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Joalheria Paraense: do regionalismo ao afroindigenismo Amanda Gatinho Teixeira 1 O presente artigo aborda a joalheria paraense produzida, exposta e comercializada no Polo Joalheiro no município de Belém-PA, instalado no Espaço São José Liberto, que em 2002 foi eleito pelo Ministério da Cultura como Território Criativo. As pesquisas iniciais sobre a joalheria paraense centram suas identificações nas heranças regionais e indígenas em sua confecção. Porém, em observações preliminares observo influências das joias afro-brasileiras, mesmo sem visibilizar o reconhecimento acerca desse intercâmbio por parte de produtores e intérpretes. Para o alcance desse entendimento, exercito a experiência cartográfica em observações participativas bem como coleta de informações por meio dos processos de afloramento de memórias pessoais, profissionais e sociais. Neste sentido, apresento o Polo Joalheiro por meio do seu histórico até os dias atuais, para então, evidenciar o trabalho dos artistas que integram o Programa. Assim, relato minhas primeiras incursões ao espaço, com a apresentação da artista paraense Selma Montenegro responsável por apresentar criações ligadas ao universo afro, deixando indícios para problematizar as representações da joalheria produzida no Polo como tão unicamente de matriz regional e indígena. Palavras-Chave: Joias Paraenses. Joias afro-brasileiras. Polo Joalheiro do Pará. 1 Graduada em Artes Visuais (Ufpa), Especialista em Design (Iesam) e Mestranda no Programa de Pós Graduação em Antropologia (PPGA/ Ufpa);

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Joalheria Paraense: do regionalismo ao afroindigenismo

Amanda Gatinho Teixeira1

O presente artigo aborda a joalheria paraense produzida, exposta e comercializada no

Polo Joalheiro no município de Belém-PA, instalado no Espaço São José Liberto, que

em 2002 foi eleito pelo Ministério da Cultura como Território Criativo. As pesquisas

iniciais sobre a joalheria paraense centram suas identificações nas heranças regionais e

indígenas em sua confecção. Porém, em observações preliminares observo influências

das joias afro-brasileiras, mesmo sem visibilizar o reconhecimento acerca desse

intercâmbio por parte de produtores e intérpretes. Para o alcance desse entendimento,

exercito a experiência cartográfica em observações participativas bem como coleta de

informações por meio dos processos de afloramento de memórias pessoais, profissionais

e sociais. Neste sentido, apresento o Polo Joalheiro por meio do seu histórico até os dias

atuais, para então, evidenciar o trabalho dos artistas que integram o Programa. Assim,

relato minhas primeiras incursões ao espaço, com a apresentação da artista paraense

Selma Montenegro responsável por apresentar criações ligadas ao universo afro,

deixando indícios para problematizar as representações da joalheria produzida no Polo

como tão unicamente de matriz regional e indígena.

Palavras-Chave: Joias Paraenses. Joias afro-brasileiras. Polo Joalheiro do Pará.

1 Graduada em Artes Visuais (Ufpa), Especialista em Design (Iesam) e Mestranda no Programa de Pós

Graduação em Antropologia (PPGA/ Ufpa);

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INTRODUÇÃO

O ser humano desde que se desalinhou dos outros animais buscou mecanismos

para se destacar. Entre esses mecanismos, o desejo pelo embelezamento do corpo foi e

ainda muito forte. Com isso, homens e mulheres criaram um simbolismo próprio através

de sinais materiais que denotavam poder espiritual, alegria, amor, luto, dentre outros.

Entre uma das formas de embelezamento da criação humana, estão as joias2, que eram

produzidas a partir dos recursos que a natureza oferecia. Assim, no período mais remoto

da antiguidade, e com diferentes intenções, era usado o raro, o singular, como conchas

com formas peculiares, plumas de pássaros, sementes, pedras polidas, ossos e presas de

animais, muitas vezes associados para compor os adornos3.

Na antropologia a narrativa mais emblemática que envolve adornos está presente

no livro Os argonautas do Pacífico Ocidental de Bronislaw Malinowski, em que é

relatado o Kula que consiste basicamente em uma troca ritual de caráter intertribal o

qual é praticado por comunidades dos grupos das ilhas Trobriand. Os participantes do

Kula recebem os ornamentos feitos de conchas, as quais são conservadas consigo

durante algum tempo e posteriormente são passadas adiante. Como relata o autor, os

ornamentos viajam constantemente em direções opostas:

No sentido horário movimentam-se os longos colares feitos de conchas

vermelhas, chamados soulava. No sentido oposto, movem-se os braceletes

feitos de conchas brancas, chamados de mwali. Cada um desses artigos, viajando em seu próprio sentido no circuito fechado, encontra-se no caminho

com os artigos da classe oposta e é constantemente trocado por eles. Cada

movimento dos artigos do Kula, cada detalhe das transações é fixado e

regulado por uma série de regras e convenções tradicionais; alguns dos atos

do Kula são acompanhados de elaboradas cerimonias públicas e rituais

mágicos (Malinowski 1976:75).

Dessa forma, é importante observar que em todas as civilizações o ser humano

sempre utilizou alguma forma de adorno, o qual possui um vínculo com os desejos e

intenções do seu usuário de construir novas linguagens através de símbolos e, com eles,

significados eficientes na construção de identidades, ou ainda um elemento de inserção

social a um determinado grupo: “[...] os objetos materiais são pensados como um

sistema de comunicação, meios simbólicos através dos quais indivíduos, grupos e

2 Segundo Gola (2008: 20) existem “duas possíveis proveniências para a palavra francesa joyau (jóia): do baixo latim jocalis, que vem de iocus (gracejo, brincadeira); e/ou do latim joie (alegria), que provém de

goie e gaudia”. Com isso, trata-se de uma ornamentação com o objetivo de celebrar, enfeitar, reluzir,

valorizar. Assim, entende-se a joia por meio da união entre materiais preciosos, costumeiramente ouro ou

prata, aliados a gemas. 3 Ornamento feito de metal nobre ou não nobre, gemas minerais orgânicas e/ou materiais alternativos.

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categorias sociais emitem (e recebem) informações sobre seu status e sua posição na

sociedade” (Gonçalves 2007:20).

A PROBLEMÁTICA EM CONTEXTO E A METODOLOGIA

Ao longo de uma história de mais de cinco séculos a cultura brasileira é

assinalada pela contribuição de diversos segmentos étnicos, em que podemos destacar

as contribuições ibéricas e africanas que originaram um conjunto de saberes, práticas,

técnicas e crenças, fundidas em práticas indígenas locais, resultando novas

manifestações que enriqueceram nosso patrimônio histórico. Porém, de acordo com

Paiva:

No Brasil, é ainda pouco expressivo o número de pesquisas sobre a História

da África, sobretudo da chamada África Negra. A situação, entretanto, é

inversamente proporcional à enorme influência africana e afro-brasileira

sobre a formação do universo cultural brasileiro (2006:217).

Assim, a influência dos diversos saberes de matriz afro no Brasil, sempre esteve

presente em nossa história, porém, às vezes, silenciada nos dias hoje.

Glissant em seus estudos sobre crioulização no Caribe, espraiando-se para o

mundo diasporizado, aponta para a inferioridade dos elementos culturais de origem afro

encontrados em outros países:

Em países oriundos do processo de crioulização, como é o caso do Caribe ou

do Brasil, nos quais os elementos culturais foram colocados em presença uns

dos outros através do modo de povoamento representado pelo tráfico de africanos, os componentes culturais africanos e negros foram normalmente

inferiorizados (2005:21).

Também é válido ressaltar os estudos de Vicente Salles, que pesquisou as

heranças deixadas pelas culturas negras em nossa região. “Na Amazônia, contudo, a

contribuição cultural do negro é sistematicamente diminuída, e até negada, no conjunto

dos seus valores constitutivos” (SALLES 1971: 67). Porém, sabe-se que certas

amostragens de dados etnográficos e folclóricos comprovam que o negro contribuiu em

larga escala à cultura regional. Sendo plasmada por meio da contribuição a níveis

sociais, culturais, políticos e econômicos da região amazônica, “além de constituir,

durante todo o regime de escravidão, o suporte da economia agrária” (Ibidem:7).

Também é válido apontar que segundo este intelectual houve um engajamento do negro

no Movimento Cabano “[...] dela participaram como se fosse uma luta pela sua própria

libertação” (Vergolino 2004 apud Salles 2004).

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Em estudos sobre a constituição cultural da Amazônia, conforme Paes Loureiro

“deve ser enfatizado [...] a predominância do índio sobre o negro e o branco. E,

evidentemente, dos caboclos, isto é, mestiços descendentes de índios e brancos”

(2001:36). No que se refere ao discurso oficial do Polo Joalheiro do Pará, é ressaltado a

presença, muitas vezes, exótica, do indígena

As joias do Pará têm, no plano comum, o que é próprio de todas as joias: o ouro, a prata, o diamante, as gemas, a platina, as fibras, a madeira, os

caroços, as penas, as folhas, as sementes, a técnica, o profissionalismo e o

bom gosto. Mas arrancam sua originalidade de materiais e símbolos da

cultura paraense, mimetizada ou recriada, integrando tradição e modernidade,

particular e universal, local e mundial, presente e passado, indianismo e

cosmopolitismo, natureza e cultura, ecologia e tecnologia, sonho e realidade,

desejo e posse (Paes Loureiro 2004:5; grifo meu)4.

As pesquisas iniciais sobre a joalheria paraense, sempre identificam as raízes e

heranças locais (e) indígenas na confecção destas. Entretanto, defendo a ideia de que

adicionalmente a estas características, a produção belenense das joias, também recebem

influências da joalheria afro-brasileira, mesmo que de forma inconsciente. Desse modo,

se faz necessário identificar tais heranças apontadas como rastro/resíduo embasadas por

Glissant, que consiste em elementos culturais que são colocados em presença uns com

os outros pelos processos de colonização, os quais resistem pelo poder da memória e

são recompostos gerando linguagens crioulas e manifestações artísticas incríveis,

inesperadas e imprevisíveis (2005:18-19).

Portanto, a problemática da pesquisa consiste em enfrentar a invisibilidade e/ou

desconhecimento de outras heranças presentes nas joias paraenses, mesmo havendo

indícios de saberes africanos, como será discutido mais à frente. Ainda sobre esta

questão Pacheco nos seus estudos sobre as identidades afroíndigenas na Amazônia,

afirma que:

Por mais que esses encontros e empréstimos culturais tenham sido

silenciados, todos nós, quer nos identifiquemos como branco, índio, negro,

quer nos identifiquemos como europeu, judeu, árabe, americano, amazônida, caboclo, ribeirinho, ou qualquer outro adjetivo, para marcar o lugar social de

onde falamos, remetemos-nos a zonas de contato. Se habitamos na

Amazônia, somos alinhavados em nossas cosmologias cotidianas pelos

conhecimentos do mundo indígena e africano em profundas interconexões

(2012(a): 199-200).

Assim,

Nos fluxos e lutas para persistir com memórias de seus saberes e tradições, índios, negros e seus descendentes, em condições adversas de vida,

4 Texto de apresentação do catálogo Pará Expojoia de 2004, escrito por João de Jesus Paes Loureiro,

Associação São José Liberto.

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misturaram seus corpos, almas, sentimentos e culturas, forjando uma nova

identidade cambiante em territórios da “diferença colonial” (2012(b):3).

Para isto, julgo pertinente desenvolver uma “cartografia de memórias” (Pacheco

2015) com estes artistas produtores, embasado nas reflexões de Martín-Barbero ao

propor a elaboração de um mapa não apenas sobre, mas a partir das margens, sugerindo

um deslocamento do eixo de análise para pensar a América Latina. Assim para o

pensador, “estamos ante uma lógica cartográfica que se torna fractal [...] e se expressa

textualmente, ou melhor, textilmente: em pregas e despregas, reveses, intertextos,

intervalos” (Martín-Barbero 2004:12). Tendo ainda, uma lógica arquipélago, que

consiste em um “[...] lugar de diálogos e confrontação entre as múltiplas terras-ilhas

que se entrelaçam” (Martín-Barbero 2004:13).

Este pensamento é compartilhado por Glissant, o qual recebe a denominação de

pensamento arquipélago que consiste em “[...] um pensamento não sistemático,

indutivo, que explora o imprevisto da totalidade-mundo [...]” (2005, p. 47).

Na perspectiva de Gilles Deleuze e Félix Guattari os mapas podem ser pensados

como abertos, conectáveis e modificáveis, oferecendo interpretações poéticas,

incorporando valores culturais, como afirmam:

[...] o mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável,

reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser

rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser

preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social (Deleuze;

Guatarri 1995:22).

A partir destes pensadores, Pacheco (2015) desenvolve uma cartografia de

memórias, a qual valoriza as intersecções e interculturalidades. “Para este campo, os

saberes locais não são puros, as tradições são sempre reinventadas e as etnias

historicamente misturadas” (ibidem, p.4). Para ele

cartografia de memórias como aporte teórico e ao mesmo tempo

metodológico de pesquisas preocupadas em captar processos, discursos,

experiências e sentidos de vivências interculturais arquitetadas nos imbricamentos rural & urbano, tradição & modernidade, oralidade & escrita,

passado & presente (ibidem:6).

Portanto, a cartografia de memórias valoriza as múltiplas vozes que insurgem

pelas reminiscências dos que produzem saberes e práticas locais, recompondo

contaminações, traduções e recriações a partir de bricolagens, além de ser um trabalho

com foco interdisciplinar.

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CONHECENDO O POLO JOALHEIRO DO PARÁ

O Polo Joalheiro é abrigado, desde 2002, no Espaço São José Liberto (Fig. 1),

que está localizado na Praça Amazonas, no bairro do Jurunas. Sua primeira edificação

data de 1749, com a construção do convento São José, pelos franciscanos. O espaço

abriga diversas relíquias que datam dos primórdios da constituição da sociedade

paraense em pedras, rochas e objetos deixados pelos antepassados amazônicos que estão

até hoje preservados.

Figura 1 - Fachada do Espaço São José Liberto

Fonte: Autora, 2015.

O processo de transformação deste espaço se deu de acordo com a necessidade

histórica. Em 1758, o convento foi ocupado pelo governo e transformou-se em depósito

de pólvora, depois em quartel e, em seguida, abrigou uma olaria. No ano de 1835,

tornou-se um hospital e, em 1843, presídio municipal. Em 1894 ocorreu a primeira

reforma do prédio e em 1926 sua segunda reforma. Entre os anos 1950 e 1960

denominou-se Presídio São José. Em 2000 o prédio foi desativado e restaurado, em

2002 ficou conhecido com Espaço São José Liberto, que é composto: pela Capela São

José, o Museu de Gemas do Pará, a Casa do Artesão, o Jardim da Liberdade, o

anfiteatro Coliseu das Artes, o Memorial da Cela, um espaço gourmet, oito lojas de

joias, duas ilhas5 (Fig. 2) com serviços especializados em ourivesaria e lapidação, escola

de ourivesaria, auditório e mezanino.

5Na ilha de ourivesaria, os visitantes podem observar o trabalho de criação e fabricação de uma joia pelo

ourives, além de conhecer a variedade de gemas minerais brasileiras e peças criadas por designers e

demais empreendedores.

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Figura 2 - Espaços do São José Liberto

Respectivamente da esquerda à direita: Capela São José, Museu de Gemas do Pará,

Casa do Artesão, Jardim da Liberdade, Coliseu das Artes, Ilhas de Produção.

O Museu de Gemas do Pará reúne acervos gamológicos e arqueológicos do país.

Contém apenas cinco salas, que acabam contrastando com a grandiosidade de riquezas

contidas neste espaço. A sala intitulada de “O homem da Amazônia” nos permite

entender um pouco mais dos indígenas que habitavam nosso estado, por meio de

artesanatos tapajônicos e marajoaras como: estatuetas, urnas funerárias, cunhas,

machadinhas e pontas de flechas em quartzo.

As salas “Histórico das Gemas e do Ouro da Amazônia” e “Gemas do Pará I e

II” reúnem cerca de quatro mil peças, algumas em estado bruto, entre elas estão

esmeraldas, turmalinas, ametistas e diamantes originárias de diversas regiões do Pará e

também de outros estados brasileiros bem como de países latino-americanos. Este

acervo também é composto pelos os famosos muiraquitãs6 marajoaras. Enquanto a sala

“Joias e Adornos Regionais” expõem a primeira coleção de joias produzidas pelo

Programa Polo Joalheiro.

Na “Casa do Artesão”, onde são comercializados artesanatos, acessórios entre

outros objetos autorais, que ajudam a divulgar o trabalho de artesãos, designers e

estilistas locais, propagando ainda mais a cultura material do Pará.

6 Amuletos de pedra em forma cilíndrica ou batraquial utilizados como protetores para a caça e a pesca.

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É válido ressaltar que em 2012 o Ministério da Cultura (MinC) reconheceu o

Espaço São José Liberto como Território Criativo, responsável por abrigar setores e

categorias culturais, além de desenvolver ações em seis áreas da economia criativa no

Estado do Pará. Atendendo à dinâmica integrada entre a criação, geração, produção e

comercialização de produtos. Nele são comercializados joias artesanais e artesanatos7 de

43 municípios do estado do Pará.

Atualmente as lojas [que comercializam as joias] instaladas no Espaço São

José Liberto são: Amorim Mendes, Amazonita, Brilho da Amazônia,

Danatureza, D’Sales, HS Criações Joiartimiro, Montenegro’s, Ourogema,

Zeus, Ourama e Belém da Saudade. A loja UNA é administrada pelo IGAMA

e sua comercialização é em regime de consignação, para os produtores de joias que não tem condições para manter a estrutura de uma loja (Chagas

2012:68).

Por meio de um modelo de gestão compartilhada, o Espaço é gerenciado pelo

Instituto de Gemas e Joias da Amazônia (Igama), sua manutenção é realizada pela

Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Seicom).

As ações desenvolvidas no local são acompanhadas por uma curadoria

especializada, que recebe designers, ourives, lapidários, estilistas, microempresários,

mestres artesãos, empreendedores, criadores, produtores, artesãos independentes,

associações de artesãos do Pará entre outros profissionais destes segmentos.

MATERIALIZANDO CONCEITOS: O TRABALHO DOS DESIGNERS

PARAENSES

Em 1998 houve a implantação do Programa de Desenvolvimento do Setor de

Gemas e Joias do Estado do Pará, fazendo parte do projeto de verticalização mineral,

em que se procura qualificar os profissionais da área por meio de cursos, consultorias,

palestras, seminários e workshops com profissionais nacionais e internacionais ligados

ao setor joalheiro.

A partir deste quadro e dentro das diretrizes deste Programa, buscou-se

estruturar uma cadeia formalizada em joalheria, que fosse responsável pela produção de

uma joia com referencial histórico-cultural amazônico, com destaque para os elementos

concernentes ao Estado do Pará, a fim de imprimir um diferencial a esta joia tanto no

mercado nacional quanto no internacional. Dessa forma, a joia paraense é vista como

7Conjunto de artefatos mais expressivos da cultura de um determinado grupo, representativo de suas

tradições, porém incorporados à sua vida cotidiana. Sua produção é, em geral, de origem familiar ou de

pequenos grupos vizinhos, o que possibilita e favorece a transferência de conhecimentos sobre técnicas,

processos e desenhos originais. Artesanato de referência cultural São produtos cuja característica é a

incorporação de elementos culturais tradicionais da região onde são produzidos (Chagas; Pinto 2010:03).

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uma expressão cultural-estética da Amazônia e um produto significativo da cultura

material da nossa região (Fig. 3).

Figura 3 - Exemplares de Joias produzidas e comercializadas no Polo Joalheiro:

Pingente com incrustação paraense; Brinco “Mangueiras” e Pingente “ícones”.

Disponível em: http://saojoseliberto.com.br/

De acordo com Paes Loureiro as joias paraenses possuem grande originalidade,

sendo proveniente de:

[...] materiais e símbolos da cultura paraense, mimetizada ou recriada,

integrando tradição e modernidade, particular e universal, local e mundial,

presente e passado, indianismo e cosmopolitismo, natureza e cultura,

ecologia e tecnologia, sonho e realidade, desejo e posse (Paes Loureiro

2004:2).

É nesse momento que observamos a preocupação do designer de joias8 paraense

em agregar significados e valores pertencentes à cultura local e à sociedade, traduzindo

assim a identidade regional através de: conceitos, história, costumes, lendas, mitos,

inserção de elementos culturais como fauna, flora, festividades folclóricas e religiosas e

a utilização de materiais naturais. Dessa forma, observo que o discurso oficial do Polo

Joalheiro é constituído sob a imagem de uma Amazônia folclorizada, no qual a perene e

exclusiva herança regional e indígena sempre se mostra materializada por meio de sua

estética e grafismos (Fig. 4).

8É o profissional que planeja a peça desde a criação até o consumo, envolvendo modo de produção, custo

e viabilidade econômica, tendência e comercialização, mas que não executa sua criação. O designer de

joia é um profissional que detém conhecimento técnico e talento. [...] (Salem 1999:8).

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Figura 4 – Pendente e Pulseira com grafismos

Disponível em: http://saojoseliberto.com.br/

É valido ressaltar que as joias produzidas neste espaço agregam não apenas

metais nobres e gemas naturais (conceito universal de joia), mas também ocorre a

introdução de materiais alternativos9 para a confecção das chamadas biojoias

10.

Além destes materiais naturais, são utilizadas as técnicas de incrustação de

materiais fragmentados de diferentes tipos, que dá alusão de uma pintura sobre o metal

(Fig. 5). Esta técnica é usada com o objetivo de representar imagens de diversas

temáticas a partir das cores de materiais naturais ou sintéticos.

Figura 5 - Pendente em prata e incrustação paraense

Disponível em: http://saojoseliberto.com.br/

Para a produção destas joias, os designers percorrem diversas etapas que podem

ser agrupadas em processo de criação a partir de um tema proposto, pesquisa e

elaboração de esboços das joias. Portanto, a partir do trabalho coletivo entre designers,

produtores e ourives, as coleções são concretizadas.

Após a implantação do Programa, os profissionais do setor joalheiro participam

das atividades que são promovidas pelo Instituto de Gemas e Joias da Amazônia

9 São todos os materiais não convencionais utilizados na joalheria. 10 É o termo utilizado às joias que tem como diferencial a matéria prima vegetal como: sementes, fibras,

conchas, cascas, semente de jarina, tucumã, açaí, entre outros.

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(IGAMA), a antiga Associação São José Liberto, resultando em coleções de joias

anuais. Dentre as atividades e cursos realizados, destacam-se as “Joias de Nazaré”, que

possuí como objetivo materializar nas joias os significados dos diversos elementos

referentes ao Círio de Nazaré11

; e o “Pará Expojóia”. Estes são considerados os

momentos de ápice da confecção e comercialização destas joias.

Sabemos que o aspecto simbólico das joias é bastante valorizado devido à

grande demanda de produtos para as áreas de turismo e exportação, visando também ao

mercado internacional, visto que a cultura local é valorizada por sua diversidade de

fauna e flora.

Por meio desta valorização, os designers paraenses se destacam em premiações

nacionais em importantes eventos como: o concurso nacional de joias promovido pela

AngloGold, os concursos do Instituto Brasileiro de Gemas e Metais (IBGM) e da

Empresa Brasileira de Radiações (Embrarad), as quais contribuem para a projeção

destes profissionais.

PRIMEIROS OLHARES [AFRO] NAS JOIAS PARAENSES

As primeiras incursões que realizei no Polo Joalheiro permitiram a afirmação de

minha aposta e investimento: a de que adicionalmente as características locais, as joias

produzidas e comercializadas neste espaço, também possuem características afro em sua

composição. O olhar “disciplinado” para observar tais reminiscências foi construído a

partir de pesquisas sobre a joalheria afro-brasileira, tanto quanto na literatura específica

desta temática, quanto nas pesquisas in loco, em instituições e museus que abrigam

estas peças em seu acervo, a fim de analisar suas peculiaridades, para, então, observar

tais heranças na joalheria local.

No início de uma abordagem etnográfica, bem como por meio de observações

participativas realizadas durante o período de minha maior atuação no Polo Joalheiro - a

qual está sendo retomada -, aliados a conversas informais a priori com alguns

designers/artistas do Programa, e também com a fase inicial de coleta de informações

por meio da história oral, cito o caso de Selma Helena Montenegro Botelho, conhecida

como Selma Montenegro (Fig. 6), que está vinculada ao Polo Joalheiro do Pará desde

sua inauguração em 2002.

11 Procissão católica que ocorre anualmente na cidade de Belém, no segundo domingo do mês de

Outubro. Esta festividade é considerada uma das maiores celebrações religiosas do mundo. Foi tombada

em 2000 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como patrimônio imaterial

da cultura brasileira e em 2013 foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

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Figura 6 - Selma Montenegro posa com os seus prêmios

Fonte: Autora, 2015.

Porém, relata que sua entrada no Programa não foi algo fácil e mesmo seguido

das dificuldades, ela nunca pensou em desistir.

Era um grupo fechado, fechadíssimo [...]. Nessa época nem com talento. [...].

E foi até rejeitado um trabalho meu, que depois que eu comecei a fazer, toda

vez que eu faço, vende! [...] Eu pedi pra minha professora da época, a

Rosângela, [...] trazer meu desenho e disseram assim mesmo pra ela:

“Aaaaah isso aqui não diz nada” (risos). [...] E o desenho que eu levei foi só o do colar, ainda não tinha feito o brinco. E depois que eu entrei [no

Programa], no primeiro catálogo que eu participei o conjunto saiu, e ele não

dizia nada... 12

Natural do município de Afuá, no arquipélago de Marajó, Selma relata que ainda

criança seus pais mudaram-se para Macapá, cidade onde estudou artes, desenho, pintura

e escultura, durante 5 anos. E sempre que podiam visitavam as terras marajoaras. E

dessas lembranças, a artista guarda em suas memórias, os materiais que se encontravam

nessa região.

Quando começou a morar em Belém, já na fase adulta, ela se perguntava o

porquê das pessoas não darem o devido valor a alguns materiais, como a semente de

tucumã, que muitos veem como lixo. E durante esse processo de estudo e observação de

materiais para compor suas criações, ela foi examinando que essas sementes, não eram

encontrados em outros lugares. “E hoje com muitos olhares voltados para esses

materiais [alternativos] as pessoas já começaram a olhar, mas mesmo assim eu ainda

vejo que elas não dão o devido valor”. E dentre os materiais que são mais utilizados nas

suas joias, Selma destaca a madeira de pupunheira. “O tipo de desenho que eu faço

sempre vai para esse lado de uma madeira mais escura [...]. E sempre com o foco do

material daqui. Eu faço joias com temas regionais, só que voltada para o universal”.

12

Entrevista com Selma Montenegro, realizada em 11 de março de 2015, na sua loja Montenegro’s, que está situada dentro do Polo Joalheiro.

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Antes de iniciar seu trabalho na joalheria, Selma confeccionava artesanatos e

bijuterias com sementes. Em 2002 a artista começou a ter um olhar voltado para as

joias, e foi nesse momento que surgiu o Polo Joalheiro. “Comecei a desenhar a joia sem

saber, como é que era, pra onde ia, como é que fazia”. E diante dessas dúvidas ela

decidiu estudar e, assim, foi fazer o curso de Design de Joias do CEFET/PA. E desde,

então, seguiu essa carreira profissional, embora antes desejasse ser arquiteta. Porém, a

arquitetura continua exercendo grande influência em seus trabalhos, por meio das

geometrias e dos desenhos técnicos. “Eu vou pra esse lado do universal, sempre com

um foco na geometria mesmo. As minhas joias dificilmente têm muito rococó, aqueles

traços rebuscados, é algo mais limpo”. E hoje ela se autodenomina como uma “arquiteta

das joias”.

Quanto as suas produções, Selma afirma que o seu desejo era o de confeccionar

uma joia diferenciada voltada para o turista “porque eu sabia que o turista é que ia dar

valor, o turista nacional e o estrangeiro”. E dentre os turistas nacionais seu grande

público são os: “paulistas, os mineiros, os cariocas, os nordestinos, só não o paraense

[...] Ele dá o valor pro ouro, pro diamante e pra gema”.

Ainda sobre as dificuldades de aceitação do público paraense, a artista relata:

Pra ti sobreviver aqui, tu tens que pegar encomendas. O que é que eu vendo

pro paraense? Eu vendo uma joia tradicional (que ao mesmo tempo é

diferenciada) um anel de formatura que eu desenho na frente dele, e ele vai e

fecha o negócio; um par de alianças [...]. Pro paraense é isso que eu vendo,

agora as minhas joias, com o meu estilo, eu vendo pro turista.

Selma foi a primeira designer/artista de joias paraenses a integrar os

profissionais selecionados no Prêmio IBGM, que é um dos mais representativos deste

setor no Brasil, o qual também possui grande repercussão internacional.

No ano de 2008, a artista paraense esteve entre os 10 melhores do Brasil na

categoria Arquitetura Brasileira, com o colar chamado “Ver-o-Peso” (Fig. 7), o qual foi

inspirado na arquitetura da maior feira livre da América latina. A peça é composta por

formas ovais em que é retratada a vista aérea da feira. O colar foi confeccionado com

ouro, madeira, fibra e gemas minerais diversas, os quais remetem ao colorido e à

diversidade dos produtos comercializados no local.

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Figura 7 - Colar “Ver-o-Peso”

Disponível em: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/

No ano de 2012, Selma foi a única representante da Região Norte, chegando, por

assim dizer, à elite da joalheria nacional. Ela foi selecionada entre 1.386 inscritos de

todo o país como uma das 18 melhores profissionais, na 10ª edição do maior concurso

internacional de design de joias, o AngloGold Ashanti AuDITIONS. No Brasil o

concurso acontece a cada dois anos, com o objetivo de valorizar o setor joalheiro

nacional.

Selma foi finalista com o colar conceitual “Açaí” (Fig. 8), inspirado diretamente

no cacho do fruto extraído do açaizeiro, palmeira típica da Amazônia, a peça de mais de

meio kilo, foi confeccionada em ouro, madeira, caroço de tucumã e fibra de arumã.

“Conforme eu ia desenhando eu vi que não precisava de fecho, só jogar e pronto! É

como se eu estivesse vestindo a pessoa que vai usar aquilo”. E reitera “Eu não sei fazer

colar pequeno, tem que ser grandão mesmo. É um afro, mas é um afro moderno”.

Assim, para esta artista podemos interpretar que sua produção nos remete a releituras de

joias com características afro em sua composição, traços que frequentemente são

apresentados em diversos momentos da joalheria, os chamados revivals13

.

13 Termo utilizado na moda para se referir à busca de inspiração no passado, em temas históricos, estilos

de arte, literatura, arquitetura e comportamento de outras épocas.

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Figura 8 - Colar “Açaí” e em condições de uso

Disponível em: http://espacosaojoseliberto.blogspot.com.br/

Quanto ao processo de produção desta peça a artista conta que as bolas/contas

foram mais trabalhosas, devido ao seu tamanho, entre 30 a 50 mm de diâmetro, e como

os ourives possuem os equipamentos para joias “normais”, em relação aos tamanhos,

ambos tiveram que projetar um instrumento para poder fazer as bolas no metal, o que

contribuiu para a confecção de instrumentos para a joalheria, em decorrência da

construção deste colar.

Selma declara que o seu “forte” são os desenhos para colares, o que se tornou

sua preferência. Em seguida as peças que mais cria sãos os brincos, seguidos de

pingentes e anéis. Na confecção dos colares artesanais a artista afirma que a influência

afro é muito grande e que nessas peças, ela procura trabalhar com tons terrosos,

“penduricalhos”, com pedras brutas e sempre procura desenhar colares em tamanhos

grandes, os quais possuem uma grande aceitação por parte do consumidor.

Nas peças apresentadas acima, os colares “Ver-o-Peso” e “Açaí”, revelam

claramente influências da temática regional paraense. Porém, por meio de um olhar

mais minucioso podemos observar características de uma joalheria afro-brasileira, como

a utilização de madeira em sua composição. É válido ressaltar que a utilização de

materiais alternativos no design de joias brasileiras, não é um fenômeno estritamente

contemporâneo, haja vista que tais materiais já foram utilizados na confecção de joias

afro-brasileiras14

, que se configuram como expressão de uma joalheria nacional. Um

14 Peças confeccionadas nos séculos XVIII e XIX no qual consistem em colares, braceletes, pulseiras,

brincos, anéis, penca de balangandãs, direcionado exclusivamente para as mulheres sob a condição de

escravizadas, alforriadas ou libertas. Estas joias possuem diversos significados, desde estratégias de

diferenciação, resistência, meio de capitalizar recursos, proteção, além de possuírem um sentido

transgressor, entre outros.

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dos exemplos é a penca de balangandã15 ao utilizar dentes de animais e figas em

madeira (Fig.9), como uma das diversas peças para a sua composição; bem como joias

que eram executadas com casca de coco unidas ao ouro (Fig.10). Neste sentido, estas

peças podem ser consideradas como um prelúdio para o design das joias

contemporâneas brasileiras.

Figura 91 - Penca de Balangandãs em prata, com 27 peças, corrente e chave

Fonte: Magtaz (2008: 117).

Figura 10 – Broche confeccionado com coco e ouro

Fonte: Fonte: Cunha e Milz (2011:116).

Sabe-se que a joalheria brasileira contemporânea permite a experimentação,

além de utilizar metais nobres como o ouro amarelo, o branco e a prata, a mesma

também incorpora outros tipos de materiais como: papel, plástico, tecidos, couro, osso,

fibra ótica, fibras naturais, sementes, entre outros, permitindo assim, ao artista

desenvolver composições inusitadas nas suas criações (Teixeira 2011:9).

Ainda sobre os exemplares das joias de Selma Montenegro, quanto a uma breve

análise estética, pode-se observar que estas peças possuem grandes dimensões, mesmo

se tratando de uma joia conceitual, como é o caso da joia “Açaí”, a autora procurou

15

Ornamento de metal, podendo ser confeccionado em ouro ou prata, que reúne objetos com formas

variadas, agrupadas numa base denominada “nave” ou “galera”. Eles possuem diversas formas, podendo

ser: frutas, búzios, moedas, figas, chaves, dentes de animais, romãs, cocos de água etc. Os elementos que

compõe as pencas de balangandãs são reunidos em função de seus significados mágicos e rituais. São

talismãs e amuletos que supostamente afastam “mau-olhado”, trazem sorte, ou indicam “fartura”,

“riqueza” etc. O nome Balangandã se deve ao som que emitem quando são movimentados.

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super dimensionar as contas presentes no colar, a fim de destacá-las e impressionar o

olhar dos observadores. Característica muito frequente nas joias afro-brasileiras (Fig. 11

e 12), tomadas como uma alternativa de diferenciação das joias portadas pelas mulheres

brancas (que eram em proporções menores e similares as joias europeias, sobretudo, as

portuguesas) aliadas a uma opulência subversiva.

Figura 112 - Diversos Colares afro-brasileiros em ouro

Acervo: Museu Carlos Costa Pinto-Bahia.

Fonte: Autora, 2014.

Figura 12 - Exemplares da joalheria afro-brasileira e sua usuária

Fonte: Factum 2009:231.

Desta maneira, neste artigo se buscou esboçar os primeiros olhares sobre as joias

paraenses contemporâneas, situando-as historicamente e compreendendo suas

significações, por meio de quem as concebe, a fim de mostrar conexões de saberes sem

fronteiras culturais.

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