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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA JAQUELINE FEITOSA BATISTA O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX TERESINA-PI 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS

CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA

JAQUELINE FEITOSA BATISTA

O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA

DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA

NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

TERESINA-PI

2007

1

JAQUELINE FEITOSA BATISTA

O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA

DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA

NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História do Brasil, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Piauí. Orientador: Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento

TERESINA-PI

2007

2

JAQUELINE FEITOSA BATISTA

O PROCESSO DE DESCARACTERIZAÇÃO ARQUITETÔNICA

DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA

NAS ÚLTIMAS DÉCADAS DO SÉCULO XX

Dissertação apresentada como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em História do Brasil, ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Piauí.

Aprovada em: _____ /_____/ _______

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Alcides do Nascimento – UFPI

Orientador

____________________________________________________________ Profª. Dra. Áurea da Paz Pinheiro – UFPI

Examinadora

____________________________________________________________ Profª. Drª Shara Jane Holanda Costa Adad

Examinadora

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À memória de

Mª Antonia e

Bina Batista

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AGRADECIMENTOS

O ato de agradecer é um ato de reconhecimento. Reconhecimento de que

não estamos sozinhos. Os passos que nos conduziram até aqui foram guiados por

muitas mãos solidárias. Impossível indicar todos os nomes das pessoas cujas

essências foram alimentando direta ou indiretamente os rumos desse trabalho.

Impossível escolher palavras capazes de expressar o nível do agradecimento a

essas pessoas cujas marcas são indeléveis em mim e naquilo que consigo imprimir

no papel. As lacunas e falhas – e não são poucas – são responsabilidade minha,

mas coloco-as a disposição dos muitos fascinados pela cidade, para que possam

completar-me e corrigir-me.

A Deus, energia maior, motivadora e suporte.

À minha grande família – pais, mães, irmãs, irmãos, tios, tias, primos,

primas – olhares atentos, curiosidades sufocadas, silêncio respeitoso, incentivo

sempre.

À D. Antonia, minha mãe, a quem devo o que sou, com muito orgulho.

À D. Ceiça, mestra em grandes e pequenas coisas, que soube, como

verdadeira mãe interessar-se pelo que faço, respeitando minhas escolhas.

À Érica, pela “culpa” em inúmeros momentos de insight.

À Shamália, pela cumplicidade intelectual, amizade e parceria

experienciada nesses anos em que, como numa música, tivemos silêncios entre

uma nota e outra.

À Gorete, irmã maravilhosa, pelas constantes orações e pela confiança de

que no fim tudo daria certo.

À Joana, Eliane, Jurandir, Assis, Raimundo, Antonio, Osvaldo, Ícaro,

Danilo, Kalynna, Lucas, Lorena, Jorge, Marcelo, Jordana, Samuel, Valdiana, Ana

Lúcia, Antonio José, Manoel, Cristina, Jonathan, Rosário, Lara Beatriz, Albenor, por

simplesmente existirem e fazerem parte da vida que escolhi.

5

À Universidade Federal do Piauí, instituição que possibilitou através do

Mestrado em História do Brasil, a realização desse trabalho.

Á Secretaria Estadual da Educação do Estado do Piauí, pelo apoio

concedido através da concessão de bolsa de estudo para o Curso de Mestrado em

História do Brasil.

Ao Professor Dr. Francisco Alcides do Nascimento, cuja solidez, paciência

e solidariedade garantiram as âncoras necessárias para a realização desse trabalho.

À equipe de professores do Mestrado em História do Brasil, em cuja

convivência pude degustar os novos sabores da produção historiográfica piauiense.

À primeira turma de Mestrado em História do Brasil da UFPI pela partilha

facilitada pela boa vontade de todos.

À Ana Cristina, querida aluna de Biblioteconomia da UESPI, que se tornou

colaboradora.

À Alessandra, da equipe da SEMPLAN – PMT, pela simpatia, atenção e

desprendimento ao oferecer rico material, que viabilizou esse trabalho.

Aos funcionários de órgãos públicos por quem fui gentilmente recebida e

atendida.

Aos amigos que torceram para que tudo desse certo.

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eu ando por ruas velhas

de onde a saudade me olha

eu vejo o largo do amparo

eu cruzo a rua da glória

rua larga, estrada nova

rua graça, rua estreita

ruas de uma cidadela

perdida em livros de história

ou num canto da memória

empoeirada, amarela

Glauco Luz – Cidadela.

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RESUMO

A temática do patrimônio, considerada sob o aspecto da preservação cultural – num sentido amplo – encontra-se presente nas sociedades humanas desde os primórdios. Continuamente reinventada, sua prática é resultado da necessidade de dotar os grupos humanos de uma identidade que assegure sua existência. Embora se trate de um objeto presente nas discussões atuais, as questões relativas ao patrimônio em Teresina ainda constituem um problema a ser enfrentado. Considerando tal afirmação, o objetivo desse trabalho consistiu em discutir o processo de descaracterização arquitetônica que marcou o centro histórico de Teresina no final do século XX, visando refletir sobre as causas de tal processo e suas possíveis conseqüências. A metodologia constituiu-se de pesquisa bibliográfica, coleta de informações em órgãos públicos, jornais, levantamento fotográfico, organização e análise dos dados obtidos para a compreensão da temática proposta. O resultado indicou que o processo de descaracterização do centro histórico de Teresina se aprofundou nas últimas décadas do século XX, em linhas gerais, vinculado às transformações espaciais da cidade na década de 1980, decorrência em parte das transformações ocorridas no campo – os processos de favelização e verticalização sinalizam para o perfil dos novos atores sociais – e do aumento da complexidade social. Fato apreendido no processo da pesquisa foi a demolição de inúmeros imóveis residenciais e/ou comerciais para a construção de estacionamentos no período estudado. Isso se deve em grande parte à criação de novas centralidades na cidade, à ampliação da malha urbana (ligada tanto aos setores mais frágeis quanto àqueles denominados “nobres” da sociedade) e ao esvaziamento da área central de grande parte dos seus tradicionais usuários. Acreditamos que o processo de descaracterização do centro histórico de Teresina representa muito mais do que uma adequação da arquitetura da cidade às condições propostas pela modernidade, assim como a preservação da memória histórica da cidade ultrapassa um inventário fotográfico, devendo haver um reforço que alimente a relação dos indivíduos com essa área histórica a partir do reconhecimento da identidade cultural da cidade, reforçando a história cultural do lugar como um valor a ser preservado. Discutir esse tema, polêmico e instigante e, por isso, importante elemento para que possamos compreender a realidade histórica da qual somos parte, implica buscar os principais conceitos, o que se fez a partir da contribuição de diversos autores.

PALAVRAS-CHAVE: Cidade – Memória – Cultura – Patrimônio

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ABSTRACT

The theme of the patrimony, considered under the aspect of the cultural preservation – in a wide sense – is present in the human societies from the origins. Continually reinvented, his/her practice is resulted of the need of endowing the human groups of an identity to assure his/her existence. Although it is treated of a present object in the current discussions, the relative subjects to the patrimony in Teresina still constitute a problem to be faced. Considering such statement, the objective of that work consisted of discussing the process of architectural loss of the characteristic that it marked the historical center of Teresina in the end of the century XX, seeking to contemplate on the causes of such a process and their possible consequences. The methodology was constituted of bibliographical research, collection of information in public organs, newspapers, photographic rising, organization and analysis of the data obtained for the understanding of the theme proposal. The result indicated that the process of loss of the characteristic of the historical center of Teresina was deepened in the last decades of the century XX, in general lines, linked to the space transformations of the city in the decade of 1980, consequence partly of the transformations happened in the field – the slum formation processes and to turn vertical signal for the new social actors' profile – and of the increase of the social complexity. Fact apprehended in the process of the research was the demolition of countless immobile residential and/or you trade for the construction of parkings in the studied period. That is largely due to the creation of new central points in the city, to the enlargement of the urban (linked so much to the most fragile sections as for those denominated "noble" of the society) mesh and the emptying of the central area of their traditional users' great part. We believed that the process of loss of the characteristic of the historical center of Teresina acts much more than an adaptation of the architecture of the city to the conditions proposed by the modernity, as well as the preservation of the historical memory of the city it crosses a photographic inventory, should have a reinforcement that feeds the individuals' relationship with that historical area starting from the recognition of the cultural identity of the city, reinforcing the cultural history of the place as a value to be preserved. To discuss that theme, controversial and curious and, for that, important element so that we can understand the historical reality of the which we are part, implicates to look for the main concepts, what was made starting from the several authors' contribution.

KEY-WORDS: City – Memory – Culture – Patrimony.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1 Rua Simplício Mendes, centro comercial 52

Foto 2 Calçadão. Rua Simplício Mendes 53

Foto 3 Calçadão. Rua Simplício Mendes. 54

Foto 4 Calçadão. Rua Simplício Mendes 54

Foto 5 Área da Praça Rio Branco 55

Foto 6, 7

e 8

Casa localizada na Rua Senador Teodoro Pacheco, em diferentes épocas.

59

Foto 9 Idosos conversando na Praça Rio Branco 63

Fotos 10 , 11, 12, 13, 14 e 15

Seqüência de imagens evidenciando mudança na arquitetura da área edificada na Rua Senador Teodoro Pacheco.

67

Fotos 16, 17 e 18

Edifício à rua Areolino de Abreu em processo de descaracterização. 68

Foto 19 Edifício demolido que deu lugar ao Metropolitan Hotel. 74

Fotos 20 e 21

Fachada do Metropolitan Hotel 74

Foto 16 e 17

Seqüência de imagens evidenciando mudança na arquitetura da área edificada na Rua Senador Teodoro Pacheco.

76

Fotos 22, 23, 24, 25 e 26

Casa Dôta, localizada no entorno da Praça Saraiva. As imagens demonstram a intervenção de descaracterização da fachada do imóvel, após ter seu nome sugerido para tombamento.

76

Foto 27 Casa Dota, atualmente. 76

Foto 28 Fachada do Teatro 4 de Setembro 83

Foto 29 Ponte Metálica sobre o rio Parnaíba 83

Foto 30 Fachada da Estação Ferroviária de Teresina 83

Fotos 31, 32 e 33

Imagens da Praça Pedro II, nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX que a reforma na década de 1990 restaurou parcialmente

87

10

LISTA DE TABELAS

TABELA 1: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE TERESINA – 1970/ 2000 p. 48 TABELA 2: QUANTIDADE DE FAVELAS E VILAS EM TERESINA – 1991/1996 P. 50

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CEF – Caixa Econômica Federal

CEPRO – Centro de Pesquisas Econômicas e Sociais do Piauí

DCR – Divisão de Conservação e Restauração

DET – Divisão de Estudos e Tombamentos

DOM – Diário Oficial do Município

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IPAC – Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Teresina

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

MES – Ministério da Educação e Saúde

MINC – Ministério da Cultura

NAP – Núcleo de Antropologia Pré-Histórica

PET – Plano Estrutural de Teresina

PMT – Prefeitura Municipal de Teresina

SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SEMPLAN – Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação

SEMTCAS – Secretaria Municipal de Trabalho, Cidadania e de Assistência Social

SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

ZP – Zona de Preservação

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

1. O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO: ORIGENS, TENDÊNCIAS

E PERSPECTIVAS DO PATRIMÔNIO. ............................................................... 24

2. O CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA: (RE)CONSTRUÇÃO HISTÓRICA ..... 42

3. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL DE TERESINA: LIMITES OU

POSSIBILIDADES? ............................................................................................. 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 82

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95

APÊNDICES .............................................................................................................. 82

ANEXOS ................................................................................................................. 103

13

INTRODUÇÃO

Em história, tudo começa com o gesto de separar, de reunir, de transformar em 'documentos' certos objetos distribuídos de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto. Este gesto consiste em 'isolar' um corpo, como se faz em física, em 'desfigurar' as coisas para constituí-las como peças que preenchem lacunas de um conjunto, proposto a priori. Ele forma a 'coleção'.[...]. Longe de aceitar os 'dados', ele os constitui. (Michel de Certeau)

Nos vemos atualmente impregnados pelos ventos novos que sopram a

produção historiográfica. Novos conceitos, novos problemas, novas abordagens vêm

ganhando corpo e imprimem ao ofício do historiador novos desafios, dentre os quais

o de se fazer ouvir pode ser o mais relevante. Para que sua voz produza eco, o

historiador necessita estabelecer o diálogo com novas fontes, e, mais do que isso,

redefinir o seu lugar em meio a um universo de inquietações que provocam a

superação dos limites impostos pela tradição, da qual somos nós mesmos os

herdeiros.

Nesse cenário, o conceito de cultura é retomado sob um novo prisma:

caleidoscópio de onde emanam diferentes significações capturadas pelo olhar do

historiador, constituindo tema pertinente aos estudos atuais, de modo que,

[...] para o historiador, assim como para o etnólogo, o objetivo é fazer funcionar um conjunto cultural, fazer com que apareçam suas leis, ouvir seus silêncios, estruturar uma paisagem que não poderia ser um simples reflexo, sob pena de nada ser. Mas seria um erro acreditar que esses instrumentos sejam neutros e seu olhar, inerte: nada se oferece, tudo deve ser tomado, e a mesma violência da interpretação pode aqui criar ou suprimir (CERTEAU, 1995, p. 79-80).

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Fazemos uso das palavras de Certeau para discorrer sobre dois conceitos

diferentes, mas de certo modo, imbricados: cultura e patrimônio. As idéias aqui

expostas estão norteadas pelas reflexões de pesquisadores cujos resultados têm

encaminhado a produção historiográfica no sentido de intercambiar-se com as

ciências sociais, apontando para resultados cada vez mais complexos a respeito do

ser humano, o “Outro que não é mais um deus ou a musa, mas o anônimo”

(CERTEAU, 1995, p. 61).

O trabalho a que nos propusemos objetivou a efetivação de uma pesquisa

realizada no centro histórico de Teresina. O mesmo é resultado de um envolvimento

pessoal pelo tema da conservação, que emergiu da experiência adquirida junto ao

Núcleo de Antropologia Pré-Histórica – NAP, da Universidade Federal do Piauí, onde

foi possível, desde 1994, através de projetos científicos, desenvolver uma série de

atuações voltadas para o estudo e a prática de ações conservacionistas em sítios

arqueológicos no Piauí. Essa gratificante experiência alimentou o interesse para o

centro histórico de Teresina como um possível objeto de estudo, cuja preocupação

ligar-se-ia ao tema da preservação/conservação de seu patrimônio histórico.

Um interesse particular pela área da conservação possibilitou um olhar

sobre o patrimônio cultural teresinense, que, de modo geral, resiste silenciosamente

ao esquecimento. Salvo algumas exceções, a história de Teresina – que embora

relativamente nova, possui seus monumentos tradicionais, locais que lhe

caracterizam assim como ao seu povo e que constituem testemunho da sua história

– não passa pela conservação e preservação dos seus vestígios históricos.

Concordando com Figueiredo (1987, p. 14), para quem “[...] toda cidade

possui um patrimônio cultural que lhe é particular, formado por diversos elementos

que a compõem e que já se transformaram em tradicionais [...]” e ainda, quando

15

afirma que “[...] um processo de desenvolvimento que não considera a importância

da manutenção dessas áreas, modificando seu uso, acabará por descaracterizá-las

e destruir sua identidade, a referência de seus cidadãos”, nos propusemos

desenvolver uma pesquisa sobre a reestruturação arquitetônica do centro histórico

de Teresina, dando enfoque à conservação do Patrimônio Histórico e Cultural.

Outro fator que contribuiu para a elaboração da nossa proposta foi a

percepção da ação da sociedade que mantém uma relação agressiva com aqueles

elementos que figuram como marcos do processo histórico de Teresina. Este

problema nos encaminhou para a reflexão sobre o que representam esses lugares

de memória1 para nosso povo e como nos relacionamos com eles.

Jacques Le Goff (2003)2, refletindo acerca da relação entre história e

memória, discute sobre o papel que a memória coletiva3 desempenha, não só como

importante fator para a compreensão da sociedade, mas também como elemento

essencial da identidade, seja ela individual ou coletiva, nos estudos que se fazem na

segunda metade do século XX, reportando-se às pesquisas que são feitas sobre o

tema, nas mais diversas áreas do conhecimento.

1 Expressão criada por Pierre Nora em “Entre memória e história, a problemática dos lugares” texto em que afirma que não há memória espontânea e que os lugares de memória são criação dos seres humanos contemporâneos, que os estabelecem como espaço de unificação onde a ritualização de uma memória-história dá o sentido de identidade, necessário à sua existência.

2 Cf. LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão [et al.] 5 ed. Campinas, SP: UNICAMP, 2003, 546 p. Dedica um capítulo ao tema memória “tal como surge nas ciências humanas”, colocando-o como um “conceito crucial”. Aqui o autor faz referência aos trabalhos que revolucionam o estudo e o conhecimento da memória, destacando as contribuições de renomadas figuras do mundo acadêmico-científico cujos trabalhos aproximaram “[...] a memória aos fenômenos diretamente ligados à esfera das ciências humanas e sociais”.

3 Conceito criado por Maurice Halbwachs. Para ele, a memória é partilhada, transmitida e também construída pelo grupo ou sociedade. Em “A memória coletiva”, texto de 1950, Halbwachs nos faz compreender que “[...] nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem” (1990, p. 26). Nesse sentido, a memória individual encontra-se inserida na memória coletiva, ou seja, o ato de lembrar processa-se efetivamente a partir da sociedade, por sua presença ou a evocação, através dos outros, ou daquilo que produziram.

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Exorbitando a história como ciência e como culto público, ao mesmo tempo a montante, enquanto reservatório (móvel) da história, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (e vivo) do trabalho histórico, a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção (LE GOFF, 2003, p. 469).

Parte-se do principio que a “[...] memória é um elemento essencial do que

se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das

atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na

angústia” (LE GOFF, 2003, p. 469). No Piauí, assim como no Brasil, a memória

selecionada muitas vezes esteve imbuída de um caráter patriótico, sagrado,

prestigioso, exclusivista e elitista, muito distante da realidade dos “sujeitos sociais”

que constituem nossa sociedade. Le Goff (2003, p.470), fundamentando essa

reflexão, aponta sobre o papel político do historiador, de modo que este deve “[...]

trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a

servidão dos homens” (sic), já que a memória coletiva “[...] é resultado da luta pela

dominação da recordação e da tradição [...] (2003, p. 471)”. Por esse viés o autor

nos remete a ver e estudar a memória coletiva não somente como uma conquista,

mas também como um instrumento e um objeto de poder.

Compreender as relações travadas entre os consumidores da área central

de Teresina e os significados dados ao que se convencionou chamar patrimônio

cultural teresinense é tarefa instigante. Assim, escolhemos como locus de

observação o ambiente e as práticas cotidianas dos agentes envolvidos no processo

de construção e reconstrução do centro histórico de Teresina tendo, portanto, como

objetivo analisar e discutir a relação que se estabelece entre o espaço construído no

centro histórico de Teresina e seus agentes históricos e como se dá a apropriação

deste espaço no cotidiano por seus consumidores, no período de 1980-1990.

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Tivemos a intenção de, ao nos determos numa realidade e analisar as

condições objetivas da construção e reconstrução do centro histórico, compreender

e interpretar criticamente a dinâmica interna dessa relação a partir de uma visão do

historiador.

Ao compreender o espaço não só como instrumento de dominação, mas

também como universo dos desejos, das expectativas e necessidades dos sujeitos

que o compartilham, acreditamos que não há espaço vácuo, nem de matéria nem de

sentido; nem espaço imutável. “[...] Agentes e atores sociais públicos e privados

intervêm nos processos que criam e renovam a cidade através da conservação,

renovação e reabilitação do mobiliário” (MEDEIROS, 2003, p. 5). O caráter de

mudança permanente – construção/destruição – define bem a dinamicidade do

espaço.

Procuramos não partir de uma visão pré-determinada da realidade,

buscando para isso, explorá-la em seus diversos aspectos, no sentido de desvelar

falsas concepções e permitir análises mais conscientes de práticas sociais pelos

próprios agentes envolvidos no processo de reestruturação do centro histórico de

Teresina.

Nesse sentido, a pesquisa baseou-se no principio de que a (re)construção

do centro histórico de Teresina passa pela afirmação de autorias não individuais,

mas, coletivas, e o que ela propôs-se foi a investigação das formas pelas quais

significados e representações são produzidos nesse espaço para daí, capturar nas

relações sociais ali travadas, o ambiente em que vivemos. A fonte emanadora dos

significados e representações apontados é a cultura, na qual estamos inseridos.

Tudo o que resulta da atividade humana – ação intencional ou não – é

cultura. Porém, seguindo a reflexão de Certeau (1995, p. 141), não basta ser autor

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de práticas sociais; “[...] é preciso que essas práticas sociais tenham significado para

aquele que as realiza”.

O sugestivo título “A cultura no plural”, da obra de Certeau (1995, p. 142),

exprime bem que um conceito de cultura só é possível mediante a constatação de

que “uma cultura monolítica impede que as atividades criadoras tornem-se

significativas. [...]”. E ainda: “[...] A cultura no singular tornou-se uma mistificação

política. Mais do que isso, ela é mortífera. Ameaça a própria criatividade [...]”. A

pluralidade notadamente é fonte de riqueza e capacidade criadora, motivadora de

atividade enquanto que a uniformidade cultural empobrece e poda.

Tomando emprestada a idéia de Weber (apud Geertz 1973, p. 15), de que

“[...] o homem é um animal que vive preso a uma teia de significados por ele mesmo

criada”, Geertz (1973, p. 20) sugere que essa teia e sua análise seja o que

chamamos de cultura. A missão do estudioso da cultura – no caso, o antropólogo –

seria desvendar esses significados, estabelecendo relações entre si, de forma a

fazer uma interpretação semiótica do objeto estudado. E essa interpretação só seria

amplamente efetivada através de uma descrição densa que implica em “[...] tentar ler

um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas

suspeitas e comentários tendenciosos”, ou seja, através do levantamento de seus

múltiplos significados.

Pelo prisma das análises apresentadas, a cultura deixa de ser vista como

fenômeno natural, sendo, portanto, referendada como fenômeno social e por esse

viés, sua origem está nos agentes sociais – os seres humanos.

E quanto à sua manutenção e transmissão de seus valores? Nesse

sentido, Ulpiano Meneses (1992, p. 189) evoca que

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É preciso, pois, sublinhar que os valores são sempre atribuídos. Daí serem sempre historicamente marcados. Assim, para se falar de valores culturais, exige-se conhecimento das redes de interação por intermédio dos quais são produzidos, armazenados, postos em circulação, consumidos, reciclados e descartados os valores.

Se toda criação do ser humano é cultural, a cultura constitui-se em

domínio público. Mas, neste caso, porque

[...] Uma ignorância compacta relega „a massa‟ ao esquecimento. Ela se apóia, sem dúvida, no privilégio que possui a escrita, na repressão que exerceu sobre o oral e sobre as expressões diferentes, transformadas em „folclores‟ nas fronteiras de um império. [...] Cultura de mestres, de professores e de letrados: ela cala „o resto‟ porque se quer e se diz a origem de tudo. Uma interpretação teórica está, portanto, ligada ao poder de um grupo e à estrutura da sociedade onde ela conquistou esse lugar (CERTEAU, 1995, p. 168).

As idéias de Certeau são partilhadas pela maioria daqueles cuja

sensibilidade os levaram a romper a distância tradicional entre o laboratório e o

campo propriamente dito, realizando por meio desse gesto uma conexão

enriquecedora em todos os sentidos, ampliando o campo de investigação ao indicar

que o conceito de cultura reestrutura o conceito de patrimônio.

As produções recentes voltadas para a temática do patrimônio têm

revelado um profundo alargamento do conceito de patrimônio. Este abandona o

significado exclusivo associado diretamente ao aspecto arquitetônico e adquire

novas conotações de portador das práticas sociais e por essa via, suporte da

memória coletiva, inserido em uma dada realidade social. Nesse sentido, ao

patrimônio material inclui-se o patrimônio imaterial ou intangível que abarca todas as

práticas que dão sentido à história de um grupo.

Pretende-se, assim, romper com o senso comum que define o patrimônio como uma coleção estática de objetos, documentos e edificações. Agrega-se uma nova contribuição para o entendimento dos sentidos da construção de imagens patrimoniais, condizentes

20

com orientações culturais, historiográficas, artísticas e políticas dos períodos analisados (KERSTEN, 2000, p. 16).

As diferentes representações culturais passam a ser vistas como

relevantes mecanismos da memória e por meio dessa memória práticas

preservacionistas seriam implementadas.

A esse respeito, Ulpiano Meneses (1992, p. 189) considera que um ponto

a ser discutido é a eleição desse patrimônio. O patrimônio é um artefato cultural

inventado e sua sobrevivência sempre foi (é) produto de uma escolha legitimada no

presente por meio da generalização social do patrimônio julgando-o único e com um

mesmo sentido para todos, estabelecendo-o como a memória nacional,

concentrando-se apenas no foco de excepcionalidade como elemento de

qualificação cultural.

Tais considerações têm sentido quando temos como pressuposto o fato de

que na produção do conhecimento, o sujeito não se desvincula do seu próprio tempo

e mais especificamente, que a realidade não se constitui como um dado a priori.

Trata-se de considerá-la como construção4. Portanto,

Ao associar-se a edificações e monumentos comemorativos e à glória de uma nação, o conceito de patrimônio estaria recoberto por conotação ideológica, pois o passado e a tradição seriam reescritos e reinterpretados, através deles, com base em elementos, fatos e situações que, pinçados, redesenhariam um quadro que simbolicamente remeteria à cultura comum (KERSTEN, 2000, p. 45).

E mais profundamente, cabe considerar o fato de que a seleção – de

documentos, objetos, edificações, tradições – “[...] constrói uma significativa

gradação de silêncio e esquecimento”. Muito embora isto não queira significar uma

4 Cf. CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990, 247 p. Enfatiza o papel que o estudo das representações tem para se compreender a realidade social, referência quando se considera a realidade como representação, isto é, construção significativa.

21

lógica determinista, já que “[...] a tradição pode reinventar o patrimônio,

transfigurando-o” (KERSTEN, 2000, p. 46).

Promover o deslocamento da nação para a sociedade e introduzir a noção

de patrimônio como memória, inscrevendo-o dessa forma no presente, aberto ao

poder de fecundação, não é tarefa menor, muito menos fácil, mas é uma

necessidade. Um passo dado nessa direção dependerá “visceralmente, de nosso

projeto de sociedade, do tipo de relações que desejamos instaurar entre os seres

humanos” (MENESES, 1992, p. 194).

Aí está a chave de leitura que responde à questão que norteia o presente

texto. Os atuais estudos acerca da cultura são a ponte que vincula o intelectual à

sua sociedade de modo que o mesmo redescubra nela os elementos que ancorem

sua produção. Como “homem amarrado a teias de significados que ele mesmo

teceu” (MENESES, 1992, p. 194) – em sociedade – a busca do significado pode

passar pelos caminhos da preservação, cujo ato de manter os testemunhos das

manifestações culturais e ambientais nos possibilitam reconhecer nossa identidade,

valorizando-a e estabelecendo referenciais para a construção do futuro.

Diante desses pressupostos, algumas questões foram norteadoras da

pesquisa: Qual a concepção e função de centro histórico que fundamenta nossa

construção? Encontrando-se o espaço definido, como ele é apropriado? Como a

relação dialética entre espaço e cotidiano marca as práticas ali realizadas? Com o

objetivo de responder a essas questões o trabalho foi dividido em três capítulos.

O capítulo um, O caminho da construção de um conceito: origens,

tendências e perspectivas do patrimônio no Brasil, trabalhando o conceito de

patrimônio, faz uso especialmente, das bases legais e dos escritos de autores

voltados para o estudo da trajetória da construção da noção de patrimônio.

22

O capítulo dois, O Centro histórico de Teresina: (Re)Construção Histórica

destaca a re-construção histórica da cidade no período de 1980-1990, apontando

para o fato de como o processo de reestruturação arquitetônica foi se solidificando

com as idéias e práticas do seu tempo e usos do seu espaço. Buscou-se situar o

centro histórico de Teresina no seu contexto histórico, social e cultural tentando

entender como as condições sociais se relacionam à organização e reorganização

do espaço, se estruturando dialeticamente a partir das contradições e das diversas

relações que nesse espaço são estabelecidas. As principais fontes buscadas para o

desenvolvimento desse capítulo foram artigos de jornais da época, especificamente

O Estado e O Dia, as revistas Presença e Cadernos de Teresina, os indicadores

sociais informados pelos órgãos oficiais (CEPRO, IBGE, dentre outros) e por fim, a

produção acadêmica dos pesquisadores que têm refletido sobre as questões

urbanas locais de forma bastante profícua.

Ao discutir a problemática da reestruturação arquitetônica do centro

histórico a partir da reconstrução histórica das diversas concepções de centro e das

relações ali travadas, a pesquisa pretendeu situar a sua perspectiva de cidade como

um produto do seu tempo e espaço e não de uma natureza dada, abstrata e

universal.

No capítulo três, Apresentando o Centro Histórico de Teresina: limites ou

possibilidades?, destacamos alguns aspectos do centro histórico: espaço físico,

indicação das áreas de moradia e as de comércio, apontamento dos

estacionamentos e de áreas sem uso definido (casas fechadas) cuja perspectiva

futura se encaminham para a demolição e “construção” de novos estacionamentos.

Trata-se aqui de uma proposta, dentre as várias possibilidades de se

aproximar dessa realidade, um olhar, com base nos problemas e indagações postos

23

no presente, sem perder de vista que existe uma pluralidade de múltiplas vozes que

se cruzam tecendo, como tramas, o processo histórico de criação e recriação

permanente de nossa cidade. Como proposta, encontra-se aberta às mais diversas

contribuições que venham minimizar suas lacunas e superar seus limites.

24

1. O CAMINHO DA CONSTRUÇÃO DE UM CONCEITO: ORIGENS,

TENDÊNCIAS E PERSPECTIVAS DO PATRIMÔNIO.

Quando se discute o termo patrimônio, os conceitos já cristalizados

ligados à idéia de monumentalidade, excepcionalidade, antiguidade, herança social

de um passado comum a todos, quase que naturalmente nos atravessam. Esses

conceitos de certo modo eliminam ou minimizam os conflitos e as contradições que

aí se encontram interconectados, sinalizando sutilmente para uma suposta

sobrevivência natural de determinados bens e valores representativos da história de

um grupo social.

É na Europa que são iniciadas as ações e as discussões voltadas para a

defesa de preservação do patrimônio, da manutenção de obras artísticas em países

como a Itália, que marca fortemente o caráter grandioso, excepcional e de modelo

europeu que a partir de então se buscou preservar nas diferentes regiões do

ocidente, inclusive no Brasil. Nesse sentido, aquilo que não se enquadrasse dentro

desses princípios, pouco ou nenhum valor teria, o que permitiria sua marginalidade

no contexto das políticas preservacionistas.

No Brasil, mais recentemente, o binômio patrimônio cultural passa a

constituir os bens não só de natureza material, mas também aqueles de caráter

imaterial, estabelecido na Constituição Brasileira, de 19885. Passa-se, assim, à

5 Em seu artigo 216 exprime como patrimônio cultural brasileiro: os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I. as formas de expressão; II. os modos de criar, fazer e viver; III. as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV. as obras, os objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações

artístico-culturais;

25

concepção de patrimônio como portador de referência e identidade6, presente na

ação e na memória dos grupos formadores da sociedade.

No Brasil, a promulgação d Decreto-Lei nº 25/1937, ainda em vigor,

organizou a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional e instituiu o

instrumento do tombamento.7 A inscrição, em um dos quatro livros do tombo8, de

bens móveis ou imóveis cuja conservação é de interesse público impede legalmente

que eles sejam destruídos ou mutilados. O ato do tombamento, privilégio do poder

Executivo, não implica desapropriação e nem determina o uso, tratando-se sim de

“[...] uma fórmula realista de compromisso entre o direito individual à propriedade e a

defesa do interesse público relativamente à preservação de valores culturais”

(FONSECA, 1997, p. 54-59).

O órgão público federal ao qual cabe, desde a promulgação do Decreto-

Lei nº 25/37, a competência legal da proteção no Brasil, bem como o trabalho

técnico de inventário de conhecimento, o estabelecimento de critérios e a execução

de obras de restauração, é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o

Iphan.

No Piauí, a lei nº 4515, de 09 de novembro de 1992 dispõe sobre a

proteção do patrimônio cultural do Estado. No artigo 1º constitui-se patrimônio os

V. os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico,

paleontológico, ecológico e científico. 6 Em dezembro de 2002, foi conferido o título de “Patrimônio cultural do Brasil à Arte Kusiva – pintura corporal e arte gráfica Wajãpi”, dos índios Wajãpi do estado do Amapá, o primeiro bem cultural indígena registrado no Livro dos Saberes do patrimônio imaterial. No Piauí, o IPHAN lançou o Edital “Mapeamento, Documentação e Apoio ao Patrimônio Cultural Imaterial”, como ação do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial, instituído pelo Governo Federal, em 2000, com o objetivo de promover a salvaguarda do patrimônio cultural brasileiro, em sua dimensão imaterial, por meio da produção e do tratamento de informações sobre bens dessa natureza e também mediante a promoção da melhoria das condições sociais e materiais que propiciam sua existência e continuidade. Fonte: Jornal Meio Norte, caderno alternativo, Teresina, 28/set./ 2005.

7 Tombar significa inscrever determinado bem em livros especiais. A partir do momento da inscrição, o bem está submetido à proteção especial, de onde decorrem direitos, obrigações e restrições. Só então, o ato jurídico torna-se efetivo, elevando o bem à categoria de bem da nação.

8 1 – livro do Tombo Arqueológico; Etnográfico e Paisagístico; 2- Livro do Tombo Histórico; 3- Livro do Tombo de Belas Artes; e 4- Livro do Tombo de Artes Aplicadas.

26

bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à

memória de diferentes grupos formadores da comunidade piauiense e que venham a

ser reconhecidos como de valor cultural. Aí estão incluídos bens móveis e imóveis.

Teresina passa a contar com uma lei de tombamento – de 16 de agosto de

1988, a de nº 1942 – que dispõe sobre o tombamento e a preservação do patrimônio

cultural, histórico, artístico e paisagístico. Sua finalidade é a de preservar a memória

do município de Teresina, através da proteção, mediante tombamento dos bens

públicos ou particulares, monumentos naturais e construções situadas no município.

O termo patrimônio, de domínio público, é usado muito freqüentemente no

nosso cotidiano. Gonçalves (2003, p. 22) aponta que parece não haver limite para o

processo de qualificação dessa palavra, uma vez que:

Falamos dos patrimônios econômicos e financeiros, dos patrimônios imobiliários; referimo-nos ao patrimônio econômico e financeiro de uma empresa, de um país, de uma família, de um individuo; usamos também a noção de patrimônios culturais, arquitetônicos, históricos, artísticos, etnográficos, ecológicos, genéticos; sem falar nos chamados patrimônios intangíveis, de recente e oportuna formulação no Brasil.

Considerada de extrema importância para a vida social e mental de

qualquer coletividade humana, essa categoria de pensamento, embora corretamente

associada aos processos de formação dos Estados nacionais, em fins do século

XVIII, possui um caráter milenar. Kersten (2000, p. 32) desenvolvendo a mesma

reflexão, indica a presença dessa categoria no mundo clássico, de modo que a

noção de patrimônio teria suas origens no grego – mnemosynon – referindo-se à

memória.

Françoise Choay (2001, p. 18) estabelece como monumento “[...] tudo o

que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que

outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou

27

crenças” constituindo-se estes em um “universal cultural”, presentes em quase todas

as sociedades, na forma de edifícios com uma função de memória. Este monumento

primevo, como poderíamos chamá-lo, pode ser relacionado ao valor de

rememoração intencional de Riegl, em texto escrito em 19039, no qual discute os

valores em que se baseiam os vários conceitos de monumentos. Seguindo essa

linha de pensamento, o valor de rememoração intencional relaciona-se à própria

razão de ser de um monumento, fato que exigiria a conservação do seu estado

original para as gerações futuras, exatamente como era, numa espécie de presente

eterno.

Se considerarmos que povos da Antigüidade construíram edifícios

monumentais com a idéia de que através deles seus valores sobrevivessem assim

como suas formas, o termo monumento pode ser definido a partir do seu modo de

atuação sobre a memória, por sua natureza afetiva, haja vista que como bem coloca

Choay (2001, p. 18), “[...] não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra,

mas de tocar, pela emoção, uma memória viva [...]”. E a autora continua com muita

precisão, quando refere-se ao patrimônio como representando um passado “[...]

localizado e selecionado para fins vitais, que pode, de forma direta, contribuir para

manter e preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional,

tribal ou familiar[...]”. Ao tentar combater a angústia da morte e do aniquilamento o

monumento transformar-se-ia em um instrumento tranqüilizador, já que constitui uma

garantia das origens, dissipando a inquietação gerada pela incerteza dos começos.

Esse conceito de “monumento original” se amplia com o tempo, para incluir obras

que causam encantamento pela beleza ou espanto, pela técnica. Ainda assim, sua

9 RIEGL, Aloïs. Monumentos: valores atribuídos e sua evolução histórica, primeiro capítulo de O culto moderno dos monumentos, traduzido pela Revista de Museologia, em seu nº 1, no segundo semestre de 1989.

28

importância deriva da experiência estética – ligada, portanto, à experiência do

espaço.

Para Le Goff (2003, p. 526), a “[…] memória coletiva e a sua forma

científica, a história, aplicam-se a dois tipos de materiais: os documentos e os

monumentos”. Para o autor, como um “sinal do passado”, o monumento traduz uma

das funções primordiais do espírito, a memória.

O sentido memorial original do monumento foi gradativamente sendo

perdido, graças a duas causas principais sumarizadas por Choay (2001): a

importância crescente atribuída ao conceito de arte no ocidente, a partir do

Renascimento e o desenvolvimento, aperfeiçoamento e difusão das memórias

artificiais. Em se tratando do objeto de estudo aqui proposto ligado ao espaço

urbano, é possível depreender a partir daí que a invenção e a popularização da

imprensa tenham reduzido a autoridade do monumento para este espaço social, já

que a atividade de informar e formar os cidadãos foram para ela transferidas.

Marcadamente, a partir de então, as relações com a cidade passam a

depender cada vez menos do conhecimento de seus sinais arquitetônicos

específicos, sendo privilegiada a linguagem impressa, dado relevante para a

proposta do trabalho. A função primordial do monumento, carregada para o

patrimônio, é fundar uma identidade; vencer a morte – ou a própria vida, se

considerarmos que seus ciclos tudo transformam sem cessar.

Françoise Choay (2001) nos mostra que até meados do século XVIII, a

seleção de monumentos históricos produzia-se entre os antiquários que garantirão

uma destacada importância aos testemunhos da cultura material por meio de um

estudo que desembocou numa abordagem comparável à das ciências naturais, de

modo que,

29

Reunindo seu corpus de antiguidades [...], o objetivo primeiro dos antiquários é tornar visível o passado, sobretudo o silencioso ou não expresso. Eles não se limitam, porém, a uma soma. A imagem se por a serviço de um método comparativo que lhes permite estabelecer séries tipológicas, às vezes até seqüências cronológicas e realizar, assim, uma espécie de história natural das produções humanas. 10

Considerando as colocações de Abreu (2003, p.31) o significado de bem

comum dado ao termo patrimônio liga-se ao processo desencadeado pela

Revolução Francesa, considerando o contexto no qual os sentimentos

revolucionários ameaçavam destruir todas as aquisições de épocas anteriores,

expressões do Antigo Regime. Opondo-se a esses sentimentos, foi invocado o fervor

patriótico orientando para uma apropriação das heranças dos nobres como herança

do povo do Estado-Nação “[...] sendo relidas como novos sinais diacríticos”.

A partir do século XVIII, portanto, efetiva-se a noção de patrimônio

incorporando a idéia de herança aliada à de patrimônio arquitetural, sendo a França

o primeiro país da Europa a estabelecer uma legislação específica tendo essa

concepção como base. Na segunda metade desse mesmo século, o termo

patrimônio histórico, fundamentado no conceito de monumento histórico nascido na

Europa, se difunde por todo o ocidente.

O monumento, de acordo com Jacques Le Goff (1994, 535-536), é tanto

uma herança do passado como também uma escolha do historiador, justamente por

que representa um testemunho das sociedades históricas. Assim como um

documento é um monumento, já que fala muito além do seu conteúdo superficial,

por conter implicações e expressões de uma determinada época e local, o oposto

também é válido. Um monumento é mantido através do esforço de uma dada

sociedade em legar às gerações futuras, parte de sua memória, mesmo que seletiva,

10

Para um estudo mais minucioso da proposta da autora faz-se interessante a leitura do capítulo I: Os humanismos e o monumento antigo, da obra “A alegoria do patrimônio” onde a pesquisadora aprofunda as questões pertinentes às civilizações clássicas e sua relação com os monumentos.

30

uma vez que se faz, por parte dessa sociedade, uma eleição do que deve ou não ser

registrado, de qual seria a melhor história para se contar.

[...] Cabe ao historiador não fazer o papel de ingênuo. [...] um monumento é em primeiro lugar uma roupagem, uma aparência enganadora, uma montagem. É preciso começar por desmontar, demolir esta montagem, desestruturar esta construção e analisar as condições de produção dos documentos-monumentos.

A partir das noções de monumentos e das ações de preservação que

marcaram os séculos XIX e XX, forja-se o conceito de patrimônio, com o advento da

modernidade, contrapondo-se em certa medida ao momento de grandes mudanças,

especialmente no ambiente urbano, em sua forma mais definida – a cidade – que

passa por constantes adaptações aos novos tempos, ao tempo em que exprime em

sua tecitura os novos códigos transmissores da nova realidade. A lógica moderna da

renovação é de certo modo complementada pelos movimentos de preservação.

O advento de uma administração assumida pelo Estado, consolidada na

década de 70 do século XX, resulta, conforme Choay (2001, p. 207), da expansão

das políticas de proteção aos monumentos que chegam a tornar-se um culto, a

“religião ecumênica do patrimônio edificado”, também chamada indústria do

patrimônio, preparada desde o século XIX. O culto do patrimônio impôs vertiginoso

crescimento e reforço a política cultural a partir da década de 1960, não só no

território francês, mas extrapolando essas fronteiras, no que a referida autora

denominou “mundialização dos valores e das referências ocidentais”, expansão

simbolizada pela Convenção do Patrimônio da Unesco de 197211.

11

O artigo 1º da Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural que trata das definições do patrimônio cultural e natural, considera como patrimônio cultural:

- os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e grupos de elementos, que tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

31

Choay (2001, p. 207) ao trabalhar o patrimônio histórico como sujeito de

uma alegoria, é enfática no sentido de afirmar que a partir daí, a universalidade do

sistema ocidental de pensamento e de valores quanto a esse tema, estava

proclamada. Ao mesmo tempo questiona a vagueza impressa ao critério valor

excepcional, o que dificulta sua aplicação. A adoção da noção de valor como

definitivo para o patrimônio, associado aos termos universal e absoluto não deve nos

remeter à compreensão limitada deste como sendo válido para todas as épocas,

assim como a universalidade pode ser interpretada muito toscamente se

considerados os valores válidos para todas as realidades em nível geral, para todos

os países signatários, que em 1991 somavam 112.

A ocorrência de uma expansão tipológica do patrimônio histórico forja uma

proximidade cada vez maior entre passado e presente, de maneira que o passado a

ser preservado “aproxima-se” cada vez mais do presente, levando o patrimônio

histórico a abranger outras tipologias, entre as quais está incluído “[...] um mundo de

edifícios modestos, nem memoriais, nem prestigiosos, reconhecidos e valorizados

por disciplinas novas [...]” garantem aos produtos técnicos da era industrial e pós-

industrial – no caso, os edifícios, sempre ameaçados de demolição – os mesmos

privilégios e direitos à conservação, gerando, nas palavras da Choay (2001, p. 209),

um complexo de Noé, principalmente, edifícios da era industrial e pós-industrial.

No bojo dessas construções esboça-se a noção de patrimônio da

humanidade que adquire contornos mais sólidos quando da criação da Unesco, na

década de 1940, ao final da Segunda Guerra Mundial, como uma tentativa de por

- os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura,

unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência;

- os lugares notáveis: obras do homem ou obras conjugadas do homem e da natureza, bem como as zonas, inclusive lugares arqueológicos, que tenham valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico.

Quanto ao termo “sítios”, no material pesquisado, foi substituído por “lugares notáveis” cf. LOPES, Ana Elvira Barros Ferreira. Cidadania cultural: legislação. Vol 1. p. 14.

32

fim aos antagonismos entre as nações, inserindo-se aí o conceito antropológico de

cultura, em contraposição às tendências racistas que provocaram a Segunda Guerra

Mundial. Essa virada antropológica (ou cultural?) garantiu à categoria uma maior

amplitude de modo que ganha contorno a idéia que Abreu (2003, p. 33) explicita

muito bem, “[...] a idéia de que havia um patrimônio cultural a ser preservado e que

incluía não apenas a história e a arte de cada país, mas o conjunto de realizações

humanas em suas mais diversas expressões”.

Cortado pela análise antropológica de figuras como Claude Lévi-Strauss,

prefigura-se, em relação ao patrimônio, a noção de que no interior mesmo da nação

existiam culturas diversas e plurais, ou seja, a cada nação comportaria uma

infinidade de culturas e subculturas e, ainda, que a cultura congrega bens materiais

e imateriais ou intangíveis, o que inclui hábitos, costumes, tradições e crenças.

No ocidente o patrimônio, antes associado exclusivamente a coisas

corpóreas e sendo a preservação como bem expressa Sant‟Anna (2003, p. 48), “[...]

uma prática constituída de operações voltadas para a seleção, proteção, guarda e

conservação dessas coisas [...]”, sob a influência dos paises asiáticos e os do

chamado Terceiro Mundo, o patrimônio adquire uma nova percepção, expandindo

seu significado uma vez que seu patrimônio, para a autora, “[...] é constituído de

criações populares anônimas, não tão importantes em si por sua materialidade, mas

pelo fato de serem expressões de conhecimentos, práticas e processos culturais,

bem como de um modo específico de relacionamento com o meio ambiente [...]”

(2003, p. 49). De acordo com esse princípio, para essas sociedades, mais

importante do que preservar um objeto é preservar – e transmitir – o saber que o

produz, possibilitando por essa via sua vivência na atualidade, de modo que nesse

33

entendimento, as pessoas que detêm o saber, preservam e transmitem as tradições,

tornando-se mais importantes do que as coisas que as corporificam.

Fundada na conservação e na autenticidade do objeto, a prática ocidental

de preservação e sua codificação legal não dão conta da abertura provocada pela

nova noção de patrimônio cultural. No Brasil, o projeto proposto ao SPHAN, em

1930, por Mário de Andrade, já considera os aspectos ligados às produções

populares quando o mesmo apresenta uma definição abrangente de arte ao

estabelecer as culturas popular e ameríndia – cantos, lendas, culinária, contos,

provérbios, medicina, ditos, entre outros – inseridas como expressões artísticas,

muito embora seu conceito vanguardista e visionário de patrimônio não tenha se

consolidado àquela época.

Em uma evolução, o termo patrimônio, como categoria de pensamento

passa de uma restrita significação, a uma definição mais abrangente, ao tempo em

que o monumento adquire conotações de um “signo digno de conservação”, os

estudos atuais, embora considerem o seu aspecto milenar, apontam coerentemente

para o fato de que não podemos naturalizar essa categoria de pensamento. Como

bem entende Kersten (2000, p.28) “O patrimônio, como um artefato cultural

inventado, vai adquirir significados no processo de sua construção, passando por

intersubjetividades e recursos ficcionais”. Estas posturas sofrem grande influência da

Antropologia, desde Lévi-Strauss, como foi apontado acima, a Geertz,

estabelecendo por essa abordagem denominada História Cultural, que o discurso do

patrimônio, ao representar uma situação ou evento, traduzindo-o, teria como

característica o fato de ser interpretativo, pois cada nova geração relê e refaz seu

patrimônio cultural de acordo com seus referenciais socioculturais.

As palavras de Geertz (1973, p. 36) parecem emblemáticas:

34

Chartres é feita de pedra e vidro, mas não é apenas pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo particular por certos membros de uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas as catedrais. Você precisa compreender também – e, em minha opinião, da forma mais crítica – os conceitos específicos das relações entre Deus, o homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens; eles também, até o último deles, são artefatos culturais.

Efetivamente, o que se apreende é que nesse processo de construção, a

definição de patrimônio, ao considerar a produção humana em sua totalidade,

supondo que a capacidade de produzir cultura e ser produzido por ela é

característica de toda a humanidade, revela o conjunto das discussões que o termo

desperta nos meios acadêmicos, conforme revela Kersten (2000) ao longo de sua

abordagem.

Nessa acepção, ao se considerar toda a produção humana há

necessidade de se constituir uma relação dialógica com o conceito de memória

nacional. Ao compreendermos com Kersten (2000, p. 43) que “[...] a idéia moderna

de Estado-Nação, apesar de suas particularidades, baseia-se, também, na ficção da

existência de um patrimônio cultural coletivo como unificador e integrador; patrimônio

este que cria a ilusão de uma cultura comum, que constitui o sustentáculo da

nacionalidade”, é pertinente a idéia de que o conceito de memória nacional ao

apresentar-se como unificador, superando ou mesmo escamoteando as diferenças,

como afirma literalmente a autora, tende a sublimar o conflito que perpassa a

sociedade humana.

Tal conceito encontrar-se-ia recoberto por uma conotação ideológica,

autenticando a nação, permitindo a percepção desta como uma realidade única e

totalizadora, no que a autora (p. 46) nos remete a considerarmos que “no caso da

35

seleção de objetos, documentos ou edificação como monumentos patrimoniais, a

tradição, ao enaltecer certos fatos, situações ou objetos, constrói uma significativa

gradação de silêncio e esquecimento”, o que corrobora a idéia de que memória é

poder. Assim, a preservação de uma determinada memória implica no silêncio de

tantas outras silenciadas. A mesma reflexão pode ser usada quando das

sobreposições – quando se redefine uma arquitetura, o que se quer esquecer?

Por outro lado é pertinente invocar as reflexões defendidas por Certeau de

que a tradição pode reinventar o patrimônio, transfigurando-o astutamente, idéia

também apontada por Kersten (2000, p. 46), já que

[...] o resgate da memória pode dar forma e conteúdo a

reivindicações políticas, o que permite o fortalecimento de movimentos sociais ou étnicos, que objetivam resgatar sua identidade, preservando aquilo cujo significado político lhes seria

mais interessante [...].

Na mesma direção aponta Nigro (2003, p.) , quando afirma que

[...] as recentes trilhas preservacionistas incorporam a afirmação do patrimônio como um direito social pelo fato de se instituir como um

importante campo de afirmação de identidades coletivas e como elemento estruturador de memórias sociais. [...].

Kersten (2000, p. 46) define em seu ponto de vista, de modo claro, que

[...] de maneira geral, pode-se dizer que como uma construção social, recortada e definida a partir de critérios criados a posteriori,

os vínculos que o patrimônio estabelece entre o presente e o passado são frutos de uma empatia definida com o vencedor.

A autora (2000, p. 46) invoca o trabalho de Walter Benjamin por meio do

qual ela leva-nos ao exercício da reflexão, quando conclui:

Sob esta perspectiva, o patrimônio que se preservaria seria o referido à história dos vencedores; aliada à tradição, a história seria contada a partir deles. Os homens do presente reordenariam e

36

dariam sentido aos fatos pretéritos, reconstruindo o passado e a memória. A lógica desta reconstrução seria sempre dada pelo presente. Portanto, a possibilidade de evocar o passado estaria associada a idéias e valores, a espaços ou objetos, como um recurso mnemônico, acionado dentro de um campo simbólico a partir dos capitais culturais disponíveis, definidos por aqueles a quem coube recuperar os fatos, agregando-os e dando-lhes sentido.

Considerando um ou outro termo usado pela autora, suas colocações

constituem uma boa introdução para a experiência brasileira neste campo, cuja

preocupação preservadora por parte do poder público é relativamente recente.

A pesquisa de Fonseca (1997, p. 90) destaca que a relevância dos

movimentos intelectuais da década de 1920 para o estudo da trajetória do

patrimônio no Brasil se justifica por refletirem em sua essência um dado comum, “[...]

a crítica aos modelos políticos e culturais da Velha República” por um lado, e, por

outro, o fato de que a “[...] participação dos intelectuais modernistas na

administração pública federal só teve início efetivamente após a Revolução de 30”.

Embora suprimindo a representação política e instaurando a censura, fator

de retrocesso, Fonseca aponta como avanço do governo Vargas a função

organizadora da vida social e política do país assumida pelo Estado Novo, assim

como a abertura de espaços para os intelectuais, tanto dos que assumiram

claramente a função de ideólogos do regime, quanto dos mais reticentes, de modo

que puderam ver condições de participarem da edificação da nação.

Gestos “[...] como a nomeação de Carlos Drumonnd de Andrade como

chefe-de-gabinete, e a admissão, nos quadros do MES12, de vários intelectuais

vinculados ao Modernismo, nos anos trinta, sinais concretos da relação que então se

estabeleceu entre o governo e aqueles intelectuais” confirmam para Fonseca (1997,

93) a significação do Modernismo na cultura e em certa medida, na vida política do

12

Ministério da Educação e Saúde.

37

Brasil. Para a autora, na verdade, “[...] a missão dos modernistas extrapolava o

campo restrito da literatura e das artes. Tratava-se de, ao buscar definir os limites

entre a criação literária e a militância política, repensar a função social da arte”. A

temática do patrimônio surge no Brasil assentada em pressupostos Modernistas.

A proposta de uma única instituição para proteger todo o universo dos

bens culturais, a forma abrangente e articulada de como o tema foi tratado assim

como os nomes de intelectuais com posições vanguardistas, estabeleceu um grande

diferencial entre o Brasil e os outros paises.

A criação do SPHAN em 1936, constitui marco das iniciativas do Estado,

sem, contudo desconsiderar as ações promovidas através dos museus. Estruturado

em duas divisões técnicas, a Divisão de Estudos e Tombamento (DET) e a Divisão

de Conservação e Restauração (DCR), teve entre seus formuladores mais

proeminentes além do já citado Mário de Andrade, Rodrigo de M. F. de Andrade, que

dirigiu o órgão (1936-1967) e formulou o Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, vencendo

o projeto inicial e mais vanguardista de Mário de Andrade que concebia em sua

proposta – à frente de sua época – uma atuação do Estado na área da cultura

voltada para a coletivização do saber, de modo que seria impossível dissociar

preservação ao patrimônio de educação. Para Fonseca (idem ibidem), Mário de

Andrade

Acreditava que, divulgando as produções artísticas, tanto as eruditas como as populares, criando condições de acesso a essas produções, se estaria contribuindo para despertar a população para o que costumava ficar reservado para o gozo das elites – a fruição estética. Desse modo, se estaria, ao mesmo tempo, democratizando a cultura e despertando na população o sentimento de apego às „coisas nossas‟.

As diferenças entre o projeto inicial e aquele efetivado, mais voltado para a

garantia de meios legais para a atuação do SPHAN, onde se define oficialmente, no

38

artigo 1º do Decreto Lei nº 25/1937, o Patrimônio Histórico e Artístico Nacional como

sendo “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação

seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do

Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou

artístico”, como forma de assegurar a resolução de problemas jurídicos ligados ao

direito de propriedade. É perceptível a ênfase dada à preservação cuja prioridade

voltou-se para os bens de pedra e cal.

Neste constitutivo o tombamento é o instrumento proposto como proteção

e se constitui em ação que concretiza a existência do bem patrimonial, aqui designa

o registro, o arquivo e a catalogação de bens que passam a ser preservados e

reconhecidos como patrimônio, podendo ocorrer nas esferas federal, estadual e/ou

municipal13.

O tombamento é classificado por Kersten quanto à sua eficácia em

provisório e definitivo14. Quanto ao tipo, são previstos dois tipos de tombamentos: o

compulsório15, quando se trata de uma imposição do poder público, se comprovada

13

Em termos jurídicos, o ato de tombamento restringe, parcialmente, o direito de propriedade privada, mas não retira o bem de seu proprietário, embora afete seu pleno desfrute do bem restringindo seu uso e seus encargos.

14 O provisório defende bens suscetíveis a serem tombados e efetiva-se no recebimento da

notificação pelo proprietário. É uma medida acautelatória, que tem valor até que sejam processados os passos necessários para o tombamento definitivo; que segue os trâmites da lei até inscrever o bem num dos Livros do Tombo.

15 O tombamento compulsório tem fases distintas:

a) a notificação, ao proprietário ou possuidor do bem, que induz ao efeito cautelar do tombamento provisório;

b) a fase instrutória, quando são abertas oportunidades para contestação; c) a fase deliberativa, na qual verifica-se o parecer do Conselho no sentido do tombamento e,

finalmente, d) cumpridos os atos e as formalidades, o registro do bem no respectivo Livro do Tombo e no

Cartório. (Trata-se de uma exigência legal para que haja a inscrição em livro de registro imobiliário do imóvel de propriedade particular, averbado ao lado da transcrição do domínio.)

39

a referencialidade do bem, e o voluntário, quando o proprietário ou a entidade

responsável, opta pela tutela estatal do bem16.

Os anos 1970 apresentam novos desafios à política de preservação no

Brasil. Assinalado por um regime ditatorial desde o golpe de 1964, o país vive na

década de 1970 um período marcante da sua história, no qual se destaca a

manifestação da sociedade em resistência ao regime – Se não houvesse resistência,

como se explicaria tanta violência?

No bojo das grandes manifestações dos anos 1960 que tendiam a

questionar os valores da sociedade moderna, brotam movimentos em vários países

contra o colonialismo, a favor dos direitos civis dos negros, questionadores do

modelo tradicional de família, pela “morte do sujeito”, pregando uma contracultura,

questionando os pressupostos fechados da física clássica e do cartesianismo, enfim,

traduzindo uma crise da modernidade, como crise de identidade, segundo o conceito

tradicional e único, uma crise de referências. O Brasil não fica imune. Inadequado

aos novos tempos, o velho sistema da mordaça não se sustenta, embora de uma

maneira “lenta e gradual”, ocorre a instauração de um governo civil, de bases

democráticas, estabelecidas na Constituição Federal de 1988.

Tais transformações ocorridas nos anos 1960 e 1970 têm um importante

caráter ao influenciarem na mudança do conceito de patrimônio que até então foi

defendido nas políticas de preservação. A sociedade civil passa a reconhecer vários

grupos e associações que defendem os interesses de setores mais amplos – o que

implica numa ampliação daquilo que seria o nosso patrimônio. A valorização da

cultura de caráter mais popular e dos valores agregados às camadas populares

16

A legislação federal prevê três tipos de tombamento: aquele de ofício, destinado a bens pertencentes à União, Estados e Municípios; os tombamentos voluntário e compulsório, todos de responsabilidade administrativa do Presidente da República, do Governador ou do Prefeito, dependendo da situação político-geográfica do bem.

40

ganha o direito de preservação como resultado da ampliação de participação

política.

Transformado em autarquia, vinculado à Secretaria da Presidência da

República pelo Decreto nº 99.492, mas novamente subordinado ao MINC, em 1992,

o agora IPHAN, do ponto de vista da preservação patrimonial, compatibilizando os

interesses da preservação ao modelo de desenvolvimento do país, desde a década

de 1960, com a colaboração da UNESCO, procura atender as necessidades da

preservação adotando as orientações de articular o potencial cultural dos bens ao

seu potencial turístico. Nesse sentido a preservação de bens culturais vistos em

conjunto, dentro de centros urbanos passa a ser discutida e efetivada trazendo

consigo a expressão “Patrimônio Ambiental Urbano”.17

A aproximação com os temas antropológicos, nas últimas décadas do

século XX, estabeleceu a crítica à preservação de bens de pedra e cal, direcionando

para o fato de que a política de patrimônio deveria ir além do belo e do velho na

preservação de bens arquitetônicos, mergulhando numa concepção mais

abrangente de patrimônio que considera a diversidade cultural, étnica e religiosa do

Brasil, processo que se evidencia na Carta de 1988, em seu artigo 216.

As tendências e trajetória tomadas pela política de preservação do

patrimônio no Brasil trilharam um caminho construído como parte do processo

histórico do nosso país onde não é possível sua trilha sem considerar os vestígios,

intencionais ou não, deixados por nós nesse percurso.

O momento atual é bem expresso pelas palavras de Fonseca (1997, p.

56):

17

Vale lembrar que o decreto que determina Ouro Preto como primeira cidade preservada no Brasil é de 1933, graças à ação dos intelectuais mineiros.

41

A imagem que a expressão „patrimônio histórico a artístico‟ evoca entre as pessoas é a de um conjunto de monumentos antigos que devemos preservar, ou porque constituem obras de arte excepcionais, ou por terem sido palco de eventos marcantes, referidos em documentos e em narrativas dos historiadores. Entretanto é forçoso reconhecer que essa imagem, construída pela política de patrimônio conduzida pelo Estado por mais de sessenta anos, está longe de refletir a diversidade, assim como as tensões e os conflitos que caracterizam a produção cultural do Brasil, sobretudo a atual, mas também a do passado.

É dessa idéia que abstraímos o fato de que as mudanças provocadas pelo

debate entre as forças desencadeadas em torno da discussão e afirmação de um

patrimônio nacional, enquanto alegoria, têm fomentado inúmeras reflexões que

articulam pesquisadores em eventos locais, nacionais e internacionais, cujo objetivo

maior é a promoção de situações em que o debate possibilite atitudes efetivas de

preservação do patrimônio cuja representação englobe os amplos setores sociais.

42

2. O CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA: (RE)CONSTRUÇÃO HISTÓRICA

Na medida em que a historiografia se metamorfoseia com a efusão de

novas preocupações que resultam da sensibilidade em relação a “outras histórias”,

as pesquisas se multiplicam, na tentativa de entender e responder aos novos

questionamentos a partir de um novo olhar sobre a realidade – contraditória, dado

que é marcada por um progressivo grau de modernidade paralelo às duras e

inaceitáveis condições sociais de vida da maioria da população.

A historiografia, sob novos conceitos, vem (re)atualizando antigas

questões, trazendo a renovação temática e metodológica, ao redefinir e ampliar

noções tradicionais e, mais importante, ao possibilitar a expressão de setores sociais

até então “sem voz” que passam a ser vistos como sujeitos sociais em seus

múltiplos significados, evidenciando o caráter diverso da história, na medida em que

somente os fatores objetivos mostraram-se insuficientes para esclarecer os

mecanismos estruturantes da sociedade. Tomando as idéias de Queiroz (2001, p.

307) para o fim aqui proposto:

Nesse diapasão, sujeitos novos e suas experiências, tidas pela historiografia centrada nos objetos institucionais como experiências sem história significando uma ausência de sentido, no limite compreendidas como insólitas ou mesmo residuais, vêm para um cenário de reconhecimento e de legitimação social. Dentre essas ações sociais de sujeitos antes espoliados do direito à memória realçam hábitos e costumes reprimidos pelo processo civilizacional. [...] Assim, formas diferenciadas de arranjos sociais [...], maneiras de pensar rebeldes aos cânones da razão ocidental, modos de fazer, de saber e de se relacionar que solicitam um novo olhar e explicações ainda não canonizados, são os objetos preferenciais da historiografia de sabor cultural. Essas novas temáticas favorecem o reconhecimento desse outro [...].

43

Nesse ínterim, o foco da análise do historiador se fragmentou

multiplicando-se as possibilidades de se olhar uma determinada realidade. No dizer

de Hall (2001, p. 9), um

[...] tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinha fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais [...].

Tais mudanças têm compelido as várias áreas disciplinares a uma

desconstrução interior e a história não ficou imune. Significativos trabalhos foram

realizados com a intenção de deslocar as análises do eixo político-econômico para a

dimensão cultural, simbólica e semiótica, promovendo, assim, uma transposição das

perspectivas macroestruturais para o âmbito da cultura, do cotidiano, imaginário,

valores e representações. Tais temas têm sido inclusive lugares-comuns nas mais

recentes linhas de pesquisas de pós-graduações das mais importantes instituições

de ensino do país.

Nesse sentido, as condições materiais não dizem tudo sobre a sociedade,

porque é ela composta de múltiplas dimensões, constituindo-se numa pluralidade em

que é possível vislumbrarmos referências significativas construídas por indivíduos

múltiplos, através das quais ordenam suas vidas, distinguem sua existência e se

situam no mundo. Ao mesmo tempo, as condições imateriais não falam sozinhas

uma vez que o seu “sentido de si” , como uma tela, necessita da interação de

variados materiais para expressar o sentimento e a sensibilidade do artista.

A cidade, que “[...] se coloca, mais do que nunca como um desafio, sendo

o lugar – por excelência – „onde as coisas acontecem‟” (PESAVENTO, 2002, p. 9)

transforma-se sob os olhares do historiador na medida em que se multiplicam as

possibilidades de análise sobre esse “lugar do homem” (sic), que se mostra múltiplo

44

comportando múltiplas experiências pessoais e coletivas e o espaço, em cuja

configuração esse “homem” (sic) aparece ao pesquisador social está cheio de

lembranças, experiências e memórias, constituindo-se lugar que, além de uma

existência material, emana um sistema de representações, no entender de Chartier,

foco da análise do pesquisador. Nesse contexto, conforme Pesavento (2002, p. 9), a

cidade “[...] se presta à multiplicidade de olhares entrecruzados que, de forma

transdisciplinar, abordam o real na busca de cadeias de significados”. A cidade se

coloca a nós como um problema: tal como a esfinge, ela se impõe como um enigma

de cuja decifração depende a nossa sobrevivência. A autora prossegue utilizando-se

das contribuições de Alan Mons sobre o tema, definindo, entre outras coisas, que

“[...] há metáforas visíveis, que se expressam nas imagens urbanas visuais, na

fotografia, na arquitetura, na pintura, nas esculturas, nos monumentos e prédios

como um todo, no traçado das ruas, nos graffiti e na publicidade [...]”.

E com mais clareza define:

Cidade-problema, cidade-representação, cidade-plural, cidade-metáfora – o urbano se impõe para o historiador [...] nos dias de hoje como um domínio estimulante. A cidade não é simplesmente um fato, um dado colocado pela concretude da vida, mas como um objeto de análise e tema de reflexão, ela é construída como um desafio e, como tal, objeto de questionamento (PESAVENTO, 2002, p. 10).

À vista dessas colocações, os pesquisadores não permanecem refratários

às indagações suscitadas no espaço urbano, exercitando um olhar que procura tocar

as diversas matizes emanadas do consumo da cidade em seus múltiplos cenários,

das ruas às formas arquitetônicas, das pessoas às relações entre elas travadas

assim como dos hábitos às instituições ali gestadas.

45

Esse olhar, cortado pelo viés cultural, repercutiu nas reflexões sobre a

cidade, no Piauí18, alimentando a produção de trabalhos consistentes cujo enfoque

deu solidez para que a proposta aqui desenvolvida fosse encaminhada, já que

estudar a cidade é tarefa instigante por ser ela portadora das mais diversas

significações.

Essa tendência em se compreender as diferentes relações travadas na

cidade de Teresina a partir da análise do cotidiano, do social e do cultural tem

alimentado o interesse dos pesquisadores que se voltam para o tema, absorvidos

pela vontade de entender as tramas do tecido social do qual todos fazemos parte.

Assim, para Lima (2003, p. 39),

[...] a partir de mudanças produzidas no espaço urbano de Teresina, desde meados da década de 1980, ensejaram-se novos olhares e configurações sobre a cidade [...] olhares desesperançados, realidades sombrias, referências e identidades abaladas que compõem o drama cotidiano de centenas de famílias em busca de um lugar no mundo e elaboradoras, através de experiências e de sua própria lógica, de um modo de viver e de ser parte da cidade. [...].

Esse processo de aprofundamento dos problemas sociais é resultado do

acelerado crescimento da década de 1970, que não foi acompanhado de um

planejamento articulador, capaz de gerir adequadamente o consumo do espaço

urbano. A cidade cresce e redefine-se, reconfigura-se e, aferindo novos significados

à vida dos seus habitantes, Teresina experiencia uma nova dinâmica em que os

18

Aqui destacamos os trabalhos dos professores: Áurea da Paz Pinheiro (Em especial, quando da organização, com o Prof. Alcides Nascimento, do livro Cidade, História e Memória, resultado do I Encontro Estadual da Associação Nacional de História – ANPUH-PI e III Encontro Regional Nordeste, da Associação Nacional de História Oral, realizados em Teresina, entre os dias 10 e 13 de abril de 2002, num evento que recebeu a denominação “Cidade, História e Memória: Teresina-150 anos”.) , Antonia Jesuíta de Lima, Edwar de Alencar Castelo Branco, Elisângela Barbosa, Francisco Alcides do Nascimento, Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz dentre outros.

46

baixos níveis de qualidade de vida da população se evidenciam com mais clareza no

processo de segregação apontado por Irlane Abreu19.

Choques, conflitos e contradições sociais, resultam do impacto do amplo

processo de urbanização vivido pela cidade provocado especialmente pelo

movimento migratório nas décadas de 1960 e 1970. Tais situações se evidenciam no

contraste e desigualdade que marcam o cenário urbano teresinense na década de

1980, caracterizado entre outros fatores pela incidência de ocupações de terras –

públicas e privadas – que culminam na eclosão das “vilas” e favelas, e embates que

envolvem famílias pobres, poder público e diferentes organizações que surgem na

tentativa de defender os interesses dos setores mais frágeis da população e ao

mesmo tempo, contribuir para a discussão dos problemas de gestão da cidade e

ainda apontar propostas de solução.

A ameaça constante de conflitos a partir da freqüente afluência de famílias

migrantes de outros municípios e de outros Estados20 impõe ao poder público a

implementação de políticas efetivas no sentido de gerir os problemas de uso e

ocupação do solo, ainda na década de 198021. Por esse meio “legal”, o poder

público evidencia o processo de segregação social, com a construção de novos

conjuntos habitacionais e criação de assentamentos em áreas de expansão da

19

Cf. ABREU, Irlane G. de. O crescimento da Zona Leste de Teresina: um caso de segregação?. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro, UFRJ, 1983.

20 Teresina, conforme os dados do IBGE, 1996, apresentou um ritmo de crescimento superior ao do

Piauí, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, figurando com o município mais populoso do estado. 21

O II PET- Plano Estrutural de Teresina, estabelece premissas básicas do modelo de gestão do espaço urbano e o perfil da cidade até o ano 2000, tornando-se o instrumento regulador e guia do processo de modificação da rede urbana. Neste Plano é determinada uma “estruturação ocupacional que atenue a demanda no centro, inibindo os processos de saturação e reduzindo a necessidade de acesso a este pólo” (Teresina: aspectos e características, 1993, p.38). Posteriormente, em 1989 foi criado o Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU, cuja função seria a viabilizar a execução do Plano. Em 1993 se dá a primeira atualização do II PET que se processa em meio diferentes faces da realidade teresinense, consubstanciadas em novos problemas como a aceleração da verticalização e o aumento populacional.

47

cidade, regiões periféricas, separadas do centro por um grande vazio que se tornou

área de especulação.

A década de 1980 assiste a um avanço do processo de verticalização da

cidade em áreas nobres, confirmando segundo Irlane Abreu, (1983, p. 19), a

segregação orientada pelos setores elitistas da sociedade que reserva para si os

espaços em que serão erguidos enormes edifícios nas ditas áreas – Ilhotas e zona

leste.

Como parte da ação do poder público, a cidade foi definida em seu

perímetro urbano em bairros distribuídos em cinco regiões – Centro, Norte, Sul,

Leste e Sudeste. Neste zoneamento e reordenamento espacial, áreas até então

tidas como zona rural, foram transformadas em bairros, como é o caso de Todos os

Santos, Pedra Mole, Socopo e Esplanada, Olarias, São Joaquim, deixando evidente

o processo de expansão de Teresina. No dizer de Lima (2003, p. 56), formava-se

então,

[...] um novo perfil da zona urbana, cuja única restrição de crescimento era a Zona Oeste, ao tempo em que surgia uma nova periferia. Desta forma, o que, nas décadas de 1970 e 1980, era, na configuração espacial de Teresina, considerado periferia, perde essa condição ao se produzirem, para além do seu limite, novas áreas de expansão, construídas igualmente sem serviços e equipamentos coletivos.

A década de 1990 caracteriza-se pelo crescimento da cidade, de forma

progressiva e acelerada. Dados do IBGE revelam que em 1991, a população rural

representava um número menor que 10% do total de habitantes de Teresina.

Observe-se na tabela a seguir, os números e percentuais que ele aponta:

48

TABELA 1: EVOLUÇÃO DA POPULAÇÃO DE TERESINA – 1970/ 2000

ANO TOTAL POP. URBANA POP. RURAL

% %

1970 220.487 181.062 82,12 39.452 17,88

1980 377.774 339.042 89,74 38.732 10,26

1991 599.272 556.911 92,93 42.361 7,07

1996 655.473 613.767 93,64 41.706 6,36

2000 715.360 677.470 94,70 37.890 5,29 Fonte: IBGE : Contagem da População (1970, 1980, 1991, 1996) e Censos Demográficos (1970, 1980, 1991, 2000)

Seguindo a reflexão de Lima (2003, p. 57), a cidade sofre nova redefinição

do perímetro urbano em 1994, quando antigas áreas povoadas são transformadas

em bairros e são incorporadas oficialmente à malha urbana.

Avaliando-se as décadas de 1960, 1970 e 1980, a partir dos dados

numéricos, conclui-se que ocorre uma explosão demográfica na cidade associada ao

“forte processo migratório que acontece no Piauí e Estados vizinhos”22, de acordo

com o livro Perfil Teresina: aspectos e características, apresentado pela Prefeitura,

em 1993. Famílias oriundas das zonas rurais, vivenciando as tradicionais formas de

exploração que caracterizam o Nordeste, são impulsionadas por diversos motivos a

buscar na cidade, melhores condições de vida – saúde e educação, principalmente.

Outro fator determinante para o êxodo rural, diz respeito às condições climáticas da

região e à ausência de investimento em uma política responsável, de investimentos

capazes de responder às necessidades do trabalhador rural.

À grande maioria das famílias migrantes acresce o número de pobres na

cidade em situação de desemprego, subemprego ou na informalidade, vivendo com

menos de um salário mínimo, em áreas de risco e na ilegalidade, revelando uma

realidade preocupante cujos desdobramentos incidirão sobre o aumento dos

22

A Fundação CEPRO informa que entre os anos 1960, 1970 e 1980 os fluxos migratórios nordestinos participam com 97,5%, 96,6¨% e 93,5% respectivamente, sobre o total de imigrantes no Piauí. Desse total, a grande maioria é formada por cearenses e maranhenses. Dados obtidos na Carta CEPRO, Teresina, v. 15, n 1, jan/jun 1994, p. 93.

49

problemas que a cidade vivenciará a partir de então, tais como o aumento do

desemprego, a queda do poder aquisitivo, a deterioração das condições de moradia

e da qualidade de vida da população, motores das mais diversas ações de ocupação

de terras que se espalha como um rastilho de pólvora em áreas ociosas. Lima (2003,

p. 82) afirma que,

Em face da impossibilidade de acesso a um terreno por vias legais e do encontro de um lugar em que possa construir referências locais de pertencimento, a população pobre produz formas próprias de expressão de suas necessidades, mesmo contrariando o direito inalienável da propriedade privada e da ordem estatal, balizada na defesa da lei e no uso da „violência legítima‟.

Uma espécie de coroamento dessa situação ocorre com as enchentes dos

rios Poti e Parnaíba, em 1985, convergindo, portanto, na luta pela moradia de

famílias “alagadas”, a quem a mídia dá cobertura, o que favorece a sociedade civil

tomar parte e definir uma posição de apoio ou repúdio aos atos dos Sem-Tetos. O

poder público – estadual e municipal – viu-se obrigado a gerir os conflitos sendo

condição sine qua non a interlocução com os sem-teto. As fortes pressões do

movimento sobre o governo obrigaram-no a assumir compromissos com projetos a

fim de resolver os problemas ligados à habitação em Teresina que se revelam,

segundo Lima (2003, p. 117), “[...] ínfimas ações do poder público no que concerne à

regularização de posse das áreas de propriedade do Município, incidindo, com

efeito, em tensão permanente das famílias frente à indefinição da situação e à

constante insegurança da moradia [...]”

O Censo sobre as Favelas, realizado em 1991 e 1996 pela Prefeitura

Municipal de Teresina revelou o crescimento populacional da cidade por zonas,

como é demonstrado na tabela a seguir:

50

TABELA 2: QUANTIDADE DE FAVELAS E VILAS EM TERESINA – 1991/1996

ZONA ANO % DE CRESCIMENTO POR ZONA

1991 1993 1996 1991/1993 1993/1996

NORTE 15 17 20 13,33 17,65

SUL 18 39 48 116,67 23,08

LESTE 14 51 48 264,29 -5,88

SUDESTE 06 28 28 366,67 0,00

CENTRO 03 06 05 100,00 -16,67

TOTAL 56 141 149 151,79 5,67 FONTE: Censo das Vilas e Favelas (Teresina, Prefeitura Municipal. SEMTCAS, 1996)

Da análise dos dados é pertinente para este trabalho destacar que as

favelas e as vilas têm sido a solução para os problemas da moradia na cidade, em

primeiro lugar e ainda, a inflexão do crescimento do padrão periférico do município,

com a localização da população de baixa renda em áreas distantes da Zona Centro

que se torna paulatinamente o cenário das contradições sociais em que a exclusão

social, como “herança deixada” é exposta das mais diversas formas, como a

marginalização de menores, constituindo-se e um

[...] espetáculo, observado no dia a dia, formando um cenário de crianças e adolescentes marginalizados que buscam a rua para sobreviver, tem se tornado cada vez mais forte. São crianças pobres, maltrapilhas, famintas ou mesmo doentes, perambulando pelo centro da cidade, ora em calçadões, praças, adro das igrejas, área de supermercados, onde muitas delas fazem moradia. Conhecidos por „meninos de rua‟ que, abandonados por suas famílias desestruturadas, saem do convívio familiar, não obtendo mais contatos, ficando abandonadas pelas ruas. [...] encontramos ainda grupos de meninas e meninos obrigados ao trabalho, a fim de sustentarem a família. Tentam limpar pára-brisas [...], lavam carros, vendem balas, [...] e outras miudezas, e, enfrentando a indiferença da sociedade, buscam, assim, alguns centavos e, quem sabe, a única chance na disputa desigual pela sobrevivência (Araújo, 1997, 104).

E ainda pela “invasão” dos trabalhadores informais – os ambulantes, que

“tomam” o centro comercial de Teresina, apresentados na imprensa escrita local

como vítimas da crise econômica e do desemprego, que encontram nesta atividade,

51

[...] uma maneira de garantir seu sustento, transformando, portanto, as ruas e praças do centro em verdadeiras feiras livres. As ruas onde há maior concentração de camelôs são Álvaro Mendes e Simplício Mendes (Calçadão), Rui Barbosa, Senador Teodoro Pacheco, Coelho Rodrigues e várias praças como Rio Branco, João Luiz Ferreira e Pedro II (O Estado, 14.07.1987).

A atividade comercial informal no centro de Teresina adquire maiores

contornos por toda a década de 1990. Nessa área, os ambulantes, à vontade

perante manifesta falta de infra-estrutura, expõem as mais diversas mercadorias,

ocupando de forma desordenada as ruas, calçadas e praças gerando uma situação

de insatisfação dos lojistas. Estes alegam que “[...] a grande maioria de camelôs

atrapalha o acesso às lojas, já que eles se instalam, na maioria das vezes, nas

portas dos estabelecimentos, além da ação dos trombadinhas (grifo nosso) que

acabam afastando a clientela” [...] (O Estado, 22.07.1987).

Em pesquisa de campo junto aos trabalhadores informais localizados nas

ruas Álvaro Mendes e Simplício Mendes, por meio de aplicação de entrevista a

sessenta e três ambulantes dessa área, foi possível identificar, definir a

escolaridade, indicar a situação comercial e opinião pessoal de cada um dos

entrevistados sobre a escolha e o sentimento em relação à profissão e as sugestões

quanto à melhoria das condições do trabalho na área central da cidade23. Os

resultados obtidos permitiram a construção, por amostragem dessas ruas, de um

perfil do vendedor ambulante do Centro de Teresina. A aplicação do questionário

permitiu a obtenção da informação de que esses trabalhadores preferem a

23

Os dados aqui discutidos foram coletados em conjunto com Maria Lidyane Resende, aluna da graduação, na produção do seu trabalho de conclusão do curso de graduação da Universidade Estadual do Piauí – UESPI, com minha orientação e participação direta, com o tema O trabalho informal no centro de Teresina no período de 1990 a 2005. A monografia foi apresentada em evento público, na cidade de José de Freitas – Pi, pólo da UESPI, em 09. 08. 2006, em banca por mim presidida.

52

Foto 1: Rua Simplício Mendes, centro comercial. Fonte: Teresina Ontem e Hoje.

denominação de vendedores ambulantes, rejeitando o termo camelô, pela carga de

preconceito que o mesmo carrega em nossa sociedade.24

A grande maioria tem idade superior a vinte e cinco anos; 50,8% são

oriundos de cidades do interior do Piauí e 23,8% provém de outros Estados

(Maranhão, Pará e Ceará), em busca de melhores condições de vida e de estudo.

No quesito escolaridade os resultados indicam que há um pequeno

percentual de analfabetos (4,8%),

prevalecendo uma maioria (33,3%) entre

os que possuem o Ensino Fundamental

incompleto. 66,6% são proprietários das

barracas fixadas em um único ponto

comercial, de acordo com a determinação

da SDU25 – Centro/Norte, que tem o

registro de 71,5% desses trabalhadores

dos quais 68,2% apontam em média, um

rendimento médio mensal de 1 a 2 salários

mínimos e 31,8% auferem acima de 2

salários mínimos.

Quanto ao tempo de trabalho no setor informal, 65,1% dos entrevistados

exercem essa atividade há mais de nove anos e a ocupação foi resultado da

necessidade em função da situação de desempregado. Interessante notar que

28,6% indicou como motivo, a não subordinação a um patrão.

24

Vale ressaltar que o uso do termo camelô, nesse texto, não se vincula, intencionalmente a essa idéia preconceituosa disseminada entre nós.

25 Superintendência de Desenvolvimento Urbano.

53

Foto 2: Calçadão, um dos pontos preferidos pelos ambulantes, para desenvolver sua atividade. Foto: Jaqueline Feitosa

Batista.

A pesquisa não abordou diretamente as condições de trabalho dos

ambulantes, mas ao serem motivados para indicar sugestões para melhorar suas

condições de trabalho, os entrevistados solicitaram: melhor distribuição do espaço;

barracas produzidas e fixas; construção de um camelódromo para segurança

pessoal, das barracas e mercadorias; melhor atuação da diretoria do sindicato; que

os fiscais da prefeitura permitam aos vendedores ambulantes trabalhar, mesmo

sendo mercadorias irregulares; retirada de carga/descarga dos caminhões no horário

comercial e que haja uma fiscalização séria e atuante da prefeitura para proibir a

especulação de alguns vendedores ambulantes e dar oportunidade de trabalho a

quem precisa.

As imagens a seguir destacam alguns dos espaços consumidos pelos

ambulantes, no centro. É possível visualizarmos o tipo de equipamento que usam

como barraca: uma estrutura em geral de ferro, que dia-a-dia, é parcialmente

desmontada e permanece na área, improvisadamente, dando um ar de abandono a

esse espaço em dias de domingo – ou feriado, quando foi feita a imagem –, ao

54

contrário dos dias ordinários de expediente, quando se encontra abarrotado de

pessoas e objetos que se tocam em um frenesi de trocas de suores, sons e odores.

Destaca-se também a quantidade de objetos nas calçadas, impondo uma

circulação em função da sua localização e não do interesse de um possível

transeunte no local.

Fo

to 2

Fotos 3 e 4: Centro comercial,

Calçadão da

Álvaro Mendes Foto: Jaqueline Feitosa Batista

55

As imagens foram registradas num feriado. A partir do registro, percebe-se

o quanto as atividades de cunho cultural – quando existem em Teresina – pouco

motivam a população a flanar pelo centro histórico a fim de conhecer a história, o

patrimônio ou a arquitetura da cidade. Não existe um projeto governamental

específico maior para o consumo das possibilidades que o centro oferece, tais como

visita ao museu, lazer nas praças, eventos culturais ou outros que incentivem o

turismo.

E somando-se a isso, os grupos isolados ou pessoas que queiram

apreciar a cidade em domingos ou feriados, não conseguem fazê-lo uma vez que o

passeio é prejudicado, haja vista que as condições da área utilizada pelo comércio

ambulante durante os dias de atividade comercial cotidiana, por serem improvisadas,

permanecem as mesmas nos domingos ou feriados, no que se refere a instalações,

bancas, quiosques ou barracas.

Foto 5: Trecho da Praça Rio Branco. Foto: Jaqueline Feitosa Batista.

56

A imprensa escrita local destaca continuamente, por todas as décadas do

final do século XX e no inicio deste, inúmeras situações que envolvem os

vendedores ambulantes do centro da cidade, informando sobre seus fazeres e

dificuldades, conforme indicam as manchetes de jornais como O Estado.26 A

chamada da primeira página é reveladora:

Ao contrario dos lojistas, que estão tendo uma melhora no seu número de vendas, os ambulantes continuam enfrentando uma crise muito grande e muitos deles estão pensando em deixar a profissão, só não o fazendo por absoluta falta de condições de encontrar outro trabalho. A profissão de camelô atrai muita gente que está passando por dificuldades ou desempregadas, que vêem nessa atividade uma forma de sustentar a família. (grifo meu)

Tais manchetes sinalizam não apenas para a ação da Prefeitura com

vistas a disciplinar o comércio27, mas também para a organização desses

trabalhadores em entidade representativa – Sindicato dos Feirantes e Vendedores

Ambulantes de Teresina –, com poderes de interlocução junto ao poder público

municipal. Em matéria no mesmo jornal, Vanderley de Alcântara, o Mestre Paulo,

líder dos feirantes e ambulantes de Teresina na época, rebate acusações dos

lojistas de que estariam prejudicando o movimento no centro comercial. Para ele,

26 Camelôs enfrentam crise para venda – 16.08.1987

Bancas de frutas invadem o centro – 05.12.1987 Camelôs vão debater concessão de alvarás – 17.01.1990 Camelôs querem calçadão na Rua Coelho Rodrigues – 20.01.1990 Crise aumenta mercado informal – 10.03.1992 Aumenta o número de ambulantes – 31.05.1992 Mercado informal traz economia a consumidor – 08.10.1992 Mercado informal ocupa mais espaços no centro – 28.11.1992 Biscateiros fazem de tudo para garantir sobrevivência – 29.12.1992

27 O Código de Posturas do Município – Lei nº 1940, de 16 de agosto de 1988 estabelece quanto a

esse tema: Art. 165 – O exercício do comércio ambulante dependerá sempre de licença especial, que será concedida de conformidade com a legislação municipal pertinente.

Art. 166 – É vedado ao vendedor ambulante: I – Estacionar nas vias públicas e em outros logradouros fora dos locais previamente

estabelecidos pela Prefeitura Municipal; II – Impedir ou dificultar o trânsito nas vias e logradouros públicos.

57

A nossa classe é muito trabalhadora e o ofício de camelô é muito sacrificado, além de que não acredito que o pouco movimento que temos vá atrapalhar o movimento das grandes lojas, mesmo porque já compramos delas para revender. Além disso, há espaço para todos e o Sindicato está procurando organizar a classe [...]28

Para o poder público municipal e especialmente para os lojistas, esses

vendedores, ocupando de forma indevida as ruas, calçadas e praças propiciam o

agravamento de inúmeros problemas, tais como os de segurança pública e de

tráfego, que acabam favorecendo a depredação de equipamentos urbanos, a

inibição de investimentos na área, a desvalorização das edificações, praças e

monumentos, decorrendo daí o aumento da marginalidade – prostituição, tráfico – e

consumo – de drogas e furtos, entre outros.

Indagados quanto ao gosto pela atividade de vendedor ambulante na

pesquisa direta, alguns dos entrevistados afirmaram gostar da mesma por motivos

vários: única fonte de renda; dinheiro no bolso, sempre; a não sujeição a um patrão;

liberdade de horário; é divertida a desordem no centro. Outros entrevistados tocaram

no tema da discriminação a que estão sujeitos, fato que os motiva a desejar um

trabalho com carteira assinada.

Pari passu a esse movimento de ingresso de novos usuários no Centro,

observa-se, na área central, que constitui o centro histórico, o contínuo

esvaziamento da função de moradia, uma vez que as residências vão cedendo lugar

às casas comerciais ou simplesmente permanecem fechadas, para aluguel. Trata-

se, agora, de população, com um poder aquisitivo mais alto, e em grande parte, se

desloca em direção à Zona Leste.

Esse processo é descrito e analisado por Irlane Abreu, (1983, p. 73), em

dissertação de mestrado, intitulada “O crescimento da Zona Leste de Teresina – Um

28

Líder da classe diz que camelôs não estão prejudicando lojistas. O Dia.

58

caso de segregação?”. Nesse estudo, a autora indica, que “[...] a partir dos anos 60

teve início uma migração das populações do antigo centro tradicional da cidade para

o leste, além do rio Poti, movimento este que se intensificou na década de 70.”

A partir de então, inúmeros prédios, em situação de abandono passam por

problemas de ordem estrutural, ameaçando desabar no Centro.

Várias são as notícias na imprensa escrita sobre o problema. O jornal O

Dia informa que vários edifícios comerciais no centro de Teresina estão condenados

à demolição, outros, que estão em ruínas, são passíveis de interdição pelo poder

público municipal, principalmente entre as ruas Paissandu e Felix Pacheco. O

mesmo jornal destaca a ação da Prefeitura Municipal na ocasião em que se dá o

processo de demolição de casarões, com mais de cem anos de idade, onde

funcionavam, na época, dezenas de boates, com a justificativa de que constituíam

perigo à população já que estavam ameaçados de desabamento.29

Construídos há mais de cem anos, os prédios situados na área da Paissandu, no centro de Teresina, ficaram intactos até anteontem, quando alguns ameaçados de desabamento começaram a ser derrubados. Segundo orientação da Secretaria de Planejamento da Prefeitura, não há uma medida radical, obrigando que todos eles sejam demolidos, mas sim a prevenção de que alguns, já em estado de ruína, podem ser considerados como grande ameaça contra os que neles residem. De estilo desconhecido, alguns deles ainda se acham em condições de recuperação, mas o perigo na maioria dos imóveis, ali situados está exatamente no teto, por tratar-se de um trabalho executado a base de tronco de carnaubeiras que chegaram a sofrer diante de goteiras que foram surgindo nos telhados e em conseqüência, apodrecendo ripas, travessas, caibros, e até vigas sustentadoras do telhado. Nessa condição estava o prédio onde funcionaram várias boites, na rua Félix Pacheco, esquina com João Cabral, que está sendo totalmente demolido, inclusive as fortes paredes medindo até um metro de largura. [...]30

29

“Prefeitura quer acabar com os casarões”, O Dia, 15/04/1980. 30

“Prefeitura derruba casas da Paissandu”, O Dia, 26.07.1980.

59

Fotos 6, 7 e 8: Rua Senador Teodoro Pacheco. Casa, segundo ficha do IPAC, muito descaracterizada no interior. Na fachada, as portas laterais à porta central eram originalmente janelas. Foto 6: Acervo da FUNDAC. Foto 7: Acervo da SEMPLAN.

Foto 8: Jaqueline Feitosa Batista.

60

“Monumento histórico é ameaçado”, título da matéria veiculada pelo jornal

O Estado em 15.07.1981 informando que

[...] a possível demolição do prédio onde hoje funciona o Colégio Pedro II, construído no século passado, pelo Barão de Gurguéia Domingos do Rego Monteiro, representando um monumento histórico do Piauí tanto pela sua linha arquitetônica quanto por estimável valor de culto às tradições do nosso povo. O prédio seria demolido, para em seu lugar, a Diocese de Teresina dar prosseguimento à construção de um shopping center [...]

O estado de deterioração da área do Centro da cidade é denunciado pelo

Clube de Diretores Lojistas, que sugere ao poder público municipal a criação de uma

linha de crédito destinada ao financiamento de reformas, pinturas e melhoria física

dos prédios da área, já que o estado em que se encontra

[...] o centro comercial é deplorável, além do lixo que se acumula nas calçadas e calçadões, existem casarões fechados, sujos e deteriorados, calçadas quebradas, terrenos baldios cobertos de mato, calçadas e asfalto esburacados, enfim, uma paisagem entristecedora que com certeza oferece, especialmente ao visitante uma desagradável impressão da nossa querida cidade. [...]. (O Estado, 03.05.1983).31

A degradação da área do Centro de Teresina ainda transparece na

situação denunciada pelo mesmo jornal, quando informa que

Devido à falta de tampas, várias galerias que fazem o escoamento de águas servidas, no Centro de Teresina se encontram abertas, provocando a queda de pessoas, que, inclusive, chegaram a se machucar, além de exalar um mau cheiro insuportável, como ocorre com a que existe entre as ruas Paissandu e Simplício Mendes. (O Estado, 01.09.1983). 32

Pouco tempo depois, novo pedido dos lojistas à Prefeitura de Teresina

para que fosse realizado o “embelezamento urbanístico” do centro comercial,

31

“Lojistas querem reforma de prédios antigos do Centro”, O Estado, 03/05/1983. 32

“Pedestres caem esgoto sem tampa no centro”, O Estado, 01/09/1983.

61

apontada como uma medida que beneficiaria tanto o comércio, quanto melhoraria o

aspecto da cidade, comprova a ineficácia da ação do poder público.33

Em matéria publicada nos dias 15 e 16.09.1985, o jornal O Estado informa

sobre a possibilidade de demolição do Clube dos Diários, fato que gerou protestos

entre seus sócios. O Clube dos Diários é da década de 1920 do século passado,

portanto, haviam transcorrido 68 anos da construção dos primeiros edifícios da

cidade. Durante aproximadamente oitenta anos, o Clube foi o principal local da

cidade onde os segmentos mais abastados da sociedade dançavam, comemoravam

aniversários, colação de grau, entre outros eventos. Para esses segmentos o Clube

dos Diários transformou-se em “lugar de memória” da cidade. É compreensível,

portanto, que os setores intelectuais tenham saído em sua defesa, desenvolvendo

uma campanha a favor da sua preservação arquitetônica.

A notícia da destruição de um dos mais antigos prédios da cidade, o

edifício onde funcionava a Alfaiataria Militar; localizado na Rua Paissandu,

provocada pela forte chuva é tema de matéria do jornal O Estado, em 13.03.1987.

O mesmo jornal O Estado informa em matérias publicadas nos dias 21 e

22.07.1987, sobre o desabamento de um prédio no centro comercial, na rua Álvaro

Mendes, onde três pessoas foram mortas e duas ficaram feridas, por causa das más

condições físicas do prédio, alertando ainda para as possibilidades de desabamento

dos prédios vizinhos.

As notícias chamam a atenção para o fato de que a maioria dos imóveis ali

situados representa um perigo justamente por apresentarem um teto executado à

base de carnaubeiras, que sem manutenção freqüente, encontrava-se exposto às

condições das intempéries, especialmente das chuvas. As goteiras nos telhados

33

“Lojistas querem embelezamento do centro da cidade”, O Estado, 15 e 16/09/1985.

62

acabavam por comprometer todo o madeiramento. Tais condições propiciariam um

ambiente insalubre e inseguro, constituindo uma ameaça à saúde pública e ao

sonho de cidade progresso, imagem que o discurso tentava produzir e divulgar.

A idéia de cidade produzida pelo discurso emanado dos canais acima

destacados encontra-se ainda no projeto da sua implantação enquanto capital. A

preocupação com a organização dos espaços, a simetria das ruas e a construção de

prédios que unissem beleza e funcionalidade fez de Teresina palco em que foram

encenadas peças teatrais que refletiam tanto o saber médico quanto a técnica do

urbanismo. 34

Há uma nítida intenção ao dar visibilidade à cidade pelo prisma da

higienização e do sanitarismo, bastando nos dias atuais percorrer a Rua Paissandu

e verificar in locu que os velhos edifícios onde se localizavam os cabarés famosos

desapareceram, ao passo que edifícios como o Clube dos Diários e o “monumento

histórico onde funcionava o Colégio Pedro II”, tombados, passam à categoria de

patrimônio cultural da cidade.

Mas quem além dos sujeitos já indicados, constitui os tradicionais usuários

do Centro de Teresina? Como se dá o consumo dessa área por esses sujeitos?

A pesquisa realizada em jornais da época revela a apropriação desse

território por parte dos diversos setores sociais, apontando para usos e consumos

que, num certo sentido, dão vida ao Centro histórico da cidade. Território cuja

personalidade está investida dos tipos de consumo que dele é feito. Assim, podemos

identificar, quanto às praças do centro que, cada uma, no período estudado, está

atravessada por uma identidade própria:

34

Vide anexo I

63

A Praça Saraiva, através da realização da Feira de Arte Popular e do

Encontro de Folguedos, foi durante boa parte da década de 1980, ponto de encontro

da população, especialmente jovem, oriunda dos diversos bairros da cidade, nos

finais de semana. Durante muito tempo ali também funcionou um feirão de carros

usados e, quando da construção do terminal de ônibus da zona sul, foi tomada por

vendedores ambulantes com bancas de frutas e verduras, além de quinquilharias.

O Complexo Praça da Bandeira e Praça Rio Branco transfigura-se em

espaço de idosos, aposentados, cegos e pedintes, mas também sedia o Festival de

Violeiros35 e atividades voltadas para o público infantil fazendo referência ao dia da

criança. Destaca-se ainda o consumo desse espaço por menores que circulam pelo

centro, como espaço de diversão ao fazer da fonte localizada na praça, uma

piscina.36 A década de 1990, cujo contexto é de crise econômica agravada pelo

Plano Brasil, consolida na Praça Saraiva a concentração de músicos, vendedores

ambulantes, hippies, ambulantes e malabaristas que se fixam no local, buscando

sobreviver.37

35

“Velhinhas cegas preferem as praças” O Estado, 23/09/1980. “Cantadores abrem seu encontro em Teresina” O Estado, 23 e 24/08/1981. 36

“As delicias da poluição para meninos” O Estado, 30.10.1981. 37

“Praça transformada em centro de sobrevivência” O Estado, 15-16.06.1990.

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64

A Praça Pedro II e seu entorno vivencia a vocação de sediar

manifestações de caráter político – protestos, especialmente de estudantes, e

eventos associados às artes – Projeto Pixinguinha, Salão de Humor, Setembro

Rock, Salão de Artes Plásticas do Piauí, troca e venda de revistas dos mais variados

tipos, e outros. Isso se deve à proximidade com a sede do governo estadual, assim

como por abrigar inúmeras referências das artes em Teresina: Centro Artesanal,

Cine Rex, Teatro 4 de Setembro, Clube dos Diários.38

Ouvir cada geração a respeito dos valores e significados destas áreas do

centro histórico de Teresina é apreender as palavras de Pesavento (op. cit. 2002, p.

16.) quando afirma que a

[...] modificação do espaço de uma cidade, dando a ela forma e feição, contêm em si um projeto político de gerenciamento do urbano em sua totalidade. É por um lado, uma tarefa de profissionais especificamente habilitados para tal – urbanistas, arquitetos, engenheiros –, mas também comporta o que se poderia chamar de intervenção do cotidiano. Ou seja, esse espaço sonhado, desejado, batalhado e/ou imposto é, por sua vez, também reformulado, vivido e descaracterizado pelos habitantes da urbe, que, a seu turno, o requalificam e lhe conferem novos sentidos. [...]

Daí não é surpresa que na “cidade da Memória” dos da geração de M.

Paulo Nunes (2002, p.) a modificação na Praça Pedro II, “[...] hoje felizmente

restaurada, depois da equivocada intervenção que a desfigurou completamente [...]”

tenha sido recebida com aplausos pela carga de energia que fez agir sobre sua

sensibilidade, reportando-os a uma época de seu passado, atuando sob a sua

memória. De outro lado, a memória dos atores sociais que vivenciaram a época

acima descrita, cujos sentidos se vinculavam diretamente à configuração espacial da

Praça Pedro II e às impressões nela articuladas, viram-se furtados de sua memória.

38

“Ato público na praça encerra greve na UFPI” O Estado, 10.04.1981. “Estudantes promovem concentração” O Estado, 03.12.1981. “Ato público hoje na Praça Pedro II” O Estado, 16.04.1982. “Polícia dispersa ato público na Praça Pedro II” O Estado, 28.04.1983.

65

Ou seja, o que parecia restauração para uns, constituía-se desfiguração para outros.

Claramente,

[...] as imagens urbanas trazidas pela arquitetura – ou pelo traçado da cidade, ou pela publicidade, pela fotografia, pelo cartaz, pelo selo, pela pintura, pelo desenho e pela caricatura – têm, pois, o potencial de remeter também, [...] a um outro tempo. [...]. O espaço urbano, na sua materialidade imagética, torna-se, assim, um dos suportes da memória social da cidade.[...] (PESAVENTO, 2002, p. 16).

Resguardar a memória coletiva na materialidade da cidade, nas condições

propostas pelo modo de vida da modernidade em que a fugacidade deteriora o

sentido de permanência, o velho é substituído pelo novo – ou dinda em que o novo

se superpõe ao velho, numa bricolagem –, o interesse pelo tema do patrimônio

cultural de Teresina como um bem a ser preservado ganha destaque nos meios de

comunicação oficiais tanto em nível estadual quanto municipal.

Em artigo intitulado “A propósito de preservação de bens culturais”, de

Olavo Pereira da Silva, em 1985, já se discutia na Revista Presença – Órgão oficial

da Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo do Piauí (p. 18-19) – as questões

ligadas à preservação dos chamados “bens culturais”. Para o autor, então

superintendente do SPHAN-MG, a “[...] preservação do patrimônio cultural só se

justifica quando em função da melhoria da qualidade de vida do lugar onde se

encontra localizado [...]” e ainda, sobre a viabilidade da preservação no Brasil, “[...]

deve ser compromissada com as raízes culturais do país, [...] um objetivo político

que cabe a todos nós realizar e cujo centro é o povo, o verdadeiro proprietário do

patrimônio e da cultura brasileira. [...]”.

A mesma revista, agora em 1987, traz referências à “política de

preservação no Piauí”, em que Alcília A. Albuquerque questiona se há no nosso

Estado uma civilidade, um modo hábil de intervir na preservação do acervo cultural

66

piauiense. Na proposição da autora, quando se trata das questões ligadas ao acervo

patrimonial do Piauí,

O problema maior está em Teresina, capital planejada, onde se constata uma sede devastadora de „progresso‟ e também, um incrível desprezo pela memória. Aos cento e trinta e cinco anos de idade, a cidade, hoje, já perdeu mais de 80% de suas edificações mais antigas, existindo pouquíssimos exemplares perdidos num emaranhado de edificações de “Gosto Duvidoso” – grifo meu.

Albuquerque, no mesmo artigo informando sobre as condições do trabalho

legal de preservação no Piauí, destaca em Teresina a realização, através da

Fundação Cultural Monsenhor Chaves de alguns tombamentos, “[...] não existindo,

porém, uma legislação municipal nem uma organização administrativa que respalde

o processo de preservação.[...]” De fato, a lei que dispõe sobre o tombamento e

preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico e paisagístico de Teresina é

sancionada somente em 16.08.1988, a Lei nº 1. 942. Em seguida outras são

aprovadas 39.

A Revista Presença, publicada em dezembro de 1993, aborda o tema

quando da apresentação da proposta de tombamento – aprovado por unanimidade –

do Teatro 4 de Setembro, quando o relator, José Eduardo Pereira Filho comenta que

“[...] de fato, assiste-se em nosso Estado, e de forma mais acentuada em Teresina, a destruição e descaracterização criminosa de prédios de valor histórico e arquitetônico, o que se constata sob mais leiga visão, como vivo sinal da especulação selvagem do setor imobiliário, originada no rápido e desordenado crescimento desta Capital”.

39

LEGISLAÇÃO URBANA DE TERESINA. Lei nº 2.264 de 16 de dezembro de 1993. Lei nº 2.265 de 16 de dezembro de 1993. Lei nº 2.266 de 16 de dezembro de 1993. LEIS DE ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE TERESINA. Caderno 2, Legislação Urbana de Teresina, 1988. LEI DISPOSITIVA SOBRE A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DO PIAUÍ, nº 4.515, 1992. LEIS DO PATRIMÔNIO AMBIENTAL DE TERESINA, caderno 6, Legislação Urbana de Teresina, 1988, 34 p.

67

A seqüência de fotos a seguir evidencia essa descaracterização em

processo contínuo, alcançando os dias atuais, quando foram registradas as últimas

imagens, na Rua Senador Teodoro Pacheco.

Foto 12 : Jaqueline Feitosa Batista.

Foto 10 : Acervo FUNDAC. Foto 11: Acervo SEMPLAN-PMT

Foto 13: Jaqueline Feitosa Batista

Fotos 14: Jaqueline Feitosa Batista Fotos 15: Jaqueline Feitosa Batista

68

Acompanhando o processo, verifica-se que um estacionamento ocupa a

área onde anteriormente havia um imóvel, isolando e ao mesmo tempo ameaçando

as duas unidades sobreviventes no trecho vizinho ao prédio que ocupou o lugar da

antiga Rádio Pioneira, de propriedade da Diocese.

A ausência de uma legislação de direcionamento das modificações do

cenário urbano, não apenas na questão do patrimônio, facilitou durante essa

década, a situação denunciada nos meios de comunicação social e naqueles oficiais

cuja tarefa seria o de zelar pela preservação da cultura local.

O mesmo problema pode ser verificado nas imagens de edificação

localizada à rua Areolino de Abreu, cujas intervenções de descaracterização são

evidentes, agravadas ainda mais pela presença do estacionamento em sua lateral

que ainda conserva vestígios da porta da fachada principal e o desaparecimento das

janelas e abertura de novas portas na fachada lateral.

Fotos 16, 17 e 18: acervo SEMPLAN

69

As palavras de José Eduardo Pereira Filho na revista Presença acima já

referenciada apontam que

[...] Não raro, da noite para o dia, desaparecem do cenário urbanístico desta e de outras cidade do Piauí, singelos exemplares da nossa arquitetura, que não é excepcionalmente rica e, com o tempo, na multiplicação da insensibilidade que campeia, vai perdendo os seus referenciais históricos sentimentais.[...]

70

3. PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL DE TERESINA: LIMITES OU

POSSIBILIDADES?

Em que medida as políticas empreendidas pelo poder público municipal e

estadual foram responsáveis pela descaracterização arquitetônica do centro histórico

de Teresina?

Até que ponto, comerciantes e vendedores ambulantes contribuem para a

descaracterização arquitetônica do centro histórico de Teresina?

Num momento em que o centro histórico de Teresina vive transformações,

criam-se novos paradigmas para o patrimônio público, reflexo dos avanços nos

discursos e práticas nesse campo em nível internacional – simpósios, congressos,

seminários – em cujos eventos realizados amadurecem novos pressupostos

metodológicos com vistas a abarcar o patrimônio em suas mais variadas

expressões, as cidades, pela sua configuração, constituem-se numa experiência

visual.

O transeunte, consumidor desse espaço, mergulha em locais saturados de

significações acumuladas ao longo do tempo, compartilhando-as nos traçados das

ruas, nas suas construções, nas praças ladeadas pelos edifícios públicos, religiosos

e particulares.

Como suporte da memória, o traçado da cidade e a organização das

edificações, assim como as transformações nela ocorridas constituem pontos de

referência para os agentes sociais a ela agregados, cuja orientação ou apreensão

resulta das impressões obtidas em sua experiência cotidiana de consumo.

É fato que a experiência visual da cidade nem sempre teve como

conseqüência uma impressão agradável. Poluição, violência, multidão, trânsito

71

caótico, são afirmações que num certo sentido, contradizem expressões de

satisfação com o conforto, a beleza e o progresso da cidade em relação ao campo.

Como um campo de pesquisa, atravessada por várias disciplinas, a cidade

tornou-se instigante objeto para as ciências sociais, de cujo interesse resultou numa

rica variedade de estudos da questão urbana, saberes constituídos que formam hoje

imagens e representações das cidades que orientam os estudos atuais sobre o

tema40.

A cronologia pertinente à legislação que versa sobre o patrimônio em

Teresina confirma-se na leitura da pesquisa de Pedrazzani (2005) intitulada

Patrimônio cultural de Teresina-PI: o processo de preservação nas décadas de 1980

e 199041. De acordo com sua pesquisa, o patrimônio de Teresina esteve por toda a

década de 1980, relegado a um segundo plano, pouco se fazendo pela sua

preservação, “[...] à mercê de esporádicas manifestações de proteção do seu

patrimônio por parte da Fundação Cultural do Piauí. [...]” (2005, p. 55), tendo como

suporte basicamente as leis estaduais.

O que se verifica, no entanto é a demolição de vários edifícios, entre os

quais aqueles localizados na rua Paissandu, assim como a total demolição da Casa

Antonino Freire motivada por interesses econômicos. Interessante aqui é a

percepção de Pedrazzani para o fato de que a proposição de leis e projetos de lei,

denotam uma prática vinculada à discussão dos anos 1930 – a da preservação do

patrimônio tradicional, aquele de pedra e cal – “[...] pois pouco se havia feito em

favor deste. [...]” (2005, p. 64), deixando à margem “[...] os novos conceitos

40

No Brasil, pesquisadores como Milton Santos, Maria Stela Brescianni, Maria Izilda Santos de Matos, Ana Fani Alessandri Carlos, Sandra Jatahy Pesavento, são, entre muitos, nomes importantes cujas referências, embora nem sempre expressamente citadas, constituem suporte teórico para as pesquisas atuais sobre o estudo das cidades, em seus mais diversos aspectos.

41 Recomendamos a leitura da dissertação de Mestrado em Políticas Públicas da referida autora por

trazer, de modo organizado, um histórico da elaboração e propostas de leis no que tange ao tema da preservação patrimonial em Teresina, no período de 1980 e 1990.

72

consagrados na literatura brasileira, prestes a serem embutidos na nova

Constituição do país [...]” (2005, p. 77), conseqüência do processo que culminou

com a sagração internacional da noção de patrimônio cultural.

Embora preocupante, esse não constitui problema específico de Teresina.

Marcelo Brito, coordenador do Urbis/Iphan42, em palestra inaugural no Seminário

Internacional sobre reabilitação urbana de sítios históricos realizado em 2003, em

Brasília, denuncia a “[...] destruição e descaracterização do patrimônio edificado e

urbanístico das cidades brasileiras”.43

A implantação da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, em 1986,

inscreve oficialmente o interesse do poder público nas questões pertinentes à

preservação do patrimônio cultural teresinense. Cabe lembrar que se trata do

resultado das denúncias por parte, em geral, dos intelectuais locais, assim como

uma resposta às exigências nacionais de enquadramento das políticas públicas de

preservação em voga desde a reabertura política.

É possível discernir os passos da formulação de uma legislação com

vistas à implantação de uma política patrimonial nas décadas de 80 e 90 em que de

acordo com Façanha (2004, p. 40), o poder público municipal entra em cena, de

forma mais intensa com o intuito de adequar a legislação urbana à evolução da

cidade.

A Lei nº 1942, de 16/08/1988, constitui exemplo dessa intervenção, ao

dispor sobre o tombamento e preservação do patrimônio cultural, histórico, artístico e

42

Programa de reabilitação urbana de sítios históricos lançado em dezembro de 2000, pelo MinC/Iphan em parceria com a CEF, com o objetivo de incentivar e apoiar a formulação de planos de preservação, alocando investimentos em várias instituições parceiras, além da CEF, como BNDES, Sebrae e Ministério do Trabalho e da Saúde.

43 Documento acessado no site do IPHAN, www.iphan.gov.br, em 17 de abril de 2004.

73

paisagístico localizado no território do município44 assim como a redação da lei

orgânica do município de Teresina, de 1999, publicada na íntegra, no Diário Oficial

do Município – DOM – nº 756, de 22.02.2000, na qual o poder público municipal

assume a responsabilidade de promover e proteger o patrimônio cultural

teresinense, por meio de inventário, registros, vigilância, tombamento e preservação.

Esta lei traz como finalidade expressa a preservação da memória do município

através da proteção, mediante tombamento dos bens entre os quais estariam

inclusas construções e obras de arte de notável qualidade estética ou

particularmente representativas de determinada época ou estilo; edificações,

monumentos intimamente vinculados a fato memorável da história local ou a pessoa

de excepcional notoriedade; monumentos naturais, como sítios e paisagens, de

notável feição, inclusive os agenciados pela industria humana.

Nesse contexto, a edificação do Metropolitan Hotel, na Avenida Frei

Serafim, é apontada como responsável, em grande medida, pela derrubada do

conjunto de leis aprovadas em 1988, reflexo dos embates entre os agentes

imobiliários atuantes nessa área central, parte integrante do centro da cidade, e o

poder público municipal.

Ao tratar dessa questão, na Revista Cadernos de Teresina de dezembro

de 1988, o Deptº de Patrimônio Histórico do Estado do Piauí, SPHAN-Pró Memória e

Prefeitura, apresentam ao público leitor alguns aspectos relevantes que envolvem a

legislação de preservação do patrimônio ambiental em Teresina:

[...] a especulação imobiliária tem sido a causa da destruição sistemática do patrimônio arquitetônico da cidade [...] (p. 13) [...] Atualmente, devido ao alto índice de crescimento da cidade, o seu centro urbano, região de ocupação mais antiga, passa por um processo acelerado de renovação, ao concentrar grande número de

44

Convém destacar neste documento a afirmação do tombamento como ato voluntário ou compulsório disposto em seu Art. 4º afirma o tombamento como ato voluntário ou compulsório.

74

atividades. Essa característica de ocupação radiocêntrica, além de ocasionar diversos problemas de infra-estrutura, principalmente quanto ao sistema viário, estrangulado pela barreira física dos dois rios que limitam a região central, elevam sobremaneira o custo da terra, favorecendo a especulação imobiliária. [...] (MOURA, FIGUEIREDO e COSTA, 1988, p. 13)

Foto 19: Antiga edificação cuja demolição deu lugar à construção do edifício Metropolitan Hotel. Foto: Acervo Fundac.

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75

Para além do fator econômico, outros elementos tais como a pouca idade,

a condição de capital do Estado e pólo de atração de migrações, não permitiram à

cidade formar uma imagem urbana identificada com sua população, por meio da

consolidação de um acervo arquitetônico de maior densidade isso,

conseqüentemente, contribuiu para a ausência de expressiva mobilização popular

na defesa do seu acervo. Isso leva a concluir, que

[...] tal quadro de fragilidade em relação ao acervo existente explica a reação em cadeia de demolições e descaracterizações que se sucederam a uma maior atuação do Departamento do Patrimônio Histórico do Estado; no sentido de assegurar a sua permanência através do tombamento. (MOURA, FIGUEIREDO e COSTA, 1988, p. 14)

O pessoal que responde pelas entidades envolvidas com a preservação

em Teresina e no Piauí reconhece que houve problemas na abordagem com os

proprietários e/ou famílias proprietárias de edifícios particulares de interesse para a

preservação assumindo que

[...] A experiência tem demonstrado que o tombamento de imóveis de propriedade particular em Teresina tem sido uma providência desastrosa, bastando um simples levantamento fotográfico para desencadear a reação dos proprietários, que agem de diversas formas para sustar a medida, sendo mais freqüente a completa demolição do imóvel a ser protegido. [...] (MOURA, FIGUEIREDO e COSTA, 1988, p. 14).

A descaracterização da Casa Dôta exemplarmente corrobora no aspecto

real, a ausência de esclarecimentos da população quanto ao significado de uma

política de preservação por parte desses órgãos voltados para esse propósito. As

imagens demonstram a intervenção de descaracterização da fachada do imóvel,

após ter seu nome sugerido para tombamento.

76

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27:

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Fotos 22 a 26: Casa Dota, localizada no entorno da Praça Saraiva. Fotos: Acervo da FUNDAC

77

Sob este aspecto, Sousa (1993, p. 12) ao referir-se a esse desencontro,

para o caso de Oeiras, escreve:

[...] Os critérios da ação preservadora realizada pelo Estado não são suficientemente esclarecidos. Sem a necessária publicidade e discussão prévia do assunto, a ação do Estado nos permite enxergar [...] que a preservação do patrimônio histórico que temos não é precisamente a que queremos [...].

Em 1993 a Prefeitura Municipal publica o Perfil de Teresina e ali, na

Apresentação do documento (p.10), salta aos olhos na versão oficial, a realidade de

Teresina, sua

“[...] evidente fragilidade econômica, sobrevivendo basicamente da administração pública e do setor informal; o escandaloso percentual de analfabetos e de evasão escolar comprometendo o exercício pleno da cidadania e nosso desenvolvimento; a crueldade da desnutrição, das altas taxas de mortalidade e da deficiência do sistema de saúde sacrificando nossa população; o grande número de pessoas provenientes do interior do Piauí e do Ceará, Pará, Tocantins e Maranhão – na migração intensa ou na busca da prestação de serviços – sobrecarregando nossa infra-estrutura social, dentre outros fatores”.

E encerra afirmando que o “[...] contexto econômico-social de Teresina é

grave [...]”. Esse é, portanto, o cenário que marca a realidade da cidade cuja função

de capital acaba por favorecer a incidência de uma complexidade de elementos lhe

conferindo singularidades cujas significações descortinam-se ao olhar historiográfico.

Do ponto de vista legal, ocorre a elaboração do II Plano Estrutural de

Teresina, que consiste, de acordo com o Art. 1º, no “instrumento normativo e

orientador dos processos de transformação urbana, nos seus aspectos político-

sociais, físico-ambientais e administrativos”.

As diretrizes do II PET, resultado dos objetivos expostos em seu Art. 7º

foram orientadas no sentido de definir-se um Código de Patrimônio Ambiental onde

78

destacamos a primeira diretriz que prega a proteção ambiental e do patrimônio

arquitetônico, como um dos objetivos a ser alcançado.

O II Plano Diretor de Teresina, em seu texto, ao final da década de 1980

“[...] indica a necessidade de uma estrutura ocupacional que atenue a demanda ao

centro, inibindo os processos de saturação e reduzindo a necessidade de acesso a

este pólo [...]” e mais adiante, o documento informa ser proposta do Plano Diretor a

definição de uma nova estrutura na cidade de novos pólos de interesses que

integrem centros geradores de empregos em bairros distantes do Centro, com o

intuito de “controlar e inibir o crescimento no centro da cidade”45. (PMT: 1993, p.

37s)

Teresina é caracterizada como uma economia subdesenvolvida em

processo intenso de urbanização, imersa em um quadro de recessão generalizada e

forte, com uma estrutura fundiária de grandes latifúndios, cujos proprietários – que

concentram terra e capital – não têm interesse em explorar a terra diretamente e

uma forte concentração de capital e o setor secundário apresenta uma estrutura

frágil, principalmente no que diz respeito à geração de empregos.

A atividade comercial é assinalada pela sua importância na economia do

município. Entretanto, é a atividade informal que abriga grande parte da população.

A importância desse segmento na ocupação da mão-de-obra deve-se ao fato de

responder às necessidades de emprego e renda que o setor formal limitado não

consegue abarcar. De acordo com a SEMPLAN (1993) havia, só na área do

Mercado Central, 450 vendedores ambulantes trabalhando.

Qual é o impacto de todo esse volume de pessoas e de intenções do

poder público sobre o centro?

45

Grifos meus.

79

Os problemas de circulação de veículos automotores no centro da cidade,

agregados ao sensível aumento de ambulantes nas calçadas e praças ao contribuir

para um ambiente caótico constituem matéria nos meios de comunicação de massa,

tais como o Jornal O Estado que destaca, já em 1981, a crise de estacionamento na

cidade referindo-se ao congestionamento de veículos estacionados em ruas como

Simplício Mendes.

Andar pelo calçadão entre lixeiras, orelhões, barracas, caixotes, mesas e

cadeiras, instaladas nas calçadas tornou-se um incômodo para o transeunte comum.

Ao mesmo tempo, convive-se com uma precária manutenção dos equipamentos

urbanos: precário calçamento das vias de circulação, calçadas quebradas, esgotos

desprotegidos. Tais questões direcionam para a incapacidade do poder público em

resolver as demandas locais, assim como para a relação pouco sensível da

população com o ambiente do centro histórico, onde trafega, trabalha ou

simplesmente transita.

Ao passo em que as intervenções associadas aos interesses do setor

privado, parcela de agentes especialmente vinculada aos interesses econômicos/

imobiliários, as propostas de intervenção por parte do poder público neste cenário

procuram responder a objetivos explícitos de disciplinamento.

São projetos de ordenamento, num processo de hierarquização dos

espaços estruturados em zonas ambientais e mais especificamente de controle do

tráfego e regulamentação das atividades dos vendedores ambulantes.

A edição de 11.08.1981 do Jornal O Estado noticia que a Secretaria

Municipal de Serviços Urbanos apresentou um projeto para instalação de

estacionamentos rotativos na área central. O mesmo jornal divulga, agora em 1985 a

80

ampliação do projeto Zonazul, com o intuito de criarem-se novos estacionamentos

rotativos, privilegiando áreas como a Praça João Luiz Ferreira.

Essa tentativa de bitolar a cidade já é nítida quando da elaboração do

mapa de Saraiva46, para a parição de Teresina, tendência perseguida pelo poder

público quando da elaboração de mapas, leis, códigos de posturas e de obras, e

planos estruturais sem os quais o disciplinamento seria impossibilitado. Tal

disciplinamento estaria justificado na idéia de progresso e modernidade que

impregna Teresina desde os seus primórdios fundacionais vinculada ao status de

capital.

Uma série de leis urbanísticas foi determinada no sentido de viabilizar a

implantação do Plano Diretor, envolvendo o plano estrutural, a organização do

espaço urbano, o parcelamento e o uso do solo, a ocupação do solo, o patrimônio

ambiental, código de posturas e código de obras e edificações. Foram criadas oito

zonas de preservação ambiental, sendo que as principais áreas de proteção do

patrimônio arquitetônico e histórico da cidade corresponderiam às zonas de

preservação ZP1, ZP2 e ZP3 e a cidade encontrava-se dividida em cinco

administrações regionais, com cento e dez bairros oficiais e cento e quarenta e uma

“ocupações subnormais”, registradas no Censo das Vilas e Favelas, de 1993.

No Brasil a discussão sobre a questão patrimonial passa a reconhecer,

segundo Brito (2003, p. 1) “[...] cada vez mais a urgência de se articular a política

cultural às demais políticas setoriais que incidem sobre as cidades, como as de

desenvolvimento urbano, meio ambiente, educação, turismo, etc [...]” buscando por

esse caminho alcançar plenamente as funções sociais da cidade e da propriedade

urbana.

46

Conf. Anexo I.

81

O poder público reconhece na cidade a existência de inúmeros47

monumentos de valor artístico, histórico e estético, dignos de preservação, mas

assegura, à época da publicação do Perfil-1993, a preservação parcial de 97 prédios

da cidade e 23 espaços urbanos.

O IPAC – Inventário de Proteção do Acervo Cultural de Teresina consistiu

em uma iniciativa da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, buscando por meio de

um levantamento identificador das construções históricas, a coleta de dados

capazes de orientar, a delimitação, para o caso do Centro Histórico de Teresina, o

perímetro urbano a ser preservado, apresentando-se como instrumento norteador

das políticas de preservação

Em artigo publicado na Revista Presença (1994, p.27) Olavo Pereira da

Silva, arquiteto que coordenou esse inventário escreve que “[...] preservar é matéria

delicada [...]”, e cá para nós, em meio aos inúmeros monumentos de valor, que

critério usar para selecionar aqueles dignos de preservação?

O conhecimento, “[...] pela percepção e pela análise racional, evitando-se

a visão fatalista do arruinamento [...]”, do acervo de interesse de preservação é

premissa para qualquer programa com vias a proteção. Foram cinco os pontos que o

a realização do IPAC objetivou, de acordo com seu coordenador, assim subscritos:

1. Mostrar uma síntese dos bens que compõe o acervo de interesse de preservação;

2. Formar uma base sólida para a realização de políticas e planos de conservação dos organismos governamentais;

3. Fornecer subsídios a estudos e pesquisas nas instituições culturais e educativas;

4. Despertar e conscientizar a opinião pública para o valor desse patrimônio; e

5. Criar possibilidades de cooperação para a difusão e salvaguarda do acervo cultural, de forma a evitar sua perda irreparável. (Idem. Ibidem)

47

Grifo meu.

82

Segundo Silva (2000, p. 27), o IPAC/PI deve ser capaz de “[...] revelar,

com prudência e lucidez, a sutileza48 de valores que, desapreciados ou estimados

em épocas passadas e no presente, possam vir a ser valiosos para outras

gerações”.

Ao caracterizar a relação das pessoas com o patrimônio edificado no

Piauí, Silva, no mesmo artigo denuncia “[...] a fragilidade das tramas de organização

do solo e a desestabilização dos setores antigos [...]” uma vez que as formas de

ocupação e uso do solo tornam evidente a ausência da mais incipiente política

urbanística de valorização das estruturas tradicionais, confirmando a prática do mais

“[...] perverso dos sistemas de renovação que é o de remover a identidade do lugar

[...]”.

Os anos posteriores foram de arquivamento na Fundação Cultural

Monsenhor Chaves dos dados do IPAC, digitalizados e impressos em forma de

fichas distinguindo os tipos de construção predominantes na arquitetura piauiense.

Quanto à população de Teresina, houve um acesso muito restrito, sem divulgação

efetiva, permanecendo o documento fora do alcance de conhecimento do público em

geral, fugindo dos objetivos reproduzidos acima, a partir das colocações do seu

coordenador.

Da análise das fichas classificadas em arquitetura civil de função

residencial e comercial, arquitetura religiosa e funerária, arquitetura oficial,

arquitetura industrial e equipamentos urbanos é possível constituir o nível de

preservação ou descaracterização sofrido pelo Centro histórico de Teresina. Foram

inventariados em Teresina 306 bens dignos de preservação, assim organizados: 253

48

Grifo meu.

83

da categoria civil, 22 imóveis oficiais, 11 religiosos, 7 industriais e 13 equipamentos

urbanos, que revelam segundo o autor,

“[...] sigularidades tipológicas tais como: dupla-bica; corredores de entrada; cozinha com forno de alvenaria; forrações tipo espinha-de-peixe, às vezes agameladas, ou ainda planos compondo quadros com tabuados de saia-e-camisa; dobradiças e espelhos de fechadura em ferro forjado; vergas arqueadas e ogivais que tipificaram a imagem urbana de cidades como Teresina e Amarante” (SILVA, 2000, p. 27).

A realização do IPAC também revelou algumas exclusividades em

Teresina como o Teatro 4 de Setembro, o Aqueduto do Pirajá, a Ponte Metálica

sobre o Parnaíba e a Estação Ferroviária. Outro aspecto

que o Inventário confirmou foi a influência da arquitetura

luso-maranhense oitocentista, inclusive de materiais

como as bacias das sacadas de lioz português, azulejos

de manufatura lusitana, gradis de ferro batido mas, com

marcadas distinções das coberturas de carnaúba e das

paredes de terra crua.

Foto 28: Teatro 4 de Setembro. Acervo: SEMPLAN

Foto 29: Ponte metálica sobre o rio Parnaíba. Acervo: SEMPLAN

Foto 30: Estação Ferroviária Acervo: SEMPLAN

84

Além dessas constatações, o IPAC destacou também uma curiosidade.

Trata-se da construção em série de prédios públicos no Piauí e por extensão, na

capital, como os mercados públicos difundidos na primeira metade do século XX –

em quadra única, de partido retangular com pátio central – e os grupos escolares.

O autor afirma no artigo que “[...] das edificações cadastradas em

Teresina, poucas conservam a configuração original – interna e externa; grande

parte apresenta algum tipo de descaracterização com diferentes graus de

reversibilidade e outras trazem apenas vestígios da construção original” (SILVA,

2000, p. 28).

Mas é interessante verificar que dos imóveis inventariados apenas um

encontrava-se em ruína, prevalecendo aqueles em estado de descaracterização,

com um nível de conservação variando de parcialmente reversível para reversível. O

inventário considera o estado de conservação sob o prisma de bom (48); bom com

pequenas alterações (43); bom com descaracterização parcial reversível (44); bom

com descaracterização reversível (14); razoável (14); razoável com pequenas

alterações (09); razoável com descaracterização p/ reversível (59); precário com

reversibilidade parcial (1); ruínas (1); e em obras (09).

Somando-se os números, 140 exemplares da arquitetura teresinense

encontram-se na condição de bom estado, com possibilidades de reversibilidade na

descaracterização sofrida; 90 acham-se em situação razoável, com as mesmas

condições de reversibilidade, resultando em um número bem menor de edifícios cuja

situação é considerada grave, de ruína, em obras ou em situação precária.

Como trabalhar com informações ao que parece, conflitantes? Buscando

cumprir os objetivos postos, o autor procura chamar a atenção para os resultados

que apontam para uma fragmentação do tecido urbano tradicional de Teresina,

85

resultado dos novos empreendimentos, não se podendo mais determinar um

conjunto único, como em Oeiras, Piracuruca e Amarante. O estudo das fichas indica

grande parte dos bens em situação de ambientação isolada do conjunto histórico

(84), o que os deixa sujeitos às mudanças mais radicais.

Mais do que considerar os dados em si, o campo revelou que de fato, o

processo de descaracterização em Teresina é abrangente, e a legislação em vigor,

que especifica as questões pertinentes à preservação do patrimônio cultural –

arquitetônico – pouco eficácia teve na orientação das práticas que aconteceram, em

geral, movidos pelos interesses do mercado, a fim de adequar esteticamente esses

imóveis com vistas a favorecer o consumo. A transcrição textual das palavras dá

noção das emoções vividas ao longo da realização do IPAC:

[...] as descaracterizações que vão da pintura das alvenarias à ocupação dos afastamentos e calçadas, passando pelos aparelhos de ar-condicionado, abertura de vãos, placas e letreiros, a eliminação sumária de casas antigas para dar lugar a novos prédios; além da poluição sonora. [...] Aí encontramos prédios em processo de arruinamento (SILVA, 2000, p. 28).

O monumento, enquanto patrimônio cultural, em linhas gerais, é definido a

partir do modo como atua sobre a memória. Tem, portanto uma natureza afetiva:

“não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela

emoção, uma memória viva” (CHOAY, 2001:18). Um passado “localizado e

selecionado para fins vitais, que pode, de forma direta, contribuir para manter e

preservar a identidade de uma comunidade étnica ou religiosa, nacional, tribal ou

familiar”, evocando um passado específico apto a contribuir para manter e preservar

a identidade de um grupo.

O princípio de seleção adotado pela equipe que organizou o IPAC/PI fez

um esforço no sentido de não considerar significativos de valores históricos

86

ideológicos tão somente os edifícios monumentais, mas também a casa de moradia,

e conforme as práticas adotadas em geral, mais o conjunto do que o núcleo isolado

do seu entorno.

Transitar pelas ruas de Teresina de posse das fichas do IPAC nos leva a

perceber que vários edifícios foram deixados de fora, em função da decisão dos

realizadores, ao priorizar determinados exemplares em detrimentos de outros, isso é

compreensível, uma vez que a eleição daquilo que merece ser enquadrado como

patrimônio a ser preservado é subjetiva. Mas tal fato não invalida a importância do

Inventário49.

A análise do IPAC-PI constitui estimulo à leitura da cidade, a uma

percepção visual e ao interesse para se registrar imagens de edifícios/monumentos

que não temos certeza de quanto tempo ainda estarão de pé, ou ilesas.

Mas num programa de conservação dos conjuntos, é importante identificar

as peculiaridades funcionais da cidade e os nós que lhes dão certa unidade,

identificar e proteger as formas em si. Assim, a intenção de preservar as fachadas

dos edifícios que defrontam uma praça tradicional de comércio, por exemplo, não

decorre necessariamente na preservação do próprio mercado, a menos que o gesto

seja acompanhado de esforços visando às fontes de sua vitalidade e de sua

estabilidade social e econômica. Ao que parece, esses esforços não foram

aplicados, uma vez que pouco se fez na prática com o material produzido no

inventário.

Ler a cidade a partir das imagens é atitude adotada há muito. Captar suas

imagens por meio da fotografia e, num certo sentido, congelá-la num dado momento

revela o ser humano que se esconde atrás da máquina.

49

A produção sistemática dos inventários referentes a sítios urbanos, bens imóveis e referências culturais, é atividade considerada fundamental e indicada pelo Iphan.

87

A questão da autenticidade é igualmente complexa e de grande

importância em se tratando do patrimônio, mas principalmente quando se faz

referência à representação.

A Praça Pedro II, por exemplo, tanto no que se refere às sucessivas

descaracterizações, quanto naquilo que se refere à tentativa do poder público de

recompor um quadro imagético anterior, como parte do projeto de revitalização do

Centro Histórico não é ela própria, como todos os edifícios do patrimônio,

representações, artifícios resultado de determinadas idéias? Também não seriam

todas as Praças Pedro II, a cada época, autênticas?

Nesse sentido, a obra física da revitalização trouxe o sentido de consumo

da época que a Praça desperta no imaginário local, ou se perdeu o sentido de mais

uma época? Se a possibilidade de construir a identidade a partir de uma

representação arquitetônica do passado for aceitável, é a vivência do espaço que

traz autoridade de existência a um bem como patrimônio.

Fotos 31 e 32: Imagens da Praça Pedro II, nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX que a reforma na década de 1990 (foto 33)

restaurou parcialmente. Fotos 31 e 32: Acervo FUNDAC

Foto 33: Jaqueline Feitosa Batista

Foto

31

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32

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33

88

Os questionamentos apontam para a necessidade de se fazer uma

reflexão mais profunda quando se trata de definir o que preservar, pois essa decisão

é acompanhada de outra, o que se quer apagar. Cabe considerar nesse processo

reflexivo que o que impede o encarceramento do monumento em uma redoma é o

valor de uso, a necessidade de continuar a ocupação humana com suas funções

cotidianas, originais ou não, sem negar ou impedir a atualização diária de suas

possibilidades daí a necessidade de compreender as dinâmicas da cidade para fins

de conservação.

Pensar a preservação do Centro Histórico de Teresina através da

aplicação de uma política patrimonial não tem como proposta engessar a cidade,

transformando-a em mausoléu, ou museu encerrado em um tempo pretérito, almeja-

se, ao contrario, discutir a possibilidade da convivência dialética entre as diversas

épocas, para que se possa não apenas transmitir uma tradição, mas efetivamente

dotar as gerações futuras de um bloco testemunho50 para permitir outras narrativas.

Sabe-se que não podemos fugir do movimento portador da modernidade,

mas a fascinação que o moderno exerce sobre a sociedade é também, e

principalmente alimentada pelos valores do consumo irreflexo, que molda práticas

“refinadas” de mudar a cada ano, o carro, a decoração da casa, jogar fora utensílios

velhos para substituí-los por referenciais da moda, pintar ou reformar a casa no final

do ano, gestos intencionalmente alimentados pela mídia e inconscientemente

repetidos pelas gerações, de quem nós somos parte.

Os discursos definidores de “antigo” e “moderno” existem como um

conjunto de idéias, forjadas por aqueles que fazem usos deles como forma de

50

Termo usado em arqueologia para designar, em uma área escavada, um trecho do solo arqueológico, intacto, para futuras pesquisas, com técnicas mais avançadas, propiciando condições para novos dados que poderão inclusive mudar, parcialmente ou completamente, os resultados obtidos anteriormente.

Foto: Jaqueline Feitosa Batista

89

apropriação de estruturas, conjunturas, desejando esboçar feições, estabelecer

limites, indicar usos e legitimar discursos. Não se pode deixar de considerar uma

análise mais profunda, a de que a própria formulação de conceitos como “antigo” e

“moderno” constituem discursos e como discurso, embutem uma intenção. Quem

sabe negar a conexão de tempos, donde passado, presente e futuro cruzam-se sob

o tecido construído da cidade, que com uma colcha de retalhos, aceita várias

significações não só no tempo, mas também no espaço. O consumo dessas

significações variadas determinará suas atualizações e ressignificações que a

geração atual deve permitir que se faça.

90

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao nos determos no cotidiano do centro histórico de Teresina buscamos

entender como esse espaço é percebido e vivido pelas pessoas que são usuárias do

mesmo, para daí tecer considerações sobre as razões de sua descaracterização.

O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. Todo dia, pela manhã, aquilo que assumimos, ao despertar, é o peso da vida, a dificuldade de viver, ou de viver nesta ou noutra condição, com esta fadiga, com este desejo. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meio de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. Não se deve esquecer este “mundo memória”, segundo a expressão de Péguy. É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres. Talvez não seja inútil sublinhar a importância do domínio desta história "irracional” ou desta “não-história”, como o diz ainda A. Dupront. O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível [...], (CERTEAU, 1995, p. 31) .

Entendemos portanto, que é na tessitura do cotidiano que estão os nós a

serem atados ou desatados de nosso lugar de construtores e reconstrutores da

cidade. A tentativa de fazer do espaço-ambiente possibilidade e, não, limite, passou

a ser um objetivo a ser alcançado por vários setores da sociedade, preocupados

com a preservação do patrimônio cultural local. Nesse sentido, a tentativa foi a de

apontar as possibilidades do patrimônio em Teresina.

Ao buscar o cotidiano do centro histórico de uma cidade e sua relação

com o espaço na construção das relações sociais ali travadas, a tentativa foi a de

afirmá-lo como lugar de astúcia, criatividade e memória. Apesar do projeto de

revitalização do centro histórico ser construído a partir de uma determinada

91

concepção de monumento, de sociedade e de individuo, nós – sociedade – é que o

qualificamos. Nós o fazemos espaço de liberdade ou opressão.

O transcurso da pesquisa permite o levantamento da questão de que as

diversas possibilidades de apropriação e mudança do ambiente passam pela

percepção, pelo conhecimento e pelo desejo dos que compartilham o espaço.

Algumas dessas possibilidades são discutidas ao longo desse texto, porém muitas

outras, neste e em outros cotidianos estão sendo tecidas.

A proposta parte da perspectiva de que o espaço de uma cidade funciona

não apenas como ambiente disciplinador de hábitos e atitudes ou de construção de

conceitos, mas como lugar de afirmação de identidades e autorias, espaço do ouvir

e do falar.

Mas, considerando que são intenções, o desafio permanece enquanto

quisermos fazer da cidade espaço criador e re-criador de cultura e de afirmação de

autorias, sem, contudo, perder de vista o que nos diz Certeau (1995, p. 190):

[...] Essas velharias que parecem dormir, casas desfiguradas, fábricas desativadas, cacos de histórias naufragadas, elas ainda hoje formam as ruínas de uma cidade desconhecida, estranha. Irrompem na cidade modernista, cidade de massa, homogênea, como os lapsos de uma linguagem que ninguém conhece, quem sabe, inconsciente. Elas surpreendem.

Pois que como produção social, são as cidades depósitos de significações

cujas superpostas através dos tempos constituem variadas possibilidades de se

entrar no seu universo.

A escrita desse texto foi motivada pelo desejo de tratar questões relativas

à (des)caracterização do patrimônio histórico-cultural de Teresina, e por extensão,

suas conseqüências na construção da memória coletiva e da identidade local de

92

uma cidade brasileira quase nunca posta em evidência quando o tema é patrimônio

histórico.

Dissertar acerca de um tema dessa natureza implicou em trabalhar com

conceitos específicos, dentre eles, o conceito de memória como uma construção

feita no presente a partir de vivências ocorridas no passado.

Na mesma linha, o traçar de um histórico da evolução do patrimônio

permitiu perceber primeiro que a escolha daquilo que vale ser mantido como

representante da histórica local reflete a priorização de uma memória coletiva

dominante. Segundo, como o patrimônio histórico-cultural – por ser seleção –

intervém diretamente na memória coletiva, foi possível compreender que há uma

ruptura em relação à identidade social local, pois os consumidores desse espaço, na

sua relação com o patrimônio cultural eleito como seu representante, em linhas

gerais, pouco revelam uma identificação que motive uma ação de pertencimento e

por essa via, busque ou incentive sua preservação.

Dadas as constantes reformas, demolições e descaracterizações ocorridas

no Centro Histórico de Teresina percebe-se que existe um estranhamento entre a

população em geral e os monumentos, e a história local que eles representam.

Pôde-se evidenciar na atuação do poder público municipal, relativa à

preservação do patrimônio histórico-cultural, o privilégio dos bens imóveis, também

ficando perceptível uma tomada de direção para um único tipo de memória, a

dominante.

Ao privilegiar um único tipo de memória, é compreensível a falta de interesse

do teresinense em relação à sua história, àquela social, de cunho oficial, transmitida

inclusive nas escolas. Não é possível reconhecer uma herança cultural e reproduzi-

93

la como tradição se não há continuidade da sua representação na história local,

como bem definiu Chartier (1990).

A existência de políticas públicas associadas à preservação da memória – e a

sua aplicação – são importantes, mas é imprescindível que suas intenções

considerem os anseios da comunidade em geral, e desse encontro possa ser viável

alimentar o sentimento de pertença e com ele, viabilizar ações de preservação que

não impliquem engessamento.

Esse distanciamento será reduzido na medida em que:

Os órgãos públicos, cuja preocupação deve ser em principio, com o que é

público, avaliem que não podem perder de vista os vários tipos de

memória que compõem o cotidiano de nossa cidade;

As propostas de leis e projetos que envolvam a preservação do Centro

Histórico devem constituir-se considerando os vários centros que

interagem ordinariamente na área do Centro Histórico;

Integrar educação patrimonial no ensino formal;

Inserir no calendário de atividades culturais da cidade fóruns de discussão

descentralizados, possibilitando à comunidade uma participação efetiva

nas tomadas de decisão em questões que envolvam projetos de

revitalização da área do centro histórico, especificamente, aqueles

compromissos assumidos com a Agenda 2015.

Um alargamento da atuação dos órgãos oficiais no Estado tem se solidificado

em relação ao patrimônio imaterial, na esteira das discussões que marcaram o final

do século XX, culminando na aprovação do Decreto 3.551 de 4 de agosto de 2000.

A realização do Seminário Patrimônio (I)Material Piauiense, numa ação conjunta da

FUNDAC, da UESPI e da Fundação CEPRO e da proposta do IPHAN/PI de se fazer

94

o inventário do patrimônio imaterial piauiense são gestos recentes que podem

responder satisfatoriamente a necessidade de trabalhar com um novo conceito de

patrimônio cultural, com vias a contribuir social e politicamente para a construção do

acervo que represente de modo amplo e diversificado as expressões culturais da

nossa população.

A mão certa de Certeau (2003, p.298-299), que acompanhou a realização deste

trabalho novamente é acessada para que reafirmemos que “a muitas mãos”

acontecem as invenções e reinvenções do cotidiano, numa escrita que,

representativa, existe a partir de uma perda.

A escritura [...] soletra uma ausência que é o seu preâmbulo e o seu destino final. Ela procede por abandonos sucessivos dos lugares ocupados, e se articula numa exterioridade que lhe escapa, tendo o seu destinatário vindo de outro lugar, visitante esperado mas nunca ouvido nos caminhos escriturísticos traçados na página pelas viagens de um desejo.

Discutir esse tema é sem dúvida um desafio. Ao tratarmos do patrimônio, nos

seus conceitos; na sua trajetória histórica; no seu aspecto material e imaterial,

questionando sobre os artefatos que poderão vir a ser representativos em uma dada

cultura, respondemos a um toque – a um gesto – cuja escrita visou atender.

Àqueles interessados na visita a esta escrita, estamos cientes que, conforme

Certeau (2002, p. 299),

“[...] a escrita só tem sentido fora de si mesma, num lugar outro, o do leitor, que produz como a sua própria necessidade indo ela mesma para esta presença que não poderia ganhar. Vai em direção a uma palavra que não lhe será jamais dada e que, por isso mesmo, constrói o movimento de ser indefinidamente ligada a uma resposta solta, ab-soluta, a do outro. Dessa perda se forma a escrita. É um gesto de moribundo, uma defecção do ter percorrendo o campo de um saber, modesta aprendizagem do „fazer sinal‟ [...].

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REFERÊNCIAS

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Mercado informal ocupa mais espaços no centro – 28.11.1992 Biscateiros fazem de tudo para garantir sobrevivência – 29.12.1992 Lojistas querem reforma de prédios antigos do Centro, O Estado, 03/05/1983. Pedestres caem esgoto sem tampa no centro, O Estado, 01/09/1983. Lojistas querem embelezamento do centro da cidade, O Estado, 15 e 16/09/1985. Velhinhas cegas preferem as praças, O Estado, 23/09/1980. Cantadores abrem seu encontro em Teresina, O Estado, 23 e 24/08/1981. As delicias da poluição para meninos, O Estado, 30.10.1981. Praça transformada em centro de sobrevivência” O Estado, 15-16.06.1990. Ato público na praça encerra greve na UFPI, O Estado, 10.04.1981. Estudantes promovem concentração, O Estado, 03.12.1981. Ato público hoje na Praça Pedro II, O Estado, 16.04.1982. Polícia dispersa ato público na Praça Pedro II, O Estado, 28.04.1983.B JORNAL O DIA Prefeitura quer acabar com os casarões, O Dia, 15.04.1980. Prefeitura derruba casas da Paissandu, O Dia, 26.07.1980.

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APÊNDICES

APÊNDICE A – COLETA DE DADOS ENTRE OS VENDEDORES AMBULANTES LOCALIZADOS NAS RUAS ÁLVARO MENDES E SIMPLÍCIO MENDES, NO CENTRO DE TERESINA - 2006

Quadro I

FAIXA ETÁRIA – IDADE DOS VENDEDORES AMBULANTES

IDADE/ANO QUANTIDADE %

15 a 20 07 11,1

20 a 25 12 19,0

24 a 30 17 27,0

Acima de 30 27 42,9

TOTAL 63 100,0

Quadro II

ORIGEM DO VENDEDOR AMBULANTE

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

Teresina – PI 16 25,4

Outros Municipios 32 50,8

Outros Estados 15 23,8

TOTAL 63 100,0

Quadro III

ESCOLARIDADE DOS VENDEDORES AMBULANTES

NÍVEL QUANTIDADE %

Analfabeto 03 4,8

Alfabetizado 09 14,3

1º Grau Incompleto 21 33,3

1 Grau Completo 14 22,2

2º Grau Incompleto 07 11,1

2º Grau Completo 09 14,3

3º Grau - -

TOTAL 63 100,0

Quadro IV

ADMINISTRAÇÃO DA BARRACA DO VENDEDOR AMBULANTE

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

Proprietário 42 66,6

Cônjuge 04 6,4

Família 07 11,1

Ocupante 03 4,8

Outros 07 11,1

TOTAL 63 100,0

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Quadro V

TIPO DE MERCADORIA VENDIDA PELO VENDEDOR AMBULANTE

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

Confecção 38 60,2

CDs e DVDs 08 12,7

Bolsas/ Cintos 04 6,4

Relógios/ Bijuterias 04 6,4

Eletro-eletrônicos 05 7,9

Calçados 04 6,4

TOTAL 63 100,0

Quadro VI

SITUAÇÃO DOS VENDEDORES AMBULANTES QUANTO AO REGISTRO/NÃO REGISTRO NA SDU CENTRO/NORTE

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

Registrados 45 71,5

Não registrados 18 28,6

TOTAL 63 100,0

Quadro VII

RENDIMENTO MÉDIO MENSAL DOS VENDEDORES AMBULANTES

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

1 Salário Mínimo (SM) 13 20,6

1 a 2 Salários Mínimos 30 47,6

Acima de 2 SM 20 31,8

TOTAL 63 100,0

Quadro VIII

TEMPO DE TRABALHO NO SETOR INFORMAL DO VENDEDOR AMBULANTE

TEMPO/ ANO QUANTIDADE %

De 1 a 3 09 14,3

De 4 a 8 13 20,6

Acima de 9 63 65,1

TOTAL 63 100,0

Quadro IX

MOTIVOS DA ESCOLHA DA OCUPAÇÃO PELO VENDEDOR AMBULANTE

DISCRIMINAÇÃO QUANTIDADE %

Porque está desempregado

40 63,4

Uma renda adicional 03 4,8

Porque ganha mais 02 3,2

Para não ser empregado 18 28,6

TOTAL 63 100,0

FONTE: Pesquisa Direta, em conjunto com Maria Lidyane Resende – maio de 2006.

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APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO / ENTREVISTA APLICADO AOS AMBULANTES

1. IDENTIFICAÇÃO

Nome

Idade

Local do nascimento

2. ESCOLARIDADE

Alfabetizado

1º Grau Incompleto (Ensino Fundamental)

1º Grau Completo (Ensino Fundamental)

2º Grau Incompleto (Ensino Médio)

2º Grau Completo (Ensino Médio)

3º Grau (Ensino Superior)

3. SITUAÇÃO COMERCIAL

Administração da Barraca

Tipo de mercadoria

É cadastrado ou registrado?

Rendimento médio mensal

Há quanto tempo você é vendedor ambulante?

4. OPINIÃO PESSOAL

Por que escolheu a profissão de vendedor ambulante? Gosta de ser vendedor ambulante? Qual sua sugestão para melhorar o mercado informal?

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ANEXOS

ANEXO I – MAPA MAIS ANTIGO DA CIDADE DE TERESINA FONTE: ACERVO DO IPHAN/PI

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ANEXO II – VISTA AÉREA DA PRAÇA DA BANDEIRA, MARCO INICIAL DE

TERESINA. FONTE: SEMPLAN.

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ANEXO III – VISTA DO CENTRO HISTÓRICO DE TERESINA. FONTE: TERESINA

ONTEM E HOJE

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ANEXO IV – MAPA DO CENTRO DE TERESINA. FONTE: SEMPLAN

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ANEXO VI – AMOSTRA DE FICHAS DO IPAC

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112

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Os moribundos são proscritos (outcasts) porque são os desviantes da instituição por e para a conservação da vida.

Um ‘luto antecipado’, fenômeno de rejeição institucional, os coloca de antemão na ‘câmara da morte’;

envolve-os de silêncio ou, pior ainda, de mentiras que protegem os vivos contra a voz que poderia

quebrar essa clausura para gritar: ‘Estou morrendo!’ (M. Certeau)

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