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Jobim

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    MARIA LUCIA CRUZ SUZIGAN

    TOM JOBIM E A MODERNA MSICA POPULAR BRASILEIRA

    (VERSO CORRIGIDA)

    Tese apresentada FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO, para doutorado em HSTRIA SOCIAL

    Orientador: Prof. Dr. Arnaldo Daraya Contier

    De acordo:____________________________

    So Paulo 2011

  • i

    s lembranas das msicas e canes que sempre

    estiveram no centro da minha vida, desde a infncia,

    construindo minha memria e minhas tendncias, com meu

    irmo Sylvio ouvindo rdio no final da dcada de 1950; na

    adolescncia j profissionalmente ao piano com meu pai ao

    violino e, depois, com o Ge ao contrabaixo, parceiro na msica,

    composies, amor, trabalho e vida, desde h quase meio

    sculo.

    Aos queridos filhos, Ana Luisa e Daniel que sempre

    inspiraram e que levam com eles como herana, a Msica que

    vivemos.

  • ii

    AGRADECIMENTOS

    A realizao deste trabalho s foi possvel com a participao de uma srie de

    pessoas. Agradeo inicialmente ao professor Arnaldo Daraya Contier que foi meu

    orientador tambm durante o mestrado, pela sua ateno, amizade, competncia e

    dedicao durante todos esses anos, abrindo caminhos com a arte de costurar dados da

    histria com as diversas linguagens da cultura. Aos professores Geraldo Vinci de Moraes e

    Marcos Napolitano pelas excelentes sugestes apresentadas durante a qualificao. Ao

    querido amigo e maestro Amilson Godoy, sempre pronto a responder e discutir sobre

    questes ligadas ao tema durante vrios encontros. Ao pianista Amilton Godoy por tudo o

    que me ensinou como sua aluna e pela convivncia de quase vinte e oito anos de trabalho

    no CLAM - Centro Livre de Aprendizagem Musical. Ao amigo e pianista Fernando Mota

    pela parceria to especial nas anlises musicais e partituras. Foram vrias reunies,

    muitas partituras e muito trabalho. Ao amigo Marcos Mello que me incentivou a fazer o

    Doutorado e sempre esteve pronto para estudar junto desde o Mestrado. Ao Flvio

    Trovo, outro amigo e colega do curso de Doutorado, recproco ombro amigo de todas as

    horas. Ao meu querido irmo Sylvio Cruz que me incentivou todo o tempo, um enorme

    exemplo que se doutorou aos setenta anos, sempre interessado em saber do trabalho, em

    debater ideias e sugerir caminhos. Um professor competente de quem muito me orgulho.

    Ao meu sobrinho Marcio Cruz pela constante colaborao desde o Mestrado. minha

    querida irm Maria Jos Cruz Fabiano, cientista social, excelente professora que sempre

    me ajudou principalmente nos conceitos pertinentes area de Histria e nas longas

    conversas sobre o trabalho. Helena Apparecida Oliveira, tia querida, preocupada em

    saber como ajudar e sempre trazendo recortes de jornais e revistas com artigos

    relacionados ao objeto de estudo. Mariah Mascaro, professora de ingls (nativa) que se

    prontificou a fazer a verso do resumo para o Abstract. Ao amigo Marcos Ruivo

    responsvel h anos pelos nossos trabalhos de grfica e que sempre atende todas as

    solicitaes no ltimo minuto do segundo tempo. Agradeo a compreenso dos meus

    filhos, Ana Luisa e Daniel e ao meu marido Geraldo Suzigan que tanto e h tanto tempo

    tem sido fundamental e me ajudado em todas as jornadas dessa vida.

  • iii

    RESUMO

    Este trabalho um estudo da obra do compositor Antonio Carlos Jobim. Seu

    objetivo mostrar a sua importante contribuio para a modernizao da msica

    popular brasileira a partir da segunda metade da dcada de 1950, atravs de

    anlises de partituras, gravaes em LPs, CDs e DVDs, livros e trabalhos

    acadmicos. Analisa as referncias que traz do Impressionismo Francs,

    particularmente da obra do compositor Claude Debussy, assim como os dilogos

    com as obras de Villa-Lobos e de compositores da msica popular brasileira e norte

    americana da primeira metade do sculo XX. Estuda ainda, a presena constante da

    paisagem carioca, da beleza do mar, das florestas, da Mata Atlntica em especial,

    dos pssaros, da fora das guas, dos rios, como elementos fundamentais na

    inspirao sonora em suas composies instrumentais e poticas, em suas canes,

    entrevistas e livros. Mostra tambm um pouco da sua histria e a grande

    preocupao que sempre teve com a preservao ambiental.

    Palavras-chave: Tom Jobim, Msica Popular, Esttica Musical, Histria da Msica,

    Bossa Nova.

  • iv

    ABSTRACT

    This work is a study of the composer Antonio Carlos Jobims musical

    work. The aim is to show his important contribution to the modernization of

    Brazilian popular music from the second half of the 1950s, through the

    analysis of his scores, recordings, LPs, CDs and DVDs, books and academic

    papers. It analyzes the references that he brings from the French

    Impressionism, particularly the work of the composer Claude Debussy, as well

    as the dialogues from the works of Villa-Lobos and Brazilian popular music

    and North American composers in the first half of the twentieth century.

    Further studies, the constant presence of Rio de Janeiro landscape, the

    beauty of the sea, forests, the Atlantic Forest in particular , birds, the force of

    water, rivers, as sonorous key inspiration to his instrumental compositions

    and poetry in his songs, interviews and books. It also shows a bit of his

    history and his great concern about environmental preservation.

    Keywords: Tom Jobim, Popular Music, Musical Aesthetics, History of Music, Bossa

    Nova.

  • v

    SUMRIO

    INTRODUO............................................................................................................ 1

    MOMENTO HISTRICO E JUSTIFICATIVA NA ESCOLHA DO TEMA.............. 1

    CAPTULO I. WAVE - A MODERNA ONDA QUE SURGIU DO MAR................. 20

    I.1 Impressionismo e pintura..................................................................... 20

    I.1.1 Claude Monet............................................................................... 21

    I.2 Impressionismo e Msica (Simbolismo)............................................... 22

    CAPTULO II. ANTONIO BRASILEIRO................................................................... 41

    II.1 Villa-Lobos......................................................................................... 42

    CAPTULO III. TERRA BRASILIS............................................................................... 50

    III.1 O Instituto Antonio Carlos Jobim........................................................ 61

    CAPTULO IV. MEUS PRIMEIROS PASSOS E COMPASSOS............................... 64

    IV.1. Dilogos com a msica norte-americana.......................................... 64

    IV.2. Parceiros de Tom Jobim ............................................................................ 65

    IV.2.1. Newton Mendona.................................................................... 65

    IV.2.2. Juca Stockler............................................................................ 67

    IV.2.3. Alcides Fernandes.................................................................... 67

    IV.2.4. Billy Blanco............................................................................... 68

    IV.2.5. Dolores Duran........................................................................... 71

    IV.2.6. Luis Bonf................................................................................. 72

    IV.2.7. O incio da parceria Tom / Vincius Orfeu da Conceio................. 72

    IV.2.8. Aloysio de Oliveira............................................................................... 76

    IV.2.9. Marino Pinto......................................................................................... 77

    IV.2.10.Chico Buarque.................................................................................... 77

    IV.2.11. Paulo Csar Pinheiro ..................................................................... 78

    IV.4. O disco que fez tudo mudar.......................................................................... 79

    IV.5. O LP Chega de Saudade / Joo Gilberto / Bossa Nova............................. 90

    IV.6. O Concerto do Carnegie Hall...................................................................... 97

    IV.7. O arranjador Claus Ogerman............................................................ 103

    IV.8. Tom e os festivais....................................................................................... 105

    IV.8.1. I Bienal do Samba............................................................................................... 106

    IV.8.2. III Festival Internacional da Cano - FIC/TV TV Globo, 1968............... 107

  • vi

    IV. 9. Sempre quis harmonizar o mundo............................................................. 111

    CONCLUSO............................................................................................................ 117

    BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 121

    REFERNCIAS........................................................................................................ 129

    Imprensa.............................................................................................................. 129

    Gravaes e vdeos............................................................................................. 132

    ANEXOS..................................................................................................................... 138

    ANEXO 1 - Orfeu da Conceio - Long Play 10" - Texto da contracapa de Vincius

    de Moraes................................................................................................

    139

    ANEXO 2 - Cano do amor demais - Long Play Texto da contracapa de

    Vincius de Moraes..................................................................................

    141

    ANEXO 3 - Por tda minha vida - Long Play Texto da contracapa de Antonio

    Carlos Jobim............................................................................................

    143

    ANEXO 4 - Memrias do Rdio - Luiz Roberto Oliveira............................................. 145

    ANEXO 5 - Entrevista de Tom Jobim Cleusa Maria Jornal do Brasil, 1 de

    maro de 1992 Revista Qualis..............................................................

    148

    ANEXO 6 - Entrevista de Tom Jobim ao jornalista Walter Silva 30 de novembro

    de 1994 Revista Qualis........................................................................

    151

    ANEXO 7 - CDs e DVD.............................................................................................. 165

    Msicas citadas, Vol. 1.................................................................................... 165

    Msicas citadas, Vol. 2.................................................................................... 167

    DVD Tom Jobim.............................................................................................. 168

  • 1

    INTRODUO

    MOMENTO HISTRICO E JUSTIFICATIVA NA ESCOLHA DO TEMA

    Tom Jobim (1927-1994) nasceu no bairro da Tijuca, zona norte do Rio de

    Janeiro. Morou em Copacabana e depois foi para Ipanema, bairro que mais tarde

    ajudou a tornar conhecido internacionalmente por sua msica Garota de Ipanema

    (1962), em parceria com Vincius de Moraes (1913-1980).

    Conviveu todo o tempo com a famlia da me, os Brasileiro de Almeida, s

    vezes morando junto quando a situao econmica ficava difcil. Uma famlia

    diferenciada, que gostava de msica, onde todos cantavam.

    Num ambiente familiar como o da famlia Brasileiro de Almeida, o acesso a

    bens culturais, especialmente livros, era efetivo, favorecendo um tipo de

    sensibilidade cuja expresso nas atividades escolhidas pelo compositor e

    sua irm no pode ser minimizada. As referncias literrias

    acompanharam Jobim por toda a vida; algumas so feitas ao longo do

    depoimento1: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Fernando

    Sabino. O msico menciona tambm os tios violonistas e as canes que

    se aprendiam com os pais e avs; fora isso, o rdio era presente em seu

    ambiente familiar. (DIAS, 2010, p. 21)

    Dois tios tocavam violo, um se dedicava mais ao repertrio da msica

    erudita, enquanto o outro msica popular. Eram frequentes os saraus com

    participao de amigos e artistas, onde Jobim ainda criana, ficava exposto ao som

    que vinha dessas reunies.

    Desde que me lembro de mim, gosto de msica. Minhas primeiras

    lembranas me levam s cantigas de ninar que minha me cantava.

    1 Entrevista de Tom Jobim feita no Museu da Imagem e do Som em agosto de 1967, Vinicius de Moraes, Oscar Niemeyer, Raimundo Wanderley, Dori Caymmi, Chico Buarque e Ricardo Cravo Albin.

  • 2

    Depois calada e s cantigas de roda. A famlia era grande e morvamos

    num casaro de dois andares ligados por aquela escada de madeira que

    range. Lembro-me dos meus tios tocando violo, vinham os choros e as

    valsas, os espanhis, Bach e tudo o mais at que mandavam eu ir para a

    cama... Minha av tocando piano, tios tocando violo, mame cantando e

    tudo o mais... (Cancioneiro Jobim, 2001, p.11)

    Criado basicamente pelo av materno Azr, um homem interessado pelas

    questes ambientais, era a pessoa que o levava para subir os morros,

    principalmente o de Cantagalo e caminhar pelas matas. Mais tarde foi o padrasto

    Celso Frota Pessoa quem assumiu a educao dos irmos e um dos responsveis

    por ajudar Tom Jobim, a decidir pela carreira de msico, o que naquela poca

    (dcada de 1940) era uma profisso muito mal vista pelas pessoas. Dizia-se que

    msica, no dava camisa a ningum.

    Teve uma infncia e adolescncia feliz em Ipanema. Sempre gostou de falar

    em entrevistas sobre essa fase de sua vida. Uma Ipanema paradisaca com um nmero

    pequeno de habitantes onde era possvel passar o dia na praia, nadando, praticando

    todo o tipo de jogos e esportes junto com os amigos. Entre eles Newton Mendona

    (1927-1960) que mais tarde foi um de seus mais importantes parceiros musicais.

    Dia de sbado, chegavam outras pessoas que tocavam e cantavam em

    contracanto. Eu ficava bobo achando todo mundo craque. Depois veio a

    juventude, o estudo e o pavor do estudo. O professor queria as escalas, mas

    eu achava a praia muito mais bonita. Ia vivendo. Soprava numa gaita as

    musiquinhas que ia ouvindo, arranhava o violo e batucava misticamente o

    piano at o desespero da vizinhana. Nunca pensei em msica como

    profisso. A msica, se bem que objeto de minha paixo era um prmio que

    as horas de folga oferecem. (Cancioneiro Jobim, 2001, v.1, p.11)

  • 3

    Alm de esportes esse grupo conversava muito sobre arte e poesia. Tom

    Jobim j gostava muito de poesias e sabia declamar Olavo Bilac (1865-1918),

    Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), entre

    outros. Mais tarde esse grupo foi reforado com a presena do poeta amazonense

    Thiago de Melo (1926).

    Nessa poca Tom Jobim tocava gaita e chegou a criar um conjunto formado

    por ele, Newton Mendona, Marcos Konder Neto (1927) e Carlos Madeira. O grupo

    no teve uma vida muito longa principalmente pelo desequilbrio musical existente

    entre seus participantes.

    Em 1938 sua me, Nilza, fundou um jardim de infncia que em 1946 passou a se

    chamar Colgio Brasileiro de Almeida. Alugou um piano e contratou um professor para

    dar aulas de msica aos alunos do colgio e tambm para a sua filha Helena. Tom

    Jobim, com quatorze anos, comeou a se interessar por aquele piano na garagem e

    iniciou os estudos com o professor, o msico Hans-Joachim Koellreutter2 (1915-2005).

    Esse fato foi decisivo para o futuro profissional de Tom Jobim.

    Koellreutter contou:

    A famlia Jobim me convidou para lecionar para crianas. Entre elas,

    estava Tom. Depois me pediram para dar aulas particulares para ele, para

    no ensinar s teoria, mas sempre ligar o ensino ao ser humano,

    formao da personalidade. (CABRAL, 1997, p. 45)

    Tom Jobim confirmou em vrias publicaes ter estudado com Koellreutter as noes

    bsicas do ensino musical:

    2 Hans Joachin Koellreutter nasceu em Freiburg, cursou a Academia Superior de Msica de Berlim, estudou composio com Paul Hindemith e Kurt Thomas e fez cursos de regncia e flauta no Conservatrio de Msica de Genebra. Em 1937 durante uma excurso Amrica Latina atuando como flautista de orquestra, resolveu ficar no Rio de Janeiro. No voltou para a Alemanha, onde comeou a chamar a ateno pela sua militncia antinazista.

  • 4

    Koellreutter me ajudou muito, me ensinou as coisas bsicas e, mais tarde,

    algo de composio e harmonia. (Cancioneiro Jobim, 2000, p. 26)

    Depois dessa iniciao musical com Koellreutter foi estudar msica erudita

    com a professora Lcia Branco. Passou a ter um interesse to grande pelo estudo

    que resolveu ser concertista. Estudou um repertrio composto de obras de Johann

    Sebastian Bach (1685-1750), Frdric Chopin (1810-1849), Claude Debussy (1862-

    1918), Maurice Ravel (1875-1937), Heitor Villa-Lobos (1887-1959), entre outros.

    Estudei piano srio. Voc imagina, meus colegas eram o Nelson Freire,

    que era um garotinho, o Artur Moreira Lima, o Jacques Klein, eu, ali na

    General Urquiza, no Leblon, pegava o bonde, ia de Ipanema at a General

    Urquiza para estudar com a dona Lucia Branco. Uma baixinha, olhos

    verdes, branquinha, zangada. E que ensinava aquela escola francesa toda.

    Depois fui para o Toms Ter. E tinha aquela outra turma do Ary Monda,

    Arnaldo Estrela. (Markun, 2005, p. 104)

    Lucia Branco percebeu sua capacidade para compor e sugeriu uma

    mudana de foco, de msico de concerto para pianista e compositor.

    Aos 16 anos estudou harmonia e composio com o professor Paulo Silva

    (1892-1967), compositor e regente muito admirado por Villa-lobos.

    Este foi o primeiro contato de forma mais sistematizada com a aprendizagem

    musical, atravs do estudo da msica europeia e que mais tarde lhe proporcionou

    um nmero maior de elementos e referncias para compor.

    Em 1947 fez sua primeira composio, uma valsa francesa nitidamente

    inspirada em Ravel (1875-1937). Em 1983 com letra de Chico Buarque (1944) essa

    msica recebeu o nome de Imagina e fez parte do score do filme musical Para Viver

  • 5

    um Grande Amor, de Miguel Faria Jr. (1944), tendo como referncia o musical Pobre

    menina rica, de Vincius de Moraes e Carlos Lyra. (1939)

    Em entrevista a Luiz Roberto Oliveira,3 Chico Buarque conta:

    O Tom dizia que era difcil fazer letra para Imagina, porque a msica tinha

    sido composta como instrumental. Era quase impossvel botar letra

    naquelas notinhas todas - na verdade, no era adequada para letra. Mas a

    gente estava fazendo a trilha de um filme, e eu resolvi fazer a letra pra

    essa msica. E era difcil mesmo, mas consegui fazer. Ele estava em Nova

    York quando recebeu essa letra, e mandou um telegrama dizendo: "It's

    very exquisite!" Mas no fim, ele gostou muito do resultado.

    Comeou a cursar a faculdade de Arquitetura, no entanto, a msica era a

    coisa mais importante da sua vida. Celso Frota Pessoa, seu padrasto, foi a primeira

    pessoa a acreditar, estimular e ajudar na difcil deciso de tornar-se msico. Em

    vrias oportunidades possibilitou que Tom Jobim pudesse se dedicar mais aos

    estudos e trabalhar menos, mesmo quando j estava casado e com o primeiro filho.

    Casou-se com Thereza Hermanny em 1949 e precisava trabalhar. Iniciou

    seu primeiro trabalho como pianista na Rdio Clube cujo diretor musical era Alceu

    Bocchino (1918), que mais tarde tambm foi seu professor de piano e de

    orquestrao. Comeou a tocar piano profissionalmente nas boates de Copacabana

    assim como outros pianistas: Johnny Alf (1929-2010), Joo Donato (1934), Newton

    Mendona.

    Um momento de grande aprendizagem para Tom Jobim, pois precisava

    saber tocar um repertrio amplo, composto de boleros, tangos, rumbas, canes

    francesas, Standards americanos e temas de filmes. Ele chamou esse perodo de

    3 Entrevista de Chico Buarque Luiz Roberto de Oliveira acessado em 14/09/2011

  • 6

    cubo das trevas, pois tinha que trabalhar noite tocando como fundo de conversa e

    atendendo aos pedidos de frequentadores do local. Integrava uma espcie de clube

    de pianistas de boates, onde um cobria a folga do outro e era possvel manter um

    trabalho dirio. Era tambm um ponto de encontro entre os msicos. Quando Tom

    Jobim tocava na boate Vogue, por exemplo, era possvel no intervalo conversar e

    tomar uma cerveja com o violonista e compositor Nelson Cavaquinho (1911-1986).

    Essa era a poca do samba-cano, um samba com influncia do bolero

    que fez muito sucesso entre ns brasileiros na dcada de 1950. Essas canes

    eram sofridas. Suas letras melodramticas traziam a lembrana dos bons momentos

    que passaram e no voltavam mais, desejos de vingana e tristezas, existindo

    sempre uma barreira para chegar felicidade.

    Para aumentar sua renda mensal arrumou mais um trabalho como pianista

    no Bar Michel tocava rumbas, boleros, tangos, canes francesas, foxes, hits do

    momento e quase nenhum samba. Esse repertrio era comum a todos os bares,

    restaurantes e boates da poca onde tocou posteriormente: Drink, Bambu Bar,

    Arpge, Night and Day, Casablanca, entre outros.

    Em 1953 Tom Jobim gravou sua primeira msica Incerteza, uma parceria

    com Newton Mendona. O primeiro sucesso aconteceu no ano seguinte com a

    cano Teresa da Praia, uma parceria com Billy Blanco (1924-2011). Essa msica j

    apresentava certa leveza na letra e muitos dos elementos que iriam caracterizar a

    esttica da Bossa Nova. Tom Jobim comeava a chamar a ateno com suas

    composies e sutileza ao piano.

    Por volta de 1954 e 1955 o bar do Hotel Plaza comeou a ser frequentado

    por msicos em comeo de carreira, entre eles Tom Jobim, Carlos Lyra, Joo

    Gilberto (1931), Roberto Menescal (1937), Maurcio Einhorn (1932), Dolores Duran

  • 7

    (1930-1959) que iam escutar Johnny Alf e tocar ao final da noite. Por outro lado,

    Johnny Alf ia ao Tudo Azul para ouvir Tom Jobim tocar.

    Nesses encontros de msicos todos podiam ser ouvidos e mostrar suas

    composies. E desses jovens msicos estava surgindo um novo som, uma msica

    diferente daquela que fazia sucesso e era apresentada nos programas de rdio.

    Vincius de Moraes disse que:

    Nesse tempo ele (Tom Jobim) j tinha feito com Newton Mendona alguns

    sambas como Foi a noite e Outra vez, dele s. Eu j achava algo diferente

    naquele som. Aquilo talvez esteja nas razes da Bossa Nova, como a

    msica de Johnny Alf, as coisas que o Dick Farney cantava, a

    interpretao de Lcio Alves, j havia esses prenncios do que iria

    acontecer depois. (Mello, 2008, p. 17)

    Foi trabalhar na editora musical Euterpe e logo depois na gravadora

    Continental onde conviveu com a elite da msica popular do momento: Pixinguinha

    (1897-1973), Assis Valente (1911-1958), Ary Barroso (1903-1964), Braguinha (1907-

    2006), Dorival Caymmi (1914-2008) e muitos outros. Tambm na Continental tornou-

    se uma espcie de afilhado musical do conceituado regente e compositor Radams

    Gnattali (1906-1988), msico a quem sempre admirou e com quem aprendeu muito.

    No aniversrio de vinte e oito anos de Tom Jobim (25/01/1955), ganhou de

    presente de Radams um convite para participar do programa musical da Rdio

    Nacional, Quando os maestros se encontram, para que fosse o regente da orquestra

    da emissora com uma composio de sua preferncia. Tom Jobim escolheu uma

  • 8

    pea sinfnica de sua autoria, Lenda que havia composto em homenagem

    memria de seu pai Jorge de Oliveira Jobim (1889-1935).4

    Nessa poca Radams Gnattali, pianista, regente e compositor era o

    arranjador oficial da Continental, admirado por Tom Jobim, outro msico de

    formao europia e expoente da Msica Popular Brasileira, com quem aprendeu

    muito.

    Tom Jobim comeou a ter suas msicas gravadas por outros artistas e

    aparecer no cenrio musical brasileiro. A partir das composies em parceria com

    Newton Mendona, Billy Blanco e principalmente Vincius de Moraes, vrias canes

    fizeram sucesso.

    A obra de Tom Jobim est sobre um trip: da modernidade, da brasilidade e

    da natureza, principalmente da paisagem do Rio de Janeiro e da Mata Atlntica.

    Assim como Villa-Lobos, Tom Jobim teve a possibilidade de conviver tanto

    com a msica de concerto quanto com as canes dos compositores populares da

    primeira metade do sculo XX o que proporcionou-lhe uma experincia importante

    para o desenvolvimento de sua carreira como compositor e arranjador.

    Tom Jobim trouxe a msica erudita para a cano popular e Villa- Lobos fez

    o contrrio ao levar elementos da cano folclrica e popular para a msica erudita.

    possvel dizer que Tom Jobim fez uma ponte entre a msica erudita e a popular. O

    conhecimento de harmonia veio do estudo das obras de Bach, Chopin, Ravel, Villa-

    Lobos e principalmente Debussy, assim como da sua prtica com instrumentao e

    arranjos que aprendeu com Radams Gnattali, Lyrio Panicalli (1906- 1984), Alceu

    Bocchino (1918), Leo Peracchi (1911-1993), entre outros.

    4 No CD Antonio Brasileiro (1994), ltimo CD de Tom Jobim, gravou duas composies suas em homenagem a Radams Gnattali: Meu amigo Radams e Radams y Pel.

  • 9

    O compositor Edu Lobo5 (1943) lembrou de um fato que o impressionou

    bastante. Ainda era muito jovem e estava em determinado local com seu pai, o

    tambm compositor e jornalista Fernando Lobo (1915-1996), quando Tom Jobim

    chegou ao local: Estava com meu pai e eu j conhecia o Tom de fotografias, lgico,

    ele j era o Tom. Estava cheio de partituras e meu pai perguntou o que que estava

    fazendo com aquilo e ele disse: uma sinfonia que eu estou compondo Eu me

    lembro disso claramente, fiquei muito impressionado, porque um compositor popular

    terminando uma sinfonia! Isso no Brasil no fazia muito sentido ainda, no ?

    Suas canes sempre apresentaram melodias complexas e harmonias

    sofisticadas, difceis de serem cantadas por pessoas no acostumadas com esse

    repertrio. A cantora Elizeth Cardoso (1920-1990) quase recusou o convite de gravar o

    disco Cano do amor demais (1958) quando percebeu a complexidade das canes

    escolhidas para o disco, todas compostas por Tom Jobim e Vincius de Moraes.

    Para Tom Jobim, a harmonia de uma maneira geral simplificou-se e

    enriqueceu-se:

    Muitas notas foram tiradas dos acordes. Tiraram-se as quintas que j

    soavam no harmnico do baixo por causa da precariedade das gravaes

    de nossos estdios. A gente tinha vontade que se ouvissem as vozes que

    a gente queria. Isso nos obrigou a uma reduo de notas nos acordes. Foi

    o resultado de um estudo longo, com a combinao de um som de

    orquestra com um som de piano, com um som de voz, com um som de

    violo, na tentativa que aparecesse o que at ento no aparecia. No

    adiantava aquela massa amorfa de cem violinos. Ento veio aquela

    economia total, uma flautinha, quatro violinos tocando em unssono na

    maior parte das vezes, numa tentativa de chegar ao ouvinte uma ideia.

    (MELLO, 2008, p. 95)

    5 Edu Lobo, DVD Maestro soberano, vol. 1, 2006.

  • 10

    O compositor Srgio Ricardo (1932) contou que em determinado momento

    ficou no lugar de Tom Jobim, como pianista no Posto Cinco. Havia estudado msica

    erudita e tinha uma tcnica bastante desenvolvida de estudo de piano. Gostava de

    tocar o repertrio do pianista norte-americano Carmen Cavallaro6 (1913-1989).

    No dia seguinte, Tom Jobim foi falar com ele:

    Eu acho muito bacana tudo isso, mas cad a harmonia que voc podia

    fazer? A sentou ao piano e mostrou a mesma melodia eu lembro bem,

    era o Feitio da vila com uma harmonia que ele fazia. Com muita

    pacincia ele me mostrou como se encadeavam aqueles acordes de nonas

    e dcimas primeiras. Fui vendo um mundo novo dentro da msica.

    (IBIDEM, 2008, p. 27)

    Sua forma de tocar piano e harmonizar as canes tambm chamava a

    ateno das pessoas que estavam prximas, todos queriam ver que acordes Tom

    Jobim fazia. Numa poca em que tudo era novo, no existiam partituras escritas

    com aquele tipo de som, como os songbooks atuais e tambm no era possvel

    estudar msica popular em escolas de msica tradicionais, pois eram voltadas

    especificamente para o ensino da msica erudita. Os msicos tinham que aprender

    atravs da escuta dos discos ou observando, por exemplo, como que outros

    pianistas tocavam os acordes, que tipos de distribuio utilizavam para conseguir

    determinado resultado sonoro. Segundo Lobo (2006): Tom Jobim dono de um

    estilo. tudo. Aquele piano s existe na mo do Tom, voc pode tentar, no mximo

    copiar, mas quem inventou foi ele. Aquele piano de poucas notas, de improvisos de

    poucas notas.

    6 Carmen Cavallaro aperfeioou seus conhecimentos de msica erudita na Europa. Ao retornar aos Estados Unidos resolveu trocar a msica de concerto pela popular. Apresentava um grande domnio tcnico e os arranjos para piano tinham como caracterstica a utilizao de muitas notas.

  • 11

    Nelson Motta7 (1944), jornalista e compositor, afirmou que: a complexidade

    da Bossa Nova - sua riqueza meldica e harmnica - foi nos primeiros tempos um

    fator que distanciou ou que dificultou a popularizao da Bossa Nova. uma msica

    difcil, de muitos acordes, de harmonias complexas, no era uma coisa de sair

    assobiando, como era uma coisa da msica popular (da poca), ento isso dificultou

    a Bossa Nova no incio.

    Tom Jobim sempre esteve entre os mais importantes cancionistas do sculo

    XX. Dominou tambm a tcnica de escrever e muitas de suas canes, tm letras de

    sua autoria. Chico Buarque afirmou em vrias oportunidades que Tom Jobim era o

    melhor letrista dele mesmo. Quando ele pedia para outro compositor escrever a

    letra, de alguma forma j sugeria alguns caminhos, dizia pequenas frases e era

    difcil para a pessoa que iria compor a letra. Chico Buarque falou sobre a cano

    Retrato em branco e preto, a primeira parceria com Tom Jobim. Inicialmente a

    msica tinha o nome de Zngaro.

    Quando o Tom me deu essa msica (Zngaro) para fazer letra... engraado

    que nesse comecinho no sei se era uma impresso minha ou se era real,

    eu tinha impresso que ele estava me dando uma fora, ele insistia muito

    para eu fazer a letra - porque comparando com outras msicas que ele fez

    mais tarde, quando a gente j tinha uma amizade maior, era mais difcil

    fazer letra para o Tom, porque ele interferia demais. Nessa letra ele no

    interferiu nada8.

    Castro (2001) escreveu que no por acaso que muitas de suas maiores

    canes tenham letras suas, com verdadeiros achados imagticos e sonoros:

    Corcovado (Quero a vida sempre assim/ Com voc perto de mim/ At o apagar da

    7 Nelson Motta, DVD Maestro soberano, vol. 3, 2006

    8 Entrevista de Chico Buarque ao jornalista Luiz Roberto de Oliveira: - acessado em novembro de 2011

  • 12

    velha chama); Fotografia (E uma grande lua saiu do mar/ Parece que esse bar j vai

    fechar); Wave (O resto mar/ tudo que eu no sei contar) ; guas de maro (

    madeira de vento/ Tombo da ribanceira/ o mistrio profundo/ o queira ou no

    queira); Lgia (Esqueci no piano/ As bobagens de amor/ Que eu queria dizer); Luiza

    (Rua, espada nua/ Bia no cu, imensa e amarela/ To redonda lua) e tantas outras.

    SantAnna, (1986) coloca Tom Jobim como um dos melhores letristas do

    perodo da Bossa Nova: mais direto, mais espontneo, menos literrio e acredita

    que os crticos absorvidos pela sua msica pouco se detinham em sua letra, sempre

    em progresso e renovadora.

    Este trabalho pretende estudar e analisar algumas msicas da obra do

    compositor Antonio Carlos Jobim, com o objetivo de demonstrar os dilogos que

    teve com o Impressionismo Francs (Simbolismo), particularmente com a msica do

    compositor francs Claude Debussy; com o Modernismo, especialmente com a obra

    de Villa-Lobos; com a msica norte-americana e a produo da msica popular

    brasileira da primeira metade do sculo XX.

    A importncia de Jobim na construo da moderna msica popular brasileira

    da segunda metade sculo XX e a presena constante de elementos da paisagem

    carioca, do mar, das florestas, da mata Atlntica em especial das guas, dos rios,

    desde as suas primeiras composies.

    Em sua obra, a complexidade harmnica, a leveza, a sutileza e a delicadeza

    das melodias e letras, foram pontos de referncia para os compositores da msica

    popular brasileira, principalmente para os chamados compositores da segunda

    gerao da Bossa Nova, entre eles Edu Lobo (1943) e Chico Buarque (1944).

  • 13

    Tom era um homem plural. Os estudos, textos e documentos que guardou,

    apontam para variadas reas de interesses: ecologia, poesia, urbanismo,

    arquitetura, amor e, claro, msica. Ele guardou o que produziu, o que

    conseguiu reunir dos amigos e autores que admirava. Acumulava com fins

    diversos: para registrar o que estava pronto; para voltar a trabalhar o que

    ainda no era do seu gosto (verifica-se que o esboo um tipo de

    documento facilmente encontrado); para comprovar seus direitos; e

    tambm pelo orgulho daquilo que ganhou, fossem prmios, produo de

    terceiros ou cartas de fs. (CRUZ, 2008, p.81-82)

    Esse trabalho foi dividido em quatro captulos:

    Captulo I WAVE - A MODERNA ONDA QUE SURGIU DO MAR9 - A

    modernidade teve incio com as transformaes sociais, econmicas, culturais e

    tecnolgicas do sculo XIX, onde houve certa ruptura com o passado e abriu

    novas possibilidades para a pesquisa artstica moderna. O Impressionismo

    Francs, movimento criado em Paris entre 1860 e 1870, voltado inicialmente para

    a pintura, mas que vinte anos depois, em 1894, se estendeu tambm para a msica.

    Um dos representantes do movimento, Claude Debussy utilizou em suas

    composies escalas que no faziam parte do sistema tonal, inspirando

    compositores de muitos pases que comearam a pesquisar o folclore musical. Em

    decorrncia do contato direto com a obra de Debussy ou indiretamente atravs de

    Villa-Lobos, foi possvel observar vrios aspectos do Impressionismo presentes na

    obra de Tom Jobim.

    9 O nome dos captulos teve como referncia os discos de Tom Jobim. Por exemplo: o ttulo do primeiro captulo, inspirado em Wave, ficou: Wave - A moderna onda que surgiu do mar, porque o assunto trata das referncias europeias que chegaram no comeo do sculo XX, do alm mar.

  • 14

    Captulo II ANTONIO BRASILEIRO - No incio do sculo XX, Villa-Lobos,

    Mario de Andrade (1893-1945) e outros intelectuais se preocuparam em buscar uma

    msica brasileira, tendo como base as razes folclricas do Brasil.

    A produo significativa da obra de Villa-Lobos foi uma constante inspirao

    e importante referncia na obra de Tom Jobim que foi possvel identificar,

    comparando trechos das composies de ambos.

    Captulo III TERRA BRASILIS - A msica de Tom Jobim teve como

    inspirao a paisagem e o cenrio proporcionado pela cidade do Rio de Janeiro.

    Segundo ele, sua obra deve muito s rvores, montanhas, ao mar, costa, aos

    pssaros e, naturalmente, no podemos esquecer a mulher brasileira que tambm

    faz parte da ecologia. O Stio de Poo Fundo foi um local de muita inspirao, onde

    comps suas canes mais importantes: Dindi, Chovendo na roseira, guas de

    maro e tantas outras.

    Captulo IV. PRIMEIROS PASSOS E COMPASSOS - Neste captulo esto

    os principais parceiros e composies: de Newton Mendona, seu primeiro parceiro,

    passando por Billy Blanco, Luis Bonf (1922-2001), Vincius de Moraes, Chico

    Buarque, entre outros. O surgimento da Bossa Nova que consistiu em certa ruptura

    com o perodo anterior trouxe mudana na forma de cantar, nas letras das msicas,

    no enriquecimento harmnico e na sutileza rtmica; a apresentao no Carnegie Hall

    e suas consequncias para a vida profissional de Tom Jobim e sua participao nos

    festivais da msica popular.

  • 15

    Durante o desenvolvimento deste trabalho, constatou-se um nmero grande

    de novas publicaes, livros e trabalhos acadmicos 10 sobre a obra de Tom Jobim,

    lanados a partir de 2005. Esse fato veio de encontro principalmente ao grande

    interesse demonstrado pelas comemoraes dos cinquenta anos da Bossa Nova.

    Sergio Cabral em seu livro Antonio Carlos Jobim Uma biografia, de 1997

    caracterizou o compositor, como quem definiu o melhor rumo para a msica popular

    brasileira a partir da dcada de 1950.

    Pra l de um magnfico criador, foi um inovador. Se somarmos a essas

    virtudes o personagem encantador das mesas de bar, o lutador pioneiro e

    insistente na defesa da ecologia, o apaixonado pelo Rio de Janeiro e pelo

    Brasil, o criador de frases, o homem bonito e charmoso, o declamador de

    poesias e o cidado do mundo, o resultado ser Antnio Carlos Jobim.

    (CABRAL, 1997, p. 7)

    10

    ALBUQUERQUE, Mnica Chateaubriand Diniz Pires e. Villa-Lobos, Tom Jobim, Edu Lobo: o terceiro vrtice. Dissertao de mestrado em Histria, Poltica e Bens culturais. CPDOC. Rio de Janeiro, 2006. BARBOSA, Camila Cornutti. A Bossa Nona, seus documentos e articulaes:um movimento para alm da msica.Dissertao de Mestrado em Cincias da Comunicao, So Leopoldo, RS: UNISINOS, 2008. CARAMURU, Fabio. Aspectos da interpretao pianstica na obra de Tom Jobim. Mestrado em Artes

    (ECA/USP), 2000. CRUZ, Gleise Andrade. De Olho na Eternidade: a formao do arquivo pessoa de Antonio Carlos Jobim. Mestrado em Bens Culturais e Projetos Sociais (CPDOC/FGV), 2008. DIAS, Caio Gonalves. Tom Jobim: trajetria, carreira e mediao socioculturais. Dissertao de Mestrado em

    Antropologia Social Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, 2010. DIAS, Carlos Ernest. Antnio Carlos Jobim: Imagens e relaes entre Matita-Per e guas de maro. Mestrado em Cincia da Arte (IACS/UFF), 2004 KUEHN, Frank Michael Carlos. Antonio Carlos Jobim, a Sinfonia do Rio de Janeiro e a Bossa Nova: Caminho para a construo de uma linguagem musical. Dissertao de Mestrado em Musicologia. Centro de Letras e Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2004. PIANTA, Carlo Machado. A gnese da Bossa Nova: Joo Gilberto e Tom Jobim. Dissertao de Mestrado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010. POLETTO, Fbio Guilherme. Tom Jobim e a Modernidade Musical Brasileira (1953-1958). Dissertao de Mestrado em Histria (UFPR), 2004. ___________________ Saudade do Brasil: Tom Jobim na cena musical brasileira (1963-1976). Tese de Doutorado em Histria Social, USP, 2010. PY, Pedro Oliveira. Estrutura tonal na obra de Tom Jobim: uma abordagem schenkeriana da cano Sabi. Mestrado em Msica (EM/UFRJ), 2004. ROSADO, Clairton. Braslia Sinfonia da Alvorada, estudo dos procedimentos composicionais da obra sinfnica de Tom Jobim. Dissertao de Mestrado, ECA-USP, So Paulo, 2008. TIN, Paulo Jos. Trs compositores da msica popular do Brasil: Pixinguinha, Garoto e Tom. ECA-USP, So Paulo, 2001. VIDAL, Erick de Oliveira. As capas da Bossa Nova: Encontros e desencontros dessa histria visual (LPs da Elenco, 1963). Dissertao de Mestrado em Histria, UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, 2008. BOLLOS, Liliana Harb. Bossa Nova e crtica Polifonia de vozes na imprensa. So Paulo: Annablume Editora, 2010. Tese de Doutorado Departamento de Comunicao e Semitica, PUC, So Paulo, 2006. HAUDENSCHILD, Andr Rocha. Alegria selvagem a lrica da natureza em Tom Jobim. So Paulo: Editora Olho dAgua, 2010. Dissertao de Mestrado em Literatura, na Universidade Federal de Santa Catarina, SC, 2010.

  • 16

    No comeo dos anos 1950 os bares, boates e inferninhos de Copacabana,

    passaram a concentrar msicos e instrumentistas que se identificaram com a

    modernizao da msica popular brasileira. na noite que a msica popular comea

    a se modificar e nesse contexto Tom Jobim inicia sua vida profissional.

    Cabral (1997) escreveu toda a biografia do compositor desde o nascimento,

    a vida em famlia, a perda do pai, o incio da aprendizagem de msica, o comeo da

    vida profissional e o desenvolvimento de sua carreira musical at sua morte em

    dezembro de 1994.

    Afirma que quando comeou a escrever este livro, ficou sabendo que a

    escritora Helena Jobim, irm do compositor, estava escrevendo o livro Antonio

    Carlos Jobim um homem iluminado. Decidiu ento que no iria mais escrever, mas

    ao conversar com a autora, foi estimulado a terminar o livro. O livro de Helena Jobim

    foi lanado em 1996 e o de Srgio Cabral em 1997.

    Os dois apresentaram a biografia completa do artista. O de Helena Jobim

    com caractersticas prprias e importantes de quem esteve muito prxima, conheceu

    detalhes e participou de cenas da famlia e do cotidiano do compositor.

    Em 1995 foi lanado o livro Tons sobre Tom, de Mrcia Cezimbra, Tessy

    Callado e Trik de Souza. Comeou a ser escrito em 1992 com entrevistas de

    parceiros, amigos e do prprio compositor, acompanhados de textos de

    apresentao e fotos. Os depoimentos foram colhidos individualmente e montados

    de acordo com um tema escolhido. Aps a morte do compositor algumas entrevistas

    foram refeitas ou ampliadas e acrescentadas ao livro, dividido entre o homem e o

    msico.

  • 17

    Conforme Carlos Lyra:

    Eu gostava de msica americana, no gostava de msica brasileira. O

    Tom conseguiu fazer o equilbrio harmonicamente. A juno dele com o

    Joo Gilberto possibilitou uma nova forma de tocar um samba mais

    urbano. Eles fizeram a msica dos universitrios, a juventude ganhava sua

    traduo sonora. A vitria da Bossa Nova foi um triunfo da classe mdia.

    No o classicismo burgus da classe mdia, mas o acesso ao

    impressionismo, cultura, com que a classe mdia do mundo inteiro se

    sentiu identificada. (CEZIMBRA, 1995, p. 155)

    Mello lanou novamente em 2008 o livro Eis aqui os bossa-nova (1 edio

    em 1976, esgotada). So depoimentos colhidos das principais figuras do movimento

    em 1968, dez anos depois do incio da Bossa Nova.

    Estvamos em 1968. Assim eles prprios puderam narrar episdios que

    tinham participado de algum modo, alm de analisar, com a profundidade

    que a distncia do tempo favorece, esse perodo to intensivo da msica

    brasileira. Podiam contar a histria de que eram protagonistas, a histria

    da Bossa Nova. (MELLO, 2008, p. 9)

    O critrio para a escolha dos entrevistados foi fundamentado na participao

    como msico, em sentido amplo, nos acontecimentos marcantes desse perodo. O

    livro focalizou um perodo de dez anos fundamentais na msica popular brasileira,

    de 1958 a 1968.

    Os dados para esse trabalho foram baseados em depoimentos e entrevistas

    do prprio autor, de outros msicos e de personalidades ligadas rea. Foram

    pesquisados e analisados livros, trabalhos acadmicos, textos de jornais e revistas,

  • 18

    programas de TV, partituras, gravaes em LPs, CDs, DVDs de Tom Jobim e outros

    artistas que nessas ltimas cinco dcadas, vm interpretando sua obra11.

    O Zimbo Trio grupo instrumental formado em 1964 teve como primeiro

    sucesso Garota de Ipanema, msica que at hoje faz parte obrigatria do repertrio

    do trio. O pianista Amilton Godoy afirmou12 que a introduo que escreveu para

    Garota de Ipanema em 1964 e que fez tanto sucesso, foi inspirada num trecho do

    Ciclo Brasileiro de Villa-Lobos. Em 1988 e 1995, lanaram dois CDs somente com

    composies de Tom Jobim. O primeiro foi o LP (e depois CD) Zimbo Trio e o Tom,

    lanado pela CLAM Discos, em 198813 e o segundo Caminhos cruzados Zimbo

    Trio interpreta Tom Jobim14 lanado em 1995, pela Moovieplay. No verso da capa

    deste CD, Luiz Chaves, contrabaixista do trio na poca, disse: Quase sempre

    inclumos trs ou quatro msicas dele (Tom Jobim) a cada disco. As msicas do

    Tom vm feitas de uma maneira muito bonita. J trazem uma harmonia, uma

    melodia, uma induo rtmica. O disco simples e leve dentro do esprito da msica

    do Jobim. O Tom Jobim sempre fez a msica por excelncia, por isso nos afinamos

    com ele."

    Tom Jobim aprendeu a escrever arranjos e orquestrao com Lyrio Panicalli,

    Alceu Bocchino e outros durante gravaes em estdios. Tambm estudou

    11

    O tema foi escolhido porque as composies de Tom Jobim sempre estiveram presentes na vida da autora deste trabalho desde a infncia e depois profissionalmente como pianista, compositora, autora de mtodos de educao musical e professora do CLAM Centro Livre de Aprendizagem Musical no perodo de 1975 a 2001.

    12 DVD Amilton Godoy em Villa-Lobos - influncias & comentrios. So Paulo: Arte Viva Produes Artsticas / TVG Filmes, 2009.

    13 Fazem parte do disco as seguintes msicas: Felicidade (Tom Jobim / Vincius de Moraes), Chega de saudade (Tom Jobim / Vincius de Moraes), Wave (Tom Jobim), Garota de Ipanema (Tom Jobim / Vincius de Moraes), S dano samba (Tom Jobim / Vincius de Moraes), Desafinado (Tom Jobim / Newton Mendona), Triste (Tom Jobim) e Samba de uma nota s (Tom Jobim / Newton Mendona)

    14Outra Vez (Tom Jobim), Caminhos Cruzados (Tom Jobim / Newton Mendona), Radams y Pel (Tom Jobim), O grande amor (Tom Jobim e Vincius de Moraes), Samba de Maria Luiza (Tom Jobim), Meditao (Tom Jobim), Piano na Mangueira (Tom Jobim / Chico Buarque), Olha Maria (Tom Jobim / Chico Buarque), Corcovado (Tom Jobim), Discusso (Tom Jobim / Newton Mendona), Sabi (Tom Jobim / Chico Buarque), Garota de Ipanema (Tom Jobim / Vincius de Moraes), Falando de Amor (Tom Jobim), Boto (Tom Jobim / Jararaca), Quebra Pedra (Tom Jobim), Brigas nunca mais (Tom Jobim), Ana Luiza (Tom Jobim), gua de beber (Tom Jobim / Vincius de Moraes), O Morro no tem vez (Tom Jobim / Vincius de Moraes), Estrada branca (Tom Jobim / Vincius de Moraes)

  • 19

    orquestrao nos livros de Rimsky-Korsakov (1844-1908) e Glenn Miller (1904-1994)

    e instrumentao com Leo Peracchi.

    Na poca existiam somente escolas que trabalhavam com o repertrio da

    msica erudita, no existia possibilidade de escolha e seus professores no estavam

    tambm habilitados para ensinar outro tipo de msica. Onde aprender, nas dcadas

    de 1940 e 1950, instrumentao e arranjo? Onde estudar harmonia e aprender a

    tocar e improvisar esse repertrio mais sofisticado?15

    .

    15

    As primeiras escolas que apresentaram uma abordagem diferente dos tradicionais conservatrios de msica surgiram no Brasil na dcada de 1970. A primeira foi a Fundao das Artes de So Caetano, So Paulo. Quase ao mesmo tempo, foi fundada a segunda escola do gnero: o Centro Livre de Aprendizagem Musical CLAM (1973) Foram seus fundadores os componentes do Zimbo Trio (1964) e o baterista Chumbinho, Joo Rodriguez Ariza (1935-2004), no bairro de Moema (R. Araguari, 442), cidade de So Paulo.

  • 20

    CAPTULO I. WAVE - A MODERNA ONDA QUE SURGIU DO MAR

    A modernizao teve incio com as transformaes sociais, econmicas,

    culturais e tecnolgicas do sculo XIX. Com a maior integrao das sociedades e de

    suas economias, foi possvel a circulao de ideias e culturas.

    I.1. Impressionismo e pintura

    O movimento impressionista representou certa ruptura com o passado e

    abriu novas possibilidades para a pesquisa artstica moderna. Foi criado em

    Paris entre 1860 e 1870, apresentado pela primeira vez ao pblico em 1874

    com uma exposio de artistas independentes no estdio do fotgrafo Nadar16

    (1820-1910). Em abril de 1874 cedeu seu estdio de fotografia a um grupo de

    pintores: Claude Monet (1840-1926), Pierre Auguste Renoir (1841-1919),

    Camille Pissarro (1830-1903), Alfred Sisley (1839-1899), Paul Czanne (1839-

    1906) e Edgar Degas (1834-1917), o que lhes possibilitou apresentar a

    primeira exposio do Impressionismo sem ser no Salon des Refuss (Salo

    dos Recusados). Segundo Argan:

    difcil dizer se era maior o interesse do fotgrafo por aqueles pintores ou o

    dos pintores pela fotografia; o que certo, em todo caso, que um dos

    mveis da reformulao pictrica foi a necessidade de redefinir sua essncia

    e finalidade frente ao novo instrumento de apreenso mecnica da realidade.

    (ARGAN, 2006, p.75).

    Monet, Renoir, Sisley e Pissarro realizavam um estudo ao vivo, direto,

    experimental, trabalhando ao ar livre, de preferncia ao lado do rio Sena. A

    proposta consistia em representar de maneira mais imediata, com uma tcnica

    16

    Flix Nadar, pseudnimo de Gaspard-Flix Tournachon - fotgrafo, caricaturista e jornalista francs, faz suas primeiras fotografias em 1853, e tornou-se a primeira pessoa a tirar fotos areas, em 1858, ao sobrevoar Paris em um balo de ar quente.

  • 21

    rpida e sem retoques, a impresso luminosa e a transparncia da atmosfera e

    da gua, no utilizando o preto para escurecer as cores na sombra. Os

    pintores abandonaram os contornos, o claro-escuro e seus contrastes

    intensos. Passaram a utilizar mais os tons de azul, verde, amarelo, laranja,

    vermelho e violeta. Empregavam as cores, com frequncia, em pinceladas

    fragmentadas e justapostas, e o olho do espectador tinha que recompor a cor

    desejada pelo pintor (mistura tica dos tons).

    I.1.1 Claude Monet

    Claude Monet mudou-se para a cidade de Le Havre, cidade porturia

    em transformao industrial, onde conheceu o pintor Eugne Boudin (1824-

    1898) que o levou a pintar ao ar livre, uma tcnica inovadora naquele

    momento. O encontro com outro pintor, o holands Johan Barthold Jongkind

    (1819-1891) foi determinante para sua carreira, considerado responsvel pela

    educao definitiva de seu olhar.

    Monet insistia com seus amigos pintores para que deixassem o ateli e

    pintassem somente diante do motivo. Um pequeno bote equipado com um

    estdio lhe permitia a explorao dos cambiantes, da indeciso das cores do

    cenrio fluvial. A ideia de que toda a pintura da paisagem tinha que ser

    terminada in loco, resultou em mudanas de hbitos e no aparecimento de

    novos mtodos tcnicos. Destacou-se em sua obra a presena constante de

    um dos elementos: a gua.

    A natureza ou o motivo muda de minuto a minuto, quando corre uma nuvem

    sobre o sol ou o vento quebra o reflexo na gua. O pintor que espera captar

    um aspecto caracterstico no dispe de tempo para misturar e combinar suas

    cores, muito menos para aplic-las em camadas sobre uma base castanha,

    como tinham feito os velhos mestres. Ele tem que fix-las imediatamente na

  • 22

    sua tela, em pinceladas rpidas, cuidando menos dos detalhes e mais do

    efeito geral produzido pelo todo. Era essa falta de acabamento, essa

    abordagem aparentemente descuidada, que amide enfurecia os crticos.

    (GOMBRICH, 1999, p. 518).

    I.2. Impressionismo e Msica (Simbolismo)

    Aproximadamente vinte anos aps o aparecimento do Impressionismo

    na pintura (1894), surgiu a primeira manifestao musical impressionista e a

    primeira msica considerada moderna, foi a composio Prlude laprs-midi

    dun faune (1892-1894) do compositor francs Claude Debussy (1862-1918).

    Apesar de toda a sua fama e influncia, Wagner, que em ltima

    anlise manteve a tonalidade tradicional, no est entre os

    fundadores do modernismo. Mas, dois contemporneos mais jovens,

    Claude Debussy e Gustav Mahler (1860-1911), imprimiram o ritmo

    para a libertao artstica musical no final do sculo XIX e comeo do

    sculo XX. Ambos sabiam que eram revolucionrios da msica

    embora defendessem e empreendessem revolues muito diferentes.

    (GAY, 2008, p.230)

    Debussy lutou durante quase toda a vida, contra o impacto que as

    obras de Wagner lhe causavam. Aprendeu com o compositor, mas tambm

    reagiu contra ele.

    Segundo Vuillermoz (1878-1960):

    Debussy estava milagrosamente de acordo com o diapaso dos pintores

    excitados pela conquista progressiva da luz, considerada como o elemento

    dominante de sua linguagem. (SERULLAZ, 1965, p.14)

    Utilizou como os pintores todas as formas de fragmentao, do

    retalhamento, da decomposio de sons e dos timbres. Descobriu refinamentos

    de timbres e efeitos sonoros, utilizou em seu Quarteto de cordas (1893) uma

  • 23

    sucesso de acordes isolados, como o pontilhismo dos pintores impressionistas.

    considerado o compositor da poesia simbolista e musicou entre outras as Ariettes

    oublies e Ftes galantes do poeta Verlaine. As msicas de Debussy tiveram como

    referncia as mesmas pinceladas que Monet e os demais pintores impressionistas

    aplicaram sobre as telas.

    Prlude laprs-midi dun faune (Fig. 1), poema sinfnico que se

    baseou na obra do poeta francs Stphane Mallarm (1842-1898), foi

    publicado com ilustraes de douard Manet (1832-1883) e estreou em Paris na

    Socit Nationale de Musique em 1894 sob a direo do compositor e regente suo

    Gustave Doret (1866-1943).17 O pblico no resistiu a seu prazer, os crticos

    viram com reserva, foram mais reticentes.

    Segundo Gay (2008) foi sua primeira demonstrao de ousadia.

    Debussy se tornou um emancipador do som pelo prprio som e, como

    autntico modernista, reconheceu que estava trilhando um caminho em larga

    medida solitrio.

    17

    A msica de Debussy e a poesia de Mallarm inspiraram a criao de um bal por Vaslav Nijinski em 1912, Laprs-midi dun faune.

  • 24

    Fig. 1 Trecho da partitura Laprsmidi dun faune (Debussy) 18

    Segundo Cand (2001) a msica moderna desperta com Laprsmidi

    dun faune.

    A composio Prlude laprs-midi dun faune, abriu uma nova

    concepo de criao musical. Comea com uma melodia na flauta descendo

    um trtono19 e voltando a subir. A harmonia varia ao longo do trtono at parar

    num acorde de si bemol maior com stima menor, um acorde dominante. A

    flauta repete a mesma melodia e acontece uma nova harmonia. Assim:

    Debussy resiste ao impulso germnico para desenvolver seu material

    temtico: a melodia permanece esttica enquanto o acompanhamento se

    desenvolve. Nebulosas sonoridades de tons inteiros marcam o horizonte

    da viso do fauno, em que as formas se dissolvem na neblina. (ROSS,

    2009, p. 27)

    18

    CAND, 2001, p. 201 19

    Trtono intervalo (distncia entre dois sons) de trs tons inteiros, por exemplo: de d a f sustenido.

  • 25

    Por volta de 1900 existia uma falta de interesse pela obra de Richard

    Wagner (1813-1883). Em 1859 foi o ano de Tristo e Isolda, onde o compositor

    chegou at as ltimas possibilidades do cromatismo romntico20. Diminuiu o

    entusiasmo dos compositores por essa msica que Friedrich Nietzsche (1844-

    1900) definiu como nervosa, doentia, perigosamente fascinante. Debussy e

    Erik Satie (1866-1925) comearam a desenvolver alternativas e buscar uma

    sada ao sinfonismo beethoveniano e pera wagneriana.

    O mais expressivo crtico da obra wagneriana, o filsofo alemo

    Nietzsche declarou no ensaio O caso Wagner:

    A msica precisava ser libertada do peso teutnico e conduzida de volta a

    suas origens populares. Il faut mditerraniser la musique ( preciso

    mediterranizar a msica). (ROSS, 2009, p. 27)

    O verdadeiro rompimento aconteceu com a Primeira Grande Guerra

    quando Satie e vrios jovens parisienses apropriaram-se do Music-Hall, do

    Ragtime e do Jazz. Em 1900 Paris se apaixonou pela msica afro-americana,

    quando a banda de John Philip Sousa (1854-1932) tocou o cakewalk21 em sua

    jornada pela Europa. Em resposta Debussy comps Golliwogs cakewalk, da

    sute Childrens corner (1906-8).

    Claude Debussy (1862-1918) iniciou os estudos no Conservatrio de

    Paris, aos dez anos, onde fez seus primeiros experimentos e causou

    estranheza aos professores.

    Mesmo a contragosto suportou o ensino rigorosamente acadmico, mas esse

    conhecimento no futuro significaria estender o campo da harmonia tradicional

    20

    No teria sido possvel ir mais longe sem atravessar as fronteiras do sistema tonal de Bach Rameau, fundamento da msica do Ocidente.

    21 Tradicional forma de msica e dana afro-americana, que teve origem com os escravos no sul dos Estados Unidos.

  • 26

    e fazer experincias tonais que ultrapassavam os limites aceitos, sempre a

    servio da sonoridade. (GAY, 2008, p. 231)

    Em viagem Rssia conheceu a msica de Mussorgsky e em 1881,

    novamente nesse pas, teve seu primeiro contato com as escalas de tons

    inteiros22, atravs da msica do compositor russo Mikhail Glinka (1804-1857).

    A escala de tons inteiros levou Debussy ao limiar do chamado atonalismo23.

    Em 1889, durante a Exposio Universal de Paris, Debussy se

    encantou com a obra do compositor russo Nikolai Rimsky-Krsakov que

    utilizava em suas composies a escala octatnica, escala de oito sons, de

    tons e semitons alternados. Nesta exposio escutou assombrado a msica de

    uma trupe teatral vietnamita com seus efeitos de gongos ressonantes e

    tambm um conjunto javans com sua escala minimalista de cinco sons. 24

    Em 1900 o compositor tambm escutava com ateno a msica

    espanhola, em especial o cante jondo, msica tradicional do flamenco andaluz.

    O compositor russo Mussrgski (1839-1881) foi referncia para o

    tratamento do texto por Debussy na pera Pellas et Mlisande, esboada no

    incio da dcada de 1880. Nos anos 1910 as obras francesas foram em direo

    ao leste e os franceses ficaram fascinados pelos russos.

    22

    Escala de tons inteiros Escala constituda por seis sons com igual distncia entre si (intervalos de um tom). 23

    Atonalismo: o termo descreve a msica que no se conforma com o sistema de hierarquias que caracterizam o tonal da msica clssica europeia, entre os sculos XVII e XIX. As notas da escala cromtica trabalham independentemente uma da outra. (Lansky, Perle e Headlam 2001).

    24 No sculo XIX vrios compositores do forma sinfnica ou operstica a temas do folclore. Costumam consultar e extrair esses temas de coletneas escritas e publicadas a partir das convenes da notao musical do Ocidente o que nem sempre corresponde a realidade dos temas. No final do sculo XIX, estudiosos da etnomusicologia comeam a adotar mtodos mais rigorosos para fazer o registro desses temas. Com a chegada do cilindro de gravao possvel gravar as melodias e estud-las.

  • 27

    No poema sinfnico La Mer, Debussy pretendia no tanto traar um

    retrato do mar, e sim transmitir os sentimentos, talvez as associaes,

    despertados pelo agitado espetculo.

    A obra de Debussy era uma busca delicada que se enquadrava

    perfeio no mundo que os pintores e poetas modernistas buscavam,

    sua maneira: a vida interior e sua respectiva representao. (GAY,

    2008, p. 233).

    Conheceu Igor Stravinsky (1882-1971) em 1910 na estreia de Pssaro

    de Fogo. A Sonata para violino e piano (1916), a Sonata para violoncelo e

    piano, o bailado Jeux (1912) e os Douze tudes para piano (1915) so obras

    consideradas modernas, nas quais o compositor francs Olivier Messiaen

    (1908-1992), o compositor italiano Goffredo Petrassi (1904-2003) e o regente e

    compositor francs Pierre Boulez (1925) acreditaram encontrar o verdadeiro

    Debussy.25

    Sempre prezou demais a sua liberdade, uma linguagem caracterstica

    do modernismo e era claro seu desinteresse por grande parte do repertrio

    admirado nos crculos acadmicos.

    A orientao revolucionria que Debussy d msica moderna definiu-se nos

    cafs artsticos e nos sales literrios, no nos crculos musicais, que ele no

    freqenta, escapando assim das igrejinhas de todas as tendncias. (CAND,

    2001, p. 196)

    Vrios aspectos do Impressionismo presentes na obra de Tom Jobim

    apareceram em decorrncia do contato direto com a obra de Debussy ou indireto

    com Villa-Lobos e a msica norte-americana.

    25

    A msica do bailado Jeux encomendada pelo empresrio russo Sergei Diaguilev, considerada uma antecipao ao estilo de Webern (1883-1945).

  • 28

    Jobim estudou com Hans Joachim Koellreutter os princpios bsicos do

    ensino de msica, composio e harmonia. Provavelmente foi com ele e

    com Villa-Lobos que descobriu no existir fronteiras rgidas entre o erudito

    e o popular. (Cancioneiro Jobim, vol.1, 2001, p.13).

    Falar sobre a influncia direta do Impressionismo em Jobim contribui para

    que se faa justia obra de um compositor que foi, por muito tempo, tachado de

    americanizado e incompreendido pelos tradicionalistas mais empedernidos da

    msica brasileira.26

    Em entrevista a Chediak em 1994, Jobim disse:

    (...) vi que os puristas daqui diziam que a bossa nova era em cima do jazz.

    Isso virou um jazz danado. Quando esse pessoal dizia que a harmonia da

    bossa nova era americana, eu achava engraado, porque essa mesma

    harmonia j estava em Debussy. No era americana coisa nenhuma.

    Chamar o acorde de nona de inveno americana um absurdo. Esses

    acordes de dcima primeira, dcima terceira, alteradas com tenses, com

    adendos, com notas acrescentadas, isso a voc no pode chamar de

    americano.

    Radams Gnattali tambm foi acusado de falta de brasilidade em suas

    composies pela utilizao do acorde de nona, muito presente na msica norte-

    americana:

    [Os ouvintes] Gostam do que bom. O Orlando Silva, que acabou sendo o

    primeiro a gravar msica brasileira com orquestra sinfnica, vendeu

    toneladas de discos, apesar das reclamaes contra meus arranjos. O

    acorde americano, como ficou conhecido o acorde de nona, agradou muito

    o pblico e, se tambm era utilizado no jazz, era porque os compositores

    de jazz ouviam Ravel e Debussy. Aqui ningum nunca tinha ouvido o tal

    acorde em outro lugar a no ser em msica americana, e vieram as

    26

    DUARTE, Luiz de Carvalho A Esttica Musical Impressionista na obra de Antonio Carlos Jobim.

  • 29

    crticas. Mas o povo no se deixou levar e assimilou muito bem a

    novidade27. (BRESSON, 1979, p. 26)

    Carlos Lyra em seu livro Eu & a Bossa (2008) contou que conversando com

    Tom Jobim e mesmo observando sua obra percebeu que ambos beberam das

    mesmas fontes, populares ou eruditas:

    Quando penso em forma, penso em formao, em influncias. E no consigo

    imaginar arte moderna que no seja influenciada pelo Impressionismo - uma

    espcie de ancestral de todas as formas artsticas que lhe sobrevieram -

    marcadamente pintura e msica. Sempre consigo encontrar vestgios de

    Ravel e Debussy na msica de outros favoritos meus, como Stravinsky, Villa-

    Lobos, Gershwin e Tom Jobim. (LYRA, 2008, p. 33)

    Em entrevista28 Paulo Jobim falou que h muita influncia do

    Impressionismo francs na msica de seu pai. Subsequentemente ele incorpora at

    a influncia de Stravinsky e as tcnicas dodecafnicas a seus trabalhos nos discos

    Matita Per e Urubu. Mas Debussy talvez a maior influncia da msica erudita

    sobre sua obra. Na Sinfonia da Alvorada, obra composta para a inaugurao de

    Braslia, o primeiro movimento tem uma tcnica de harmonizao e orquestrao

    que se assemelha ao Prlude laprs-midi dum faune, de Debussy, em especial

    nos solos das madeiras, nos trmulos das cordas, no uso da escala hexatnica.

    A seguir temos dois trechos musicais onde possvel perceber as

    referncias de Debussy nas composies de Tom Jobim: La plus que lente de

    Claude Debussy (Fig.2) e Chovendo na roseira de Tom Jobim (Fig.3).

    27

    BRESSON, Bruno C. Jornal O Estado de So Paulo 19/03/1979 p. 26 28

    DUARTE, 2010, p.39

  • 30

    Fig. 2 Trecho da partitura da msica La plus que lente (Debussy)

    Em 1966, Tom Jobim viajou para Los Angeles e quando voltou passou bastante

    tempo estudando e escrevendo canes significativas de seu repertrio:

    Na volta dessa viagem ele trouxe um piano Yamaha para a casa nova na Rua

    Codajs e passou bastante tempo relendo Debussy, Chopin, Rachmaninoff e

    compondo tranquilo ao piano. Deste perodo vieram msicas como Quebra-

    pedra, Sabi, Chovendo na roseira e Olha Maria, algumas usadas na trilha do

    filme The Adventurers, gravada em Londres com arranjos de Eumir Deodato.

    (Cancioneiro Jobim, 2001, p. 8)

    Podemos observar outras referncias de Debussy na composio de Tom

    Jobim. Os intervalos de teras presentes na obra de Debussy esto de forma

    semelhante na composio de Tom Jobim.

  • 31

    Fig. 3 Trecho da partitura da msica Chovendo na roseira (Tom Jobim)

    29

    Fazendo uma anlise comparativa de alguns trechos da partitura30 da

    msica La plus que lente (Fig. 4, 5, 6 e 7), possvel observar que Debussy

    harmonizou de duas formas diferentes a melodia que se repete (trechos assinalados

    com parnteses tracejados).

    29

    JOBIM, 2001, p. 321 30

    Ricordi Brasileira, So Paulo, 1979

  • 32

    Fig. 4 Trecho 1 - partitura La plus que lente (Debussy)

    Fig. 5 Trecho 2 - partitura La plus que lente (Debussy)

  • 33

    Fig. 6 Trecho 2 - partitura La plus que lente (Debussy)

    Fig. 7 Trecho 2 - partitura La plus que lente (Debussy)

    Analisando os trechos da partitura da msica Se todos fossem iguais a voc

    (Fig.8 e 9), nos compassos 17 a 20 e 33 a 36, Jobim fez um procedimento

    semelhante: a mesma melodia se repete, com a harmonia diferente. Este

    procedimento recorrente em sua obra.

  • 34

    Fig. 8 - Trecho 1 - Partitura da msica Se todos fossem iguais a voc (Tom Jobim / Vinicius de Moraes) - transcrio da melodia e harmonia por Geraldo Suzigan, na gravao do CD Tom Jobim Perfil 2007 e com referncia da partitura publicada no Cancioneiro Jobim

    31.

    Fig. 9 Trecho 2 - Partitura da msica Se todos fossem iguais a voc (Tom Jobim / Vinicius de

    Moraes)

    Fabio Poletto cita tambm como exemplo a msica Se todos fossem

    iguais a voc:

    Observou-se em algumas obras citadas que mesmo utilizando o padro

    harmnico | II V7 I VI alt | de forma recorrente, Jobim tambm

    reconfigura-o com a substituio de determinados acordes, ou ainda,

    mantendo a mesma linha meldica, refaz a harmonizao conseguindo

    novas coloraturas para a melodia. Estas substituies ocorrem em geral

    por acordes de emprstimo modal, por dominantes individuais que alargam

    o discurso ou mesmo seguindo cromatismos da linha de baixo, com a

    inverso dos acordes. (POLETTO, 2004, p.129)

    A utilizao de escala cromtica na obra de Debussy, aparece tambm nas

    composies de Tom Jobim.

    31

    JOBIM, 2001, vol.1, p.114-117

  • 35

    Claude Debussy procurou se opor esttica romntica, tentando

    fundamentar-se nas obras de Johann Sebastian Bach, donde retomou

    recursos do contraponto como a verdadeira lgica da criao musical. Em

    1902, advogava a supresso do ensino de Harmonia nas escolas

    francesas. Embora tenha empregado em suas peas o cromatismo, as

    apogiaturas (acordes dissonantes) ou escalas orientais, Debussy no

    conseguiu se afastar definitivamente do sistema tonal. Isso tambm

    ocorreu com Scriabin. (CONTIER, 1988, p. 463)

    observavel no exemplo abaixo, trecho da msica Laprsmidi dun faune

    (Fig. 10) e nas msicas Eu te amo (Fig. 11) e Andorinha (Fig. 12) de Tom Jobim.

    Fig. 10 Laprsmidi dun faune (Debussy)

  • 36

    Fig. 11 Trecho Partitura da msica Eu te amo (Tom Jobim e Chico Buarque) 32

    32

    JOBIM, 2001, vol. 4, p.178-179

  • 37

    Fig. 12 Trecho - Partitura da msica Andorinha (Tom Jobim) 33

    33

    JOBIM, 2001, vol 3, p. 112 e 113

  • 38

    Certas sucesses de quartas em Mahler, o tema de Jochanann em Salom, os

    acordes por quartas em Debussy e Dukas devem ser atribudos aos peculiares

    efeitos de pureza virginal provenientes destes acordes. Isto se mostra de

    maneira particularmente notvel em Debussy. Seu impressionismo usa os

    acordes por quartas (Exemplo 330) com tamanha fora que parecem unidos

    indissoluvelmente ao novo que ele diz, e com justia podem ser considerados

    como de sua propriedade intelectual, embora seja possvel demonstrar que,

    concomitantemente, ou antes, que ele o fizesse, foram escritas coisas

    parecidas. Contribui para tanto, talvez, o fato de estes acordes expressarem

    disposies da natureza; pois soam como se desse modo falasse a natureza.

    (SCHOENBERG, 2001. p. 554)

    Fig. 13 Exemplo 330 Harmonia SCHOENBERG, 2001

    Na msica Samba do avio de Tom Jobim possvel observar harmonizao em

    vozes com acordes por quartas.

    Ver partitura (Fig. 14) no terceiro e stimo compassos, todos os acordes esto

    construdos por intervalos de quarta. No dcimo terceiro, dcimo quarto e dcimo quinto,

    os acordes por quartas aparecem no pentagrama central (clave de sol).

  • 39

    Fig. 14 Partitura Samba do Avio (Tom Jobim) 34

    34

    JOBIM, 2001, p. 266

  • 40

    Percebemos na obra de Villa-Lobos referncias da esttica de Debussy,

    como a escala de tons inteiros em suas Danas caractersticas africanas e na Prole

    do beb as peas infantis do Childrens Corner. Villa-Lobos um dos poucos

    compositores de sua poca a ousarem compor uma msica moderna como a de

    Debussy no Brasil.

    Segundo Gurios (2003) A modernidade de Villa-Lobos uma modernidade

    debussysta fez com que ele fosse o nico compositor convidado para apresentar

    suas obras na Semana de Arte Moderna de So Paulo.

  • 41

    CAPTULO II ANTONIO BRASILEIRO

    O Impressionismo inspirou compositores de muitos pases que comearam

    a pesquisar o folclore musical, provocando uma terceira onda de nacionalismo

    musical.35

    A questo nacional tornou-se o ponto nodal de toda a produo de Villa-

    Lobos a partir dos anos 1920. Nas primeiras dcadas do sculo, a forte

    influncia do positivismo, de Euclides da Cunha, dos temas explorados

    pelos pianeiros e pelos chores (maxixes, sambas e choros) marcaram o

    interesse desse compositor pelas coisas brasileiras. Por outro lado, a sua

    aproximao dos autores estrangeiros, tambm fortemente envolvidos

    pelos nacionalismos de seus respectivos pases, como Claude Debussy,

    Giacomo Puccini e Richard Wagner, acabou transformando a obra de Villa-

    Lobos numa espcie de sntese dos contrrios quanto s instncias

    esttica e social: de um lado a burguesia, a msica erudita, o Romantismo,

    o Nacionalismo e o Impressionismo, e, de outro, os malandros, os homens

    pobres da cidade do Rio de Janeiro, os sambas, os maxixes, os choros.

    (CONTIER, 1988, p. 20)

    A msica europeia foi a mais relevante para a formao da nossa identidade

    cultural, segundo Mrio de Andrade:

    Os portugueses fixaram o nosso tonalismo harmnico, nos deram a

    quadratura estrfica; provavelmente a sncopa, que nos encarregamos de

    desenvolver ao contato da pererequice do africano; os instrumentos

    europeus, a guitarra (violo), a viola, o cavaquinho, a flauta o oficicleide, o

    piano, o grupo dos arcos; um dilvio de textos; formas potico-lricas, que

    nem a Moda, o Acalanto, o Fado (inicialmente danado); danas que nem

    a Roda infantil; danas iberas que nem o Fandango; danas dramticas

    que nem os Reisados, os Pastoris, a Marujada, a Chegana, que s vezes

    so verdadeiros autos. (ANDRADE, 1976, p.185).

    35

    Os compositores das naes latinas e eslavas tentavam se livrar da influncia germnica que conduziram a msica durante anos em direo a regies remotas de harmonia e forma. A Guerra Franco-Prussiana de 1870- 71 serviu de alerta para que outras naes da Europa percebessem que o novo imprio alemo tinha planos de supremacia.

  • 42

    Em 1956 Vincius de Moraes fez uma entrevista com Tom Jobim, na poca com

    29 anos, para o Jornal Literrio Para Todos, para saber o que ele pensava sobre a nossa

    msica:

    VINCIUS Voc acha que existe uma msica brasileira?

    TOM Sim, se chamarmos de msica brasileira o amlgama de

    todas as influncias recebidas e assimiladas, tornadas nossas

    pelo contato com a furiosa realidade brasileira. Chamamos

    autntico um Ernesto Nazar, conquanto ele traga uma enorme

    influncia chopiniana. O que no posso concordar com a

    identificao de alguns com a msica brasileira de um

    determinado perodo e a negao consequentemente de outra

    msica brasileira de outro determinado perodo. Achamos que

    isso um falso nacionalismo e pensamos que a palavra para

    caracterizar este modo de ser saudosismo. ...As pessoas, as

    culturas, as msicas comunicam-se umas com as outras. H

    sempre influncias novas, como disse Radams Gnattali, pois,

    de outro modo, a nica msica brasileira mesmo seria a dos

    tupis e guaranis, que, por sua vez, dizem os antroplogos, tm

    a sua origem na Oceania. (CABRAL, 1997, p.126).

    II.1. Villa-Lobos

    Villa-Lobos, pai e av

    Eu vos sado em nome de Heitor Villa-Lobos, teu av e meu pai.

    Um Antonio Brasileiro - Tom Jobim

    (LOBO, 1992, Prefcio, p. 5) 36

    Alm do contato com a msica erudita Heitor Villa-Lobos (1887-1059)

    tambm conviveu com a msica sertaneja, tpica do interior do pas para onde a

    famlia viajava. Morou em Minas Gerais, inicialmente na cidade de Bicas e depois

    em Santana de Cataguases. Posteriormente a famlia voltou para o Rio de Janeiro.

    36

    Tom Jobim escreve a citao acima no prefcio do Songbook de Edu Lobo deixando claro que Villa-Lobos referncia importante na obra dos dois compositores

  • 43

    Com a morte prematura de seu pai em 1899 e com a situao financeira em

    crise, teve que trabalhar como msico para ajudar a famlia e a prpria subsistncia.

    Cada vez mais foi decidindo seu futuro pela profisso de msico, contrariando a

    opinio da me.

    Villa-Lobos, o compositor erudito brasileiro mais bem sucedido de todos os

    tempos, embora tenha convivido largamente com os exmios chores do

    Rio de janeiro e, como no poderia deixar de ser, tenha se beneficiado

    dessa experincia, tambm ele considerava o folclore rural como a fonte

    por excelncia para a inspirao nacionalista. Influenciado por

    antecessores imediatos como Wagner, Franck ou Debussy, o compositor,

    que viveu muitos anos na Europa, respirava, sobretudo o nacionalismo

    universal de um Stravinsky e, em menor grau, de um Bartk ou de um

    Kodly, que soube transpor magistralmente para o contexto brasileiro.

    (TATIT, 2008, p. 36-37).

    Villa-Lobos ficou muito entusiasmado com a msica popular, especialmente

    pelo choro, executado nas ruas e bares do Rio de Janeiro. O primeiro grupo de

    choro que comeou a tocar foi o do violonista Quincas Laranjeiras (1873-1935).

    Os compositores passaram a entrar em contato direto com a problemtica

    popular, buscando no homem pobre a fala artstica autenticamente

    nacional. (CONTIER, 1988, p. 10)

    Os componentes dos grupos de choro tinham outras profisses: funcionrios

    pblicos, barbeiros, msicos de bandas, comerciantes, mas eram excelentes

    msicos. Para Moraes (1994) a complexidade de suas harmonias e modulaes, as

    dificuldades rtmicas, os improvisos e sua original formao instrumental tornavam o

    choro uma espcie de msica popular de cmara, tocada por instrumentistas

    habilidosos.

  • 44

    Essa sofisticao do choro atraiu grande nmero de msicos eruditos que

    conviviam e trocavam informaes com os chores possibilitando uma aproximao

    entre msicos eruditos e populares.

    Villa-Lobos, Pixinguinha, Nazareth, Joo Pernambuco, Catulo, Antonio

    Callado, entre milhares de chores, constituam-se em intermedirios

    culturais que transitavam entre o universo da cultura da elite e a cultura

    popular urbana (MORAES, 1994, p. 83).

    O pianista e compositor Ernesto Nazareth (1863-1934) foi uma referncia

    importante para Villa-Lobos e em vrias oportunidades apresentaram-se juntos em

    recitais de msica de cmara. Para Negwer (2009) sua importncia para a msica

    brasileira pode ser comparada do compositor e tambm pianista norte-americano

    Scott Joplin (1867-1917) em relao ao ragtime e o jazz dos primeiros tempos.

    A partir dos fins do sculo XIX, comeavam a surgir compositores

    preocupados com a questo da brasilidade no campo da composio,

    procurando inserir em suas msicas, as estruturas rtmicas ou meldicas

    cantadas e tocadas pelas camadas subalternas da sociedade. Nas duas

    primeiras dcadas do sculo XX, muitas peas escritas por Chiquinha

    Gonzaga, Ernesto Nazareth, Marcelo Tupinamb, Heitor Villa-Lobos j

    vinham refletindo esse novo interesse dos msicos pelos temas populares.

    (CONTIER, 1988, p. 13)

    Villa-Lobos gostava de samba37e participava do carnaval e dos cordes de

    rua. Foi amigo de Cartola (Angenor de Oliveira 1908-1980) durante toda a sua vida

    e sempre frequentou a escola de samba Mangueira onde se familiarizou com os

    instrumentos de percusso. Subia o morro da Mangueira com frequncia para

    encontrar o amigo e levar pessoas importantes que visitavam o Rio de Janeiro,

    como Walt Disney (19001966) e o compositor americano Aaron Copland (1900-

    1990) na dcada de 1940.

    37

    O samba era considerado msica primitiva e tolerado apenas durante o perodo do carnaval.

  • 45

    O violo desempenhou para Villa-Lobos papel importante em sua entrada no

    cenrio musical do Rio de Janeiro, era um instrumento muito utilizado nas

    apresentaes de msica popular, enquanto o violoncelo era mais restrito msica

    erudita. A partir de 1912 escreveu as primeiras peas para violoncelo.

    Em 1908 viajou para a cidade de Paranagu e em 1911 para Manaus, com a

    companhia de teatro do ator Alves da Silva e como msico da orquestra de Luis

    Moreira. A companhia se desfez em Manaus e Villa-Lobos foi sozinho para Fortaleza

    onde conheceu o msico Romeu Donizetti. Decidiram seguir viagem juntos at

    Belm e se mantinham atravs de apresentaes em cafs, locais de dana, etc.

    Para Negwer (2009) provavelmente Villa-Lobos no teve contato com os

    ndios, pois suas aldeias ficavam longe das vilas dos colonos considerados naquele

    momento inimigos naturais dos ndios, ou de postos de abastecimento. Questiona-se

    tambm at que ponto a msica dos ndios foi referncia para as melodias

    tradicionais. O antroplogo francs e estruturalista Claude Lvi-Strauss (1908-2009)

    viajou pelo interior do Brasil nos anos 1930, realizando estudos pormenorizados com

    os ndios e reconheceu abalado, o quanto a cultura indgena j havia sido destruda

    pelos brancos, pela perseguio e pela escravizao, bem como pela ao

    missionria crist.

    O chamado modernismo musical envolvido com a temtica do ideal de

    brasilidade retomou o mito romntico da figura do ndio e, por outro lado,

    abordou temas ligados tradio cultural mantida pelos negros durante

    muitos sculos de escravido. Assim, a temtica do primitivismo, presente

    em algumas obras de Debussy, D. Milhaud, B. Bartok e I. Stravinsky foi

    repensada no Brasil, por H. Villa-Lobos, que conseguiu transpor para o

    plano simblico toda a riqueza do cancioneiro popular urbano e rural dos

    anos 1920 e 1930. (CONTIER, 1988, p. 33)

  • 46

    Segundo Tatit (2008) Mario de Andrade e Villa-Lobos concebiam uma espcie

    de paternalismo folclorista, necessrio segundo os autores, para administrar o caos

    sonoro que ento assolava o pas.

    Villa-Lobos viveu em Paris de 1923 a 1925 e foi influenciado pelo

    Impressionismo. Numa segunda estada na Europa (1927-1930) tornou-se amigo de

    msicos como Igor Stravinsky (1882-1971), Edgar Varse (1883-1965) e Sergei

    Prokofiev (1891-1953).

    Entrou nos crculos artsticos parisienses por intermdio do grupo de

    pintores e escritores modernistas brasileiros que ele conheceu em 1922, pouco

    antes da Semana de Arte Moderna em So Paulo. Quando chegou em Paris foi

    convidado para um almoo no estdio da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973),

    onde estavam presentes, entre outros, o poeta Srgio Milliet (1898-1966), o pianista

    Joo de Souza Lima (1898-1982), o escritor Oswald de Andrade (1890-1954) e,

    entre os parisienses, o poeta Blaise Cendrars (1887-1961), o msico Erik Satie

    (1866-1925) e o poeta e pintor Jean Cocteau (1889-1963).

    Em 1919 foi lembrado para compor uma das obras que seriam apresentadas

    no concerto em homenagem a Epitcio Pessoa, que retornava da Europa aps ter

    participado da Conferncia de Paris como representante do governo brasileiro. Das

    trs obras executadas nesse dia, tematizando o fim da Primeira Guerra Mundial, A

    guerra foi deixada a encargo de Villa-Lobos, a partir de ento, ele comeou a se

    afirmar como um dos grandes nomes do cenrio musical brasileiro. Passou tambm

    a ser prestigiado por artistas europeus de passagem pelo Rio de Janeiro, tendo suas

    obras executadas pelo pianista Arthur Rubinstein e pelo maestro alemo Felix

    Weingartner.

  • 47

    Em abril de 1921 ele apresentou pela primeira vez algumas peas de

    temtica nacional: A Lenda do Caboclo, Viola e Serto no Estio, obras que incluam

    uma elaborao dos ritmos da msica popular.

    Villa-Lobos captava uma forte influncia de C. Debussy e, por outro lado,

    vivenciava um cotidiano onde o primitivo era um dado cultural significativo

    encontrava-se nas ruas da cidade do Rio de Janeiro, em geral, muito

    vinculado aos chamados despossudos ou desclassificados sociais-, de

    sorte que a msica carnavalesca, os maxixes, os choros, o samba foram

    elementos decisivos na formao deste compositor. (CONTIER, 1988, p.32)

    Tom Jobim dialogou musicalmente com Heitor Villa-Lobos compositor que

    admirou e citou durante toda a sua vida. Nos arranjos e orquestraes que fez para

    o disco Cano do Amor Demais de Elizeth Cardoso ficaram evidentes as

    sonoridades das Serestas de Villa-Lobos.

    Referncias da msica Na corda da viola de Villa-Lobos de 1932 (Guia

    Prtico, 1949) so encontradas na msica Stone Flower (Quebra pedra) de Tom

    Jobim que faz parte do disco de mesmo nome (1970). O compositor se reporta ao

    tema em vrias oportunidades, entre elas na cano Gabriela (1983) que est no CD

    2 Jobim Sinfnico de 2002.

    A seguir, um trecho da msica Na corda da viola de Villa-Lobos e o final do

    arranjo de Gabriela de Tom Jobim, onde se encontram referncias villalobianas.

  • 48

    Fig. 15 Partitura Na corda da viola (Villa-Lobos) 38

    38

    VILLA-LOBOS, 1949

  • 49

    Fig. 16 Trecho 1 - da partitura Gabriela (Tom Jobim) 39

    39

    JOBIM, 2000, p. 414.

  • 50

    CAPTULO III TERRA BRASILIS

    A minha msica deve muito s rvores, montanhas, ao mar, costa, aos

    pssaros e naturalmente no podemos esquecer a mulher brasileira que

    tambm faz parte da ecologia. um animal natural, como o homem. Tudo

    isso me deu um grande estmulo para escrever msica, pra sentar de

    manh, ver o sol e achar que a vida bonita que um troo que vale a

    pena ser vivida. Vocs ficam da, me provocando esse negcio de msica,

    Mata Atlntica e coisa... essas msicas que eu fiz, Dindi, Borzeguim,

    guas de maro e tantas outras, so todas inspiradas na Floresta

    Atlntica. O visual bonito, me inspira para fazer msica. Se bem, eu acho

    que na hora mesmo, voc no olha para a paisagem, na hora h voc est

    concentrado. Conheo muitos passarinhos, mas pelo nome popular, s

    alguns pelo nome cientfico. O Villa-Lobos conhecia tambm, muito bem

    os passarinhos, inclusive, ouvindo as obras dele, coisas sinfnicas, sou

    capaz de dizer que passarinho ele est imitando com a orquestra. Ele

    como eu, usava muito o Matita-Per, rabudo, grandinho que bota ovo no

    ninho de outro. Na Mata Atlntica a vida em profuso. Aqui o

    Pindorama, a terra das palmeiras. (Tom Jobim)40

    Tom Jobim sempre falou muito de sua infncia em Ipanema nos anos 1930,

    descrevendo o bairro como um grande areal, dunas de areia e poucas casas, com seus