Johannes Chberger - História da filosofia na idade média

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2012 JOHANNES CHBERGER Fonte: Ed. Herder 25/1/2012 HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA

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2012HISTRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MDIA

JOHANNES CHBERGER Fonte: Ed. Herder25/1/2012

HISTRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MDIA

JOHANNES HIRSCHBERGER Traduo: Alexandre Correia

Fonte: Ed. Herder

NDICE

PROLEGMENOS................................................................................................................................04 CAPTULO I A FILOSOFIA PATRSTICA........................................................................................09 1 O CRISTIANISMO NASCENTE E A FILOSOFIA ANTIGA...........................................................09 2 OS COMEOS DA FILOSOFIA PATRSTICA.............................................................................16 3 AGOSTINHO: O MESTRE DO OCIDENTE..............................................................................25 4 BOCIO: O LTIMO ROMANO..............................................................................................47

5 DIONSIO PSEUDO-AREOPAGITA............................................................................................56 6 FIM DA PATRSTICA....................................................................................................................60 CAPTULO II - A FILOSOFIA ESCOLSTICA....................................................................................62 GENERALIDADES...............................................................................................................................62 I. A PRIMITIVA ESCOLSTICA......................................................................................................65

1 ORIGENS......................................................................................................................................65 2 ANSELMO DE CANTURIA: O PAI DA ESCOLSTICA.....................................................67 MEDIEVAL..................................................................70 MEDIEVAL...........................................................76

3 PEDRO ABELARDO: SUBJETIVISMO

4 A ESCOLA CARNOTENSE: HUMANISMO

5 A MSTICA ...................................................................................................................................78 II. A. B. A ALTA ESCOLSTICA: INTRODUO AS NOVAS TENDNCIAS..................................79 A RECEPO ARISTOTLICA...................................................................................................80 AS UNIVERSIDADES..................................................................................................................86

C. AS ORDENS...................................................................................................................................86 1 A ESCOLA OXONIENSE MATEMTICA E CINCIAS NATURAIS.....................................87

2 A ANTIGA ESCOLA FRANCISCANA: OS REPRESENTANTES DO AGOSTINISMO....41 3 ALBERTO MAGNO: O

DOCTOR

UNIVERSALIS................................................................95

4 TOMS DE AQUINO................................................................................................................99 5 ARTISTAS E AVERROSTAS: O OUTRO ARISTTELES..................................................134

6 A ESCOLA FRANCISCANA MAIS RECENTE: DOUTRINAS ANTIGAS E NOVAS...........138 7 O MESTRE ECHARDO: MSTICA E ESCOLSTICA............................................................144 III. A ESCOLSTICA POSTERIOR.................................................................................................151

1 OCKHAM E O OCKHAMISMO.....................................................................................................151 2 NICOLAU DE CUSA: IDADE MDIA E IDADE MODERNA......................................................157 REFERNCIA.....................................................................................................................................169

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PROLEGMENOS a) Conceito da filosofia medieval

a) Temporal O que seja a filosofia da Idade Mdia poderia simplesmente determin-lo, como o pensamento filosfico ocidental que ocupa o espao de tempo entre o fim do mundo antigo, fixado na queda do Imprio Romano do ocidente (476), e o comeo dos chamados tempos modernos, cujo incio se costuma estabelecer a partir da conquista de Constantinopla (1453) ou do princpio da Reforma (1517). Dse filosofia da Idade Mdia muitas vezes a denominao pura e simples de filosofia escolstica. A escolstica propriamente dita comea porm no sc. nono; a poca anterior a da lenta preparao da filosofia escolstica pelo pensamento dos Padres da Igreja. Assim, dividiremos a filosofia da Idade Mdia em dois grandes perodos a filosofia patrstica e a filosofia escolstica. ) Quanto ao contedo. Se quisermos caracterizar a filosofia medieval por dentro, no correspondente sua essncia espiritual, ento podemos design-la como o pensamento filosfico do ocidente que, desde Agostinho e, mais particularmente, desde Anselmo de Canturia, obedece ao motto: saber para crer, crer para poder saber: intellige ut credas, crede ut intelligas (AUgustinus, Serni. 43, c. 7 n. 9). A filosofia, que em si mesma tem por objeto tratar dos grandes problemas do mundo, do homem e de Deus, s com as foras da razo, une-se neste perodo com a f religiosa, e esta com aquela, fenmeno este que, demais, neste perodo de tempo, tambm caracterstico da filosofia rabe e judaica. A unio da f e da cincia, no pensamento do homem medieval cristo, se entende, no pressuposto de uma unidade ideolgica.. Nela repousa o esprito de toda esta poca e nela nada h de mais significativo do que exatamente essa unidade espiritual. Como nunca, em nenhum perodo da histria do pensamento ocidental, todo um mundo que vive na certeza da existncia de Deus, da sua sabedoria, poder e bondade. Sabe com segurana a origem do inundo e sua ordem cheia de sentido; a essncia do homem e a sua posio no cosmos, a significao da sua vida, as possibilidades do seu esprito para conhecer o ser do mundo e a estrutura da prpria existncia; a sua dignidade, liberdade e imortalidade; os fundamentos do direito, a ordenao do poder do Estado e o sentido da histria. Unidade e ordem so os sinais do tempo. Enquanto nos tempos modernos se indaga sobre a possibilidade da ordem e da lei e como podem subsis-

tir, na poca medieval a ordem algo de evidente e a nossa tarefa apenas a de reconhec-la. Aps alguns passos incertos, no comeo da patrstica, a Idade Mdia encontrou suas linhas de direo, que conservou at o seu final. No h dvida que foi. religio crist que se deve esta grandiosa verdade. Jamais foi to verdadeiro, como nessa poca, o dito que "a religio realizou a ordem mais estvel e rica de contedo e s com o auxlio da razo, no por meio de prescries diretas, mas mediante homens de f, revestidos de seriedade e constncia." (K. JaspeRs). ) Filosofia ou Teologia? Muitas vezes porm se veio perguntar se ento ainda se trata de pura filosofia, quando o logos j no o nico a dominar, deixando-se assim guiar pela religio. Pois ento, neste consrcio, tudo j de antemo teria sido feito de encomenda, como se repete freqentemente. A filosofia j no teria que resolver os seus problemas prprios, pois j esto eles resolvidos pela f. A filosofia teria que desenvolver-se no terreno da f. baseado na f que o filsofo deve operar e, de ordinrio, tem o pensamento filosfico de servir ao patrimnio da crena fundando-o, defendendo-o, explicando-o, aplicando-lhe cientificamente a anlise e a sntese. "A filosofia serva da teologia", conforme soam as palavras tantas vezes citadas de Pedro Damio, para caracterizar essa poca. Em suma, uma filosofia no isenta de "preconceitos", sendo por isso mesmo que parece duvidoso tenha existido verdadeira filosofia na Idade Mdia. ) Vida filosfica. Este modo de ver julga e discute algo superficialmente. Radica-se num tempo em que se via na Idade Mdia apenas a "idade das trevas". Ento a histria da filosofia no tinha muitas notcias sobre essa poca. Hoje sabemos, depois das investigaes de DeniEle, Ehrle, Bauemker, M. De WUlf.

Grabmann, MaNdoNNet, Gilson e outros, que as realizaes filosficas da Idade. Mdia eram muito mais compreensivas, vivas e tambm individuais do que se poderia supor. Em lugar de a gente deixar-se levar por apreciaes superficiais, seria melhor examinar as fontes impressas e no impressas e para logo haveramos de ver que a Idade Mdia conhecia muito bem, de um ponto de vista e com mtodos puramente filosficos, os problemas essencialmente filosficos. ) Liberdade espiritual. Alm disso um fato, que tambm para os homens medievais era, em princpio, livre o pensar e o investigar. Inocncio III, questo de um crente, fundado em melhor conhecimento da situao, se se pode desobedecer ordem do superior, dirigindo-se pela sua convico e liberdade, respon-

deu: "Tudo o que no se ajusta convico pessoal pecado (Rom. 14, 23); e o que se faz contra a conscincia edificao para o inferno. No se pode obedecer a um juiz contrariamente lei de Deus; antes prefervel deixar-se excomungar", A deciso do Papa foi incorporada legislao da Igreja (Corp. Iur. Can. II, 26S, cf. Richter-Friedberg). Nesse sentido Toms de Aquino, e com ele um sem-nmero de outros escolsticos, ensinou que um excomungado, em virtude de erradas pressuposies, deve antes morrer nessa condenao, do que obedecer a uma prescrio do superior, errada, segundo o seu conhecimento do caso, "pois isso seria contra a veracidade pessoal" (contra veritatem vitae), que no se pode abandonar mesmo para evitar um escndalo possvel (In IV Sent. dist. 38. exps. text. in fine). Isto porm no nada de espantoso, sendo apenas uma aplicao da velha doutrina sobre a conscincia errnea, a que devemos sempre obedecer, doutrina que em princpio vem sancionar a liberdade pessoal. ) "Ausncia de pressuposies". Se porm o homem medieval no fez grande uso da sua liberdade; se ele de fato e largamente seguiu as pressuposies da sua mundividncia e da opinio pblica, isso no se deu por ter-se curvado a uma coero externa, mas porque no considerava como pressuposto o que hoje nos aparece como tal. O seu aprisiona-mento nas "funes" de natureza cosmovisional e religiosa era na realidade uma preocupao. Censur-la por isso e apodar a sua filosofia de no genuna, seria compreensvel se hoje no padecssemos dessa carncia e, na verdade filosfica, fssemos isentos de preconceitos. Muitos assim o acreditaram de si prprios. Quando no primeiro tero do nosso sculo essa crena mesma foi acoimada de preconceito, o pndulo deslocou-se para o outro lado e a gente se entregou a tini universal relativismo, duvidando da possibilidade de vencer os preconceitos; chegando-se agora exatamente, fazendo da impotncia virtude, a aceit-los por fora do "carter". Condenar a Idade Mdia, com os preconceitos de no ser ela isenta de preconceitos", de todo em todo paradoxal; mas isso se faz. A verdade est no meio. Na realidade dos fatos nunca houve ausncia de preconceitos. Permaneceu essa ausncia contudo como um ideal a que devemos tender por amor da verdade. Ora esta tendncia existiu na filosofia medieval. Tambm ela quis sobrepujar toda auto-iluso e alcanar a verdade objetiva. Quem o conseguiu, melhor, ns ou os medievais, os tempos futuros podero julg-lo. Em todo caso a ocasio se nos oferece de ser cantos em no subestimar a Idade Mdia, pois cada

vez conhecemos melhor, que o homem moderno,-no seu pensar e sentir, muitas vezes mais medieval que a Idade Mdia. E tambm o filsofo moderno filho do seu tempo, caindo, em dadas ocasies, sob as rodas do destino, prescindindo-se completamente de que a histria da filosofia pode colocar cada filsofo no seu devido lugar e nem sempre por causa de razes extrnsecas ao momento transeunte. Isto se d igualmente com os filsofos medievais e por isso mesmo o seu pensar verdadeira filosofia. b) Significao da filosofia medieval

Todavia, a filosofia atual vive na idade moderna e se sente como algo distinto e realmente novo. Significa ainda a Idade Mdia alguma cousa? Certamente. No somente ela copiou os antigos cdices, conservando assim no apenas a cincia e a arte da antigidade, mas tambm assegurou nas suas escolas a continuidade da problemtica filosfica. A temtica to fundamental, p. ex., relativa substncia, causalidade, realidade, finalidade, universalidade e individualidade, sensibilidade e ao mundo fenomenal, ao entendimento e razo, alma e ao esprito, ao mundo e a Deus, no surge pela primeira vez e imediatamente, como provinda da antigidade, no humanismo e na Renascena, mas transmitida aos filsofos modernos pela Idade Mdia. No se pode ler Descartes, Espinosa, Leibniz, nem ainda Locke, Wolff e com eles tambm Kant, sem conhecer conceitos e problemas medievais. Mesmo onde a oposio se manifesta abertamente e se busca algo de novo, essa diversidade a inteligncia s pode apreend-la no seu ntimo, se se percebe como mesmo na anttese, de certo modo a posio antiga se faz sentir e at mesmo de maneira criadora. E finalmente a Idade Mdia em muitos aspectos modelar. Formalmente, pela acuidade e rigor lgicos com que conduz o pensamento, e pelo carter objetivo da sua concepo da cincia, pospondo sempre a pessoa realidade. Materialmente, pelo sadio entendimento dos homens, que o resguarda das extravagncias to tpicas da filosofia moderna, e f-la conservar uma linha que perdura durante sculos. No somente a sua doutrina do direito natural vive e viver num "eterno retorno"; tambm os seus filosofemas sobre a substncia, a realidade, a alma, a verdade, os direitos humanos, a essncia do Estado etc., conservam um valor imperecedouro, de modo que se pode caracterizar o patrimnio do pensamento medieval como a philosophia perennis.

Claro, no se pode mais voltar Idade Mdia como a um paraso perdido. e permanece passado. Mas de justia alimentar um sentimento de apreo para a eterna verdade nela existente e esforar-se a gente pela fazer manifestar-se sob novas formas, de acordo com as circunstncias diferentes. "Esperamos que, num mundo novo e na elaborao de um novo material, ho de ser ainda operantes aqueles princpios espirituais e eternas normas de que, nos seus melhores tempos, a cultura medieval nos oferece uma particular realizao histrica que, mesmo com os seus defeitos, de uma elevada grandeza, embora definitivamente passada" (.T. Maritain). c) Fontes

Grandes colees: Migne, Patrologia Oraeca (162 vols.) e Patrologia Latina (221 vols.). Die christlichen Schriftsteller der ersten drei Jahrhunderte(Os escritores cristos dos primeiros trs sculos), editados pela Academia de Cincias de Berlim. Gorpus scriptorum ecclesiasticorum latinorum ed. pela Academia das Cincias de Viena. M. De Wulf, Les philosophes Belges (15 vols.). Reithmayer-

Thlhofer, Bibliothek der Kirchenvter (Biblioteca dos Padres de Igreja) (80 vols.).

CAPTULO I A FILOSOFIA PATRSTICA 1 O CRISTIANISMO NASCENTE E A FILOSOFIA ANTIGA Quando o Cristianismo entrou em cena pretendeu ser ao mesmo tempo verdade terica e informao prtica da vida. "Eu sou o caminho, a verdade e a vida", declara o seu fundador. A verdade considerada como algo de absoluto e eterno, porque verdade no somente humana mas tambm divina revelada. "O cu e a terra passaro, mas as minhas palavras no passaro". tambm a informao da vida, o "caminho e a vida" algo de absolutamente certo, conduz seguramente "salvao". Com uma tal segurana no estava habituada a filosofia antiga. No se apresentava ela como a encarnao do Logos e da eterna sabedoria mesmo, mas queria ser apenas amor da sabedoria. A verdade porm ela j queria oferec-la e

tambm pretendia a direo dos homens; isso o foi ela desde o comeo e particularmente na poca helenstica, quando o antigo mito se desvaneceu e a filosofia tinha que cuidar das almas, para substitu-lo. Desta atitude, parte idntica e parte diversa, deste encontrarem-se na busca do mesmo fim e diferirem na escolha dos meios e do caminho para o fim, resulta a posio do Cristianismo nascente relativamente filosofia antiga: ele a rejeita para de novo aceit-la. a) Paulo

J com PAULO assim. Comea rejeitando a "sabedoria deste mundo" para de novo aceit-la, chegando mesmo a apelar pra o seu testemunho em apoio do seu prprio sentir. 1 Cor. 1, 19 escreve: "Porque est escrito: Destruirei a sabedoria dos sbios e reprovarei a prudncia dos prudentes. Onde est o sbio? onde o doutor da lei onde o esquadrinhador deste sculo? Porventura no tem Deus convencido de estultcia a sabedoria deste mundo? Porque tanto os judeus pedem milagres, como os gregos buscam sabedoria; mas ns pregamos o Cristo crucificado, que um escndalo de fato para os judeus e uma estultcia para os gentios, Mas para os que tm sido chamados, assim judeus como gregos, pregamos a Cristo, virtude de Deus e sabedoria de Deus". E em Bom. 1, 19: "Porque o que se pode conhecer de Deus lhes manifesto a eles (aos pagos) porque Deus lho manifestou. Porque as cousas dele invisveis se vem depois, da criao do mundo, consideradas pelas obras que foram feitas." Com isto de novo se concedem razo natural os seus direitos. E no seu discurso no Arepago chega Paulo a citar filsofos gregos para provar sua tese crist (At. 17, 28). b) Os Padres a) Posio negativa. Esta atitude de novo se manifesta nos primeiros escritores cristos. JUSTINO o Mrtir sente-se insatisfeito com as velhas escolas dos filsofos: os esticos nada sabem de Deus, os peripatticos so vidos por dinheiro, os Pitagricos so excessivamente tericos, os platnicos demasiado ousados nas suas afirmaes. S para os cristos a verdade se realizou, que sabem morrer por ela. Mincio Flix v em Scrates um charlato e TeRtuLIano, em Plato, o pai de todas as heresias. Que tm que ver Atenas com Jerusalm, a Academia com a Igreja, os descrentes com os crentes, pergunta ele. TERTULIANO sobretudo alargou ao extremo o abismo entre a religio crist e a filosofia antiga, de modo que para ele f e cincia se opem diametralmente. N de carne Christi escreve o seguinte: "O Filho

de Deus crucificado: Ns no nos envergonhamos, porque vergonhoso; o Filho de Deus morreu: absolutamente crvel por ser isso inepto (prorsus credible quia ineptum est); e, sepulto, ressurgia: certo, porque impossvel". Estas palavras, que TertuliaNo alis pronunciou quando j no pertencia Igreja, mas seita montanista, formam o fundo ideal da conhecida expresso credo quia absurdum est", que, demais, sob esta forma, no um dito histrico, embora na realidade corresponda ao sentir de TERTULIANO. ) Posio positiva, Por outro lado JustiNo no se chama somente Mrtir mas tambm filsofo (philosophus et martir). fos. que freqentou ento os filso-

E isto por querer defender o Cristianismo. Como apologeta tinha ele que falar

de um terreno comum, que permanecia acessvel e cordial aos homens pagos, e este era a filosofia. ) Os apologetas. O mesmo se deu tambm com os outros apologetas: MinUcio Flix, Aristides, Atengoras, Lactncio e mesmo Tertuliano. Para remate, chegaram at a assumir o exterior da antiga filosofia, o manto dos filsofos, a pregao errante, a diatribe estico-cnica e suas formas, a cria e a apotegmtica, como tambm se tirou de bom grado proveito da antiga crtica do politesmo, j feita pelos esticos e epicuristas. ) Escola catequeta de Alexandria. Um segundo passo para a filosofia foi dado pela escola dos catequetas de Alexandria. Esta metrpole do helenismo cosmopolita j rompera, pelo seu (genius loci, todas as barreiras apertadas e estimulou todas as formas de sntese. Mas especialmente a tambm atuava a tradio filoniana com a sua tentativa de conciliar a religiosidade do Antigo Testamento com a filosofia grega. Neste esprito se movem os grandes representantes da escola catequtica alexandrina, Panteno, Clemente Alexandrino e Orgenes. do ltimo a seguinte comparao muitas vezes repetida nesta matria: como os filhos de Israel, _no seu xodo do Egito, levaram consigo os utenslios de ouro e de prata, do pas, assim tambm devia a F tomar posse da sabedoria do mundo e da filosofia. E Clemente se serve da frmula ainda mais clara para uma possvel relao entre a^ f e a cincia: a filosofia um presente da Providncia pela qual, os gregos deviam ser preparados para Cristo, de modo semelhante como deviam s-lo os. judeus pelo Antigo Testamento.

) Os capadcios. Um terceiro momento, que fazia inclinar-se a balana para uma postura positiva do Cristianismo em relao filosofia, , o expresso pela atitude dos trs grandes capadcios: Gregrio Nazianzeno, Baslio o Grande e Gregrio Nisseno, que praticamente manejam o grande instrumento da filosofia grega na sua exposio da doutrina crist; e Baslio escreveu mesmo um tratado prprio: "Aos jovens, para saberem tirar proveito da filosofia pag". ) S. Agostinho. A frmula definitiva no-la d S. Agostinho. O que os filsofos disseram de verdadeiro e conforme f assim pensa ele no s no o devemos repudiar, mas reclam-lo para o nosso uso prprio como de possuidores injustos, e isto em duplo sentido. Primeiro, porque bom educar formalmente o esprito para chegarmos a pensar e falar claro e bem. o ideal do distincte et ornate dicere, que tem em mente, de que Ccero um exemplo e de quem Agostinho tanto. aprendeu. Demais disso, a filosofia deve servir para fecundar os princpios especulativos da f,. i. , ajudar a compreender-lhe o sentido, a conexo, a estrutura, a sistemtica, os fundamentos e as conseqncias, de modo lgico-racional tanto quanto possvel. E ento a f vem a ser verdadeiramente uma f cientfica. E agora surge a expresso que, a partir deste momento, serviu deleitmotiv a toda a filosofia medieval: Intellige ut credas, crede ut intelligas. Isto , l no ntimo do ser para creres e cr para poderes atingir o ntimo, do ser! c) Conseqncias e problemas

A evoluo das relaes entre a religio e a filosofia, decidida finalmente pela posio de Agostinho em favor de. uma sntese positiva, foi de importncia capital at hoje para a histria do ocidente. Agora podia a f tornar-se teologia, o ensino das doutrinas sagradas, literatura; o Cristianismo, cultura. Seus representantes j no precisavam, viver num (gueto, mas podiam calcar o solo do frum, os auditrios das universidades, as sedes das.reunies dos parlamentos e dos ministrios. O Cristianismo tinha j dito sim ao mundo e j no queria convert-lo, pois o condenava. Mas a tenso interna com isso no desaparecia. A problemtica perdurava. Se o pensamento natural e a revelao sobrenatural so realmente algo de "diferente", poder haver entre eles algo de comum? A oposio latente irrompe sempre de novo com particular estridncia, entre os antidialticos e Pedro Damio, em muitos crculos de msticos, bem como entre os seus antpodas, os representantes de uma cultura e poltica autnomas; e, por ltimo, na teologia dialtica, onde a f de novo

surge a modo de paradoxo, como outrora com Tertuliano. No fundo, toda esta problemtica da espcie da que j encontramos na doutrina de Deus transcendente e que contudo, na qualidade de criador, pode ser conhecido por meio da criao. Ou na doutrina da imaterialidade da alma humana e que todavia a forma do corpo. Ou na do homem, submetido causalidade universal, devendo porm permanecer livre na sua vontade. E ento aqui se rasga de novo um dualismo e de novo pontes so lanadas. E nesta metdica do esprito, que deve fazer .sem omitir aquilo, est a profunda problemtica das cousas. d) Fontes dos Padres ..

Mas esse sim foi decisivo para a filosofia antiga. Nem todas as dissecaes de pensamento podiam se considerar igualmente como fontes para nelas a gente se abeberar. ) Cpticos e epicuristas. Quase despidas de valor eram as idias dos cpticos, e epicuristas. S ocasionalmente se lhes podiam aproveitar os argumentos contra o politesmo e a religio popular pag. ) Aristteles. Mas tambm o aristotelismo ficava de fato sem grande importncia para a patrstica, embora as irradiaes dele no fossem to fracas como antes se pensava. Em face da concepo bblica de Deus e da moral religiosa da patrstica, o conceito aristotlico de Deus era demasiado plido, e a tica de Aristteles nimiamente secular. Contudo, podemos rastrear influncias dos escritos da mocidade de Aristteles em Clemente Alexandrino, Baslio, Agostinho, Sinsio. E conceitos como os de essncia, substncia, natureza desempenham desde cedo um papel nas controvrsias trinitrias e cristolgicas. Mas j no fim da Patrstica, Joo Filopuno e Joo Damasceno se inspiram ex-professo no patrimnio de pensamentos aristotlicos. O primeiro escreveu comentrios e muitos tratados de Aristteles, que foram traduzidos para o siraco. E agora os nestorianos srios e os monofisistas defendiam com conceitos aristotlicos e no com vantagem para Aristteles, no pensar dos Padres a sua tese da coexistncia, em Cristo, de duas pessoas e duas naturezas, e, pois havendo para uma pessoa s uma natureza. ) O Estoicismo. De grande importncia, pelo contrrio, foi para o pensamento do Cristianismo nascente o estoicismo, diretamente par meio de Sneca e de Eptetos; indiretamente, pelos eclticos romanos, como Ccero e Varro. Ambrsio copia o tratado da Ccero De officiis, Clemente Alexandrino reproduz passos

inteiros de Musnio Rufo, Agostinho houve nos esticos conceitos muito fundamentais do seu pensamento, como a doutrina da lei eterna, das rationes seminales e da Cidade de Deus. O contacto com o estoicismo foi to estreito, a ponto de fazer nascer a legenda da correspondncia entre Paulo e Sneca. ) Plato. Como fontes de primeira ordem surgem os platnicos. "Ningum esta to perto de ns como estes", diz Agostinho, a-sua tica pura, sua abdicao do mundo, sua predileo pelo supra-sensvel, o mundo das Idias e a metafsica, a sua escatologia, a sua inquietude na busca de Deus deixam bem transparecer o sentimento da afinidade eletiva. Sobretudo a doutrina do alm foi do agrado dos Padres. Mas conceberam o do genuno platonismo no sentido acentuadamente realista da Bblia. "Esperamos um novo cu e uma nova terra onde habitar a justia" (2Petr. 3, 13). No fcil precisar at que ponto influram nos Padres diretamente as obras de Plato ou os seus pensamentos, hauridos quer em florilgios quer no patrimnio corrente das idias do tempo, onde havia muito tempo tinham penetrado; de modo que possvel haver uma influncia, mesmo quando no se pode pressentir uma determinada obra imediatamente ou cit-la. O mtodo histrico-literrio usual de ir assinalando as citaes no basta para se rastrearem as irradiaes do platonismo no pensamento e na terminologia metafsica e religiosa do helenismo. Pois Plato criou a linguagem hiertica para todos os tempos subseqentes e j por ai exerceu indiretamente enorme influncia (Reitzenstein). Contudo, Justino, Atengoras, Clemente Alexandrino, Orgenes, Eusbio Cesariense citam determinadamente lugares das vrias obras de Plato como a Repblica, o Fdon, o Fedro, o Grgias, a Apologia, o Crton, o Filebo, o Timeu, o Menexemo, o Crtilo, o Teeteto. o Sofista, as Leis, o Epinomis e as Epistolas. Metdio no somente cita, mas imita de muitos modos o Banqueta, e Gregrio Nisseno, igualmente, o Fdon.Jernimo censura os latinos por apenas terem conhecido algo de Plato. Contudo, se no o podiam ler em grego, era-lhes acessvel a traduo de Ccero ou de Calcdio. Agostinho cita

o Fdon, que leu porventura na traduo de Apuleio. Este bem podia ter-lhe fornecido, pelos seus escritos De deo Socratis e De dogmate Platonis o essencial da doutrina de Plato. ) Filo. O que particularmente acomodou o platonismo patrstica foi a obra de Filo Alexandrino. Inspirado na religio bblica, lanou vrias pontes para os esticos neopitagricos, sobretudo para o platonismo. "Os gregos dizem a respeito

dele que, ou Plato um Filo ou Filo um Plato, to grande a semelhana, entre eles, dos conceitos e das expresses" (Jernimo). sobretudo a especulao sobre o Logos a agitada por Filo. Assim, procede de Filo uma grande parte do platonismo de Clemente Alexandrino e de Orgenes. O ltimo sobretudo foi um ponto de confluncia da antiga sabedoria das mais variadas origens, mas principalmente do platonismo. Porfrio dele refere: "Plato era o seu companheiro inseparvel, as obras de Numnio e de Crnios, de Aplofanes, Longino e Moderato, de Nicmaco e dos homens clebres da escola neopitagrica, ele as manuseava continuamente. Tambm usou os livros do estico Quremon e de Cornuto. "Este platonismo de colorido filonico, estico e neopitagrico, por sua vez Orgenes o transmitiu a Baslio, Gregrio Nazianzeno, Gregrio Nisseno, Eusbio Cesariense e outros; e, entre os latinos, a Mrio Vitorino, Hilrio Pictaniense, Eusbio Vercelense, Rufino e, sobretudo Ambrsio, de quem Jernimo refere que estava cheio de reminiscncias de Orgenes. ) Mdio platonismo. Um acesso mais largo ao pensamento cristo abrem filosofia antiga os homens do chamado mdio platonismo: Plutarco de Queronia, Gaio, Apuleio, Albino, Mximo de Tiro, Numnio. ) Neoplatonismo. Dos seus e de outros princpios, desenvolveu-se o neoplatonismo, cujos aderentes proporcionam por sua vez valiosos auxlios filosofia patrstica. Lendo-se as Eneadas de Plotino fica-se admirado da consonncia de terminologia, e de todo o contedo de idias, sobretudo da afinidade com as concepes ticas, religiosas e msticas da vida e da ntima conexo com o esprito do Cristianismo. As Eneadasinfluem sobre Gregrio Nazianzeno, Gregrio Nisseno, Eusbio, Cirilo Alexandrino, em particular sobre Agostinho, que o leu na traduo de Mrio Vitorino. Ainda por muitos outros canais o neoplatonismo deflui para o Cristianismo: por PorFrIo, JmBLICo, Teodoreto de Ciro, Nemsio de Emesa, Cludio Mamerto, SiNsio Cirinense, Simplcio, MacrNio, . Marciano Capela, CalcDIo, Bocio e, mais que todos, por Dionsio Pseudo-areopagita, por cuja boca fala Proclo ao Cristianismo. Por fim, Joo Filopono e Joo Damasceno, que tambm agora valorizam Aristteles. ) Neopitagorismo. As influncias neoplatnicas freqentemente se entrelaam com correntes neopitagricas, como o caso de APolniO de TIAna, NUMnio, LonGino, MOderato, Nicmaco, de modo a ser muitas vezes difcil fixar com exatido as idias no seu lugar histrico.

e)

Sincretismo ?

Vivemos justamente na poca do sincretismo, e "em nenhuma parte foi maior a interpenetrao do que na histria espiritual dos dois primeiros sculos da nossa era" (Brhier). Exemplo disto oferece a palavra retrocitada de Jernimo sobre Orgenes, segundo a qual nele tudo converge, que se tratou aqui de distinguir. Todavia o pensamento cristo vai rasgando com. segurana o seu caminho. Pode-se aplicar inteira dependncia histrico-ideal da patrstica, em relao a filosofia grega, as palavras de Toms de Aquino sobre as relaes entre Agostinho e as doutrinas neoplatnicas: "Agostinho est cheio de doutrinas platnicas; o que ele acha se, apropria a si, se v que concorda com a f; mas se no concorda, adapta, melhorando" (S. Th. I, 84, 5). Bibliografia R. ARNOU, Platonisme des pres. Dict. thol. cath. Prmm, Der christliche Glaube und die alte heidnische Welt (1935) (A f crist e o antigo mundo pago). Do mesmo: Das Christentum als Neuhetserlebnis (1939) vncia moderna). (O Cristianismo como vi-

2 OS COMEOS DA FILOSOFIA PATRSTICA. Tratando-se de filosofia patrstica, no devemos, como outrora, pensar somente nas obras de filsofos que s foram filsofos. A filosofia da patrstica est antes contida nos tratados dos pastores de alma, pregadores, exegetas, telogos, apologetas que buscam antes de tudo a exposio da sua doutrina religiosa. Mas ao mesmo tempo, levados pela natureza das cousas e dada a ocasio, se pem a resolver problemas propriamente pertencentes filosofia; e ento, pela fora do assunto, versam a metodologia filosfica. Merecem aqui meno os seguintes nomes. Homens e obras 1. Entre os gregos. Aristides de Atenas com o seu escrito em defesa dos

cristos. Justino, filsofo e mrtir (f c. 165) com as suas duasApologias e o Dilogo com o Judeu Trifon; Clemente de Alexandria (f c. 215) que escreveu uma Exortao aos pagos (Protreptikos), uma Introduo ao Cristianismo (Paidagogos) e uma Obra enciclopdica da verdadeira filosofia (Stromateis); Orgenes ( 253) de cujas obras principalmente importante para a filosofia o De principiis e o escri-

to Contra. Celsum. Os trs capadcios: Gregrio Nazianzeno (f c. 390), de que temos sermes, cartas e poesias; Baslio o Grande (+ 379) que delineia, nas homilias sobre a obra dos seis dias, a formao crist do mundo; o seu irmo Gregrio Nisseno (+ 394) que na sua grande Catequese, no Dilogo com Macrina, nos ministra a sua doutrina sobre a alma e a ressurreio; e no livro sobre a criao do homem, a concernente a Deus, ao homem, alma e imortalidade. Alm destes, Nemsio de Emesa, que c. de 400 escreve uma Antropologia crist ( ), atribuda falsamente a Gregrio Nisseno. E finalmente os gnsticos cristos do 2. e 3. sculos, como Basilides, Valentino, Mani, Cerinto, Marcio, que intentam uma filosofia da f crist, mas nos quais tambm encontramos uma espcie de filosofia da vida e da existncia. 2. Entre os latinos, (Tertuliano (+ 213) combate a filosofia, mas a utiliza no

seu Apologeticum, no De praescriptione liereticorum e no tratado sobre a alma. Mincio Flix no Octavius (imediatamente anterior ou posterior ao Apologeticum de Tertuliano) defende o monotesmo cristo contra o politesmo pago; Arnbio se volta, em 303, igualmente com fundamentos filosficos contra, os pagos (Adversus gentes), fortemente influenciado por Clemente Alexandrino e o neoplatnico Cornlio Labeo. Lactncio, na obra De officio mundi, toda a estrutura filosfica, ministra um sem-nmeros de doutrinas anatmicas, fisiolgicas e psicolgicas. Um pouco posterior, o escritor de orientao neoplatnica, CalCdio (comeo do 4 sc.), com o seu Comentrio do Timeu, constitui at o sc. XII para a Idade Mdia uma das primeiras fontes da filosofia grega, pois encerra um difuso mostrurio de todas as doutrinas vivas entre os antigos: Plato e o neoplatonismo, teorias de Aristteles, Filo, Numnio, excertos de Crisipo, Cleantes, dos mdicos gregos, dos filsofos naturalistas jnicos, dos eleatas e dos atomistas pre-socrticos. Mrio Vtorino traduz, c. 350, ao lado de escritos platnicos, tambm as Categoria e o Perihermeneias de Aristteles, bem como o Isagogo de Porfrio. Macrbio com o seu Contentaria ao Sonho de Cipio (c. 400), transmite Idade Mdia a doutrina neoplatnica da emanao e outras teorias desse teor, como p. ex, a das relaes entre o bem e a luz; a de ser a priso da alma o corpo; a tarefa da sua libertao por via da purificao e da unio, na vita contemplativa. E finalmente Marciano Capela, no De nuptiis Mercurii et philologiae (c. 430) ministra Idade Mdia uma espcie de enciclopdia, que pereniza em particular a doutrina das sete artes liberais.

Bibliografia H. EiHl, Augustin und die Patristik (1923) (Agostinho e a Patrstica). Th. Klauser, Reallexikon fiir Antike und Christentum- (1942 ss.). B. Altan-

er,Patrologia (1944) (tr. esp. 1953). H. MeYer, Geschichte der abendlndischen Weltan-schauung, II (1947). P. Cayr, Prcis de Patrologie et dHistoire de Ia Theologie, 3 vols. J, Quarten, Patrology (1950 ss.). Os pontos temticos em torno dos quais, como centros de cristalizao, mais e mais se concentra a filosofia patrstica, so as relaes entre a f e a cincia, o conhecimento de Deus, a essncia e a agncia de Deus, o Logos, a criao, o homem, a alma, a ordem moral. a) F e cincia ) Antigas concepes. As relaes entre a f e a cincia constituem um problema antes axiolgico que lgico. A originalidade vital do Cristianismo, e em geral a sua posio fundamental como um novo estilo de vida, forosamente traria consigo, como fenmeno natural, a conseqncia de enfrentar-se com a cincia com tal entorno que ameaava absorv-la. A cincia apenas o comeo; a f porm propriamente o caminho e a perfeio. O Logos divino abrange o Logos filosfico, de modo que, como se disse muitas vezes, os cristos poderiam muito bem, e em sentido prprio, ser chamados filsofos (Justino). Pois exatamente, os cristos possuem a sabedoria por que anelavam em vo os filsofos pagos. E para realar ainda mais e exteriormente essa afirmao, cita-se a palavra d Filo, que os filsofos gregos tinham conhecido o Velho Testamento e Plato era um Moiss a falar grego. Como se. v, epistemolgica e teoreticamente, no h nenhuma diferena principal entre a f e a cincia. "Uma separao radical entre a f e a cincia estranha a toda a patrstica, assim como a Agostinho. .. No queriam tal separao; no a tinham como boa e, para a f crist, a consideravam simplesmente como impossvel" (H. Meyer). H apenas entre elas uma sensvel diferena de, grau, como a existente entre o perfeito e o imperfeito. Da conseqncia de, por um lado, ficar garantida a preeminncia da f revelada e, de outro, de no se excluir a possibilidade de uma futura cincia da f. Donde o poder constituir-se uma teologia negativa e outra, positiva. ) Concepo moderna. Aquela cortante separao lgica implicada nas palavras de Kant: "Assim, deveria eu excluir a cincia para dar lugar f, no se

oferecia aqui como objeto de reflexo. O homem interior no estava ainda cindido em duas partes: o racional e o irracional. A f, aqui, tambm pensamento, cum assensu cogitare, como dir Agostinho; mas um pensamento que se nutre em outras fontes. A problemtica filosfica moderna est j bem esboada, mas ainda fica excluda. S dentro da gnose, que a muitas luzes j apresenta traos modernos, tem-se a impresso de iniciar-se a oposio entre a cincia e a f! b) Conhecimento de Deus

Muito prxima est naturalmente a reflexo Sobre os fundamentos e as possibilidades do conhecimento de Deus. O moto, nesta matria, d Paulo, Rom. 1, 19, com a sua afirmao, que podemos conhecer a existncia de Deus, no somente pela f, mas tambm "pela natureza". A filosofia estica, com a sua doutrina dos conceitos bsicos universais, fornece, no caso, a necessria terminologia filosfica. . Justino a assume. Igualmente Clemente Alexandrino e tambm dos capadcios conhecem o sensus communis que, em face da ordem e da beleza do mundo, concebe como evidente a idia de um artfice divino como cansa dessa harmonia. Idias teleolgicas e causais conduzem assim a admitir a existncia de Deus. c) Essncia de Deus

No concernente essncia de Deus, se acentua desde, o comeo que melhor podemos conhecer a Deus afirmando o que ele no (teologia negativa) do que o que ele . Mas j desde, ento se filosofa sobre a possibilidade do emprego, relativamente a Deus, dos nossos conceitos hauridos no mundo da experincia. Temlhe a transcendncia e particularmente com olhos neoplatnicos, como o mostra Clemente afirmando a unidade de Deus, mas ao mesmo tempo" certificando que ele est para l do um e da unidade. A TeRtuLIano contudo se torna difcil representarse Deus de outro modo que no materialmente. ele certamente esprito; mas toda realidade no , pergunta ele com os esticos, em. ltima anlise de natureza material? Mesmo os maniqueus vem nele algo de material, algo como uma luz corprea, concepo de que participou Agostinho tambm, na sua mocidade. Mas j Orgenes arreda essas dificuldades, elucidando que Deus eterno no mutvel como o mundo dos corpos; que, esprito inextenso, no est colocado no espao e, portanto, indivisvel e no pode ser de natureza corprea. Para os capadcios a materialidade e transcendncia de Deus j doutrina pacfica e determinada minuciosamente. Muito cedo tambm se mostra, apesar da teologia negativa, u-

ma.srie de ensinamentos mais largamente fundamentados sobre o conhecimento da unicidade de Deus, da sua eternidade, seu carter de ser absoluto, da sua infinidade e onipotncia. E por ltimo j nota Orgenes que em Deus nada pode haver de odioso, injusto e mau; nem nada que encontre a natureza, mas o que a ultrapasse. d) Criao

Um problema particular e especificamente cristo o do conceito de criao. Cobra ele atualidade com o relato bblico da criao. Como devemos form-lo com acerto, filosoficamente? ) Idia. Clemente considera, de novo sob influncia platnica, que a criao implica fundamentalmente idias exemplares e significa a realizao de um mundus intelligi-bilis. Mas diferentemente do modo por que o faziam Plato e o neoplatonismo, introduz, de acordo cora a Bblia, a idia da criao do nada, criao realizada no tempo por fora de um ato da vontade divina. ) Tempo. Mas exatamente este momento temporal acarreta dificuldades e estas, vacilaes. Ora, admite-se uma criao eterna, mas no concernente apenas ao ato de vontade, ao passo que a-/sua realizao se d no tempo (Clemente). Ora, no somente o ato de vontade, mas o mundo, em si mesmo, eterno no sentido que, sem cessar, se realizam novos mundos, a se sucederem de eternidade para eternidade (OrgeNes), doutrina visivelmente influenciada por Aristteles. Outras vezes se ensina que o tempo comeou com este nosso mundo visvel, sendo porm o ato da criao em si mesmo atemporal, porque no se pode fazer comear sempre o tempo no tempo, sob pena de ir-se ao infinito (Baslio). ) O nada. Mas nenhuma dvida h a respeito da criao, do nada. J Orgenes avana nesta doutrina a ponto de dizer, que a criao no tempo h de admitir-se em oposio atitude habitual de toda a filosofia grega, introduzindo assim um filosofema especfico e permanente para todo o pensamento cristo. ) Criao simultnea. tpica tambm a idia da criao simultnea, pela qual, no obstante a narrativa bblica da obra dos seis dias, o mundo foi criado de nina vez na totalidade da sua riqueza de formas. Esta convico devia por si mesma casar-se com a morfologia idealista implicada no platonismo e na sua doutrina da eternidade das formas. De acordo com esta, o devir e a evoluo no consistem propriamente no nascimento de novos seres, mas somente na realizao de formas preexistentes. E tais ensinamentos se encontram assinaladamente em Clemente,

Orgenes, Baslio, Gregrio Nisseno e Agostinho e nos pensadores particularmente aparentados com o platonismo. ) Logos

Conexa com a doutrina da criao anda sempre neste tempo a idia do Logos. Todo mundo falava ento do Logos, de modo que se tornou ele um tpico obrigatrio. J foi assim na filosofia paga; Filo corroborou e consagrou essa moda; e desde que JOO Evangelista, com a sua mensagem do Filho de Deus, habituou o mundo helnico com esse conceito, essa idia ficou como sancionada. So, na essncia, os pensamentos seguintes os que andam ligados ao conceito do Logos. ) Logos e Deus. Primeiro, o Logos a suma das Idias com que Deus a si mesmo se pensa. J em Filo as Idias, que. no mundo genuno da filosofia platnica eram um mundo objetivo de verdades impessoais subsistentes por si mesmas, se convertem na idia de um Deus pessoal. Agora refletem a inteira essncia divina, onde reside a origem delas. O Logos a eterna sabedoria de Deus, na qual ele a si mesmo., se pensa, o verbo que ele a si mesmo se fala, sendo por isso um Filho de Deus no qual de algum modo se projeta a si mesmo. ) Logos e Mundo. Mas o Logos est em relaes tambm com a criao, da qual o modelo primeiro, a ordem e a lei estrutural. Assim como no Timeu o mundo foi feito pelo demiurgo, contemplando as Idias eternas, assim tambm aqui tudo o criado o foi pelo Logos. Tudo o que no mundo esprito e lei procede dele. Da o no ser o mundo totalmente estranho a Deus; ao contrrio, uma irradiao de Deus e podemos apenas explic-lo como seu vestgio e um caminho para Ele. O Logos uma ponte lanada sobre o abismo, entre o mundo e Deus, como j pretendiam s-lo os seres intermedirios neoplatnicos. ) Logos e Homem. Num terceiro ponto de vista o Logos importante para o homem. tambm para ele o modelo ideal-espiritual, a medida tica do dever, que eleva o homem sobre o puramente natural e demasiado humano e o une com Deus. Todas as doutrinas posteriores do divino no homem, sobre a scintilla animae e a conscincia, como regra divina, j esto em substncia aqui preludiadas. ) Logos e Devir. E finalmente aqui fica a Idia-Logos, o ponto de apoio a uma teoria da evoluo. O contedo do Logos so as rationes seminalcs ( ), como j o tinham dito os esticos. Por isso, segundo Justino, j muitas verdades do Cristianismo preexistem na filosofia paga. No Cristianismo esses ger-

mes chegaram ao pleno desenvolvimento, mas no fundo existiram sempre, de modo que podemos tambm chamar cristo aos filsofos pagos, desempenhando assim de novo o Logos o seu papel unificador. Mas no somente na esfera histricoespiritual, seno em todo o mbito da evoluo, atua o Logos como esboo do processo. "Ele encerra em si os comeos, as formas e as ordens de todas as criaturas", diz Orgenes (De princ. I, 22). B como o Logos para ele no seno a segunda Pessoa divina, conclui-se que j Orgenes tinha lanado as bases para a clebre doutrina da Lex aeterna, que, atravs de Agostinho, veio a constituir um patrimnio comum do pensamento cristo. f) O Homem

Especial ateno dedica ao homem a filosofia patrstica. Nemsio (De nat. hom. c. 532, Migne, P. G. 40) resume num sucinto Panegrico oessencial. ) Ser rgio. O homem uma criatura regia. Na escala dos seres, que Gregrio Nisseno e Nemsio concebem esquematicamente ocupa o homem o lugar supremo, nos reinos dos corpos inanimados, das plantas e dos animais. S

os anjos o sobrepujam. O homem completa o mundo visvel, porque resume tudo o que lhe inferior e assim constitui um microcosmo. Criado imagem divina, em conseqncia de participar do Logos, aparentado com Deus. E assim de certo modo e por si mesmo pode compreender a essncia divina, principalmente quando se liberta da carne e vive de todo pelo esprito. ) Ser mdio. Ele tem contacto com um mundo superior, sendo um meiotrmo entre o sensvel e o espiritual. Mas igualmente considerada a sua posio mdia entre o bem e o mal. O homem pode escolher entre o mundo terrestresensvel e o espiritual supra-sensvel, de modo a afundir-se no terrestre ou tornar-se "homem celeste". y) Liberdade. Por isso mesmo livre (), dotado de autodeterminao e em si no est submetido a nenhuma fora estranha. O poder haver abuso da liberdade, quando inclinada ao mal, Orgenes, e com ele Gregrio NissEno, o explica pelo seu carter de criatura. Enquanto Deus tem o ser de si mesmo e, portanto, necessrio e imutvel, as criaturas comearam e, logo, so mutveis. Na mutabilidade fundada na contingncia da criatura temos a explicao do fundamento metafsico do mal. Claramente inspirado na Bblia a doutrina sempre repetida,

desde Orgenes, que a mortalidade do homem e tambm a sua concupiscncia so conseqncias do pecado. g) A Alma ) Essncia. O que sobretudo interessa no homem a alma. O homem mesmo, para a patrstica, e antes de tudo, alma. Mas que a alma? ) Corpo ou Esprito? TertuliaNo ainda tinha dificuldades de conceb-la como diferente do corpo, embora de mais sutil qualidade. Decisivas para este modo de ver eram reminiscncias esticas e, com ela, a reflexo sobre o como da agncia da sensibilidade, que de natureza corprea, sobre a alma. Mas j para Orgenes claro de todo que alma esprito e aparentada com Deus. E Gregrio Nisseno prova j a imaterialidade da alma fundado na capacidade que tem o homem de pensar e raciocinar, atividades espirituais conducentes portanto concluso, que a sede dessa atividade, o NOUS, deve ser imaterial. ) Substncia ou Forma? Mais acentuadamente que na filosofia grega, se afirma a unidade, a individualidade e a substancialidade da alma. "Alma uma substncia criada, viva, inteligente, causa da faculdade vital e sensvel do corpo, dotado de sensibilidade, enquanto houver para isso uma natureza correspondente" (Gregrio Nisseno, Macr., 29 B). Por isso Nemsio se ope diviso da alma em partes vegetativa e sensitiva, que no passariam ento de potncias de uma alma intelectual, e no seriam o imediato princpio vital como pensam Plato e Aristteles. Mas alm disso rejeita a concepo aristotlica da alma como entelquia, que a reduziria a uma simples qualidade ou forma do corpo, deixando de ser algo de independente e existente por si (De nat. h., 564). Aguda observao! L dentro do Perpato se tinha advertido Aristteles que ele no admitia uma alma substancial, como vimos. "Devemos confessar ao nosso crtico que, como nenhum outro pensador cristo, descobriu a fraqueza da concepo aristotlica da alma e sentiu a sua inconciliabilidade com a concepo crist" (Gilson-Bohner). Percebe-se claramente como, para o pensamento cristo, a alma mais que uma forma; e se posteriormente considerada a forma do corpo, esse conceito foi pensado de modo mais substancial do que o fez Aristteles. antes entendido na acepo do ; platnico, que s pode ser substncia. Seria digno de exame mais minucioso o saber-se como esta transformao do conceito de forma, em conexo com a doutrina da alma, veio exercer influncia na Idade Mdia.

) Corpo e Alma. Com a substancializao da alma cresce de porte a dificuldade de explicar a sua relao com o corpo. Como se poderia ento salvar a unidade? Quer-se evitar o dualismo de sabor platnico. J no se admite, como o faria ainda Orgenes, que a alma se uniu ao corpo como para expiao de um .pecado. Ora, tal pessimismo no se adapta doutrina crist, em virtude do qual tambm o corpo criatura de Deus. A alma no deve ter no corpo um como revestimento, pensa Nemsio, pois, de novo, isso comprometeria a verdadeira unidade. Mas se ele, na seqncia de Gregrio, considera o corpo um instrumento da alma e cr que a alma se serve do corpo como o amante, do amado, o dualismo ressurge. Doutrina de Plato e do jovem ARISTTELES. ) Origem. Particulares dificuldades oferecia a questo da origem da alma. Tateia-se aqui e acol na busca de uma soluo. Ora inclinam-se para o generacioismo e o traducionismo, pelos quais a alma gerada, pelos pais maneira de transmitentes (tradux) da sua vida (Tertuliano, Gregrio Nesseno). Ora se decidiam pelo criacionismo, pelo qual a alma diretamente criada per Deus (Clemente, Lactncio, Hilrio e a maioria dos Padres). Ora aceitava-se a preexistncia e conciliavase essa doutrina com o criacionismo, admitindo-se a criao eterna da alma (Orgenes, Nemsio). ) Imortalidade. Desde o princpio, a posio crist se pronunciou com firmeza e determinao, em face da filosofia antiga, no tocante imortalidade, considerando-a incondicionalmente com o individual, e no mais se contentando com o mero nous divino universal. h) Moral

Nenhures podia a sntese entre o helenismo e o cristianismo ser mais fcil do que na tica, onde platonismo e estoicismo se apresentam precisamente como degraus conducentes moral crist. ) O Bem. Plato quer o assemelhar-se com Deus, E igualmente o quer a prescrio: sede perfeitos como vosso Pai celeste perfeito. Ora, isso apegar-se imediatamente a um motivo platnico no fundamento filosfico da tica: o caminho do homem est preassinalado no Logos. Naturalmente agora o Logos divino. "No h nenhum outro Logos seno Cristo, o Verbo de Deus, existente junto do Padre e pelo qual tudo foi feito; e no h nenhuma outra vida seno o Filho de Deus, que diz: Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Orgenes). Clemente escreve que o

formalismo moral estico da "razo reta" no significa outra cousa mais que o Logos divino; a ordem da natureza qual temos de nos submeter. E quando Gregrio NissEno considera como a tarefa do homem participar de Deus, exemplar de todo o bem, o que possvel por abranger o esprito humano todos os bens, embora somente em imagem, assim como o sol se reflete num espelho, nisso j se torna irreconhecvel o platonismo. O quanto a filosofia estica contribuiu em particular, para a estruturao prtica da moral crist, bem conhecido. Que com o apelo natureza ou razo do homem a lei moral objetiva ainda no est firmemente estabelecida, j Lactncio o viu. ) A Conscincia. Podemos divisar na vida natural o bem moral s quando se trata da natureza melhorada, i. e, daquela que nos notificada pelo senso do valor e da conscincia. Mas isso implicava em chocar-se de novo com o estoicismo. J Epicteto conhece o conceito de conscincia (); tambm Filo; e Ccero introduziu o termo conscientia. Sneca usou muitas vezes desse vocbulo. Tambm Paulo recebe da filosofia popular estica, a idia. E agora, sob a influncia dessas inspiraes, concedido pelos Padres da Igreja conscincia moral um lugar predominante. Ela a expresso subjetiva da lei natural objetiva e por a, ao mesmo tempo, um ditame divino. "Em todas as cousas eu me aconselho com a. razo e o juzo de Deus. Por ele sou muitas vezes condenado, ainda quando ningum me acusa; e sou absolvido quando muitos me condenam. A este tribunal, cuja sede est em o nosso ntimo, ningum pode escapar; devemos respeit-lo para assim trilhar o reto caminho da vida" (Gregrio Nazianzeno). 3 AGOSTINHO: O MESTRE DO OCIDENTE Agostinho a patrstica. "A Influncia patrstica na filosofia medieval coexiste com sobrevivncia e o continuado influxo de Agostinho na Idade Mdia" (GrabmanN). Que pode chamar-se o mestre do ocidente mostra-o o fato da sua influncia ainda para alm da Idade Mdia. uma das colunas da filosofia crist de todos os tempos. "Com Agostinho chegamos ao ponto culminante da patrstica e talvez de toda a filosofia crist" (Gilson-Bohner). Vida Mais que para qualquer outro, para Agostinho o natural humano importante para a compreenso do seu pensamento. A cada passo se lhe trai o temperamento

do sangue pnico, a tenacidade da sua vontade romana e, mais que tudo, a grandeza do seu corao a que nada de humano estranho, mas que nunca fica encerrado em limites puramente humanos. Agostinho nasceu em 354 em Tagaste, no Norte da frica, filho de pai pago e de me crist. De acordo com o esprito e os costumes do seu tempo, passa uma juventude movimentada. Mas. enquanto estudava Retrica em Cartago, conta-nos ele mais tarde, (Conf. III, 4) "caa-me nas mos o livro de um certo Ccero, com o ttulo de Hortensius e com o convite a entregar-se filosofia. O livro transformou as tendncias do meu corao, dirigiu para ti, Senhor, as minhas oraes e modificou as minhas aspiraes e os meus desejos. Repentinamente se me esvaeceram todas as esperanas vs, com um incrvel ardor de corao anelava por uma sabedoria imortal e comecei a me elevar para converter-me para ti Como ardia eu, Deus meu, como eu ardia por abandonar as cousas terrenas e refugiar-me em ti, pois est escrito: "Contigo est a sabedoria". Ora, amor da sabedoria o significado da palavra grega filosofia. Aquele livro inflamou-me o corao no teu desejo." Mas ainda em Cartago, depois de ter-se libertado do maniquesmo, no conseguia encontrar uma nova e fixa posio, cedendo ao cepticismo representado por Ccero e pela Nova Academia. Mas quando chegou a Milo, passando pela cidade de Roma onde professa a Retrica permanece retor durante toda a sua vida e no se deve esquecer essa circunstncia para se lhe interpretar as expresses trava conhecimento com os escritos dos platnicos!, vem-lhe a idia que, alm do mundo corpreo, h um mundo ideal e compreende, . contrariamente ao pensamento dos maniqueus, que Deus em particular deve ser incorpreo. E quando, por influncia da pregao de Ambrsio, trava conhecimento de mais perto com a espiritualidade do Cristianismo, passa por uma radical transformao interna. Retira-se agora (386) com alguns amigos a uma herdade Cassiciaco perto de Milo, retoma as reflexes sobre o mundo do pensamento, lana por escrito os seus conhecimentos numa srie de obras, ordena a vida. e faz-se batizar por Ambrsio em 387. Um ano de-

pois volta para Tagaste e funda em sua casa uma espcie de claustro. Emprega todo o tempo com a atividade de escritor; sobretudo nas discusses espirituais com os maniqueus. ento que aparece o seu tratado da liberdade da vontade. Em 391 ordena-se sacerdote, e vem a ser bispo de Hipona em 395. quase inesgotvel sua fecundidade de escritor. Quando os vndalos lhe sitiaram bispado, ainda tem a

pena na mo. E depois da sua morte (430), quando ruiu o imprio romano- do- ocidente e dele no deixaram os vndalos seno runas, a sua obra sobrevive imortal, perene fonte de primeira ordem para o esprito filosfico e religioso do ocidente. Obras So as seguintes as suas obras mais importantes: Confessiones (c. 400), suas confisses. Contra Acadmicos (386), discusso com o cepticismo da Nova Academia. De beata vita (380) tratado do tradicional problema da felicida-

de. Soliloquia (386), versa em particular a f e a cincia.De libero arbtrio (388-95) sobre a liberdade da vontade e a origem do mal. De Trinitate (400-416), extensa obra sobre as relaes entre a revelao e a razo e ao mesmo tempo uma tentativa, com a ajuda de uma introspeco no esprito humano, para elucidar a Trindade divina. De civitate Dei (413 at 426), em 22 livros, sobre a cidade de Deus, obra principal de Agostinho, que contm suas consideraes sobre o imprio romano moribundo, ao mesmo tempo que a sua filosofia da histria. Edies: Dos Maurinos, 11 vols. (Paris, 1679-1700). Migne, P. L. 32-47. Vrias obras no Corp. script. eccl. lat. (1887 ss.). Oeuvres de Saint Augustin (Paris, Descle-Brouwer, 1936 ss.), muito manusevel com a trad. franc. excelentes introdues e notas. Publicou-se a. 1. das dez sries previstas, que compreende os Opusculos (12 vols. 1936-52). Obras de San Augustin, ed. em latim e castelhano preparada pelo P. V. Capnaga, 11 vols. publ. at 1953 (B. A. C. 1950 ss.), com extensa introduo, bibliografia, prlogos, ndices, notas etc. Bibliografia Gg. von Hertling, Augustin (1902). Poetali, artigo Augustin no Dict. Theol Cath. (1927). M. GrabmaNn, Der gttliche Grundmensehlichen Wahrheitser-

kenntnis nach Augustin und Thomas von Aquin (O fundamento divino do conhecimento humano da verdade segundo S. Agostinho e S. Toms de Aquino) (1924). Do mesmo: Die Grundgedanken des hl. Augustinus ber Seele und Gott (Idias fundamentais de S. Agostinho shre a alma e Deus) (1929). E. Gilson, Introduction letude de S. Augustin, 1929 [31949]. E. PkzywaRa, AugusTinus (1834, tr. esp. 1949). F. CaYr, Initiation Ia philosophie de St. Augustin (1947). mo: Dieu present dans Do mes-

la vie de lesprit (1951) ; faltam todavia trs vols. mais. Sciacca, SantAgostino (3 vols. 1951 ss.). zu Augustinus (1948). A. A Verdade

M. F.

H. ZiMmermann, Aufdem Wege

Histrica e sistematicamente considerada, a verdade o ponto de partida do pensamento agostiniano. Existe a verdade? Como a atingimos? Que ela? a) Existe a Verdade?

Quando Agostinho andou enredado nos erros do maniquesmo, comeou a duvidar em geral da verdade. No seria melhor abstermos-nos de afirmar, por no podermos atingir a certeza nos nossos conhecimentos, que talvez ela no existe, sendo assim melhor nos contentarmos com "opinies" de cuja relatividade temos idias claras? Pois no o ensinava assim a Nova Academia, com

seu cepticismo, e acaso tambm Ccero, que outra cousa no queria ser seno um magnus opinator? Agostinho se preocupou com a possibilidade da verdade absoluta, no somente nesta poca da sua vida, mas em todo o decurso dela: Contra acad. III, 11; Solil. II, 11; De beata vita, II, 7; De lib. arb. II, 3, 7; De vera rei, 39, 72; De Trin, X, 10; De civ. Dei, XI, 26. A sua soluo do problema tem um sabor todo moderno. No parte, como a filosofia antiga, das verdades

transcendentais, mas de fatos de evidncia imediata, dos dados da conscincia, como o far mais tarde Descartes. Do mundo exterior da conscincia podemos duvidar. Mas "quem duvidar que vive, lembra-se, entende, quer, pensa, conhece e julga? pois, se duvida, vive. se duvida, sabe que no sabe com certeza; se duvida, sabe que no pode dar o seu assentamento temerariamente.

ainda que duvide de tudo o mais, disto no deve duvidar; porque se essas cousas no existissem, seria impossvel a dvida" (De Trin., X, 10). Ou, mais concisamente (De civ. Dei, XI, 26): Se me engano, sei que existo, pois, se me engano que existo. E assim descobriu Agostinho um novo gnero de verdades: as verdades de conscincia; pensando desse modo venceu o cepticismo no seu princpio mesmo, pois temos aqui pelo menos o que aquele combate em geral. b) Idia da Verdade

Nesta matria Agostinho pressupe um determinado conceito de verdade: a verdade deve ser sempre necessria e eterna. Claro que isto s vale para as verdades de ordem ideal, como a que temos na afirmao que 7 + 3 = 10. Para quem

quer que tenha razo essa uma proposio de valor universal, declara ele (De lib. arb. II, 8, 21: hanc ergo incorruptibilem numeri veritatem dixi mihi et alicui ratiocinanti esse communem). Mas o caso diferente sobre o que a experincia nos ensina, fundada na percepo sensvel concreta, sobre tal ou tal corpo determinado. Aqui no sabemos se no futuro as cousas se passaro do mesmo modo. Como Plato no Mnon e no Teeteto, chega ele mesma concluso, no atinente s matemticas, sobre o conceito de verdade na ordem ideal. E assim Agostinho, no somente um precursor do cogito ergo sum cartesiano, mas anuncia tambm a teoria de Hume sobre o valor da percepo sensvel, e a distino de Leibniz, sobre verdades de fato e verdades de razo. c) Fonte da Verdade ) Experincia sensvel, Tocamos assim na questo da fonte da verdade. Percebemos desde logo que para Agostinho ela no pode estar na experincia sensvel. Primeiro, porque o mundo dos corpos mutvel; o dito de Herclito justificado no somente por Plato, mas tambm por Agostinho. Alm disso, deve a nossa alma emprestar algo de si mesma s percepes sensveis, para poderem estas vir existncia (dat enim eis formandis quiddam substantiae suae: De Trin. X, 5, 7). A alma no recebe passivamente as impresses dos sentidos, mas as submete sua atividade prpria (operationes, actiones: De mus. VI, 5, 10). A alma contm em si mesma regras para a sensibilidade e as idias (regulae, ideae), que lhes servem de medida, como se pode ver, p. ex., com a idia de unidade. A esta sempre recorremos para tornarmos possvel a percepo sensvel, mas ela no procede por abstrao da sensibilidade, porque o mundo dos corpos no oferece nenhuma unidade em sentido prprio, por ser todo corpo indefinidamente divisvel (De lib. arb. II, 8, 22). Por isso precisamos de conceber a unidade pois, do contrrio, no poderamos conceber nem pensar a multiplicidade. Donde vem o no ser suprflua a percepo sensvel, como j para Plato no o era. Mas a deciso sobre o valor necessrio e eterno da verdade no vem dela (1. c). ) O Esprito. Foi ento Agostinho levado a buscar outra fonte da verdade; achou-a no esprito do homem. "No procures fora! Volta-te para ti mesmo! No interior do homem que habita a verdade. E se achares que tambm a tua prpria natureza mutvel, ento transcende-te a ti mesmo" (De vera rei. cap. 39, n 72). Mas o que se deve agora entender por esprito? A funo a priori de Kant? Certo no; pois

"o entendimento no cria a verdade, mas a encontra" (De vera rel. cap., 39, n 73). Ou devemos aceitar as idias inatas de Plato ou de Descartes? Tambm no. pois, para Agostinho, o esprito no tem em si mesmo a sua razo de ser, mas est em permanente dependncia de um ser superior: "tudo quanto o entendimento acha ser verdadeiro no o deve a si mesmo (De serm. Domini in monte II, 9, 32). O Padre da Igreja tem antes uma opinio prpria. ) Teoria da iluminao. Pensa ele numa iluminao pela qual a verdade infundida ou irradiada no esprito por Deus. No se trata de nenhuma revelao sobrenatural, mas de um fato natural: Omnis anima rationalis etiam cupididate caecata. tamen cum cogitat e ratiocinatur, quidquid in ea raciocinatione verun, est. non ei tribuendum est, sed ipsi lumini veritatis, a quo vel tenuiter pro sui capacitate illustratur, ut verum aliquid in ratiocinando sentiat" (1. c). Mas que quer isto dizer? Quanto ao termo iluminao pode bem ter sido a Bblia que lha tenha oferecido, pois nela se denomina a Deus como a luz que ilumina todo homem que vem a este mundo. Mas tambm Plato, para quem a Idia do Bem , como a luz, a que torna visvel todas as verdades. E finalmente ainda, Plotino, como, em geral, a analogia da luz, do neoplatonismo. Porm no devemos por isso crer que Agostinho, irrealmente e s em virtude de convices religiosas recorre de um golpe a Deus, para a soluo do problema epistemolgico. antes aquela forma platnica de pensamento, que descobre sempre o perfeito atrs de todo imperfeito, que o move, levando-o a ver, por trs de todas as verdades particulares, que so apenas verdades parciais, a verdade absoluta, como Plato v, em todo bem particular, o Bem. Tambm Agostinho aceita as idias, regras e fundamentos eternos (ideae, formae, species, rationes aeternae, regulae), constitutivos e bases de todo ser de verdade. Mas, para ele, o esprito Immano no as possui como de si prprio, seno que pertencem a um fundamento ulterior e mais profundo, o esprito divino. Este forma ento o mundus intelligibilis. Em dependncia dele que elas movem o esprito humano por uma "iluminao" imediata,nulla natura interposita, como Agostinho se exprime (De mus. VI, 1, 1.). ) Interpretaes da teoria iluminacionista. ) Ontologismo. Mas o sentido da iluminao agostiniana tem sido muito discutido. Muitas expresses de Agostinho, p. ex., as que acabamos de citar, sabem a ontologismo. Isto , a doutrina pela qual a nossa razo v imediatamente as Idias no esprito de Deus, chegando-

nos assim a uma verdade necessria, imutvel, eterna (Malebranche, Gioberti, Ubaghs, Hessen). Mas se esta interpretao fosse exata, j no seria necessria nenhuma prova da existncia de Deus, o que Agostinho contudo expressamente requer. E tambm o conhecimento sensvel seria intil, cousa a que entretanto Agostinho recorre: "Mas o nosso esprito no capaz de ver estas cousas em Deus, o eterno e primeiro fundamento delas: in ipsis rationibus quibns faeta sunt (De Gen.. ad litt V, 16, 34). Porque a viso imediata de Deus, para Agostinho, no se dava neste mundo, mas "no outro; neste ela s se d nos raros casos da intuio mstica como foi o caso de Moiss ou Paulo. Por isso autorizados conhecedores de Agostinho, como Grabmann, Gilson, Boyer, Jolivet, Cayr, nas expresses agostinianas de sabor ontologista vem apenas modos figurados de falar, que se no devem tomar literalmente. ) Concordismo. Outra interpretao a concordista, que reduz a iluminao divina ao intellectus agens e, assim, a atenua (ZiglIara, Lepidi, Ch. Boyer, F. Cayr). Funda-se essa interpretao em Toms de Aquino (S. Th. I, 84, 5) que no lumen intelectuale de Agostinho v apenas uma outra frmula para designar o intellectus agens, do qual ele costuma dizer que "ilumina" os fantasmas, tornandose assim a fonte da verdade mental, Este intellectus agens tambm participa da luz incriada, mas do modo pelo qual todo ser criado participa da causa primeira, que tudo conserva e coopera com todos os seres. Contra esta teoria se alega, como acertadamente o nota Portali, que ento, segundo Agostinho, Deus e no o homem que assumiria o papel de intellectus agen. ) Historicismo. A interpretao histrica pretende entender Agostinho por meio dele prprio, com fidelidade histrica. E parte do. princpio que, com a idia da iluminao, quer explicar a cpia, pelo modelo exemplar e no inversamente, o superior pelo inferior, como deve fazer toda teoria da abstrao, incluindo nela a doutrina do intellectus agens, ao menos quanto tradicional concepo neoescolstica. A essa interpretao histrica aderem GRabmann, Gilson e Jolivet. Este ltimo fala de um moderado intuicionismo de Agostinho. E ento podemos estabelecer como essencial que Agostinho, com a doutrina da iluminao divina, quis professar um apriorismo teortico-epistemolgico. claro que no podia referir-se somente aos princpios supremos; pois os eternos fundamentos, no esprito de Deus, abrangem tudo. Assim ele permanece na direo da sua posio espiritual, em geral

platonizante. Mas nas suas expresses literrias Agostinho, sempre conforme sua condio de retrico ardoroso, se serve de imagens algo mais fortes, plus dicens et minus volens, como dele dizia S. Boaventura. d) Essncia da Verdade Agora estamos em condies de elucidar qual para Agostinho a essncia da verdade. Em geral se considera a verdade como a propriedade de um juzo e se lhe v a essncia na concordncia da nossa expresso com a realidade objetiva (verdade lgica). Ele tem Aristteles em vista quando, para citar a reproduo medieval do seu pensamento, diz: Verum definientes dicimus esse quod est, aut non esse quod non est.Agostinho conhece tambm esta verdade lgica, e a toma mesmo como ponto de partida imediato das suas reflexes. Mas essa verdade recua para um plano inferior, para tornar-se visvel o seu fundamento da verdade as idias eternas existentes na mente divina. A verdade coincide com elas, as quais rationes, ideae, species aeternae constituem propriamente a essncia da verdade. E porque essas idias so Deus mesmo, pode tambm ele dizer que Deus a verdade. Mas ento a verdade vem a assumir uma realidade ontolgica: "a verdade o que " (verum est id quod est), onde o "o que j no significa a concordncia do juzo com a realidade, mas com os exemplares primeiros na mente de Deus. Neles v Agostinho, como Plato, o ser verdadeiro, o "ser em verdade". B. Deus

Pelo que acabamos de dizer, o problema de Deus est intimamente ligado ao da verdade. Existe Deus e que ele? a) Existncia de Deus

Agostinho, como os demais Padres, prova a existncia de Deus simplesmente porque o seu conceito pertence aos conceitos fundamentais do esprito, como o admitiam os esticos e tambm S. Paulo (Rom. I, 2). ) Prova noolgica de Deus. Mas apesar disso, apresenta provas prO essencial nesta

prias suas, das quais considera a noolgica a mais importante. matria est em De Lib. arb. II, 3-13 e De vera rei. 29-31. te.

O raciocnio o seguin-

) A verdade absoluta. O homem descobre nos atos da sua vida espiritual psquica no pensar, no sentir e no querer, verdades imutveis e necessrias. Podemos s vezes esquec-las, claudicar contra elas, rebelarmos-nos contra elas;

apesar disso permanecem invulnerveis como judices e moderatores do esprito humano. No se acham confinadas no espao e no tempo, so algo de diferente e superior ao propriamente humano e temporal, no so nada do que no homem transitrio. Atravs do imperfeito atingimos o perfeito; atravs do relativo, o absoluto; e atravs do humano, o transcendente. Mas exatamente por a que chegamos a Deus: Nec iam illud ambigendum est, incommutabilem naturam quae supra animam rationalem sit, Deum esse; et ibi essa primam vilam et primam essentiam, ubi est prima sapientia (De vera rel. 3l, 57). "Como aqueles que tm uma especial potncia visiva, forte e viva, se comprarem em fitar diretamente o sol, que projeta os seus raios sobre aquilo que os de olhos fracos sentem agrado em contemplar, assim a mirada vigorosa e cheia de vida do esprito humano, depois de ter contemplado muitas verdades mutveis com conhecimento seguro, se ala at a absoluta verdade, pela qual todas as demais verdades se nos revelam. Enquanto o nosso esprito se atem a essa verdade, esquece, ao mesmo tempo as outras e se regozija com a suprema verdade divina, ao mesmo tempo que com o gozo e a posse das outras verdades". (De lb. arb.. II, 13, 36). V-se logo que Agostinho tem presente o Symposion de Plato (210 ss.); e assim temos ns j tambm o ponto de vista histrico-ideal, donde devemos partir para uma exata exposio da prova noolgica da existncia de Deus. Deus considerado como o ser perfeito, sem o qual o imperfeito no pode ser pensado. Ele, a verdade, o bem e o fundamento exemplar de todas as verdades e valores, o suporte (), na expresso platnica. Deus no deduzido por via de um raciocnio causai, no sentido de ter ele, como causa primeira, estabelecido as verdades, no; nas verdades mesmo que j ns o apreendemos, assim como mediante os bens particulares atingimos o bem absoluto, embora no em sua omnitudo realitatis, certamente com um determinado ser e no outro. ) O Esprito vivo. E se ao mesmo tempo Agostinho atinge um Deus vivo e pessoal, isso no significa nenhuma soluo de continuidade, pois o seu ponto de partida a alma viva e pessoal. O esprito para ele no somente um valor lgico impessoal. Isto por certo uma pertinncia do esprito, mas no seno uma realidade includa nele. O esprito no . seu todo e na sua realidade sempre um esprito vivo. Por outro lado, Agostinho v na vida, como em geral toda a antigidade, no somente irracionalidade pura, estranha ao esprito, mas reconhece o seu parentesco com o Logos que a informa e, particularmente, estrutura a vida da alma. E exata-

mente aqui descobre ele o participar desta vida espiritual e o seu ato, da necessria, eterna e imutvel verdade de Deus. Por isso nas Confisses diz ele a Deus; "Tu eras mais intimo a mim que a minha prpria intimidade" (III, 6). E ainda: Tarde te amei, beleza, velha e nova beleza, tarde te amei; e v, estavas tu no meu ntimo e eu fora, a procurar por ti" (X, 27) .. quando chama a Deus a vida da nossa vida: Deus autem tuus etiam tibi vitae vita est (X, 6; 20). Ora, todas estas no so expresses retricas, mas platonismos, devendo como tais ser entendidas, conforme resulta claro da sua doutrina sobre a memria (X, 1S; 20), donde recebem o seu peso. Por isso mesmo a alma viva caminho para o Deus vivo. Temos aqui diante dos olhos a transformao crist da via dialectiva platnica para Deus. ) Outras provas de Deus. Ao lado destas provas noticas de Deus, Agostinho tambm conhece as provas teleolgicas, psicolgicas e morais. Cf. a respeito Grabmann, Grund-gedanken des hl. Aug. ber Seele und Gott (Idias fundamentais de S. Agostinho sobre a alma e Deus). b) Essncia de Deus

Quando AGostinho fala da existncia de Deus, sabe e acentua que Deus infinito incompreensvel ao nosso entendimento: finito: Si comprehendis, non est Deus. a) Atributos de Deus. Por isso mesmo as nossas idias sobre Deus s tm aplicao analgica. "Devemos, na medida do possvel, pensar Deus como bom, mas sem entrar na categoria da qualidade; grande, sem a quantidade; criador, sem indigncias; superior a todas as cousas, sem situao local; abrangendo-as todas, sem as cingir; onipresente, sem lugar; eterno, sem tempo; criador de tudo o mutvel, sem sofrer ele prprio nenhuma mudana, sem sombra de passividade" (De Trin. Y, 1, 2). Isto posto, podemos contudo dizer que a Deus convm a unidade e a unicidade, por ser infinitamente perfeito e eterno e, antes de tudo, porque o Ser. "Tudo o que em Deus, no seno Ser" (In Ps. 101, serm. 2, n. 10). Alm disso Deus o bem primeiro, o bonum omnis boni (De, Trin. VIII, 3, 4) pelo qual todos os bens so sempre bens. E finalmente o fundamento ltimo do mundo. ) As idias no Esprito divino. Todo ser, fora de Deus, somente cpia do exemplar primeiro (exemplaria, formae, ideae species, rationes),no seu esprito. s por participao do ser divino (participatio) que os outros seres podem existir.

Agostinho partidrio da doutrina das Idias, mas, a exemplo de Filo, transpassou as Idias para a mente divina. J elas no constituem um mundo lgico impessoal, como em Plato, mas existem em Deus. E isso significa um duplo aprofundamento do pensar filosfico: de um lado tm agora as Idias um fundamento, e que fundamento! De outro, abre-se-nos assim uma entrada para a plenitude e a riqueza da natureza divina. Sem cair no pantesmo emanacionista neoplatnico que identifica todas as cousas, pode agora desenvolver-se o drama do mundo a partir de Deus. Pois o mundo um reflexo da essncia divina, uma rplica do exemplo divino (exemplarismus), e quem lhe puder ler os smbolos pode descobrir em toda parte a sabedoria divina, pensamento de incalculvel fecundidade para a mstica. C. Criao

A criao portanto uma realizao das Idias contidas na plenitude muito mais rica, de Deus. a) Por qu ?

Por que se fez ela? "No se pode assinalar nenhum melhor fundamento seno dizendo que o bem devia ser criado pelo Deus bom, resposta tambm considerada a melhor por Plato quando se tratava de explicar o porqu da criao". (De civ. Dei XI, 21). b) De qu?

De que foi ela feita? Aqui a soluo de Agostinho diferente da de Plato. Para o pensador cristo j no existe matria eterna. S duas possibilidades leva ele em conta a emanao neoplatnica e a sua. criao do nada. Como, pela primeira, se introduziria o finito e o mutvel em a natureza de Deus, s resta a possibilidade da criao ex nihilo. Com essa doutrina desaparece toda emanao e tambm se rompe a ligao com o neoplatonismo em um ponto onde ele no se coaduna com o pensamento cristo. c) Quando ?

O quando da criao imerge na eternidade, i. ., fora do tempo. O tempo comeou com a criao dos corpos. Por isso no h sentido em perguntar-se se o mundo foi feito mais cedo ou mais tarde. Com as idias de antes e depois, esta questo j pressupe o tempo que, como o espao, coevo da criao. Se pois algum quisesse saber o que Deus tinha feito antes da criao, seria melhor responder que preparou o inferno para quem quiser saber demasiado (Conf. XI, 32). Ou,

como Lutero disse em alemo: Er ist hinter dem Haselslrauch gesessen und hat Ruten geschnitten fr mssige Fragen (Deus est sentado por detrs de uma aveleira, com varas cortadas para aplic-las aos interrogadores indiscretos). d) Processo csmico

A marcha do processo csmico introduzido com a criao Agostinho a justifica com o auxlio de trs fatores: a matria, o tempo e as formas eternas. ) A Matria. A matria (Conf. XII, 6-S) o substrato de todo ser criado. Ao ser criado no se pode contestar a realidade, como se s as Idias que a tivessem. Aqui a filosofia crist pensa diversamente de Plato, embora tambm seja ela de parecer que somente os exemplares existentes na mente divina sejam prpria e plenamente a verdade e a realidade. Mas cpias so sempre cpias, embora sejam tambm realidades, mas diminudas. Contudo a matria, para Agostinho, parece ser "quase nada" (prope nihil). V-se claramente a influncia do platonismo, mas com uma importante transformao, por obras dos filsofos cristos, que querem exaltar a obra divina da criao. E esta circunstncia contribuiu essencialmente para a formao do conceito medieval de realidade, juntamente com a nova concepo do real, de Aristteles e do Perpato (cf. Hist. Fil. Antigidade, pg. 166 s., 260), e igualmente do estoicismo, e isso mesmo prescindindo do fato de ser essa a concepo da "razo humana s". A matria informe mas o seu papel o de manifestar a forma. Criada ela prpria do nada, do qual muito se aproxima, contudo expresso da admirvel obra de Deus (fecisti mundum de matria informi. quam fecisti de nulla re paene nullam rem, unde faceres magna quae miramur). Ela ou matria espiritual, como a dos anjos, ou corprea, como a dos seres da natureza. Como devemos conceber tal matria? Externa, como para Plato, ela no pode ser, do contrrio no haveria matria nos anjos. A pura possibilidade aristotlica seria mais admissvel, pois ela o de que todas as cousas so formadas. Mas seria mais exato entend-la, no ponto de vista de Agostinho, em dependncia da idia de tempo. ) O Tempo. Na verdade ela anterior ao tempo (ante omnem atem); pois, onde no h nem aparncias nem ordem, no h tambm nenhuma mudana e portanto nenhum tempo. ) Tempo e Criao. Sem embargo disso, ocorre que nela pode surgir, viver-se e contar-se o tempo, porque o tempo se manifesta pela mudana das cou-

sas, que uma mudana nas formas da matria (Conf. XII, 7). Tudo o que matria-criada entra assim na categoria da mutabilidade, do processo e, portanto, do tempo. Por onde se explica que Agostinho tenha atribudo a matria aos anjos. Tempo e criatura so dois aspectos de uma mesma coisa. E se compreende seja a eternidade algo de totalmente diverso do tempo. ) Tempo e Eternidade. A eternidade no admite qualquer mudana; ao passo que o tempo todo ele mudana (De civ. Dei, XI, 6). O ser eterno se possui a si mesmo todo de uma vez e para sempre; o ser temporal, ao contrrio, parcelado, tem o ser sempre a refazer-se, e a avanar. Qual a relao entre a eternidade e a criao temporal, para ns um enigma. Mas tambm o tempo nos algo de enigmtico. No podemos viv-lo seno no momento presente. ) Tempo e Homem. E este no tem durao "praesens autem nullum habet spatium, pensa Agostinho, exatamente como Klages. Se se estendesse num certo espao de tempo, seria divisvel, deveria ser percorrido, haveria passado e futuro e ento o momento j no seria nenhum momento presente (Conf. XI, 15). Mas ento porque temos ns a conscincia do tempo, no sentido de uma extenso? talvez a alma, com a sua faculdade de lembrar-se e de prever, a que se estende? Bem poderia s-lo, pensa Agostinho, e ento a percepo do tempo seria uma extenso espiritual (distentio ipsus animi), e o tempo seria medido pelo prprio esprito (XI. 2G). Ora, assim ele se aproxima de um conceito moderno, e mesmo de forma intuitiva do tempo, segundo Kant. O fator mais importante porm no processo csmico a forma. ) A Forma. Ela ocupa o ponto central, no somente da epistemologia, mas tambm da metafsica agostiniana. ) Primado da Idia. "H Idias, que so determinadas formas fundamentais e as permanentes e imutveis essncias das cousas. Elas em si mesmas no foram feitas e se comportam por isso como eternas, no mesmo modo de ser, e subsistem na mente de Deus. Mas, ao passo que no comeam nem deixam de existir, tudo formado por meio delas, o que pode comear e deixar de existir e que, de fato, nasce e desaparece" (De div. quaest. 83, qu. 46, 2). Todo ser criado supe forma e matria. Devemos, certo, conceber esta como informe, mas de fato ela nunca existiu sem a forma. Que as espcies e gneros do ser criado so formas, claro. Mas Agostinho parece apropriar-se a opinio, que tambm o individual, em todo

o caso, porm, cada indivduo humano supe uma praeconceptio divina. A informao da matria se deu na criao, enquanto ainda existente fora do tempo, de uma vez (criao simultnea), porque a sucesso ser possvel s quando, com a criao, surgir o tempo. Da o interpretar Agostinho figuradamente a narrativa bblica da criao, com a sua obra dos seis dias. H porm uma diferena no devir da forma: certos seres, como o dia, o firmamento, a terra, o mar, o ar, o fogo. e as almas humanas receberam a existncia imediatamente com a sua forma definitiva; ao passo que outros, como p. ex., os seres vivos e.tambm o corpo do homem apareceram aos poucos, no decurso de uma evoluo. ) Rationes seminales. As formas so assim ento forcas germinativas (rationes seminales ou causales) que s com o tempo chegaram a desenvolverse. Agostinho retoma os do estoicismo, introduzindo assim a idia da evoluo no processo csmico. Mas no esse o moderno conceito de evoluo, que faz nascerem as espcies do acaso evolutivo, mas q antigo, que a faz dimanar da natureza mesma essencial das espcies. Passando pelos esticos e por Aristteles, este conceito de evoluo se prende dialtica platnica e revive nos tempos modernos na dialtica de Hegel. O que Agostinho quer acentuar no processo csmico o papel da forma e a sua fora. Ao mesmo tempo focaliza a sabedoria e a onipotncia divina. No processo csmico o espao e o tempo no fazem seno acolher no seu seio e alimentar o que Deus criou com a palavra do seu esprito. Eles vm a ser, como em Plato, apenas as nutrizes, o lugar do devir. Deus porm que o Pai donde procede o ser e a vida. D. A Alma

Uma das principais particularidades de Agostinho o seu interesse pela alma. "Desejo conhecer Deus e a alma. Nada mais? Absolutamente nada mais" (Solil, I, 2, 7). A arte e o modo de conceber ele a alma, a sua intuio, a sua arte de descrever e discriminar as atividades psquicas e o seu penetrante entendimento revelam em Agostinho um homem de raros dotes psicolgicos. O que no podemos dizer, de muitos tratados modernos de psicologia, podemos sem dvida diz-lo das suas Confisses, i. , que encerram um profundo conhecimento do homem. Mas ele a no se confina nos limites da psicologia seno que, ultrapassandoos, se interessa constantemente pelas grandes questes filosficas conexas com

ela: quais as relaes entre a alma e o corpo, que a alma em si mesma, sua origem, sua durao? a) Alma e Corpo a) O homem como alma. Tambm para Agostinho o homem constitui uma unidade, como j frisantemente o ensinou a filosofia patrstica. Mas no ele uma nova substncia resultante de duas outras que se fundiram (unio substantiulis), como foi ensinado mais tarde pela filosofia medieval influenciada por Aristteles, na terminologia deste. A unidade consiste em a alma possuir, usar e governar o corpo. "A alma uma determinada substncia racional, que existe para governar o corpo (De quant. animae, 13, 22). Destarte, o homem propriamente a alma; o corpo no lhe um constituinte da mesma importncia: "Assim pois o homem uma alma racional, que usa de um corpo mortal e terreno" (De mor. eccl. 1, 27). A alma est, no somente numa parte do corpo, mas em todo ele, com uma intensidade vital" (intensio vitalis), e aqui reaparece a terminologia estica (). Fundamental porm para a posio prpria da sua psicologia o platonismo geral dos Padres. A nota pessimista que este ainda manifesta em Orgenes a alma est no corpo como numa priso Agostinho a rejeita, segundo o fizeram outros antes dele. Mas a considerao, nascida nesta poca, do homem como essencialmente alma, mantm-se e, por Agostinho, torna-se um patrimnio comum da posio crist concernente ao homem. ) O corpo no Cristianismo. Como Jorge von Hertling o mostrou, ela permanece prtica e realmente predominante, mesmo quando, depois da recepo aristotlica no sculo 13, fala-se a linguagem de Aristteles e a unio da alma e do corpo entendida no sentido de se considerar tambm o corpo como um genuno constituinte do homem e no mesmo p de igualdade com a alma. Isso talvez se explique pela circunstncia de, no domnio do pensamento cristo, largamente se desenvolverem doutrinas de valores (doutrinas das virtudes), solidamente estruturadas, mas no, por igual, uma minuciosa e correspondente doutrina dos bens corpreos e materiais, com o interesse com que o fez, p. ex., o materialismo histrico no plano sociolgico, como uma necessidade, ou o moderno culto do corpo na sua valorizao do esporte, do eros e do sexo para a vida individual. Ou ser que Aristteles, no fundo, tambm no pensou diferentemente? Hoje, depois da obra de W. Ja-

eger sobre Aristteles, no devemos mais considerar como exclusiva, tambm nesta problemtica, a anttese platonismo-aristotelismo. b) Substancialidade

Dado o lugar que Agostinho atribui alma, importa-lhe mostrar agora que ela uma substncia. Como j vimos, a este respeito a filosofia crist assume uma nova posio em face da filosofia grega (pg. 35). Mas, por meio de Agostinho, esta concepo da substancialidade da alma foi de relevncia para os tempos subseqentes. Ele a funda pela anlise da conscincia do eu, que mostra trs cousas: a realidade do eu, sua independncia, e sua durao. ) Realidade do Eu. A conscincia do eu no encerra nada de fantasioso, mas constitui uma realidade, realidade que o dado imediato da conscincia, como no caso "si enim fallor, sum". ) Independncia, do Eu. Quanto sua independncia, ela resulta da comparao do eu com os seus atos. Difere o eu, dos seus atos. Ele os possui sem se identificar com eles, como se lhes fosse o dono; o eu os dirige e o principio que age sobre eles: "Estas trs potncias a memria, o pensamento e o amor me pertencem a mim, e no a si mesmos; eles fazem o que fazem, no para eles prprios, mas para mim; antes, por eles que eu sou ativo Em suma, por mim que a memria se lembra, por mim o intelecto pensa, por mim o amor ama. Mas nem por isso eu sou a memria, o intelecto e o amor; no, eu os possuo" (De Trin. XV, 22). ) Durao do Eu. Mas exatamente esse eu, diverso dos seus atos, perdura sempre o mesmo, atravs deles. Nos captulos sobre a memria (Conf X, 8, ss.), onde Agostinho, com fino senso psicolgico, descreve os aspectos multiformes da corrente de conscincia, ele ressalta claramente a durao do eu atravs de todas as mudanas do contedo da conscincia. E assim funda a substancialidade da alma; pois ao ser independente, permanente e real a que chamamos conscincia. c) Imaterialidade

A arte fenomenolgica, nas suas investigaes psicolgicas, quando considera e expe, -lhe de grande auxlio para o conhecimento da materialidade da alma. Todos os nossos atos psquicos no tm extenso espacial, ao contrrio de todo corpo, que tem altura, largura e profundidade. Logo, a alma deve ser de natureza incorprea. d) Imortalidade

Mas, por conseqncia, uma tal alma deve ser imortal. O principal, nesta matria, est no 2 livro dos Solilquios e no pequeno tratado De immortalitate annimae, O pensamento fundamental da sua prova da imortalidade o seguinte. Sendo a verdade imutvel e eterna e estando o esprito humano inseparvelmente ligado com ela, deve tambm este ser eterno. ) Verdade eterna. O nervo da prova a sua inseparvel unio com a verdade. O fundamento do raciocnio no est em ser a alma o sujeito da verdade ou o possuir ela verdades em geral. Isto nada provar, porque tambm podem existir nela erros. Mas o erro no nada de definitivo e pode ser descartado. Tambm verdades parciais podem vir a perder-se. Mas para l do vaivm da investigao est o poder de descobrir a verdade em si mesma, a lei geral da verdade, e isso permanece algo naturalmente unido com o esprito, e manifesta uma realidade atemporal e absoluta. A alma, imersa no tempo pelos seus atos, penetra, atravs do contedo deles, num mundo atemporal o mundo da verdade. ) Na Alma viva. - E isto convm essencialmente alma viva e no a uma conscincia transcendente. Agostinho no se aferra a um ser abstrato para s nele descobrir um valor atemporal. V que pelo eu vivo que ns nos lembramos, pensamos, queremos e amamos e que isso supe uma inseparvel unio com a verdade e os valores. E sendo na substncia mesma do eu vivo que se radica essa unio inseparvel, a alma necessariamente imortal. e) Origem

Agostinho sempre encontrou dificuldades na questo da origem da alma. Certo est de que a alma no pode emanar de Deus no sentido do pantesmo neoplatnico, pois ento seria de algum modo parte de Deus. Tambm corrige Orgenes, cuja doutrina da preexistncia no adaptou suficientemente o platonismo ao pensamento cristo. Antes, a alma deve ser criada. Mas aqui surgem vrias dificuldades. Ou as almas provm da alma de Ado (generacionismo); ou cada alma criada diretamente na sua individualidade (criacionismo)