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SUMRIO ndice de Figuras INTRODUO. i 01

CAPTULO I. O JOGO NUMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAO . 1 Conceitos e abordagens. 2 O Jogo na Educao. 3 A postura do Educador. 4 Jogando numa Sociedade em Transformao. 12 13 19 23 27

CAPTULO II. A CONSCINCIA DA COOPERAO . 1 Cooperao e Competio. 2 Mitos e Ritos. 3 A Conscincia da Cooperao. 4 A tica Cooperativa. 31 32 42 51 57

1

Em O Guardador de Rebanhos II, In: Fices do Interldio/1, 1980, p. 35.

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CAPTULO III. JOGOS COOPERATIVOS . 1 Origem e Evoluo. 2 Os Primeiros Movimentos. 2.1 No Mundo Ocidental. 2.2 No Brasil. 3 Conceito e Caractersticas. 4 A Viso dos Jogos Cooperativos. 5 Princpios Scio -Educativos da Cooperao. 62 63 66 67 70 76 81 89

CAPTULO IV . A PEDAGOGIA DO ESPORTE E JOGOS COOPERATIVOS . 1 Esporte: Um Fenmeno Humano. 2 Pedagogia do Esporte. 3 Jogos Cooperativos como uma Pedagogia do Esporte. 3.1 3.2 3.2.1 A Conscincia da Cooperao no Esporte. A Ensinagem Cooperativa do Esporte. Categorias do Jogos Cooperativos. 94 95 102 112 113 123 124

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3.2.2 3.2.3

A formao de grupos. A premiao.

130 132

CAPTULO V. O JOGO E O ESPORTE COMO UM EXERCCIO DE CONVIVNCIA. 1 Convivncia: Um Jogo de Interdependncia. 2 O (im)po ssvel Mundo onde todos podem VenSer. 3 Jogando no cotidiano de um novo dia. 136 141 147 155

CONSIDERAES FINAIS (??). O JOGO ESSENCIAL. 166

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.

173

ANEXOS.

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NDICE DE FIGURAS

Figura 1.

Situao Cooperativa e Situao Competitiva. (Deustch, 1949 apud Rodrigues, 1972, modificado por Brotto, 1997). 36

Figura 2.

Tabela Seqencial de Competio e Cooperao. (Orlick, 1989) 39

Figura 3.

Jogos Competitivos e Jogos Cooperativos (Walker, [1987]) 78

Figura 4.

Padres de Percepo -Ao. (Brotto, 1997) 86

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RESUMOAtualmente, evidente o cenrio de significativas transformaes no qual tudo e todos esto envolvid os. A cada momento, tomamos conscincia do quanto somos interdependentes e co -responsveis pela Felicidade uns dos outros e pelo futuro das novas geraes. Inspirada por esse contexto, esta dissertao focalizou os Jogos Cooperativos como um caminho para a promoo da Convivncia e do Bem-Estar Comum. Inicialmente, refleti sobre o papel do Jogo numa sociedade em transformao, valorizando -o como uma ponte para a mudana de valores e atitudes no cotidiano. Seguindo nessa direo, este estudo procurou despert ar a Conscincia da Cooperao, tratando dos conceitos e preconceitos, mitos e ritos em torno da Cooperao e Competio, como forma de enxergar por trs dos condicionamentos e padres cristalizados, novas possibilidades de ver e viver a realidade. Acordando para as alternativas vislumbradas pela sntese entre o Jogo e a Conscincia da Cooperao, abordei a proposta dos Jogos Cooperativos como um campo de conhecimento e experincia humana. Explorei e descrevi, sua origem e evoluo; seus princpios e caractersticas; e seu relevante papel para o desenvolvimento do InterSer Humano e para a promoo da tica Cooperativa no dia -a-dia. Sendo o Esporte um Fenmeno Humano de grande expresso na sociedade contempornea, relacionei os Jogos Cooperativos e a Pedagogia do Esporte, destacando as estruturas scio -educativas de cooperao como contribuies ao processo de ensino -aprendizagem do Esporte. Concluindo este estudo, dissertei sobre o Jogo e o Esporte como um Exerccio de Convivncia, essencial e vital para a construo de um Mundo onde todos podem VenSer.

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ABSTRACT Nowadays, the scene of significant changes in which everything and everybody is involved is evident. Every minute we realize how interdependent and co -responsible we are for the Happiness of eac h other and for the future of the new generations. Inspired by this context, this dissertation focused on the Cooperative Games as a way to promote the Companionship and the Common Well being. Initially, I meditated about the Game's role in a changing soci ety, valuing it as a bridge for the change of values and attitudes in the everyday life. By following in this direction, this study aimed at arousing the Cooperation Conscience, dealing with conceptions and preconceptions, myths and rites around the Cooper ation and the Competition, as a way to see what is behind the crystallized conditionings and patterns, as new possibilities to see and live the reality. By awakening to the alternatives arising from the synthesis between the Game and the Cooperation Consci ence, I dealt with the idea of the Cooperative Games as a field of knowledge and human experience. I exploited and described its origin and evolution, its principles and features and its relevant role for the development of the Human InterBeing and for the promotion of the Cooperative Ethics in the everyday life. As the Sport is a Human Phenomenon of great importance in the contemporaneous society, I correlated the Cooperative Games and the Sport Pedagogy, pointing out the social and educative structures of the cooperation as contributions to the Sport's teaching -learning process. To sum up, I dealt with the Game and the Sport as a Companionship Exercise that is essential and vital for the construction of a World where everyone is able to VenSer 2.

2

Its a play with the Portuguese word Vencer (to win). By changing the letter "c" for "s", we have the word VenSer (to BeCome).

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INTRODUO

Para abrir os olhos e enxergar com o corao

Hoje me sinto mais forte mais feliz quem sabe. S levo a certeza de que muito pouco eu sei Eu nada sei. Almir Sater

O tema Jogos Cooperativos foi escolhido como assunto gerador desta dissertao, po r ser um campo de estudo e de interveno, que vem merecendo a ateno de pesquisadores de diversas reas do

conhecimento, em diferentes pases, como por exemplo, Estados Unidos, Canad, Espanha e Austrlia. No Brasil, apesar de existirem aes muito signi ficativas e com repercusses bastante positivas, a proposta de Jogos Cooperativos como objeto de reflexo e investigao cientfica muito recente e ainda incipiente.

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Ao localizar este estudo no campo das Cincias do Esporte, sou incentivado a abordar os Jogos Cooperativos em seu relacionamento com as vrias dimenses dessa cincia. Contudo, dada a natureza da minha experincia e interesse, irei focalizar aqui, o entrelaamento dos Jogos Cooperativos com a

Pedagogia do Esporte. Desse relacionamento, prete ndo encontrar subsdios para resgatar o valor do Jogo e do Esporte como caminhos de Descoberta Pessoal, bem como, para o Exerccio de Com -Vivncia 3 social. A convivncia uma condio inexorvel da vida cotidiana. Na medida que melhoramos a qualidade de n ossas relaes interpessoais e sociais, aperfeioamos nossas competncias para gerar solues benficas para problemas comuns e aprimoramos a qualidade de vida na perspectiva de melhor-la para todos. somente pela convivncia que somos capazes de superar as

necessidades bsicas de sobrevivncia e nos libertamos para aspirar nveis cada vez mais complexos de transcendncia. Para tanto, precisamos de um movimento concentrado para dinamizar processos de interao social que resultem em uma dimenso ampliada de convivncia humana. A esse respeito, Setubal (1998), comenta que para essa realizao o empenho deve vir da reunio de esforos entre governantes e outros setores da sociedade que detm poder, como o setor privado. Segundo ela, essa convergncia de es foros importante para

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estimular e difundir prticas de solidariedade e de cooperao, o exerccio da cidadania plena e a garantia e a ampliao dos direitos bsicos. Isso exige profunda mudana de atitudes e de valores, no lugar do individualismo, cal cado no consumismo irrestrito, que no soluciona nossos problemas. 4

Nesse sentido, preciso resgatar nosso potencial para viver juntos e realizar objetivos comuns. Necessitamos aperfeioar nossas Habilidades de Relacionamento e a aprender a viver uns c om os outros ao invs de uns contra os outros. O principal desafio para ns, me parece, colaborar para construir pontes que encurtem as distncias, diminuam as fronteiras e que aproximem as pessoas umas das outras. A construo dessas pontes constitui um exerccio permanente de reviso filosfico -pedaggica de nossas atividades, programas e demais intervenes praticadas diariamente, na escola, na comunidade, no clube, na universidade, com a famlia, com os outros e com a gente mesmo. Nesse sentido, reconheo que a educao para uma nova gerao, deve ser fundamentada em uma Pedagogia Transdisciplinar, que segundo Nicolescu (1997), est baseada em quatro princpios:

A diviso da palavra um recurso que utilizo para buscar uma melhor compreenso do seu sentido/significado. Durante o texto, voltarei a usar esse recurso, com a mesma inteno. 4 Maria Alice SETUBAL, Folha de So Paulo, 06 de out. de 1998. A autora sociloga, diretora presidente do CENPEC e consultora do UNICEF sobre educao para a Amrica Latina e o Caribe.3

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Aprender a conhecer. Aprender a fazer. Aprender a ser. Aprender a viver junto.

Entendo que aprender sempre uma aprendizagem compartilhada, que ocorre numa situao dinmica de co -educao e cooperao, onde todos so simultanemante, professores -e-alunos. Nessa educao o foco da aprendizagem, no est somente sobre o objeto a ser conhe cido, nem sobre o resultado a ser alcanado, mas est projetado sobre a qualidade das interaes cooperativas presentes no processo de descoberta e transformao da realidade. E, especialmente, quando nos inserimos no contexto das Cincias do Esporte, preciso considerar que nenhuma abordagem isolada ou em oposio a outras, ser capaz de conhecer e se relacionar com o Jogo e o Esporte em todas as suas dimenses, ou melhor, na dimenso de sua Totalidade. Sobre a importncia de ultrapassarmos os limites que separam as diferentes reas de investigao e interveno na realidade, somos advertidos por Prigogine & Strengers (1997), quando sugerem quedevemos aprender, no mais a j ulgar a populao dos saberes, das prticas, das culturas produzidas pelas socieda des humanas, mas a cr uz -los, a estabelecer entre eles comunicaes inditas que nos coloquem em condies de fazer face s exigncias sem precedentes da nossa poca.

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A

perspectiva para

Transdisciplinar aprende r e

nos para

desafia conviver,

a

descobrir

caminhos em

diferentes

particularmente,

momentos de crises e transformaes. Consciente da complexidade e da importncia dessa co -aprendizagem, que fao a escolha pelo caminho dos Jogos Cooperativos como um

Exerccio de Convivncia. O Jogo e o Esporte na perspectiva dos Jogos Cooperativos so contextos extraordinariamente convivncia social. Quando jogamos cooperativamente podemos nos expressar autntica e espontaneamente, como algum que importante e tem valo r, ricos para o desenvolvimento pessoal e a

essencialmente, por ser quem , e no pelos pontos que marca ou resultados que alcana. Dessa forma, podemos aprender que o verdadeiro valor do Jogo e do Esporte, no est em somente vencer ou perder, nem em ocupar os primeiros lugares no pdium, mas es t, tambm e fundamentalmente, na oportunidade de jogar juntos para transcender a iluso de sermos separados uns dos outros, e para aperfeioar nossa vida em comum unidade. Contudo, o Jogo e o Esporte merecem uma ampla, profunda e constante reviso sobre s uas bases filosfico -pedaggicas, se desejarmos t -los como um processo de ensino -aprendizagem que promova o Encontro ao invs do Confronto. E portanto, dissertao. a esta reviso, que dediquei ateno ao longo desta

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O principal objetivo deste estudo foi explorar e descrever os Jogos Cooperativos promover a como tica uma da proposta filosfico -pedaggica, e desenvolver as capaz de

Cooperao

competncias

humanas necessrias para a melhoria da qualidade de vida atual e, fundamentalmente, para a vida d as futuras geraes. Outros propsitos tambm foram buscados atravs deste trabalho, destacando-se, entre outros, os seguintes:

Relacionar os Jogos Cooperativos com as Cincias do Esporte, particularmente, na interface com a Pedagogia do Esporte.

Apontar alguns princpios, estruturas e procedimentos cooperativos que podem colaborar no processo ensino -aprendizagem do Jogo e do Esporte.

Contribuir para a valorizao do Jogo e do Esporte como um Exerccio de Convivncia Humana.

Incentivar outras pessoas a con tinuar Jogando Cooperativamente pelos campos da Vida.

O problema que serviu como impulso para esta investigao, foi a necessidade de promover aes e relaes educativas, capazes de contribuir para diminuir as barreiras e estreitar as distncias que tm separado pessoas, grupos, sociedades e naes, assim como, tm nos afastado da interao harmoniosa com a natureza e outras dimenses da realidade.

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Essa iluso de separatividade , conforme Weil (1987), esta na raiz das principais questes e dos mais grav es conflitos que assolam a

humanidade neste final de sculo e incio de milnio. Portanto, o desafio radical assumido aqui, foi e continua sendo incentivar a construo consciente de estratgias, intencionalmente, dirigidas ao exerccio da convivnci a e cooperao para um mundo melhor que, de acordo com a Declarao de Mount Abu 5, devem orientar -se pela seguinte idia:

Uma Viso sem uma Tarefa, somente um sonho. Um Tarefa sem uma Viso, apenas um trabalho rduo. Mas, uma Viso com uma Tarefa, po de transformar o mundo.

luz dessa Viso -Tarefa, a metodologia adotada para tratar o assunto desta dissertao, foi baseada na pesquisa terica, realizada atravs do estudo descritivo e exploratrio, tendo como instrumentos bsicos, a reviso bibliogrf ica, associada ao exame de experincias pessoais e institucionais. Focalizei o tema atravs da lente oferecida pela Viso Holstica (Capra, 1982, 1998, Crema, 1992), e pela Transdisciplinaridade (DAmbrsio, 1997, Nicolescu, 1997, 1999), buscando uma abord agem integradora das diferentes dimenses e interfaces presentes no dilogo entre os Jogos Cooperativos e o Exerccio de Convivncia

A Declarao de Mount Abu um documento que foi produzido na reunio-sntese do Projeto Cooperao Global para um Mundo Melhor, realizado entre 1988-1990, envolvendo proximadamente 160 pases, sob a coordenao da ONU e Universidade Espiritual Mundial Brahma Kumaris.5

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Visando orientar o desenvolvimento do trabalho, estabeleci um plano de redao, prevendo cinco captulos.

No

captulo

I,

tratei

do

papel

do

Jogo

numa

Sociedade

em

Transformao, assinalando alguns conceitos, significados e valores, estudando -o mais detalhadamente mediante as transformaes que esto ocorrendo na sociedade contempornea.

Destaquei no captulo II, a Conscincia da Cooperao, explorando e descrevendo as definies de Cooperao e Competio como processos de interao social. Busquei refletir sobre alguns mitos em torno desses conceitos, como por exemplo, o mito da natureza competitiva do homem, de modo a ex pandir minha compreenso sobre o assunto. E, principalmente, dediquei -me para ampliar o conhecimento sobre o significado e a relevncia da tica Cooperativa, como um conjunto de valores e atitudes essenciais para a vida na sociedade humana, de agora e das futuras geraes. Estudei no captulo III, os Jogos Cooperativos, que representam tanto uma viso de mundo, como uma prtica pedaggica para aprender e viver atravs da tica de Cooperao. Procurarei apresentar o potencial dos Jogos Cooperativos como um fascinante e eficiente processo de ensino -aprendizagem, capaz de nos ajudar a Ser quem realmente somos e, simultaneamente, colaborar para que realizemos uma vida melhor para todos, sem exceo.

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Acompanhado do conhecimento e experincias de um conjunto de autores, pretendi conhecer melhor os Jogos Cooperativos: sua origem e evoluo, seus fundamentos tericos e pedaggicos, as diferentes abordagens e aplicaes, a situao atual e suas perspectivas. Alm disso, procurei descrever o percurso dos Jogos Coopera tivos no Brasil, assinalando, atravs de um breve histrico, alguns marcos referencias do promissor estgio de desenvolvimento no qual se encontra em nosso pas.

O captulo IV, serviu como cenrio para investigar as possibilidades de sinergia entre A Pedagogia do Esporte e os Jogos Cooperativos . Verifiquei, inicialmente, o conceito de Esporte como um Fenmeno Humano altamente relevante para este momento de aceleradas

mudanas e importantes transies. partir da Pedagogia do Esporte, me interessei em estu dar os princpios scio -educativos que podem orientar o processo de ensino aprendizagem do Esporte no contexto da formao integral e exerccio da cidadania plena, tendo como uma das referncias, a importante contribuio da proposta do Esporte Educacional de Cesar Barbieri (1996, 1998). Em seguida, pretendi fazer um exerccio de sntese tendo os Jogos Cooperativos como um elemento da Pedagogia do Esporte. Refleti sobre a Conscincia da Cooperao no Esporte e relacionei os princpios e estruturas cooperativas que podem contribuir para o processo ensino aprendizagem da prtica esportiva.

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Procurei demonstrar, no captulo V, O Jogo e o Esporte como um Exerccio de Convivncia, que perspectivados pela tica dos Jogos Cooperativos, representam um contexto facil itador para a descoberta e aprimoramento de potenciais pessoais, bem como, para a promoo da convivncia e cooperao num mundo de solidrios ao invs de adversrios, onde todos so importantes para realizar o (im)possvel bem-estar e felicidade para todo s. Para realizar essa tarefa, recorri s lies e aos ensinamentos que compartilhei com muitos parceiros, pessoas e instiuies, atravs da convivncia com os Jogos Cooperativos na escola, na comunidade, em empresas e no processo de auto -mtua descoberta do InterSer humano.

Concluindo esta introduo, gostaria de relembrar alguns dos principais pontos apresentados at aqui.

Considerei que o Jogo e o Esporte so experincias importantes e que podem nos auxiliar em aperfeioar nosso jeito de compreender e viver a vida. Aperfeioando nosso estilo de jogo podemos ultrapassar a lgica da separao e excluso e passarmos a praticar a vida como um exerccio de convivncia e cooperao. Quando inclumos a tica do Jogo Cooperativo, em nossas experincias cotidianas, recuperamos o gosto pela aventura e ousadia; o senso de participao com liberdade e responsabilidade; tomamos conscincia de

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ser parte-e-todo; desfrutamos da beleza da recreao; colaboramos para a transformao de barreiras em pontes e de advers rios em solidrios; e compartilhamos o profundo e sincero desejo de continuar jogando... e Convivendo.

O estudo que realizei foi e continua sendo, um desafio pessoal que assumo com muito entusiasmo e esprito de aventura. Mas tambm, um convite! um convite para sermos parceiros neste jogo que, a partir de agora, de um modo ou de outro, j no mais meu, comea a ser seu e poder vir a-ser, nosso.

Joguemos juntos!

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CAPTULO I

O Jogo numa Sociedade em Transformao

Vivendo e aprendendo a jog ar, nem sempre ganhando, nem sempre perdendo mas, aprendendo a jogar Elis Regina

O Jogo tem sido objeto de diferentes estudos h muito tempo. Pretendo neste captulo, assinalar aspectos do Jogo procurando esclarecer alguns pontos bsicos de seu relacio namento com a Educao e a Sociedade inseridas num contexto de aceleradas e profundas transformaes. Com esta compreenso alcanada, teremos melhores condies para nos envolvermos com o eixo principal desta dissertao: os Jogos

Cooperativos como um conh ecimento aplicado a diversos contextos, neste caso, com nfase em seu entrelaamento com as Cincias do Esporte, especificamente, com a Pedagogia do Esporte.

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1. Conceitos e abordagens.Em uma das mais cl{ssicas obras produzidas sobre o Jogo, Homo Ludens, seu autor Johan Huizinga, considera o jogo como algo que anterior a prpria civilizao e que, portanto, necessita ser abordado com uma boa dose de reverncia, isto , com o devido zelo para observ-lo de acordo com suas relaes histricas, culturais e sociais. Para ele,

o jogo uma atividade ou ocupao voluntria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espao, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatrias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tenso e de alegria e de uma conscincia de ser diferente da vida quotidiana. (Huizinga, 1996, p. 33)

Respeitando profundamente o pioneirismo de Huizinga e reconhecendo o valor de sua obra at os dias atuais, entendo que a noo de jog o, ao longo dos anos, transformou -se e diversificou -se bastante. O Jogo, desde suas primeiras manifestaes, esteve sempre imerso num ambiente muito dinmico e de constantes modificaes quanto as suas definies, aplicaes e dimenses. Alguns autores, en tre eles, Freire (1989), Bruhns (1993), Paes (1996) e Friedmann (1996), concordam com a idia de que h muita controvrsia a respeito do Jogo, especificamente, sobre as noes de Jogo,

Brincadeira, Brinquedo, Atividade Ldica e Esporte.

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Abordando a questo conceitual do jogo, na perspectiva da Educao Fsica, Freire (1989, p. 116), considera que brincadeira, brinquedo e jogo significam a mesma coisa, exceto que o jogo implica a existncia de regras e de perdedores e ganhadores quando de sua pr{tica. As fronteiras entre brincadeira, luta, dana, ginstica, jogo e esporte, so muito tnues e permeveis, permitindo uma grande aproximao e interao entre essas diferentes manifestaes. Dessa maneira, as distines serviriam mais a uma exposio didtica do assunto e menos a uma compreenso rgida e estanque sobre a dimenso ldica da experincia humana. Tanto assim, que para esse autor possvel inclu -las todas no universo do jogo, considerando este a grande categoria do conjunto das produes ldicas humana (Freire, 1998, p. 106). E concluindo seu ponto de vista, Freire acredita que q uanto as finalidades do jogo, seja qual for o tipo de manifestao de jogo, o

propsito desfrutar da oportunidade de conviver intimamente com as coisas do mundo, de modo a torn-las prximas de ns, mais conhecidas, menos amedrontadoras (p. 107).

Gostaria de destacar, dentre as vrias dimenses da convivncia oportunizada pelo Jogo, aquela que nos permite aperfeioar a

convivncia com os outros existentes dentro de ns mesmos. Cuidar desse relacionamento ntimo, procurando conhecer, aceitar e dinamizar harmoniosamente os aspectos da nossa prpria personalidade, uma

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das principais atenes sinalizadas pelos Jogos Cooperativos, como iremos ver mais adiante.

Friedmann (1996), considerando que no existe uma teoria completa do jogo, nem idias admitidas universalmente, apresenta uma sntese dos principais enfoques projetados sobre o Jogo Infantil:

Sociolgico : influncia do contexto social no qual os diferentes grupos de crianas brincam.

Educacional: contribuio do jogo para a educao; desenvolvimento e/ou aprendizagem da criana;

Psicolgico:

jogo

como

meio

para

compreender

melhor

o

funcionamento da psique, das emoes e da personalidade dos indivduos; Antropolgico : a maneira como o jogo reflete, em cada sociedade, os costumes e a histria das diferentes culturas; Folclrico : analisando o jogo como expresso da cultura infantil atravs das diversas geraes, bem como as tradies e costumes atravs dos tempos nele refletidos.

Compreendo que alm destes, outros poderiam ser includos, como por exemplo, o enfoque Filosfico , estudado por Santin (1987, 1994), atravs do qual somos incentivados a exercitar a reflexo tica sobre os valores humanos presentes (ou a usentes) no jogo.

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Alis, sob a luz desse enfoque filosfico do jogo, que no decorrer desta dissertao, teremos oportunidade para nos aprofundar na

investigao do Jogo como um meio para o desenvolvimento integral do ser humano e de aprimoramento da qua lidade de vida.

Apesar de vrios autores terem pesquisado largamente sobre o jogo, o assunto no est esgotado, devendo merecer uma discusso permanente. Assim, para efeito deste estudo, proponho o redirecionamento da lente pela qual enxergamos o Jogo, am pliando -a para promover uma sntese criativa e evolutiva, a partir da incluso dos mais variados pontos de vista, at ento projetados sobre o Jogo. Nesse sentido, considero o Jogo, como um espectro de atividades interdependentes que envolve a brincadeira, a ginstica, a dana, as lutas, o esporte e o prprio jogo. Sobre essa base, sustento a idia da aproximao entre o Jogo e a Vida, compreendendo ambos como reflexo um do outro - Eu Jogo do jeito que Vivo e Vivo do jeito que Jogo.

Por isso, o Jogo t o importante para o desenvolvimento humano em todas as idades. Ao jogar no apenas representamos simbolicamente a vida, vamos alm. Quando jogamos estamos praticando, direta e profundamente, um Exerccio de Co -existncia e de Re -conexo com a essncia da Vida. De acordo com a experincia que venho partilhando em alguns grupos atravs dos Jogos Cooperativos, pude observar um conjunto de

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caractersticas, estruturas e dimenses que so comuns, tanto no Jogo como em outras situaes da Vida.

Tenho denominando esse conjunto de Arquitetura do Jogo porque permite olhar o Jogo como um campo de exerccio das potencialidades humanas, pessoais e coletivas, na perspectiva de solucionar problemas, harmonizar conflitos, superar crises e alcanar objetivos comuns. Vejamos algumas das estruturas que compe essa Arquitetura :

Viso:

Meta-Concepes e Valores Essenciais que orientam e do sentido significado a todo processo do jogo. Objetivo :

Alcanar objetivos e/ou solucionar problemas. Regras:

Como uma referncia flexv el (implcita ou explcita) para iniciar e sustentar dinamicamente, o processo do jogo. Contexto:

Acontece no aqui-e-agora, como uma sntese do passado -presentefuturo. Participao :

Interao plena e interdependente de todas as dimenses do ser humano: fsica-emocional-mental-espiritual, tanto ao nvel pessoal, interpessoal e grupal. Comunicao :

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Dilogo buscando uma compreenso ampliada e comum da situao . Estratgias: planejamento e definio de aes, baseada no

Organizao,

alinhamento das competncia s individuais e grupais. Resultados:

Marcas para balizar o processo continuado de aprendizagem. Celebrao:

Valorizar cada instante jogado -vivido como uma oportunidade singular de sentir-se um com todos, independentemente do resultado alcanado. Ludicidade :

Sustentar o esprito de Alegria, bom -humor, entusiasmo, descontrao e diverso. Ser consciente do Prazer de Jogar.

Com a descrio da Arquitetura do Jogo acima apresentada, o ponto que desejo destacar que o JOGO pode ser visto e praticado, no somente como uma atividade ldica, caracterstica da Educao Fsica e das Cincias do Esporte, muito embora, nelas o Jogo seja um de seus elementos fundamentais, mas tambm, como uma das expresses da Conscincia humana. Dentre os diferentes e importantes papi s atribudos ao Jogo, focalizarei na seqncia desta exposio, algumas relaes entre o Jogo e a Educao.

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2. O Jogo na Educao.A importncia do Jogo como elemento educacional um fato

reconhecido e que no necessita ser mais discutido, embora dev a ser sempre lembrado. Minha inteno refletir sobre que tipo de jogo necessitamos

atualmente, levando em conta que tipo de educao e sociedade, pretendemos. Ser que as brincadeiras e jogos que se realizam nas aulas,

correspondem a uma verdadeira contr ibuio para a construo de um Mundo Melhor 6 ? Ao apontar essa questo, sinalizo, automaticamente, para a importncia de investigar o jogo no mbito da Educao, tanto formal, como no formal e informal. Nesse sentido, para avanarmos, veremos algumas consideraes sobre a escola como um contexto para a aprendizagem um de seus elementos pedaggicos. Podemos apontar, conforme Friedmann (1996), algumas das principais caractersticas que a escola deve ter: e sobre o Jogo como

Ser um elemento de transform ao da sociedade. Considerar as crianas como seres sociais e construtivos. Privilegiar o contexto scio -econmico e cultural. Reconhecer as diferenas entre as crianas.

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Considerar os valores e a bagagem que elas j tm. Propiciar dinmico. a todas as crianas um desenvolvimento integral e

Favorecer a construo e o acesso ao conhecimento. Valorizar a relao adulto -criana caracterizada pelo respeito mtuo, pelo afeto e pela confiana.

Promover a autonomia, criticidade, criatividade, responsabilidade e cooperao.

A viso de escola concebida nesses termos, implica na adequao de todos os segmentos constitutivos da comunidade educacional. Particularmente, interessa saber sobre como o Jogo, enquanto ao pedaggica, se insere nesse movimento de reordena o educacional, pois de acordo com Freire (1989, p. 119), num contexto de educao escolar,

o jogo proposto como forma de ensinar contedos s crianas aproxima -se muito do trabalh o. No se trata de um jogo qualquer, mas sim de um jogo transformado em in strumento pedaggico, em meio de ensino.

Atravs do jogo so estabelecidas possibilidades muito variadas para incentivar o desenvolvimento humano em suas diferentes dimenses. Vejamos como Friedmann (1996, p. 66), baseando -se nos estudos de

Piaget (1971 ), apresenta algumas dessas possibilidades:6

Brahma Kumaris World Spiritual University. Visions of a Better World, 1993.

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Desenvolvimento da linguagem:

At adquirir a facilidade da linguagem, o jogo o canal atravs do qual os pensamentos e sentimentos so comunicados pela criana.

Desenvolvimento cognitivo:

O jogo d acesso a um maior nmero de informaes, tornando mais rico o contedo do pensamento infantil (Friedmann, 1996, p64). Tambm, ao jogar a criana consolida habilidades j adquiridas e as pode praticar, de modo diferente, diante de novas situaes.

Desenvolvimento a fetivo:

O jogo uma janela da vida emocional das crianas. A oportunidade de a criana expressar seus afetos e emoes atravs do jogo s possvel num ambiente e espao que facilitem a expresso: o adulto que deve criar esse espao.

Desenvolvimento fsico-motor:

A explorao do corpo e do espao levam a criana a se desenvolver. Piaget considera a ao psicomotora como a precursora do pensamento representativo e do desenvolvimento cognitivo, e afirma que a interao da criana em aes motoras, visu ais, tteis e auditivas sobre os objetos do seu meio essencial para o desenvolvimento integral.

Desenvolvimento moral:

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As regras do exterior so adotadas como regras da criana, quando ela constri sua participao de forma voluntria, sem presses. A r elao de confiana e respeito com o adulto ou com outras crianas o pano de fundo para o desenvolvimento da autonomia. E s a cooperao leva autonomia.

Em outras palavras, a oportunidade de jogar repercute na ativao de todos os nveis do desenvol vimento humano: fsico, emocional, mental e espiritual. Temos no jogo, uma oportunidade concreta de nos

expressarmos como um todo harmonioso, um todo que integra virtudes e defeitos, habilidades e dificuldades, bem como, as possibilidades de aprender a Ser... inteiro, e no pela metade. Jogando por inteiro, podemos desfrutar da inteireza uns dos outros e descobrir o Jogo como um extraordinrio campo para a descoberta de si mesmo e para o encontro com os outros. Nessa direo, poderemos todos seguir, desde que sigamos nos re creando como pessoa e tambm como Educadores uns dos outros.

3. Re-Creando o Educador.7

Lao-TS (1988, p.05) . Crear a manifestao da Essncia em forma de existncia criar a transio de uma existncia para outra existncia. Aqui, o sentido dado a Re-Creao, o de recuperar o contato com a Essncia da Vida.7

35

Na

antiguidade,

Galileu -Galilei 8 considerava

os

educadores

como

parteiros de idias. Talvez, possamos recuperar um pouco dessa imagem e nos a ssumirmos como facilitadores do despertar das

potencialidades latentes no Ser. Para tanto, necessrio que estejamos acordados, isto , com a Conscincia desperta, uns dos outros. Sustentar este ciclo de mt uo-despertar depende da disposio em promover reciclagens nos vrios padres e procedimentos educativos que trazemos na mochila pedaggica atrelada s nossas costas. No quero dizer com isso, que devemos abandonar o que aprendemos, mas re-ver essa aprendizagem, simultneamente, quando nos dedicamos a preencher a mochila de outros, os quais, pretensiosamente, cremos trazem-nas vazias. Penso, como tantos outros, que preciso re -crear, re -educar o Educador, caracterizando -o como um mestre-aprendiz imerso num processo de formao e trans-formao permanente. o suficiente para podermos apoiar o despertar

De acordo com Friedmann (1996, p. 74), o Educador deve incluir na bagagem para este viagem de co -educao as seguintes habilidades:

Propor regras e leis, em vez de imp -las. Os alunos ao elaborarem e decidirem sobre as regras, estaro exercitando uma atividade poltica e moral.

8

Marylin Ferguson, 1980, p. 297.

36

Possibilitar a troca de idias para chegar a um acordo sobre as regras, praticando a descentrao e coordenao de pontos de vista.

Dar responsabilidade para fazer cumprir as regra s e inventar sanes e solues.

Permitir julgar qual regra dever ser aplicada. Fomentar o desenvolvimento da autonomia. Possibilitar aes fsicas que motivem as crianas a serem

mentalmente ativas.

Para a autora, a atuao do educador se altera conform e o tipo de atividade. No jogo espont}neo, que livre e nele a criana tem prazer simplesmente por brincar, o educador um observador e mediador de conflitos. J no jogo dirigido o educador mais que um orientador, ele intervm na atividade propond o desafios, colocando dificuldades progressivas no jogo para promover o desenvolvimento e fixar a aprendizagem. Para ela, muito importante saber escolher adequadamente a atividade a ser proposta, e indica trs critrios para ajudar o educador a analisar a utilidade educacional de um jogo em grupo:

1) O jogo deve sugerir alguma coisa interessante edesafiante para as crianas.

2) Um bom jogo em grupo deve possibilitar criana avaliar os resultados de suas aes. Se o adulto impe a avaliao como uma verdade , a criana se tornar muito dependente e insegura da sua prpria habilidade de tomar decises.

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3) A participao de todas as crianas durante ojogo fundamental. (...)O contexto do jogo deve ser estimulante para a atividade mental da criana e, segundo suas capacidades, para a cooperao (Friedmann, p. 75).

Tendo o jogo como meio de ensino, inevitvel refletir, no apenas sobre o carter educacional do jogo, se o jogo ou no educacional, mas sim, tomarmos conscincia de que uma vez que o jogo educa, uma pergunta deve sempre nos inquietar:

O Jogo educa para qu? Qual a viso de mundo e humanidade e que valores esto por trs dos jogos que jogamos e, especialmente, daqueles que propomos para crianas, jovens e adultos jogar?! Que Habilidades Humanas e sto sendo sensibilizadas e potencializadas atravs dos jogos? Temos oferecido alternativas para jogar com autonomia e cooperao?

Ao adotarmos o Jogo como uma pedagogia, assumimos o compromisso de recri-lo constantemente, visando o exerccio crtico -criativo

permitindo quele que participa do jogo conhecer e experimentar, tanto o j existente, como o que ainda est para existir. A percepo das possibilidades de ExerSer (por o Ser em exerccio) e de InterSer (Ser com os outros) em sociedade, dada pelo Jogo, uma das primeiras condies para que possamos escolher entre aceitar ou

38

discordar de certas convenes, e ento, participar efetivamente do projeto de construo da sociedade em que vivemos.

4. Jogando numa Sociedade em Transformao.Estivemos percorrendo uma trilha, pela qual pudemos entrar em contato com a noo de Jogo e com o papel do Jogo no ambiente educacional. Agora, seguiremos construindo uma ponte - de mo dupla - entre o poder de transformao do Jogo , e sua correspondente influncia na sociedade, e vice -versa, porque segundo Freire (1989, p. 117), o jogo no representa apenas o vivido, tambm prepara o devir.

Para

continuarmos

este

discurso,

tomarei

por

base,

os

estudos

desenvolvidos por Terry Orli ck, um eminente professor da Universidade de Ottawa-Canad, PhD em Psicologia do Esporte, tendo sido atleta e tcnico da seleo nacional de Ginstica Olmpica. Ele um dos mais conceituados pesquisadores sobre o Jogo e suas interfaces com o desenvolvimento social e cultural da humanidade, tendo inclusive realizado estudos em diferentes culturas ancestrais, tais como, na China, Austrlia (Aborgenes), Alaska (Esquims), Canad (Inuits) e Nova Guin (Arapesh). Orlick , principalmente, um dos precursores do s Jogos Cooperativos no mundo, sendo uma referncia obrigatria para os estudos nessa rea.

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Tendo investigado a relao entre Jogo e Sociedade em diferentes culturas no mundo, inclusive culturas ancestrais, ele corroborou uma srie de evidncias que indica m o valor dos jogos para a manuteno ou transformao de crenas, valores e atitudes na vida.

Para o autor, quando participamos de um determinado jogo, fazemos parte de uma minissociedade, que pode nos formar em direes variadas (Orlick, 1989, p. 107).

Assim, a experincia de jogar sempre uma oportunidade aberta, no determinada, para um aprender relativo. Dependendo dos princpios, valores, crenas e estruturas que esto por tr{s dessa minissociedade jogo, podemos tanto aprender a sermos solid{r ios e cuidar da

integridade uns dos outros, como, ao contrrio, podemos aprender que jogando podemos ser mais importantes que algum, e se importar muito pouco, com o bem-estar dele. A intencionalidade subjacente ao jogo, indicadora do tipo de papel social que se espera promover atravs dessa pedagogia. De acordo com Orlick (1989, p. 108),

se os padres das brincadeiras preparam as crianas para os seus pap is como adultos, ento ser melhor nos certificarmos de que os papis para os quais elas esto s endo preparadas sejam desejveis.

Ao refletir sobre que papeis so desejveis, sou levado a retroceder um pouco mais, e pensar: desejveis para que tipo de cenrio?

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Aqui, vale recordar a Viso de sociedade que orienta esta dissertao.

Compreendo que v ivemos um momento de estreita interdependncia entre todas as formas de vida habitando o Planeta Terra. Todos temos o compromisso de zelar pelo bem -estar uns dos outros, afim de

sustentarmos o processo de co -evoluo no qual estamos imersos. Somos, cada indivduo, de cada espcie e de todos os reinos,

mtuamente importantes e co -responsveis pela felicidade comum. Alias, felicidade um estado que s possvel de se manifestar, na medida em que permitir ser desfrutado, no por um ou alguns, mas por todos, sem exceo. Algum acredita que possvel ser, realmente, feliz, sozinho? E se por acaso, achar que sim, cr que seria capaz de sustent -la solitariamente ou em oposio a outros?

Viver em sociedade um exerccio de solidariedade e cooperao, destinado a gerar estados de bem -estar para todos, em nveis cada vez mais ampliados e complexos. Sendo um exerccio, carece da com-vivncia consciente de atitudes, valores e significados compatveis com essa aspirao de felicidade interdependente..

Nesse sent ido, reafirmo o potencial do Jogo como um caminho para a transformao pois, conforme Orlick (1989, p. 121),

Os jogos so um elemento importante do ambiente natural, tanto q uanto o lar, a comunidade e a escola.

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(...) Eles tem o potencial de ajudar a dim inuir a lacuna que existe entre as atitudes declaradas dos adultos e o seu comportamento efetivo, entre o que as crianas dizem querer e o que recebem agora. (...) Portanto, vivel introduzir comportamentos e valores por meio de brincadeiras e jogos, que com o tempo, podero afetar a sociedade como um todo.

Confio que ao modificar o comportamento no jogo, estaremos criando possibilidades para transformar atitudes em nossa vida alm do jogo. Porm no h garantias que isso venha a acontecer. E justamen te por essa boa dose de incerteza, que me sinto entusiasmado a continuar jogando... No percurso desta breve exposio sobre o entendimento a respeito do Jogo, procurei destacar sua relevncia no contexto educacional e social, enfatizando, tambm, o lugar do Jogo no processo de formao e transformao pessoal. No prximo captulo, iremos mergulhar na Conscincia da Cooperao, investigando mitos e rios sobre a Cooperao e Competio. Atravs dessa explorao, estaremos nos preparando para realizar uma das principais snteses desta dissertao: O encontro do Jogo com a Cooperao.

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CAPTULO II

A Conscincia da Cooperao

Nunca duvide da fora de um pequeno grupo de pessoas para transformar a realidade. Na verdade eles so a nica esperana de que isso possa acontecer. Margaret Mead

Pretendo, neste captulo, dialogar sobre algumas das mais recentes abordagens sobre a Cooperao, destacando sua importncia para o desenvolvimento do Ser Humano integral, no exerccio de sua cidadania plena, visando a promoo de uma melhor qualidade de vida.

Para Orlick, estamos transitando por um instante de muita delicadeza, pois

A sociedade humana tem sobrevivido porque a cooperao de seus membros tornou possvel a sobrevivncia. A cooperao contnua talvez m ais importante para o homem que para qualquer outra espcie, porque a ao humana tem um e feito direto sobre todas as outras espcies. No s tem a capacidade de enriquecer ou destruir a si mesmo,

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como tambm a todo o ambiente natural. (1989, p. 22)

Nesse sentido, refletiremos sobre a Cooperao em algumas de suas diferentes dimenses: filosfica, antropolgica, sociolgica, psicolgica, educacional, preconceitos, religiosa e biolgica considerando conceitos e

mitos e ritos, e outras idias e experinc ias que

contribuam para ampliar nossa compreenso sobre esse tema.

1. Cooperao e Competio.Antes de abordar o assunto principal deste captulo, a Conscincia da Cooperao, faremos uma pequena anlise sobre os conceitos de Competio e Cooperao. Muitos estudos tm tratado de compreender a competio e a

cooperao, desde as clssicas abordagens de Morton Deutsch (1949) 9, no campo da psicologia social e da antroploga, Margaret Mead (1962), at as concepes mais atuais, apresentadas por Khon (198 6),

Saraydarian (1990), Combs (1992), Kagan (1994) e Henderson (1998). Apesar disso, esses estudos no tm sido suficientes para evitar a polmica que surge, sempre quando se toca no assunto Competio e Cooperao. Cooperao e Competio, so aspectos de um mesmo espectro, que no se ope, mas se compe. No entanto, essa composio dos contrrios,

9

Citado em Rodrigues, 1972 e em Orlick, 1989.

44

depende de inmeros fatores que a condiciona a um estado de permanente ateno e cuidado. O senso comum, associa a Competio com o Jogo, como se estes fossem sinnimos e como se um no pudesse existir sem o outro. Tambm, comum encontrar afirmaes sobre a Cooperao, que se perpetuaram no tempo e no espao da cultura popular:

Cooperao no tem graa. Que vantagem a gente leva, se todo mundo ganha?. Cooperar? Isso uma utopia! pra outro mundo!. E tem mais, a Competio faz parte da natureza humana, a gente nasce competindo!.

Afinal, Jogo e Competio so diferentes, ou Competio sinnimo de Jogo, e vice -versa? E Competio e Cooperao, o que melhor? possvel Cooperar numa sociedade competitiva?

Competio e Cooperao, so processos sociais e valores humanos presentes no Jogo, no Esporte e na Vida. So caractersticas que se manifestam no contexto da existncia humana e da vida em ge ral. Porm, no representam, nem definem e muito menos substituem, a natureza do Jogo, do Esporte e da Vida.

45

Somente condies

o

melhor para

conhecimento Competio

desse e

processo,

pode nos

oferecer diferentes

dosar

Cooperao,

contextos nos quais se man ifestam. Particularmente, interessa saber como balancear o grau de Competio e Cooperao no Jogo e no Esporte. Para irmos alm, recomendvel reunir outras definies e conceitos. Considerando, como j disse, que Cooperao e Competio, so

processos de interao social, basearei a busca no campo da Psicologia Social pois, esta rea da cincia que mais especificamente, tem

tratado do assunto.

Os estudos de Deutsch apud Rodrigues, 1972, Competio, fornecem uma srie de

sobre Cooperao e relacionadas ao

evidnc ias

comportamento de indivduos em pequenos grupos quando colocados diante da necessidade de alcanar metas, ou solucionar conflitos. Rodrigues (1972, p. 149) apresenta algumas hipteses levantadas por Deutsch, as quais receberam inequvo co apoio experimental no teste a que foram submetidas (Fig. 1).

Em sntese, para Deutsch apud Rodrigues 1972,

h uma situao

competitiva quando, "para que um dos membros alcance seus objetivos, outros sero incapazes de atingir os seus . E uma situao cooperativa aquela em que

os objetivos (goal regions) dos indivduos de uma situao so de tal ordem que, para que o objetivo de

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um indivduo possa ser alcanado, todos os demais integrantes da situao, devero igualmente alcanar seus respectivos o bjetivos.

Estudando Competio e Cooperao, como atitudes sociais, Zajonc (1973, p. 96), considerou que uma atitude competitiva , quando "o que A faz, no seu prprio benefcio, mas em detrimento de B, e quando B faz em seu benefcio mas, em detrimento de A. Por outro lado, o autor define que uma atitude cooperativa quando "o que A faz , simultaneamente, benfico para ele e para B, e o que B faz , simultaneamente, benfico para ambos.

Baseado nessas idias, a primeira compreenso conceitual a s eguinte:

Cooperao um processo onde os objetivos so comuns e as aes so benficas para todos.

Competio um processo onde os objetivos so mutuamente exclusivos e as aes so benficas somente para alguns.

S I T U A O C O OP E R A T I V A P e r c e be m q u e o a t i n g i m e n t o d e s e u s o bj e t i v os , e m p a r t e , c o n s e q u n c i a d a a o d o s ou t r o s m e m br os . S o m a i s s e n s v e i s s s ol i c i t a e s d o s ou tr o s . A j u d a m - s e m u t u a m e n t e c om f r e q u n c i a H m a i or h om o g e n e i d a d e n a q u a n ti d a d e d e c on t r i bu i e s e p a r t i c i p a e s . A p r o d u t i v i d a d e e m t e r m os q u a l i ta ti v o s m a i or . A e s p e c i a l i z a o d e a t i v i d a d e s m a i or .

S I T U A O C OM P ET I T I V A P e r c e be m q u e o a ti n g i m e n t o d e s e u s o bj e ti v os i n c om p a t v e l c o m a o bt e n o d o s o bj e ti v os d o s d e m a i s . S o m e n os s e n s v e i s s s ol i c i ta e s d os o u tr os . A j u d a m - s e m u t u a m e n t e c om m e n o r frequncia. H m e n o r h o m og e n e i d a d e n a q u a n ti d a d e d e c on tr i bu i e s e p a r ti c i p a e s . A p r o d u ti v i d a d e e m te r m os q u a l i ta ti v o s m e n or . A e s p e c i a l i z a o d e a t i v i d a d e m e n or .

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Fi g.1 S i tu a o Co o pe ra ti va e S i tu a o Co m peti ti va (mo di fi cad o p o r Bro t to , 1 9 9 7 .)

Entendo Cooperao e Competio como processos distintos porm, no muito distantes. As fronteiras entre eles so tnues, permitindo um certo intercmbio de caractersticas, de maneira que podemos encontrar em algumas ocasies, uma co mpetio -cooperativa e noutras, uma cooperao -competitiva.

Admitindo essas aproximaes, faz -se necessrio redobrar a ateno sobre a dinmica Cooperao -Competio, pois sendo menos rigorosa a distino entre elas, poderemos estar ainda mais sujeitos a cometer equvocos.

Nesse sentido, somos advertidos mais uma vez por Deutsch, quando ao final de seu estudo sobre a natureza e o comportamento de grupos cooperativos e competitivos, concluiu que:

A intercomunicao de idias, a coor denao de esforos, a amizade e o orgulho por pertencer ao grupo que so fun damentais para a h armonia e a eficcia do grupo, parecem desaparecer, quando seus membros se vem na situao de competir para a obteno de objetivos mutuamente exclusivos. Ademais, h alguma indic ao de que competio produz maior insegurana pessoal (expectativas de hostilidade por parte de outros) do que cooperao (apud Rodrigues, 1972, p. 151).

Preocupando-se com essa questo, Orlick (1989, p. 76) sugere que devemos examinar os meios e os fi ns de um comportamento especfico,

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antes de afirmar ou no, sua convenincia relativa a determinada situao. Ele diferencia 2 tipos de situaes:

Situaes mais desejveis: meios e fins so humanizadores. Situaes piores: meios e fins so desumanizadore s.

Para o autor, as relaes, humanizadora e desumanizadora se caracterizam por:

Relao

humanizadora :

bondade,

considerao,

compaixo,

compreenso, cooperao, amizade e amor.

Relao desumanizadora : falta de interesse para com o sofrimento do outro, crueldade, brutalidade, e a desconsiderao geral para com os valores humanos.

Essas relaes so pontos extremos de uma escala de atitudes que Orlick (1989, p. 106) denomina: Tabela Sequencial de Competio -Cooperao (Fig. 2).

Como seres humanos , individual ou coletivamente falando, somos capazes de atos de extrema violncia, ou contra os outros ou contra si mesmo (rivalidade competitiva). Do mesmo modo, porm em direo oposta, somos, extraordinariamente, aptos para doar -nos,

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incondicionalment e, aos outros, mesmo que ao faz -lo, aparentemente, nos prejudiquemos (auxlio cooperativo).

Seria possvel imaginar um ponto de encontro entre Competio e Cooperao?

C O M P OR T A M E N T O

OR I E NT A O

M O T I V A O P R I NC I P A L D om i n a r o ou tr o . I m p e d i r q u e o s o u tr os a l c a n c e m s e u o bj e ti v o. S a ti s f a o e m h u m i l h a r o o u tr o e a s s e g u r a r q u e n o a ti n j a s e u s o bj e ti v os . A c o m p e ti o c o n tr a o s o u tr os u m m e i o d e a ti n g i r u m o bj e ti v o m u t u a m e n te d e s e j v e l , c o m o s e r o m a i s v e l oz o u o m e l h or . O o bj e ti v o d e i m p or t n c i a p r i m or d i a l , e o be m - e s ta r d os o u tr os c o m p e ti d o r e s s e c u n d r i o. A c o m p e ti o , s v e z e s , or i e n ta d a p a r a a d e s v a l or i z a o d o s o u tr os . P e r s e g u i r u m o bj e ti v o i n d i v i d u a l . T e r x i t o. D a r o m e l h o r d e s i . O f o c o e s t e m r e a l i z a e s e desenvolvimentos pessoais ou o a p e r f e i oa m e n t o p e s s oa l , s e m r e f e r n c i a c om p e ti ti v a o u c o o p e r a t i v a a o u tr o s . O m e i o p a r a s e a ti n g i r u m o bj e ti v o p e s s oa l , q u e no seja mutuamente exclusivo, nem uma te n ta t i v a d e d e s v a l or i z a r o u d e s tr u i r os ou tr o s . O be m - e s ta r d os c o m p e ti d or e s s e m p r e m a i s i m p or ta n te d o q u e o o bj e ti v o e x tr n s e c o p e l o qual se compete. A l c a n a r u m o bj e ti v o q u e n e c e s s i ta d e tr a ba l h o c on j u n t o e p a r ti l h a . A c o o p e r a o c o m o s ou tr o s u m m e i o p a r a s e a l c a n a r u m o bj e t i v o m u tu a m e n te d e s e j a d o, e q u e ta m b m c om p a r t i l h a d o. A j u d a r o s ou tr o s a a ti n g i r s e u o bj e ti v o . A cooperao e a ajuda so um fim em si mesmas, e m v e z d e u m m e i o p a r a s e a ti n g i r u m f i m . S a t i s f a o e m a j u d a r o u t r a s p e s s oa s a a l c a n a r s e u s o bj e ti v os

Rivalidade competitiva

A n t i - H u m a n i s ta

Disputa competitiva

Dirigida para u m o bj e ti v o ( c on t r a os o u t r os )

Individualismo

Em direo ao ego

Competio cooperativa

Em direo ao o bj e t i v o (levando em c on t a os o u tr os )

Cooperao no competitiva

Em direo ao o bj e t i v o (levando em c on t a os o u tr os )

Auxlio cooperativo

H u m a n i s ta a l t r u s ta

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Fi g.2 T a bel a se q ue nc i al de Co m peti o - Co o per a o

Considero que antes de vivel, essa sntese vital, conforme nos sugere Seyle apud Orlick, 1989, p. 85, atravs do seguinte comentrio sobre altrusmo e egosmo:

O instinto da auto -preservao no pr ecisa entrar em conflito com o desejo de ajudar os outros. O altrusmo pode ser considerado uma forma modificada de egosmo, uma espcie de egosmo coletivo, que ajuda a comunidade pelo fato de gerar gratido. (...)Ess a talvez a maneira mais humana de garantir a nossa segurana (homeostase ou tendncia a manter a estabilidade) na sociedade. Gerando gratido e confiana induzimos os outros a partilhar nosso desejo natural de bem -estar.

Desse modo, podemos despertar, c omo nos inspira, Khon (1986), para o lado mais luminoso da natureza humana. Temos a capacidade de escolher a maneira de nos comportar e de, conscientemente, colaborar para a melhor qualidade de vida para todos.

Com base nas colocaes feitas at aqui, pa rece no existir uma natureza definida e muito menos definitiva, que determine nossas atitudes explicar como nossos competitivas atos como ou como cooperativas. de uma No podemos

reflexos

pseudo -natureza,

competitiva, nem cooperativa.

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Competir ou cooperar so possibilidades de agir e de Ser no Mundo. Enquanto possibilidades, dependem da vontade, do discernimento e da responsabilidade pessoal e coletiva, para se concretizarem na realidade. Somos educados e/ou condicionados para cooperar ou competir. Cabe assumirmos a responsabilidade por nossas escolhas, mesmo que a escolha seja, no escolher ou deixar -se escolher por outros. Do

contrrio, arriscamos perpetuar a iluso de separatividade (Weil, 1987) que durante tanto tempo, sustentou o mito da competiti vidade como condio nica para a existncia e evoluo. Fiquemos atentos, porque

se nossa qualidade de vida futura, e talvez at nossa sobrevivncia, depender da cooperao, todos pereceremos se no estivermos aptos a cooperar, a ajudar uns aos outr os, a sermos abertos e honestos, a nos preocuparmos com os outros, com as nossas geraes futuras. (...) devemos nos afastar da competio cr uel e comearmos a enfatizar a cooperao e a preocupao com os outr os. (Orlick, 1989, p. 182)

Realmente compartilho com essa viso. No sou contra a Competio, mas sou francamente a favor da Cooperao. E adoto esta posio, no porque Cooperao boa e Competio ruim. Mas, porque acredito que Cooperao mais adequada e mais

necessria, e no apenas para este mo mento, mas para os prximos tempos e para as geraes que viro. Desmistificar a competio e ritualizar a cooperao, pode nos ajudar enxergar com novos olhos as velhas paisagens. E desse modo, quem

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sabe, possamos descobrir novas passagens e sacar um jeit o diferente de praticar o Jogo da Vida.

2. Mitos e Ritos.Um dos principais propsitos neste estudo, colaborar para uma melhor compreenso sobre Cooperao e Competio e como o Jogo e o Esporte podem servir como uma Pedagogia para desenvolver os val ores que acreditamos. Entre as causas que motivaram a realizao deste trabalho, est o fato de existir uma srie de mitos, preconceitos e idias confusas em torno de Cooperao e Competio. Considerando que uma das funes da investigao cientfica a passagem do senso comum para o conhecimento consciente, trataremos de refletir sobre alguns mitos e preconceitos que circulam em torno dessa questo. Diversos estudos tm colaborado para desmistificar a Competio e Cooperao, tais como as pesquisas e pu blicaes realizadas por Orlick (1982, 1989), Johnson & Johnson (1989), Khon (1986), Weinstein & Goodmann (1993), Kagan (1994) e Brown (1994), Brotto (1995/1997, 1996) entre outros.

Tomarei como base para esta abordagem os estudos de Brown (1994), que tm contribudo atravs dos Jogos Cooperativos, para o processo de

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Educao Popular de adultos, na Venezuela e na Educao Infantil nos Estados Unidos, entre outros.

Em uma de suas publicaes: Jogos Cooperativos: teoria e pr{tica (1994), ele apresenta alg umas das mais comuns e freqentes idias associadas a Cooperao e Competio que, de um modo geral, refletem um conhecimento ingnuo sobre o tema. Sobre os (pre)conceitos citados por Brown, refletiremos juntamente com outros autores, buscando ir alm do senso comum para encontrar sentidos e significados mais claros e precisos.

Voc acredita que vai eliminar a competio?

No. No vamos elimin{ -la, mas esse fato no tira a possibilidade de analis-la e propor alternativas (Brown, 1994, p.40).

Muitas vezes, o simples fato de questionar algo j estabelecido, implica na falsa impresso da obrigatoriedade de, ao faz -lo, contradiz -lo, neg-lo ou modific-lo. Isto pode explicar alguns casos de verdadeiro temor em refletir, perguntar, indagar sobre o ass unto. Evidentemente, no esse o meu entendimento. Estou me dispondo a abrir os olhos para poder ver melhor a realidade, da qual somos parte -todo integrante. Acredito na importncia de promover a Cooperao. Sou francamente favor da Cooperao como um a dinmica social e essenciais para a construo de um Mundo Melhor. um Valor Humano,

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Se no tem competio, qual a graa?

Esse comentrio indica aquilo que muitos pensam: que a competio o elemento que d{ graa a um jogo; que o fato de ter um ganhador importante (e condio necessria) para mostrar as capacidades do jogador. O desafio(...) a superao coletiva de algum obstculo externo ao grupo. E para conseguir super-lo, necessita -se da colaborao de cada um dos participantes, n o soment e dos melhores, dos mais fortes ou dos mais geis. (Brown, 1994, p. 40)

Nem sempre, as crianas, jovens e adultos que participam, direta ou indiretamente, de uma competio, realmente se divertem. comum observar que a diverso est restrita ao final d o jogo, quando aquele que vence celebra a vitria. Nesses casos, a competio tida como um elemento

motivador/desafiador, e no, propriamente, promotora da graa, alegria ou divertimento.

Desafio e Graa so componentes fundamentais para nossa co existncia. Eles podem atravs ser de promovidos Jogos e por diferentes que meios, para

preferencialmente,

Esportes

sirvam

desenvolver um interesse genuno pela segurana e o bem -estar uns dos outros.

Na competio, cada um d mais de si, assim que os r esultados so melhores

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Muitas pesquisas f oram realizadas, comparando situaes de coope rao e competio. David e Roger Johnson publicaram uma sitematizao, isto , uma resenha de vrias pesquisas baseadas no mesmo tema. Parte do seu estudo abrangeu 10 9 pesquisas: 65 concluram que a cooperao produz melhores resultados do que a competio; oito concluram o contrrio e 36 no encontraram nenhuma diferena. (Brown, 1994, p. 40)

David e Roger Johnson (1989) realizaram inmeras pesquisas sobre a Competio e Cooperao, particularmente, no contexto educacional. A maior parte de suas concluses indica que o processo ensino -

aprendizagem enriquecido quando os alunos so colocados em situaes de aprendizagem cooperativa. Estes estudos so uma refernci a importante para a Pedagogia, devendo constituir -se num conjunto de informaes, que por seu carter

cientfico, devem orientar aes e relaes educacionais, numa nova perspectiva de ensinar e aprender uns com os outros. Alm desse estudo, temos Deutsch apud Orlick, 1989, p. 24, que em uma de suas pesquisas, obteve como resultados a indicao de quea cooperao, e no a competio, de ntro de um grupo leva maior coordenao dos esforos, maior diversidade na quantidade de contribuies dos membros, ma ior ateno aos companheiros, maior produtividade por unidade de tempo, melhor qualidade dos resultados, maior amizade, e a avaliao mais favorvel do grupo e de seus resultados ao sentimento mais intenso de apreciao pelos companheiros.

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Tanto para a e ducao em geral, como para outras relaes sociais e de produo, deveramos nos pautar pelas evidncias demonstradas por estes, e por tantos outros estudos, ao invs de nos deixarmos levar pelo senso comum.

A competio boa enquanto sadia.

(...) difcil falar de competio boa ou m{. No melhor dos casos, a competio nos leva a ver os outros com desconfiana. No pior, pode provocar uma agresso direta. Em situao de competio, somos menos capazes de ver as coisas a partir da perspectiva do outro. (Brown, 1994, p. 41)

Considerando o fato de vivermos em sociedade, sabemos que a qualidade de vida est intimamente ligada ao cuidado que dedicamos ao meio ambiente e, especialmente, ao meio da gente 10. Se pretendemos uma vida saudvel, precis o que saibamos nos colocar uns no lugar dos outros, visando aprimorar as condies de convivncia e qualidade de vida. A esse respeito, um estudo pioneiro realizado por Sherif et. al. apud Orlick, 1989, p. 27, deu apoio hiptese de que,

quando um grupo s pode atingir seus objetivos s custas de um outro, seus membros se tornaro

Durante a Eco92, realizada no Rio de Janeiro, viu-se circulando entre faixas, cartazes e camisetas, a mensagem: O meio ambiente comea no meio da gente". Uma aluso direta ao respeito e cuidado de uns com os outros seres humanos para podermos participar da recuperao da harmonia com os demais ecossistemas.10

57

mutuamente hostis, embora os grupos sejam compostas de indivduos normais e bem ajustados. (...) Introduzir conflitos entre grupos visando criar harmonia dentro de outros gru pos, no nem necessrio nem justificvel, e, em termos de cooperao e harmonia entre toda a humanidade, contraprodutivo.

Aprender

a

solucionar

problemas,

encontrar

solues

positivas,

dialogar, desenvolver e valorizar as virtudes, descobrir potencia is, assumir responsabilidades, sustentar um clima de bom humor,

descontrao e ao mesmo tempo, manter -se concentrado e flexvel; so habilidades fundamentais para superar crises e dificuldades.

Essas habilidades precisam ser aprendidas e aperfeioadas e e sta aprendizagem ser melhor incentivada, na medida que se oferecem condies para a troca de experincias e construo coletiva de alternativas positivas para todos, ao invs de estimular falsos

conflitos, com o pretexto de desafiar a criatividade. Somente atravs da aproximao e a empatia possvel recriar

problemas e descobrir solues de um modo pacfico, criativo e saudvel para todos.

E o esporte?

O ensino de Educao Fsica no exige reforar a competio. A Educao Fsica deve procurar dese nvolver as destrezas de todos, e no somente dos melhores. Imagine se para o ensino de outra matria cincia,

58

por exemplo se fizesse uma prova para formar uma equipe, enquanto os outros assistem porque nada sabem. H alternativas para os professores de Educao Fsica. (Brown, 1994, p.42)

Concordo plenamente. Existem alternativas j consolidadas na Educao Fsica, sobretudo, na Pedagogia do Esporte (Barbieri, 1996, Paes, 1996, Freire, 1998). Alm de buscar reafirmar a Educao Fsica como uma rea de conhecimento importante para a formao humana, iniciativas dessa natureza so muito valiosas, porque conforme Orlick (1989, p. 111),Praticamente todos os assassinos, estupradores e terroristas foram um dia crianas que brincavam e iam escola. Se no aproveitarmos essa oportunidade de ensinar s crianas os valores humanos e fazer com que experimentem o valor das outras pessoas, estaremos cometendo um grave erro.(...) Devemos, portanto, mudar as habilidades de desempenho em habilidades humanas.

Atravs dos Jogos e Esportes temos a oportunidade de ensinar aprender e aperfeioar no somente gestos motores, tcnicas e tticas, nem somente, habilidades de desempenho que nos

capacitam para jogar melhor. Isto importante e bom que seja muito bem feito. Contudo, a principal vocao da Educao Fsica e das Cincias do Esporte, neste momento, promover a co -aprendizagem e o aperfeioamento de Habilidades Humanas Essenciais , como:

criatividade, confiana mtua, auto -estima, respeito e aceitao uns

59

pelos

outros,

paz-cincia,

esprito

de

grupo,

bom

humor,

compartilhar sucessos e fracassos e aprender a jogar uns com os outros, ao invs de uns contra os outros... para vencer juntos.

Inserido nesse contexto proponho os Jogos Cooperativos como uma Pedagogia par a o Esporte e para a Vida.

Mas o mundo assim...

A competio um fato, mas a experincia nos mostrou que se pode oferecer alternativas ante essa situao. J sabemos competir; necessitamos por em prtica a cooperao como alternativa para enfrentar os problemas e juntos buscar solues. (Brown, 1994, p. 42)

A respeito dos mitos auto -perpetuados que se estabeleceram a respeito da Cooperao e Competio, penso que so, em parte, decorrncia de uma interpretao incompleta e equivocada sobre a Teoria da Evoluo das Espcies, formulada por (1989, p. 22). comenta que, Charles Darwin. A esse respeito Orlick

desde a origem dos organismos unicelulares, h bilhes de anos, a vida em geral tem sido um misto de muita cooperao e competio limitada, tan to dentro das espcies como entre elas. O impulso para a cooperao predominante e biologicamente mais importante no desenvolvimento social e biolgico de todas as criaturas vivas. As espcies sobrevivem pelo aperfeioamento de sua capacidade de cooper ao mtua. Pode -se afirmar claramente, ento, que a lei bsica da vida a cooperao.

60

Robert Augros, PhD em Filosofia e George Stanciu, PhD em Fsica Terica In: Combs, 1992, p. 131, corroboram essa idia ao afirmarem que a natureza no uma guerra entre um organismo contra os outros, mas uma aliana baseada na cooperao . E, particularmente, sobre o desenvolvimento e evoluo da espcie humana, Darwin considerou que o valor mais alto para a sobrevivncia est na inteligncia, no senso moral e n a cooperao social e no a competio (Orlick, 1989, p. 21). Nos acostumamos tanto com a idia da Competio fazer parte da nossa natureza, que demos pouqussima importncia a outra parte, a

Cooperao. Agora, estamos despertando para essa outra face d a vida, do mundo, da realidade, de ns mesmos. Por isso, escolhi dedicar uma parte deste estudo, para focalizar a Conscincia da Cooperao , como um contexto para a sustentao e desenvolvimento da proposta de Jogos

Cooperativos.

3. A Conscincia da Cooperao.Nos ltimos anos, tem crescido a produo de conhecimento e o dilogo sobre Cooperao, como podemos notar nos estudos, de Orlick (1989), Khon (1986, 1990), Saraydarian (1990), Maturana (1990), Combs (1992), Kagan (1994), Senge (1994) e Henderso n (1998), entre outros.

61

A cooperao, solidariedade e interesse pelo bem -estar comum um dos principais focos de ateno mundial neste final de sculo e virada de milnio, como podemos observar na declarao de Tenzin Gyatso - o XIV Dalai Lama, quando d e sua primeira visita ao Brasil:

Creio que para enfrentar o desafio de nossos tempos, os seres humanos tero que desenvolver um maior sentido de responsabilidade universal. Cada um de ns ter de aprender a trabalhar no apenas para si, sua famlia ou pa s, mas em benefcio de toda a h umanidade. A responsabilidade universal a verdadeira chave para a sobrevivncia humana. (1992, p. 03)

O

desenvolvimento

da

Cooperao o

como

um

exerccio

de

co -

responsabilidade

fundamental para

aprimoramento

das relaes

humanas, em todas as suas dimenses e nos mais diversificados contextos, deixou de ser apenas uma tendncia, passou a ser uma necessidade e, em muitos casos, j um fato consumado 11. Porm, no definitivo. preciso nutrir e sustentar permanentemente, o processo de integrao da Cooperao no cotidiano pessoal, comunitrio e planetrio,

reconhecendo -a como um estilo de vida, uma conduta tica vital, que esteve, consciente ou inconscientemente, sempre presente ao longo da histria de nossa civilizao.

Hazel HENDERSON, 1998. A autora apresenta vrios exemplos sobre a presena da Cooperao em diferentes segmentos da sociedade atual.11

62

Contrariando

o

mito

da

competio,

como

forma

de

garantir

a

sobrevivncia e evoluo do homem, existe um conjunto amplo de evidncias indicando que os homens pr -histricos, que viviam juntos, colhendo frutas e caando, caracterizavam -se pelo mnimo de d estrutividade e o m{ximo de cooperao e partilha dos seus bens (Orlick, 1989, p. 17).

Ainda

hoje,

podemos

encontrar

culturas

cooperativas

em

vrias

sociedades ancestrais existentes no planeta. Isto pode indicar uma boa discusso sobre a natureza competi tiva do ser humano. Ora, se essa idia fosse totalmente verdadeira, seria lgico encontrar nas

comunidades ancestrais (representantes da poro mais natural da nossa espcie), traos de uma cultura predominantemente, competitiva. Mas, ser isso mesmo, o que realmente acontece?

Fromm (1973) analisou trinta culturas primitivas e as classificou com base na agressividade e no pacifismo. Nesse estudo, o autor identificou e caracterizou 2 conjuntos de culturas distintas:

-

Sociedades orientadas para a vida: Mnimo de hostilidade, violncia ou crueldade. Ausncia ou pequena ocorrncia de punio rigorosa, crime e guerra. Crianas tratadas com amor e bondade. Mulheres geralmente consideradas iguais aos homens. H pouca competio, cobia, inveja, individualismo ou explorao. Existe muita cooperao.

63

-

Prevalece atmosfera de confiana, auto -estima e bom humor.

-

Sociedades mais destrutivas: Violncia interpessoal, destrutividade, agressividade, malcia e

crueldade (dentro da tribo ou contra os de fora). Atmosfera gera l de hostilidade, medo e tenso. H excesso de competio. nfase na propriedade privada. Hierarquias so rgidas e o comportamento belicoso.

Ora, se existem sociedades humanas pacficas e cooperativas e outras, agressivas e competitivas, podemos infe rir que, se h uma natureza humana possvel de ser afirmada, esta seria, uma natureza de

possibilidades. Tanto podemos ser cooperativos ou competitivos, alis, entendemos que somos as duas coisas simultaneamente. Nesse caso, a questo passa ser: qual a med ida certa? Qual o momento adequado para competir ou cooperar? Com quem? De que forma? At quando, cooperar e/ou competir? A antroploga Margaret Mead (1961), depois de ter analisado diferentes sociedades, concluiu que competio e cooperao so determinad os pela estrutura social. Considerando a estrutura social como resultado das aes e relaes dos membros de um grupo social, compreendo a Cooperao e a Competio como desdobramentos das nossas escolhas, decises e atitudes

praticadas na interao com outros indivduos num pequeno grupo,

64

comunidade, internacionais.

sociedade,

pas

ou

no

ambiente

das

relaes

Somos socializados e socializamos os outros para a Cooperao e Competio atravs da educao, da cultura e da informao.

Eminentemente, tornar a sociedade Cooperativa ou Competitiva, uma ao poltica, uma arte pessoal e coletiva de realizar o melhor (im)possvel para todos. Para Maturana (1995, p. 76) os seres humanos no so apenas animais polticos, mas, sobretudo, animais cooperativos, pois,

tanto o viver poltico como o cooperativo implicam em consenso, mas o fazem de maneira diferente. A coexistncia poltica restringe a ateno ao viver sob o domnio da luta pela dominao e submisso, e a possibilidade que oferece para a expanso da inteligncia se restringe a esse domnio. A coexistncia cooperativa, ao contrrio, expande a ateno para o viver em todos os domnios possveis de coexistncia e para a aceitao da legitimidade do outro.

Para o autor, a cooperao central na maneira humana de viver, como uma caracterstica de vida cotidiana fundamentada na confiana respeito mtuo. e no

A esse respeito, Orlick (1989, p. 31) comenta que

65

a confiana mtua mais provvel de ocorrer quando as pessoas so positivamente orientadas para o bem-estar do outro. E o desenvolvimento dessa orientao positiva incentivada pela experincia da cooperao bem -sucedida. A cooperao exige confiana porque, quando algum escolhe cooperar, conscientemente coloca seu destino parcialmente na mo do s outros.

Isto talvez, nos ajude a entender um pouco melhor as dificuldades apresentadas por indivduos e grupos que se dispe a cooperar. Estivemos, durante muito tempo, nos preparando para no nos

entregarmos ao outro, dissimularmos, no nos mostrar c omo somos intimamente, sob o risco de expor nossas fraquezas e ento ser atacados e derrotados pelos temveis advers{rios, os outros seres humanos. Podemos despertar dessa condio e olhar mais claramente sobre essa pseudo-ameaa que tem rondado a conv ivncia humana. Podemos fazer crescer nossa habilidade de fazer contato e nos integrarmos uns com os outros. Caminhos para esse exerccio tm sido criados, construdos e

experimentados. Orlick (1989, p. 30), nos indica quegostamos das pessoas que coopera m conosco mais do que das pessoas que competem conosco (...) . Quanto mais as pe ssoas tendem a gostar de ns, mais tendemos a gostar delas, e a cooperao parece ser a maneira de fazer a bola de neve crescer.

66

Cooperao, confiana e respeito mtuo, parece m ser um dos alicerces principais para a co -evoluo humana. No entanto, precisamos

reaprend-los, praticando esses valores atravs de nossos sentimentos, pensamentos, atitudes e relacionamentos no cotidiano. Em sntese, desenvolver o interesse pelo bem do outro uma fonte de motivao e compromisso com uma tica cooperativa. um convite para colocar a Conscincia da Cooperao em ao. O intuito desta dissertao contribuir, juntamente, com tantos outros estudos e aes, para que os Jogos e os Esport es sejam, continuada e

explicitamente, um Exerccio de Convivncia e de resgate e promoo da tica Cooperativa.

4. tica Cooperativa.O mundo contemporneo um cenrio de co -existncia cada vez mais complexo, isto , vivemos num ambiente de acentuada s e ntimas conexes, como se fizssemos parte de uma grande Teia da Vida (Capra, 1998). Na medida que as fronteiras entre as naes diminuem, o grau de interdependncia necessrio entre os povos se acentua, exigindo com isso o de nossas at itudes (aes, sensaes,

refinamento

pensamentos, sentimentos, intuies) e de todos os consigo mesmo, com os outros, com o ambiente.

relacionamentos:

67

Esta viso compartilhada por Orlick (1989, p. 124), pois ele comenta queSe nos grandes jogos da vida, como o s jogos polticos, os finan ceiros e os de guerra, os participantes estivessem, interdependentemente, ligados ao outro lado, provavelmente comeariam a entender, a aceitar e a empatizar com o inimigo anterior. (...) Se isso fosse possvel numa escala mais ampla, resultaria na formao de sentimentos de confiana e compaixo para toda a humanidade.

Atravs desse redimensionamento atitudinal, poderemos alcanar a conscincia de que somos, todos ns, membros de um mesmo e nico grande Time. Consequentement e, a predisposio para tratar as questes locais com uma viso global 12, precisa traduzir -se numa prxis consistente e consciente, capaz de atender aos desafios, que esse novo nos lanando. cenrio vem

Em Orlick (1989, p. 182), encontramos ressonncia a o entendimento que estamos expondo aqui. A esse respeito ele afirma queTodos os grandes problemas que confrontam o homem, inclusive a violncia, a destrutividade, a guerra, a pobreza, a poluio, o crime, a corrupo, a explorao do homem pelo homem, e at mesmo as greves e a inflao desenfreada podem ser solucionados por uma nova tica uma tica cooperativa.

12

Pense globalmente e atue localmente - lema do movimento ecolgico dos anos 80.

68

No bastam apenas as boas intenes, elas no se constrem sozinhas, necessrio e urgente que suas correspondentes boas aes, sejam arquitetas e operadas no dia -a-dia, e em cada segmento da sociedade. So muitas as vias possveis e j abertas, para o implemento da tica Cooperativa na vida social, at mesmo porque, sob uma certa tica, a Lei da Cooperao (Saraydarian, 1990), est h mui to tempo em operao nos diversos sistemas da vida. Certamente, a medida que caminharmos neste estudo, encontraremos outros indicadores para nos auxiliar percorrer a trilha da Cooperao. Na verdade, minha tentativa, desde o incio desta exposio, tem sid o transformar este exerccio de Conscientizao da Cooperao,

aparentemente, solitrio, em uma trajetria, explicitamente, solidria. Dessa forma, proponho seguirmos juntos, procurando formar

Organizaes de Aprendizagem,

nas quais as pessoas expande m continuamente sua capacidade de criar os resultados que realmente desejam, onde surgem novos e elevados padres de raciocnio, onde a aspirao coletiva libertada e onde as pessoas aprendem continuamente a aprender em grupo (Senge, 1994, p. 68).

Co-aprendendo poderemos conseguir articular, cada vez melhor, o potencial do Jogo e do Esporte, como um exerccio continuado e compartilhado para reencontrar o phyllum original do ser : o homem uno , como nos inspira Fontanella (1995, p. 131 ).

69

Este processo de co-educao no tem hora para comear nem prazo para terminar, porque, segundo Orlick (1989, p. 112),

aqueles que se preocupam com a q ualidade de vida em geral, e mais especificamente com a sade psicolgica das cr ianas, devem trabalhar no sentido de que seres humanos confiantes, cooperativos e felizes no se tornem uma espcie ameaada de extino .

Por essa razo, estou empreendendo este estudo. Agora, no prximo captulo, pretendo demonstrar como a proposta de Jogos Cooperativos pode colaborar para promover a unidade do Ser Humano e aprimorar seu Exerccio de Convivncia com a Conscincia da Cooperao em todas as suas dimenses.

70

CAPTULO III

Jogos Cooperativos

Vemos as coisas como elas so e perguntamos: Por qu? Sonho com coisas q ue nunca existiram e pergunto: Por qu no? George Bernard Shaw

Veremos,

no

desenrolar

deste

captulo,

a

proposta

dos

Jogos

Cooperativos como uma abordagem filosfico -pedaggica que tm colaborado para algumas transformaes em diferentes reas do

conhecimento e comportamento humano, especialmente, na Educao Fsica Escolar e nas Cincias do Esporte, particularmente, na

Pedagogia do Esporte. Sintetizando os dois primeiros temas abordados nesta dissertao, o Jogo e a Cooperao, estudare mos a origem e evoluo dos Jogos Cooperativos, reconhecendo alguns de seus precursores e a viso que est por trs desta teoria, que cada vez mais se propaga e se consolida como uma importante contribuio para o desenvolvimento humano.

71

Tambm, educativos

sero que

destacadas tm feito

as dos

caractersticas Jogos

e

princpios uma

scio -

Cooperativos

eficiente

Pedagogia para a convivncia.

1. Origem e Evoluo.Os Jogos Cooperativos surgiram da preocupao com a excessiva valorizao dada ao individu alismo e competio exacerbada, na sociedade moderna, mais especificamente, pela cultura ocidental.

Considerada como um valor natural e normal da sociedade humana, a competio tem sido adotada uma regra em, praticamente, todos os setores da vida social. Temos competido em lugares, com pessoas, em momentos que no deveramos, e muito menos precisaramos. Temos agido assim, como se essa fosse a nica opo. Os estudos de Weinstein & Goodman (1993), indicam claramente queexiste a necessidade para criar m odelos cooperativos de jogar juntos, para oferecer um equilbrio diante da competio que nos envolve. Sem alternativas cooperativas as quais possamos escolher, ns no saberemos discernir sobre quando a competio o modo apropriado. (p. 26)

No captulo anterior, abordamos essa questo observando que, ao contrrio de ser uma caracterstica nica e inerente espcie humana, a competio, bem como, a cooperao, so valores e atitudes scio -

72

culturais. Portanto, so comportamentos ENSINADOS-APRENDIDOS atravs das diversas formas de interao humana, notadamente, pela educao formal, no -formal e informal. De acordo com Terry Orlick (1989), ns no ensinamos nossas crianas a terem prazer em buscar o conhecimento, ns as ensinamos a se esforarem para conseguir notas altas. Da mesma forma, no as ensinamos a gostar dos esportes, ns as ensinamos a vencer jogos. A excessiva valorizao da competio se manifesta nos jogos atravs da nfase no resultado numrico e na vitria. Os jogos tornaram -se rgidos e organizados, dando a iluso que s existe uma maneira de jogar. Para Spencer Kagan (1994, p. 23:1), as crianas no jogam jogos competitivos, elas os obedecem . Isto porque, provavelmente, a orientao transmitida por uma parcela significativa de profe ssores, pais e meios de comunicao, no oferecem alternativas a serem experimentadas. Sem opes, no h escolha real, existe apenas a obedincia e submisso ao que j existe. Grande parte dos jogos so campos que estimulam o confronto ao invs do encontro. So situaes capazes de eliminar a diverso e a pura alegria de jogar. Sendo estruturados para a eliminao de pessoas e para produzir mais perdedores do que vencedores, os jogos tornaram -se um espao de tenso e iluso. Se fizermos um balano de nossa s experincias de jogar, na escola ou fora dela, verificaremos que pendem muito para o lado dos Jogos Competitivos. Nem sempre os programas de Educao Fsica, Esporte ou Recreao, do nfase a atividades que promovam interaes que

73

colaborem para que a competio deixe de ser um comportamento condicionado e para que se perceba outras formas de jogar e de se relacionar com os outros, com a natureza e consigo mesmo.

Os Jogos Cooperativos foram criados com o objetivo de promover, atravs das brincadeiras e jogos, a auto-estima, juntamente com o desenvolvimento de habilidades interpessoais positivas. E muitos deles, so dirigidos para a preveno de problemas sociais, antes de se tornarem problemas reais. A esse respeito, Orlick (1989, p. 04), comenta queapesar de Jogos Cooperativos existirem em muitas culturas h sculos, em nossa cultura ocidental existem poucos jogos que so desenhados de forma a unir os jogadores em direo a uma meta comum e desejvel a todos.

Nesse sentido, resgatar, recriar e dif undir os Jogos Cooperativos, um exerccio de potencializao de valores e atitudes essenciais, capazes de favorecer o desenvolvimento da sociedade humana como um todo integrado. Uma sociedade nem ideal, nem normal, no uma vida sem conflitos, problemas e aspiraes, mas sim, uma Comum -Unidade Real, com Seres Humanos, dispostos a lidar com conflitos e objetivos, de um modo diferente. Baseado no respeito e confiana mtua, no reconhecimento da

importncia de todos e focando o bem -estar comum, podemos se r uma sociedade altamente competente (que diferente de extremamente

74

competitiva) para lidar positivamente com as crises, atuais e futuras, e encontrar, partir delas, os diferentes caminhos para uma melhor qualidade de vida, para todos.

2. Os primeiros movimentos.Jogos Cooperativos no a nica e nem a melhor maneira para promover qualidade de vida e bem -estar. Tampouco, uma novidade, coisa recente ou alternativa apenas para uns e outros inadaptados ao status quo, mas algo que, conforme Orlick (1982, p. 04), comeou a milhares de anos atrs, quando membros das comunidades tribais se uniam para celebrar a vida . Alguns povos ancenstrais, como os Inuit (Alaska), Aborgenes

(Austrlia), Tasaday (Africa), Arapesh (Nova Guin), e os ndios norte americanos, entre outros, ainda praticam a vida cooperativamente. atravs da dana, do jogo e outros rituais, como por exemplo, a tradicional Corrida das Toras, dos ndios Kanela, no Brasil. De um modo ou de outro, a experincia do Jogo Cooperativo tem acompanhado nossa histria. Seria maravilhoso poder investigar

profundamente o assunto nessa perspectiva filogentica. Contudo, dada a delimitao deste estudo, reconheceremos a evoluo dos Jogos Cooperativos, tendo como referncias bsicas algumas pesquisas, publicaes e experincias, realizadas a partir da dcada de 50 no mundo ocidental e tambm, particularmente, no Brasil.

75

2.1. No Mundo Ocidental.Terry Orlick, publicou Pela em 1978, de o livro Winning e through da

Cooperation 13.

riqueza

informaes

amplitude

abordagem, essa obra reconhecida mundialmente como uma das principais fontes de inspirao para a compreenso dos Jogos

Cooperativos e para a produo de novas pesquisas e trabalhos sobre o assunto. Nesse importante estudo, apresenta, entre outros, alguns dos Pioneiros no desenvolvimento de Jogos Cooperativos. Vejamos, a seguir, alguns dos mais destacados precursores, citados por Orlick e tambm, alguns outros, includos por ns, como resultado de outras investigaes:

(1950) - Ted Lentz, no apenas atuou na linha de frente do movimento de pesquisas para a paz, em meados da dcada de 50, como foi tambm um pioneiro na rea dos jogos cooperativos. Ele e Ruth Cornelius apresentaram algumas importantes estruturas de jogos cooperativos, descrito s num manual intitulado All together.

(1972) - Jim Deacove, de Perth, Ontrio -Canad, inventou Jogos Cooperativos realmente inovadores. Para ele os jogos no precisam ser de conflito e podem envolver valores positivos e atitudes de ajuda aos outros. Os jogos de salo ou de tabuleiro podem tambm ser reformulados para incentivar a cooperao e o esprito de ajuda.

13

Editado em portugus como Vencendo a competio, So Paulo: Circulo do Livro, 1989

76

A abordagem bsica de todos os jogos de Deacove completamente diferente da dos outros jogos encontrados no comrcio. Estimulam o esprito de cooperao e a idia de vencer em conjunto.

(1973) - A Fundao para os Novos Jogos (New Games Foundation), sediada em San Francisco, outro grupo pioneiro que se dedica conquista do prazer de jogar. O primeiro Torneio de Novos Jogos , foi realizado na Califrnia, em 1973.

(1974) - David Earl Platts, Mary Inglis, Joy Drake e Alexis Edwards, como membros do Departamento de Educao, da

Findhorn Foundation, criada em 1962, na Esccia, desenvolveram um mtodo para promover a confiana pessoal e grupa l, totalmente baseado em jogos. Esse mtodo, chamado Descoberta Grupal, influenciou os estudos e trabalhos de muitas pessoas no mundo inteiro, particularmente, os de Terry Orlick, Andrew Fluegelman e Dale LeFevre, que difundiram a idia e so citados nes ta

dissertao.

(1975) - Jack Coberly, um professor de percepo motora da South Bay School, Eureka, Califrnia -EUA, tinha seu programa baseado no sucesso: Onde as crianas tm uma chance de ter sucesso em cada tarefa que recebem (Orlick, 1989, p. 157) .

(1975) - Dan Davis, diretor de recreao e desenvolvimento de

77

coordenao

motora

lenta

da

Benhaven

School,

New

Haven,

Connecticut, usava atividades cooperativas com crianas que tinham problemas especiais.

(1976) - Marta Harrison, e os membros do Com it Amigos da Paz e outras pessoas que contriburam para o livreto For the fun of it, criaram excelentes jogos cooperativos.

(1976) - Andrew Fluegelman, escreveu o New Games Book (Livro de Novos Jogos), registrando uma srie de jogos (cooperativo s e

competitivos) realizados durante os trs primeiros Torneios de Novos Jogos da New Games Foundation.

(1987) O Educador Popular venezuelano, Guillermo Brown , atravs da Guarura Ediciones, publica o primeiro livro sobre Jogo s Cooperativos na Amrica L atina, intitulado: Qu tal si jugamos?.

Estes foram alguns dos primeiros passos para a sistematizao do conhecimento e experincias em Jogos Cooperativos. Desde ento, muitos estudos e trabalhos vm se realizando no mundo inteiro, demonstrando que a pr oposta de Jogos Cooperativos vai muito alm de um simples conjunto de atividades alternativas.

2.2. No Brasil.

78

Impulsionado pelo movimento mundial, acima citado, a partir de 1980, algumas aes localizadas comearam a integrar os Jogos Cooperativos no Brasil. Atualmente, existe uma ampla e significativa difuso dessa proposta em nosso pas, influenciando reflexes e transformaes em diferentes seguimentos da sociedade brasileira, especialmente, na Formao de Educadores e de Gestores Organizacionais. Um dos indicadores da insero dos Jogos Cooperativos no cenrio nacional, a presena desse tema dentro dos programas de graduao e ps-graduao em Educao Fsica, como por exemplo, a incluso dos Jogos Cooperativos no curso de ps -graduao latu sensu em Esporte Educacional, da Faculdade de Educao Fsica da Universidade de Braslia/UNB, desde 1998, e como uma disciplina do currculo da Faculdade de Educao Fsica da UNIMES, em Santos -SP (FEFIS) partir do ano 2000. Nesse contexto, tambm tem -se observado o crescimento do interesse em pesquisar e produzir, acadmica e cientificamente, sobre o assunto. Em breve, poderemos desfrutar de um conjunto bem mais amplo de monografias, dissertaes e teses, do que aquele que temos disponvel at este momento. Por trs da presena dos Jogos Cooperativos em diferentes setores e dimenses da vida nacional, existe