Joey Prince Aproxima de mim esse cálice£o absorve o sangue menstrual. Posicionado no início do...

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Junho 2015 - Pitanga Junho 2015 - Pitanga capa Aproxima de mim esse cálice Afinal, o coletor menstrual é o método ideal para as mulheres? E o que pensam os médicos? N a época da minha avó, as mulheres, quando menstru- avam, usavam panos para a absorção do sangue. Quando ela me contou isso pela primeira vez, eu não pude deixar de ficar espantada. Minha avó nasceu na época em que tudo era feito a mão, eu nasci na época em que tudo, simplesmente, chegava à minha mão. Nunca passara pela minha ca- beça que o absorvente interno ou ex- terno descartável era uma invenção do meu tempo, e mais do que isso, era um reflexo dele. Talvez, por isso, daqui a algumas décadas, minha neta ouça os meus métodos com o mes- mo espanto com o qual eu ouvi os da minha avó. Afinal, o absorvente tradicional não é um produto que está muito à frente do que os panos da minha avó representavam para ela. Se pen- sarmos que ao longo da vida fértil da mulher, ela utiliza 10 mil absorventes, que geram cerca de 100 kg de lixo, e que esse material demorará 100 anos para se decompor, podemos concluir que, em sustentabilidade, os métodos do tempo da minha avó são bem me- lhores que os meus. Embora os meus vençam no quesito de higiene, por exemplo. Mas, qual será o método por Bárbara Cardozo Gabrielle Albiero que a minha neta utilizará? Se eu tivesse que apostar, eu di- ria que será o coletor menstrual. O modelo mais comum é em forma de taça e é feito de silicone médico, que é hipoalergênico, ou seja, não causa alergias. O produto difere dos outros métodos porque não absorve o san- gue menstrual. Posicionado no início do canal vaginal, ele apenas coleta o fluxo. O material é maleável, se ade- qua ao corpo da mulher, formando um vácuo que impede vazamentos. Como o sangue não entra em con- tato com o ar, não há proliferação de bactérias, livrando de infecções e odores. O coletor é novidade no Brasil, ele chegou aqui há pouco mais de dois anos, mas já é usado na Europa há mais de cinquenta anos. Segundo o The Museum of Menstruation and Women’s Health, sim, existe um museu da menstruação, o coletor menstrual é produzido industrialmente desde a década de 1930. Apesar de não ser um método novo, ele ganha no quesito sustentabilidade. Cada coletor dura em média de cinco a dez anos se forem usados e lavados da maneira correta, diminuindo o acúmulo de lixo. Um coletor substitui cerca de cinco mil absorventes. Ganha na higiene, já que, diferente dos absorventes comuns, o sangue não fica em contato com a pele da mulher. E também traz vantagens econômicas, já que cada coletor custa em média oitenta reais, quantia aproximada que uma mulher gasta em um ano em absorventes. Minha primeira vez Foi lá, do outro lado do oceano, mais especificamente na Itália, que Criss Ferrari descobriu o coletor. Ela O produto difere dos outros métodos porque não absorve o sangue menstrual. Posicionado no início do canal vaginal, ele apenas coleta o fluxo. O material é maleável e se adequa ao corpo da mulher conta que conheceu o método em fó- runs sobre maternidade que frequen- tou em 2003. A maioria das mulheres de lá contava para ela sobre o confor- to e a sustentabilidade do produto. Mas o que mais chamou a atenção foi que com ele não teria as alergias que tem com os absorventes comuns. Criss acabou não usando logo em se- guida, mas só porque ficou grávida. Já que os coletores não são indicados na pós-gravidez, momento em que o canal vaginal está fragilizado. Doze anos depois, já do lado de cá do oceano, Criss resolveu utilizar o método. Ela conta: “Enquanto es- crevo no computador as minhas ex- periências, estou utilizando o coletor e me pergunto: por que não comprei antes? Por que os médicos não falam dele nas consultas? Os médicos italia- nos estão acostumados há anos com os coletores, já os brasileiros recebem a novidade agora, das mãos de pa- cientes pioneiras. Por não terem sido informados a respeito na faculdade, eles teimam em dar pareceres com poucas informações.”. A rotina do período de menstru- ação de Camila Elizio representa o quanto uma mulher pode sofrer com a menstruação. Todo mês ela faz tudo sempre igual: tenta o O.B. que machuca a sua episiotomia, incisão feita durante o parto para ampliar o canal vaginal. Depois, ela tenta o ab- Um coletor substitui cerca de cinco mil absorventes O sangue contém três macronutrientes importantes para as plantas: potássio, fósforo e nitrogênio O sangue coletado também pode ser usado em fertilização de plantas Priscila Marques Joey Prince 19 18

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Junho 2015 - Pitanga Junho 2015 - Pitanga

capa

Aproxima de mim esse cáliceAfinal, o coletor menstrual é o método ideal para as mulheres? E o que pensam os médicos?

Na época da minha avó, as mulheres, quando menstru-avam, usavam panos para a

absorção do sangue. Quando ela me contou isso pela primeira vez, eu não pude deixar de ficar espantada. Minha avó nasceu na época em que tudo era feito a mão, eu nasci na época em que tudo, simplesmente, chegava à minha mão. Nunca passara pela minha ca-beça que o absorvente interno ou ex-terno descartável era uma invenção do meu tempo, e mais do que isso, era um reflexo dele. Talvez, por isso, daqui a algumas décadas, minha neta ouça os meus métodos com o mes-mo espanto com o qual eu ouvi os da minha avó.

Afinal, o absorvente tradicional não é um produto que está muito à frente do que os panos da minha avó representavam para ela. Se pen-sarmos que ao longo da vida fértil da

mulher, ela utiliza 10 mil absorventes, que geram cerca de 100 kg de lixo, e que esse material demorará 100 anos para se decompor, podemos concluir que, em sustentabilidade, os métodos do tempo da minha avó são bem me-lhores que os meus. Embora os meus vençam no quesito de higiene, por exemplo. Mas, qual será o método

por Bárbara Cardozo Gabrielle Albiero

que a minha neta utilizará?Se eu tivesse que apostar, eu di-

ria que será o coletor menstrual. O modelo mais comum é em forma de taça e é feito de silicone médico, que é hipoalergênico, ou seja, não causa alergias. O produto difere dos outros métodos porque não absorve o san-gue menstrual. Posicionado no início do canal vaginal, ele apenas coleta o fluxo. O material é maleável, se ade-qua ao corpo da mulher, formando um vácuo que impede vazamentos. Como o sangue não entra em con-tato com o ar, não há proliferação de bactérias, livrando de infecções e odores.

O coletor é novidade no Brasil, ele chegou aqui há pouco mais de dois anos, mas já é usado na Europa há mais de cinquenta anos. Segundo o The Museum of Menstruation and Women’s Health, sim, existe um museu

da menstruação, o coletor menstrual é produzido industrialmente desde a década de 1930. Apesar de não ser um método novo, ele ganha no quesito sustentabilidade. Cada coletor dura em média de cinco a dez anos se forem usados e lavados da maneira correta, diminuindo o acúmulo de lixo. Um coletor substitui cerca de cinco mil absorventes. Ganha na higiene, já que, diferente dos absorventes comuns, o sangue não fica em contato com a pele da mulher. E também traz vantagens econômicas, já que cada coletor custa em média oitenta reais, quantia aproximada que uma mulher gasta em um ano em absorventes.

Minha primeira vez Foi lá, do outro lado do oceano,

mais especificamente na Itália, que Criss Ferrari descobriu o coletor. Ela

O produto difere dos outros métodos porque não absorve o sangue menstrual. Posicionado no início do canal vaginal, ele apenas coleta o fluxo. O material é maleável e se adequa ao corpo da mulher

conta que conheceu o método em fó-runs sobre maternidade que frequen-tou em 2003. A maioria das mulheres de lá contava para ela sobre o confor-to e a sustentabilidade do produto. Mas o que mais chamou a atenção foi que com ele não teria as alergias que tem com os absorventes comuns. Criss acabou não usando logo em se-guida, mas só porque ficou grávida. Já que os coletores não são indicados na pós-gravidez, momento em que o canal vaginal está fragilizado.

Doze anos depois, já do lado de cá do oceano, Criss resolveu utilizar o método. Ela conta: “Enquanto es-crevo no computador as minhas ex-periências, estou utilizando o coletor

e me pergunto: por que não comprei antes? Por que os médicos não falam dele nas consultas? Os médicos italia-nos estão acostumados há anos com os coletores, já os brasileiros recebem a novidade agora, das mãos de pa-cientes pioneiras. Por não terem sido informados a respeito na faculdade, eles teimam em dar pareceres com poucas informações.”.

A rotina do período de menstru-ação de Camila Elizio representa o quanto uma mulher pode sofrer com a menstruação. Todo mês ela faz tudo sempre igual: tenta o O.B. que machuca a sua episiotomia, incisão feita durante o parto para ampliar o canal vaginal. Depois, ela tenta o ab-

Um coletor substitui cerca

de cinco mil absorventes

O sangue contém três macronutrientes importantes para as plantas: potássio, fósforo e nitrogênio

O sangue coletado também pode ser usado

em fertilização de plantas

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VOCÊ SABIA? O coletor menstrual não pode ser vendido em estabelecimentos

comerciais no Brasil porque ele ainda não é regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. De acordo com a Anvisa, ele não se encaixa na categoria de cosméticos, por não ser descartável, mas também não é um medicamento, por não ser utilizado para tratar ou prevenir qualquer tipo de doença. Por isso, agora o órgão irá organizar uma comissão especial para categorizar outros produtos, incluindo o coletor, e poder regulamentá-los.

sorvente externo, que machuca sua pele. Além das cólicas muito fortes que sente às vezes, o anticoncepcio-nal causa enxaquecas e efeitos cola-terais. Coisas que um homem nunca entenderá. Mas que pode até tentar, como fez o namorado de Camila, apresentando o coletor menstrual a ela como uma possível solução.

Mas a falta de conhecimento dos médicos sobre o método ainda faz com que, para algumas, o coletor esteja longe de ser escolha. É o caso da en-fermeira Bela Sairon, que após um ano de pesquisas não se sentiu segura para comprar o coletor. “Conversei com mulheres na internet que informaram que usaram e adoraram, mas eram lei-gas, exaltavam muito a parte prática, mas desconheciam praticamente qual-quer aspecto relacionado à saúde.”

CólicaA ginecologista Mariana Patelli

indica o uso do coletor menstrual. O único problema apontado por ela é o vácuo que ele faz no canal vaginal. Para as mulheres que têm um grande fluxo menstrual, o vácuo pode au-mentar a incidência de menstruação retrógrada, ou seja, pode fazer com que o sangue retorne ao ovário, po-dendo causar endometriose.

Entretanto, a maior reclamação das mulheres é a adaptação ao novo método. Primeiro, porque você pre-cisa aprender a encaixá-lo da maneira correta, senão a menstruação vaza. Segundo, porque você precisa apren-der a retirá-lo da maneira correta, o que dá um certo desespero. E tercei-ro, para as que têm um fluxo gran-de, é preciso aprender a trocá-lo em

membro da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), o uso do coletor de-veria ser estimulado para que as mu-lheres se sentissem mais à vontade em conhecer seu corpo. Ele afirma que o coletor pode ser usado tranquilamen-te se a mulher tiver uma noção míni-ma do próprio corpo e souber locali-zar o colo do útero.

Fim de um cicloAlém disso, a descoberta do corpo

também é refletida na descoberta da natureza. Algumas mulheres, por exem-plo, usam a menstruação coletada para adubarem hortas e jardins. Isso mesmo, você não leu errado. A explicação é que o sangue contém três macronutrientes importantes para as plantas: potássio, fósforo e nitrogênio. Confesso que à primeira vista a informação me chocou. E isso talvez tenha acontecido porque eu, por pertencer à geração em que tudo chega às mãos, nunca tinha parado para

pensar na origem das coisas.Observei isso quando li, na Pla-

neta Sustentável, que alguns registros indígenas falam sobre rituais feitos pelas mulheres durante “o tempo da lua”. Nesse período, as índias ficavam de cócoras sobre a terra e deixavam seu sangue escorrer para nutrir o solo, para que aquilo que não gerou vida dentro delas gerasse vida na terra. Uma líder indígena dizia que os ho-mens entraram em guerra quando as mulheres abandonaram tal prática.

Não li nenhum relato de que alguma mulher tivesse retomado a prática. Mas muitas passaram a ter uma visão mais sensível e simbólica do seu ciclo fértil. E talvez seja por isso que penso que o coletor refletirá a geração da minha neta. Porque, assim como a menstruação, o tempo é cíclico e se estamos retomando práticas sustentáveis, talvez também estejamos retomando as práticas de identificação com o ambiente em que vivemos.

Não espero que a minha neta use o coletor simplesmente pelos benefí-cios que o método pode proporcio-nar, mas espero que ela tenha o ideal ao qual eu o relaciono. Que ela enten-da o meio ambiente, que ela entenda o seu próprio corpo e como eles se conectam, sem tabus, sem medos. Se isso acontecer, sei que ela estará muito à frente da minha geração e da geração da minha avó: ela estará mais perto da origem da mulher.

locais públicos. Algumas levam uma garrafinha no banheiro, lavam o co-letor e o colocam novamente. É, de fato, uma mudança de vida.

Ana Beatriz Pimentel é uma das que passou por esse processo, e achou que ele é recompensador. Ela, que sempre teve uma relação difícil com o corpo durante a menstruação, disse que agora leva tudo numa boa. “Dá uma sensa-ção de liberdade. Antes, eu dizia que o que me incomodava na menstruação era a dor no corpo. Hoje, eu vejo que era o absorvente.” Além disso, o cole-tor fez com que ela descobrisse o pró-prio corpo. Ana conta que antes dele, nunca sequer tinha colocado o dedo no canal vaginal, o que teve que fazer para medi-lo e saber o tamanho ideal do co-letor que iria comprar.

Para Fábio Larginha, obstetra e

HISTÓRICOA primeira menção a um

absorvente está entre os manuscritos do grego Hipócrates (460 a.C. – 370 a. C.), considerado o pai da medicina. Ele não explica com detalhes, mas parece que, naquela época, as mulheres introduziam algo no canal vaginal durante o período menstrual.

O absorvente descartável é uma invenção dos alemães que aconteceu em 1890. Um longo período na história em que as mulheres tiveram que se virar com o que tinham à disposição. Há boatos de que até rolos de ervas e lã foram usados no processo.

O absorvente íntimo só chegou ao Brasil na década de 30, com a comercialização da marca Modess no País. Não é a toa que as nossas avós se referem ao absorvente usando esse termo.

O absorvente interno foi cria-do pelos norte americanos. A primeira patente do produto foi re-gistrada em 1933 nos EUA.

APRENDA A USAR O COLETOR MENSTRUAL

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Formato em U Formato para dentro

- Lave bem as mãos e higienize o produto.

- Escolha uma posição confortável e uma dobra para a inserção.

- Depois de colocado, verifique se o coletor está aberto. Para isso, segure-o pela haste e gire o copinho. Se isto for feito sem dificuldade, a inserção foi bem sucedida.

Pode ser usado por toda a noite e também para praticar esportes

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