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    __________________________________________________________________ 49Economia & Tecnologia - Ano 04, Vol. 12Jan./Maro de 2008

    POLTICA FISCAL E DVIDA PBLICA

    Efeitos da eliminao da dvida externa lquida

    Jedson Csar de Oliveira*

    Fernando Motta**

    RESUMO - Por muitos anos verificou-se a ocorrncia de dficits na conta de transaescorrentes do Brasil, o que obrigava o pas a se financiar por meio da entrada de capitais,gerando um acmulo de sua dvida externa. Recentemente, o pas logrou uma condio decredor externo lquido, devido ao volume de reserva internacional em moeda estrangeirasuperior ao volume da dvida externa; esse resultado tem importantes conseqncias em

    termos de poltica econmica interna. Ainda que financiamento externo tenha sidoimportante em algumas fases da economia brasileira, a dependncia gerada em funo destecapital traz desagradveis situaes que podem comprometer a estabilidade macroeconmicade um pas em razo da instabilidade dos fluxos de capitais e a facilidade com que distrbiosem determinados pases se propagam para a economia interna, o que compromete a liberdadena conduo das polticas econmicas. A mudana do pas da posio de devedor para credorexterno lquido, mesmo com um elevado custo fiscal, traz consigo melhores condies para selidar com as crises externas que, atualmente, tm como fonte o sistema financeiro americano.

    Palavras-chave: Dvida Externa. Dvida Interna. Reservas em moeda estrangeira.

    No de hoje que o tema da dvida externa tornou-se ponto chave nas discusses de

    poltica econmica do pas. No final da dcada de 70 as autoridades econmicas norte-

    americanas passaram a adotar uma poltica monetria restritiva, devido forte desvalorizao

    do dlar que vinha se propagando desde 1973 com a implantao do sistema de taxas de

    cmbio flutuantes. Aliado aos elevados dficits pblicos que se mantinham naquele pas,

    observou-se um aumento significativo nas suas taxas de juros, tornando-o grande absorvedor

    de liquidez internacional. Neste cenrio, os credores dos pases em desenvolvimento

    endividados, caso do Brasil, restringiram a obteno de recursos externos.

    O resultado dessa poltica restritiva norte-americana para o Brasil se refletiu em

    negociaes com o FMI, j em 1982, na tentativa de buscar emprstimos compensatrios e

    aval para a negociao da dvida externa, como forma de evitar a ampliao da crise cambial.

    *Mestre em Desenvolvimento Econmico pela Universidade Federal do Paran (UFPR) e Professor da EstaoBusiness School-IBMEC. Endereo eletrnico:[email protected].

    ** Doutorando em Desenvolvimento Econmico pela Universidade Federal do Paran (UFPR). Endereoeletrnico: [email protected].

    mailto:[email protected]:[email protected]
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    Os acordos com o FMI, no incio da dcada de 80, foraram o pas a gerar supervits

    comerciais de modo a compensar os dficits na balana de servios e permitir o pagamento

    dos juros da dvida externa.O grfico 1 ilustra o comportamento da dvida externa brasileira a partir de 1970.

    Verifica-se um crescente aumento ao longo do perodo em funo da necessidade de recursos

    para financiar o notvel crescimento econmico brasileiro nessa dcada.

    GRFICO 1 - DVIDA EXTERNA DO BRASIL (US$ BILHES) - 19702007

    0

    50

    100

    150

    200

    250

    1970

    1972

    1974

    1976

    1978

    1980

    1982

    1984

    1986

    1988

    1990

    1992

    1994

    1996

    1998

    2000

    2002

    2004

    2006

    US$ bilhes

    Reservas Dvida Externa Dvida Externa lquida FONTE: Banco Central do Brasil.

    Os dados do grfico mostram a tendncia de queda da dvida externa lquida desde

    2003. Esse desempenho positivo pode ser associado s reformas institucionais - econmicas

    que vm sendo implementadas desde a dcada de 80.

    A economia brasileira, durante o perodo que compreende o incio da dcada de 80

    at os dias recentes, permite identificar algumas peculiaridades acerca do processo de

    desenvolvimento econmico.

    At o final da dcada de 70 o Brasil apresentava trs restries no que diz respeito

    qualidade do seu desenvolvimento econmico: i) choques vivenciados na economia

    internacional afetavam diversos pases, inclusive o Brasil; ii) polticas fundamentadas em bases

    antidemocrticas; e iii) desequilbrio macroeconmico expresso pelas elevadas taxas de

    inflao.

    Assim, o dueto institucional-econmico brasileiro no final da dcada de setenta

    apontava para um perfil de desenvolvimento orientado sob bases insustentveis. A

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    sustentao de qualquer processo de desenvolvimento deve ser guiada a partir de

    fundamentos institucionais e econmicos que se reflitam em equilbrio macroeconmico, de

    modo que a causalidade que existe entre essas variveis sinaliza a etapa de consecuo desseprocesso de desenvolvimento.

    O perodo de redemocratizao no pas que caracterizou a dcada de 80 contrasta

    com os aspectos econmicos, sobretudo com relao ao descontrole inflacionrio. Na fase

    seguinte, a dcada de 90, junto com o processo de consolidao democrtica, o pas

    experimenta uma nova etapa de consecuo do seu desenvolvimento, o controle da inflao

    com o advento do Plano Real. A tirar dos choques econmicos que fez ameaar a busca pelo

    equilbrio macroeconmico na segunda metade da dcada de 90, o pas inicia o novo milnio

    sob o enfoque de consolidao das bases econmicas promovidas desde a dcada de 80.

    Todavia, os resultados benficos dessas reformas, que se refletem numa postura

    fiscal de credibilidade e possibilita o advento de capitais externos, criando um colcho

    amortecedor para o pas enfrentar as crises externas, pode se refletir em possveis prejuzos

    para os resultados da poltica econmica no Brasil.

    O elevado nvel de reservas que vem se verificando desde 2004 abre espao para

    questionar o custo das esterilizaes sobre variveis importantes como a inflao e a dvida

    interna. As operaes de esterilizao ocorrem quando h uma venda de ttulos pblicos para

    diminuir a oferta de moeda encadeada pelo influxo de capitais, evitando uma queda na taxa de

    juros e, por conseqncia, um maior estmulo demanda agregada, o que se reflete numa

    maior presso sobre a taxa de inflao.

    importante destacar que os resultados dessas operaes de esterilizao, mesmo

    que necessrias numa poltica monetria do tipo metas de inflao podem dar origem a um

    distrbio que pode comprometer a conduta fiscal do pas.

    Como todo aumento de capital externo eleva o passivo externo do pas, porconseqncia ocorrer uma ampliao do endividamento interno em virtude das operaes de

    esterilizao comentadas anteriormente. Assim a condio de credor externo lquido pode se

    refletir num deletrio cenrio para a situao fiscal do Brasil.

    Segundo clculos de analistas do prprio governo, o custo de ampliao das reservas

    cambiais, levando-se em conta o diferencial de taxa de juros interna e externa e a valorizao

    do real frente ao dlar, alcanou em 2007 a casa dos R$ 51 bilhes. O fato que, ao acumular

    maciamente reservas em 2007 - quando o Banco Central comprou liquidamente US$ 78,59

    bilhes - houve injeo de R$ 155 bilhes em reais na economia e colocao de papis da

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    dvida pblica para enxugar essa liquidez. Em termos relativos, estima-se que o custo fiscal

    apenas da injeo da moeda nacional tenha sido da ordem de 0,8% do PIB. Alm disso, a

    valorizao da taxa de cmbio teve um custo fiscal de 1,1% do PIB, o que contribuiu para umcusto fiscal total de 1,9% do PIB.

    O efeito negativo do fim do endividamento externo lquido, no entanto, foi a

    elevao do nvel de endividamento interno, em reais. Apesar da dvida lquida do setor

    pblico ter cado de 44,7% do PIB em 2006 para 42,8% em 2007, a dvida interna lquida

    cresceu de 47,4% do PIB para 51,9% do PIB e a dvida interna no monetria (excluda da

    base monetria) passou de 42,3% do PIB para 46,4% do PIB no perodo. Ou seja, do ponto

    de vista do endividamento, houve uma troca de dvida em dlar mais barata por dvida em

    reais considerada mais cara.

    A compra de moeda estrangeira para se proteger dos perodos de crise externa tem

    um custo mensurvel que so os juros nominais pagos sobre o volume emitido de ttulos para

    enxugar a liquidez gerada na compra de dlares, no entanto, os benefcios no podem ser

    medidos, pois so mais qualitativos.

    No caso especfico de elevao das reservas em moeda estrangeira pode-se dizer que

    h uma forte percepo de que nos momentos de crise externa, possuir US$ 190 bilhes em

    reservas com um regime de cmbio flutuante que absorva choques uma grande vantagem,

    pois reduz fortemente a vulnerabilidade dos mercados financeiros internacionais, bem como

    possibilita o pagamento de menores prmios de riscos nos financiamentos tomados no

    exterior tanto pelo Tesouro Nacional quanto pelas empresas.

    Levando-se em considerao que o atual patamar em que as reservas chegaram e o

    alto custo fiscal que essa deciso implica e, alm disso, considerando que os benefcios a partir

    de agora so quase nulos, surge a dvida se j no seria o momento de interromper o

    processo de acumulao que comeou em 2004. Cada dlar a mais, quando j se tem US$190bilhes, adiciona menos proteo do pas a crises do que adicionava quando as reservas eram

    de US$ 17 bilhes, no entanto, o custo continua sendo elevado.

    No entanto, de acordo com o Banco Central, mesmo com esse volume de reservas, a

    crise externa causada pelos "subprimes" americanos elevou o risco-pas e provocou maiores

    incertezas quanto a um possvel processo recessivo mundial. Assim, o efeito lquido de

    continuar acumulando reservas ainda seria positivo.

    Contudo, vale a pena observar que h uma alternativa que permite continuar

    acumulando reservas sem que haja um impacto to oneroso aos cofres pblicos, qual seja:

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    reduzir a taxa de juros Selic. Essa medida teria efeitos positivos tanto no sentido de evitar a

    continuidade da valorizao do cmbio quanto na reduo do elevado diferencial de juros

    interno e externo.Considerando que o perfil do Banco Central tem sido fortemente conservador, a

    optar pela alternativa de reduzir os juros para evitar que o Real continue se apreciando frente

    s principais moedas do mundo e, ao mesmo tempo, continue reduzindo o dficit fiscal desde

    2005 quase uma heresia, j que o Banco Central brasileiro um dos poucos atores do setor

    financeiro que enxerga uma expanso da inflao baseada no aumento da demanda.

    O Brasil parece no aprender com as lies do passado, pois em inmeras

    oportunidades - principalmente no passado recente - poderia ter observado que tanto a

    economia interna quanto a externa mundial tem sido mais afetadas por choques de oferta, tais

    como o petrleo, que tem batido sucessivos recordes de preos e as commodities agrcolas,

    como minrio de ferro, soja e milho, do que por crescimento desordenado da demanda. Isso

    demonstra que o instrumento adotado para combater a inflao acaba prejudicando a

    economia, visto que o mais apropriado seria recorrer a instrumentos que impulsionem a

    expanso acelerada da oferta de bens e servios. Ou seja, o Banco Central brasileiro tem

    utilizado o remdio errado e em dose elevada.

    Dentro da abordagem explicitada anteriormente podem ser citadas, entre outras

    medidas, a reduo das barreiras tarifrias s importaes dentro de um contexto em que

    ocorra uma ampla negociao, como forma de contrapartida, para ampliao e/ou abertura de

    outros mercados internacionais que fazem alguma restrio aos nossos produtos. Isso

    contribuiria enormemente para a ampliao da oferta de bens e servios no mercado interno e

    permitiria a continuidade do processo de crescimento no pas com estabilidade de preos, j

    que, h quase trs dcadas, o Brasil no apresenta taxas de expanso econmica compatveis

    com as necessidades de um pas repleto de desigualdades e carncias nas mais diversas reas,tais como infra-estrutura e educao.

    Outra medida que poderia ser tomada no sentido de permitir a adequao do ritmo

    de crescimento da oferta s necessidades da economia a reduo ou estabilizao das

    despesas correntes como proporo do PIB, ou seja, o governo permite que os gastos

    pblicos cresam em termos nominais, porm eles devem ser inferiores ao ritmo de

    crescimento do PIB. Essa medida, considerada gradual, teria um duplo impacto, pois alm de

    elevar a capacidade de investimentos do governo to reprimidos nos ltimos anos, possibilita

    que a demanda cresa em ritmo compatvel com o crescimento da oferta de bens.

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    Em suma, pode-se dizer que os efeitos da eliminao da dvida externa lquida so

    positivos, porm eles sero pequenos se novas medidas de mbito interno no se somarem s

    corretas medidas tomadas em relao ao setor externo. A constatao de que a economiabrasileira continua presa ao chamado processo stop and Go, onde o crescimento se d

    atravs de paradas e arrancadas, nos leva a concluir que h muito a ser feito. O setor externo

    permitiu que a economia interna superasse alguns obstculos, principalmente os referentes s

    fugas de capital externo em momentos de crise, no entanto, sem a contrapartida interna o pas

    continuar apresentando baixo crescimento econmico e inflao em descompasso.

    Como de costume o Brasil continua apresentando um comportamento diferente dos

    demais pases emergentes, j que a maioria deles tem tirado proveito do momento favorvel

    na economia internacional e ns ainda crescemos muito pouco. O reconhecimento de que

    avanos foram feitos importante para o desenvolvimento socioeconmico, porm ele no

    deve coadunar com a idia de que nunca na histria desse pas foi feito tanto, pois num

    mundo altamente dinmico no h espao para acomodaes sob pena de continuarmos

    eternamente mantendo o rtulo de pas do futuro.

    REFERNCIAS

    SISTEMA GERENCIADOR DE SRIES TEMPORAIS. Braslia: Banco Central do Brasil,1970- 2007. Disponvel em: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.d o?method=prepararTelaLocalizarSeries. Acesso em: 22/03/2008.