirmado pelo Min. CastroMeira, ao apreciar o pedido constante da AR1573/SC, “por não se tratar de sucedâneode recurso, a ação em comento só tem lugarem casos de flagrante transgressão à lei. Ofato de o julgado haver adotado a interpreta-ção menos favorável à parte, ou mesmo apior dentre as possíveis, não justifica o mane-jo daquela demanda. Não se cuida de viarecursal com prazo de dois anos.”3. Ademais, a questão acerca da necessi-dade de demonstração de que o ônus fi-nanceiro não teria sido repassado a tercei-ro (art. 166 do CTN) foi solucionada combase em outros julgados do STJ, o que atraia incidência da Súmula 343/STF.4. Ação Rescisória improcedente.(AR 1.980/RJ, Rel. Ministro HERMAN BEN-JAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/

8 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual CivilBrasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 2, pp. 425.

9 GILBERTO PORTO, Sérgio. Comentários ao Código deProcesso Civil: do processo de conhecimento. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2000, v. 6, pp. 318.

10 PIMENTEL SOUZA, Bernardo. Introdução aos RecursosCíveis e à Ação Rescisória. 4ª ed. São Paulo, Saraiva,2007, pp. 495.

Page 132: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

126 •

• PRÁTICA FORENSE

02/2010, DJe 22/03/2010).AÇÃO RESCISÓRIA. PROVA FALSA, ERRODE FATO, JUIZ IMPEDIDO E VIOLAÇÃOÀ LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.ACÓRDÃO QUE ATRIBUIU INTERPRETA-ÇÃO RAZOÁVEL À NORMA. SERVENTIASDO FORO EXTRAJUDICIAL. VACÂNCIAANTERIOR A 1983. CONCURSO PÚBLI-CO. PEDIDO IMPROCEDENTE.1. As certidões cartorárias que documen-tam atos processuais, que afora possuírempresunção de veracidade estão confirma-das nos autos, não rendem ensejo à resci-são do julgado por prova falsa.2. Para que o erro de fato dê causa àrescindibilidade do julgado, é indispensá-vel que ele seja relevante para o julgamen-to da questão, que seja apurável mediantesimples exame e que não tenha havidocontrovérsia nem pronunciamento judicialsobre o fato.3. “Segundo o estabelecido no artigo 81do Regimento Interno do Tribunal de Justi-ça do Estado do Rio Grande do Sul, osDesembargadores integrantes do Conselhoda Magistratura não estão impedidos deatuar no julgamento de recursos interpos-tos contra as decisões do referido órgão”.(RMS 16.171/RS, Rel. Ministro FELIXFISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/04/2004, DJ 07/06/2004 p. 244)4. A jurisprudência desta Corte Superior deJustiça é firme em que “Para ter cabida arescisória com base no art. 485, V, do CPC,é necessário que a interpretação conferidapela decisão rescindenda seja de tal formaextravagante que infrinja o preceito legalem sua literalidade.” (AR nº 624/SP, RelatorMinistro José Arnaldo da Fonseca, in DJ 23/11/98).5. Atribui interpretação razoável à normae ajustada à jurisprudência deste SuperiorTribunal de Justiça o acórdão que decideque “A Constituição de 1967, mesmo apósas Emendas nºs 1/69 e 22/82, permitia a

ascensão do substituto a titular, cumpridosalguns requisitos, como forma de provimen-to de vaga das serventias extrajudiciais.” 6.Pedido improcedente.”(AR 3.104/RS, Rel. Ministro HamiltonCarvalhido, Primeira Seção, julgado em 24/03/2010, DJe 16/04/2010 – grifou-se).

A mesma diretriz é acolhida pela Seção Cívelde Direito Público desse egrégio Tribunal de Jus-tiça do Estado da Bahia, como se infere,exemplificativamente, da decisão proferida noAgravo Interno nº 0035749-56.2006.805.0001-1 (cópia integral anexa), cujo voto con-dutor consigna que, “conforme posicionamentopacífico, a ofensa a dispositivo de lei capaz deensejar o ajuizamento da ação rescisória é aque-la evidente, direta, aberrante, observada primoictu oculi...”.

No caso ora sub judice, o acórdãorescindendo atribuiu interpretação razoável ànorma tida por infringida, já que a sua funda-mentação estribou-se em precedentesjurisprudenciais e em ensinamento doutrináriodo mais alto gabarito (oriundo do professorRoque Antonio Carrazza).

Não se pode cogitar de exegese literalmen-te contrária ao art. 150, VI, a, da CF-88, postoque, à evidência, o acórdão rescindendo nãointerpretou tal dispositivo de modo aberrante,esdrúxulo e visceralmente contrário à sua menslegis.

Para demonstrá-lo, a Fazenda Pública pedevênia para reproduzir os fundamentos dodecisório atacado:

Trata-se de Apelação interposta pelo Mu-nicípio do Salvador, tendo por escopo a re-forma da sentença de fls. 271/275, quejulgou procedentes os Embargos à Execu-ção propostos por (...) – Companhia dasDocas do Estado da Bahia, por entender

Page 133: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 127•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

ser a Embargante imune em relação aoIPTU cobrado pelo Município do Salvadore ser inconstitucional a cobrança da Taxade Limpeza Pública.A Constituição Federal (CF) brasileira emseu art. 150, VI, “a”, § 2º, assim dispõe:Art. 150. Sem prejuízo de outras garantiasasseguradas ao contribuinte é vedado àUnião, aos Estados, ao Distrito Federal eaos Municípios:(...)VI – Instituir impostos sobre:a) patrimônio, renda ou serviços uns dosoutros;O parágrafo 2º deste mesmo artigo esten-de a supracitada vedação às autarquias efundações públicas, in verbis:§ 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensivaàs autarquias e às fundações instituídas emantidas pelo Poder Público, no que serefere ao patrimônio, à renda e aos servi-ços, vinculados a suas finalidades essenciaisou às delas decorrentes.O parágrafo 3º, do mesmo dispositivoconstitucional, restringe a imunidade, nosseguintes termos:§ 3º. As vedações do inciso VI, a, e doparágrafo anterior não se aplicam aopatrimônio, à renda e aos serviços, rela-cionados com a exploração de atividadeseconômicas regidas pelas normas aplicáveisa empreendimentos privados, ou em quehaja contraprestação ou pagamento depreços ou tarifas pelo usuário, nem exo-nera o promitente comprador da obriga-ção de pagar imposto relativamente ao bemimóvel.Portanto, o parágrafo 3º tem como desti-natário entidade estatal que explore ativi-dade econômica regida pelas normas apli-cáveis a empreendimentos privados, ou emque haja contraprestação ou pagamentode preços ou tarifas pelo usuário.A (...) é uma sociedade de economia mis-ta que tem por objetivo exercer a explo-ração dos Portos na Bahia, mediante con-

traprestação.Assim, as empresas públicas e as socieda-des de economia mista estão excluídas daimunidade, não sendo beneficiadas.Colaciona-se ao presente, face a suapertinência com o objeto da lide o seguintejulgado:‘TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA.CF, ARTIGO 150, VI.A imunidade recíproca prevista no artigo150, inciso VI, da Constituição Federal dizrespeito somente a impostos, não alcançan-do contribuições sociais ou tarifas públicas.A CORSAN é sociedade de economia mis-ta, com personalidade jurídica de direito pri-vado, que presta serviço público medianteconcessão na forma do artigo 175 da Car-ta Política, cobrando tarifa diretamente dousuário, o que a afasta do benefício daimunidade recíproca.’ (TRF, 2ª Turma, AC96.04.49710-3/RS, rel. Juiz Vilson Darós,fev/2000).Da leitura dos dispositivos supratrans-critos, vê-se que o parágrafo 3º exclui daimunidade as empresas estatais que, mes-mo prestando serviço público, o fazempor ‘contraprestação ou pagamento depreços ou tarifas pelo usuário’(...).Com efeito, conclui-se que se a (...), oraApelada, presta serviço público median-te contraprestação, está, portanto, alijadada imunidade tributária, conforme o dis-posto no parágrafo 3º do art. do art. 150da CF (negrito acrescido).

Constatando, pois, que, a (...) exigecontraprestação pelos serviços disponibili-zadosà sua clientela, o decisum invectivado aplicou àespécie o § 3º do art. 150 da CF-88. Segundoa interpretação conferida pelo acórdãorescindendo ao referido dispositivo, a imunida-de tributária recíproca da União, dos Estados,do Distrito Federal e dos Municípios não se apli-ca ao patrimônio, à renda e aos serviços, (i) re-

Page 134: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

128 •

• PRÁTICA FORENSE

lacionados com exploração de atividades eco-nômicas regidas pelas normas aplicáveis a em-preendimentos privados, ou (ii) em que hajacontraprestação ou pagamento de preços outarifas pelo usuário.

Em outras palavras, a partir do enquadra-mento da (...) nessa segunda hipótese – exigên-cia de contraprestação –, a decisão rescindendaafastou a imunidade tributária recíproca, con-cluindo, ainda, que, ostentando, dita estatal, acondição de enfiteuta (detentora do domínioútil do imóvel), estava obrigada ao recolhimen-to do IPTU (CTN, artigos 32 e 34).

Embora não unânime, tal exegese respal-da-se em abalizada doutrina, a seguir represen-tada por lições de Hugo de Brito Machado, Le-andro Paulsen, Celso Antônio Bandeira deMello e Humberto Ávila, respectivamente:

A imunidade não se aplica (a) aopatrimônio, à renda e aos serviços relacio-nados com a exploração de atividades eco-nômicas regidas pelas normas aplicáveis aempreendimentos privados; (b) ou em quehaja contraprestação ou pagamento de pre-ços ou tarifas pelos usuários. Assim, têm-se pelo menos duas situações nas quais opatrimônio, a renda e os serviços das en-tidades públicas não são imunes, a saber:uma, quando relacionados com a explo-ração de atividades econômicas; e outra,quando relacionados a atividades em quehaja contraprestação ou pagamento depreços ou tarifas pelo usuário. É plena-mente justificável a exclusão da imunidadequando o patrimônio, a renda e o serviçoestejam ligados a atividade econômica re-gulada pelas normas aplicáveis às empre-sas privadas. A imunidade implicaria trata-mento privilegiado, contrário ao princípioda liberdade de iniciativa. Ocorre que tam-bém não há imunidade quando hajacontraprestação ou pagamento de preçosou tarifas pelo usuário. Isto quer dizer queum serviço, mesmo não considerado ati-

vidade econômica, não será imune sehouver a cobrança de contraprestação, oude preço, ou de tarifa (destacou-se)11.

As empresas públicas e sociedades de eco-nomia mista estão excluídas da imunida-de, não sendo beneficiadas. Não se aplicaesta imunidade ao patrimônio, à renda eaos serviços relacionados com exploraçãode atividades econômicas regidas pelas nor-mas aplicáveis a empreendimentos priva-dos, ou em que haja contraprestação oupagamento de preços ou tarifas pelo usu-ário, nem exonera o promitente compra-dor da obrigação de pagar imposto relati-vamente ao bem imóvel, nos termos do §3º deste mesmo artigo (destacou-se) 12.

As empresas estatais, conquantoprestadoras de serviços públicos, quan-do haja contraprestação ou pagamento depreços ou tarifas pelo usuário do serviçonão se beneficiam da imunidade previstano art. 150, VI, ‘a’, da Constituição Fede-ral – onde se proíbe que União, Estados,Distrito Federal e Municípios instituam im-postos sobre patrimônio, renda ou servi-ços uns dos outros. É que o § 3º do mes-mo artigo é explícito em excluir, em taiscasos, a incidência da referida imunida-de (destacou-se) 13.

Ocorre que também não há imunidadequando haja contraprestação ou pagamen-to de preços e tarifas pelos usuários. Istoquer dizer que um serviço mesmo nãoconsiderado atividade econômica, nãoserá imune se houver cobrança decontraprestação, ou de preço, ou de tari-fa (grifou-se) 14.

11 BRITO MACHADO, Hugo de. Curso de Direito Tributário.26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 283.

12 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição eCódigo Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência.6ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, pp. 262.

13 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de DireitoAdministrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, pp.210.

14 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário, SãoPaulo: Saraiva, 2004, pp. 283.

Page 135: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 129•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

Além de estear-se em sólidos ensinamentosdoutrinários, o acórdão rescindendo aderiu arelevante segmento jurisprudencial, como ilus-tram os seguintes julgados (o primeiro delesoriundo do STJ e proferido em processo envol-vendo as mesmas partes ora em litígio):

TRIBUTÁRIO - IPTU - CONTRIBUINTE:ART. 34 DO CTN – IMÓVEL ENFITÊUTICO.1. Por força do disposto no art. 34 do CTN,cabe ao detentor do domínio útil, oenfiteuta, o pagamento do IPTU.2. A imunidade que possa ter o senhorio,detentor do domínio indireto, não se trans-mite ao enfiteuta.3. Bem enfitêutico dado pela UNIÃO emaforamento.4. Recurso especial conhecido e provido.(REsp nº 267.099/BA, relatora Min. ElianaCalmon, julg. 16.04.2002, DJ 27.05.2002,p.152 - grifou-se).

EMBARGOS À EXECUÇÃO. TARIFA DEÁGUA E ESGOTO. PREÇO PÚBLICO. PRES-CRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32.LIQUIDEZ E CERTEZA DA CDA NÃOILIDIDA. IMUNIDADE RECÍPROCA. JUROSMORATÓRIOS. INAPLICABILIDADE DOART. 1º F DA LEI Nº 9.494/97 INSERIDOPELA MP 2-180-35/2001. 1- Em relaçãoao cômputo do prazo prescricional, por-tanto, aplica-se o Decreto nº 20.910/32,que regula a prescrição qüinqüenal e apli-ca-se, de forma específica, às dívidas daUnião, Estados e Município. 2- Não existedireito à imunidade recíproca no queconcerne à exploração de atividades eco-nômicas regidas pelas normas aplicáveis aempreendimentos privados, ou em quehaja contraprestação ou pagamento de pre-ços ou tarifas pelo usuário. 3- Ainda quenão preencha todos os requisitos previstosna lei, se a certidão de dívida ativa informa,devidamente, o fundamento da dívida e

dos consectários legais, discrimina os perí-odos do débito etc., não há que se invali-dar o processo de execução, pois a certi-dão atinge o fim a que se propõe. 4- A fi-xação dos juros de mora no percentual de0,5% ao mês somente se aplica aos casosde pagamento de verbas remuneratóriasdevidas a servidores e empregados públi-cos. Em quaisquer outras situações, inclusi-ve no que tange ao pagamento das dívidaspassivas da União Federal, os juros de moraserão aplicados no percentual de 12% aoano, sob pena de conceder tratamentoantiisonômico ao ente federativo, em totalafronta ao princípio da legalidade. 5- Ape-lação não provida.(TRF 2ª Região, AC 466884 – Processo2008.51.19.000590-4 – RJ, Quarta TurmaEspecializada, Relator Desembargador Fede-ral Luiz Antonio Soares, julg. 16/03/2010,DJF2R 08/04/2010, p. 202 – grifou-se).

Ora, como acima demonstrado, o art. 485,V, do CPC só é aplicável quando a decisãorescindenda adota interpretação extravagante,a ponto de ferir determinado enunciadonormativo em sua literalidade. Nesse diapasão,Vicente Greco Filho15 averba que “se a lei com-portava mais de uma interpretação razoável nãoincide o dispositivo, se a sentença optou poruma delas”.

Conclui-se, do exposto: (i) que a rescisãode sentença com base no permissivo do art.485, V, do CPC só se viabiliza quando a decisãorescindenda viola literal disposição de lei; (ii)que tal contrariedade só se caracteriza como“literal” quando a decisão rescindenda adotainterpretação frontalmente contrária à lei; (iii)que, quando o dispositivo considerado infringi-do dá margem a mais de uma interpretação e a

15 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual CivilBrasileiro. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 2, pp. 425.

Page 136: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

130 •

• PRÁTICA FORENSE

decisão rescindenda adota uma delas, não seviabiliza a rescisória calcada no inciso V do art.485 do CPC; (iv) que, in casu, ao não estendera imunidade tributária recíproca à (...), à consi-deração de que esta sociedade exigecontraprestação pelos serviços disponibilizadosaos seus usuários, o decisum rescindendo ado-tou interpretação razoável acerca do dispostono § 3º do art. 150 da CF-88, harmonizando-se a significativa parcela da doutrina e da juris-prudência; (v) que, como corolário darazoabilidade de tal exegese, a decisãorescindenda não violou literal disposição de lei,descabendo, pois, a sua desconstituição sob avia do art. 485, V, do CPC.

VI – Consideração Final - TL

Ainda que essa egrégia Seção Cível não aco-lha as alegações ventiladas nos tópicos anterio-res, o que se admite ad argumentandum tantum,nada impede que conclua pela improcedênciado pedido de rescisão do capítulo do acórdãorescindendo que tratou da TL (taxa de coletade lixo), já que, como cediço, a imunidade re-cíproca de que trata o art. 150, VI, letra a, daCF-88, dispositivo tido por infringido, só diz res-peito aos impostos, não abrangendo as taxas.

Inviável, portanto, o pedido dedesconstituição da decisão rescindenda, ao me-nos no que se refere à TL (taxa de coleta de lixo).

VII – Da Conclusão

Por todo o exposto, a Fazenda Pública re-quer seja o processo extinto, sem julgamentodo mérito, nos termos da fundamentaçãoexpendida nos tópicos II, III e IV desta peça, ouna hipótese de entendimento diverso, que ospleitos formulados na inicial sejam julgados im-procedentes, com a condenação da autora nopagamento de custas processuais e honoráriosadvocatícios de sucumbência, estes arbitradosem 20% (vinte por cento) sobre o valor da cau-

sa, devidamente corrigido.Requer, outrossim, a liberação do depósito

judicial efetuado com base no art. 488, II, doCPC.

Pugna, por fim, pela produção de todos osmeios de prova em Direito admitidos, na medi-da de sua necessidade, a exemplo da juntadade documentos e da colheita do depoimentopessoal do representante da autora.

P. deferimento.

Salvador, 12 de julho de 2010.

Eugênio Leite SombraProcurador do Município

Page 137: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 131•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

Contestação em ação declaratória denulidade do Decreto Municipal nº 19.094/2008 movida contra o Município deSalvador, relativa à competência paracriação de Unidade de ConservaçãoAmbiental na Ilha dos Frades

José Andrade Soares NetoAdvogadoProcurador do Município de SalvadorProfessor de Teoria Geral do Direito e Direito Administrativo da Faculdade da Cida-deMestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia

Mário Pinto Rodrigues da Costa FilhoAdvogadoProcurador do Município de SalvadorProfessor da Unifacs Curso jurídico de Pós-Graduação – “Lato sensu” em Planeja-mento Urbano e Gestão de CidadesEspecializado em Processo – Ufba – Prof. Calmon de Passos

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ...ªVARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCADE SALVADOR

Processo nº ...

O MUNICÍPIO DO SALVADOR, pessoa jurí-dica de direito público interno, por seus Procu-radores adiante assinados, profissionais que re-cebem intimações na Travessa da Ajuda, Ed. SulAmérica, 1º andar, Centro, nesta capital, citadopara responder aos termos da AÇÃODECLARATÓRIA DE NULIDADE proposta por ...,pede vênia a V. Exa., para, no prazo do artigo297, combinado com o artigo 188, ambos doCPC, apresentar C O N T E S T A Ç Ã O, pelasrazões de fato e de direito a seguir expostas:

TEMPESTIVIDADE

Havendo sido o mandado de citação jun-tado aos autos em 17/08/09 (segunda-feira), tem-se que o prazo para contestar, em quádruplo àFazenda Pública, findará em 16/10/09 (sexta-feira). Apresentada hoje, resta, pois, indubitávela tempestividade da presente defesa.

SÍNTESE DA PRETENSÃO DEDUZIDA

Aduzem os acionantes terem a posse man-sa e pacífica do imóvel situado na praia do Tobá,margem leste da Ilha dos Frades, terreno demarinha e nacional interior, situado no subúr-bio do Município de Salvador-BA, com1.940.770,00m2, esboçando, ainda, uma su-

Page 138: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

132 •

• PRÁTICA FORENSE

posta preocupação ambiental com a referidaárea.

Alegam, em sequência, que foram surpre-endidos com a publicação do decreto Munici-pal 19.094/2008, que haveria criado uma Uni-dade de Conservação de Proteção Integral dacategoria de Estação Ecológica ao declarar o in-teresse público para fins de desapropriação asbenfeitorias e acessões edificadas no imóvel aci-ma descrito.

Sustentam que a suposta criação da referi-da Estação Ecológica “se deu violando frontal-mente os requisitos fixados com clareza pela le-gislação pertinente, em especial no que concerneà elaboração prévia de estudos técnicos, impres-cindíveis para que a definição da categoria daUnidade de Conservação se fizesse em estritaconformidade com os interesses ambientais, so-ciais e particulares que estavam em jogo”. Nãobastasse isso, teria o referido decreto, outros-sim, deixado de observar os princípios da parti-cipação comunitária e da publicidade, que seri-am de observância obrigatória quando da cria-ção de uma Estação Ecológica.

Com lastro em tais alegações, pretendemobter deste douto juízo a declaração de nulida-de do Decreto Municipal n. 19.094/2008, aoqual se referem como “ato de criação da referi-da Estação Ecológica”.

Nenhuma razão assiste aos Acionantes. É oque se passa a demonstrar.

DA INOCORRÊNCIA DE CRIAÇÃO DEUNIDADE DE CONSERVAÇÃO. DE-CRETO MUNICIPAL IMPUGNADO:MERA DECLARAÇÃO EXPROPRIA-TÓRIA

Inicialmente cumpre destacar que toda aargumentação perfilhada pelos autores está

lastreada em uma premissa falsa: a de que oDecreto Municipal 19.094/2008 haveria cria-do uma Unidade de Conservação de ProteçãoIntegral da categoria de Estação Ecológica noimóvel rural denominado Fazenda Tobá, locali-zado na Ilha dos Frades, na Bahia de Todos osSantos, no Município de Salvador.

Com efeito, o referido Decreto Municipaldeclarou de interesse público o imóvel em co-mento, indicando como finalidade a futura de-sapropriação de acessões e benfeitorias paraposterior instalação de uma Estação Ecológica,o que não se confunde, em nenhuma hipóte-se, com o ato de criação da mencionada Uni-dade de Conservação de Proteção integral.

Veja-se que durante toda a narrativa dapetição inicial os acionantes se referem, equi-vocadamente, ao Decreto Municipal em telacomo sendo ato de criação de uma Estação Eco-lógica, enquanto, em verdade, o referido De-creto consubstancia mero ato expropriatóriodeclaratório, que sequer tem o condão de trans-ferir a propriedade das benfeitorias e acessõesem comento ao Município de Salvador, muitomenos poderia, então, criar uma Estação Eco-lógica em área cujo direito de usar, gozar e dis-por remanesce aos acionantes.

Deveras, o Decreto expropriatório 19.094/2008 traduz apenas a fase declaratória do pro-cedimento de desapropriação do imóvel emcomento, limitando-se a especificar que a fina-lidade do ato é a “instalação da administração eafins da Unidade de Conservação de ProteçãoIntegral, na categoria de Estação Ecológica, queserá implantada no local”.

Verifica-se, assim, que ainda não se aplicatoda a argumentação delineada pelos acionantesacerca do Sistema Nacional de Unidades deConservação, porquanto a observância dos re-quisitos associados à criação de uma EstaçãoEcológica não é uma exigência na fase de de-

Page 139: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 133•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

claração expropriatória, de modo que não temqualquer aptidão para inquinar o decreto Mu-nicipal em análise de nulidade.

Registre-se, inclusive, que os própriosacionantes alegam que a elaboração prévia deestudos técnicos e a observância dos princípiosda participação comunitária e da publicidadesão requisitos fixados para a criação de Unida-de de Conservação, não delineando qualquerassociação entre tais requisitos e a validade doato expropriatório, porque de fato não há qual-quer associação.

Aliás, a disciplina legal incitada pelosacionantes dispõe que “a criação de uma Uni-dade de Conservação deve ser precedida deestudos técnicos e de consulta pública que per-mitam identificar a localização, a dimensão e oslimites mais adequados para a Unidade (art. 22,§2º, da Lei 9.985/00). Não restam dúvidas deque a exigência de estudos técnicos está adstritaà criação de uma Unidade de Conservação pro-priamente dita, o que não se dá com o Decretoexpropriatório em tela.

Veja-se que a partir do Decreto expro-priatório inicia-se o prazo de caducidade dadeclaração, o que evidencia a plena ausênciade materialidade do ato, já que a finalidadedeclarada pode, inclusive, não vir a serimplementada.

Outrossim, pode ocorrer de o bem expro-priado vir a cumprir a finalidade pública a quese destina, embora com a execução de outrasatividades que não as pretendidas originariamen-te (Preced. 1ª Turma STJ, REsp 868120/SP, Min.Luiz Fux, DJ de 21.02.2008), reforçando-se aidéia de que o ato expropriatório nãoimplementa a destinação nele declarada, res-tringindo-se, repise-se, a declará-la.

Neste passo, não se pode olvidar que todoprocedimento administrativo consubstancia

uma sucessão ordenada de atos, sendo que,no caso em espécie, tais atos poderão culminarna Criação de uma Unidade de Conservação,sendo que somente neste momento serão ob-servadas as exigências pertinentes a criação deuma Estação Ecológica.

Assim, forçoso convir que as fases antece-dentes à materialização da destinação declara-da no ato expropriatório não têm que observaros requisitos pertinentes a tal destinação, umavez que tais fases são distintas e independentes.

Não se pode deixar de perceber, ainda, quea fase declaratória visa exatamente viabilizar asfases seguintes, já que um dos efeitos da decla-ração de utilidade pública, consoante destaca oart. 7º do Decreto-Lei 3.365/41 – que dispõesobre a desapropriação por utilidade pública –é conferir ao Poder Público a viabilidade de ve-rificações e medições necessárias para implan-tar a unidade pretendida.

Assim, somente após o ato expropriatóriode declaração de utilidade pública, o Municípioacionado poderia adotar as providências neces-sárias para a elaboração do estudo técnico quedeve preceder a criação da Unidade de Con-servação, tais quais: a vistoria da área; levanta-mento sócio-econômico, incluindo verificaçãoda existência de comunidades indígenas e tra-dicionais; levantamento de dados planimétricose geográficos; laudo acerca dos fatores bióticose abióticos da área; elaboração do diagnósticofundiário do imóvel, incluindo verificação deáreas sob proteção, etc.

Neste passo, verifica-se que a própria or-dem lógica dos atos evidencia que não haveriacomo se exigir na fase declaratória requisitospróprios da destinação a qual foi atribuída aoimóvel quando da desapropriação.

Neste seguimento, tendo em vista que oDecreto Municipal 19.094/2008 não teria a

Page 140: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

134 •

• PRÁTICA FORENSE

aptidão para estabelecer a criação de uma Es-tação Ecológica, não há que se falar em faltade cumprimento de requisitos legais impres-cindíveis, como pretendem fazer crer osacionantes.

Em verdade, os únicos requisitos aos quaiso Decreto em tela deve observância são aque-les aplicáveis aos atos administrativos em geral,já que o Decreto Municipal em comento tra-duz mero ato administrativo normativo comefeitos individuais e concretos, submetendo-se,neste passo, ao seu regime jurídico geral.

Assim sendo, a validade deste ato éverificada a partir da observância de seu sujei-to, objeto, forma, motivo e finalidade.

No que diz respeito ao sujeito, o ato admi-nistrativo pode apresentar vícios de duas cate-gorias: incompetência e incapacidade. Acercadesta matéria, ensina o insigne doutrinador HelyLopes Meirelles que “Para a prática do ato ad-ministrativo a competência é a condição primei-ra de sua validade. Nenhum ato – discricionárioou vinculado – pode ser realizado validamentesem que o agente disponha de poder legal parapraticá-lo. E que para isto, “Entende-se por com-petência administrativa o poder atribuído aoagente da Administração para o desempenhoespecífico de suas funções. A competência re-sulta de lei e por ela é delimitada.” (MEIRELLES,Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.São Paulo: 2007, p. 152)

Acerca da Competência para a realizaçãoda expropriação declaratória, o art. 6º do De-creto-lei 3365/51 dispõe que “A declaração deutilidade pública far-se-á por decreto do Presi-dente da República, Governador, Interventor ouPrefeito”.

No caso em espécie, conforme atesta oDiário Oficial do Município de Salvador que ins-trui os autos, o decreto Municipal foi expedido

pela autoridade devidamente competente: oPrefeito do Município de Salvador.

A par da competência, o dispositivo acimamencionado – art. 6º do Decreto-lei 3365/41 -demonstra ainda que a forma também foi de-vidamente observada, já que se exige que adeclaração de utilidade pública se dê mediantedecreto, que foi exatamente o que ocorreu nocaso dos autos.

Noutro giro, o vício relativo à finalidade édefinido pela Lei n. 4.717/65 como aquele quese verifica quando “o agente pratica ato visandoa fim diverso daquele previsto, explícita ou im-plicitamente, na regra de competência”.

O fim do todo ato expropriatório, confor-me exigência constitucional, é a finalidade pú-blica ou o atendimento a interesse social. Nocaso dos autos, o Decreto Municipal impugna-do atende, à evidência, um interesse públicoconsubstanciado no interesse de todos os cida-dãos à proteção ambiental.

Consoante é possível aferir da própria nar-rativa da inicial, a área em questão, localizadana margem leste da Ilha dos Frades, é dotadade patrimônio natural relevante, circunstânciaesta atestada em estudos de longa data, comoserá aferido adiante, o que, por si só, justifica ointeresse público em sua proteção pelo poderPúblico.

Sendo notória a relevância natural da áreaem questão, como atestado, inclusive em legis-lação local (PDDU – Plano Diretor de Desen-volvimento Urbano), manifesto o interesse pú-blico na sua proteção e preservação.

Registre-se, ainda, que o Decreto Lei 3.365/41, em seu art. 5º, alínea K, expressamentepresume a utilidade pública da proteção depaisagens e locais dotados pela natureza, nãohavendo, neste passo, como se cogitar ausên-

Page 141: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 135•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

cia de interesse público na desapropriação doimóvel em comento, a fim de que sejaimplementada uma Unidade de Conservação.

Neste diapasão, revelam-se totalmente des-cabidas as insinuações feitas pelos acionantesde que o Decreto Municipal teria por finalida-de atender interesses escusos, o que não passade meras alegações desprovidas de qualquercomprovação nos autos.

No que toca ao seu objeto, o decretoexpropriatório em tela também se encontra re-vestido de validade, porquanto contempla ob-jeto lícito, possível e determinado.

Com efeito, o objeto do ato administrativocorresponde ao seu conteúdo, à alteração nomundo jurídico que o ato administrativo se pro-põe realizar. No caso em espécie, o Decretoexpropriatório tem por objeto a declaração dointeresse público, para fins de desapropriação,das benfeitorias e acessões, inclusive animais,existentes no imóvel rural denominado de Fa-zenda Tobá, localizado na ilha dos Frades, naBaía de Todos os Santos.

Não há como, portanto, vislumbrarinvalidade quanto a seu objeto.

O motivo do ato administrativo, por sua vez,é o pressuposto de fato e de direito que servede fundamento ao ato administrativo. Na hipó-tese vertente, salta aos olhos o conjunto de cir-cunstâncias que conduziram à prática do atoem baila, sendo que nos tópicos seguintes res-tará demonstrado de forma detalhada todo su-porte fático e jurídico que motivou a declara-ção de interesse público para fins de desapro-priação da Ilha dos Frades.

Eis os únicos requisitos aos quais o DecretoMunicipal impugnado, enquanto ato adminis-trativo declaratório, deve observância, sendoque todos foram regularmente atendidos.

De fato, o que os autores precisam com-preender é que nem tudo que incomoda im-plica em violação de direitos e ilegalidade.

É compreensível que o particular não acei-te a contento um decreto expropriatório quedeclara de interesse público para fins de desa-propriação as benfeitorias e acessões de umimóvel sobre o qual exerce direito. Contudo, airresignação do particular e o seu intento de in-validar a qualquer custo o decretoexpropriatório jamais podem se sobrepor aointeresse público resguardado pelo instituto dadesapropriação, que deverá ser preservado.

DA EXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGALQUE JUSTIFICA A DECLARAÇÃO DEINTERESSE PÚBLICO PARA A CRIA-ÇÃO DE UNIDADE DE CONSERVA-ÇÃO NA ILHA DOS FRADES.

Apesar de o decreto expropriatório em re-ferência não ter por objeto a criação da aludidaUnidade de Conservação, o que por si só dis-pensaria o cumprimento imediato dos requisi-tos legais mencionados pelos autores, não sepode afirmar, como feito, indiscriminadamente,na peça inicial, que a área objeto do atoexpropriatório, fora indicada sem qualquer cri-tério, ou ainda, com supostos interesses quelevem à violação de princípios como o daimpessoalidade ou finalidade.

Força é convir que a necessária previsãolegal, esta sim, precedente ao ato declaratóriode utilidade pública, existe e ampara por com-pleto o ato objurgado pelos acionantes, sobre-tudo no que diz respeito à preservaçãoambiental da referida área.

Com efeito, a área em questão é objeto depreocupação ambiental por parte do Estado daBahia e do Município do Salvador desde a dé-cada de 1980, quando já por meio de lei a Ilha

Page 142: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

136 •

• PRÁTICA FORENSE

dos Frades foi considerada como Reserva Eco-lógica municipal e incluída em Área de Preser-vação Ambiental pelo Estado (Lei n. 3.207/82 eDecreto n. 7.595/99).

Esta disciplina diferenciada conferida por leià área em questão é resultado de estudo técni-co e científico que data de longos anos, inte-grando, inclusive, os estudos para a elaboraçãodo PDDU da cidade de Salvador.

Como dito na petição inicial, para a confi-guração jurídico-ecológica de uma Unidade deConservação deve haver: a relevância natural;o caráter oficial; a delimitação territorial; o ob-jetivo de conservação; e o regime especial deproteção e administração.

Todos estes requisitos foram atendidos hámuitos anos pelo Governo para a criação danecessária e importante Estação Ecológica na-quele local.

Nas ilhas de Maré e dos Frades, (encon-trando-se na ilha dos Frades a vegetação maisconservada), a tendência é do aumento daspressões de ocupação em virtude da expansãodo interesse turístico e, por consequência, doincremento dos investimentos públicos e priva-dos em realização e previstos para a Baía deTodos os Santos.

A Ilha dos Frades tem preservada a maiorparte de seus atributos naturais. Faz parte deum arquipélago formado por ilhas e ilhotas dasFontes, Bimbarra, Maria Guarda, das Vacas,Bom Jesus dos Passos, Santo Antônio, Madrede Deus e dos Frades; a segunda, situada entreo litoral leste da ilha de Itaparica e a linha decosta interna da península sobre a qual se er-gue a Cidade do Salvador, comunicando-se coma primeira por uma passagem estreita, de águasprofundas, que separa a ilha de Madre de Deusda ponta do Loreto, na ilha dos Frades, conhe-cida como o Boqueirão; a penúltima localizan-

do-se entre a costa oeste da ilha de Itaparica eo continente, a menor e menos importante,sendo o seu acesso, pelo sul, conhecido peladenominação “barra falsa”, muito citada emantigos documentos náuticos, como de águastraiçoeiras, dela havendo dito Gabriel Soares deSouza ser “aparcelada... cheia de baixos deareia”, possuindo um canal muito estreito poronde, contudo, “entram caravelões da costa ebarca dos engenhos ... com tempo bonançoso,porque, com marulho, não se enxerga o ca-nal”.

A Ilha dos Frades, objeto de preocupaçãoambiental por parte do Estado e da Cidade, estásituada na margem oriental da Baía de Todosos Santos que, como dito, é a área de maiorcomprometimento, segundo o estudo, justa-mente a região caracterizada por uma maiorconcentração urbana ou industrial nas imedia-ções.

A área em questão foi enquadrada comoum espaço territorial especialmente protegido,inserido no sistema nacional pela Lei Municipalnº 3.207 de 01/07/82, como Reserva Ecológi-ca. Atualmente está inserida na Área de Prote-ção Ambiental da Baía de Todos os Santos, sen-do que desde 1975 já se apresentava comoimportante sítio ambiental por disposição doDecreto 24.643 de 28.02.75 (Estadual), publi-cado em 01 de março de 1975, que institui oPrograma Estadual de Proteção à Natureza –PRONATUR, com vistas ao estabelecimento deParques Florestais ou Balneários e Reservas Eco-lógicas que enumera, incluindo uma área de910 ha da ILHA DOS FRADES como ParqueFlorestal e Reserva Ecológica, nestes termos:

“I – PARQUE FLORESTAL E RESERVA ECO-LÓGICA DA ILHA DOS FRADES, no Mu-nicípio de Salvador:

Área de 910 hectares, situada em terrasparticulares, tendo como limite norte o pa-

Page 143: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 137•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

ralelo de 12º 47’ 30’’, desde o litoral oesteao litoral leste da ilha; e como limite sul oparalelo 12º 48’ 15’’ desde o litoral oesteao litoral leste da ilha.”

Restou assim protegida, em um períodoconturbado onde ocorreram inúmerosloteamentos (alguns regulares), com ocupaçãode importantes sítios ambientais, campos dedunas, áreas de restingas na direção do litoralnorte, enquanto que para o interior da baía seestendia fortemente a favelização, que não che-gou, no entanto, a atingir a parte oriental, ondese situa a Ilha dos Frades, região indicada comoda maior preocupação ambiental.

No plano constitucional de 1969 a compe-tência do Estado para intervir no controle douso do solo era dividida entre a União (árearural) e os Municípios (áreas urbanas), sendocerto que não dispunham os Municípios de ins-trumentos legais eficazes para ações preventi-vas e repressivas.

Foi neste contexto que o Município de Sal-vador editou Lei nº 3207/82, voltada ao aten-dimento desta competência e especialmentepreocupado com a preservação de suas ilhas,baseado nos estudos científicos estaduais paraimplantação do Pronatur, visando atender a le-gislação federal e estadual, que já àquela épocaimpunham a preservação de sítios ambientaisespeciais. Esta lei também ampliou a reserva paratoda a extensão da Ilha, considerada, desteentão, como um espaço territorial especialmenteprotegido de natureza, reserva ecológica da Ilhados Frades e da Ilha de Maré, dispondo a lei:

“Art. 1º - Ficam consideradas reservas eco-lógicas o restante da área não incluída noDecreto 24.643 de 28.05.75 na Ilha dosFrades com uma área total de 1.334,86 (ha)e a Ilha de Maré com 1.378,57 (ha)”.Art. 2º Fica o Poder Executivo Municipalautorizado a celebrar convênios com o Pro-

grama Estadual de Proteção à Natureza(PRONATUR), BAHIATURSA e outros ór-gãos, para o cumprimento das atividadesnecessárias nas referidas Ilhas.”

Estes espaços territoriais são áreas geográfi-cas públicas ou privadas (porção do territórionacional) dotadas de atributos ambientais querequerem sua sujeição, pela lei, a um regimejurídico de interesse público que implique suarelativa imodificabilidade ou sua utilização sus-tentada, tendo em vista a preservação e prote-ção da integridade de amostras de toda a diver-sidade de ecossistemas, a proteção ao processoevolutivo das espécies, a preservação e prote-ção dos recursos naturais.

Disto decorre que qualquer área sobre aqual incida proteção jurídica específica, integralou parcial, de seus atributos naturais, seja elapública ou privada, configura-se como espaçoterritorial especialmente protegido, gênero que,por sua vez, subdivide-se em unidades de con-servação, áreas de preservação permanente,áreas de reserva legal, biomas protegidos cons-titucionalmente. (§ 4º, do artigo 225 da Consti-tuição.).

Quando criada esta reserva, vigia a políticaambiental do Código Florestal, Lei 4771/65 eda Lei nº 6938/81. No plano municipal entravaem vigor a Lei de Uso do Solo (Lei nº 3377/84)e a que instituía o Plano Diretor da Cidade, (Leinº 3525/85), que, longe de modificarem a qua-lificação das Ilhas como reservas ecológicas, cui-daram de garantir a continuidade de sua prote-ção, inserindo a Reserva criada pelo Estado eampliada pelo Município no seu contexto, en-quadrando-a como uma UEP – Unidade Espa-cial de Planejamento, consistente em um espa-ço físico resultante da divisão do território mu-nicipal em áreas básicas de referência, para finsde planejamento específico, pesquisas, informa-ções, disciplina do uso e da ocupação do solo,administração e gerenciamento em geral:

Page 144: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

138 •

• PRÁTICA FORENSE

Dispôs a Lei nº 3525/85, o Plano Diretorda Cidade, no seu Art.º 7º, que o território doMunicípio seria dividido em Unidades Espaciaisde Planejamento – UEP, conceituando tais uni-dades logo no § 1º como os espaços físicos re-sultantes da divisão do território municipal emáreas básicas de referência, para fins de plane-jamento específico, pesquisas, informações, dis-ciplina do uso e da ocupação do solo, adminis-tração e gerenciamento em geral.

Preconizou também que as Unidades Es-paciais de Planejamento seriam duas partes doMunicípio: a Continental e a Insular. A parteContinental corresponde à área do Municípiodefinida pelos limites do território do continen-te e compreende as seguintes Unidades Espaci-ais de Planejamento e a parte Insular corres-pondente à área do Município definida peloslimites das Ilhas, estas compreendidas comoUnidades Espaciais de Planejamento:

01) - Unidade Espacial de Planejamento I-1, Ilha de Madre de Deus;

02) - Unidade Espacial de Planejamento I-2, Ilha de Maré;

03) - Unidade Espacial de Planejamento I-3, correspondendo às Ilhas do Bom Jesusdos Passos, Frades, Maria Guarda, das Va-cas, Santo Antonio e as Ilhotas Capeta,Itapipuca e dos Coqueiros. (Destaque nos-so)

Toda a cidade foi assim dividida para efeitode planejamento. A ilha dos Frades evidente-mente foi classificada como área rural insular,vinculada a atividades predominantemente ru-rais e com ocupação rarefeita, tal como está nalei, no artigo 13.

Certo ainda que a Área Urbana Continen-tal compreende a) Área Urbana Contínua –AUC e as b) Áreas de Expansão Urbana - AEU.

Que à Área Urbana Insular correspondem asilhas de Madre de Deus, ou seja, a UEP I-1 edo Bom Jesus dos Passos, integrante da UEP I-3. Quanto as áreas Rurais, estas consideradasde Ocupação Rarefeita - AOR. Sendo Continen-tal corresponde a parte do território municipalcontinental não delimitada como urbana na Lei,ou seja, a maior parte da UEP C-15. SendoRurais Insulares correspondem as ilhas de MaréUEP I-2 e as demais ilhas contidas na UEP I-3com exceção da ilha do Bom Jesus dos Passos.”.

O Zoneamento foi feito e suas diretrizesgerais encontram-se no Anexo IV, ao Plano Di-retor, onde se verifica a descrição dos limitesdas Unidades Espaciais de Planejamento – UEP,especificando que a UEP-I-3, onde se insere aIlha dos Frades, é composta pela totalidade dasilhas e ilhotas descritas.

O Planejamento Específico das áreas bási-cas de referência regulamenta-se com ainstitucionalização dessas áreas, como prevê alei de Uso do Solo, e deverá observar o seuregramento geral em vigor com tais diretrizes.Por sua vez, o Anexo 4, da Lei nº 3525/85 (Pla-no Diretor) traz as diretrizes gerais definindo aorientação que deve ter a institucionalizaçãodesta Unidade Espacial, a saber:

Dispôs o PDDU no item 4.1.2.3 sobre asáreas de expansão urbana de ocupaçãorestringida – AEU-R, estabelecendo que estasdesempenham um papel de controle da expan-são em áreas cujas características físico-ambientais recomendam restrições à urbaniza-ção intensiva do solo.

Neste sentido, a um só tempo, preservam-se os espaços mais frágeis de uma ocupaçãoindevida, bem como orienta-se a expansão paraaqueles pontos mais prioritários.

As Áreas Rurais Continental e Insulares di-tas de Ocupação Rarefeita – AOR foram defini-

Page 145: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 139•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

das como aquelas vinculadas predominante-mente às atividades rurais desenvolvidas fora dasÁreas Urbanas, representadas nos mapas 4 e4a do Anexo nº 7. Nestas áreas somente serãopermitidas atividades e parcelamentos cujasdensidades brutas resultantes não ultrapassemo patamar dos 50 hab/ha (cinqüenta habitan-tes por hectare), dando um especial tratamen-to às Ilhas visando uma ocupação não intensivae contida em limites capazes de não compro-meter o equilíbrio ecológico do meio ambienterural.

Na parte insular, as áreas correspondem àsilhas de Maré - UEP 1-2, dos Frades, MariaGuarda, das Vacas, Santo Antonio e às ilhotasCapeta, Itapipuca e dos Coqueiros, que fazemparte da UEP I-3 e se caracterizam por umaocupação predominantemente rural, algunsnúcleos pesqueiros e de veraneio e pelo seupotencial turístico.

Determinou então o Plano, para viabilizara estratégia proposta, a adoção de medidascomo a definição de parâmetros e normas quepermitam controlar a ocupação e preservar seuequilíbrio ecológico; a elaboração de planosespecíficos para a preservação dos núcleos depesca e de veraneio; a identificação e controledos usos inadequados à preservação da paisa-gem e cultura locais; e, específicamente ainstitucionalização da reserva ecológica e doparque ecológico da ilha dos frades ENQUA-DRANDO-A COMO ÁREA DE PROTEÇÃO AOSRECURSOS NATURAIS – APRN E ÁREA DEPROTEÇÃO CULTURAL E PAISAGÍSTICA –APCP.”

Muito claramente, portanto, o Plano Dire-tor não apenas manteve em vigor a Reserva Eco-lógica da Ilha dos Frades, como estabeleceu ainstitucionalização como Área Sujeita a RegimeEspecífico – ASRE com duas sub-categorias,APRN – Área de Proteção de Recursos Naturaise APCP – Área de Proteção Cultural e Paisagística.

Em relação às ilhas existentes no Municípiodo Salvador, o Plano Diretor em vigor não des-cuidou da preocupação ambiental e tratou dedefinir parâmetros básicos que garantissem con-trolar a ocupação e preservar o equilíbrio eco-lógico, mediante a elaboração de manejo espe-cífico e, em relação à ilha dos Frades, a suainstitucionalização como Reserva Ecológica, den-tro da institucionalização de uma ASRE com duassubcategorias.

Longe de qualquer modificação tendenteà descaracterização da Reserva Ecológica, a pre-ocupação do Plano Diretor da cidade, desde ocomeço, (Lei nº 3525/85), foi no sentido dapreservação da reserva e de estabelecer a suainstitucionalização, não deixando dúvidas quan-to à vigência e orientação adequadas no senti-do de se estabelecer o regime específico da re-serva. A lei de uso do solo n. 3377/84 aindagarantiu a vigência da legislação existente.

AS DIRETRIZES DA LEGISLAÇÃO POS-TERIOR A 1988

Com a Constituição de 1988 e a legislaçãofederal do SNUC – Sistema Nacional de Unida-des de Conservação, normas gerais foram edi-tadas quanto ao procedimento em relação atodas as unidades de conservação. O Estado daBahia criou a APA da Baía de Todos os Santostambém dispondo com regras gerais sobre asilhas de Salvador, totalmente inseridas na APA,cujo Plano de Manejo, cuja elaboração é decompetência do CRA, incluindo o ZoneamentoEcológico-econômico e o estabelecimento deparâmetros para a proteção ambiental.

Agiu o Estado com pleno e total respeito àcompetência do Município que com ele con-corre, em relação à elaboração da institucio-nalização, dispondo no artigo 2º, do Decretonº 7.595, de 5 de junho de 1999, que cuidada administração da APA:

Page 146: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

140 •

• PRÁTICA FORENSE

“Art. 2º - A administração da APA da Baíade Todos os Santos será exercida pelo Cen-tro de Recursos Ambientais - CRA, autarquiavinculada à Secretaria do Planejamento,Ciência e Tecnologia, ao qual caberá, den-tre outras competências previstas na legis-lação própria, especialmente na ResoluçãoCONAMA nº 10, de 14 de dezembro de1988:”“I - elaborar o plano de manejo, no qualse estabelecerá o zoneamento ecológico-econômico, respeitada a autonomia e opeculiar interesse municipal, assim comoobservadas a legislação pertinente e as dis-posições deste Decreto;”

No artigo 4º, este Decreto nº 7.595/99 fi-xou que as ilhas que tiverem menos de 5.000ha,com características extraordinárias ou que abri-guem exemplares raros da biota regional, compouca ou nenhuma aglomeração urbana, cons-tituirão uma outra espécie de Unidade de Con-servação, mais restritiva quanto à proteçãoambiental, nestes termos:

“Art. 4º - As ilhas com área menor que 5.000ha, com características naturais extraordi-nárias ou que abrigam exemplares raros dabiota regional, e que tenham pouca ounenhuma aglomeração urbana, serão con-sideradas Áreas de Relevante Interesse Eco-lógico - ARIE, a serem enquadradas naZona de Vida Silvestre da APA.”

Legislou o Estado no vazio normativo exer-cendo sua competência supletiva para este fim,orientando no sentido de que, dentro da APAda Baía de Todos os Santos, as ilhas com di-mensões tais e que também abriguem exem-plares raros da biota e também tenham poucaou nenhuma aglomeração urbana, deverão serdestinadas a Unidades de Conservação do tipoARIE – ÁREA DE RELEVANTE INTERSSE ECO-LÓGICO.

Mas quando da aplicação desta norma de-vemos atentar para o disposto no artigo 44, daLei Federal 9985/2000, que criou um destinoobrigatório para as ilhas em geral, e impôs afe-tação prioritária de proteção à natureza, o que,em princípio, não possibilita afastar-se a condi-ção de espaço territorial especialmente protegi-do, tal como previsto na Constituição, ainda quecomo uma Unidade de Conservação. Sendo ilha,ainda que dos estudos decorra a ausência deexemplares raros da biota regional, e que te-nham pouca ou nenhuma aglomeração urba-na, será um espaço destinado à proteção danatureza.

“Art. 44. As ilhas oceânicas e costeiras des-tinam-se prioritariamente à proteção da na-tureza e sua destinação para fins diversosdeve ser precedida de autorização do ór-gão ambiental competente”.

O certo, porém, é que, de acordo com alei federal, o só fato de ser ilha, só por isto, im-plica a tipificação da mesma como espaçoterritorial protegido, previsto na Constituição daRepública e assim, como tal, deverá serinstitucionalizado e estabelecido seu manejo.

Disto decorre que a manifestação do de-creto estadual orientando pelo seu enquadra-mento como uma ARIE não pode se aplicarsobre as ilhas, se do artigo 44 da lei federal de-corre que estas tem outra destinação. Oenquadramento como ARIE portanto, pode vira ser questionado em face do disposto no arti-go 44 da Lei 9985/2000, uma vez que a siste-mática e manejo desta pode não ser compatí-vel com o ditame “proteção da natureza” con-tido no referido dispositivo da lei federal.

A ARIE integra o Grupo das Unidades deUso Sustentável juntamente com as seguintescategorias que admitem uso compatível com apreservação ambiental: I - Área de ProteçãoAmbiental; II - Área de Relevante Interesse Eco-

Page 147: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 141•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

lógico; III - Floresta Nacional; IV - ReservaExtrativista; V - Reserva de Fauna; VI - Reservade Desenvolvimento Sustentável; e VII - Reser-va Particular do Patrimônio Natural.

A destinação como ARIE poderá, de fato,até ser adequada à Ilha dos Frades. Mas a ori-entação de “proteção da natureza” das áreasespecialmente protegidas é do tipo de proteçãointegral, orientação que pode resultar dos estu-dos de impacto ambiental e desta forma, poreste enquadramento ser caracterizada a Ilha,institucionalizada então como área de ProteçãoIntegral, configurando-a de acordo com o arti-go 8º, como Unidade de manejo restritíssimo erigoroso, juntamente com I - Estação Ecológica;II - Reserva Biológica; III - Parque Nacional; IV -Monumento Natural; e V - Refúgio de Vida Sil-vestre, o que retiraria a possibilidade de uso ain-da que sustentável.

De acordo com o Art. 16, da Lei do SNUC,a Área de Relevante Interesse Ecológico é umaárea em geral de pequena extensão, com pou-ca ou nenhuma ocupação humana, com ca-racterísticas naturais extraordinárias ou que abri-ga exemplares raros da biota regional, e temcomo objetivo manter os ecossistemas naturaisde importância regional ou local e regular o usoadmissível dessas áreas, de modo a compa-tibilizá-lo com os objetivos de conservação danatureza. Resta ver se dos estudos deimpactação ambiental necessários à institucio-nalização e plano de manejo decorrerá esteuso. Este objetivo parece mais adequado paraterras públicas e privadas, onde podem serestabelecidas normas e restrições de uso e ocu-pação do solo decorrentes de cuidadosozoneamento ambiental, para a utilização deuma propriedade privada.

Outro aspecto é o de que a Lei não con-templou a denominação Reserva Ecológica dalegislação antiga, mas estabeleceu no art. 55,que as unidades de conservação e áreas prote-

gidas criadas com base nas legislações anterio-res e que não pertençam às categorias previstasnesta lei serão reavaliadas, no todo ou em par-te, no prazo de até dois anos, com o objetivode definir sua destinação com base na catego-ria e função para as quais foram criadas, con-forme o disposto no regulamento desta Lei. Amesma orientação ocorre na lei de uso do solo.

O regulamento atual desta disposição en-contra-se no Decreto nº 4.340, de 22.08.2002,DOU 23.08.2002, no CAPÍTULO X, que, cui-dando da reavaliação de unidade de conserva-ção de categoria não prevista no sistema esta-belece, no artigo 40, que a reavaliação de uni-dade de conservação prevista no art. 55, da Leinº 9.985, de 2000, será proposta pelo órgãoexecutor e feita mediante ato normativo domesmo nível hierárquico que a criou.

Art. 40. A reavaliação de unidade de con-servação prevista no art. 55 da Lei nº 9.985,de 2000, será feita mediante ato normativodo mesmo nível hierárquico que a criou.Parágrafo único. O ato normativo dereavaliação será proposto pelo órgão exe-cutor.

Assim, tendo a União editado o artigo 44destinando as ilhas, prioritariamente, à prote-ção da natureza, estabelecendo também que asua destinação para fins diversos deve ser pre-cedida de autorização do órgão ambiental com-petente, esta disposição da lei federal levará oÓrgão gestor da APA, no momento em que es-tiver cuidando das ilhas da baía de Todos osSantos, em companhia do Município de Salva-dor, este em relação às suas ilhas, a obter a com-petente certificação e correta reavaliação daunidade de conservação, se isto decorrer dosestudos de impactação ambiental.

Os estudos para a institucionalização dasilhas de Salvador, ao menos em parte, já ocor-reram em função do projeto de Plano Diretor,

Page 148: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

142 •

• PRÁTICA FORENSE

eis que este reservou para as ilhas a mesma ori-entação.

A forma de estabelecimento destas diretri-zes será a mesma que hoje vige, mediante ainstitucionalização de regime específico para azona, que também será baseada em diagnósti-co e análise de impactação ambiental, que seimpõe como essencial à instituição do regimeespecífico de qualquer área sob regime de pro-teção ambiental ou integrante do SNUC.

O procedimento da institucionalização sefará da forma prevista na legislação, como ve-remos em título adiante. Nesta situação, ainstitucionalização vem a ser justamente a ori-entação relativa à competência prevista na Cons-tituição relativa ao interesse local.

Explica-se, a seguir, o instituto da ASRE esua institucionalização.

ASRE – ÁREA SUJEITA A REGIME ESPE-CÍFICO

A legislação municipal, o Plano Diretor, aLei nº 3377/84, e modificações das Leis 3994 e5016 do ano de 1989, quanto à qualificaçãodas Ilhas e à institucionalização dessas áreas, ditassob regime específico. A Lei de Uso do Solo (Leinº 3.377/84), especialmente quanto a ILHADOS FRADES, estabeleceu no “Capítulo III, Art.65, que que para esta parte do território deve-rá ser proposta legislação específica, referenteao ordenamento do uso e da ocupação do solo.1

E que até que isto ocorresse, até a institu-cionalização da legislação prevista no caput desteartigo, qualquer empreendimento e/ou ativida-de que não se enquadre nos grupos de usoresidencial R-1 e comercial e serviços CS-(1 e4.1) deverá ter seu pedido de aprovação e/oulicenciamento encaminhado ao CPM para apre-ciação.2, entendendo-se aí o estabelecimento dainstitucionalização nos moldes determinadospelo PDDU que por esta lei é regulamentado.

Significa que, para o Município, estamosdiante de uma área de caráter especialíssimo.No caso concreto estabeleceu a lei que a áreada ilha dos Frades deve ser institucionalizadadentro do processo de planejamento urbanísti-co mediante a instituição da ASRE, na formaprevista, com as restrições do PDDU juntamentecom os dispositivos da Lei de Uso do Solo, nasduas subcategorias indicadas.

A respeito, no art. 33, a Lei 3.377/84 man-tém a regulamentação de restrições de uso eocupação, no exame e aprovação dos projetosde empreendimentos e licenciamentos de ativi-dades. O entendimento portanto, é o de queem se tratando de ASRE estariam afastadas asrestrições gerais, para áreas não específicas, eem seu lugar observadas as regras dainstitucionalização, que deveriam ser editadaspelo C P M Centro de Planejamento Municipal,com observância das determinações dos artigos35 a 38 da lei, conforme a subcategoria.

A institucionalização da ASRE, que eviden-temente deve ocorrer no plano da competên-cia municipal, corresponde a estabelecer osparâmetros específicos para a área que está su-jeita ao regime legal especial, ou específico, parausar as palavras da lei. As ASREs representam ointeresse local, como dito. Constituem limita-ções específicas para tais áreas previamente de-limitadas, como previu a Lei nº 3.377/84, noCapítulo II, nos arts. 63, 64 e parágrafo únicoe no Capítulo IV, art.69:

“Capítulo IIRecursos Naturais.Art.63 - A Política Municipal de preserva-ção ambiental se integrará à política Nacio-nal ditada pela secretaria do Meio Ambi-ente - SEMA, e a Estadual ditada pelo

1 Modificado em razão da Lei Estadual nº 5.016/89.2 Modificado pela Lei nº 3.994/89.

Page 149: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 143•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

Conselho Estadual de Proteção Ambiental- CEPRAM, no que se refere a este assunto,onde se inclui o Sistema de Áreas Verdesdo Município.Art.64 - O Sistema de Áreas verdes doMunicípio é assegurado pela instituição dasÁreas de Preservação aos Recursos Natu-rais - APRN e das Áreas de Proteção Cultu-ral e Paisagística - APCP, nos termos destaLei.Parágrafo Único - Até que se instituam asáreas de que trata este artigo, rege a maté-ria o disposto nesta Lei, em combinaçãocom a legislação vigente.

Em razão disto para qualquer ato de inter-venção nas Ilhas de Salvador, especialmente Ilhados Frades, o Município deverá posicionar, naforma da lei, quanto a estes pontos, como, defato, ocorreu no caso concreto. Assim, qualqueranálise ou licenciamento de uso ou atividadeou projeto construtivo ou empreendimento nolocal dependerá da análise especial de órgãomunicipal específico, que a fará como ajusta-mento ao Plano Diretor, melhor dizendo, combase na legislação específica ou institucio-nalizando a ASRE e atendendo às condicionantesda APA.

A INDICAÇÃO DA CÂMARA DE VE-READORES DE SALVADOR PARA QUEFOSSE PRESERVADA INTEGRALMEN-TE A ÁREA DA FAZENDA TOBÁCOMO MANIFESTAÇÃO DO ATO DEEXECUÇÃO DOS ESTUDOS

A Câmara de Vereadores, por unanimida-de dos seus membros, indicou (Indicação n° 03/2008) ao Sr. Prefeito Municipal, que criasse umaUnidade de Conservação na Fazenda Tobá, depropriedade dos Acionantes, pelas razões ex-posta na aludida indicação, in verbis:

“INDICAÇÃO N° 103/08Considerando que a Ilha dos Frades, com-

posta pelas Comunidades de Paramana.Costa e Ponta de Nossa Senhora, com apro-ximadamente 7.000 moradores, não dis-põe de infraestrutura urbana exceto a ilu-minação pública.Considerando que na Ilha não existem áreaspúblicas de lazer, restando aos seus mora-dores o banho de mar como único lazer.Considerando que na Ilha existe uma fa-zenda de nome Tobá, cuja área é totalmentecoberta de vegetação de Mata Atlântica pre-servada, sem nenhuma exploraçãoagropecuária, existindo apenas um zooló-gico de uso particular.Considerando que o citado zoológico é depropriedade particular com espécimes dediversas origens.Considerando a possibilidade de aprovei-tamento da área da Fazenda para instala-ção de uma área de Preservação Ambiental.Considerando que a referida área possuiproteção natural pelos arrecifes que for-mam uma pequena enseada com grandediversidade de vida subaquática.Considerando a ampla possibilidade detorná-la atrativa para a exploração do tu-rismo, tanto para seus moradores, quantopara visitantes de Salvador e de fora do Es-tado.Considerando a atenção que a atual admi-nistração tem dispensado às ilhas que com-põem o território do Município, e em es-pecial à preservação ambiental.Considerando ainda que a Lei 7.400/2008(PDDU) prevê a possibilidade de o Municí-pio criar unidades de conservação, quecorrespondem a um espaço territorial e seusrecursos ambientais, para ser protegido e uti-lizado pelas pessoas.Considerando por último, que as caracterís-ticas ambientais da Fazenda Tobá, incluindoos animais ali mantidos pelo proprietário, jus-tificam sua transformação em uma unidadede Conservação de Proteção Integral.A CÂMARA MUNICIPAL DE SALVADOR

Page 150: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

144 •

• PRÁTICA FORENSE

INDICA:Ao Exmº. Senhor Prefeito, Dr. JoãoHenrique de Barradas Carneiro, a criaçãoda Unidade de Conservação Ambiental, nacategoria de Estação Ecológica, na Ilha dosFrades, na forma dos considerandos.”

A Câmara de Vereadores respaldou a suaindicação no que dispõe a Lei Municipal n°7.400/2008 (PDDU), art. 220, inciso III, quemanteve a mesma linha dos PDDUs anterio-res, in verbis:

“Art. 220. São diretrizes para áreas do Mu-nicípio incluídas na APA da Baia de Todosos Santos, especificamente na Ilha dos Fra-des, de Maré, do Bom Jesus dos Passos, deSanto Antônio e as ilhotas Itapipuca, Lín-gua de Baleia e dos Coqueiros:III - elaboração de estudos ambientais es-pecíficos para constituição de Unidade deConservação integral na Ilha dos Frades, demodo a preservar a vegetação de mataatlântica, que mantém grande qualidadeecológica.” (grifo nosso)

Assim, foi em atenção à indicação da Câ-mara de Vereadores, que o Prefeito de Salva-dor, através do Decreto n° 19.094/2008, de-clarou de interesse público para fins de desa-propriação as benfeitorias e acessões edificadasna Fazenda Tobá supracitada.

O aludido decreto, no seu art. 1°, parágra-fo único, declara que as benfeitorias e acessõesedificadas no imóvel serão utilizadas para insta-lação da administração e afins da Unidade deConservação de Proteção Integral, na categoriade Estação Ecológica, que será instalada no lo-cal, na conformidade do que dispõe a Lei Mu-nicipal n° 7.400/2008 e Lei Federal n° 9985/2000.

O decreto citado declara de interesse pú-

blico para fins de desapropriação apenas asbenfeitorias e acessões, deixando de lado a áreade terreno porque esta é bem imóvel da União,não podendo, por disposição legal, ser desa-propriada.

O aludido decreto teve como objetivo prin-cipal, alertar aos Autores e/ou sucessores da in-tenção do MUNICÍPIO de destinar a área paraa implantação de uma Unidade de Conserva-ção, impedindo, a partir da data da publicaçãodo decreto no Diário Oficial do Município, quena área em questão os Autores venham a cons-truir novas benfeitorias ou destinem a mesma aalguma atividade distinta daquela prevista nodecreto municipal.

Os processos administrativos perante aSUCOM dão conta de que tão logo os Autorestomaram conhecimento da mencionada indi-cação feita pela Câmara de Vereadores, inicia-ram, sem as licenças dos órgãos públicos com-petentes, a construção de novas benfeitorias naárea em questão.

Ao ser informado do inicio da construçãoirregular, o MUNICÍPIO, através do seu órgãocompetente, a SUCOM, embargou as obras.Como os Autores não respeitaram o embargo,a SUCOM interditou o local e posteriormenteiniciou a demolição das construções irregularese de má fé.

Esclarece ainda o Acionado que: já iniciouas tratativas com a União para ser imitida naposse da área tendo em vista que, como ditoanteriormente, os Autores são meros ocupan-tes do local, do qual só utilizam a faixa de terre-no de marinha que corresponde a menos de5% (cinco por cento) da área da Fazenda Tobá.

Reitere-se que o decreto citado não deter-mina o inicio da instalação da Unidade de Con-servação, apenas declara de interesse público,

Page 151: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 145•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

para fins de desapropriação, as benfeitorias eacessões lá existentes. O Poder Público, por dis-posição legal, tem o prazo de 5 (cinco) anos, acontar da data da inicio de vigência do decretode declaração de interesse público, para efeti-var a desapropriação e instalar a Unidade deConservação, sob pena de caducidade.

É portanto, por tudo isso, inteiramente vá-lido o ato administrativo no que diz respeito ànecessidade de prévio estudo técnico, previstano art. 22, § 1°, da Lei n. 9.985/2002, por-quanto a finalidade indicada no decretoexpropriatório em tela – criação de uma Esta-ção Ecológica na Ilha dos Frades – vem justificadaem uma legislação preexistente, que alcança oobjetivo perseguido pelo art. 22, § 2°, da Lein.9.985/2000, qual seja, possibilitar sejaidentificada a”localização, dimensão e limitesmais adequados para a unidade”

.A FAZENDA TOBÁ É BEM IMÓVEL DAUNIÃO. DIANTE DISTO A OCUPA-ÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHAE NACIONAIS INTERIORES TEM NA-TUREZA PRECÁRIA

A Fazenda Tobá, tem área total de1.940.770,00m2 e está localizada na Ilha dosFrades, na Baía de Todos os Santos, neste Mu-nicípio de Salvador.

O citado imóvel, por estar localizado emuma ilha oceânica, é constituído na sua totali-dade de terreno de marinha e nacional interiore portanto, está incluído entre os bens imóveisda União, conforme estabelece o Decreto Lein° 97.60/1946, no seu art. 1°, e a ConstituiçãoFederal, no seu art. 20.

É por isso que os Autores, na inicial, afir-mam que “adquiriram a posse” do aludido imó-vel, sendo certo que estão inscritos na GerênciaRegional do Patrimônio da União (GRPU) como

meros ocupantes da área - RIP n°38490108278-38.

A inscrição como ocupante junto a GRPUnão garante ao ocupante, no caso os Autores,qualquer direito à propriedade da área, con-forme determina o art. 131 do citado DecretoLei n° 9760/46, in verbis:

“Art. 131. A inscrição e o pagamento dataxa de ocupação, não importam, em ab-soluto, no reconhecimento, pela União, dequalquer direito de propriedade do ocu-pante sôbre o terreno ou ao seuaforamento, salvo no caso previsto no item4 do artigo 105”.

No artigo 132, estabelece o Decreto-Lei9760/46, muito ao contrário, que a União po-derá, em qualquer tempo que necessitar doterreno, imitir-se na posse do mesmo, promo-vendo sumariamente a sua desocupação, ob-servados os prazos fixados no § 3º, do art. 89,ressalvando apenas que as benfeitorias existen-tes no terreno serão indenizadas, pela impor-tância arbitrada pelo S.P.U., no caso de ocupa-ção de boa fé.

Como os Autores somente utilizam a faixade terreno de marinha da Fazenda Tobá e emvista do interesse do MUNICÍPIO em instalar aUnidade de Conservação, este último já comu-nicou a GRPU a existência do Decreto Munici-pal de Desapropriação e solicitou a abertura deprocesso administrativo próprio para ajustar aforma de transferir a posse da área em questãopara sua responsabilidade de sorte a implanta-ção futura da Unidade de Conservação.

INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÕES A DI-REITOS DOS AUTORES

A alegação dos Autores de que a EstaçãoEcológica “põe fim aos direitos possessórios dosAutores” não tem pertinência alguma, uma vez

Page 152: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

146 •

• PRÁTICA FORENSE

que, não obstante a Fazenda Tobá tenha umaárea total de 1.940.770,00m2, os Autores uti-lizam apenas a faixa de terreno de marinha quecorresponde a menos de 5% (cinco por cento)da área total da Fazenda.

Repise-se que a utilização da área pelosAutores foi concedida pela União em regimede ocupação, sabendo eles que podem ser com-pelidos a desocupar a mesma a qualquer tem-po, mediante simples solicitação da União.

Deveras, à exceção da área de faixa de ter-reno de marinha, o restante da área da Fazen-da Tobá está preservada, sem qualquer utiliza-ção pelos Autores.

Foi justamente pela exuberância da vege-tação preservada de mata atlântica lá existentee pelo não uso da grande parte da área pelosAutores, em contraponto as áreas das Fazen-das contíguas que são utilizadas na sua quaseintegralidade das suas respectivas áreas, que aCâmara de Vereadores de Salvador indicou aFazenda Tobá para ser destinada a uma Esta-ção Ecológica.

Se a área total da Fazenda Tobá não é uti-lizada na sua grande parte pelos Autores, nãopodem eles afirmar que a implantação da Uni-dade de Conservação impõe restrição a seusdireitos possessórios. A alegação dos Autores éum contra-senso que somente se justifica pelaintenção deles em dificultar a instalação daUnidade de Conservação.

DA PRESCINDIBILIDADE DE CONSUL-TA PÚBLICA NO CASO EM ESPÉCIE

Por outro lado, não assiste razão aos auto-res quando, na inicial, afirmam que para a ins-talação da Unidade de Conservação é necessá-rio prévia consulta pública, pois, segundo o inciso4º do art. 22, da Lei nº 9985/2000, na criaçãode Estação Ecológica ou Reserva Biológica esta

exigência não é obrigatória a teor do § 2° desteartigo, que diz textualmente:

“Art. 22. As unidades de conservação sãocriadas por ato do Poder Público.§ 1º (VETADO)§ 2º A criação de uma unidade de conser-vação deve ser precedida de estudos técni-cos e de consulta pública que permitamidentificar a localização, a dimensão e oslimites mais adequados para a unidade,conforme se dispuser em regulamento.§ 3º No processo de consulta de que tratao § 2º, o Poder Público é obrigado a forne-cer informações adequadas e inteligíveis àpopulação local e a outras partes interessa-das.§ 4º Na criação de Estação Ecológica ouReserva Biológica não é obrigatória a con-sulta de que trata o § 2o deste artigo.§ 5º As unidades de conservação do grupode Uso Sustentável podem ser transforma-das total ou parcialmente em unidades dogrupo de Proteção Integral, por instrumen-to normativo do mesmo nível hierárquicodo que criou a unidade, desde que obede-cidos os procedimentos de consulta esta-belecidos no § 2º deste artigo.§ 6º A ampliação dos limites de uma uni-dade de conservação, sem modificação dosseus limites originais, exceto pelo acrésci-mo proposto, pode ser feita por instrumen-to normativo do mesmo nível hierárquicodo que criou a unidade, desde que obede-cidos os procedimentos de consulta esta-belecidos no § 2º deste artigo.§ 7º A desafetação ou redução dos limitesde uma unidade de conservação só podeser feita mediante lei específica.” (grifo nos-so)

Registre-se, inclusive, que este é oposicionamento esposado pelo Superior Tribu-nal de Justiça, conforme de verifica do julga-mento do RMS 20281/MT, de relatoria do Mi-

Page 153: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 147•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

nistro José Delgado, julgado em 12 de junhode 2007.

Se não bastasse a disposição legal supra-mencionada que dispensa a consulta popular,já que a Unidade de Conservação em comentoé da categoria Estação Ecológica conforme pre-visto no citado decreto municipal, este procedi-mento somente tem sentido para os casos emque existem comunidades que habitam o inte-rior da Unidade de Conservação.

No caso presente, não há comunidades naárea prevista para a Unidade de Conservação,nem os habitantes das comunidades próximas(Localidades de Costa e Paramana) se utilizamda área para qualquer atividade, já que os au-tores mantêm a área toda cercada e repleta deseguranças armados, impedindo o acesso àmesma dos residentes na Ilha dos Frades, pes-quisadores e turistas.

Por fim, no que toca a publicidade do atode criação de uma Unidade de Conservação,em que pese o decreto expropriatório em telanão consusbstanciar a criação da Estação Eco-lógica que se pretende instalar na Ilha dos Fra-des, há de se reconhecer que toda legislaçãoque versa sobre a matéria e, inclusive, disciplinaa situação da Ilha dos Frades concretamente,bem como o próprio decreto impugnado pelosautores, tem o condão de satisfazer a publici-dade suscitada na inicial.

DA CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, restando clara-mente demonstrado que a pretensão deduzidana inicial não encontra amparo no ordenamentojurídico pátrio, requer o acionado seja a açãojulgada improcedente, in totum, com a conde-nação dos acionantes no pagamento das custasjudiciais e honorários advocatícios.

Por fim, requer a produção de todos osmeios de prova em direito admitidos, especial-mente a juntada de documentos em prova econtraprova.

Pede deferimento.

Salvador, ...

MARIO PINTO RODRIGUES DA COSTA FILHOProcurador do Município

JOSÉ ANDRADE SOARES NETOProcurador do Município

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SOUZA, Gabriel Soares de. “Notícia do Brasil”.Introdução, comentários e notas pelo Profes-sor Pirajá da Silva. Tomo I. São Paulo: LivrariaMartins, 1945.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito AdministrativoBrasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

Page 154: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

148 •

• PRÁTICA FORENSE

Contestação nos autos da Ação Popularintentada em face da ausência decomunicação prévia à Câmara dosVereadores acerca do reajuste da tarifa detransportes urbanos, bem como da faltade competência do Secretário dosTransportes para fixá-la

Pedro Augusto Costa GuerraProcurador Geral do Município

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ...VARADA FAZENDA PÚBLICA.

PROCESSO N°..............

O MUNICÍPIO DO SALVADOR,litisconsorte passivo necessário (art. 6º da Lei4.717/1965), pessoa jurídica de direito públicointerno, com sede na Rua Chile, Edifício SulAmérica, 1º andar, por seu procurador adianteassinado, nos autos da Ação Popular emepígrafe, proposta pelos cidadãos e Vereado-res...., vêm se manifestar sobre o PEDIDO DELIMINAR requerido pelos autores, e, desdelogo, CONTESTAR A AÇÃO, expondo e reque-rendo o que se segue.

I – BREVE RESUMO DA LIDE

Consoante aduzido pelos Autores em suapetição inicial, a presente Ação Popular gravitaem torno da suposta ausência de comunicação

prévia à Câmara de Vereadores acerca do rea-juste da tarifa de transportes urbanos, para de-bate e discussão, e da falta de competência doSecretário de Transportes, em exercício, parafixar a tarifa.

Os fundamentos, portanto, da ação popu-lar, no aspecto da alegada ilegalidade são osseguintes: a) violação do artigo 244 da LeiOrgânica do Município; e b) existência devício insanável do ato administrativo pratica-do pelo Secretário de Transportes.

Em relação ao aspecto da lesão aopatrimônio público, os autores alegam, em re-sumo, que havendo violação dos princípiosda legalidade, da moralidade, da

Page 155: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 149•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

razoabilidade e da proporcionalidade, esta seencontra presumivelmente caracterizada.

Em face desses argumentos, os autores pos-tulam: a) liminar para suspender os efeitos

da Portaria do Secretário de Transportes; b)

no mérito, a procedência da ação, visando à

declaração da nulidade do ato impugnado.

II – DA INDISPENSÁVEL CITAÇÃODOS LITISCONSORTES NECESSÁRIOS.NULIDADE DO PROCESSO

Estabelece o artigo 6º da Lei nº 4.717/65que: “a ação será proposta contra as pessoas

públicas ou privadas e as entidades referidas

no artigo 1º, contra as autoridades, funcio-

nários ou administradores que houverem

autorizado, aprovado, ratificado ou pratica-

do o ato impugnado, ou que, por omissas,

tiverem dado oportunidade à lesão, e contra

os beneficiários diretos do mesmo”.

O texto legal não deixa margem à dúvida,portanto, de que objetivou alcançar todos osque, por qualquer forma, hajam participado doato impugnado, estando esse entendimento pa-cificado na jurisprudência dominante.

A propósito do tema decidiu o STJ:

“Na ação popular, a pessoa jurídica de di-reito público é litisconsorte necessário. A faltade citação do Município acarreta a nulida-de do processo, a partir da citação” (STJ, 2ªTurma, REsp 29.746-5-MG, Relator Minis-tro Peçanha Martins).

Ainda do STJ o entendimento de que obeneficiário do ato impugnado é litisconsortenecessário:

“Sendo o beneficiário litisconsorte necessá-rio do ato de provimento que se pretendeineficaz, é nulo, ab initio, o processo em

que não foi citado para o contraditório edefesa, podendo essa nulidade ser postu-lada pelo Ministério Público” (RSTJ 43/332).

Por outro lado, dispõe o CPC, em seu arti-go 47:

“Art. 47 – Há litisconsórcio necessário, quan-do, por disposição de lei, ou pela naturezada relação jurídica, o juiz tiver de decidir alide de modo uniforme para todas as par-tes; caso em que a eficácia da sentença de-penderá da citação de todos os litisconsortesno processo”.

No caso “sub-judice”, a Lei 4.717/65 étaxativa, em seu artigo 6º, no sentido de quesão sujeitos passivos da ação popular não

somente as autoridades que praticaram o ato

impugnado, mas também as pessoas jurídi-

cas, públicas ou privadas, e os beneficiários

diretos do ato administrativo impugnado.

Em tese, o deferimento da tutelajurisdicional que ora se pleiteia – declaração denulidade e suspensão da eficácia da Portaria doSecretário Municipal de Transportes – tem apti-dão para atingir a esfera jurídica das empresasconcessionárias do serviço de transporte públi-co de passageiros na Cidade do Salvador.

Posto isto, a fim de evitar que tais empresasaleguem, no futuro, eventual falta de citação –que configura, inclusive, vício transrescisório1 –,requer o Município de Salvador a V. Exa. queos autores promovam, no prazo que assinar, acitação de todos os litisconsortes necessários, sobpena de declarar extinto o processo (CPC, art.47, parágrafo único).

1 MACEDO, Alexander dos Santos. Da querela nullitatis: suasubsistência no direito brasileiro. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2000, p. 69.

Page 156: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

150 •

• PRÁTICA FORENSE

III - DA AÇÃO POPULAR.INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ILE-GITIMIDADE ATIVA. CARÊNCIA DEAÇÃO. EXTINÇÃO DO PROCESSO,SEM JULGAMENTO DE MÉRITO

Consoante se infere dos termos da petiçãoinicial, o que os autores, na verdade, preten-dem é defender direitos individuais homogêne-os dos consumidores do sistema de transportepúblico por ônibus da Cidade do Salvador. E aação popular não é o meio processual adequa-do para se atingir esse desiderato.

A ação cabível para a hipótese retratada nosautos seria, quando muito, a Ação Civil Públicae a parte legitimada para sua propositura, oMinistério Público Estadual ou qualquer outraentidade dotada de representatividade adequa-da para a defesa, em juízo, dos interesses dosconsumidores.

Com efeito, quando o Código Civil de 1916declarava que a todo direito corresponde umaação que o assegura, quis o legislador estatuirque o titular do direito subjetivo material podeexigir o cumprimento da obrigação correlata aesse direito, tanto perante o Judiciário como emface apenas do sujeito passivo da relação jurídi-ca. E, ao dispor, logo a seguir, que para proporuma ação “é necessário ter legítimo interesseeconômico, ou moral”, estava colocando o in-teresse como condição necessária não só paraque se formulasse a exigência que na preten-são se contém, como ainda para se levar estaao juiz, mediante a propositura de ação.

A despeito de não ter sido reproduzida noatual Código Civil, a previsão ainda se mantém,como uma idéia imanente ao sistema jurídiconacional. E do mesmo modo pelo qual não seconfunde ação com pretensão, também não seconfunde interesse de agir com interesse emexigir.

Discorrendo sobre o assunto, asseveraFREDERICO MARQUES:

“Somente pode exigir legitimamente o cum-primento da obrigação aquele que nissotenha legítimo interesse. E como interessesignifica a posição favorável de uma pessoano tocante a um bem, é preciso que a leipreveja essa situação da pessoa quanto aobem, para que este possa ser exigido oureclamado, isto é, para que possa tornar-seobjeto de uma pretensão legítima”.

E acrescenta:

“Existe, portanto, o interesse de agir quan-do, configurado o litígio, a providênciajurisdicional invocada é cabível à situaçãoconcreta da lide, de modo que o pedidoapresentado ao juiz traduza formulaçãoadequada à satisfação do interesse contra-riado, não atendido, ou tornado incerto. Há,assim, o interesse de agir sempre que a pre-tensão ajuizada, por ter fundamento razo-ável, se apresente viável no plano objetivo.Interesse de agir significa existência de pre-tensão objetivamente razoável” (Manual deDireito Processual Civil, vol. I, p. 177).

Transportando-se para os autos o entendi-mento da melhor doutrina, vê-se, comensolarada clareza, que os autores sãocarecedores de ação por lhes faltar legitimida-de, interesse de agir e representatividade ade-quada, para proteger interesse individual ho-mogêneo dos consumidores do sistema detransporte público por ônibus da Cidade doSalvador.

Sim, porque a pretensão deduzida pelosautores não é cabível à situação concreta da lide.

É que o pedido formulado na petição ini-cial somente poderia se constituir em umapretensão objetivamente razoável se os autores

Page 157: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 151•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

tivessem algum direito individual atingido, oudemonstrado ilegalidade e lesividade em decor-rência do Decreto do Prefeito e da Portaria doSecretário de Transportes impugnados. E dessatarefa não se desincumbiram.

Na verdade, trata-se de ação que busca aproteção de direitos patrimoniais individuaishomogêneos dos consumidores do sistema detransporte público por ônibus da Cidade doSalvador, inadequada pela via da ação popular.

A propósito do tema, vale transcrever tre-cho do Voto proferido pelo Ministro LUIZ FUX,do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, NOSAUTOS DO Recurso Especial nº 776.857/RJ:

“A ação popular não é servil à defesa deinteresses particulares, tampouco de inte-resses patrimoniais individuais, ainda quehomogêneos. É que o artigo 1º da Lei nº4.717/65 dispõe que:

“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legíti-ma para pleitear a anulação ou a declara-ção de nulidade de atos lesivos aopatrimônio da União Federal, dos Estados,dos Municípios, de entidades autárquicas,de sociedades de economia mista (Consti-tuição, art. 141, parágrafo 38) de socieda-des mútuas de seguro nas quais a Uniãorepresente os segurados ausentes, de em-presas públicas, de serviços sociais autôno-mos, de instituições ou fundações para cujacriação ou custeio o tesouro público hajaconcorrido ou concorra com mais de cin-qüenta por cento do patrimônio ou da re-ceita ânua, de empresas incorporadas aopatrimônio da União, do Distrito Federal,dos Estados e dos Municípios, e de quais-quer pessoas jurídicas ou entidades subven-cionadas pelos cofres públicos”.

O objeto mediato da ação popular é sem-pre o patrimônio das entidades públicas, o

que não se confunde com o patrimônio pú-blico em geral, no qual estão encartados osinteresses difusos, coletivos e individuais ho-mogêneos.

E ainda no julgamento do Recurso Especialnº 818725/SP:

“1 - A ação popular não é servil à defesados consumidores, porquanto instrumentoflagrantemente inadequado mercê de evi-dente ilegitimatio ad causam (art. 1º, da Lei4.717/65 c/c art. 5º, LXXIII, da Constitui-ção Federal) do autor popular, o qual nãopode atuar em prol da coletividade nessashipóteses.2 – A legitimidade do autor popular, in casu,coadjuvada pela inadequação da via eleitaab origine, porquanto a ação popular é ins-trumento de defesa dos interesses da cole-tividade, utilizável por qualquer de seusmembros, revela-se inequívoca, por isso quenão é servil ao amparo de direitos indivi-duais próprios, com soem ser os direitos dosconsumidores, que, consoante cediço, dis-põem de meio processual adequado à suadefesa, mediante a propositura de ação ci-vil pública, com supedâneo nos artigos 81e 82 do Código de Defesa do Consumidor(Lei 8.078/90)”.

Depreende-se, assim, com extrema facili-dade, que os autores da ação popular buscama invalidação de ato administrativo, visando pro-teger interesses individuais homogêneos, ouseja, dos usuários do transporte coletivo porônibus, direitos do consumidor, o que, comovisto, não é admissível, por meio de ação po-pular. Nem o seria, a bem da verdade, pormeio de ação civil pública, uma vez que nãohouve qualquer prejuízo para os usuários detransportes coletivos, na medida em que nãohouve aumento da tarifa, mas simples atuali-zação pela inflação do período, como ficaráevidente mais adiante.

Page 158: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

152 •

• PRÁTICA FORENSE

Posto isto, impõe-se seja decretada aextinção do processo, sem julgamento do mé-rito, “ex vi” do disposto no artigo 267, VI, doCPC. É o que, preliminarmente, se requer.

IV – A VERDADEIRA SITUAÇÃOFÁTICA

Voltando à questão fática, nenhuma razãoassiste aos Autores, de referência a qualquer desuas alegações, conforme restará demonstradonos tópicos subsequentes, pois que, ao contrá-rio do que afirmam, o Município de Salvador,através do Prefeito e do Secretário se Transpor-tes, não praticou qualquer ilegalidade nem cau-sou dano ao erário ou lesão ao patrimônio pú-blico.

Com efeito, através de Ofício encaminha-do ao Presidente da Câmara de Vereadores(doc. 01), deu-se conhecimento do reajuste datarifa, anexando, inclusive, a Planilha de Custos(doc. 02), atendendo, assim, ao que dispõe oartigo 44 da Lei Orgânica do Município de Sal-vador, verbis:

“Art. – Fica o Poder Executivo obrigado aencaminhar à Câmara Municipal a planilhade custos antes de decretar qualquer au-mento de tarifa”.

Note-se que a Lei Orgânica do Municípioexige que seja encaminhada à Câmara a

planilha de custos toda vez que houver qual-

quer aumento de tarifa, o que não é a hipóte-

se dos autos. E, mesmo sem ter havido au-

mento, e sim mera atualização monetária, a

comunicação foi feita nos termos preconiza-

dos na Lei Orgânica e encaminhada a Planilha

de Custos.

Como se vê, não corresponde à verdade oprimeiro argumento da ação popular, pois quecumprida a exigência prevista na Lei Orgânicado Município.

V – DA LEGALIDADE DO ATO ADMI-NISTRATIVO IMPUGNADO PORMEIO DESTA AÇÃO POPULAR

Poder-se-ia supor que, em tese, o princí-pio da legalidade imporia sempre à Administra-ção o dever de invalidar seus atos eivados devícios, para restaurar a ordem jurídica por elamesma ferida. Essa suposição, contudo, nãoprocede, pois a restauração da ordem jurídicatanto se faz pela fulminação de um ato viciadoquanto pela correção de seu vício. Em uma eoutra hipótese a legalidade se recompõe.

Preleciona WEIDA ZANCANER, que “o

princípio da legalidade visa a que a ordem

jurídica seja restaurada, mas não estabelece

que a ordem jurídica deva ser restaurada pela

extinção do ato inválido. Há duas formas de

recompor a ordem jurídica violada em razão

dos atos inválidos, quais sejam: a invalidação

e a convalidação” (Da Convalidação e da

Invalidação dos Atos Administrativos, 3ª Edi-

ção, p. 65).

E acrescenta:

“Aliás, parece mais consentâneo com a res-tauração da legalidade – ao menos que nosdeparemos com atos que podem ser repe-tidos sem vícios – instaurá-la, no presente,pela correção do que por sua fulminação.Assim, o princípio da legalidade não predicanecessariamente a invalidação, como sepoderia supor, mas a invalidação ou aconvalidação, uma vez que ambas são for-mas de recomposição da ordem jurídica vi-olada.

No mesmo sentido, CELSO ANTÔNIOBANDEIRA DE MELO:

“Convalidação é o suprimento da invalidadede um ato com efeitos retroativos. É atoexarado pela Administração Pública que se

Page 159: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 153•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

refere expressamente ao ato a convalidar,para suprir seus defeitos e resguardar osefeitos por ele produzidos” (Curso de Di-reito Administrativo, 25ª edição, p. 463).

Na mesma linha, CARLOS ARI SUNDFELD:

“A convalidação é um novo ato administra-tivo, que difere dos demais por produzirefeitos “ex tunc”, é dizer, retroativos. Não émera repetição do ato inválido com a cor-reção do vício; vai além disto: por tal moti-vo, a possibilidade de praticá-lo depende,teoricamente, de dois fatores: a) da possi-bilidade de repetir, sem vícios o ato ilegal,porque assim poderia ter sido praticado àépoca; e b) da possibilidade de este novoato retroagir” (Ato Administrativo Inválido,p. 72).

O Decreto do Prefeito e a Portaria do Se-cretário de Transporte atendem integralmenteo melhor entendimento doutrinário, ou seja: oato de delegação de competência do Prefeito

está previsto na Lei Orgânica do Município e

poderia ser repetido, sem vício, pelo Chefe

do Poder Executivo, resguardando, portanto,

os efeitos produzidos pela Portaria do Secre-

tário de Transportes, tanto mais quando a

convalidação se deu antes de qualquer

impugnação por escrito de quem quer que

seja.

Em casos como o retratado nos autos, valetranscrever, mais uma vez, WEIDA ZANCANER:

“Ora, a mesma razão que nos levou a sus-tentar ausência de discrição para invalidar,nos leva, agora, a sustentar ausência de dis-crição para convalidar. Em suma: ou a Ad-ministração Pública está obrigada a invali-dar ou, quando possível a convalidação doato, esta será obrigatória” (autora e obracitadas, p. 65).

E vai mais além a professora WEIDAZANCANER:

“Só existe uma hipótese em que a Adminis-tração Pública pode optar entre o dever deconvalidar e o dever de invalidar, segundocritérios discricionários: é o caso de ato dis-cricionário praticado por autoridade incom-petente. Destarte, nesse caso pode a Admi-nistração Pública, segundo um juízo subje-tivo, optar se quer convalidar ou invalidaro ato viciado. De fato, se alguém pratica emlugar de outrem um dado ato discricioná-rio e esse alguém não era o titular do po-der para expedi-lo, não se poderá preten-der que o agente a quem competia tal po-der seja obrigado a repraticá-lo sem vício(convalidá-lo), porquanto poderá discordarda providência tomada. Se o sujeito com-petente não tomaria a decisão em causa,por que deveria tomá-la ante o fato de queoutrem sem qualificação para isto veio a agirem lugar dele? Por outro lado, também nãose poderá pretender que deva invalidá-lo,ao invés de convalidá-lo, pois é possível quea medida em questão seja a mesma que ele– o titulado – teria adotado. Então, abrem-se novamente duas hipóteses: ou o agenteconsidera adequado ao interesse público oato que fora expedido por agente incom-petente – e, neste caso, o convalida – ou oreputa inadequado – e, dado o vício de in-competência, o invalida. Há, pois, nessahipótese, opção discricionária”.

As lições acima transcritas se encaixamcomo uma luva ao caso em discussão, a saber:a) a fixação de tarifa de transporte coletivo

por ônibus na Cidade do Salvador compete

ao Prefeito; b) o Prefeito pode delegar o ato

de fixação de tarifa ao Secretário de Trans-

portes; c) o Secretário de Transportes atuali-

zou o preço da tarifa mediante Portaria; d) o

Prefeito, por Decreto, convalidou o ato do

Page 160: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

154 •

• PRÁTICA FORENSE

Secretário; e) a convalidação se deu antes de

qualquer impugnação formal.

Aliás, a Lei Federal nº 9.784/1999, em seuartigo 55, prevê a possibilidade de convalidaçãodo ato administrativo, ao dispor:

“Art. 55. Em decisão na qual se evidencienão acarretarem lesão ao interesse públiconem prejuízo a terceiros, os atos que apre-sentarem defeitos sanáveis poderão ser con-validados pela própria Administração”.

É exatamente esta a hipótese retratada nosautos, porque o defeito era sanável, como foi,e corrigido antes de qualquer impugnação for-mal, valendo citar, mais uma vez, WEIDAZANCANER:

“A impugnação do interessado constitui bar-reira ao dever de convalidar, isto é, a Admi-nistração Pública não mais poderá convali-dar seus atos eivados de vícios, mas passí-veis de convalidação, quando estes foremimpugnados pelos interessados” (autora eobra citados, p. 72).

E a impugnação somente ocorreu com apropositura desta ação popular, depois, portan-to, da convalidação do ato administrativo e jáem plena vigência a tarifa reajustada.

Se tudo isso não bastasse, tratando-se a

Portaria do Secretário de Transportes de ato

passível de delegação de competência, a sua

convalidação é perfeitamente cabível, pois o

caso seria, quando muito, de anulação e não

de nulidade do ato.

Como se vê, não há qualquer ilegalidadeno ato impugnado por meio desta ação popu-lar, na medida em que a convalidação apresen-ta-se plenamente válida e eficaz, de acordo coma melhor doutrina e a legislação pertinente.

VI – DA INEXISTÊNCIA DE ILEGALI-DADE E DE LESIVIDADE, REQUISITOSESSENCIAIS DA AÇÃO POPULAR. IM-PROCEDÊNCIA DO PEDIDO

A ação popular constitucional brasileira in-gressou em nossas constituições através do arti-go 113, inciso 38, da Carta Magna de 1934, eperdura no vigente Texto Constitucional.

Consiste num meio de invocar a atividadejurisdicional visando à correção de nulidade deato lesivo ao patrimônio público. Sua finalida-de é, pois, corretiva, não propriamente preven-tiva, embora a lei possa dar, como deu, a possi-bilidade de suspensão liminar do ato impugna-do para prevenir a lesão.

O ato impugnado em ação popular há deser: a) ilegal e, por conseguinte, nulo; b) e lesi-vo ao patrimônio público. Se não padecer dosdois vícios conjugados, não dá margem àinterposição de ação popular. Se for apenasnulo, o cidadão carece de legitimidade paraimpugná-lo em ação popular. Se for só lesivo, oque é raro, também não comporta ser ataca-do. Enfim, nulidade e lesividade são os pres-supostos necessários à impugnabilidade poração popular.

Posto isto, cabe examinar, isoladamente,cada um desses requisitos, a fim de se verificarse a Portaria do Secretário de Transportes, con-validada por decreto do Prefeito, padece dosvícios de nulidade e lesividade, para ensejar aação popular proposta.

O artigo 2o da Lei 4.717 especifica os casosem que há ato lesivo ao patrimônio do entepúblico ou de entidade privada mencionada nocaput do art. 1o., in verbis:

“São nulos os atos lesivos ao patrimônio dasentidades mencionadas no artigo anterior,nos casos de:

Page 161: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 155•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

a) incompetência;b) vício de forma;c) ilegalidade do objeto;d) inexistência de motivos;e) desvio de finalidade

No parágrafo único, o artigo 2o da Lei daação popular conceitua, também especificamen-te, cada um dos casos enumerados no caput..

Consoante explicitado e demonstrado noitem anterior, o ato é perfeitamente legal, por-que devidamente convalidado, não padecen-do, pois, de qualquer nulidade. Isto porque o

ato do Secretário de Transportes e Infra-Es-

trutura, sendo passível de delegação de com-

petência, seria, no máximo, considerado um

ato anulável e não nulo.

Inexistindo, como inexiste, qualquer ilega-lidade no ato praticado pelo Secretário de Trans-portes ou pelo Prefeito, é de incoercível lógicaque não cabe ação popular.

Desse entendimento, consagrado na me-lhor doutrina, a exemplo de José Afonso da Sil-va e Hely Lopes Meirelles, não discrepa a juris-prudência, que tem decidido reiteradamenteque, para a procedência da ação popular, nãobasta a lesividade do ato, pois é essencial quese caracterize também uma nulidade (RT, 371/188 e 388/204).

Se não bastasse a ausência do primeiro re-quisito da ação popular, não há prova dalesividade, seu segundo requisito.

HELY LOPES MEIRELLES doutrina que, naação popular, o autor não atua em nome pró-prio, mas, sim, em nome da coletividade, dadoque ele é um substituto processual (RT 360/432).Por isso mesmo, o Tribunal de Justiça de SãoPaulo considerou indispensável, para o êxito daação popular, a prova da lesividade do ato im-

pugnado ao patrimônio público (RT 389/143),ou que, por mais que salte aos olhos a ilegali-dade do ato impugnado, não fica o sujeito ati-vo forrado da obrigação de fazer a prova deque da ilícita conduta do réu resultou um pre-juízo efetivo para o patrimônio público, e nãouma simples possibilidade de dano.

Preleciona JOSÉ AFONSO DA SILVA, emforma lapidar, que:

“Sem lesividade do patrimônio público nãopode ser intentada a ação popular. Esta temcomo fundamento essencial defender essepatrimônio. Nisso é que está a legitimidadeque se concedeu ao cidadão para invocara jurisdição, através do remédio previsto naConstituição Federal” (cfr. autor citado, inAção popular Constitucional, p. 148).

E acrescenta que as hipóteses previstas noartigo 4o da lei 4.717 são todas de lesividadelegal ao patrimônio das entidades públicas ouprivadas interessadas.

Outro não é o entendimento de ROGÉRIOLAURIA TUCCI:

“O objeto da ação popular corresponde aoato lesivo do patrimônio público e damoralidade administrativa. A lesividade dopatrimônio público constitui pressupostovital, necessário, imprescindível, cuja presen-ça se delineia uma condição insubstituívelpara o exercício da ação popular. E para averificação da lesividade, torna-se indispen-sável a consideração do patrimônio públi-co, tal como especificado no artigo 1º daLei nº 4.717/1965, verbis: “Consideram-sepatrimônio público, para fins referidos nes-te artigo, os bens e direitos de valor econô-mico, artístico, estético, histórico ou turísti-co” (Constituição de 1988 e Processo, SA-RAIVA, p. 183).

Page 162: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

156 •

• PRÁTICA FORENSE

Confrontando os casos estabelecidos em leicom a questão em exame é fácil concluir que oato administrativo impugnado não contém qual-quer vício que possa vir a ser considerado lesivoao patrimônio público.

Ao contrário, a Portaria do Secretário de

Transportes do Município não majorou a ta-

rifa do transporte coletivo por ônibus na Ci-

dade do Salvador, apenas procedeu a sua atu-

alização monetária por índice oficial. Enfim,

mera correção da inflação do período.

E mesmo sendo mera atualização da tarifa,a Planilha de Custos, que apontava o percentualde reajuste superior à correção monetária, foiencaminhada à Câmara de Vereadores, nos ter-mos do artigo 244 da Lei Orgânica do Municí-pio de Salvador. Todas essas considerações ser-vem para evidenciar, a mais não poder, que osautores não observaram os requisitos da açãopopular: ilegalidade e lesividade. E sem essesrequisitos a ação é manifestamente improce-dente.

Onde estaria a ilegalidade, se o Prefeitocomunicou à Câmara de Vereadores o reajus-te da tarifa, acompanhado de Planilha de Cus-tos, atendendo o comando do artigo 244 daLei Orgânica do Município?

Como se pode cogitar de ilegalidade, se aconvalidação do ato administrativo se deu emperfeita harmonia com a lei, com a doutrina ecom a jurisprudência dominante?

Qual a lesão ao erário municipal, aopatrimônio público, ou aos usuários do trans-porte coletivo, se não houve aumento real datarifa, mas simples atualização monetária?

Essas indagações resultam numa conclusãoimportantíssima, a saber: Não houve qualquer

lesão. Sim, porque o valor da tarifa sequer

foi questionado. Ao contrário, até o Procura-

dor Geral de Justiça (Chefe do Ministério Pú-

blico Estadual), em declaração à imprensa,

entendeu legal o reajuste.

Os autores e o próprio Ministério PúblicoEstadual confirmam, também, a assertiva de quenão há ilegalidade no reajuste da tarifa, tantoque não propuseram contra o Estado da Bahia,que, através da AGERBA, reajustou as tarifas dostransportes intermunicipais.

O argumento da lesão ao patrimônio pú-blico, portanto, se resume a uma suposta nuli-dade do ato administrativo, ou seja: na incom-petência do Secretário de Transportes para fir-mar a Portaria impugnada; e na suposta im-possibilidade do Prefeito em convalidar um atoadministrativo, antes de sua impugnação for-mal.

A discussão sobre a lesão ao patrimôniopúblico, com a devida vênia dos que pensamem contrário, é meramente acadêmica. Não hálógica, nem razoabilidade, em se proclamar le-são ao patrimônio público, somente porquehouve convalidação pelo Prefeito do ato prati-cado pelo Secretário de Transporte.

Ora, se o Prefeito e o Secretário de Infra-Estrutura repetissem o ato, o que era possível,nenhuma discussão estaria sendo travada, mes-mo porque o Estado da Bahia, através daAGERBA, reajustou a tarifa dos transportesintermunicipais, sem qualquer impugnação ad-ministrativa ou judicial.

E se o Prefeito poderia repetir o ato de de-legação de competência, não havia necessida-de de fulminar o ato; mas sim convalidá-lo,como o fez, antes, repita-se, de impugnaçãoformal ou da propositura da ação.

Page 163: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA 157•

Ano XV, edição especial, agosto, 2010 • PRÁTICA FORENSE

VII - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ES-SENCIAIS DA TUTELA DE URGÊNCIA.NECESSIDADE DE INDEFERIMENTODA LIMINAR PLEITEADA

Com fundamento no artigo 804, os auto-res postulam medida cautelar liminar, visandoà suspensão do ato impugnado.

O pedido, porém, não merece ser atendi-do, por ausência dos requisitos que lhe são es-senciais.

Com efeito, o Código de Processo Civil, noLivro III, Título Único, Capítulo I, confere aoJuiz o Poder Geral de Cautela.

Desse poder Geral de cautela resulta a pos-sibilidade de o Juiz poder determinar as medi-das provisórias que julgar adequadas, quandohouver fundado receio de que uma parte, an-tes do julgamento da lide, cause ao direito daoutra lesão grave e de difícil reparação.

Discorrendo sobre o assunto, ensinaCalmon de Passos:

“A ação cautelar, o processo cautelar e atutela cautelar têm como características:a) a provisoriedade do provimento a quevisam, visto como tendentes apenas a cons-tituir as condições necessárias à segurançada futura atribuição do bem da vida quefor reconhecido, por sentença firme, comodevido a alguém;b) o fundado receio de que, antes de pro-ferida sentença transitada em julgado, ve-nha a se tornar impossível ou improvável aatribuição do bem da vida que por meiodela se pretende obter (periculum in mora);c) a probabilidade de que a sentença a serproferida se incline no sentido da existên-cia ao direito ao bem da vida que se pre-tende obter, em termos definitivos, com ela(fumus boni iuris)”.(cfr. Autor citado, in Comentários ao CPC,p. 62, vol. X, Tomo I, Editora Revista dosTribunais).

Confrontando esses ensinamentos com aquestão discutida nos autos, nota-se que osautores não atendem os requisitos essenciais damedida cautelar encarecida. O “fumus boniiuris”, porque não demonstraram aplausibilidade do direito alegado; o“periculum in mora”, porque não evidencia-ram quais prejuízos de difícil, senão impossí-vel reparação que resultaram para opatrimônio público.

Daí porque, impõe-se o indeferimento daliminar pleiteada.

VIII – DO PERICULUM IN MORA RE-VERSO

Restou demonstrado no item anterior aausência dos requisitos da LIMINAR postuladapelos autores, quer por não terem comprova-do a ilegalidade do ato impugnado e, com isso,o “fumus boni iuris”; e a lesão ao patrimôniopúblico.

O Município passa agora a evidenciar quese a liminar requerida pelos autores for conce-dida haverá dano de difícil reparação ao erário,e, com isso, o “periculum in mora reverso”.

É que a Lei Federal nº 8.987/1995, em seuartigo 9º, estabelece:

“A tarifa do serviço público concedido seráfixada pelo preço da proposta vencedorada licitação e preservada pelas regras derevisão previstas nesta Lei, no edital e nocontrato”.

O parágrafo 2º da lei acima referida, porsua vez, dispõe:

“Os contratos poderão prever mecanismosde revisão das tarifas, a fim de manter-se oequilíbrio econômico-financeiro”.

Page 164: JAM-JURÍDICA é uma revista mensal produzida por CEP 42700 ...apms-ba.com.br/wp-content/uploads/2016/08/8-ESPECIAL-AGOSTO-2010.pdf · Professor de Direito Constitucional e Direito

JAM - JURÍDICA

Ano XV, edição especial, agosto, 2010

158 •

• PRÁTICA FORENSE

Merecem ser destacados, ainda, os artigos29, inciso V; o parágrafo 4º do artigo 35; e osartigos 36 e 37, da Lei 8.987/1995, a seguirtranscritos:

Art. 29 – Incumbe ao poder concedente:V – homologar reajustes e proceder à revi-são das tarifas na forma desta Lei, das nor-mas pertinentes e do contrato.Art. 35.Parágrafo 4º - Nos casos previstos nos incisosI e II (advento do termo contratual eencampação) deste artigo, o poderconcedente, antecipando-se à extinção daconcessão, procederá aos levantamentos eavaliações necessários à determinação dosmontantes da indenização que será devidaà concessionária, na forma dos artigos 36 e37 desta Lei.Art. 36 – A reversão no advento do termocontratual far-se-á com a indenização dasparcelas de investimentos vinculados a bensreversíveis, ainda não amortizados ou de-preciados, que tenham sido realizados como objetivo de garantir a continuidade e atu-alidade do serviço concedido.Art. 37 – Considera-se encampação a reto-mada do serviço pelo poder concedentedurante o prazo da concessão, por motivode interesse público, mediante leiautorizativa específica e após prévio paga-mento da indenização, na forma do artigoanterior.

Vê-se, assim, que a Lei de Concessões ePermissões impõe ao poder concedente váriasobrigações, especialmente as concernentes aoreajuste de tarifas e indenização por investimen-tos não amortizados e as resultantes dodesequilíbrio econômico e financeiro do con-trato. Daí porque a não concessão do reajusteda tarifa, ou a suspensão da atualização da tari-fa legalmente concedida, pode resultar em pre-juízo para o erário municipal, que terá de inde-nizar as concessionárias, em razão de eventualdesequilíbrio econômico e financeiro do con-trato.

Desse modo, caso o pedido liminar formu-lado pelos autores seja acolhido, sem demons-tração de prejuízo para os usuários do sistemade transporte coletivo, haverá dano para o erá-rio municipal, caracterizando o “periculum inmora reverso”.

IX – DA CONCLUSÃO

Ante o exposto, espera e requer o Municí-pio de Salvador que V. Exa.

a) indefira a liminar pretendida pelos auto-res, porque demonstrada a mais não poder aausência de ato ilegal e lesivo, bem como a faltade verossimilhança das alegações deduzidaspelos autores e, ainda, a inexistência de lesãoao erário municipal ou ao patrimônio público,como exige a Lei 4.717/65;

b) que assine prazo para que os autoresprocedam à citação dos litisconsortes necessá-rios, sob pena de extinção do processo.

c) que acolha a preliminar de carência deação, por inadequação da via escolhida, decre-tando a extinção do processo, sem julgamentode mérito;

d) que julgue improcedente a ação popu-lar, diante das razões explicitadas na matéria demérito;

e) que os autores sejam condenados aopagamento das custas processuais e dos hono-rários advocatícios que forem arbitrados por esseM.M. Juízo.

Termos em quePede deferimento.

Salvador...........

PEDRO AUGUSTO COSTA GUERRAPROCURADOR GERAL DO MUNICÍPIO