JOÃO BOSCO DE BARROS WANDERLEY NETO£o Bosco de... · WANDERLEY NETO, João Bosco de Barros....

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP João Bosco de Barros Wanderley Neto Ativismo Judicial entre a Efetividade e a Autocontenção Mestrado em Direito Constitucional São Paulo 2016

Transcript of JOÃO BOSCO DE BARROS WANDERLEY NETO£o Bosco de... · WANDERLEY NETO, João Bosco de Barros....

  • Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    PUC-SP

    Joo Bosco de Barros Wanderley Neto

    Ativismo Judicial entre a Efetividade e a Autoconteno

    Mestrado em Direito Constitucional

    So Paulo

    2016

  • Joo Bosco de Barros Wanderley Neto

    Ativismo Judicial entre a Efetividade e a Autoconteno

    Dissertao apresentada Banca

    Examinadora da Pontifcia Universidade

    Catlica de So Paulo, PUC-SP, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo

    de MESTRE em Direito Constitucional,

    sob a orientao do Prof. Dr. Marcelo de

    Oliveira Fausto Figueiredo Santos.

    So Paulo

    2016

  • Banca Examinadora

    _________________________________

    _________________________________

  • Dedico a minha famlia. Pelo amor, apoio

    e incentivo.

  • AGRADECIMENTOS

    Antes de tudo e todos, agradeo sempre a Deus pelas oportunidades, e

    principalmente por nos conferir a chance inenarrvel de viver.

    Algumas pessoas foram fundamentais durante essa caminhada, principalmente:

    professores, esposa, pais, demais familiares, scio e amigos, os quais sempre me

    deram todo suporte para vencer mais essa jornada.

    Agradeo aos meus pais e avs, que muito admiro, principalmente pelo amor,

    carinho, amparo e pela tima educao.

    A minha esposa, tambm pelo amor, carinho, pacincia e fora nos momentos em

    que precisei me dedicar aos estudos.

    A todos os professores que fizeram parte do quadro de docentes do curso de

    Mestrado em Direito Constitucional, contribuindo para a transmisso de seus

    conhecimentos.

    Ao Professor Dr. Marcelo Figueiredo, pela excelente orientao e pela oportunidade

    de conviver com uma pessoa de vasto conhecimento. Ao Professor Assistente

    Konstantin Gerber, pela ajuda com materiais e conversas que ajudaram na definio

    do tema da presente dissertao.

    Ao Professor Dr. Roberto Dias, pelo conhecimento compartilhado e por todo o

    suporte em todo o perodo de estudos.

    Aos Funcionrios da PUC-SP, Rui e Rafael, por toda ajuda no esclarecimento das

    dvidas burocrticas.

    Enfim, agradeo a todos que, de alguma forma, ajudaram para o meu crescimento

    pessoal e profissional.

  • Discordo daquilo que dizes, mas defenderei

    at a morte o teu direito de o dizeres.

    Voltaire

  • WANDERLEY NETO, Joo Bosco de Barros. Ativismo Judicial entre a Efetividade

    e a Autoconteno. Dissertao de Mestrado. Programa de Estudos Ps-Graduados

    em Direito Constitucional. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, SP, Brasil,

    2016. 125p.

    RESUMO

    O presente trabalho objetiva o estudo do ativismo judicial e sua relao com a efetividade das normas constitucionais, iniciando-se com a apreciao terica das caractersticas que cercam a efetividade das normas constitucionais, os aspectos imbricados no dever de concretizao destas pelo Estado - Poder Judicirio - e o efeito sobre o ordenamento jurdico, em especial sobre a relao de limites e legitimidades perante situaes de elevado matiz poltico-discricionrio. Destaca-se ainda, a viso conferida ao ativismo judicial, como elemento de carter multidimensional, o qual se pode revestir numa acepo ora positiva, ora negativa, fruto da anlise e desempenho da funo interpretativo-argumentativa desempenhada pelo Poder Judicirio na aplicao das normas constitucionais. Palavras-Chave: Efetividade das Normas Constitucionais. Ativismo Judicial. Interpretao e Argumentao Judicial.

  • WANDERLEY NETO, Joo Bosco de Barros. Judicial activism - between the

    Effectiveness and Self-restraint. Masters dissertation. Program of Postgraduate

    Studies in Constitutional Law. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, SP,

    Brasil, 2016. 125p.

    ABSTRACT

    This work aims the study of judicial activism and its relation to the effectiveness of constitutional norms, starting with the theoretical appraisal of the characteristics surrounding the effectiveness of constitutional requirements, the overlapping aspects in the realization of duty of these state - judiciary - and the effect on the legal system, particularly on the relationship limits and legitimacy in situations of high political-discretionary hue. Noteworthy is also the vision given to judicial activism as multidimensional element, which can put a meaning sometimes positive, sometimes negative, the result of analysis and performance interpretation and argumentative role played by the judiciary in applying the rules constitutional. Keywords: Effectiveness of Constitutional Norms. Judicial activism. Judicial interpretation and argumentation.

  • SUMRIO

    INTRODUO .......................................................................................................... 11

    1 A EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ............................................... 14

    1.1 A APLICABILIDADE E A EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ......... 14

    1.1.1 Os Conceitos Eficcia e Efetividade e a Correlao com a Noo de

    Aplicabilidade ............................................................................................................ 19

    1.1.1.1 Ineficcia Normativa e Perda de Validade ..................................................... 23

    1.1.2 A Eficcia Das Normas Constitucionais Sentido Mxima Consecuo

    Prtica ....................................................................................................................... 26

    1.1.2.1 O Sentido da Plena Eficcia Constitucional .................................................. 29

    1.1.2.2 O Dever Estatal voltado Aplicabilidade das Normas Constitucionais ......... 34

    1.1.2.3 Eficcia Constitucional das Normas Constitucionais Sociais/Programticas

    Cautelas ao Subjetivismo Valorativo ......................................................................... 40

    2 APONTAMENTOS DOGMTICOS DO ATIVISMO ............................................... 44

    2.1 ELEMENTOS DO ATIVISMO JUDICIAL ............................................................. 44

    2.1.1 Abordagens Semnticas e Dogmticas do Ativismo Judicial ........................... 46

    2.1.1.1 A Discusso da Anlise Quantitativa-Qualitativa ........................................... 53

    2.1.1.2 Ativismo e Autoconteno Um Embate entre o Liberalismo e o

    Conservadorismo ...................................................................................................... 62

    2.1.1.3 Causas do Ativismo Judicial .......................................................................... 69

    2.1.2 Pretextos para uma Correta Apreciao do Ativismo Ativismo em Sentido

    Positivo-Justificvel ................................................................................................... 75

    2.1.2.1 A Democracia e a Atividade Jurisdicional ...................................................... 75

    2.1.2.2 A Discricionariedade Poltica e a Separao dos Poderes ............................ 81

    2.1.2.3 A Politizao da Justia ou a Judicializao da Poltica Dogmas, Virtudes,

    Preconceitos e Crticas ............................................................................................. 85

    3 A FUNO DE JULGAR PARA UMA DEFINIO ATIVISTA ADEQUADA ....... 90

    3.1 A FUNO DE JULGAR NOS SISTEMAS COMMON LAW E CIVIL LAW ......... 90

    3.2 O PROCESSO INTERPRETATIVO - A FUNO DA INTERPRETAO,

    DELIMITAES METODOLGICAS E O USO DA LINGUAGEM ........................... 93

    3.2.1 A Argumentao Racional do Intrprete......................................................... 104

    3.3 CAMINHOS PARA UMA DEFINIO ATIVISTA ADEQUADA ......................... 107

  • 3.3.1 Frmula para o Ativismo Adequado ............................................................... 109

    CONCLUSO ......................................................................................................... 115

    REFERNCIAS....................................................................................................... 119

  • 11

    INTRODUO

    Pela Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988 foi incumbido ao

    Tribunal Constitucional a plena defesa da ordem constitucional vigente,

    preservando-se assim sua supremacia normativa. Da equao entre desempenhar

    este mister da forma mais eficaz possvel aliado a no menos relevante manuteno

    da segurana jurdica e do prprio regime democrtico convivncia harmoniosa

    entre os poderes , est o ativismo como elemento fulcral dessa atividade

    jurisdicional, ainda visto por muitos como item de caracterstica exclusivamente

    negativa e ilegtima.

    Como bem apontado por Andr Ramos Tavares, sob o auspcio de se

    defender a Constituio como elemento fundamental da sistemtica estatal,

    necessrio ocorrer a aproximao entre a Constituio formal e a Constituio real1,

    fato que acabou por atribuir, principalmente Corte Suprema, o dever de

    concretizao eficaz das normas constitucionais2.

    Convencionou-se nesse sentido de integrao sistmica do ordenamento

    atribuir ao Tribunal Constitucional, em sua principal funo de defensor da

    Constituio e suas normas, uma funo estruturante visando adequao e a

    harmonizao formais do ordenamento jurdico, para um funcionamento prtico do

    ordenamento3.

    Nos dizeres de Claudio Pereira de Souza Neto, em nosso pas, essa

    perspectiva acabou resultando em um movimento poltico-terico que podemos

    denominar constitucionalismo brasileiro de efetividade4.

    1 TAVARES, Andr Ramos. Justia Constitucional: Superando as Teses do Legislador Negativo e do Ativismo de Carter Jurisdicional. Direitos Fundamentais & Justia, v. 7, p. 167, 2009.

    2 Com a Constituio de 88, forma-se o contexto ideal para o florescimento, no Brasil, de toda uma dogmtica jurdica cuja meta principal atribuir a maior efetividade possvel Constituio (SOUZA NETO, Claudio Pereira de. Teoria da Constituio, Democracia e Igualdade. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de (Coord). Teoria da Constituio. Estudos sobre o Lugar da Poltica no Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003, p. 17).

    3 TAVARES, 2009, p. 168.

    4 SOUZA NETO, 2003, p. 13.

  • 12

    Consoante se avance, a perspectiva do trabalho dar um melhor

    desenvolvimento questo, partindo-se da anlise que cerca a prpria efetividade

    das normas constitucionais aliada aos elementos que envolvem o ativismo

    jurisdicional, suas acepes, suas formas de compreenso, sua extenso no cenrio

    nacional e internacional, e as possibilidades de se conferir positividade e

    legitimidade s atividades jurisdicionais mais proativas, em virtude de ter o Poder

    Judicirio atingido patamares nunca antes visto no cenrio estatal.

    Metodolgica e sistematicamente, o ativismo judicial como pretende se

    revelar, pode ser visto legtima e ilegitimamente. Est o ativismo no contexto do

    presente trabalho, nessa pretenso de estabilidade estrutural entre o dever de os

    Tribunais conferirem maior efetividade s normas constitucionais e o dever de se

    manterem equidistantes das situaes puramente polticas.

    Dessa apresentao parcial, calha o ensinamento de Tavares, em que diante

    da cultura constitucional de um pas, a veracidade e realizabilidade das normas

    constitucionais, a conscincia democrtica e a limitao dos poderes, formam um

    liame lgico a ser considerado quando se intenta averiguar os espaos e limites da

    atuao jurisdicional5.

    E aqui, justifica-se a presente dissertao num contexto lgico, partindo-se da

    exposio dos motivos por se optar percorrer a efetividade das normas

    constitucionais, passando pelas causas do ativismo (a investigao da interferncia

    democrtica na atividade jurisdicional, o papel da jurisdicionalizao da poltica, etc.)

    e a interpretao como sentido e principal funo para se apurar a legitimidade ou

    no dessa atividade integradora/estruturante desenvolvida pelo Poder Judicirio6.

    Dessa relao vertical, a interpretao desempenhada pelos tribunais como

    ponto central do exerccio de sua funo tpica, possui elemento chave para a

    resoluo da problemtica havida da investigao das prticas ativistas legitimas ou

    ilegtimas.

    No menos importante, desde j apontar para a opo de verificao do

    ativismo judicial em sua acepo multidimensional, o que permite, pois, justificao e

    enquadramento lgico e coerente para a temtica abordada.

    5 TAVARES, 2009, p. 171.

    6 Como bem destacado por Andr Ramos Tavares (2009, p. 171), a funo interpretativa exerce uma funo instrumental da funo estruturante desenvolvida pela Jurisdio Constitucional.

  • 13

    Ainda que muitos sejam os trabalhos acerca do tema ativismo judicial,

    questionamentos de ordem conceitual e estrutural sobre o ativismo ainda vagam por

    nosso ordenamento. A despeito da pretenso desta pesquisa, muito ainda tem de

    ser feito para que a problemtica seja estancada ou reduzida em suas arestas, de

    modo que aqui se pretender enfrentar o ativismo buscando uma resposta para a

    seguinte pergunta: pode o ativismo judicial ser considerado algo legtimo?

    Em sendo positiva a resposta, outros desdobramentos surgem, acerca dos

    limites desse ativismo tambm includos nessa pesquisa , alm da prpria

    realizabilidade prtica desse pretenso ativismo judicial legtimo, o qual para todos os

    efeitos deve-se cercar de algumas cautelas a fim de que se possibilite respeitar os

    dogmas fundantes da ordem constitucional e prpria manuteno do Estado

    Democrtico de Direito.

    Para maior compreenso e detalhamento expositivo do presente trabalho,

    individua-se o contedo de cada captulo e o respectivo encadeamento lgico.

    No primeiro captulo, dar-se- enfoque eficcia das normas constitucionais,

    expondo-se as principais teorias que tratam da eficcia e aplicabilidade dessas

    normas, os conceitos envolvendo eficcia e efetividade e o dever de concretizao

    estatal dessas respectivas normas. Cuida-se em ditar um sentido que d maior

    consecuo prtica possvel a esse dever estatal de concretizao como

    realizao da funo jurisdicional , primando-se pela manuteno da ordem e

    unidade do sistema constitucional.

    Em continuidade, no segundo captulo sero exibidos os elementos

    dogmticos do ativismo judicial, de modo a se viabilizar uma melhor compreenso

    quando do enfrentamento da relao dever estatal de concretizao das normas

    constitucionais pelo prprio Poder Judicirio, em contraposio no menos

    significativa, cautela deste mesmo rgo em permanecer, em certa medida,

    distante de questes afeitas aos poderes poltico-discricionrios por excelncia.

    Por fim, no terceiro captulo, buscar-se- evidenciar os elementos que cercam

    a funo interpretativo-aplicativa de julgar do Poder Judicirio, de maneira a

    compatibilizar o sentido de ativismo judicial multidimensional com o dever de

    concretizao das normas constitucionais, seguindo uma dogmtica voltada inteira

    e irrestrita aplicao da Constituio.

  • 14

    1 A EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

    1.1 A APLICABILIDADE E A EFICCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

    Por aplicabilidade das normas constitucionais, tm-se como o sentido de se

    tornar possvel a realizao prtica do contedo/comando disposto na norma

    constitucional.

    Inobstante s classificaes acerca da mensurao do nvel de capacidade

    extensiva de produo de efeitos das normas constitucionais, reputa-se como

    fundamental assentar como premissa lgica principal, a razo de que no h norma

    constitucional destituda de eficcia7.

    luz dessa mxima, desdobram-se os enfrentamentos tcnico-doutrinrios

    tendentes a indicar qual a funo prtica de aplicao, desempenhada por cada uma

    das normas constitucionais.

    Para tanto, utilizando-se do sentido clssico atribudo s ditas normas

    constitucionais, fundamentalmente, apresentam estas, trs principais caractersticas

    no que tangem ao invlucro do sentido de aplicao de seus contedos (aqui

    compreendidas a aplicabilidade e a eficcia jurdica), independentemente das

    propostas como distribui e reorganiza a doutrina, em outras espcies ou mtodos de

    classificaes.

    Numa primeira acepo, esto as normas constitucionais aptas a produzir

    efeitos jurdicos, positivos e negativos, imediatamente ao seu surgimento, sendo

    passveis de sbita aplicao. Desta capacidade de produo de efeitos, parte

    dessas normas sempre mantm essa qualidade, no podendo sofrer a incidncia

    restritiva de normas infraconstitucionais ulteriores estas seriam aquelas normas de

    eficcia/aplicabilidade imediata. De outra parte, embora insculpidas com citadas

    caractersticas de imediatidade, podem ter seu campo de incidncia circunscrito pela

    edio de norma infraconstitucional posterior ento consideradas como normas de

    aplicabilidade restringvel (contida).

    7 SILVA, Jos Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 8. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 81.

  • 15

    Por conseguinte, outras normas constitucionais se revelam passveis de

    aplicao positiva, apenas quando da produo infraconstitucional subsequente,

    embora dotadas de eficcia, classicamente, negativa.

    Como se ir observar, muitas das variaes presentes na doutrina nacional

    so de ordem meramente rotular, tendo em vista que as principais doutrinas se

    ocuparam de impingir individualizadas e distintas nomenclaturas, muito prximas e

    algumas idnticas ao sentido preconizado pela clssica teoria.

    O principal mote crtico assevera questes de fundo terminolgico/lingustico,

    de modo que o sentido de eficcia e aplicabilidade das normas constitucionais

    continua a espelhar a relao ora posta, quanto ao momento e capacidade para

    produo de efeitos.

    Em rpidas pinceladas, para fins de melhor compreenso dogmtica, expor-

    se-o algumas das vises doutrinrias acerca do tema.

    Para Jos Afonso da Silva, atendo-se ao grau dos efeitos jurdicos, podem as

    normas constitucionais, consideradas sob uma trplice caracterstica, possuir: a)

    eficcia plena, que seriam aquelas de imediata aplicabilidade (que produzem ou

    apresentam a imediata possibilidade de produzir efeitos); b) normas constitucionais

    de eficcia contida, as quais embora imediatamente eficazes so passveis de sofrer

    conteno em certos limites; c) normas de eficcia limitada, as quais no produzem

    todos os efeitos essenciais, face inexistncia de normatividade bastante, mas que

    dotadas de efeitos declaratrios tanto acerca de princpios institutivos ou

    organizativos, quanto de princpios programticos dirigem-se a valores-meios e

    condicionantes da atuao estatal, que no poder agir em desateno aos ditos

    preceitos, ainda que desprovidos de eficcia positivo-essenciais.8

    8 SILVA, J., 2012, p. 81-5.

  • 16

    Um pouco distinto das classificaes trazidas pela doutrina constitucional

    tradicional9, Celso Antnio Bandeira de Mello externa uma classificao das normas

    constitucionais segundo a fruio dos direitos para os administrados, sob um

    enfoque principal dos direitos sociais. Nessa vereda, evidencia mais precisamente

    uma dplice classificao: parte das normas constitucionais podem conferir

    poderes-jurdicos, tambm designados como poderes-direitos; e outra parte,

    conferem direitos em sentido estrito voltados uma prestao positiva.

    Ambas as situaes outorgam ora uma utilidade positiva/concreta, ora uma

    possibilidade de exigir referida utilidade, caso obstadas em sua plena fruio. Numa

    segunda categoria, estariam outras normas constitucionais que expressam

    finalidades a serem cumpridas, sem apontar os instrumentos para acessar os fins

    previstos.10

    Seguindo as mesmas diretrizes, mas imprimindo um catlogo voltado a um

    sentido mais didtico/estrutural, Lus Roberto Barroso verifica que as normas

    constitucionais esto definidas em:

    a) normas determinadoras da estrutura do Estado, instituidoras dos poderes e definidoras de suas competncias; b) normas fixadoras de direitos; c) normas delineadoras de um fim a ser alcanado ou de um princpio a ser observado, sem especificar condutas a serem seguidas.11

    Observa-se que, mesmo expondo diversas sugestes doutrinrias de

    classificao, no se altera a forma (ou o sentido de fundo) como as normas

    constitucionais propugnam os efeitos jurdicos no cotidiano da ordem social vigente.

    9 Aqui consideradas as classificaes reveladas por Manoel Gonalves Ferreira Filho, Maria Helena Diniz, Pinto Ferreira e Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Brito, todas prementes dos mesmos sentidos basilares j abordados por Jos Afonso da Silva, devendo-se, contudo, fazer uma referncia s duas ltimas, para as quais se percebe uma mescla dos critrios, de modo que inter-relacionam grau de efeitos com possibilidade de reforma das normas constitucionais.

    10 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antnio. Eficcia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais. 1. ed., 4 Tiragem. So Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 23-4.

    11 BARROSO, Lus Roberto. A Efetividade das Normas Constitucionais Revisitada. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, v. 48, p. 68-75, 1995.

  • 17

    Critrios de classificao se conectam (como nos casos em que se conjugam

    o grau da eficcia jurdica com a possibilidade de reforma, ou o grau de eficcia com

    o sentido estrutural consoante defendido por Barroso), nomenclaturas diversas so

    adotadas (levando-se em considerao as acepes crticas teoria clssica), mas

    o sentido geral de eficcia e aplicabilidade das normas constitucionais permanece

    acoplado s mesmas diretrizes paradigmticas tendentes ao grau de aplicao e

    extenso do contedo, ora subsuntivo, ora ponderador, que cada norma

    desempenha ao se dirigir s situaes concretas que reclamam ao/omisso.

    Por sua vez, salutar ressaltar a orientao de que toda norma constitucional

    no se apresenta despida de eficcia, acepo que refora o sentido de existncia

    das normas constitucionais ditas de eficcia limitada, ou programticas, ou ainda,

    que expressam uma finalidade a ser perseguida em momento ainda no definido e o

    papel que podem desempenhar no ordenamento jurdico/constitucional/social.

    Para essa espcie normativa, precisa a anlise de Celso Antnio Bandeira

    de Mello, para o qual:

    Sem embargo, tais regras no so irrelevantes. Assim, desde logo, permitem deduzir imediatamente que proibida a edio de normas ou a prtica de comportamentos antagnicos ao disposto no preceptivo, pois seriam inconstitucionais. Permitem ainda concluir que, por fora de seus enunciados, a Administrao, ao agir, ter de comportar-se em sintonia com as diretrizes destes preceitos e o Judicirio, ao decidir sobre qualquer relao jurdica, haver de ter presentes estes vetores constitucionais como fator de inteligncia e interpretao da relao jurdica sub judice.12

    12 BANDEIRA DE MELLO, 2015, p. 25

  • 18

    Compartilhando da mesma orientao no que toca s normas de cunho

    meramente principiolgico/programtico, Lus Roberto Barroso evidencia que

    faltando o Poder Pblico a um comportamento comissivo, nada lhe ser exigvel,

    seno que se abstenha de atos que impliquem na desproteo da finalidade

    consagrada13. Contudo, fecha a concluso ao dizer que, no obstante a

    impossibilidade de se exigir do Estado uma prestao comissiva de concretizao

    do comando normativo de citadas normas, fazem nascer um direito subjetivo

    negativo de exigir do Poder Pblico que se abstenha de praticar atos que

    contravenham os seus ditames14.

    Ao propsito de tudo o que fora dito sobre a forma clssica como as normas

    constitucionais apresentam sua eficcia jurdica em proximidade ao sentido de

    como so aplicadas , construtivo trazer uma das vertentes mais criticamente

    incisivas s tradicionais classificaes vertidas para as normas constitucionais, ou

    mais precisamente sua capacidade jurdica de produzir efeitos.

    Nessa ocasio crtica, a celeuma mais efusiva prope uma dissociao entre

    os conceitos de aplicabilidade e eficcia, que embora conexas, no guardariam um

    sentido de pressuposio o que para a teoria clssica contextualizaria o sentido de

    aplicabilidade no de eficcia, a partir da relao de que s se mostra eficaz uma

    norma, quando apta para produo de efeitos (essa aptido envolveria os variados

    critrios de aplicabilidade).

    Parte o argumento levantado, do sentido de que para se aplicar uma dada

    norma, necessrio se faz um complemento indicativo que d razo e direcionamento

    para a concretizao de mencionada aplicao, o que diferiria da eficcia, que

    independeria desse substrato adicional para estabelecer-se. Virglio Afonso da Silva

    sustenta que em outras palavras, aplicabilidade um conceito que envolve uma

    dimenso ftica que no est presente no conceito de eficcia. Como se percebe, a

    questo da aplicabilidade pressuporia, portanto, a amplitude do suporte ftico das

    normas.15

    13 BARROSO, 1995, p. 77.

    14 Id.

    15 SILVA, Virglio Afonso da. Direitos Fundamentais. Contedo essencial, restries e eficcia. 2. ed. 3 Tiragem. So Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 211.

  • 19

    Essa divergncia de enfoque importaria na quase equivalncia das normas

    constitucionais em termos de eficcia e possibilidade de restrio, j que a forma

    como se operaria uma restrio de cunho normativo circundaria, como dito, institutos

    como o dos limites imanentes e do suporte ftico das normas constitucionais.

    Para a finalidade proposta, fundamental destacar que ambas as posies, ao

    levarem em considerao todas essas noes sobre a eficcia e aplicabilidade das

    normas constitucionais, acabariam por conferir uma maior ou menor incidncia da

    hermenutica constitucional nesse processo concretizador, algo fundamental para a

    determinao dos elementos dogmticos investigatrios do ativismo judicial.

    A opo pela adoo dos limites imanentes ampliaria o espectro interpretativo

    do julgador em considerar quais pontos podem ou no figurar como determinantes

    dos fatores capazes de condicionar ou ampliar o suporte de dada norma

    constitucional em exame.

    1.1.1 Os Conceitos Eficcia e Efetividade e a Correlao com a Noo de

    Aplicabilidade

    Deveras relacionado com parte dos pressupostos causadores do ativismo

    judicial proativo, voltam-se os esforos para destacar a relao entre os critrios da

    mxima eficcia, para fins de equacionar os efeitos das crticas no entorno da

    panaceia da mxima efetividade mantendo-se uma correlao com os princpios

    da fora normativa da constituio16 e da supremacia da constituio.

    Neste passo, por ora fundamental para uma coerncia metodolgica do

    presente trabalho, a assero distintiva porventura existente entre os termos eficcia

    e efetividade ponto que deve conferir ateno, a fim de se evitar confuses de

    ordem dogmtica , e eventuais escolhas destinadas a propsitos de facilitao no

    tratamento ao tema.

    16 Como exposto por Virglio Afonso da Silva, a ideia de mxima efetividade j est contida tanto na ideia de concordncia prtica quanto e principalmente na ideia de fora normativa da constituio (SILVA, Virglio Afonso da. Interpretao constitucional e sincretismo metodolgico. In: SILVA, Virglio Afonso da (Org). Interpretao constitucional. 1. ed. 3. tiragem. So Paulo: Malheiros, 2010, p. 131).

  • 20

    Para Trcio Sampaio Ferraz Jr., a capacidade de uma norma vlida e vigente

    produzir efeitos denota sua condio de eficcia. Nesse prospecto, torna-se possvel

    verificar a capacidade da norma produzir efeitos, a partir de elementos fticos e/ou

    tcnico-normativos.17

    Em continuao, expressa o mesmo doutrinador que efetividade ou eficcia

    social uma forma de eficcia.18

    Promovida essa identificao semntica, estabelecem-se as bases lgicas de

    citados conceitos que se aproximam de um sentido prtico de realizao, voltado

    preciso da anlise dos elementos de ordem ftica capazes de realizar ou no o

    contedo da norma.

    Como se pode verificar, Ferraz Jr. detalha que:

    No se reduzindo obedincia, a efetividade ou eficcia social tem antes o sentido de sucesso normativo, o qual pode ou no exigir obedincia. Se o sucesso normativo exige obedincia, devemos distinguir, presentes os requisitos fticos, entre a observncia espontnea e a observncia por imposio de terceiros (por exemplo, sua efetiva aplicao pelos tribunais).19

    Em outras palavras, propaga-se certa comparao entre o sentido

    prtico/social de eficcia com a regra de reconhecimento, presente em clssica

    obra hartiana. Para esta teoria, a razo do reconhecimento da obrigatoriedade de

    uma norma est fundada na medida extensiva em que uma sociedade aceite e

    reconhea, imperativa e habitualmente, s ordens.20

    Prximo desse sentido, tambm est a conceituao professada por Jos

    Afonso da Silva, para o qual uma norma reputa-se eficaz na medida em que se torna

    capaz de atingir objetivos previamente fixados como metas pelo legislador. E

    continua expondo que, o alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade.21

    17 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito: Tcnica, Deciso, Dominao. 4. ed. So Paulo: Atlas, 2003, p. 193.

    18 Id.

    19 Ibid.: p. 194.

    20 HART, Herbert. O Conceito de Direito. Trad. De A. Ribeiro Mendes. 3. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbekian, 1994, p. 111-121.

    21 SILVA, J., 2012, p. 66.

  • 21

    Quer-se dizer, portanto, que para todos os efeitos lgicos, uma norma eficaz

    e efetiva se uma sociedade aceita e acolhe os efeitos cogentes previstos pela

    norma; raciocnio que do contrrio, no guarda sentido, pois como se ver no tpico

    seguinte, pode uma norma ser ineficaz, mas continuar vlida e vigente em dado

    ordenamento jurdico.

    Por outro enfoque, Ingo Wolfgang Sarlet encara o tema expondo que tanto

    eficcia num sentido ftico (social) quanto efetividade seguindo o posicionamento

    da maior parte da doutrina encontram-se situados sob a mesma gide dogmtica.

    Em consequncia, parte-se para uma anlise prospectiva relacionando a

    eficcia (prtica) e a noo de aplicabilidade. Diz Ingo Sarlet que,

    [...] luz destas consideraes, h como sustentar a ntima vinculao entre as normas de eficcia jurdica e social (efetividade), a primeira constituindo pressuposto da segunda, sem que, por outro lado, se possam desconsiderar as evidentes distines entre uma e outra.22

    Entrementes, fica possvel visualizar, consignando todas as aspiraes

    doutrinrias levantadas, que num sentido mais especifico, pode-se evidenciar que ao

    conceito de eficcia jurdica aproxima-se o sentido de aplicabilidade, eis que se trata

    da capacidade/aptido para a produo de efeitos jurdicos. De outro norte,

    eficcia social, ou efetividade, manifesta-se a acepo tendente realizao prtica

    de uma norma eficazmente jurdica e, portanto, passvel de aplicao concretamente

    visualizvel.

    Nesse sentido, ganha a norma legitimamente inscrita na ordem fundamental,

    pois aceita pela coletividade, aptido para a prtica de efeitos em seu quesito de

    plena aplicabilidade. Na medida em que a Constituio, dotada de plena

    legitimidade, deixa de ter aplicao injustificada, faz-se imperante a prtica da

    manuteno de sua plena eficcia/efetividade.

    22 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficcia dos Direitos Fundamentais: Uma Teoria Geral dos Direitos Fundamentais na Perspectiva Constitucional. 11. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 239.

  • 22

    Lus Roberto Barroso, de forma coerente, expressa referida ideia ao dizer

    que, simplesmente a Constituio no deve acenar, sob a feio de um direito, com

    algo que no seriamente realizvel, sob pena de desacreditar-se.23

    Tal reflexo nos remete a professar uma opo temtica, ora envolvendo

    elementos da eficcia jurdica (aplicabilidade), ora adentrando no sentido das

    consequncias e efeitos concretos do diagnstico da efetividade das normas

    constitucionais consoante um vis de ordem mais prtica.

    De igual forma, conclui Jos Afonso da Silva expondo que ambos os sentidos

    de eficcia, social e jurdica, embora diversos pois pode uma norma ter eficcia

    jurdica sem ser socialmente eficaz , so conexos e pertencentes a uma rbita de

    anlise voltada funo de aplicar as normas constitucionais.24

    Diante desse corte metodolgico, embora trazendo elementos que

    possibilitem integrar ambos os conceitos, oportuno se torna aclarar ao mximo a

    percepo de que, de qualquer modo, a aptido da norma para gerar efeitos e ser

    aplicada, segue sendo distinta do ato concreto de aplicao, no sentido da

    realizao efetiva do programa normativo25.

    Embora dessa diviso entre o sentido prtico do jurdico haja uma coerncia

    sob o ponto de vista estritamente tcnico, a realidade revela uma aproximao

    indissocivel entre os campos mencionados, havendo por bem coadunar situaes

    em que as querelas prticas que pedem maior efetividade sejam resolvidas e

    estejam em sintonia com os ditames normativos jurdicos eficcia jurdica.

    A aplicao das normas constitucionais na maior medida possvel o fim

    comum pretendido pelo Constituinte, que a pretexto de regular a vida e estrutura

    social de um Estado de Direito, visa principalmente o estabelecimento de uma

    ordem constitucional voltada sua inteira aplicao concreta.

    No se permite, pois, a criao de uma estrutura normativa complexa e

    vocacionada manuteno da ordem social, distante de um sentido de plena e

    concreta aplicao dos fins l postos o porqu da eterna busca plena efetivao

    das normas constitucionais, dando-lhe maior aplicabilidade possvel.

    23 BARROSO, 1995, p. 86.

    24 SILVA, J., 2012, p. 66.

    25 SARLET, 2012, p. 240.

  • 23

    Todavia, mesmo diante dessa mxima efetividade pretendida,26 imperante

    asseverar a necessidade de conciliao entre os princpios aqui postos dos

    princpios da equidade e justia, os quais muitas das vezes apontam desvios

    justificados nesse percurso de uma mxima efetivao.

    1.1.1.1 Ineficcia Normativa e Perda de Validade

    Dentro do contexto da efetividade, assevera relevante para o presente estudo,

    analisar a possibilidade de uma norma ineficaz poder ou no, acarretar a sua

    invalidao normativa.

    Em Kelsen, extrai-se a ideia central de que uma norma tida por ineficaz, ou

    por permanecer duradouramente ineficaz, deixar de ser considerada uma norma

    vlida.27

    Representativa da escola do realismo jurdico, citada posio toma por

    considerao do que seria direito, alm do quesito validade, a funo efetivamente

    desempenhada pelo direito. Portanto, para essa corrente, seria direito o conjunto de

    regras que so efetivamente seguidas numa determinada sociedade.28

    Em linhas gerais, o raciocnio exposto acima relaciona e conecta para todos

    os efeitos, o sentido de existncia de uma norma validamente pertencente a um

    ordenamento jurdico e a sua ineficcia, em razo, principalmente, do no

    acolhimento/obedincia por parte daqueles aos quais estariam sujeitos os comandos

    imperativos de citada norma questionada.

    26 Esta mxima encontra na doutrina de Lus Roberto Barroso, importante descrio: Tal movimento procurou no apenas elaborar as categorias dogmticas da normatividade constitucional, como tambm superar algumas crnicas disfunes da formao nacional, que se materializavam na insinceridade normativa, no uso da Constituio como uma mistificao ideolgica e na falta de determinao poltica em dar-lhe cumprimento. A essncia da doutrina da efetividade tornar as normas constitucionais aplicveis direta e imediatamente, na extenso mxima de sua densidade normativa (BARROSO, Lus Roberto. Da Falta de Efetividade Judicializao Excessiva: Direito Sade, Fornecimento Gratuito de Medicamentos e Parmetros para a Atuao Judicial. Revista Jurdica Unijus. Uberaba, V. II, n. 15, novembro 2008, p. 15).

    27 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. Joo Baptista Machado. So Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 8.

    28 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurdico. Lies de Filosofia do Direito. Trad. Mrcio Pugliesi. So Paulo: cone, 1995, p. 142.

  • 24

    Ao propsito de encontrar resistncia dogmtica, como ressaltado por Ferraz

    Jr., cogente proceder com algumas observaes de cunho conteudstico, de modo

    que fique claro para a linha lgica que aqui se defende.

    O mesmo Ferraz Jr. questiona se o estabelecimento correto de uma norma

    por uma autoridade competente o que denotaria plena validade , poderia mesmo

    assim, ser considerada no vlida. Em consequncia, afirma que a ineficcia de

    uma norma, a ausncia de um mnimo de efetividade, no afeta sua validade, pois a

    norma editada entrou para o ordenamento, ainda que nunca tivesse produzido

    efeitos.29

    Hart, parte de anlise semelhante, para expor que:

    Se por eficcia se quer dizer que o fato de que uma regra de direito exigindo um certo comportamento mais frequentemente obedecida do que desobedecida, evidente que no h relao necessria entre a validade de uma regra concreta e a sua eficcia.30

    Embora de contedo extrinsecamente voltado percepo do controle

    paradigmtico de validade do sistema jurdico, indissocivel a concluso de que a

    efetividade ou eficcia social perseguem o mesmo sentido de reconhecimento e

    acolhimento das ordens nsitas do comando cogente de uma norma, embora para

    uma razo de ineficcia no se possa concluir se tratar de uma norma invlida.

    Outrossim, Hart desenvolve o argumento acima, apenas indicando que

    validade e eficcia se relacionam numa estreita medida, ao apontar que um sistema

    geralmente eficaz quando precedido de um aceite interno por parte de quem

    reconhece a obrigatoriedade e validade do ordenamento.31

    Nesse ponto, serve de paradigma de controle acerca do sentido prtico da

    eficcia das normas constitucionais, o que Trcio Sampaio Ferraz Jr. designa como

    a seguinte equao: uma norma , ento, socialmente ineficaz de modo pleno se

    no for observada nem de um modo nem do outro. Isto , nem observada pelo

    destinatrio, nem os tribunais se importam com isso.32

    29 FERRAZ JR., 2003, p. 193.

    30 HART, H., 1994, p. 115.

    31 Ibid.: p. 116.

    32 FERRAZ JR., 2003, p. 194.

  • 25

    Em linhas gerais, o que se pretende expor, justamente o fato de que uma

    norma vlida incorporada legitimamente ao sistema est apta sua realizao, o

    que para todos os efeitos legais e empricos, s se far possvel verificao da

    eficcia de uma norma, se detidamente vlida for.

    Em consequncia, e para a anlise de ser essa mesma norma eficaz ou no,

    parte-se apenas da premissa de sua aptido (e realizao) para produo de efeitos.

    De igual forma, esclarece Eros Grau que se para a validade de uma norma

    dependesse sua efetividade, inexistiria razo e sentido de existir da prpria norma

    superior conferidora de validade para o sistema como um todo.33

    Desta maneira, no produzindo essa norma efeitos e sendo, portanto,

    ineficaz, a mesma continuaria vlida, no importando que em dado momento

    pudesse voltar a praticar efeitos em sua plenitude, ao regresso de se apresentar

    eficaz.

    Ressalta-se, portanto, que embora no perca a norma constitucional a

    validade jurdica, o que a torna continuamente apta prtica de efeitos, a inteno

    prpria de sua existncia a aplicao prtica da sua ordem, mormente quando se

    considera como um dos pilares do sistema constitucional a unidade da Constituio

    um todo a ser considerado.

    Como salientado acima, embora se reprove a no realizao da norma

    constitucional em todos os seus sentidos, parte-se, para todos os efeitos, para o

    enfrentamento de uma no realizao injustificada de uma norma vlida e

    plenamente eficaz (apta a ensejar efeitos sociais; ou pretensa a uma imediata

    efetividade, em vista de que til e necessria aos diretamente afetados), como

    medida vital para a plena efetivao das normas constitucionais e, portanto, da

    prpria Constituio.

    33 GRAU, Eros. Direito Posto e o Direito Pressuposto. 7. ed. So Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 34.

  • 26

    1.1.2 A Eficcia Das Normas Constitucionais Sentido Mxima Consecuo

    Prtica

    Carregando certa natureza dentica, exsurgem as normas constitucionais

    ditas pertencentes a um contedo programtico, que embora sob a crtica de autores

    que no as entendem como de natureza efetivamente material, so normas de

    inquestionvel jaez constitucional, ainda que inicialmente formais.

    Pretende-se, pois, nessa tarefa de elucubrar as querelas que tocam a

    efetividade das normas constitucionais, voltadas para um sentido da mxima eficcia

    aplicvel, abordar tambm as tratativas e sentidos da eficcia jurdica,

    principalmente quando envoltas em normas que no trazem consigo, diretrizes

    capazes de conferir uma imediata e inquestionvel aplicao em seu sentido

    positivo jurisdicional. Estamos a considerar as normas constitucionais programticas.

    Nesse ponto, mesmo diante dessas caractersticas, em dadas hipteses, no

    ser lcito recusar juridicidade constitucional s normas que embora no

    substancialmente detentoras desse carter de contedo eminentemente material,

    por apresentarem-se dentro do contexto de uma constituio rgida, acabariam por

    absorver essa essncia positivo-material (uma das principais consequncias da

    rigidez justamente a de transformar em constitucionais todas as disposies que

    integram a Constituio)34.

    No se afiguraria lcito permitir ao Judicirio no enfrentar matrias presentes

    na Constituio, uma vez que foram concebidas com vistas a um pretenso e

    minimamente eficaz desenvolvimento e consecuo dos valores consagrados pela

    ordem constituinte. Se presente a plena e regular natureza constitucional, notvel

    que aquele que busca sua concretizao (desde que diante de casos de utilidade e

    necessidade), demanda por realizar um fim constitucional til.

    34 SILVA, J., 2012, p. 46.

  • 27

    Nesse sentido, Andr Ramos Tavares desenvolve doutrina apontando que:

    Nenhum sistema jurdico pode sobreviver sem que haja, por algum rgo, a manuteno de sua estrutura. E essa atividade mantenedora tem sempre de efetivar-se, no consistindo em mera contemplao abstrata de excepcional utilizao35.

    Em eptome, mesmo normas constitucionais tipicamente programticas

    podem desaguar em situaes jurdicas que expe, consectariamente, um condo

    fundamental: sua eventual violao, ou no consagrao sob um ponto de vista de

    omisso estatal, pode resultar ou desencadear uma plena ineficcia de um dado

    direito fundamental premente de aplicabilidade imediata.36

    A razo equilibrada que deve marcar a eficcia/aplicabilidade de todas as

    normas constitucionais, em consonncia com os sentidos de equidade e justia,

    pressupe uma coerncia e razoabilidade tendente a acautelar consideraes

    baseadas em absolutizaes e eternas e irrestritas situaes de vinculao.

    Intenciona-se nesse norte, evitar a ocorrncia daquilo que pode vir a se tornar

    uma panaceia infundada de direitos frente a qualquer outro elemento jurdico/estatal.

    No obstante esse referencial de equalizao e cautela presentes na

    razoabilidade das medidas de concretizao constitucional, fato que ditas

    caractersticas no se mostram em dissonncia direo da mxima

    eficcia/efetivao pretendida. Quando muitos autores elencam a maior realizao

    possvel ou na maior medida possvel , fazem-nos buscando sempre a maior e

    melhor utilizao dos elementos postos disposio dos atores estatais, os quais

    nessa tarefa de integrao/concretizao devem sempre engendrar os maiores e

    mais eficazes esforos na realizao dessas funes.

    35 TAVARES, 2009, p. 170.

    36 Claudio Pereira de Souza Neto (2003, p. 1-3), ao expor os modelos de teoria constitucional de um lado, a teoria da constituio dirigente, em que as normas programticas figuram como objetivo da democracia; e de outro lado a teoria da constituio democrtico-deliberativa, modelo em que os direitos programticos so tidos como requisitos e condies para a prpria democracia , destaca que o ativismo judicial enquadrado no modelo democrtico-deliberativo, em que se pretende a mxima efetivao at dos direitos sociais, no representaria uma usurpao da soberania popular, mas sim um incremento das condies para sua efetiva manifestao.

  • 28

    Contudo, importante no se perder de vista que, por ser a complexidade do

    sistema jurdico e de seus acoplamentos estruturais com os demais sistemas sociais

    to grande e indefinida, no se permite considerar qualquer previso dos efeitos da

    tomada de posies.37

    A partir desses esclarecimentos, do sentido de uma proposio constitucional

    vigente, cabe ao Estado a execuo dos programas de desenvolvimento

    normativo/social, em vista de atribuir Constituio a posio de norma estruturante

    para o desenvolvimento social e econmico de uma nao.

    A despeito disso, a razo de carregar a Constituio uma cogncia normativa,

    significa a pretenso imposio desse sentido diretivo com fora jurdica e

    segurana suficiente para, ao menos inicialmente, fomentar na maior medida

    possvel sua realizao.

    Fosse diferente, no haveria necessidade de percepo constitucional, pois

    resumidamente foram as normas jurdicas, inclusive as constitucionais, criadas para

    reger relaes sociais, condutas humanas.38

    Diante dessa exposio, faz-se imprescindvel citar a doutrina de Jos Afonso

    da Silva:

    Se uma constituio um documento jurdico, um sistema normativo, e fundamentalmente jurdico, no forma sentido admitir que nesse conjunto normativo existam disposies no-jurdicas, meramente diretivas e indicativas, como se sustenta para as normas programticas.39

    Exposto esse sentido terico de plena existncia e aplicabilidade das normas

    constitucionais, intenciona-se no presente trabalho a coordenao desses elementos

    com a funo desempenhada pelos Tribunais (aqui tambm desenvolvido um

    sentido acerca da relao dessas funes e o ativismo eventualmente incidente em

    dadas atividades), de modo que se pretenda vislumbrar maneiras de tornar a

    aplicao constitucional mais eficiente (maior eficcia das normas constitucionais),

    tambm em conformidade aos critrios de equidade e justia.

    37 CAMPILONGO, Celso Fernandes. Poltica, Sistema Jurdico e Deciso Judicial. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 109.

    38 SILVA, J., 2012, p. 51.

    39 Ibid.: p. 49.

  • 29

    No se pretende por ora, discutir acerca do modo ou origem, ou mesmo

    fundamento de citadas normas constitucionais, mas sim a necessidade de

    concretizao de suas disposies normativas.

    1.1.2.1 O Sentido da Plena Eficcia Constitucional

    Como visto acima, pretendeu-se inicialmente expor uma das problemticas da

    discusso, discorrendo acerca do papel desempenhado por algumas espcies de

    normas constitucionais as ditas programtico-sociais , as quais em que pese sua

    posio de restrita efetividade dentro do cenrio constitucional, passam a ganhar

    contornos de uma maior realizao prtica de seus contedos, em vista de uma

    premente exigncia/demanda social.

    Torna-se, portanto, imperante ressaltar que as normas constitucionais se

    postas legitimamente, devem realizar sua funo na mxima medida permitida.

    Nesse diapaso, est o sentido de eficcia da norma constitucional. Para

    Jos Afonso da Silva, eficcia a capacidade de atingir objetivos previamente

    fixados como metas, (...), que vm a ser, em ltima anlise, realizar os ditames

    jurdicos objetivados pelo legislador.40

    Ora, nesse pormenor, situaes postas pelo Legislador Constituinte e que se

    encontram traduzidas em necessidades prticas experimentadas pelos cidados,

    devem conclamar sua mxima realizao possvel.

    Todavia, como exposto alhures, no se pretende a transferncia estatal da

    plena realizao de toda e qualquer necessidade social, tornando o papel do Estado

    como o grande segurador/garantidor e, portanto, regedor pleno da vida de cada

    uma das pessoas.

    Pretende-se pois, que distores constitucionais no realizveis na prtica,

    em virtude de desvirtuamentos funcionais por outros Poderes que deixam de

    desempenh-las como determinado pela Carta Constitucional , afetem direitos

    traduzidos em necessidades vitais, lesados por citadas inaes.

    40 SILVA, J., 2012, p. 66.

  • 30

    Dessa forma, imprescindvel, portanto, reconhecer que para tais direitos

    existe um indelvel dever de concretiz-los, especialmente por guardar plena

    relao com a realizao de outros direitos tidos como primordialmente

    fundamentais e dispostos no rol especfico dos direitos e garantias fundamentais, os

    quais tambm podem deixar de ter reconhecida sua mediata aplicabilidade, ainda

    que de forma indireta.

    Assim, parcela da doutrina reconhece, por menor que seja sua densidade

    normativa ao nvel de Constituio, os direitos programticos como aptos a gerar um

    mnimo de efeitos jurdicos, j que reconhecidamente so vistos como inequvocos e

    autnticos direitos fundamentais e, antes de tudo, constitucionais.41

    Dentro dessa variante, expe-se qual a relao desempenhada pelo

    Judicirio nesse papel concretizador, denotando caractersticas funcionais da

    jurisdio constitucional e a existncia ou no de ativismo, seus aspectos, pontos

    positivos e negativos, a correlao da necessidade especial dessas medidas, entre

    outros.

    Ser que ao Judicirio, sob os auspcios de se garantir plena eficcia

    Constituio, caberia traduzir essa validez normativa produzindo efeitos imperantes

    na realidade social?

    A existncia de demandas sociais nesse sentido e a necessidade de uma

    fundamentao plenamente coerente e justificada, legitimaria o tribunal adentrar

    numa seara voltada obrigatoriamente (por obedincia constitucional) concretizao

    eficaz das normas constitucionais.

    Citada transmisso pode restar alicerada na seguinte formulao: se x

    uma ao estatal que fomenta a realizao de um direito social e a inrcia estatal

    em relao a x no fundamentada constitucionalmente, ento, a consequncia

    jurdica deve ser o dever de realizar x.42

    Inicialmente, antes dessa anlise fundamental assentar a premissa da

    extenso/capacidade da Constituio em produzir efeitos determinantes e

    reguladores da vida histrica, calcada na extenso de sua fora normativa, ou

    aptido de se coadunar s vontades de poder real.43

    41 SARLET, 2012, p. 281.

    42 SILVA, V., 2014, p. 78.

    43 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da Repblica Federal da Alemanha. Trad.

  • 31

    Desse modo, para se obter a pretendida concretizao da Constituio em

    todos os seus termos e, portanto, dar eficcia s normas constitucionais em sua

    mxima acepo permitida, haver de ocorrer a aproximao entre Constituio e

    realidade. Nesse aspecto, Hesse expe que sob o aspecto das condies de

    realizao do Direito Constitucional, Constituio e realidade, portanto, no podem

    ser isoladas uma da outra. O mesmo vale para o prprio procedimento de

    realizao.44

    Se a realidade neste contexto se mostra apta a ser realizada e concretizada,

    pois que consagrada pela norma constitucional, deve ser passvel de realizao

    prtica, principalmente quando houver um estado de exigncia social imperante

    decorrente da omisso injustificada dos Poderes responsveis por agir.

    De antemo, a concretizao da realidade constitucional por parte de um

    Poder que age em detrimento de omisses e inaes inconstitucionais de outros

    exerce, portanto, legitimamente seu papel funcional.

    Alinhando-se ao presente raciocnio, salienta-se que a partir do princpio

    integrador constitucional da proibio de dfice45, cabe ao Estado at em termos

    de direitos sociais, eis que tidos como elementos constitucionais essenciais de uma

    comunidade jurdica bem ordenada46, sua realizao na medida do possvel, de

    modo que a eficcia de todas as normas constitucionais reste atendida e direcionada

    ao sentido pelas quais foram criadas.

    Portanto, a ttulo de eficcia das normas constitucionais, por maior que seja a

    defesa da insuscetibilidade do controle judicial dos programas poltico-legislativos,

    esta no se sustentaria sobremaneira quando estes programas ou a ausncia

    destes se manifestassem ou deixassem de se manifestar em clara contradio s

    normas constitucionais, ou quando sustentados em dimenses poucos razoveis.47

    Lus Afonso Heck. 20. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 48.

    44 HESSE, 1999, p. 49.

    45 VIEIRA DE ANDRADE, Jos Carlos. Os Direitos Fundamentais na Constituio Portuguesa de 1976. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 140.

    46 CANOTILHO, Jos J. Gomes. Metodologia Fuzzy y "Camaleones Normativos" en La Problemtica Actual de Los Derechos Econmicos, Sociales y Culturales. Derechos y Libertades. Revista del Instituto Bartolom de las Casas, III (6), p.35-50, feb. 1998, p. 35. Disponvel em: . Acesso em: 04 mar. 2015.

    47 CANOTILHO, 1998, p. 46.

  • 32

    Pode-se, inclusive, reforar que a legitimidade extrai-se da prpria realizao

    da norma constitucional, que a traduo legtima da vontade poltica

    democraticamente estabelecida.

    Em suma, para eventuais incoerncias funcionais sistmicas, nas palavras de

    Canotilho, torna claro que:

    No hay razn para que los principios del Estado de derecho no valgan como principios contra eventuales irracionalidades legislativas. As, por ejemplo, si el legislador goza de discrecionalidad poltica para alterar el rgimen de seguridad social y de las pensiones, es cuestionable su libertad de conformacin cuando las soluciones legislativas representen una desproporcionada y retroactiva afectacin de derechos subjetivos.48

    Notadamente, s faixas que dizem respeito a condies materiais de

    existncia, plenamente possvel exigir uma eficcia positiva s prticas decisrias

    do Poder Judicirio.49

    A par de revelarem um contexto de percepo concreta dos resultados da

    aplicabilidade das normas constitucionais (eficcia social), mister ressaltar a

    possibilidade de dissecar ambos os sentidos de eficcia normativa constitucional,

    deixando clara uma preferncia pela estabilizao do sentido de potencialidade

    jurdica (eficcia jurdica) das normas constitucionais.

    Afigura-se cristalino que, se das normas constitucionais se pode extrair a

    concluso de que todas so dotadas da capacidade e aptido (ainda que mnimas)

    para a produo de efeitos, torna-se ainda mais coerente o caminho voltado para a

    plena efetivao dessas mesmas normas constitucionais.

    48 CANOTILHO, 1998, p. 47.

    49 BARCELLOS, Ana Paula de. A Eficcia Jurdica dos Princpios Constitucionais. O Princpio da Dignidade da Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 248.

  • 33

    Por tais razes, advoga Ingo Sarlet que:

    A opo pela adeso concepo clssica da eficcia jurdica, j que no se pode esquecer que, independentemente de uma deciso em favor da aplicao do Direito que apenas ir ocorrer em face dos casos concretos e na medida em que estes forem surgindo , a norma jurdica vigente sempre ser potencialmente aplicvel e, por via de consequncia, apta (ainda que em tese) a gerar efeitos.50

    Salienta-se nesse aspecto, que o diagnstico de alguns dos efeitos e

    instrumentos para possibilitar um exame mais detalhado na busca de uma maior

    efetividade das normas e a correlao entre as funes estatais desempenhadas,

    conexas a essa concretizao normativa, ficam sobrestadas at detida anlise em

    momento posterior.

    Com efeito, pretende-se nesse ensaio inicial destacar que referidas

    passagens, apesar de apresentarem diversas possibilidades jurdicas, seja trazendo

    enfoque acerca da legitimidade dos entes estatais, seja do sentido prprio de

    eficcia jurdica das normas constitucionais, esto fulcradas na necessidade e

    potencialidade de aplicao de todas as normas constitucionais ao caso concreto,

    sempre visando a maior realizao possvel de seus contedos normativos.

    50 SARLET, 2012, p. 240.

  • 34

    1.1.2.2 O Dever Estatal voltado Aplicabilidade das Normas Constitucionais

    Em profcuo desenvolvimento ao sentido de aplicabilidade das normas

    constitucionais, desmembra-se o papel de dever do Estado, no como categoria

    limitada de cunho principiolgico, mas como elemento insculpido em um dever

    constitucional estatal voltado a uma razo maior de aplicabilidade, de forma que se

    assegure Constituio a pretendida unidade eficaz.

    A noo de dever do Estado, que pode conferir s normas constitucionais um

    sentido de aplicabilidade, remodelado a uma necessidade que imponha uma ao

    estatal ou uma recusa justificada para tal cumprimento, deve ser melhor abordada

    diante dos novos anseios que buscam uma maior eficcia da Constituio e os fins

    nela previstos.

    O mesmo grau de necessidade que impe uma genuna e imediata definio

    dos deveres estatais, ainda que implicitamente insculpidos na ordem constitucional

    (e outros explicitamente), se revela uma medida de necessrio equilbrio forte

    exposio crtica por que perpassa o Estado de Direito da atualidade: uma excessiva

    carga de direitos, sem um contraponto amplo que equacione a crise das instituies

    e dos prprios direitos, de modo que se expe inerte e inexistente uma contribuio

    cidad do todo social, com deveres determinados e voltados prpria relao dos

    objetivos constitucionais.

    Os diversos ordenamentos jurdicos internacionais quando da previso

    escassa dos deveres estatais, exigem a conexo indissocivel do princpio da

    legalidade, em sua expresso infraconstitucional, como forma legtima imposio

    das citadas obrigaes, limitaes, sanes, entre outros ditames voltados s suas

    regulaes.

    Em sentido diverso dos deveres estatais, porm, esto os deveres

    fundamentais que, para parcela da doutrina, contm dupla funo: tambm

    considerados como a outra face de um direito ou garantia fundamental, afirmando-se

    que a cada direito ou garantia corresponde um dever fundamental do Estado, e

    eventualmente, dos particulares.51

    51 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Deveres Fundamentais. In: LEITE, Jorge Salomo; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBONEL, Miguel (Coords). Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais. Salvador: Jus Podium, 2011, p. 326.

  • 35

    Ao se enfrentarem os deveres fundamentais como uma espcie de limitao

    livre esfera individual de expresso da personalidade, imperativo socorrer-se da

    premissa de que os deveres fundamentais no formam um espelho negativo dos

    direitos fundamentais, o que afastaria por consequncia lgica a categoria de

    deveres fundamentais no autnomos.

    Deveres fundamentais formam uma categoria distinta do reflexo ontolgico

    dos direitos fundamentais. Enquanto os direitos fundamentais revestem a ontologia

    humana na Constituio, os deveres fundamentais e os deveres constitucionais

    estatais retratam a deontologia normativo-constitucional.

    Nesse passo, a doutrina define a posio jurdica dos deveres fundamentais

    em duas categorias: os deveres de direitos fundamentais, [...] os quais justamente

    por serem deveres correlativos de direitos, compreende-se que eles dispensam a

    sua previso constitucional52; assim como a outra faceta, a mais coerente, a que se

    compe dos deveres fundamentais como categoria autnoma.53

    Os direitos e garantias fundamentais encontram sua aplicabilidade imediata,

    independentemente da previso ou existncia antinmica de deveres

    fundamentais.

    Todavia, diversamente do propugnado (caracterstica no autnoma dos

    deveres fundamentais), permite-se considerar o dever fundamental como entidade

    autnoma que pode acarretar consequncias negativo-restritivas ao mbito de

    incidncia dos direitos fundamentais.

    Contudo, premente definir que essa situao jurdica no implica considerar

    que os deveres fundamentais funcionariam como a outra parte dos direitos

    fundamentais, eis que poderiam ocasionar dedues equivocadas acerca do efetivo

    papel dos deveres fundamentais, confundindo-se a esfera de realizao destes

    como a expresso contraposta (prevalecente para o caso concreto) de outros

    direitos fundamentais colidentes.

    52 NABAIS, Jos Casalta. A Face Oculta dos Direitos Fundamentais: os deveres e os custos dos direitos. In: NABAIS, Jos Casalta. Por uma Liberdade com Responsabilidade: estudos sobre direitos e deveres fundamentais. Lisboa: Coimbra Editora, 2007, p. 168.

    53 Id.

  • 36

    Neste passo, imprescindvel destacar que:

    A dimenso normativa dos deveres fundamentais determina tanto a limitao de direitos subjetivos como tambm a redefinio do contedo desses, como ocorre, por exemplo, com a imposio constitucional do cumprimento da funo social da propriedade.54

    Seria ilgico permitir deduzir que a Constituio demande um dever

    incondicional de respeito por parte do todo, como um sentido a conferir uma

    verdadeira condio mnima de eficcia aos direitos fundamentais.

    A estrutura e a plena eficcia dos direitos fundamentais independem da

    fixao de deveres genricos correlatos da observncia dos direitos. A instituio

    dos deveres fundamentais abarca uma condio de relevncia e fundamentalidade

    que vai muito alm de uma simples reflexo axiolgica inversa de sentido dos

    direitos fundamentais.

    Nas palavras de Canotilho:

    Os direitos, liberdades e garantias vinculam tambm entidades privadas, mas com isso apenas se pretende afirmar a existncia de uma eficcia (directa ou mediata) destes direitos na ordem jurdica privada; no se estabelece a correspectividade estrita entre direitos fundamentais e deveres fundamentais. O carter no relacional entre direitos e deveres resulta ainda da compreenso no funcionalstica dos direitos fundamentais na ordem constitucional portuguesa.55

    Mas, alm dessa indissocivel funo dos deveres, imprescindvel destacar

    que estes exercem uma profcua vinculao realizao dos vrios objetivos

    fundamentais determinados pela Constituio Federal.

    54 SARLET, 2012, p. 231.

    55 CANOTILHO, Jos J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Revista. Coimbra: Almedina, 1993, p. 548.

  • 37

    Assim, em resumidas palavras Francisco Llorente define a desejvel estrutura

    dos deveres fundamentais:

    Muy distinta es la estructura del resto de los preceptos constitucionales que incluyen la idea de deber, y muy distinta la funcin que esta idea ocupa en ellos: la de ser deberes por as decir autnomos, no simple consecuencia directa de derechos o institutos que la Constitucin garantiza, o de potestades que atribuye, y la de pesar por igual sobre todos los ciudadanos (o todos los sometidos al poder del estado), no slo sobre quienes se encuentran en determinada relacin con otros.56

    A fundada situao dos deveres fundamentais, nessa proposta de

    especificao pragmtica de suas efetivas caractersticas e funes para a ordem

    jurdica e social deve, alm da j mencionada determinabilidade e dos outros

    caracteres, conferir uma unidade equnime de extenso.

    O carter da generalidade, elemento preciso e necessrio que deve marcar a

    incidncia equitativa dos deveres fundamentais constitucionais e a mxima

    concretude prtica passvel, a partir da definio dos objetivos dos deveres (no

    necessariamente fixados em manifestaes infraconstitucionais), tenderiam a uma

    maior aproximao prtica dos deveres fundamentais estatais aos fins pelos quais

    foram, referidos institutos, alicerados.

    Nesse pormenor, elucidativas so as palavras de Luis Mara Bandieri:

    Tampoco el ejercicio de un deber fundamental, salvo aquellos cuyo destinatario es el Estado, genera automaticamente un beneficio para el titular de un derecho subjetivo correlativo, sino que se lo plantea como una ventaja para el conjunto, en una dimensin del inters general de la sociedad poltica que suele entenderse exclusivamente bajo el registro del inters estatal.57

    Resta indubitvel que os deveres fundamentais do indivduo e da coletividade

    (como Repblica Federativa do Brasil) encontram-se expostos no artigo 3 da

    Constituio Federal, alm de outros implicitamente espraiados pela Carta Magna.

    56 LLORENTE, Francisco Rubio. Los Deberes Constitucionales. Revista Espaola de Derecho Constitucional, n. 62, ao 21, mayo/agosto 2001, Madrid, Centro de Estudios Polticos y Constitucionales, p. 20.

    57 BANDIERI, Luis Mara. Derechos Fundamentales Y Deberes Fundamentales? In: LEITE; SARLET; CARBONEL (Coords). 2011, p. 231

  • 38

    Alm desse fator, parte desses deveres pode estar revestido de outras

    estruturas de competncia ou desempenho de funes constitucionais estatais,

    diversos do desenho normativo trazido pelos deveres fundamentais individuais.58

    Porm, de se mencionar a existncia de crtica formulada ao papel dos

    deveres fundamentais59, em face da inexistncia de uma determinabilidade precisa

    dos elementos que possam tornar os deveres uma realidade eficaz, alm da

    inexistncia de sanes concretas para os casos de descumprimento de tais

    deveres.

    A essncia da determinabilidade dos deveres fundamentais, em sede de

    coerncia sistmica constitucional, resultaria como um pressuposto da lgica

    positivista analtica. A concatenao precisa dos elementos constantes da

    construo dos deveres medida que em ltima anlise visa impor coercibilidade,

    exequibilidade e, propriamente, segurana jurdica aos prprios destinatrios dos

    deveres.

    Nesse contraponto, estariam os deveres revestidos da mesma estrutura de

    integrao legislativa s vezes problemtica , que condicionam plena eficcia

    das normas constitucionais necessrias de concretizao.

    No caso em tela, Nabais expe que o primeiro destinatrio das normas

    constitucionais relativas aos deveres fundamentais o legislador ordinrio60.

    58 Para Jos Casalta Nabais (2007, p. 172), torna-se relativamente fcil distinguir os deveres fundamentais de certas figuras prximas que, no raro, aparecem confundidas com os deveres fundamentais, mas que para todos os efeitos do exposto nesse subitem, so alguns dos deveres estatais utilizados como figura prxima da estrutura dos deveres fundamentais, num sentido da maximizao da eficcia das normas constitucionais. Tambm traz crtica no tocante determinabilidade dos deveres fundamentais, Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins (2011. p. 330), quando exprimem que o dever permanece mero apelo poltico-constitucional ou moral sem relevncia normativa, (...), tornando necessria a intermediao do legislador.

    59 Crtica tambm trazida por Jos Casalta Nabais (2007, p. 174), quando expressa que no que concerne inaplicabilidade directa dos preceitos constitucionais relativos aos deveres fundamentais, (...), as mesmas no so diretamente aplicveis aos seus destinatrios subjetivos, (...), por no ter seu contedo concretizado ou concretizvel na constituio, sendo pois, deveres de concretizao legal.

    60 NABAIS, 2007, p. 174.

  • 39

    De todo esse panorama, a partir do momento em que se consideram as

    esferas incisivas dos deveres fundamentais e estatais, peculiar questionamento

    continua a expor a contingncia conteudstica de citadas normas: em que medida

    devem ser consideradas como normas jurdicas de ordem cogente, merecedoras de

    uma plena eficcia, e at que ponto podem ficar na espreita de uma futura e incerta

    manifestao legislativa concretizadora?

    Nesse sentido porm, o mesmo Casalta Nabais expressa que de todo o

    exposto, no poderia professar concluso de que os deveres so simples

    proclamaes, meras normas programticas, puras normas de natureza orgnica ou

    organizatria.61

    A ordem dos deveres fundamentais se desenvolve e se direciona

    eficazmente, seno para uma realizao de obrigaes reais e impositivas.

    Ademais, no haveria o mister de sua juridicidade normativa. Os efeitos advindos

    dos deveres fundamentais ho de se instaurar, justamente para se viabilizar sua

    aplicabilidade e exigibilidade prticas.

    Do contrrio, propugnar classificaes acerca das vrias espcies dos

    deveres fundamentais acomet-los do vcio do ostracismo. Referidas normas, por

    j apresentarem tal vis de instabilidade quanto a seu contedo e funo jurdica,

    devem partir, preferencialmente, de premissas lgicas e bem definidas.

    Como defendido por Jos Afonso da Silva, ao abordar a temtica envolvendo

    o sentido de aplicabilidade das normas constitucionais e o dever (de

    integrao/concretizao) do Estado, embora dever do Estado pudesse no impor

    direta e propriamente uma obrigao jurdica, o mesmo por traduzir-se em um

    princpio, e se incluir entre os fins estatais, deve portanto, ser atendido.62

    Afinal, o que se predispe , alm de conferir uma fundamentalidade formal

    aos deveres fundamentais no sentido de conferir uma aplicabilidade prtica que

    consagre a mxima eficcia possvel de citadas normas , buscar a efetiva

    fundamentalidade material, a ponto de restabelecer uma ordem mnima de equilbrio

    entre direitos e deveres.

    61 NABAIS, 2007, p. 175.

    62 SILVA, J., 2012, p. 83.

  • 40

    1.1.2.3 Eficcia Constitucional das Normas Constitucionais Sociais/Programticas

    Cautelas ao Subjetivismo Valorativo

    No se caracteriza de certo modo satisfatrio, como bem revelado pela

    evoluo das crticas envoltas ao tema prtico constitucional, o nvel de certo

    subjetivismo aos parmetros acima definidos. Explica-se.

    Embora no seja do enfrentamento principal do presente trabalho,

    imprescindvel destacar algumas arestas que devem ser esclarecidas, a fim de que o

    tema seja melhor compreendido, assim como a linha de raciocnio ora proposta.

    O nvel de subjetivismo das presentes aspiraes propensas definio e

    fortificao inicial de uma doutrina, que assente as premissas bsicas inicialmente

    voltadas superao da questionabilidade acerca da fora normativa e vinculativa

    das normas programticas de direitos sociais, de se, como dito inicialmente,

    atribuir e conferir adeso.

    Nesse diapaso, posies doutrinrias sustentam e intercedem a favor de

    uma maior subjetivao dos princpios integradores da ordem constitucional, em

    favor da salutar adequao s prticas normativas vindouras, no expressas e

    imediatamente protegidas pelo ordenamento constitucional.

    De outro norte, encontra assentada a doutrina forjada na pretenso a uma

    maior objetividade possvel, de maneira que reste afastado o risco de insegurana e

    incerteza que as clusulas abertas podem gerar face ao subjetivismo vindouro, com

    a ausncia de um nvel mensurado de controle constitucionalmente aceito e

    irrenuncivel (a partir da definio do suporte ftico restrito dos direitos e aspiraes

    consagradas pela teoria interna).

  • 41

    Destarte, Mller sugere uma minuciosa verificao de todo o contexto que

    cerca a ordem normativa, como forma a equalizar a questo dos problemas

    advindos da abertura da interpretao:

    Apesar de mltiplas manifestaes de adeso aos mtodos convencionais de interpretao, o tribunal utiliza em larga escala pontos de vista que no so compatveis nem com os cnones individuais nem com a concepo de norma, que lhe subjaz; assim a necessidade de um resultado adequado ao objeto, o significado do conjunto de fatos a ser regulado pela norma e pela deciso, a considerao de nexos histricos, polticos, sociolgicos como aspectos que em ltima instncia fundamentam a deciso.63

    O meio termo pode ser a soluo. Nesse ponto, indissocivel de

    reconhecimento justamente a dada e conhecida deciso conforme o caso

    concreto, devidamente cumpridora do nus argumentativo e normativamente

    justificada pela posio constitucional adotada.

    A utilizao combinada dos mtodos de enfrentamento dos conflitos

    constitucionais possui larga fora na doutrina comparada, possibilitando a

    associao de instrumentos que busquem, em ltima anlise, a plena efetividade

    das normas constitucionais aliada segurana jurdica, de modo que no deixando

    de reconhecer o carter de abertura das normas constitucionais, possibilita-se um

    enquadramento s novas situaes, assim como aos limites novos que no

    expressamente estabelecidos, se faam irremediavelmente imperantes ao caso

    concreto.64

    Em outras palavras, diante das consideraes levantadas por Habermas, num

    sentido esperado de racionalidade (cumprimento do nus argumentativo), esta se

    faz presente quando a defesa das opinies, dogmaticamente, se faz possvel de

    plena fundamentao.65

    63 MLLER, Friedrich. O Novo Paradigma do Direito: Introduo Teoria e Metdica Estruturantes. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 47.

    64 Como exposto por Virglio Afonso da Silva (2014, p. 158-162), referida posio bastante representativa na Alemanha, em vista de que se alia a teoria externa com um suporte ftico restrito para os direitos fundamentais.

    65 HABERMAS, Jurgen. Verdade e Justificao. Ensaios filosficos. Trad. Milton Camargo Mota. So Paulo: Edies Loyola, 2004, p. 104.

  • 42

    Pretende-se atentar, para a distino entre aquilo que considerado valor,

    daquilo que se realiza juridicamente. Nesse pormenor, Habermas acena para o fato

    de que as respectivas regras de argumentao no submetem a construo e

    valorao de razes vontade dos participantes.66

    Consoante esse vis objetivo impessoal, a viso e sentir pessoal do intrprete

    se torna parcela integrante do processo interpretativo, o que no afastaria, de forma

    alguma, a necessidade de manuteno da pretendida objetividade, dada estrutura

    prpria do sistema normativo-constitucional (seja pelo positivismo do civil law; seja

    pela vinculao forte aos precedentes na common law).

    Pormenorizadamente, para todos os efeitos de uma efetividade em maior

    conformidade ao equilbrio e unidade da ordem constitucional, no se afastam de

    toda maneira, instrumentos que possam conferir uma maior segurana, em razo da

    utilizao de elementos objetivos, alm da percepo de que o subjetivismo racional

    tambm pode conferir uma maior adequao s novas celeumas sociais, sem que

    a ordem constitucional seja contnua e contumazmente rompida. Fato este, que se

    adotado rotineiramente, expe e reduz a prpria supremacia da norma constitucional

    plena ineficcia e, portanto, perda final de sua essncia e fora normativa.

    Nesse aspecto e revelando a importncia do equilbrio, que deve haver no

    sistema normativo constitucional, Eros Grau aponta para a cautela quanto ordem

    dos valores, relacionada ao uso dos princpios como medida efetivao das

    normas constitucionais. Entretanto, esclarece que no obstante a ponderao entre

    princpios aporte irracionalidade ao sistema, custa dessa e de outras

    transgresses, que o sistema se mantm em equilbrio67.

    Por sua vez, a flexibilizao do sistema seria indispensvel ao seu equilbrio

    e harmonia, o que permite o desempenho de sua funo de preservao, em

    dinamismo, do modo de produo social a servio do qual ele est68.

    66 HABERMAS, Jurgen. Direito e Moral. Trad. Sandra Lippert. Lisboa: Instituto Piaget, 1992, p.32.

    67 GRAU, 2009, p. 289.

    68 Ibid.: p. 290.

  • 43

    Apenas se busca trazer baila, algumas das principais vertentes doutrinrias

    envolvidas no processo de realizao e integrao das normas constitucionais.

    Facilita assim, uma maior compreenso sobre a problemtica que cerca a aplicao

    e efetivao das normas constitucionais, cingidas regulao da vida concreta

    social, razes essas diametralmente conexas ao fundamental papel do julgador

    quando da expresso de sua jurisdio.

    Todas essas consideraes acrescentam coerncia continuidade do

    presente trabalho, presentes nas premissas fundamentais do ativismo judicial, uma

    vez que so colocadas entre a necessidade de uma maior efetivao das normas

    constitucionais e manuteno da segurana, unidade e prpria ordem do sistema

    constitucional vigente.

  • 44

    2 APONTAMENTOS DOGMTICOS DO ATIVISMO

    2.1 ELEMENTOS DO ATIVISMO JUDICIAL

    A presena da atividade interpretativa no decorrer do desempenho da funo

    jurisdicional, invoca e aproxima elementos que tangenciam algumas das

    particularidades da atividade ativista.

    Nesse sentido, a exposio de critrios definidores e individualizadores das

    principais funes exercidas pela atividade jurisdicional, imprime a tica de anlise

    crtica que deve pautar o tema ativismo.

    Inegavelmente, o constitucionalismo trouxe um maior protagonismo

    atividade julgadora, a partir de congruncias da ordem da justia dos princpios,

    dando margem para abertura dos enunciados, a uma incidncia mais intensa do

    papel da hermenutica.69

    Em diversos trabalhos acerca do tema, afigura-se inquestionvel que a

    grande celeuma imposta ao ativismo est centrada no criar/inovar pelo juiz,

    adentrando numa seara que, classicamente, no se faria possvel em decorrncia da

    aproximao legislativa, que em escala menor e menos intensa, poderia estar sendo

    desempenhada pelo Poder Judicirio.

    Como trabalhado previamente, diante da coleta de diversas fontes e frentes

    de pesquisa, muitos so os elementos que cercam a questo, razo pela qual se

    torna tnue a querela identificadora dos pontos considerados como responsveis por

    extrapolar o provimento jurisdicional, a razo para a qual fora intencionado a

    executar.

    Muitas so as vozes crticas acerca do ativismo, muitas das vezes envoltas

    em posies de defesa estrita funcionalidade de cada poder da Repblica cada

    qual devendo desenvolver precipuamente as funes tpicas para as quais foram

    constitucionalmente incumbidos, consoante um sentido clssico adotado pela teoria

    da separao dos poderes.

    69 Ponto retratado por Dimitri Dimoulis (2011, p. 215-253), tido como causa para a mudana no equilbrio entre poderes estatais, tornando a atividade desenvolvida pelo Judicirio mais prxima da atuao do legislador positivo.

  • 45

    No so poucos, contudo, os que defendem um sentido diametralmente

    oposto e partem para uma censura estanque postura clssica dos poderes,

    avanando num sentido unitarista das funes desempenhadas por cada um dos

    poderes para um sentido maior de concretizao da Constituio.

    Para essa posio, o passivismo judicial afrontaria essa projeo de

    concretude e eficcia to propugnada por aqueles que visam realizao mxima

    da Constituio. Em sntese, pleiteiam uma situao de certa naturalidade

    parcimoniosa prtica ativista, quando mxime originada de desvios funcionais

    ineficientes por parte dos rgos compelidos prtica de atos expressos pelo

    ordenamento constitucional.70

    Diante da forma como se encaram e escolhem as premissas estruturais

    fundamentais, torna presente a possibilidade de se chancelar atividades que num

    primeiro instante so tidas como impossveis e insustentveis.

    Seguindo, portanto, essa pretensa investigao e tomando emprestada a

    expresso desenvolvida por Habermas, ao dizer que os conceitos que empregamos

    para comparar os paradigmas espelham o ponto de partida hermenutico, os quais

    no formam uma sucesso casual, mas um encadeamento dialtico71, nos vemos

    diante do desafio de atender todas as circunstncias que encalam a discusso do

    tema ativismo.

    Partindo dessa premissa, a necessidade de concretizao e integrao da

    Constituio at o exerccio prprio da jurisdio, pede que seja promovida nos

    limites de uma segurana positiva, desejada e ainda adotada pela sistemtica

    constitucional.72

    70 Raciocnio amplamente defendido por Celso de Mello, ao expressar que ao se defender a prevalncia da primazia da Constituio, como uma necessidade e postura afirmativa do Poder Judicirio, justifica-se nesse sentido o ativismo judicial no Supremo Tribunal Federal resultante de uma criao jurisprudencial positiva do direito (MELLO FILHO, Jos Celso de. O Supremo Tribunal Federal e a defesa das liberdades pblicas sob a Constituio de 1988: alguns tpicos relevantes. In: PAULSEN, Leandro (Coord). Repercusso Geral no Recurso Extraordinrio. Estudos em Homenagem Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 16-17).

    71 HABERMAS, 2004, p. 238.

    72 Mantendo vlida a estrutura positivista do sistema jurdico vigente, Elival da Silva Ramos registra que a concepo sistmica do direito imanente ao positivismo jurdico subsiste, conquanto as caractersticas decorrentes da coerncia e da completude tenham sido relativizadas a partir de reflexes j absorvidas pela prpria teoria positivista (RAMOS, Elival da Silva. Ativismo judicial: parmetros dogmticos. So Paulo: Saravia, 2014, p. 55).

  • 46

    Em razo disso, busca a presente anlise enfrentar todas essas

    generalidades, a fim de que se possibilite expor uma situao real havida da

    diuturna necessidade de maior concretizao das normas constitucionais de um lado

    consoante uma moldura centrada na mxima efetividade possvel , sem fragilizar

    a segurana esperada pela presena de um ordenamento constitucional supremo e

    unitrio, pautado fundamentalmente no Estado Igualitrio de Direito.

    Primeiro, os elementos que identificam e que podem envolver uma prtica

    ativista, para aps transcorrer num processo de pesquisa acerca da prpria

    estruturao das decises judiciais a contar do processo de compreenso dos

    conceitos e elementos enunciativos legais e dogmticos, prosseguindo para o

    cumprimento da razo argumentativa nas frentes lgico-formal e material, para em

    seguida atingir o resultado de justia pretendido, como medida a ressaltar a

    necessidade ou no de se tomar medidas ativistas coerentemente fundamentadas e

    em verdadeira persecuo ordem constitucional vigente.

    2.1.1 Abordagens Semnticas e Dogmticas do Ativismo Judicial

    Antes de proferir anlise relacionada aos prprios elementos que possibilitam

    identificar uma prtica judicial ativista, conveniente expor acerca das correntes em

    especial das provenientes do direito comparado que abordam consideraes e

    conceituaes, qualificando os pontos positivos e negativos advindos de uma prtica

    vindicada ao ativismo.

    Chamou-nos a ateno, dentro do prospecto que se busca uma correta

    contextualizao do tema, a definio de ativismo trazida por Nelson Nery, para o

    qual ativismo toda deciso judicial que se fundamenta em convices pessoais,

    senso de justia do intrprete em detrimento da legalidade vigente.73

    73 NERY JR., Nelson; ABBOUD, Georges. Ativismo Judicial como Conceito Natimorto para Consolidao do Estado Democrtico de Direito: as razes pelas quais a justia no pode ser medida pela vontade de algum. In: DIDIER JR., Fredie et al. (Coord). Ativismo Judicial e Garantismo Processual. Salvador: Jus Podium, 2013, p. 528

  • 47

    Parte citada definio a qual representa um sentido no pouco reproduzido

    e adotado , da considerao do ativismo como um epteto restritamente vinculado

    s atribuies negativas de certas decises judiciais.

    Como destacado por Frank Easterbrook, ao termo ativismo comumente

    atribuda uma definio escorregadia, ou uma anttese da conteno judicial. Numa

    acepo frgil, entremeia o ativismo ora entre os liberais, ora entre os

    conservadores74.

    Como resultado dessa abordagem, percebe-se que muitas so as definies

    que tratam o ativismo judicial como um mero epteto que significa nada alm de

    uma discordncia de certas decises judiciais75, que por adentrarem numa seara da

    qual deveriam manter-se deferentes, representariam uma violao negativa do

    ordenamento vigente.

    Desse espectro cru do ativismo, adentra-se na considerao multifacetria

    que se envolve o tema, de modo que muitas podem ser as variveis tanto positivas

    quanto negativas da questo no cabendo, como uma afronta tcnica e busca

    da implementao do melhor discurso institucional-constitucional, deixar de dar ao

    tema as facetas com que o mesmo pode se apresentar.

    Em certa medida, poder-se-ia afirmar ser quase uma majoritria consonncia,

    designar o ativismo judicial (sem adentrar em todos os elementos dogmticos) como

    algo que no poderia ou no deveria ser feito a partir de uma deciso judicial,

    quando da realizao de seu mister interpretao/aplicao76.

    74 EASTERBROOK, Frank H. Do Liberals and Conservatives Differ in Judicial Activism? 73 University of Colorado Law Review, 2002, p. 1401.

    75 YOUNG, Ernest. Judicial Activism and Conservative Politics. Colorado Law Review, v. 73 (4), 2002, p. 1.142.

    76 Em identidade de sentido com o disposto por Franck B. Cross & Stefanie Lindquist, The Decisional Significance of the Chief Justice, U. Pennsylvania Law Review. Vol. 154, 1701, 2006: Yet in many ways, the concept of judicial activism has become more of an epithet than a thought. It often means nothing more than reference to an action taken by a court of which the speaker disapproves.

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    Seguindo uma conceituao mais elaborada, Elival da Silva Ramos conceitua

    o Ativismo Judicial como

    [...] o exerccio da funo jurisdicional para alm dos limites impostos pelo prprio ordenamento que incumbe, institucionalmente, ao Poder Judicirio fazer atuar, resolvendo litgios de feies subjetivas (conflitos de interesse) e controvrsias jurdicas de natureza objetiva (conflitos normativos).77

    Indo mais adiante, com a finalidade de se possibilitar a identificao de uma

    prtica judicial ativista, Elival da Silva Ramos, preferindo conferir ao ativismo a pecha

    da inadequao, ressalta como uma das medidas de parmetro, a visualizao de

    peculiaridades dos preceitos aplicados e as consideraes dogmticas envolvidas

    nas sistemticas das normas postas, para se fixar os marcos normativos que

    balizam a atividade de concretizao das normas78.

    Em primeiro plano, Ernest Young foca principalmente nos aspectos

    institucionais das decises judiciais, estreme das consideraes que sobrelevam os

    termos ativismo e conteno79.

    Porm, o termo ativismo encerra uma importncia que v