Joao Maria Mendes:Intermedialidades

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INTRODUO S INTERMEDIALIDADESJOO MARIA MENDES

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Ttulo Autor Editor 1 edio Amadora ISBN

Introduo s Intermedialidades Joo Maria Mendes Escola Superior de Teatro e Cinema 50 exemplares Novembro de 2011 978-972-9370-11-3[2]

ApresentaoOs trs textos que aqui se renem O conceito de intermedialidade, Generalidades sobre palcos transitrios, elogio do novo ludus mundus e Cinema e intermedialidade foram escritos visando contribuir para o enquadramento terico-prtico da reflexo no mbito do projecto de investigao Intermedialities in Contemporary Theater, Performance and Film Portuguese Practices and International Context (Intermedialidades no Teatro, Performance e Cinema Contemporneos Prticas Portuguesas e Contexto Internacional), apresentado Fundao para a Cincia e a Tecnologia em Fevereiro de 2011 e tendo o autor como investigador responsvel. E acompanham, igualmente, a preparao do pedido de acreditao prvia da licenciatura em Artes Intermediais, que a Escola Superior de Teatro e Cinema preparou para submeter Agncia de Avaliao e Acreditao do Ensino Superior em Outubro do mesmo ano. O projecto de investigao (cdigo FCT: PTDC/EATAVP/119775/2010) visa produzir um retrato da diversidade das prticas intermediais contemporneas (no domnio das artes), retrato esse que induza efeitos nas literacias e pedagogias das suas reas cientficas Estudos Artsticos, Artes visuais e performativas e que estimule a investigao-baseada-na-prtica em instituies de ensino superior artstico em Portugal. A instituio residente do projecto a ESTC, no mbito do Centro de Investigao em Artes e Comunicao (CIAC), criado pela UALG e ESTC/IPL. Palavras-chave do projecto: Intermedialidades (Intermedialities) Remediaes (Remediations) Literacias (Literacies) Pedagogias (Pedagogies) Objectivos: os objectivos centrais do projecto assente nas prticas intermediais so os seguintes: 1. Dotar os contextos pedaggicos e o meio profissional e artstico dos utenslios tericos e crticos necessrios melhor compreenso do corpus estudado e dos conceitos estruturantes da reflexo sobre o mesmo corpus.[3]

2. Favorecer o conhecimento prtico e o empowerment das tecnologias usadas pelas novas prticas intermediais. 3. Promover uma interaco efectiva no seio da rede de instituies, e de especialistas nacionais e internacionais, que trabalham neste domnio como actores relevantes nas prticas em referncia. O projecto apoia-se fortemente na sua dimenso internacional. Metodologia: o retrato da contemporaneidade intermedial nas prticas artsticas estrutura-se em torno de trs enfoques bsicos: 1. Teatro e intermedialidade; 2. Cinema e intermedialidade; 3. Intermedialidade Teatro-Cinema. E cada um destes enfoques divide-se, por sua vez, nos seguintes subcaptulos comuns aos trs: a) Relance arqueolgico; b) Estado da arte; c) Anlise de prticas; d) Investigao-baseada-naprtica; e) Spectatorship e estudos da recepo; f) Literacias e pedagogias. Resultados: o projecto permitir a actualizao da reflexo sobre o estado das relaes interartes e das ocorrncias intermediais nas artes da cena e do ecr, articulando o trabalho de um conjunto de investigadores portugueses agrupados no CIAC na rede ou comunidade de investigao internacional nos mesmos domnios. Fomentar a investigao-baseada-na-prtica e produzir efeitos pedaggicos, designadamente propostas de criao de novos cursos e formaes nas instituies nele envolvidas. Obras em anlise: sero objecto de estudo as obras destinadas aos palcos ou aos ecrs em que se verifiquem influncias interartes analisveis e confirmveis como tal, ou ocorrncias intermediais deliberadamente procuradas e efectivadas.

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O conceito de intermedialidadeResumo: Conceito guarda-chuva (umbrella concept) que tem conhecido sucessivas reformulaes definitrias nas reas de investigao provenientes da histria da arte, dos estudos em comunicao (media studies ou communication studies), estudos interartes (interarts studies) das literaturas comparadas e dos estudos em cultura, o conceito de intermedialidade tanto entendido como um eixo de pertinncia de anlises aplicadas (Jrgen Mller), como um novo enfoque que reformula a teoria dos media, ou como nova rea epistemolgica inspirada na intertextualidade (Julia Kristeva), mas que se emancipou, quer dos estudos literrios, quer da teoria do texto (Barthes), ocupando-se dos media em geral e dos audiovisuais em particular (mas interessando igualmente a fotografia, as artes da cena e do ecr). A intermedialidade surge, assim, como rea de estudos onde convergem diversas interdisciplinaridades. Entender a extenso e as aplicaes do conceito no universo artstico e comunicacional contemporneo implica o mapeamento da geografia onde ele operativo, a identificao da sua gnese e a do grupo de pertena, com as suas materialidades e seus habitus, onde a intermedialidade surgiu e se afirmou. O presente texto esboa uma primeira introduo a este conjunto de temas, atento relativa disseminao semntica que tem marcado o conceito. Palavras-chave: Intermedialidade; Intertextualidade; Remediao. 1. Uma genealogia acadmica Os estudos em comunicao ou em mediologia foram por vezes lugares onde se produziu lxico tcnico de curta durao e que sobreviveu mal a inspiraes temporrias. Contra esse verbalismo especfico que no novo , caracterstico de certa investigao em humanidades, mais ocupada com a inveno de nomes do que com o conhecimento das coisas, preveniu Andr Lalande no seu Vocabulrio Tcnico e Crtico da Filosofia, inicialmente publicado ao longo dos primeiros vinte anos do sculo XX, depois de inventariar uma dzia de sentidos para determinado conceito que no vem ao caso aqui:[5]

Estudos

interartes;

Hibridao;

Concedo totum; mas sob duas reservas: a primeira que, no estudo crtico do vocabulrio, seja permitido escolher, entre as nuances contnuas da transformao semntica, os pontos mais importantes, para os fazer notar e sobressair, e isso sobretudo quando tais movimentos de sentido do mesma palavra (...) acepes (...) opostas; a segunda que, no uso da lngua, a elasticidade dos termos no sirva (...) para a enunciao de frmulas especiosas, que soam bem, mas onde a impresso favorvel produzida pelas palavras esconde ideias confusas, que se dissolvem quando analisadas; nem para a gerao de sofismas, cuja fraqueza se manifesta mal os expomos (tr. do a.).

A primeira precauo perante o conceito de intermedialidade, inscrito desde h cerca de duas dcadas no lxico tcnico-cientfico das principais lnguas ocidentais (em ingls intermediality, em francs intermdialit, em alemo intermedialitt, em espanhol intermedialidad, em italiano intermedialit, muitas vezes usados preferencialmente nos respectivos plurais), respeita, assim, sua especificidade, autonomia e mbito semntico : trata-se de uma nova designao para velhas coisas, ameaada pela entropia que apagou tanta novidade lexical transitria, ou refere-se a um espao cuja dinmica e mutaes no pem em causa, antes reforam a sua sedimentao, progressivamente mais legitimada pelo corpus terico que a gera, e comprovada por prticas e observaes rigorosamente descritas e reconhecidas como pertinentes? A palavra intermedialidade, referindo-se etimologicamente ao que se situa inter media, surgiu, de facto, na rea de estudos aplicados de comunicao, designando prticas comunicacionais desenvolvidas simultaneamente em, ou para, diferentes media, ou usando meios e dispositivos comuns a diferentes media: imprensa, rdio, cinema, televiso, internet. A convergncia dos media globalmente considerados para as novas plataformas digitais, a generalizao das TIC como utenslios comunicacionais nas indstrias culturais e criativas, acompanhando a socializao macia da Internet, tornou as intermedialidades mais dependentes da evoluo tecnolgica. Mas esta definio, que satisfaz parte da genealogia do conceito, insuficiente para compreender o que intermedialidade passou, entretanto, a designar. Melhor tentativa a produzida pelo Centre de Recherche sur[6]

lIntermdialit (CRI), precursor nesta matria, fundado por Andr Gaudreault e actualmente dirigido por ric Mchoulan e Jean-Marc Larrue no Dpartement dhistoire de lart et dtudes cinmatographiques da Universidade de Montral. Entre os materiais editados pelo CRI vejase a revista Intermdialits, desde 2003 uma publicao on-line de referncia sobre a intermedialidade,, e que define da seguinte forma o objecto dos seus estudos:O que est em jogo na intermedialidade () proceder ao estudo dos diferentes nveis de materialidade implicados na constituio de objectos, sujeitos, instituies, comunidades, que s uma anlise das relaes pode evidenciar. Tal empresa exige a convergncia de competncias transdisciplinares, visto implicar o estudo dos corpus tericos (sob o escalpelo de um novo aparelho conceptual necessrio passagem de uma lgica do ser a uma lgica da relao), uma perspectiva histrica (problema da constituio dos meios) e um enfoque experimental (problema da identificao das relaes). A intermedialidade afirma-se, assim, no s como posio epistemolgica (visando a instalao de realidades, mais do que as realidades j instaladas), mas tambm como plano de colaborao, por excelncia, entre as disciplinas que os membros do CRI representam (histria da arte, literatura comparada, comunicao, estudos literrios, cinematogrficos, audiovisuais, teatrais)(1).

Esta definio tem a vantagem de apontar para diferentes dimenses da intermedialidade : uma dimenso epistemolgica que pe prova enfoques e vocabulrios interdisciplinares; uma dimenso histrica traduzvel em estudos aplicados que pem em evidncia a genealogia da intermedialidade; uma dimenso experimental que acompanha e analisa prticas actuais. Uma coisa, porm, garantir a consistncia material do universo designado pelo conceito, outra bem diversa vencer a resistncia de cnones e de saberes consagrados contra a incurso do que novo. A relativa resilincia das universidades anglfonas e francfonas, por exemplo, na inscrio da nova intermedialidade entre as suas reas estabilizadas, em parte atribuvel desconfiana acadmica diante de novos termos resultantes da hiperactividade ideolectal, tem sido salientada por diversos autores, designadamente alemes (Cluver : 2006,11, aqui em traduo[7]

brasileira):Minha rea de interesse foi denominada nos EUA, por muito tempo, Artes Comparadas, termo compreensvel apenas para aqueles que o associavam a Literatura Comparada. Hoje em dia, a rea em que atuo recebe, em ingls, o nome de Interarts Studies, que corresponde a Estudos Interartes, em portugus, e Interartiella studier, em sueco. A lngua alem, entretanto, nada tem a oferecer que seja etimologicamente comparvel; ao invs disso, h anos se fala de Intermedialitt (Intermidialidade), em especial com referncia s relaes textuais que pertencem ao campo de interesse dos Estudos Interartes. Isso est, por exemplo, bem ntido no ttulo da coletnea Literatur intermedial: Musik Malerei Photographie Film [Literatura intermiditica: Msica Pintura Fotografia Cinema], organizada por Peter Zima em 1995.

De facto, foi sobretudo na Alemanha e nos pases europeus de lngua alem que a intermedialidade comeou por ganhar os contornos de um campo de investigao autnomo, num movimento fortemente acompanhado pelo CRI de Montral e por investigadores de lngua francesa e holandesa. Persiste, porm, um grande dficit de tradues de originais alemes para outras lnguas, sobretudo para o ingls. A falta de instituies anglfonas (europeias ou norte-americanas) equivalentes ao CRI ainda se faz sentir, tanto mais que a diversidade das lnguas europeias convida a que textos e discusses se desenvolvam numa lngua veicular comum o que contribuiria para a fixao de boa parte do vocabulrio tcnico caracterstico da rea. Mas esta dificuldade tem sido compensada pela forte mobilidade internacional da comunidade de investigadores, que tem funcionado em rede e demonstrando forte capacidade de articulao interna. relevante recordar aqui que Andr Gaudreault e Franois Jost (2000), no seu texto de apresentao do n 9 de Socits & Reprsentations, dedicado ao tema La croise des mdias , atribuem a Jrgen E. Mller a ressurgncia, no campo dos media studies, do conceito de intermedialidade, que j existe h algum tempo mas tem sido muito pouco usado. numa nota de rodap que fornecem as seguintes indicaes a este respeito:[8]

O termo foi ao que parece proposto pela primeira vez por Jrgen E. Mller, no final dos anos 80. Remetemos o leitor para o seu artigo Top Hat et lintermdialit de la comdie musicale (Cinmas, vol. 5, n 1-2, Outono de 1994, p. 211-220), onde o autor fornece (nota 6, p. 219) as referncias dos seus trabalhos anteriores sobre a intermedialidade, sobre a qual adianta (p. 213) : Se entendermos por intermedialidade que existem relaes mediticas variveis entre os media e que a sua funo nasce, entre outras coisas, da evoluo histrica dessas relaes, isso implica que conceber os media como mnadas isoladas irrecebvel (...). Veja-se, do mesmo autor, Intermedialitt : Formen moderner kultureller Kommunikation (Mnster, Nodus, 1995). Outra fonte alem : Franz-Josef Albersmeier, Theater, Film, Literatur in Frankreich. Medienwechsel und Intermedialitt (Darmstadt, Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1992), de que Mller publicou uma recenso no citado nmero da Cinmas. Ou, mais recentemente, a obra de Yvonne Spielmann, Intermedialitt. Das system Peter Greenaway (Mnchen, Wilhem Fink Verlag, 1998).

Regressando citao de Cluver, e tendo em conta a vasta tradio dos Interarts Studies nas instituies anglfonas, torna-se claro que parte dos contedos das intermedialidades neles se enrazam, autonomizando-se com maior clareza a partir da entrada macia dos media electrnicos e digitais nos domnios das artes e da comunicao, e propondo-se reconfigurar parcialmente, ou trabalhar interdisciplinarmente, com reas de estudo como os estudos literrios, de media, em cinema, em sociologia e histria das artes, outras. Como diz a Linnaeus University na apresentao do seu Forum for Intermedial Studies:Um problema das universidades contemporneas a extrema especializao que obsta compreenso aberta e s interaces profundas das artes e dos media. Recentemente, porm, estudos em intermedialidade () nasceram em universidades da Europa e dos EUA. Os estudos intermediais foram historicamente precedidos () pelos estudos em media e em comunicao e pela investigao interartes.

Surgem, entretanto, autores (Azcrate; Zepetnek, 2008, 66) mais impacientes, que tm reclamado contra o atraso com que as disciplinas e saberes tradicionais reconhecem a emergncia sociocultural da[9]

intermedialidade autonomamente reconhecida, desdobrando mais a crtica de Cluver:Constitui, de facto, um paradoxo confuso, que nem as teorias sociais da modernidade, da moderna publicidade ou dos media, nem as teorias das humanidades que abordam as diversas formas culturais, tipos de textos ou gneros, dediquem ateno bastante ao facto de o passado e o presente da cultura contempornea e dos media serem parte e parcelas da cultura e de media intermodais e intermediais (Lehtonen, 2001: 71). importante perceber que o processamento, produo e marketing de produtos culturais como a msica, os filmes, a rdio, programas televisivos, livros, revistas, jornais e os dos media digitais determinam que, hoje, quase todos os aspectos da produo e distribuio so digitais (2).

2. Campos de aplicao Dadas as diversas acepes do conceito de intermedialidade, devidas, sobretudo, pluralidade das reas de estudos e de prticas que ele designa, o plural intermedialidades pareceu prefervel aos participantes da workshop organizada em Amsterdam em Junho de 2009 pelo Standing Committee for the Humanities da European Scientific Foundation (ESF) Intermedialities: Theory, History, Practices por reconhecerem que ao singular conviria uma definio nica e genrica que fosse adoptada pelos estudos em literatura e em cinema, em comunicao ou dos media, pelos estudos em artes contemporneas e em performance, e ainda pelos estudos dos new media, o que se tem revelado problemtico, dando origem tanto a convergncias como a divergncias de sentido do termo. Isto mesmo foi reconhecido na comunicao de abertura do encontro (Verstraete, 2009: 8), apesar de a sua autora no fugir definio do conceito no singular :Muita da investigao no campo da intermedialidade vem de disciplinas exteriores aos estudos de media e comunicao : estudos em literatura, em performance, histria da arte, teoria do cinema, filosofia. Face presena impositiva dos media digitais no campo das artes e da cultura, os investigadores adoptaram a noo de intermedialidade para reconceptualizarem os seus objectos de estudo textos literrios, pintura, filmes perante o medium digital. Trabalhando nas fronteiras das suas disciplinas e procurando as [ 10 ]

passagens e ligaes entre estas e os estudos em media, adoptam explicitamente uma posio entre margens e centro, entre artes e media(3).

Algo de fundamental ficava esclarecido por estas palavras : no singular ou no plural, a intermedialidade ocupa, como a genealogia do termo indica, uma zona de fronteiras relativamente incertas entre as artes e o campo dos media reconfigurado pela sua prpria digitalizao generalizada. Isto significa que ela advm de um forcing tecnolgico que, em poucos anos (embora, para o entender, seja necessrio remontar poca da informatizao das sociedades), obrigou a uma redefinio de objectos de estudo em reas estabilizadas como a interartialidade a dos estudos interartes. E significa tambm que, nessa zona de fronteiras incertas, a intermedialidade analisa em especial as passagens, os lugares de cruzamento e de interaco entre as artes e o campo (digitalizado) dos media, embora sem enjeitar a herana cultural e artstica de todas as experincias interartes anteriores digitalizao : se a enjeitasse, seria um campo de estudos amnsico, contradio axial, sobretudo se atendermos relevncia dos enfoques historiogrficos a que tem dado origem, e que se contam entre as principais orientaes aplicadas da intermedialidade. Na sua comunicao de abertura da workshop de Amsterdam, a mesma autora especificava ainda (Verstraete, loc. cit.: 10), na tentativa de circunscrever com mais preciso o mbito do termo :Ocorre intermedialidade quando se verifica a inter-relao de diferentes e distintamente reconhecveis artes e media num determinado objecto, de tal modo que se transformam uns aos outros dando origem a uma nova forma de arte ou de mediao que ali emerge. Tais trocas alteram os media, suscitando questes cruciais sobre a ontologia de cada um deles, como quando Greenaway interroga o estatuto de imagens estticas ou em movimento ao integrar nos seus filmes representaes de fotografias ou de imagens digitais(4).

Depois de ter sido relativamente bem acolhido no domnio das literaturas comparadas e dos estudos em comunicao, o conceito de intermedialidade tornou-se, na rea artstica, em primeiro lugar operativo nas artes plsticas e visuais, onde dcadas de experimentao[ 11 ]

em cross media e mixed media prepararam a sua compreenso e aceitao. O fenmeno tambm ocorreu em Portugal, onde a dimenso intermedial comeou por ser referida, mesmo quando de modo meramente alusivo, e por vezes sobreposta de intermdia (Higgins, 1966), em designaes de cursos de artes plsticas e visuais: vejam-se as licenciaturas em Artes Plsticas e Intermdia (ESAP), ou em Artes Plsticas Pintura e Intermdia (Escola Superior de Tecnologia de Tomar). Outras instituies comearam por mestrados: Master in Visual Arts Intermedia (Universidade de vora, Escola das Artes), ou mantiveram-se na etapa multimdia: Arte Multimdia (FBAUL), Som e Imagem Produo de Vdeo, Audio ou Multimdia (Escola das Artes, U. Catlica-Porto), ou Design de Comunicao (FBAUP). Por sua vez, a Escola Superior de Teatro e Cinema prepara uma licenciatura em Artes Intermediais, prevista para se iniciar em Outubro de 2012, e centrada na intermedialidade das artes da cena e do ecr, mas aberta s demais intermedialidades. Naturalmente que, mesmo quando inscreveram a intermedialidade no seu vocabulrio e passaram a reconhec-la como rea autnoma de estudos, as instituies de ensino superior no abdicaram dos estudos comparatistas e interartes, que precederam a generalizao da ideia intermedial e subsistem e subsistiro, em muitas delas, como reas ou ramos estabilizados e assentes numa tradio prxima dos Cultural Studies. Depressa, porm, a intermedialidade artstica (a das artes plsticas e das artes visuais) passou a necessitar da proximidade de anteriores interdisciplinaridades e intertextualidades, dos cruzamentos e convergncias das prticas daquele universo mais antigo e mais vasto o das literaturas, das artes da cena e do ecr (como vimos). Passmos a falar de intermedialidade texto-cinema, fotografia-cinema, teatro-cinema, performance-dana-teatro-msica, msica-cinema, etc., ou da associao cumulativa e convergente de diversas intermedialidades. Devido, sobretudo, reescrita da histria dos media luz da intermedialidade, tornou-se hoje pertinente, por exemplo, falar de artes intermediais aquelas que mais deliberadamente praticaram e praticam hibridaes (ou hibridizaes) e remediaes na gerao de novas obras. A expanso semntica do conceito permitiu compreender de forma[ 12 ]

alargada a sua gnese emprica e pragmtica, apoiada em materialidades, e analisar os seus campos de aplicao atravs de estudos de casos. A intermedialidade tornou-se, como diz o CRI, num novo campo epistemolgico, repleto de novos objectos em anlise. possvel, por isso, como tambm diz o CRI, elaborar uma histria da (s) intermedialidade(s), apoiada em estudos de casos, que remonta a prticas comunicacionais mais ou menos complexas no sistema dos media, ganha relevo e significao nas artes plsticas e visuais desde logo a partir dos modernismos e do dilogo inter-vanguardas de finais do sc. XIX e primeiros 30 anos do sc. XX (atravs dos estudos comparatistas e interartes) e expande a sua influncia nas diversas artes da escrita, da cena e do ecr, mais tarde em ntima articulao com a importncia crescente das TIC e da convergncia digital. A releitura de exemplos modernistas e das vanguardas histricas pela histria da intermedialidade tem sido inumeramente experimentada. Veja-se, a ttulo de exemplo, um comentrio contemporneo (Gruber, Klemens: sd), a propsito de O Corno Magnfico encenado por Meyerhold em 1922, da forma ballet-cin-sketch e de Within the Quota, Paris, 1923: A escrita no palco leva [em Within the Quota, n.a.] a uma coliso de dois sistemas de representao apesar da presena decorativa das letras tomar logo o primeiro plano. Mas enquanto nesta pea ballet-cinsketch, como foi nomeada, um cameraman filma ou faz de conta que filma constantemente a ao no palco, a iluso do teatro defraudada: fica bem bvio que no se trata de uma cmera em funcionamento, mas de um simulacro, uma cmera de papel mach, montada como adereo e smbolo, como modelo da intermedialidade. Deste modo o espao ilusrio do teatro descomposto tendencialmente a um espao crtico (Hansen-Lve 1992: 41), que expe a prpria construo medial, mesmo que a cmera seja aqui um mero simulacro. O cameraman uma figura carismtica dos anos 1920. Estudos clssicos sobre as relaes entre teatro e cinema no expressionismo alemo, por exemplo, transformam-se em estudos de histria intermedial, produzindo uma nova literacia. Experimentaes cnicas que trazem para a cena dispositivos tecnolgicos como o vdeo, a fotografia, o cinema, a televiso, a edio e a mistura de sons,[ 13 ]

mas tambm a pintura e a escultura, a instalao, so entendveis como prticas artsticas intermediais. No caso portugus, e a ttulo de exemplo, a explcita opo pela teatralidade registada em parte das cinematografias de Manoel de Oliveira, Paulo Rocha, Joo Csar Monteiro, Jos lvaro Morais (Mendes, 2010), Antnio Reis e Margarida Cordeiro, entre outros, ou o surgimento, na cena teatral, de cenografias virtuais, projeces vdeo em tempo real ou pr-filmadas, imagens de computador, mesas de mistura onde se produzem bandas sonoras durante o espectculo, so indicadores de intermedialidade, histrica e contempornea, entre as artes da cena e do ecr, como a encenao de motivos fotogrficos exprimiu e exprime a intermedialidade entre artes da cena e imagem fixa, ou entre pintura e fotografia. A prudncia tem levado a uma compreenso aberta da intermedialidade como work in progress, que no tente encerr-la numa definio ontolgica e se mantenha atenta ao conjunto de processos tecnolgicos intermediais entendidos em devir. Ao mesmo tempo, pretende-se, com este gesto prudencial, no reduzir a intermedialidade s suas componentes ou anlise daquilo de que feita o que lhe roubaria o carcter de objecto de estudo autnomo e dinmico (Mariniello, 2000):Se, por exemplo, definimos a intermedialidade em termos de encontro e de relao entre duas ou mais prticas significantes msica, literatura e pintura, suponhamos, no seio de um media, o cinema , o ponto de partida ainda o da pr-existncia e da identidade das prticas separadas, e o ponto de chegada exprime, por seu turno, os resultados desse encontro : a identificao dos momentos hbridos, a anlise dos mistos, etc. O fluxo analisado, portanto imobilizado e decomposto. [Ora], a intermedialidade est mais do lado do movimento e do devir, lugar de um saber que no ser o do ser. Ou ento o lugar de um pensamento do ser j no entendido como continuidade e unidade, mas como diferena e intervalo(5).

Outros autores (Rajewsky, Irina, 2005: 43-64) propem subcategorias que identifiquem os diferentes tipos de objectos estudados pela intermedialidade. Poderamos, assim, falar de intermedialidade no[ 14 ]

sentido estreito relativo transposio medial como nos casos de adaptaes cinematogrficas, novelizaes, etc., onde est em causa a mudana de contedos originalmente associados a um media para outro media. Ou de intermedialidade no sentido de combinatrias mediais concebidas como tal desde a origem, como nos casos da pera, do cinema, teatro e performance, ou de misturas entre eles, mas tambm dos manuscritos acompanhados por iluminuras ou das instalaes multimedia, mixed media ou intermedia tal como Higgins a entendeu em 1966 (referindo-se s artes que surgem entre media). Ou identificando referncias intermediais de textos a filmes ou viceversa, e mais especificamente em casos em que um texto canibaliza procedimentos tcnicos caractersticos do cinema (zooms, dissolues e montagem ou edio sequencial) mas tambm em exemplos de ekphrasis (Hansen, 2006; Munsterberg, 2009), referncias cinemapintura ou pintura-fotografia. Alguns objectos ou prticas intermediais podem acumular caractersticas presentes nestas subcategorias. E qualquer destas subcategorias pode ser analisada, ora na perspectiva diacrnica (que se refere histria e genealogia da intermedialidade nos diversos media) ora na perspectiva sincrnica (que se refere s prticas analisando as suas tipologias, funcionamento e grupo de pertena num momento dado ou na actualidade). 3. Uma comunidade de conceitos Por outro lado, o enfoque histrico, filolgico e semntico da intermedialidade refere-a a outros termos e conceitos que com ela partilham territrios mais ou menos tradicionais, adquirindo valor no uso corrente da linguagem acadmica e profissional. O conceito , de facto, genealogicamente indissocivel dos de interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, intertextualidade, transmedialidade, remediao (ou remediatizao), traduo/transduo, adaptao/recriao/ transcriao, a partir dos autores que os desenvolveram e tematizaram. E esses autores podem ser, por exemplo, para interdisciplinaridade, multidisciplinaridade, transdisciplinaridade (se as entendermos na sua acepo de instrumentos bsicos e eminentemente pedaggicos), Gusdorf G., Tschoumy J.A., Roosen A., lidos em Interdisciplinarit, Colloque international, Universit de Lige, 1984. Ou Bailly J.M. e Schils J., em Trois niveaux d'interdisciplinarit , in Des chemins pour[ 15 ]

apprendre, FNEC, Bruxelas, Janeiro de 1988. Para o conceito de intertextualidade, a autora de referncia continua a ser a Julia Kristeva de 1967, com La rvolution du language potique. Para os conceitos de traduo / transduo / adaptao / transcriao, os autores de referncia so Gilles Deleuze, Samuel Beckett, outros. Para o conceito de Intermedialidade, os autores de referncia so Jurgen Mller, Ginette Verstraete, Irina Rajewsky, gnes Peth, Andr Gaudreault, a revista Intermdialits do CRI, outros. precisamente a partir de Jurgen Mller (2000: 106,107) que adoptamos a ideia de intermedialidade como eixo pertinente de observao das relaes imbricadas entre artes e media na poca actual:Nos ltimos anos, a comunidade de investigadores reconheceu a importncia do eixo de pertinncia da intermedialidade. Na Alemanha, sobretudo com os trabalhos de Franz-Josef Albersmeier, Volker Roloff, Joachim Paech, Yvonne Spielmann e tambm com os meus (por exemplo, Intermedialitt. Formen moderner kultureller Kommunikation. Munster: Nodus, 1996) e Texte et mdialit. Mannheim: Mana VII, 1987) que, inspirando-se em Higgins, Aumont (1989), Bellour, Jost, etc., propuseram enquadramentos tericos da investigao intermedial. Apesar das diferentes tonalidades tericas dessas propostas o papel especfico da diferena entre media e forma (Paech), a funo da heterotopia (Foucault) retomada por Barthes e Roloff, o interstcio (Deleuze), os lugares de passagem (Benjamin), a determinao do entre (Bellour) , possvel resumi-las numa frmula: A comunicao cultural tem hoje lugar como um complexo jogo inter media como propus no meu livro Intermedialitt (6).

Se a intermedialidade fosse apenas um novo nome para velhas coisas (ideia rejeitada por todos os autores citados, de Cluver a Mariniello e a Rajewsky e de Azcrate a Mller), ela limitar-se-ia a analisar, como em parte dos estudos interartes de propenso predominantemente histrica, casos como as obras-primas de Tenessee Williams filmadas por Elia Kazan, as de Shakespeare filmadas por Orson Welles e muitos outros, as transcriaes do prprio Beckett para televiso por encomenda da BBC, a influncia da pintura de Edward Hopper no cinema contemporneo (ou nos tableaux vivants em geral), a comear por J.-L. Godard e por Beineix, ou, mais prximo da antropologia visual das sociedades contemporneas, quais os motivos porque a[ 16 ]

mesma pintura de Hopper determinou tanto enquadramento, tanta escolha de ambientes cromticos e tanta imagem de cineastas contemporneos, e at de jogos de computador, enquanto a de Julian Freud ou, talvez por maioria de razo, a de Francis Bacon, viram barradas essa remediao, por efeito de interditos e de tabus por examinar, embora as obras de Freud e Bacon tenham visto garantido o acesso, enquanto pintura no remedivel, Internet museolgica e mais ou menos erudita. Estes estudos de casos, pertencentes, tanto ao domnio dos estudos interartes, como ao da intermedialidade, no esto, em boa parte, feitos, mas tarde ou cedo ser interessante faz-los, para compreendermos melhor o que nos condiciona na gerao de sentidos e novas recepes destes sentidos, em determinadas circunstncias socio-culturais onde o gosto se modifica, alterando o paradigma da recepo. E tambm para compreendermos de que depende, em determinadas circunstncias concretas e para uma determinada comunidade, a admisso de certos tipos de obras ao domnio reservado do patrimnio universal. Ser que as representaes da solido do indivduo humano, por Hopper, no pem em causa nenhum dos tabus maiores dessa solido, limitando-se a contempl-la com base num olhar exterior, contemplativo e protegido, gerador de acedia e de melancolia? Ser que os nus de Julian Freud, pelo contrrio, expem, na melhor tradio da pintura, o que no remedivel pelo cinema nem pelo teatro sem abrir a porta pornografia e ao voyeurismo? Ser que as desformidades expressionistas de Bacon impedem, tout court, outra remediao, para alm da cannica reprodutibilidade tcnica de Benjamin? Eis trs hipteses de trabalho que no podem ser lidas, antes de desenvolvidas, seno como peties de princpio meramente intuitivas, detendo a potencialidade de inspirar estudos esclarecedores, mas, de momento, confinadas ao estatuto da antiga doxa (opinio) analisada na Repblica por Plato. Hipteses virtualmente interessantes, porque pem em jogo o que sabemos sobre a estratificao das formas de recepo social das artes, sobre a subsistncia de um sistema de interditos menos alimentado, hoje, pela superestrutura ideolgica do Estado do que pela desregulao e auto-regulao do sistema dos media, e porque convidam a uma reflexo interdisciplinar para a qual concorram os[ 17 ]

estudos interartes, os estudos em intermedialidade e os estudos em cultura. 4. Intermedial, intermeditico H em Jrgen E. Mller (2006) um subtil deslizamento do intermedial para o intermeditico, que o mesmo autor corrige mais tarde (Mller 2010), mas onde ecoa o enraizamento da ideia de intermedialidade nos media studies da segunda metade do sc. XX. Duvidando da possibilidade de construir um mega-sistema compreensivo capaz de dar conta da totalidade dos processos em causa na intermedialidade, Mller prope um trabalho histrico, descritivo e indutivo, que nos conduzir progressivamente a uma arqueologia e a uma geografia dos processos intermediticos in progress, sem nunca perder de vista que a intermedialidade se desenvolve em contextos sociais e histricos especficos, interessando no apenas prticas mediticas e artsticas e suas influncias nos processos de produo de sentido num pblico histrico, mas tambm prticas sociais e institucionais. Mller espera que a intermedialidade assuma, apesar da sua vocao releitora e reescrevente, uma postura menos invasora, menos intrusiva e menos imperialista do que as adquiridas, nos anos 70 do sc. XX, pela semitica e pela teoria do texto. Por outro lado, uma arqueologia da intermedialidade nascida h vinte anos deve, em nosso entender, identificar a sua ligao aos estudos em cultura e sociologia do conhecimento : ela surgiu simultaneamente como um conjunto de exerccios de ekphrasis e evidenciando uma nova conscincia dos processos culturais, comunicacionais e artsticos que so parte da construo cultural e social da realidade nos sentidos explorados por Peter L. Berger e Thomas Luckmann (1966), pela instituio imaginria da sociedade de Cornelius Castoriadis (1975) e pelo construtivismo estruturalista de Pierre Bourdieu (1987) pelo que estas referncias, mesmo que remotas, fazem parte da sua genealogia. Mller recorda, a este respeito, que, quando a intermedialidade surgiu como novo enfoque da interaco entre os media, tinha como programa analisar : a) os processos intermediticos em certas[ 18 ]

produes mediticas; b) as interaces entre diferentes dispositivos; c) a reescrita intermeditica da histria dos media, privilegiando os efeitos socio-histricos destes processos. E significativo que, contra as iluses perdidas durante o processo de reproduo sistemtica do objecto terico da intermedialidade, o autor abandone o desejo de uma teoria-das-teorias, ou de um sistema-dos-sistemas, em favor de um enfoque mais centrado no repensar da histria dos media, na ideia de resto (trace) ou de vestgio deixado num media por outro ou outros, durante os processos intermediais e de remediao. O que est em causa, para ele, a materialidade das componentes heterogneas repertoriadas nos procedimentos intermediticos e identificveis como vestgios deixados pelas trocas entre os materiais : a intermedialidade ocupar-se-ia, deste modo, de uma inter-materialidade radical e prpria dos media quando definidos como em Gaudreault e Marion (um novo media um novo dispositivo, novo suporte tecnolgico e/ou nova hibridao semitica e/ou nova modalidade de recepo pblica e de discursividade social). No mesmo movimento, o Mller de 2006 pretende evitar a confuso entre os domnios da intermedialidade e os da interartialidade (noo emergente dos estudos interartes), porque, apesar do forte recobrimento parcial dos dois termos, a intermedialidade opera num domnio que inclui os factores sociais, tecnolgicos e mediticos, enquanto a interartialidade se limita reconstruo das interaces entre as artes e os procedimentos artsticos, inscrevendo-se numa tradio sobretudo poetolgica. Difcil separao: quando esboa uma genealogia da intermedialidade, todos os seus exemplos so artsticos ou relativos s artes : a ligao entre poesia e msica em Aristteles, ou entre msica, poesia, pintura e filosofia em Giordano Bruno; o intermedium no Quattrocento italiano, no Renascimento e em Coleridge; a ideia romntica de que as artes esto entre os media; a experincia do poetic drama e da Gesamtkunstwerk wagneriana; j no sc. XX, a articulao, por Mnsterberg, Balazs, Eisenstein, Bazin (com o seu argumento ontolgico a favor de um cinema impuro), entre investigao terica e prticas estticas. Para Mller, na intertextualidade dos anos 60 e 70, com Kristeva e Barthes, e na transtextualidade de Genette, que todo este percurso desemboca, mas recentrando a ateno de uma vasta rea de estudos no media literatura.[ 19 ]

A descolagem da ideia de intermedialidade relativamente intertextualidade representa precisamente o atingimento de prticas mediticas para alm do texto e da literatura prticas que entretanto passaram a ser descritas como hibridaes (ou hibridizaes) : colagens, fuses, misturas no mesmo suporte de materiais e de elementos heterogneos, sobreposies de contedos oriundos de diferentes artes ou domnios tcnicos. A ideia de hbrido em McLuhan torna-se central para a teoria dos media contemporneos, mas expande-se rapidamente para designar as relaes homemmquina, biolgico-mecnico, real-virtual, dicotmico-rizomtico e, passando a significar de mais, perde a sua especificidade, tornando-se excessivamente abrangente. por estas razes que Mller prefere definir o territrio da intermedialidade como uma arqueologia intermeditica dos media nas redes das sries culturais e tecnolgicas (como ele faz na sua arqueologia da televiso, analisando as remediaes, por esta ltima, da rdio, do cinema, do teatro, etc.), e que d igualmente conta da emergncia de novos fenmenos de recepo e da gerao/sedimentao de novos pblicos e sua mutao (por exemplo a substituio do espectador de teatro ou de cinema pelo user ou o surfer da internet e da interactividade). 5. Um texto de Gaudreault e Marion esta dimenso antes de mais arqueolgica e historial que devolve importncia ao artigo seminal de Andr Gaudreault e Philippe Marion (1999) Un mdia nat toujours deux fois, onde, a propsito do cinema, se explica o seu lento e fluido nascimento numa fase inicial algo catica, a sua institucionalizao e finalmente a sua hibridizao. No seu artigo, os autores tomam o cinema como exemplo do percurso que um media atravessa do seu nascimento sua institucionalizao socio-econmica, recordando que o cinema no se imps de imediato como media autnomo, antes representando, inicialmente, um novo meio para comunicar e difundir contedos e formas de media anteriores. E admitem, como hiptese de trabalho, que outros grandes media contemporneos (eles referem a fotografia, a banda desenhada, a rdio, a televiso, a internet) tenham percorrido igualmente essa forma de duplo nascimento o que autorizaria uma teoria do duplo nascimento dos media. A sua hiptese terica , assim, a de que so[ 20 ]

requeridas duas etapas cruciais para que um novo media (entendido, j o vimos atrs, como novo dispositivo, novo suporte tecnolgico e/ ou nova hibridao semitica e/ou nova modalidade de recepo pblica e de discursividade social) estabelea o seu lugar, identidade e reconhecimento. O que segue, em recolhido, a adaptao quase literal da ficha descritiva do texto de Gaudreault e Marion, disponibilizada pelo Centre de Recherche sur lintermdialit. O artigo foi inicialmente por eles apresentado numa conferncia em Montral a 3 de Maro de 1999. Nos termos desta ficha, provavelmente redigida pelos dois autores, os dois nascimentos descritos pelos autores so os seguintes:1 Um nascimento integrativo, mimtico, ou falso nascimento, sendo o novo media prisioneiro do feixe de determinaes ou dos gneros anteriores e j legitimados. Nesta fase, a sua prtica faz-se segundo os usos scio-culturais (nessa poca e numa certa colectividade) de outros gneros e media reconhecidos (sries culturais, tipo de espectculos em voga, etc.). A necessidade de o tornar autnomo e de usufruir de uma especificidade meditica ainda no se faz sentir ou no parece pertinente, de tal modo que as novas possibilidades do media se exprimem em complemento, como dependentes ou em continuidade de prticas mediticas mais antigas, reconhecidas e que ele parece prolongar. 2 Um nascimento diferencial ou autonomizao identitria : por via de deslizamentos ou de modificaes de prticas, por via de mutaes socio-econmicas, etc., o media revela parte das suas especificidades expressivas (comunicacionais, estticas, genricas), existindo inter-relao entre essa abertura autonomia e a evoluo do media e do seu potencial prprio que por sua vez coincidem com o reconhecimento institucional e o crescimento dos meios econmicos de produo. Com o seu artigo, Gaudreault e Marion pretenderam : evidenciar o interesse do enfoque histrico e genealgico sobre o nascimento de um media para a anlise de como os media e os gneros se entrecruzam, se interfecundam e interagem, quer na diacronia quer na sincronia, paradigmaticamente e sintagmaticamente; demonstrar como os discursos sociais e os usos culturais (a cultura meditica) constroem a identidade e o perfil gentico de um media; confirmar que s a integrao inicial numa continuidade, entendvel como [ 21 ]

dissoluo e absoro, gera a diferenciao e a afirmao identitria de um media, que surge ento dotado de uma singularidade e de um gnio meditico prprio o seu verdadeiro nascimento. Tendo substitudo mimeticamente os gneros e os media ambientes, e afirmado a sua singularidade, o novo media tornar-se- alvo de reivindicaes identitrias e aparecer como territrio virgem, propcio a novas criaes e a novas experincias comunicacionais.

Mas vale a pena dar um passo atrs e voltar ao Jrgen E. Mller de 2000 (loc. cit.) para entendermos que tipo de tipologia era ento proposta para descrever, pelo menos para efeitos de inventrio, os diferentes enfoques sobre a intermedialidade. Com efeito, no seu texto, Mller cita um ento jovem autor (Schrter, 2000) que lhe props as seguintes distines: Jens Schrter distingue os quatro tipos seguintes: 1. A intermedialidade sinttica, ou seja, a fuso de vrios media num intermedia, com as suas conotaes polmicas e revolucionrias (a obra de Dick Higgins, por exemplo); 2. A intermedialidade formal ou transmedial, investigao no-formalista de procedimentos formais (as publicaes de Joachim Paech e de Yvonne Spielmann) ; 3. A intermedialidade transformacional, anlise da re-representao de diferentes media num novo media (as publicaes de Maureen Turim); 4. A intermedialidade ontolgica, processo sempre presente nos media (7). Mais adiante, no mesmo texto, Mller explicava que o seu prprio trabalho ali (a genealogia da intermedialidade analisada num media como a televiso) pertence aos tipos 3 e 4 propostos por Schrter. Mas o que parecia saltar vista, nas propostas e declaraes do CRI, de Mariniello, de Mller e de Schrter, como, de outro modo, nas de Cluver, que, circa 2000, a intermedialidade, enquanto rea epistemolgica que se autonomizava e se separava das que a precediam, se encontrava ainda em fase de descrio sistemtica dos seus objectos, metodologias e aplicaes, repertoriando-os e redescrevendo-os em sucessivos inventrios analticos, como sucedeu com qualquer nova disciplina de conhecimento na travessia dos paradigmas de Thomas Kuhn. Este trabalho de redefinio de mbitos e de territrios no suprimia anteriores definies da intermedialidade[ 22 ]

oriundas mais estritamente dos estudos em comunicao ou em mediologia (e que ainda subsistem), antes as subsumia como no caso da que a seguir transcrevemos:Na investigao em comunicao podem identificar-se trs concepes de intermedialidade, relacionadas com diferentes definies do que um medium. A primeira, mais concreta, diz que a intermedialidade a combinao e adaptao de materiais separados que veiculam representaes e reprodues por vezes chamadas multimedia, como nos shows de slides acompanhados por som ou nos canais audio e vdeo da televiso. A segunda diz que o termo denota um acto comunicacional baseado em diversas modalidades sensoriais simultneas, como no cinema sonoro, que oferece em simultneo sons e imagens em movimento. A terceira diz que intermedialidade refere as inter-relaes entre medias enquanto instituies sociais, descritas em termos econmicos ou tecnolgicos como conglomerados ou convergncias (Klaus Bruhn Jensen citado in International Encyclopedia of Communication, ed. Wolfgang Donsbach, Oxford: Blackwell Publishing, 2008) (8).

6. Objectos multi-suportes O mesmo se passa para termos que pertencem ao universo semntico da intermedialidade ou dele esto prximos, como transmedialidade: vejamos como as suas definies correntes se referem estratgia de concepo de produtos multi-suportes, alargando assim a rea de aplicaes da intermedialidade a um novo permetro:Transmedialidade refere-se a uma mudana (transformao) de um media para outro, quer de contedos quer de formas. Na era dos novos media, testemunhamos um mundo cada vez mais intermedial, onde as fontes de cultura so modificadas, digitalizadas e remediadas. A mesma histria contada de vrias formas. Por exemplo The Matrix um filme, um IMAX film, um DVD, uma animao, um jogo e est na Internet. Juntos, criam a experincia no seu conjunto. Como disse Jenkins: o todo valorizado pelos novos textos em novas plataformas (Jenkins 2006:95). (Posted por Patrycja Cudak a 15 de Maro, 2010) (9).

Ora, a concepo de contedos e formas para diferentes suportes no[ 23 ]

nova: as indstrias culturais, tal como as descreveram e criticaram, em seu tempo, Adorno e Horkheimer, praticaram-na durante dcadas. Pense-se no cinema e na edio separada de bandas sonoras de filmes: West Side Story (1962) de Robert Wise e Jerome Robbins, trazia consigo a msica de Leonard Bernstein, que viveu e vive a sua vida prpria, editada em vinyl e em cd; Verdes Anos (1963) de Paulo Rocha trazia consigo a msica de Carlos Paredes, que, editada em separado, tambm sobreviveu ao filme. Muitos outros filmes foram cinematizaes de obras literrias ou deram origem a livros. Nas primeiras dcadas do cinema, a cinematizao de obras literrias correspondeu, muitas vezes, ao desejo da produo (pense-se no Studio System americano) de dar vida flmica a obras que tinham obtido xito como livros. Na tradio teatral, predominou longamente a reencenao (recriao) de peas publicadas em livro. Nos casos de livros tornados filmes e cuja banda sonora foi editada parte, estamos j diante de trs suportes distintos. Nesses mesmos casos, se o livro de base foi uma pea de teatro levada ao palco, estamos diante de quatro suportes. Seria possvel multiplicar os exemplos de projectos que se tornaram multi-suportes em todos os domnios das artes da cena e do ecr. A seu modo, quer por via de exemplos como estes, quer por via das intertextualidades, citaes e contaminaes entre obras, as artes da cena e do ecr so h muito intermediais e multi-suportes. Percorrendo um caminho inverso, teatro e cinema produziram obras de convergncia, onde coabitavam (com o teatro ou o cinema) msica, performance, dana. O cinema main stream, por seu turno, procurou em comics e em bandas desenhadas histricas personagens, sagas e narrativas que posteriormente relanou. O que novo, desde o incio dos anos 90 do sc. XX, em pleno surto e socializao dos computadores e das TIC, acompanhado pelo crescimento e evoluo da www e por uma nova diversidade plurifuncional dos ecrs, a concepo de projectos multi-suportes desde a sua ideia inicial sua disseminao em diversos media. Exemplos como o de Twin Peaks de David Lynch (1992) mostram o surgimento de ideias que visaram desde a sua concepo tornar-se livro, filme, srie televisiva e msica editada em separado. Greg Roach concebeu[ 24 ]

para a produtora Fox o jogo X-Files, the Game, a partir da srie televisiva homnima. A White Wolf Game Studio (criada em 1991) desenvolveu o projecto World of Darkness, que deu origem a uma saga de 13 novelas editadas em livro, a sucessivas geraes de jogos de computador ( do tipo role-playing games, RPG) com os respectivos manuais, e um jogo de cartas. A expanso de novos dispositivos comunicacionais associados blogosfera veio alargar o campo meditico que pode interessar tais projectos. A anlise das estratgias multi-suportes a que o mercado nos habituou pode, assim, ser um campo adicional de estudos de histria intermedial incluindo, naturalmente, exemplos contemporneos. 7. Remediao e seu universo Na sua incidncia mais claramente epistemolgica, o conceito de intermedialidade , ainda, indissocivel da j citada remediao (Bolter e Grusin, 1998): ao apropriar-se de contedos e formas de media anteriores, ou de outros media, cada dispositivo retrabalha, reedita, recria ou readapta esses contedos e formas, ajustando-as s suas capacidades prprias: o cinema remediou a fotografia, a msica e o teatro, como a fotografia tinha remediado a pintura obrigando-a a afastar-se da mimesis mais ou menos naturalista; o teatro pode remediar o vdeo, a msica, a performance, as belas-artes e o cinema. As artes cnicas, o cinema e a televiso remediaram contedos e formas da banda desenhada, das literaturas maiores e menores, do mesmo modo que artes e culturas eruditas remediaram artes e culturas populares, e vice-versa, e que jogos de computadores remediaram sagas mticas ou arquetipais e epopeias. A autonomia de cada media vive, em grande parte, da separao da sua heteronomia, como explicaram Gaudreault e Marion. Veja-se o que diz a contra-capa de uma das edies de Remediation sobre o que designado pelo conceito:A crtica dos media continua cativa do mito modernista do novo: ela assume que as tecnologias digitais como a WWW, a realidade virtual e os computer graphics se devem divorciar dos media seus antecessores, usufruindo de um novo conjunto de princpios estticos e culturais. Bolter e Grusin desafiam esta concepo, propondo uma teoria da mediao para a era digital: eles argumentam que os novos media [ 25 ]

visuais alcanam relevncia cultural precisamente por homenagearem, rivalizando com eles e redesenhando-os, media como a pintura perspectivista, a fotografia, o cinema e a televiso. Chamam a este processo remediao e anotam que tambm os antigos media redesenharam os seus antecessores: a fotografia remediou a pintura, o cinema remediou as artes cnicas e a fotografia, como a televiso remediou o cinema, o vaudeville e a rdio(10).

A histria das influncias recprocas, contaminaes, adaptaes e remediaes entre artes ou entre modos de produo de obras de cultura to antiga quanto as prprias artes e as culturas, exprimindo o vasto e multmodo movimento de apropriao, por autores, artistas, tcnicas e dispositivos, da experincia adquirida por outros autores, artistas, tcnicas e dispositivos. Este fenmeno tambm pode descrever-se como uma contnua actividade de canibalizao entre autores, artistas, tcnicas e dispositivos. Nos anos 60 e 70 do sc. XX, cineastas como J.-L. Godard ou dramaturgos como Heiner Mller, por exemplo, militaram contra os direitos de autor ou contra a propriedade intelectual, defendendo que a canibalizao de formas e contedos o prprio motor das artes e da cultura. Mas intermedialidade no sinnimo de canibalizao (embora a subsuma), porque se refere mais genericamente ao contacto e ao uso comum de formas, contedos e dispositivos, ultrapassando as antigas fronteiras entre artes, tcnicas, gneros e formas cannicas num movimento proporcionado pela evoluo tecnolgica. Foi, alis, a generalizao das TIC e a sua entrada macia no universo comunicacional, cultural e artstico, que levou substituio do conceito de indstrias culturais, estudado por Adorno e Horkheimer em 1947, pelo de indstrias criativas, teorizado no Reino Unido pelo governo de Anthony Blair no final da ltima dcada do sc. XX e nos primeiros anos do sc. XXI. Se a dcada de 70 do sc. XX foi dominada pelo prefixo meta (meta -texto, meta-fico, meta-cinema); se os anos 80 foram dominados pelo prefixo ps (ps-modernidade, ps-fordismo, psindustrializao); se os anos 90 foram dominados pelo prefixo hiper (hipertexto, hiperfico, hipermercado), hoje vivemos anos dominados pelo prefixo inter (que herda das interdisciplinaridades, intertextualidades, estudos interartes), abrindo caminho ao domnio intermedial.[ 26 ]

Tambm possvel seguir a determinao semntica do termo intermedialidade atravs da bibliografia especializada a que a rea de estudos tem dado origem, e a que vale a pena aludir de forma sinttica (para alm da referncia atrs feita ressurgncia do termo pela mo de Mller) : por exemplo J. Sage Elwell (2006), tentando localizar os primeiros usos do termo intermedia, atribui-o a Dick Higgins nos anos 60, mas outros atribuem-no a Coleridge, por um uso inicial e no retomado do termo intermedium, num escrito de 1812. No entanto, como j foi descrito (Friedman, 1998),Coleridge referia-se a um ponto especfico entre dois tipos de sentido no uso de um medium artstico. Intermedium era para ele um singular, quase um adjectivo. Pelo contrrio, a palavra intermedia de Higgins refere a tendncia, nas artes, para se ser ao mesmo tempo um tipo ou forma de arte e uma maneira de ver ou conceber as artes(11).

Para Higgins, a designao intermedia referia-se a obras com as de John Cage, Nam June Paik e do movimento Fluxus, bem como s works of art that fall between media. Em 1999, o Centre de Recherches en Intermdialits (CRI), co-fundado na Universit de Montral por Gaudreault, Mller, outros, organizou a sua primeira conferncia, La nouvelle sphre intermdiatique, e em 2000 publicou as respectivas comunicaes na revista Cinmas (disponvel on line). Outras conferncias europeias sobre Intermedialidade tiveram mais recentemente lugar em Konstanz (2006), Vxj (2007) e Amsterdam (a ESF Exploratory Workshop: Intermedialities, em 12-14 de Junho de 2009, acima referida). Desde meados da dcada de 90, emergiu uma vaga de textos e publicaes que abordam directa ou indirectamente a intermedialidade; entre elas: Icons - Text - Iconotexts. Essays on Ekphrasis and Intermediality (Wagner, 1996); Intermedialitt: Formen moderner kultureller Kommunikation (Mller, 1996); Intermediality as Inter-esse. Philosophy, Arts, Politics (Oosterling/Plonovska-Ziarek 2004);Intermedia: Enacting the Liminal (2005); Intermedialitt: Das System Peter Greenaway (Spielmann 1998); Intermediality (Semali/Pailliotet 1998); Framing Borders in Literature and Other Media (Wolf 2006).[ 27 ]

No conjunto, destaca-se, pela qualidade, a Intermdialits, editada pelo CRI, ou a Convergence (sobretudo os seus nmeros especiais sobre Intermedia, de 2002, e sobre Hybrid Identities in Digital Media, 2005, editados por Spielmann). Em 2010, o livro Mapping Intermediality in Performance, editado por Sarah Bay-Cheng, Chiel Kattenbelt e Andy Lavender, alargou a reflexo performance, s artes da cena e s prticas pedaggicas que as acompanham. No mesmo ano, gnes Peth publicava, nas Acta Univ. Sapientiae, Film and Media Studies, n 2 (da Sapientia Hungarian University of Transylvania, Cluj-Napoca, Romania), as comunicaes apresentadas na workshop da ESF de Junho de 2009 em Amsterdam, que se tornaram no mais recente conjunto de textos de referncia sobre cinema e intermedialidade ( data de redaco do presente texto). 8. Sobretudo, investigar Trabalhar na rea das intermedialidades significa sobretudo investigar ora no universo terico que as humanidades se habituaram a designar por reflexo fundamental, ora em aplicaes e estudos de casos. A este respeito vale a pena recordar, respigando-a de textos de um projecto de investigao recente, o Main Trends in Contemporary Portuguese Cinema, (Mendes et. al., 2010) a seguinte citao, que mantm a sua pertinncia no presente contexto : a investigao nas reas das artes e da cultura produz tradicionalmente mais dissertaes resultantes de reflexo terica do que trabalhos aplicados, articulados com a prtica. Aqui, tivemos em mente a recomendao genrica sobre a investigaobaseada-na-prtica, contida no relatrio Reforming Arts and Culture Higher Education in Portugal (Hasan, 2009) :A investigao baseada na prtica, nas artes criativas e performativas e no design, tem potencial para estimular as economias culturais e criativas nacionais (12).

No mesmo relatrio, identificando os objectivos da investigao baseada na prtica, nos domnios da arte e da cultura, escreviam os seus autores:[ 28 ]

Um problema do desenvolvimento de investigao em artes e cultura foi a tendncia para se lhe adaptarem modelos e prticas vindas das cincias fsicas e da natureza (onde investigao sinnimo de produo de novos conhecimentos), o que levou amide produo de textos quase-cientficos que no fazem avanar a investigao baseada na prtica no domnio especfico das artes e da cultura. A investigao em artes e em cultura pode perseguir objectivos que incluem: A produo de novos conhecimentos. O teste de conhecimentos existentes para determinar as suas limitaes. A reconstruo de saberes e conhecimentos perdidos. A compreenso, pelo pblico, da investigao em artes e em cultura (13).

E acrescentavam ainda, referindo-se a uma dimenso que aqui tambm nos interessa:Uma questo prpria das artes e da cultura tem sido o envolvimento de criativos (artistas, designers, performers) na investigao (...). Muitas vezes estes criativos confundiro as suas prticas independentes com investigao acadmica como se fossem uma e a mesma coisa. Ora, no so: alguma prtica ser investigao, e outra no o ser. A investigao conduzida em instituies de ensino superior obriga a um compromisso profissional que pode recobrir, mas se distingue, das prticas criativas independentes. O investigador ter de aceitar o seu papel de intelectual pblico (...), com o dever de devolver ao bemestar social, cultural e econmico os saberes adquiridos na investigao (14).

Estas consideraes interessam-nos, aqui, pelo contributo que oferecem definio do que seja a investigao em artes incluindo as artes intermediais e pela repartio de mundos e metodologias representada por investigadores scholars, por um lado, e especialistas, por outro sendo certo que qualquer investigao nestas reas conta, inevitavelmente, com uns e outros. Significativamente, a partir da dcada de 90, surgiram variados programas de formao de 2 ciclo (MA) e 3 ciclo (PhD) na rea das intermedialidades, em instituies norte-americanas e europeias do[ 29 ]

ensino superior, geralmente articuladas com Centros de Investigao. Este surto de novas formaes, que mais tarde se expandiu para licenciaturas (BA), contribuiu para tornar as instituies menos monodisciplinares e menos mono-mediais, dotando-as de capacidade para fornecer ensino a partir de crossmedia resources nos domnios das artes e dos media. O estudo da intermedialidade nas artes articula-se, nos termos da Bauhaus University (Weimar), com os estudos em Cultura na era da medializao e da globalizao, e surge como rea de formao estratgica nas sociedades do conhecimento e da inovao. Instituies europeias de ensino superior, como a Linnaeus University (Sucia), Bristol University (fc. BA Drama), Universit Lumire (Lyon 2) ou a University of Essex, partiram das suas anteriores ofertas separadas de formao em cinema, teatro, literatura, escrita criativa, etc, para (sem delas abdicarem), proporem novas ofertas de formao interdisciplinares, transversais e associativas. A proximidade desta nova rea de estudos com as de Estudos em Cultura (Cultural Studies) e Estudos em Comunicao (Media Studies) veio acrescentar, a esta rea, sinergias produzidas por diferentes campos e por nova dinmica docente. A Maastricht University, a Maastrich Theatre Academy, a Universidade de Siegen, a University of the West of Scotland), a Central School of Speech and Drama (U London), a VU Amsterdam, a Universidade de Bayreuth (Al.), seguiram esta tendncia para autonomizar os estudos em intermedialidade; outras tm em curso esse programa. Em geral, a formao nesta rea tende a ser entendida como um novo corpus extensivo aos trs ciclos do ensino superior e muito apoiada na investigao. Por vezes, instituies europeias associaram-se para criar novos programas e formaes: por exemplo, o BA em European Media Studies foi criado por uma parceria entre a Bauhaus de Weimar e a Universit Lumire, apoiada pela "Deutsch-Franzsische Hochschule" (DFH-UFA). A European Science Foundation, associada s universidades de Strasbourg, VU Amsterdam, Universit Cattolica del Sacro Cuore (Milano), Medienwissenschaft Universitt Siegen, outras, tem dedicado particular ateno nova rea de estudos (cf. os workshops como o de 2009 em Amsterdam). Tambm a Complutense de Madrid criou o[ 30 ]

SIIM (Studies on Intermediality & Intercultural Mediation). Em outros continentes, o Massachusetts Institute of Technology (MIT), a Universit de Montral, diversas universidades americanas, a University of Canterbury (NZ) ou a Queensland Academy for Creative Industries (Australia) desenvolvem programas comparveis, em articulao, ou no, com universidades europeias. Bibliografia citada e de referncia:AAVV, Intermedialits, revista on line do Centre de Recherches en Intermdialits (CRI), Universit de Montral. AZCRATE, Asuncin Lpez-Varela; ZEPETNEK, Steven Totosy (2008), Towards Intermediality in Contemporary Cultural Practices and Education, in Culture, Language and Representation, Cultural Studies Journal of Universitat Jaumei, ISSN1697-7750. Vol. VI, pp. 65-82. BAY-CHENG, Sarah, KATTENBELT, Chiel, LAVENDER, Andy (ed) (2010), Mapping Intermediality in Performance, Amsterdam University Press. BENFORD, Steve, & GIANNACHI, Gabriella (2011), Performing Mixed Reality, MIT Press. BERGER, Peter L., e LUCKMANN, Thomas (1966) The Social Construction of Reality. A treatise in the sociology of knowledge, Harmondsworth, Penguin, 1991. BOLTER, Jay David & GRUSIN, Richard (1998), Remediation Understanding New Media, MIT Press. BOURDIEU, Pierre (1987), no texto "Espace social et pouvoir symbolique ", in Choses dites, Paris, Minuit, 1987, explica-se do seguinte modo sobre o construtivismo estruturalista: "Par structuralisme ou structuraliste, je veux dire qu'il existe, dans le monde social lui-mme, [...] des structures objectifs indpendantes de la conscience et de la volont des agents, qui sont capables d'orienter ou de contraindre leurs pratiques ou leurs reprsentations. Par constructivisme, je veux dire qu'il y a une gnse sociale d'une part des schmes de perception, de pense et d'action qui sont constitutifs de ce que j'appelle habitus, et d'autre part des structures sociales, et en particulier de ce que j'appelle des champs." CASTORIADIS, C., LInstitution imaginaire de la socit, Paris, Seuil, 1974. CLUVER, Claus (2006),Inter Textus / Inter Artes / Inter Media, in Aletria jul. dez., pp. 11-41, disponvel na url: . ELWELL, J. Sage (2006), Intermedia: Forty Years On and Beyond, in Afterimage 33.5 (March/April), pp. 25-30. FRIEDMAN, Ken, (1998), Friedman's contribution to "Fluxlist and Silence [ 31 ]

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baixos oramentos dos filmes uma trouvaille filha da falta de meios ora como procura, la Syberberg, de uma identidade cinematogrfica de ruptura com a gramtica e a narratividade herdadas do studio system e dos seus inmeros nefitos. Trata-se de tentar transformar uma fraqueza em fora, como quem diz: No h dinheiro para fazermos isto a srio? Ento fazmo-lo a brincar, mas levando a brincadeira muito a srio. A cena x deveria ser um interiorexterior em tenda real no meio de um acampamento militar, visitado por 50 cavaleiros que vm fazer um ultimato ao rei? E no possvel produzi-la com os meios necessrios iluso de realidade? Ento teatraliza-se, sai-se deliberadamente para o falso e para a irrealidade, monta-se a tenda mas o acampamento pintado em carto, reduzem-se os visitantes a cinco e na melhor das hipteses arranja-se um cavalo. Jos lvaro Morais admite que o resultado pode ser kitsch, e que precisa lata para o assumir (tal assuno representa um dos perfis da entrada oficial do kitsch no cinema). Noutro registo, esta opo explica o que leva um Manoel de Oliveira a definir o cinema, em diversos momentos da sua longa carreira, como teatro filmado (c estamos de novo diante da impreciso dos termos: no se trata de colocar uma cmara fixa diante do palco do D. Maria, ou de filmar teatro com as trs clssicas cmaras da televiso embora, prximo deste ltimo modelo, se tenham feito obras-primas, como As bacantes de Eurpides, no original Die Bakchen, magistralmente realizado para televiso em 1974 por Klaus-Michael Grber, em 207 mn., a partir da sua encenao da mesma pea, no mesmo ano). Uma tal definio o cinema teatro filmado presta-se a equvocos, porque se trata, sim, de explorar at a um novo limite e a um novo pathos que s a cmara cinematogrfica v de muito perto recursos expressivos caractersticos do teatro (o que Grber fez), da pantomina, do circo, dos antigos autos, transformando-os em objectos patticos e especificamente criados para o olhar cinematogrfico, transformando-os em teatro que s existe no cinema, porque a mobilidade da cmara no interior do espao encenado (inteiramente criado para ela) altera irreversivelmente a posio e o ponto de vista do espectador como, precisamente, fez Syberberg. verdade que, ao longo da histria do cinema, se fez muito teatro filmado. Mas, ainda noutra vertente bem distinta destas, teatro e cinema tambm se interligam como em parte da obra de Ingmar Bergman, seguindo as pisadas do Kammerspiel film alemo dos anos 20, inspirado nas encenaes de Max Reinhardt e no teatro do sueco Strindberg, e tornando-se intimista e naturalista como em Cenas da vida conjugal, de 1974, remontagem condensada de uma srie de seis episdios feita para a televiso sueca (1 episdio: Inocncia e pnico; 2: A poltica da avestruz; 3: Paula; 4: Vale de lgrimas; 5: Os analfabetos; 6: No meio da noite numa casa obscura algures no mundo. Estreias entre [ 34 ]

11 de Abril e 16 de Maio de 1973). Quase sem recurso a exteriores, filmando com diversas cmaras, Bergman est, aqui, apenas atento ao seu script, e ainda mais aos seus dilogos (s palavras) e aos seus actores (o filme um vasto exerccio sobre a palavra e a representao intimista). Mas esse outro veio da teatralizao do cinema, mediada pela linguagem e dispositivos televisivos, e que favorece em extremo, dada a proximidade das cmaras em relao representao a frequncia de grandes planos prolongados, por exemplo o voyeurismo do espectador. E no se trata de um modus faciendi particularmente novo: na genealogia do Kammerspiel film esto os trabalhos do argumentista Carl Mayer e do actor e realizador Lupu-Pick, 50 anos antes. um teatro cinematogrfico forte, mas que tem pouco a ver com o de Jos lvaro Morais e com a aprendizagem de onde ele veio. MLLER, Jrgen E. (2000), Lintermdialit, une nouvelle approche interdisciplinaire : perspectives thoriques et pratiques lexemple de la vision de la tlvision , in Cinmas : revue d'tudes cinmatographiques / Cinmas: Journal of Film Studies, vol. 10, n 2-3, pp. 105-134, . MLLER, Jrgen E. (2006), Vers lintermdialit Histoires, positions et options dun axe de pertinence in Mdiamorphoses n 16, pp 99110, INA, Bry-sur-Marne, url: . MLLER Jrgen E. (2010), Intermediality and Media Historiography in the Digital Era in Acta Univ. Sapientiae, Film and Media Studies, n 2, pp. 1538. MUNSTERBERG, Marjorie (2009), Ekphrasis, in Writing About Art, Marjorie Munsterberg 2008-2009, url: . MURRAY, Janet H. (2011), Inventing the Medium Principles of Interaction Design as a Cultural Practice, MIT Press. RAJEWSKY, Irina O. (2005), Intermediality, Intertextuality and Remediation: A Literary Perspective on Intermediality, in Intermdialits n 6, Outono. ROSEN, Margit (ed) (2011), A Little-Known Story about a Movement, a Magazine, and the Computers Arrival in Art New Tendencies and Bit International, 19611973, MIT Press. SCHROTER, Jens (2000), Intermedialitt. Facetten und Problme eines aktuellen medienwissenschaftlichen Begriffes ., in . SHAW, Paul (2011), Helvetica and the New York City Subway System The True (Maybe) Story, MIT Press. [ 35 ]

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and media. 4. Intermediality occurs when there is an interrelation of various distinctly recognized arts and media within one object but the interaction is such that they transform each other and a new form of art, or mediation, emerges. Here the exchange alters the media and raises crucial questions about the ontology of each of them, as when Greenaway interrogates the status of the moving and static image by integrating in his films representations of photography and of the digital image. 5. Si, par exemple, on dfinit l'intermdialit en termes de rencontre et de relation entre deux ou plusieurs pratiques signifiantes musique, littrature et peinture, supposons, l'intrieur d'un mdia, le cinma , le point de dpart est encore celui de la prexistence et de l'identit des pratiques spares, le point d'arrive recueillant pour sa part les rsultats de la rencontre : l'identification des moments hybrides, l'analyse des mixtes, etc. Le flux est analys, donc arrt et dcompos. L'intermdialit est plutt du ct du mouvement et du devenir, lieu d'un savoir qui ne serait pas celui de l'tre. Ou bien lieu d'une pense de l'tre non plus entendu comme continuit et unit, mais comme diffrence et intervalle. 6. Au cours des dernires annes, la communaut des chercheurs a reconnu l'importance de l'axe de pertinence de l'intermdialit. En Allemagne, ce sont surtout les travaux de Franz-Josef Albersmeier, Volker Roloff, Joachim Paech, Yvonne Spielmann et aussi les miens (par exemple, avec Intermedialitt. Formen moderner kultureller Kommunikation. Munster: Nodus, 1996) et Texte et mdialit. Mannheim: MANAVII, 1987) qui, s'inspirant des propos de Higgins, Aumont (1989), Bellour, Jost, etc., ont mis en place des cadres thoriques pour des recherches intermdiatiques. Malgr que ces approches fassent entendre diffrents accents thoriques le rle explicite de la diffrence entre mdia et forme (Paech), la fonction de l'htrotopie selon Foucault reprise par Barthes et Roloff, l'interstice (Deleuze), les lieux de passage (Benjamin), la dtermination de l'entre (Bellour) , on peut les rsumer par une formule : La communication culturelle a lieu aujourd'hui comme un entre-jeu complexe des mdias (j'ai propos cette formule dans mon livre Intermedialitt). 7. Jens Schroter distingue les quatre types suivants: 1. l'intermdialit synthtique, c'est- -dire la fusion de plusieurs mdias dans un intermdia, avec ses connotations polmiques et rvolutionnaires (l'uvre de Dick Higgins, par exemple) ; 2. l'intermdialit formelle ou transmdiale, soit la recherche noformaliste de procds formels (les publications de Joachim [ 37 ]

Paech et d'Yvonne Spielmann) ; 3. l'intermdialit transformationnelle, analyse de la re-reprsentation de diffrents mdias dans un mdia (les publications de Maureen Turim) ; 4. l'intermdialit ontologique, c'est--dire comme processus toujours prsent dans les mdias. 8. Three conceptions of intermediality may be identified in communication research, deriving from three notions of what is a medium. First, and most concretely, intermediality is the combination and adaptation of separate material vehicles of representation and reproduction, sometimes called multimedia, as exemplified by sound-and-slide shows or by the audio and video channels of television. Second, the term denotes communication through several sensory modalities at once, for instance, music and moving images. Third, intermediality concerns the interrelations between media as institutions in society, as addressed in technological and economic terms such as convergence and conglomeration (Klaus Bruhn Jensen citado in International Encyclopedia of Communication, ed. Wolfgang Donsbach, Oxford: Blackwell Publishing, 2008). 9. Transmediality refers to a change (transformation) from one medium to another. It can refer to content or a form. In the era of New Media we are witnessing the world being increasingly transmedial, culture resources are being commodified, digitalized and remediated. A story is being told in various forms. For example The Matrix exists as a film, an IMAX film, a DVD, an animation, a game and on the Internet. All together, they create the whole experience. As Jenkins pointed out: platforms with each new text making a distinctive and valuable contribution to the whole (Jenkins 2006:95). (Posted by Patrycja Cudak on Monday, March 15, 2010). 10. Media critics remain captivated by the modernist myth of the new: they assume that digital technologies such as the World Wide Web, virtual reality, and computer graphics must divorce themselves from earlier media for a new set of aesthetic and cultural principles. In this richly illustrated study, Jay David Bolter and Richard Grusin offer a theory of mediation for our digital age that challenges this assumption. They argue that new visual media achieve their cultural significance precisely by paying homage to, rivaling, and refashioning such earlier media as perspective painting, photography, film, and television. They call this process of refashioning "remediation," and they note that earlier media have also refashioned one another: photography remediated painting, film remediated stage production and photography, and television remediated film, vaudeville, and radio. 11. Coleridge referred to a specific point lodged between two kinds of [ 38 ]

meaning in the use of an art medium. Coleridge's word intermedium was a singular term, used almost as an adjectival noun. In contrast, Higgins's word intermedia refers to a tendency in the arts that became both a range of art forms and a way of approaching the arts. 12. Practice-based research in the creative and performing arts and design has the potential to stimulate the creative and cultural economies nationally. 13. Another issue in the development of Arts & Culture research has been a tendency to adopt models of practice from the natural and physical sciences. This has often led to either text-based and/or quasi scientific outputs that do not advance the specific nature of practice-based research in many A&C disciplines. This may be largely due to the single criteria that all research is the production of new knowledge. Whilst this may be the only research truth in the natural and physical sciences it is not so for A&C that may pursue, for example, a range of aims that include: - The production of new knowledge; - The testing of existing knowledge to determine its limitations; - The reconstruction of lost knowledge; - The public understanding of A&C research. 14. A particular issue in A&C has been the involvement of creative practioners (artists, designers, performers), in research (...). In most cases such people will confuse their independent practice with academic research as if they were automatically interchangeable. They are not, and some practice will be research, whilst other practice will not be research. In this sense research as conducted within HE institutions is a professional commitment overlapping wilth, but distinct from, independent creative practice. Here the researcher in A&C must be willing to accept the role of public intellectual (...), with a duty to return the knowledge gained from research back into to the social, cultural and economic wellbeing.

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Generalidades sobre palcos transitrios, elogio do novo ludus mundusResumo: Parece pouco crvel que a actual transfigurao intermedial do palco mude profundamente o que o teatro tem sido na sua longa durao um laboratrio do humano que depende, em primeiro lugar, do que feito por um ou mais actores perante um nmero varivel de espectadores. Tal palco conheceu, antes desta, poderosas mutaes. Mas a intermedializao pode alterar o trabalho do actor e a sua recepo, porque co-presena fsica do actor e do espectador se acrescentam, via dispositivos de comunicao digital, percepes de presena a que o palco teatral no estava afeito, e que alteram a materialidade do que ele mostra e a maneira de o mostrar. A intermedializao do palco no , assim, nem a morte do teatro nem a sua ressurreio : , literalmente, a entrada em cena de meios digitais expressivos que multiplicam a informao carreada pelo espectculo, acontecimento ou performance, e que convocam para o palco figuraes, sonoridades e procedimentos que tradicionalmente eram vistos como seu exterior e agora o habitam por dentro, tornando-o mais auto-referencial. Palavras chave: Palco intermedial; Teatro e Cinema; Teatro e TIC; Ludus Mundus; Presena; Virtual. Para citar este texto: Mendes, J. M. (2011), Generalidades sobre palcos transitrios, elogio do novo ludus mundus, in Introduo s Intermedialidades, CIAC/ESTC, url: Transitar: Percorrer; fazer caminho; andar; passar; viajar. Passar ou mudar de lugar, de estado, de condio. Mudar-se, passar a outro lugar [Morais, Novo dicionrio compacto da lngua portuguesa, ed. Horizonte / Confluncia, 1988).[ 40 ]

1. Palco novo, velho palco Neste texto falaremos de novos palcos mas discretamente, respeitando a multido de discursos que nesta matria nos precedem e tendo presente que os palcos j muitas vezes se metamorfosearam. No ignoramos o peso esmagador da experincia, e da bibliografia que ela suscitou, designadamente no sc. XX, em matria de transfiguraes conceptuais e arquitectnicas da cena. Tome-se a ttulo de exemplo um momento entre cem outros bem conhecidos : o teatro simbolista, na transio do sc. XIX para o XX, quis tornar os palcos em no-lugares, desterritorializ-los e desenraiz-los da tradio italiana clssica, para poder regenerar em stio nenhum, ou em qualquer stio a prpria ecceidade teatral : empreendimento utpico recentemente recordado (Pellois, Anne, 2011) a propsito do Instituto Jaques-Dalcroze em Hellerau (Dresden, de 1911), que tanto veio a ser oficina de criao como sala de espectculo para Appia, Claudel, Craig, Copeau, Stanislavski, Diaghilev, Rachmaninov, Nijinski, outros. Antes, Craig (1905) lutara por um teatro emancipado da priso textual e devolvido ao que no palco dele se fizesse, e trinta anos depois Artaud sublinharia que o teatro fsico e no verbal, ampliando o movimento emancipatrio. Sobre o teatro de Artaud, escreveu Derrida que no um livro nem uma obra, mas uma energia, e neste sentido a nica arte da vida (Derrida, 1967: 363). Mas se h marca que atravessa todo esse movimento de depurao o esvaziamento do palco e de todo o espao teatral, transformado em espao virgem, tabula rasa, nada arquitectnico. Veja-se o que diz Claudel sobre Hellerau quando ali monta LAnnonce faite Marie, logo em 1913:A sala um longo rectngulo de 42 por 17 metros, com 12 de altura. No h palco fixo. Constri-se o palco de que precisamos com praticveis ou elementos mveis (). No h focos de luz visveis. As paredes e o tecto esto cobertos por um vu branco e transparente atrs do qual se podem instalar lmpadas elctricas () (1).

E pouco antes, em carta a Lugn-Poe, actor e encenador, criador do Thtre de l'uvre :() Voc quer mais ou menos construir um teatro. No o faa antes de ter visto Hellerau (). No repita o erro de Astruc, que construiu [ 41 ]

um bastio pretencioso e ridculo (). Precisamos de nos desembaraar radicalmente das pinturas, das esculturas, dos teles pintados, dos dcors de carto, das mquinas e de outras porcarias.

precisa uma sala nua como um atelier () (2). Outro momento da transfigurao dos palcos : as dcadas das pequenas salas e cafs-teatros da rive gauche parisiense, at ao Bilboquet de MarcO, Bulle Ogier, Pierre Clmenti, Michelle Moretti, Jean-Pierre Kalfon, e exploso ps-68, com o Open Theatre, o Radical Theatre, o Thatre Noir, o Magic Circus, procura de periferizaes deliberadas onde fosse possvel agenciar novas teatralizaes com Peter Brook nas Bouffes du Nord, outros na Cartoucherie de Vincennes, na Gat ou no Palace, as itinerncias (bem anteriores) do Living Theatre de Jullian Beck e Judith Malina com a sua ideia de happening, ou do Bread & Puppet de Peter Schumann. As numerosas metamorfoses do palco, no sentido estrito de espao cnico, tentaram satisfazer, no teatro ocidental do sc. XX, todas as conceptualizaes aparentemente possveis, incluindo a redescoberta do espao nu e vazio do teatro japons. Tem sido possvel evocar, de modo sinttico, os principais traos dessa contnua reformulao, que tambm atingiu objectos e adereos de cena (Ouaknine, 1974: 74-81):Todos os encenadores do sc. XX () intervieram directamente no campo da relao entre actores e objectos, da representao e do espao da representao: simplicao dos volumes em Craig; procura de circulao e de altura em Appia; despojamento cnico em Copeau; cenografia e biomecnica do actor em Meyerhold; relao ideogrmica (dita distanciada) entre objecto e actor em Brecht; explorao ldica dos adereos nos improvisos de Brook; mudana profunda da relao espacial actor/espectador em Grotowski (). (3)

Mesmo quando tardiamente, por contingncia arquitectnica ou outra, o espao cnico ainda dependeu da matriz italiana ou inglesa, a encenao passou a faz-lo explodir na sala ou na rua, como fizeram o Living e o Bred & Puppet. Apesar da variedade das prticas e das solues, desde os simbolistas a tendncia mais pesada foi para a simplificao de todas as formas, para a rejeio ou abdicao do dcor, para a renncia excessiva objectaria de cena (contra o preconceito de que a acumulao de adereos fait thtre), para a nudez e o vazio do[ 42 ]

lugar onde se representa, aqui e agora, alguma coisa. A herana destes movimentos acabou por estabilizar uma verso do palco como nolugar, u-topia no sentido literal grego. Mas o espao da representao tambm foi muitas vezes repensado ao mesmo tempo que o espao teatral no seu todo, envolvendo a relao entre o espectculo ou acontecimento (happening) e o(s) seu(s) pblico(s), ou a co-presena do actor e seus espectadores (ou testemunhas), como j no instituto de Hellerau. Esta reconcentrao na performance do actor numa cena esvaziada, espao eventualmente pulverizado que pode incluir percursos e estadias no meio da audincia, disperso da aco por salas contguas, peregrinaes no ddalo de uma arquitectura, tornando a cena mais mvel e menos dependente de um espao convencionado, acentuou a imediaticidade e o hic et nunc do facto teatral (Ouaknine, loc.cit.):O espectculo j no se refere a uma histria, a um fora dele, mas sim a um aqui e agora cuja significao precisamente a partilha da imediaticidade. () Entender a espacialidade deste teatro, recuperlo como uma arte da temporalidade, liberta da histria e do lugar. () O espao teatral diz-se no presente. No como crnica jornalstica, mas como ru