João Calvino e a Responsabilidade Social
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7/25/2019 Joo Calvino e a Responsabilidade Social
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Joo Calvino e a responsabilidade social
Nota do editor: Artigo extenso, porm por sua importncia decidimos public-lo na
ntegra !ecomendamos a leitura atenciosa "or Augustus Nicodemus #opes
$ntrodu%o
A !e&orma "rotestante ocorrida no sculo '($ no &oi somente um movimento
espiritual e eclesistico )eve tambm aspectos e dimens*es polticas e sociais +ste ltimo
aspecto o tema deste ensaio +mbora Joo Calvino, um dos maiores lderes da !e&orma,
&icou conecido pelo seu vasto e e&ica. ministrio como te/logo, pregador e pastor, existe
um outro aspecto do seu ministrio, menos en&ati.ado entre as igre0as evanglicas no 1rasil,
2ue precisa ser resgatado em nossos dias, 2ue o aspecto social do seu ensino e prtica
pastoral
Calvino, bem como os outros re&ormadores, deu aten%o aos problemas sociais de
sua poca )alve. pelo &ato de ser da segunda gera%o de re&ormadores, Calvino podia ter
uma viso mais ampla e amadurecida sobre o assunto +le es&or%ou-se para entender 2ual
deveria ser o papel da $gre0a crist na reconstru%o de uma sociedade 0usta 2ue re&letisse a
vontade de 3eus em termos de 0usti%a social +ssa 2uesto 42ue era essencialmente
teol/gica5 era extremamente aguda para os re&ormadores, particularmente pelo &ato de
viverem numa poca e numa situa%o de grandes problemas sociais No de se admirar
2ue em suas $nstitutas da !eligio Crist, bem como em seus comentrios 4onde
apropriado5 Calvino &re2uentemente trata de 2uest*es relacionadas com a responsabilidade
social da $gre0a e do +stado
6eu prop/sito procurar entender e expor de &orma breve 2ual a responsabilidade
social da $gre0a segundo Joo Calvino +videntemente, este ensaio no tem pretens*es de
originalidade 7 assunto, por sua importncia, 0 mereceu pes2uisas bem extensas ecuidadosas, como a do &ranc8s Andr 1iler, publicada em portugu8s como 7 "ensamento
+con9mico e ocial de Calvino 4Casa +ditora "resbiteriana, ;
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desenvolveu-se dentro da estrutura de seus pressupostos teol/gicos e bblicos Calvino
construiu a sua teologia social a partir da sua convic%o de 2ue Cristo enor de todos os
aspectos da vida umana, e de 2ue a "alavra de 3eus deve regular todas as reas da vida
"or es2uecerem este ponto, alguns acabam representando erroneamente as idias sociais
de Calvino, bem como os motivos 2ue levaram o !e&ormador a se envolver com atividade
social na sua poca
A segunda considera%o 2ue no devemos dissociar o pensamento social de
Calvino da poca em 2ue ele viveu +mbora sua teologia social brotasse de princpios
bblicos vlidos e atuais para todas as pocas, Calvino s/ poderia dar-les expresso dentro
das circunstncias ist/ricas em 2ue viveu e labutou Na2uela poca, a $gre0a Cat/lica
!omana era o grande poder econ9mico e poltico "revalecia na2uela poca o sistema
econ9mico e social medieval e a monar2uia como sistema de governo eria in0usto
re2uerer de Calvino uma abstra%o per&eita do seu contexto social, poltico e econ9mico, ao
ponto de antecipar a democracia, a &orma%o de sindicatos, ou solu%*es completas para
2uest*es como a escravido 4embora ele mesmo tena se pronunciado contrrio >
escravido, e ensinado 2ue a legisla%o acerca da escravido na 1blia limita, no 0usti&ica,
este &lagelo5 6esmo assim, veremos 2ue Calvino extraordinariamente atual em 2uase
tudo 2ue &ormulou nesta rea
?enebra na @poca de Calvino
A cidade de ?enebra &oi o local onde Calvino passou a maior parte de sua vida,
pregando, pastoreando e ensinando Ali passou momentos de grande popularidade e
tambm de re0ei%o oi ali 2ue sua teologia social amadureceu, > medida em 2ue
en&rentava os males sociais 2ue oprimiam ?enebra bem como as demais cidades da
+uropa medieval
7 ?overno de ?enebra
?enebra, antes da !e&orma e da cegada de Calvino, era um bispado, uma
importante cidade eu comando estava nas mos de tr8s autoridades: 7 bispo, 2ue era
no somente o ce&e espiritual da $gre0a, o Bprncipe de ?enebra, como teoricamente, era o
soberano da cidade, com poderes para cunar moedas, comandar a cidade em tempo de
guerra, 0ulgar apela%*es, e perdoar crimes 3epois vina o magistrado, incumbido da de&esa
da cidade, da guarda, e da execu%o de prisioneiros + por &im, o Conselo de ?enebra,composto de Conseleiros de entre os moradores da cidade, 2ue 0ulgavam as 2uest*es
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criminais concernentes aos leigos 4os pecados dos sacerdotes era compet8ncia do bispo5,
cuidavam do abastecimento da cidade, das &inan%as da cidade, e mantinam a boa ordem
durante a noite atravs da polcia +ste era o sistema adotado pela maioria das cidades
europeias cat/licas
Duando ?enebra adotou o&icialmente a !e&orma 4;EFG5, o bispo &oi despo0ado do seu
poder, e os Conseleiros assumiram suas &un%*es 3urante o perodo de bispado em
?enebra, a $gre0a Cat/lica representada pelo bispo estivera acima do +stado Com a
expulso do bispo, o Conselo assumiu suas &un%*es, e agora o +stado estava acima da
$gre0a 4agora !e&ormada5 A $gre0a permanecia ligada ao +stado, e estava debaixo do poder
do Conselo de ?enebra 4cu0os Conseleiros agora eram protestantes5, 2ue tina em suas
mos o poder de disciplinar, designar os pastores, bem como a &un%o de sustent-los
&inanceiramente
A itua%o ocial em ?enebra
?raves problemas sociais a&ligiam ?enebra na2uela poca 4bem como a +uropa em
geral5 Havia pobre.a extrema, agravada por impostos pesados 7s trabaladores eram
oprimidos por baixos salrios e 0ornadas extensas de trabalo Campeava o anal&abetismo,
e a ignornciaI avia aguda &alta de assist8ncia social por parte do +stadoI prevalecia a
embriagues e a prostitui%o 3estacava-se o vcio do 0ogo de cartas, 2ue levava o pouco
dineiro do povo As trevas espirituais caractersticas da $dade 6dia re&letiam-se nas
condi%*es morais e sociais das massas +ssa era a situa%o 2ue prevalecia em ?enebra
antes da cegada da !e&orma espiritual, a 2ual deu lugar, em seguida, a re&ormas sociais,
econ9micas e polticas, mesmo antes de Calvino cegar > ?enebra
As 6udan%as $ntrodu.idas por arel em ?enebra
?uilerme arel &oi o grande lder destas mudan%as em ?enebra ob sua in&lu8ncia,
o Conselo da cidade cria o Hospital ?eral no antigo Convento de anta Clara, para dar
atendimento mdico aos pobres
7 Conselo tambm passou a regulamentar a vida dos seus cidados: probem-se as
dan%as de ruas, a polcia mobili.ada para manter a ordem nas ruas, so promulgadas leis
2ue regulamentam o uso dos bares, 2ue probem 0ogo de cartas, blas&emar o nome de
3eus, e servir bebidas durante o orrio do sermo )orna-se proibido vender po e vino apre%os acima dos estipuladosI so proibidos todos os dias santos, > exce%o do domingo
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"assa a ser obrigat/rio a todos os cidados de ?enebra irem ouvir o sermo de domingo,
sob pena de pesadas multas + a instru%o pblica se torna obrigat/ria, pela primeira ve. na
+uropa
+videntemente, nem todos em ?enebra estavam satis&eitos com as pesadas
proibi%*es impostas pelos Conseleiros, 2ue por sua ve., seguiam a arel +mbora as
inten%*es &ossem as melores possveis, sabemos 2ue leis por demais severas, 2ue
excedem os limites do ra.ovel, provocam insatis&a%o, mesmo entre crentes verdadeiros
$sso sem mencionarmos 2ue pessoas no regeneradas pelo +sprito anto re0eitam e se
revoltam contra leis 2ue re&letem o carter santo de 3eus BA carne no est su0eita > lei de
3eus, e na verdade, nem pode estar 4!omanos K5
oi a esta altura 2ue Calvino cegou a ?enebra +le estava apenas de passagem pela
cidade eus planos eram de prosseguir em &rente e acar um local tran2uilo onde pudesse
estudar e escrever )ina na poca LK anos de idade, e avia acabado de publicar a
primeira edi%o das $nstitutas Duando arel soube 2ue Calvino estava na cidade &oi visit-
lo, e instou com o 0ovem te/logo a 2ue &icasse ali em ?enebra, para a0ud-lo no trabalo de
re&orma @ conecida a ist/ria de como Calvino, ap/s ter apresentado toda sorte de
desculpas, &inalmente rendeu-se, aterrori.ado pela maldi%o 2ue o velo re&ormador invocou
sobre ele, em caso de recusa Assim, ele &icou, para a0udar arel a solidi&icar as re&ormas
eclesisticas e sociais em ?enebra +m breve, ?enebra iria tornar-se o centro espiritual e
social da !e&orma protestante na +uropa
oi ali em ?enebra, trabalando como pregador, mestre e pastor na $gre0a de
?enebra, e lidando com as 2uest*es sociais mencionadas acima, 2ue Calvino desenvolveu
sua teologia social No 2ue se segue, procuraremos sinteti.ar seus pontos principais,
concentrando-nos no 2ue Calvino ensinou como sendo a responsabilidade social da $gre0a
de Cristo
7 +nsino de Calvino
A causa dos males sociais
undamental para entendermos o pensamento de Calvino nesta rea termos em
mente 2ue para ele as causas da pobre.a, misria e a opresso, bem como da perverso e
da corrup%o da sociedade umana, estavam enrai.adas na nature.a decada do omem,2ue por sua ve., remonta-se > Dueda no @den +ste princpio crucial no entendimento de
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Calvino "ara ele, o pecado do omem avia tra.ido toda sorte de transtorno > ordem social:
"ela 2ueda do omem &oi demolida toda ordem social, e em Ado tudo &oi amaldi%oado por
3eus, como est escrito em !omanos L=-LF, onde "aulo a&irma 2ue a cria%o de 3eus
est em cativeiro imposto pelo pecado do omem
A 2ueda do omem introdu.iu perturba%*es pro&undas na sociedade umana,
incluindo distrbios na vida con0ugal e &amiliar "ara Calvino, o caos econ9mico causado
pela ganncia dos omens, e pela incredulidade de 2ue 3eus aver de nos suprir as
necessidades bsicas, con&orme Cristo nos promete em 6ateus G
Calvino denuncia neste contexto pecados sociais como: estocagem de alimentos
4trigo5, monop/lios, e a especula%o &inanceira, como tendo origem no egosmo e na
avare.a do omem +le denunciava a2ueles 2ue pre&eriam deixar deteriorar-se o trigo em
seus celeiros, para 2ue ali &osse devorado por bicos, e apodrecesse, ao invs de ser
vendido, 2uando a necessidade do povo se &a.ia sentir
"or identi&icar biblicamente a rai. dos transtornos sociais, Calvino estava em posi%o
de elaborar uma solu%o 2ue atingisse o problema em seus &undamentos
7 enorio de Cristo
Mm segundo princpio 2ue norteava a teologia social de Calvino era 2ue o Cristo vivo e
exaltado enor de todo o universo 7s milagres 2ue +le exerceu sobre a ordem natural
4acalmar a tempestade, por exemploI ou tirar uma moeda da boca do peixe5 demonstram
esta realidade, di. Calvino
"ortanto, a obra de restaura%o reali.ada por Cristo no se limita apenas > nova vida
dada ao indivduo, mas abrange a restaura%o de todo o universo o 2ue inclui a ordemsocial e econ9mica 3esta &orma, a aten%o de Calvino como pastor e mestre, se estendeu
para alm das 2uest*es individuais e Bespirituais e Cristo era o enor de toda a
exist8ncia umana, era dever da $gre0a dar aten%o >s 2uest*es sociais e polticas
A !estaura%o da ociedade
"ara Calvino, a restaura%o inaugurada por Cristo ocorre inicialmente no seio da
$gre0a @ na $gre0a 2ue a ordem primitiva da sociedade, tal 2ual 3eus avia estabelecido,tende a ser restaurada Na $gre0a, as di&eren%as exacerbadas entre as classes sociais,
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econ9micas e raciais, bem como os preconceitos delas procedentes, desaparecem, pois
Cristo de todos &a. um nico povo 4?l FLI +& L;O5
No 2ue Calvino cresse na total aboli%o destas classes +le concebia a coexist8ncia
arm9nica entre a $gre0a e institui%*es como o +stado, a sociedade e a &amlia, com as suas
respectivas estruturas e &uncionamento @ na $gre0a, porm, 2ue as rela%*es sociais de
trabalo so&rem pro&undas altera%*es, ensina o re&ormador 7s patr*es continuam patr*es,
mas aprendem a exercer sua autoridade sem opresso, ao passo 2ue os empregados 42ue
continuam empregados5 aprendem a serem subordinados sem recrimina%o Na $gre0a, di.
Calvino, Jesus Cristo estabelece entre os cristos a 0usta redistribui%o dos bens destinados
a todos $sto se dava atravs da atividade diaconal, tra.endo alvio para as necessidades
dos pobres e oprimidos, com recursos vindos dos ricos e abastados
3evemos nos lembrar a2ui 2ue na poca de Calvino todos os cidados de ?enebra
&a.iam parte da $gre0a, e aviam, pelo menos teoricamente, abra%ado o +vangelo
+videntemente 2ue Calvino &a.ia distin%o entre os verdadeiros cristos e os ip/critas 6as
em tese a $gre0a em ?enebra era to extensa 2uanto os limites da cidade e o nmero de
seus cidados Duando Calvino &alava em restaura%o social, ele tina em mente uma
sociedade civil governada por cristos re&ormados, 2ue aplicassem os princpios bblicos >s
2uest*es sociais, polticas e econ9micas 7u se0a, um +stado 2ue &osse orientado pela
$gre0a no exerccio de suas &un%*es
@ tambm importante notar 2ue para Calvino a re&orma da sociedade no completa
nem per&eita, visto 2ue os e&eitos do pecado no so de todo eliminados na presente poca
@ uma restaura%o parcial, portanto +la no consegue estabelecer plenamente a 0usti%a no
mundo presente Ao mesmo tempo, ela no abole determinados aspectos da ordem social:
permanece a ierar2uia determinada por 3eus entre o omem e a muler, o patro e o
empregado, os pais e seus &ilos
A plena aboli%o dos distrbios agora presentes da ordem social 4as in0usti%as, a
opresso, a corrup%o, por exemplo5 s/ se e&etuar plenamente no !eino de 3eus, no &im
dos tempos, para o 2ual marca toda a ist/ria dos omens e do universo ua vinda ser
precedida por convuls*es c/smicas +nto, Jesus Cristo regressar em gl/ria, e o prncipe
deste mundo ser ani2uilado Assim, ser ento estabelecido o novo cu e a nova terra,
onde abitam plenamente a 0usti%a 4L "e F;FI c& $s GE;KI GGLLI Ap L;;5
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3essa &orma, para Calvino, a $gre0a uma antecipa%o do reino de 0usti%a a ser
introdu.ido por Cristo em sua vinda Como tal, ela &unciona no presente como uma
sociedade provis/ria, governada pelas leis de Cristo +mbora 0 re&letindo estes ideais, a
$gre0a ainda no o &a. de &orma per&eita, o 2ue ocorrer apenas no &im dos tempos
A !esponsabilidade ocial da $gre0a
Duais as responsabilidades da $gre0a nesta restaura%o provis/ria da sociedadeP
"odemos resumir o ensino de Calvino em tr8s aspectos &undamentais egundo ele, a $gre0a
tina um ministrio didtico, um poltico, e um social
6inistrio 3idtico
+sse ministrio da $gre0a era para ser exercido atravs dos seus pastores e mestres
Consistia na instru%o pblica e particular, atravs de serm*es e orienta%o individual,
2uanto ao ensino bblico sobre a administra%o dos bens outorgados por 3eus ao +stado e
ao indivduo +m outras palavras, 6ordomia Crist
)omemos como exemplo a 2uesto do trabalo e descanso 3e acordo com Calvino, a
$gre0a deveria atravs do ministrio regular de seus pastores instruir seus membros no
ensino das +scrituras sobre o assunto +m suas $nstitutas Calvino escreveu o 2ue
possivelmente &oi o seu ensino em ?enebra sobre o trabalo: s/ 3eus alimenta o omem
dele vem as &or%as e as condi%*es para 2ue o omem trabale, e com seu suor, compre seu
po 7 trabalo, portanto, algo eminentemente digno pois a reali.a%o da vontade de
3eus para o omem Assim, o omem no se reali.a plenamente, seno no trabalo, pois
&oi para isto 2ue &oi criado e vocacionado, con&orme est escrito em ?8nesis ; e L 7
pecado tirou a alegria e a gra%a 2ue acompanava o trabalo no incio A 2ueda introdu.iu
no mundo e na sociedade umana os distrbios sociais relacionados com o trabalo4?8nesis F5 6as, em Cristo o omem reencontra a alegria e o gosto do labor
Duanto ao descanso, Calvino insistia 2ue era necessrio proporcionar aos
trabaladores um dia de descanso, o sbado cristo, 2ue o domingo, con&orme sua
interpreta%o do 2uarto mandamento 4Qxodo L=-;;5 7 descanso &sico, porm, est
intimamente ligado ao espiritual sem Cristo, no descanso verdadeiro no domingo
Assim, Calvino via a pro&ana%o do domingo como a origem da corrup%o do trabalo
egundo ele, necessrio cessarmos dos nossos labores, como 3eus cessou dos dele 4HeOF5 Assim, con&orme arel 0 avia orientado, o Conselo de ?enebra, debaixo da
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in&lu8ncia de Calvino, aboliu todos os &eriados cat/licos e determinou 2ue no domingo
cessasse todo labor em ?enebra
Atravs do plpito, exercendo o seu ministrio didtico, a $gre0a ento levantava o
nimo moral do trabalador assegurando-le 2ue mesmo os trabalos mais umildes so
onrados por 3eus, e 2ue 3eus assim determinou 2ue pelo trabalo o omem encontrasse
sua voca%o na vida + 2ue em Cristo, o trabalador encontraria a alegria e a satis&a%o 2ue
deveriam acompanar o labor dirio
Havia um outro aspecto do ministrio didtico da $gre0a 2ue consistia em repreender,
atravs das prega%*es, os membros 2ue estivessem incorrendo em pecados sociais Assim,
os pastores de ?enebra, orientados por Calvino, denunciavam do plpito a prtica da
cobran%a de 0uros excessivos por parte dos agiotas 3a mesma &orma denunciavam a
vadiagem (adiagem e parasitagem pecado, ensinava Calvino "ara ele, 2uando 3eus
criou o omem e o ordenou cultivar a terra, condenou com este gesto a ociosidade e a
indol8ncia No nada mais oposto > ordem da pr/pria nature.a do 2ue consagrar a vida >
beber, comer, e dormir, sem indagar sobre o 2ue &a.er 4l ;LFI L )s F;=-;L5
Calvino tambm &alava contra o desemprego causado pela ganncia dos ricos "rivar
um omem do seu trabalo pecado contra 3eus pois trabalo dom de 3eus, e o dever
2ue ordenou ao omem, ensinava Calvino @ tirar-le a vida pois os trabaladores pobres
dependem dia a dia do seu labor para o po com 2ue se sustentam e >s suas &amlias ao
contrrio dos ricos, 2ue t8m propriedades, reservas, etc Assim, promover o desemprego, na
opinio de Calvino, seria um atentado > vida do pobre, e portanto, um pecado contra o
mandamento BNo matars
+sse era o primeiro aspecto da responsabilidade social da $gre0a no pensamento de
Calvino, ou se0a, instruir seus membros, pela prega%o da "alavra, acerca dos princpiosbblicos sobre o trabalo e o descanso
6inistrio "oltico
Ao lado do +stado, a $gre0a tina um outro ministrio, na teologia social do re&ormador,
a saber, o ministrio poltico "ara entendermos melor o 2ue Calvino tem a di.er sobre isto,
vamos primeiro entender seu pensamento sobre a rela%o entre a $gre0a e o +stado
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"odemos resumi-lo no 2ue Calvino tem a di.er sobre !omanos ;F;-K, uma passagem
onde o ap/stolo "aulo menciona as autoridades e nossos deveres para com elas "ara
Calvino, a $gre0a e o +stado so duas institui%*es procedentes de 3eus 4!m ;F;-L5I so
instrumentos de 3eus para a vinda do eu !eino na terra A $gre0a as primcias deste
!eino vindouro, como 0 vimosI o +stado, por sua ve., deve manter a ordem provis/ria na
sociedade umana "ortanto, existem entre as duas institui%*es la%os durveis e essenciais,
e no simples rela%*es ocasionais
Dual a misso do +stado no pensamento de CalvinoP Ainda com base em !omanos
;F, Calvino sustenta 2ue o +stado deveria manter a ordem na sociedade 4con&orme sua
interpreta%o de ; )m L;-L5, prover o sustento da $gre0a, e promover os meios necessrios
para 2ue a0a a prega%o &iel da "alavra de 3eus entre os cidados 7u se0a, usando o
poder civil dado por 3eus, as autoridades deveriam envidar todos os es&or%os para 2ue a
religio verdadeira prevalecesse na terra
"orm, para Calvino isto no implica 2ual2uer inger8ncia do +stado nos neg/cios da
$gre0a 7 +stado &a. estas coisas atravs de uma boa legisla%o 2ue garanta a livre
prega%o da "alavra de 3eus A edi&ica%o da $gre0a se &a. apenas pela prega%o da
"alavra no poder do +sprito, e no pela inter&er8ncia do poder do +stado + a2ui Calvino
critica os demais re&ormadores 2ue dese0avam uma unio entre $gre0a e +stado, e 2ue o
+stado tomasse conta dos neg/cios da $gre0a 4como ocorreu parcialmente na Alemana5
e esta era a misso do +stado, 2ual seria a misso poltica da $gre0aP "ara Calvino,
em primeiro lugar, orar pelas autoridades constitudas 4; )m F;-L5 + isto, em 2ual2uer pas
em 2ue os cristos se encontrassem, independente da &orma de governo da2uele pas, por
mais ostis 2ue as autoridades &ossem, para 2ue se convertam e venam ao bom senso,
assim como Jeremias exortou os cativos a 2ue orassem pela 1abil9nia 4Jr L
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poder poltico ou econ9mico, e no t8m prote%o social Neste sentido, a $gre0a deve sempre
denunciar ao +stado, os ricos 2ue exploram a misria aleia em tempo de calamidade, os
2ue tiram partido da sua situa%o social ou o&icial para se enri2uecerem e se porem a
coberto Calvino entendia 2ue estas atitudes eram apropriadas para a $gre0a pois re&letiam o
ensino da lei de 6oiss e do ministrio dos pro&etas, ao denunciarem a opresso social em
$srael
"or &im, a $gre0a deveria recorrer > autoridade do +stado na aplica%o de san%*es
disciplinares, e solicitar do +stado as medidas necessrias para a manuten%o da ordem e
da 0usti%a social +m resumo, o ideal re&ormado era este: uma $gre0a politicamente livre,
inteiramente dependente da "alavra de 3eus, em um +stado 2ue le respeite e le &avore%a
o ministrio
6inistrio ocial
7 outro aspecto da responsabilidade social da $gre0a era a assist8ncia social A $gre0a,
segundo a teologia social de Calvino, deveria envolver-se ela mesma no cuidado dos
pobres, dos /r&os e das vivas en&im, dos necessitados + isto sem &a.er distin%o entre
os da igre0a e os de &ora 7u se0a, a assist8ncia social da $gre0a deveria contemplar inclusive
os estrangeiros e re&ugiados 2ue cegavam a ?enebra
7 ensino de Calvino sobre este ponto vasto +le trata do uso e des&ruto dos bens
materiais, e se dedica especialmente a expor o ensino bblico sobre o pobre e o rico, e sobre
a prtica das esmolas
7 /rgo encarregado do ministrio social da $gre0a, di. Calvino, o diaconato oi
Calvino 2uem primeiro resgatou esta &un%o bblica do o&cio diaconal +le ensinou 2ue os
diconos eram ministros eclesisticos, encarregados de toda a assist8ncia social da $gre0a4Atos G;-K5, e como tal, deveriam ser eleitos con&orme as regras estabelecidas por "aulo
em ; )im/teo F-;F At o0e em algumas igre0as !e&ormadas a administra%o &inanceira
da $gre0a e o uso dos recursos para a assist8ncia aos pobres e necessitados atribui%o da
0unta diaconal
7 diaconato, como bra%o do ministrio social da $gre0a, se desenvolve em tr8s a%*es
bsicas, segundo Calvino:
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;5 Administra%o dos bens destinados > comunidade A igre0a recebia recursos para a
assist8ncia social de duas &ontes: a generosidade dos &iis nas coletas levantadas para este
&im aos domingos, e o tesouro do +stado, atravs do Conselo de ?enebra, 2ue votava
verbas para este &im +stes recursos eram recebidos e administrados pelos diconos
L5 3istribui%o de &orma 0usta e igual entre os necessitados 7s diconos cuidavam
2ue todos os genuinamente carentes tivessem participa%o igual nos bens destinados aos
pobres Num ambiente marcado pela opresso social e pelas desigualdades, os diconos
certamente tinam muito trabalo a ser &eito, e necessitavam de muita sabedoria para &a.e-
lo
F5 (isita%o e cuidado dos doentes As guerras, a &alta de saneamento pblico, as
epidemias, a &alta de assist8ncia mdica do +stado, e a pobre.a, deixavam um saldo
enorme de doentes 7 ministrio dos diconos inclua o cuidado para com estas pessoas,
utili.ando-se 2uando necessrio dos recursos da $gre0a
@ necessrio observar 2ue no pensamento de Calvino o ministrio social da $gre0a era
de apoio ao +stado Cabia ao governo civil cuidar dos pobres, doentes e necessitados 6as,
como se tratava de uma tare&a de enormes propor%*es, a $gre0a vina como apoio e auxlio,
dando ela mesma assist8ncia social onde necessrio
A "rtica ocial de Calvino em ?enebra
"ersuadido por arel, Calvino se deixa &icar em ?enebra para auxiliar nas re&ormas
necessrias #ogo &icou claro 2ue, para ele, isto inclua ir alm das re&ormas eclesisticas
3ebaixo de sua in&lu8ncia, a $gre0a passa a agir de &orma marcante na vida social e poltica
da cidade A2uilo 2ue ele exp*e em suas $nstitutas procurou aplicar de &orma prtica >s
necessidades de ?enebra
7 diaconato organi.ado e entra imediatamente em a%o 7 Hospital ?eral, &undado
por arel, d assist8ncia mdica gratuita aos pobres, /r&os e vivas, com mdicos de
planto pagos pelo +stado @ criada a primeira escola primria obrigat/ria da +uropa
7s re&ugiados cegados a ?enebra recebem treinamento pro&issional e assist8ncia
mdica e alimentar, en2uanto se preparam para exercer uma pro&isso
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7/25/2019 Joo Calvino e a Responsabilidade Social
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7s pastores intercedem continuamente diante do Conselo de ?enebra em &avor dos
pobres e dos operrios 7 pr/prio Calvino intercedeu vrias ve.es por aumentos de salrios
para os trabaladores 7s pastores pregavam contra a especula%o &inanceira, e
&iscali.avam parcialmente os pre%os contra a alta provocada pelos monop/lios 3ebaixo da
in&lu8ncia dos pastores, o Conselo limita a 0ornada de trabalo dos operrios A vadiagem
proibida por leis: vagabundos estrangeiros 2ue no tem meios de trabalar, devem deixar
?enebra dentro de tr8s dias ap/s a sua cegada + os vagabundos da cidade devem
aprender um o&cio e trabalar, sob pena de priso 7 Conselo institui cursos
pro&issionali.antes para os vadios e os 0ovens, para 2ue ele possam entrar no mercado de
trabalo
+ &inalmente digno de nota 2ue avia uma vigilncia da parte de Calvino e demais
pastores de ?enebra contra a m administra%o pblica Houve inclusive o caso de um
&uncionrio corrupto 2ue &oi despedido por in&lu8ncia de Calvino
7 pr/prio Calvino levava uma vida modesta, apesar de todo o seu prestgio e
in&lu8ncia Na prtica, procurou viver intensamente os princpios 2ue de&endera em sua
teologia social A sua in&lu8ncia estendeu-se alm do seu tempo
7s "uritanos, autores da Con&isso de de Restminster e dos dois Catecismos,
&oram pro&undamente in&luenciados pelo ensino de Calvino, e sua teologia social no &oi
exce%o No captulo sobre o 6agistrado Civil 4Cap ''$$$5 a Con&isso de re&lete o
ensino de Calvino sobre a voca%o social e poltica dos cristos 4par L5, a independ8ncia da
$gre0a do +stado, para gerir seus pr/prios interesses, e o dever do +stado de proteger a
$gre0a crist 4par F5, o dever do +stado de assistir e proteger os necessitados
independentemente das convic%*es religiosas dos mesmos 4par F5, bem como o dever dos
cristos de onrar e de submeterem-se ao +stado 4par O5
Mm outro exemplo so as contnuas re&er8ncias > 2uest*es sociais e econ9micas
nestes smbolos da & re&ormada A exposi%o no Catecismo 6aior do sexto mandamento,
BNo matars, inclui como deveres exigidos BS a 0usta de&esa da vida contra a viol8nciaS
o uso s/brio do trabalo e recreios S con&ortando e socorrendo os a&litos, e protegendo e
de&endendo o inocente Como pecado, so includos BS a neglig8ncia ou retirada dos
meios lcitos ou necessrios para a preserva%o da vida S o uso imoderado do trabalo S
a opresso S e tudo 2ue tende > destrui%o da vida de algum
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Conclus*es
Duero concluir este ensaio com duas observa%*es sobre o ensino social de Calvino
"rimeiro, 2ue ele estava pro&undamente enrai.ado em sua teologia e em sua interpreta%o
das +scrituras +ra &ruto de suas convic%*es teol/gicas "ortanto, impossvel entender as
re&ormas sociais 2ue empreendeu em ?enebra sem os pressupostos da sua teologia
egundo, o pensamento social de Calvino tem produ.ido abundante &ruto na ist/ria
da umanidade, ap/s a !e&orma 6uitas das universidades, escolas, e asilos de 2ue temos
notcia &oram &undados por calvinistas 1oa parte das crticas &eitas contra os calvinistas, de
2ue so levados > inrcia e paralisia social por causa de sua 8n&ase na soberania de 3eus
em detrimento da responsabilidade umana, simplesmente revela um desconecimento
4propositalP5 dos &atos e uma ignorncia do 2ue se0a o Calvinismo
+ &inalmente, cabe-nos perguntar em 2ue sentido uma teologia social calvinista
poderia nos a0udar o0e, a2ui e agora, no 1rasil +videntemente existem pro&undas
di&eren%as culturais, polticas e religiosas entre a u%a do sculo '($ e o 1rasil do sculo
''$ 6as existem muitas semelan%as tambm, particularmente no 2ue se re&ere aos
problemas sociais Alm do mais, os princpios elaborados por Calvino para atender >s
2uest*es sociais e econ9micas so vlidos para n/s o0e, pois so bblicos Duer na u%a
medieval, 2uer no 1rasil moderno, permanece como verdade imutvel o &ato de 2ue a rai.
da opresso social espiritual e moral, como Calvino apregoou 1em como o &ato de 2ue
Jesus Cristo o enor de todas as coisas, em todos os lugares, e em todas as pocas, e
2ue seu reino se estende > poltica, > sociedade e > economia tanto de genebrinos 2uanto
de brasileiros
Assim, creio 2ue a $gre0a evanglica brasileira 4especialmente os re&ormados5 deveria
envolver-se em todos estes aspectos, usando os meios apropriados, lcitos e legais paraprotestar, advertir e resistir > in0usti%a social, usando a prega%o da "alavra para camar ao
arrependimento os governantes corruptos, os ricos opressores e os pobres pregui%osos, e
exercitando obras de miseric/rdia e assist8ncia social atravs de uma diaconia treinada e
motivada
)odo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista 2ue a misso
primordial da $gre0a promover a re&orma 4parcial e provis/ria5 da sociedade atravs da
proclama%o do +vangelo de Jesus Cristo, aguardando os novos cus e a nova terra ondeabita a plena 0usti%a de 3eus