Johannes Hessen - Filosofia Dos Valores [Introd. e Seções I a III da Parte I, 93 págs]

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Johannes Hessen – Filosofia dos Valores INTRODUÇÃO 1· SIGNIFICADO E IMPORTÂNCIA DA TEORIA DOS VALORES Como quer que se entenda e defina o que é Filosofia, nâo pode ser negado que nesta se realiza sempre um auto-exame do Espírito. O espírito humano cultiva ciência e arte; pratica actos de moralidade e de religião· Mas só na Filosofia ele medita sobre o sentido e alcance dessas suas actividades· É aí que ele faz as perguntas: Que é conhecimento? Que é ciência? Que é a verdade? Perguntando isto, porém, o espírito humano não faz mais do que reflectir sobre as suas próprias actividades e atitudes teoréticas. A disciplina mediante a qual ele efectua este auto-exame, chama-se a Teoria da ciência e abrange a Lógica e a Teoria do conhecimento. Mas o mesmo espírito reflecte ainda sobre as suas funções e actividades não-teoréticas, sobre a sua atitude em face dos valores. Pergunta então? Que é moralidade? Que é arte? Que é religião? Por outras palavras: pretende indagar qual é a essência dos valores éticos, estéticos e religiosos. E a disciplina que se ocupa destes problemas chama-se Teoria dos Valores, Axiologia, e abrange, por seu lado, a Ética, a Estética e a Filosofia da Religião. E contudo a Filosofia não é ainda apenas isto· Não é apenas um auto-exame e uma auto-contemplação do Espírito. É também concepção-do-mundo (Weltanschauung). Esforça-se também por se elevar a uma visão totalista do mundo e por conhecer «aquilo que o constitui e unifica na sua íntima essência». Isto fá-lo ela na sua Teoria da Realidade, dentro da qual há ainda a distinguir duas coisas: a Metafísica e a, Teoria das concepções-do-mundo. Se a primeira destas duas últimas partes discute os problemas da essência, da íntima conexão e princípio de todas as coisas, a segunda trata dos derradeiros e mais altos de todos os problemas: de Deus, da liberdade e da imortalidade humanas. E assim a Filosofia subdivide-se — podemos dizer — em três disciplinas fundamentais: a Teoria da Ciência, a Teoria dos Valores e a Teoria da Realidade. . Desta sua posição dentro do sistema e classificação das disciplinas filosóficas ressalta, porém, já, claramente, qual o significado da Teoria dos valores. Devemos distinguir dentro desta uma Teoria geral e uma Teoria especial, como também distinguimos, usualmente, uma Metafísica geral e outra especial. A Teoria especial dos valores é constituída pelas três disciplinas já designadas : Ética, Estética e Filosofia religiosa. A Teoria geral tratará, por seu lado, não dos diferentes valores e suas espécies, mas do valor e do valer em si mesmos. Serve portanto de fundamento à Teoria especial. É sobre ela que se levanta todo o edifício das várias disciplinas axiológicas. Será sempre a ela que nos referiremos quando no decorrer destas páginas empregarmos as expressões: Teoria dos Valores e Filosofia dos Valores. Ora se a Teoria dos valores constitui o fundamento das várias disciplinas axiológicas, a importância do seu significado ficará assim, desde logo, também claramente demonstrada· Além disso, a Teoria dos valores encontra-se ainda numa relação muito particular com a Teoria das concepções-do-mundo. Não é ela, sem dúvida, o fundamento único desta última, A Teoria das concepçoes- -do-mundo ocupa no sistema geral da Filosofia o lugar imediato ao da Metafísica, tendo a esta como seu pressuposto. Mas é evidente, por outro lado, que a Metafísica também não é bastante para lhe servir de fundamento 1 . Há, com efeito, outros pontos de vista que desempenham um importante papel para esta fundamentação e que se acham situados totalmente fora do ângulo de visão metafísico· Assim, uma simples visão do ser, uma mera contemplação sub specie entis (Seinsbetracktung) nunca poderá conduzir a uma ideia de Deus que seja verdadeiramente religiosa, porquanto esta ideia exige também certos momentos valiosos, certos momentos de valor, que jamais poderão ser extraídos de uma mera contemplação ontológica das coisas· Quer dizer: qualquer resposta a dar como solução do problema nuclear da concepção-do-mundo nunca poderá ser dada partindo exclusivamente da Metafísica. Por outras palavras: qualquer visão das coisas no ponto de vista ontológico terá sempre, por isso, de ser completada e aprofundada com uma outra visão delas no ponto de vista axiológico. E o mesmo se diga dos outros dois problemas capitais desta parte da Filosofia: o da liberdade e o da imortalidade. Também aqui seria impossível uma solução definitiva destes problemas sem tomarmos em consideração o estudo dos valores e sem investigar qual a posição do homem em face do cosmos axiológico ou mundo do valioso. É isto o que nos permite afirmar que a Teoria dos valores assume uma fundamental 1 Procurei mostrar isto pormenorizadamente no meu trabalho: Die Methode der Metaphysik, Berlim e Bonn, 1932. 1

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Como quer que se entenda e defina o que é Filosofia, nâo pode ser negado que nestase realiza sempre um auto-exame do Espírito. O espírito humano cultiva ciência e arte; praticaactos de moralidade e de religião· Mas só na Filosofia ele medita sobre o sentido e alcancedessas suas actividades· É aí que ele faz as perguntas: Que é conhecimento? Que é ciência?Que é a verdade? Perguntando isto, porém, o espírito humano não faz mais do que reflectirsobre as suas próprias actividades e atitudes teoréticas. A disciplina mediante a qual eleefectua este auto-exame, chama-se a Teoria da ciência e abrange a Lógica e a Teoria doconhecimento.

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  • Johannes Hessen Filosofia dos Valores

    INTRODUO

    1 SIGNIFICADO E IMPORTNCIA DA TEORIA DOS VALORESComo quer que se entenda e defina o que Filosofia, no pode ser negado que nesta

    se realiza sempre um auto-exame do Esprito. O esprito humano cultiva cincia e arte; pratica actos de moralidade e de religio Mas s na Filosofia ele medita sobre o sentido e alcance dessas suas actividades a que ele faz as perguntas: Que conhecimento? Que cincia? Que a verdade? Perguntando isto, porm, o esprito humano no faz mais do que reflectir sobre as suas prprias actividades e atitudes teorticas. A disciplina mediante a qual ele efectua este auto-exame, chama-se a Teoria da cincia e abrange a Lgica e a Teoria do conhecimento.Mas o mesmo esprito reflecte ainda sobre as suas funes e actividades no-teorticas, sobre a sua atitude em face dos valores. Pergunta ento? Que moralidade? Que arte? Que religio? Por outras palavras: pretende indagar qual a essncia dos valores ticos, estticos e religiosos. E a disciplina que se ocupa destes problemas chama-se Teoria dos Valores, Axiologia, e abrange, por seu lado, a tica, a Esttica e a Filosofia da Religio.

    E contudo a Filosofia no ainda apenas isto No apenas um auto-exame e uma auto-contemplao do Esprito. tambm concepo-do-mundo (Weltanschauung). Esfora-se tambm por se elevar a uma viso totalista do mundo e por conhecer aquilo que o constitui e unifica na sua ntima essncia. Isto f-lo ela na sua Teoria da Realidade, dentro da qual h ainda a distinguir duas coisas: a Metafsica e a, Teoria das concepes-do-mundo. Se a primeira destas duas ltimas partes discute os problemas da essncia, da ntima conexo e princpio de todas as coisas, a segunda trata dos derradeiros e mais altos de todos os problemas: de Deus, da liberdade e da imortalidade humanas. E assim a Filosofia subdivide-se podemos dizer em trs disciplinas fundamentais: a Teoria da Cincia, a Teoria dos Valores e a Teoria da Realidade. .

    Desta sua posio dentro do sistema e classificao das disciplinas filosficas ressalta, porm, j, claramente, qual o significado da Teoria dos valores. Devemos distinguir dentro desta uma Teoria geral e uma Teoria especial, como tambm distinguimos, usualmente, uma Metafsica geral e outra especial. A Teoria especial dos valores constituda pelas trs disciplinas j designadas : tica, Esttica e Filosofia religiosa. A Teoria geral tratar, por seu lado, no dos diferentes valores e suas espcies, mas do valor e do valer em si mesmos. Serve portanto de fundamento Teoria especial. sobre ela que se levanta todo o edifcio das vrias disciplinas axiolgicas. Ser sempre a ela que nos referiremos quando no decorrer destas pginas empregarmos as expresses: Teoria dos Valores e Filosofia dos Valores. Ora se a Teoria dos valores constitui o fundamento das vrias disciplinas axiolgicas, a importncia do seu significado ficar assim, desde logo, tambm claramente demonstrada

    Alm disso, a Teoria dos valores encontra-se ainda numa relao muito particular com a Teoria das concepes-do-mundo. No ela, sem dvida, o fundamento nico desta ltima, A Teoria das concepoes- -do-mundo ocupa no sistema geral da Filosofia o lugar imediato ao da Metafsica, tendo a esta como seu pressuposto. Mas evidente, por outro lado, que a Metafsica tambm no bastante para lhe servir de fundamento1. H, com efeito, outros pontos de vista que desempenham um importante papel para esta fundamentao e que se acham situados totalmente fora do ngulo de viso metafsico Assim, uma simples viso do ser, uma mera contemplao sub specie entis (Seinsbetracktung) nunca poder conduzir a uma ideia de Deus que seja verdadeiramente religiosa, porquanto esta ideia exige tambm certos momentos valiosos, certos momentos de valor, que jamais podero ser extrados de uma mera contemplao ontolgica das coisas Quer dizer: qualquer resposta a dar como soluo do problema nuclear da concepo-do-mundo nunca poder ser dada partindo exclusivamente da Metafsica. Por outras palavras: qualquer viso das coisas no ponto de vista ontolgico ter sempre, por isso, de ser completada e aprofundada com uma outra viso delas no ponto de vista axiolgico. E o mesmo se diga dos outros dois problemas capitais desta parte da Filosofia: o da liberdade e o da imortalidade. Tambm aqui seria impossvel uma soluo definitiva destes problemas sem tomarmos em considerao o estudo dos valores e sem investigar qual a posio do homem em face do cosmos axiolgico ou mundo do valioso. isto o que nos permite afirmar que a Teoria dos valores assume uma fundamental

    1 Procurei mostrar isto pormenorizadamente no meu trabalho: Die Methode der Metaphysik, Berlim e Bonn, 1932.

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  • importncia, no s para as diferentes disciplinas axiolgicas, como j dissemos, mas tambm para a teoria da nossa prpria concepo-do-mundo.

    Mas toda a concepo-do-mundo implica ainda, por sua vez, uma concepo da vida. Com a determinao do sentido do universo, coincide uma determinao do sentido da existncia humana. Como teremos ocasio de ver mais adiante, o sentido da vida humana reside, precisamente, na realizao dos valores2. Dizendo isto, porm, tocamos aqui com o dedo o significado, desta vez prtico, da Teoria dos valores, na sua relao directa com a vida. Se, de facto, o sentido da vida se acha dependente dos valores a que est referida, atravs da qual estes alcanam a sua objetivao, evidente que a plena realizao do sentido da nossa existncia depender tambm, em ltima anlise, da concepo que tivermos acerca dos valores. Aquele que nega todos os valores, nada mais vendo neles do que iluso, no poder deixar de falhar na vida. Aquele que tiver uma errada concepo dos valores no conseguir imprimir vida o seu verdadeiro e justo sentido Tambm esse fatalmente falhar na vida, a no ser que um destino benvolo o preserve de todas as ms situaes em que venha a cair. Pelo contrrio, todo aquele que conhecer os verdadeiros valores e, acima de todos, os do bem, e que possuir uma clara conscincia valorativa, no s realizar o sentido da vida em geral, como saber ainda achar sempre a melhor deciso a tomar em todas as suas situaes concretas.

    Pode, certamente, uma pessoa possuir um alto valor moral e saber conformar valiosamente a sua vida, sem ter alis um conhecimento teortico acerca dos valores. Para isso basta-lhe confiar no seu instinto do valioso, no seu sentimento intuitivo do axiolgico, fun- dando-se naquele patrimnio de valores e de normas que possui gravadas no seu corao e que actuam, como seiva vivificante, em todo o homem normal e ainda no corrompido. No menos certo contudo que a sua conscincia imediata dos valores s tem a lucrar com uma investigao teortica e sistemtica destes problemas. Desta forma, o que nele , a princpio, sentimento confuso, vago pressentimento, tor- nar-se~ saber consciente e slido; os lampejos intermitentes e s vezes desconexos desse seu instinto converter-se-o em facho luminoso de uma permanente unidade. As incertezas e hesitaes a que se acha sujeita a conscincia ingnua e inexperimentada do homem, toda a vez que entra em contacto com outras escalas de valores que contraditam a sua, desaparecero. O seu olhar tornar-se- mais aberto para poder descobrir, inclusivamente, valores novos, e a sua conscincia que seria, a princpio, porventura uma conscincia estreita e tmida, enriquecer-se- consideravelmente. A Teoria dos valores dar pois conscincia do homem, em qualquer caso, uma claridade maior, tornando-a mais firme e mais rica

    E no s no interesse de ns prprios diga-se por ltimo mas tambm no dos outros, que o conhecimento dos valores pode prestar relevantes servios S conhecemos os homens quando conhecemos os critrios de valorao a que eles obedecem; destes que dependem, em ltima anlise, o seu carcter e o seu comportamento em face das situaes da vida. Mas, precisamente, para podermos apreciar as valoraes dos outros, preciso possuirmos, antes de mais nada, um conhecimento profundo e largo dos nossos prprios valores e da sua escala. Isto equivale a reconhecer que o estudo dos problemas axiolgicos ser, pois, tambm a primeira condio para enriquecermos o nosso conhecimento dos homens e sabermos como os devemos tratar, concorrendo para a sua educao.

    2. HISTORIA DA TEORIA DOS VALORES O termo Teoria dos valores, ou Filosofia dos valores, relativamente recente, embora o objecto de que trata remonte antiguidade clssica O primeiro pensador cujo nome assume importncia na histria desta disciplina, , sem dvida, SCRATES. Podia resumir-se todo o seu ingente esforo intelectual nesta matria na seguinte frmula: combate ao relativismo e subjetivismo dos Sofistas; luta pela objectividade e absolutcidade dos valores ticos

    O mesmo pode dizer-se de PLATO. O caminho seguido por este foi, porm, diferente. PLATO tomou pela Metafsica. O ncleo central da Filosofia platnica foi constitudo, como se sabe, pela Teoria das Ideias. Esta teoria, contudo, no foi, no seu sentido mais profundo, outra coisa seno uma Teoria dos valores. As Ideias de PLATO foram essencialmente ideias de valores. A atestar isto, bastaria j citar o facto de o seu mundo das ideias culminar precisamente na ideia de Bem, do valor tico e esttico mximo.

    2 Para melhor esclarecimento desta tese, ver o meu trabalho anterior: Der Sinn des Lebens, 2.a ed., Rottenburg a-N.,

    1936.

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  • Com ARISTTELES, surge a nossos olhos, em vez dum Cosmos das Ideias, um Cosmos das Formas. Com estas, as ideias, e portanto a ideia de Bem, passam a estar como que ancoradas nas coisas e na prpria realidade emprica. Despem-se da transcendncia platnica e assumem uma imanncia csmica. As Formas essenciais so, ao mesmo tempo, o princpio de perfeio das coisas, que reside na realizao do seu prprio fim imanente. O valioso adquire assim um forte carcter csmico.

    Fundando-se em PLATO, e posteriormente em ARISTTELES, travam-se, mais tarde, as conhecidas disputas da Escolstica sobre o bonum, vindo a particular posio teolgica deste movimento a dar a estas disputas um lugar da mais alta importncia. Na Escolstica aristotlica, todas estas discusses vm a achar-se, subordinadas ao postulado, tido como axioma evidente, do omne ens est bonum, aparecendo pois tambm aqui o valor, antes de mais nada, primariamente, como uma grandeza csmica.

    Na Filosofia moderna, foi KANT quem deu maior contribuio para a Filosofia dos valores. A sua posio marca o polo oposto da de ARISTTELES: a ideia de valor finalmente deslocada de Cosmos para o domnio pessoal da conscincia.

    A conscincia moral torna-se a verdadeira ptria dos valores ticos. esta a convico que se exprime naquele trecho clebre de KANT: nada, em parte alguma do mundo, ou fora dele, pode sem restrio ser julgado bom, excepto uma boa vontade3. Mas o valor tico no para KANT apenas algo de subjectivo. O filsofo de Konigsberg est, pelo contrrio, profundamente convencido da sua especial dignidade metafsica. A Metafsica moral de KANT, tal como se acha formulada na sua doutrina acerca dos postulados da razo pr-tica, assenta na convico de que a realidade se move, em ltima anlise, em torno dos valores da nossa conscincia moral, e de que o ser, na sua ntima essncia, e o bem, afinal, coincidem.

    Com razo podemos, porm, chamar a LOTZE (+1881) o verdadeiro pai da moderna Filosofia dos Valores. a ele, com efeito, que pertence a honra de ter introduzido definitivamente na conscincia filosfica contempornea os conceitos de valor e de valer. LOTZE distingue rigorosamente entre valor e ser, contrapondo o mundo dos valores ao mundo do ser Assim como apreendemos o ser por meio da inteligncia, apreendemos o valor por meio de uma particular forma de sentir espiritual. LOTZE de opinio que nesta forma particular de sentir espiritual, neste sentimento dos valores das coisas e das suas relaes, a nossa razo possui o segredo de uma revelao to eficaz como o o instrumento que ela tambm tem ao seu dispor, nos princpios fundamentais do entendimento, para elaborar os dados da experincia4.

    O dualismo do ser e do valor est contudo longe de representar para LOTZE, como j no representava para KANT, a ltima palavra em matria de Filosofia dos valores. Pelo contrrio, tambm ele est convencido de que ser e valor no podem deixar de ter algures uma raiz comum, e de que no mago da realidade se esconde necessaramente um contedo valioso. Uma expresso desta convico pode ver-se nestas palavras programticas do Mikrokosmos: a essncia das coisas no consiste no pensamento; a essa o pensamento do homem no consegue apreend-la; s o esprito na sua totalidade (der ganze Geist), s esse, conseguir talvez apreender, por meio de outras formas da sua actividade e impressionabilidade, o sentido essencial de todo o ser e obrar5.

    Do mesmo modo que LOTZE introduziu na Filosofia alem o conceito de valor, introduziu NIETZSCHE, no vocabulrio desta, a palavra valor. em volta dos descobridores de valores novos diz-se no Zarathustra que o mundo se move no seu giro eterno. Como seu principal objectivo e mais alta preocupao filosfica, no hesita NIETZSCHE em reconhecer e proclamar, como sabido, a inverso de todos os valores o Umsturz aller Werte pretendendo destruir assim as velhas tbuas de valores para as substituir por outras novas.

    certo que j antes de NIETZSCHE a palavra valor era largamente aplicada em economia poltica. Esta usava constantemente expresses como: valor de troca, valor de uso, mais-valor, e muitas outras ainda. E igualmente evidente que este facto no deixou de con-correr para que o uso da palavra se generalizasse.Mas um outro passo, e da maior importncia no desenvolvimento da moderna Filosofia dos valores, foi o conseguido com o aparecimento do livro de BRENTANO, , intitulado Vom Ursprung sittlicher Erkenntnis (1889). (Da origem do conhecimento moral). Mais claramente ainda que LOTZE, reconhece BRENTANO a natureza do valor como de um phaenomenon sui generis, Das trs classes fundamentais de fenmenos psquicos representaes, juzos e sentimentos apenas os ltimos interessam para o problema dos valores. Segundo ele, nos actos de amar

    3 Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, seo I.4 Mikrokosmos (ed. de R. Schmidt) I, 275,5 Loc. cit., III, 243.

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  • e odiar, do gostar e no gostar, que estes se nos tornam perceptveis. Alm disso, s numa caracterstica forma de amor, equivalente evidncia no domnio do juzo, que ns os apreendemos. S chamamos boa a uma coisa ( o tema fundamental deste escrito) quando o amor que a toma por objecto um amor correcto e justo (richtig). Aquilo que se ama com um amor desta natureza, o verdadeiramente amo- rvel, s pode ser o prprio bem no mais rigoroso sentido da palavra (pg. 17).

    Foi, de facto, BRENTANO quem soube comunicar Filosofia dos valores dos nossos dias as suas mais originais sugestes Indiquemos agora aqui, rapidamente, as suas piais importantes correntes no panorama filosfico da actualidade, Podemos distinguir nela seis direces capitais:

    1 A corrente psicolgica. Seus fundadores foram os filosficos austracos: A. MEINONG, discpulo de BRENTANO, e CHR. EHRENFELS. Nas suas Psychologisch- -ethischen Untersuchungen zur Werttheorie (1894) MEINONG defende um decidido psicologismo em matria de valores, do qual, porm, se emancipou mais tarde no seu tratado Fr die Psychologie und gegen den Psychologismus in der allgemeinem Werttheorie .(Logos, 1912). A equivalncia entre valor e vivncia valorativa (tese psicologista) deixou de ser defendida por ele: o objeto-valor deixou de ser o mesmo que o sentimento-valor. H valores objectivos e absolutos que nos so dados mediante uma verdadeira revelao emocional. Assim foi supe-rada a posio que EHRENFELS, influenciado por MEINONG, tinha desenvolvido primeiro no seu System der Werttheorie, de 1897. A corrente psicologista foi, contudo, continuada por TH. HAERING (Untersuchungen zur Psychologie der Wertungen, (1913) e por W. GRUEHN (Das Werterlebnis, 1924).

    2. A corrente neokantiana. O fundador desta segunda corrente foi W. WINDELBAND. Como BRENTANO, foi tambm este filsofo profundamente influenciado por LOTZE. Na sua Einleitung in die Philosophie (1914), a nica obra sistemtica deste grande historiador da Filosofia, esboou ele a sua Teoria dos valores, cujo fundamento derivado do kantismo e cujo remate metafsico se acha inspirado pr LOTZE. O seu discpulo e sucessor, H. RICKERT, desenvolveu depois o sistema no sentido de um logicismo axiolgico consumado. Segundo este logicismo, valor quer dizer tanto como simples validade lgica. O mesmo ponto de vista foi sustentado por BRUNO BAUCH no seu livro, Wahrkeit, Werte und Wirklichkeit (1923), e ainda por J. COHN na sua Wertwissenschaft (1932). Na obra Autonomie der Werte (1926-31) LEONOR KUHN desenvolve tambm, directamente, as investigaes axiolgicas de RICKERT.

    3. Corrente neofichteana. Se a obra atrs referida de J. COHN j apresentava uma certa influncia do pensamento fichteano, a propsito da de H. MNSTERBERG pode falar-se abertamente de um verdadeiro neofichtea- nismo. A sua Philosophie der Werte (2.a ed. 1921) est directamente fundada no pensamento de FICHTE : o mundo ao, acto (lebendige Tat), e aco de um Super-Eu que se desdobra simultaneamente em Eu e No-Eu. O Eu pe o No-Eu (pg. 476). Aceitando fundamentalmente o mesmo ponto de vista, concorda tambm com MNSTERBERG O filsofo W. STERN, cuja Wertphilosophie (1924), constituindo a terceira parte da obra Person und Sache, obedece antes (e neste ponto em oposio a FICHTE) a uma inspirao realista.

    4. Corrente fenomenolgica. Esta corrente foi, como sabido, introduzida na Axiologia por MAX SCHELER. A grande obra deste filsofo, Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik (1916), representa uma tentativa para aplicar ao domnio dos valores o mtodo fenomenolgico introduzido na Filosofia por ED. HUSSERL. OS resultados obtidos com este mtodo aproximam-se notavelmente dos conseguidos por BREN- tano: os valores deixam-se determinar, em oposio tanto ao psicologismo como ao logicismo, como verdadeiras qualidades objectivas das coisas, e apreendem-se mediante actos de um sentir intencional (intentionales Fuhlen). Sobre este princpio fundou posteriormente N. HARTMANN a sua Ethik, em 1926. N. HARTMANN transformou contudo o objetivismo dos ) valores, afirmado por M. SCHELER, num verdadeiro ontologismo dos mesmos: os valores passam a ser considerados e definidos como entes-in-se; um ser em si mesmo (ein ansich seiendes), embora de carcter ideal, -lhes atribudo, completando-se assim a doutrina que se ope a todo o relativismo axiolgico.

    5. Corrente derivada da Cincia-fundamental, de REHMKE. Assim como a Fenomenologia de HUSSERL obteve uma aplicao notvel no terreno axiolgico, o mesmo se passou com a chamada Teoria da Cincia-fundamental, de REHMKE, que, como a primeira, comeou por ser formulada exclusivamente no campo da Lgica Esta sua aplicao deve-se ao discpulo de REHMKE, E. HEYDE, cuja sagaz investigao, feita no seu estudo Werty contribuiu notavelmente para uma clarificao do conceito de valor.

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  • 6. Corrente neo-escolstica. Finalmente, renova esta corrente, na sua essncia, as concepes escolsticas, e especialmente as tomistas acerca do conceito de valor e das relaes em que o valor est para com o ser.Nela s verdadeiramente nova a posio que toma na disputa com as modernas investigaes axiolgicas a qual, de um modo geral, revela pouca compreenso para os mais recentes pontos de vista da actual Filosofia dos valores. Devemos aqui mencionar, de preferncia, a Philosophie der Werte de S. BEHN (1931), alicerada no terreno de uma metafsica escolstica dos valores, e que, na sua forma dogmtica de pensamento, rejeita demasiado fcilmente e, por vezes com uma bem descabida ironia, as concepes opostas. para desejar que a Filosofia neo-escolstica dos valores abandone o mais depressa possvel as atitudes e pontos de vista de BEHN6. Alm disso, queremos tambm referir aqui uma histria do problema axiolgico, escrita, no mesmo ponto de vista neo-escolstico, pelo discpulo de GEYSER, J. v. RINTELEN, na sua obra, Der Wertgedanke in der europischen Geistesentwiklung (I vol., 1932).

    3. A MODERNA PROBLEMTICA AXIOLOGICAA Teoria dos valores , como dissemos, uma disciplina relativamente recente. Isto

    explica porventura o estado, poderia dizer-se, verdadeiramente anrquico em que essa teoria se encontra ainda hoje. Uma srie de correntes doutrinrias e pontos de vista opostos, dos quais acabamos de enumerar os mais importantes, o que a se nos depara. O seu quadro , pois, tudo quanto h de menos unitrio e harmnico.

    Toda a vez, porm, que um novo domnio de fenmenos se abre para a Filosofia, sabido que a primeira coisa que h a fazer determinar-lhe o lugar que lhe pertence no mappa-mundi da Realidadeisto , situ-lo. Trata-se, por outras palavras, de fixar qual a esfera de objectos a que deve adjudicar-se a nova regio descoberta, onde esta ter, por assim dizer, a sua ptria Ora as diferentes correntes da Filosofia dos valores, a que acabamos de nos referir, podem tambm considerar-se como outras tantas respostas dadas a esta outra pergunta: qual a nacionalidade espiritual ou ideal destes peregrinos objectos chamados valores?

    Uma primeira resposta a esta pergunta -nos dada pelo Psicologismo axiolgico. Segundo este, essa regio a da Psych, ou alma humana. O ser dos valores resume-se, segundo esta maneira de ver, no seu serem experimentados, vividos no seu prprio processo de vivncia (esse est percipi). Mas esta doutrina foi, como j dissemos, abandonada pelos seus representantes mais autorizados, podendo hoje considerar-se como definitivamente superada. Nenhum axiologista moderno de autoridade, que saibamos, hoje a perfilha. Uma outra resposta pergunta feita acima diz-nos que a verdadeira ptria dos valores deve ser procurada no prprio Cosmos. Isto : o valioso das coisas coincide afinal, num ponto de vista metafsico, com o ser essencial delas (Sosein). a opinio de ARISTTELES e a da Escolstica, inspirada pelo filsofo grego. Funda-se, como mais adiante veremos, numa insuficincia da distino entre a ordem do ser e a dos valores, numa fatal incapacidade para ver no valor um phaenomenon sui generis. E como neste caso o ser valioso no se distingue do ser natural, da o podermos apelidar esta orientao de cosmologista; os valores, num certo sentido, so assimilados natureza.

    Mundo interno e mundo externo formam, no seu conjunto, a Realidade, a ordem do ser real A esta ordem contrape-se, porm, a ordem ideal que, em oposio ao mundo das coisas que existem, constitui a esfera ou mundo das coisas que valem,

    Esta esfera a dos objectos valentes, contraposta dos objectos entes. Ora nesta esfera da valncia pura que uma terceira resposta pergunta atrs feita, a do Neokantismo, pretende naturalizar os valores. Tudo aquilo que tem qualquer valer ou validade nessa esfera que se situa, chamando-se valor. Os conceitos de valer, ser vlido, e de valor, vm assim a coincidir uns com os outros, podendo portanto ns falar aqui, a respeito desta soluo, numa verdadeira logifi- cao dos valores.

    Uma quarta soluo, finalmente, ainda possvel: o mundo dos valores pode tambm ser considerado um mundo ou esfera parte do. ser, como esfera independente, assentando sobre si mesma. Os valores passam a ser neste caso entes in se (an sich seiend) no no sentido duma existncia real, mas no de um ser ideal objectivo. Uma tal ontologificao dos valores justamente a preconizada por N, HARTMANN.Com isto ficam resumidamente apontadas as principais doutrinas da moderna Filosofia dos valores acerca da situao ntica destes ltimos. Mas estas mesmas doutrinas podem ainda ser consideradas num outro ponto de vista, se em vez de as tomarmos como respostas

    6 Cfr. a crtica de L. HANSEL, in Hochland (1931-32), nmero de Junho.

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  • pergunta feita, as tomarmos agora como respostas a esta outra pergunta: que afinal valor? Qual a essncia dos valores?

    Tambm, para responder a esta segunda pergunta, podemos partir: ou da vivncia, ou do ser natural, ou do ser essencial, ou da lgica, voltando, portanto, a aparecer-nos aqui as mesmas solues fundamentais j apontadas.

    Se partirmos do mundo das nossas vivncias, valor ser aquilo que como tal nos aparece, estando ns assim cados de novo no psicologismo axiolgico, cujas ltimas consequncias so o relativismo e o subjectivismo dos valores.

    Se partirmos do mundo do ser natural, teremos de considerar o valor como uma determinao particular do ser, ou um seu modus essendi. A consequncia ser que toda a distino entre ser e valor, entre ser e dever ser, ficar irremediavelmente comprometida e, em princpio, erigida uma concepo naturalista dos valores.

    Podem, porm, ainda conceber-se os valores como entes autnomos. Nesta hiptese, no sero eles determinao ou modo de ser de algum ente, mas entes in se eles prprios; no sero qualidades mas figuras. E ser esta a concepo caracterstica do Ontologismo axiolgico, como tambm j vimos.

    E finalmente, podemos ainda partir da esfera lgica e interpretar, vista da, a essncia do valor. E teremos ento, de novo, o Logicismo axiolgico, to caracterstico, segundo tambm j notamos, do Neokantismo.

    Deve dizer-se que toda a conciliao entre estas diversas doutrinas se nos afigura quase impossvel. Quem optar por uma delas ter, necessariamente, de repudiar as outras. E contudo no deixa de ser curioso observar que, na mais recente investigao neste domnio, no faltam tambm esforos no sentido de superar algumas daquelas antinomias fundamentais. A tendncia no sentido de rejeitar, em cada vez maior escala, as concepes extremistas e todas as teorias unilaterais. J acima nos referimos superao do Psicologismo axiolgico. Mas no s o psicologismo que se desacreditou. O Logicismo extremo da escola neokantiana tambm hoje considerado, cada vez mais, insuficiente e unilateral.

    E o mesmo se diga do exagerado Ontologismo de N. HARTMANN, que, afora o seu autor, quase no encontra outros adeptos.No que toca, porm, s concepes aristotlicas e escolsticas, bastaria j notar o rumo seguido pela moderna axiologia, para reconhecer que o pensamento filosfico tambm nelas no pode encontrar resposta que o satisfaa. Com efeito, precisamente no terreno axiolgico que a contemporaneidade nos trouxe, com relao Antiguidade e Idade-Mdia, algumas ideias essenciais inteiramente novas7.

    P A R T E I

    Ontologia dos Valores

    I. Essncia dos Valores

    1. DEMONSTRAO FENOMENOLGICAO conceito de valor no pode rigorosamente definir-se. Pertence ao nmero

    daqueles conceitos supremos, como os de ser, existncia, etc., que no admitem definio. Tudo o que pode fazer-se a respeito deles simplesmente tentar uma clarificao ou mostrao do seu contedo. Assim a respeito do conceito de valor.

    Quando pronunciamos a palavra valor podemos com ela querer significar trs coisas distintas: a vivncia de um valor; a qualidade de valor de uma coisa; ou a prpria ideia de valor em si mesma. Se quisermos significar com esta palavra, exclusivamente, a vivncia, per-maneceremos no domnio da conscincia, da Psicologia e do psicologismo Se entendermos por ela unicamente uma qualidade, um particular modo de ser das coisas, permaneceremos no domnio do Naturalismo, em que o valor apenas uma qualidade real de certos objectos. Se finalmente entendermos por valor apenas a sua ideia, no tardaremos em coisijicar, em hipostasiar, os valores, como j aconteceu com PLATO.

    Estas trs concepes so exclusivistas, unilaterais. De certo, cada uma delas apreende uma parte da realidade, mas s uma parte; cai num certo exclusivismo e deixa de

    7 H, MEYER, Das Wesen der Philosophie und die philosophischen Probleme (Die Philosophie, edit. por Th. Steinbchel, sec. 5), Bonn, 1936, 191.

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  • ver as outras partes V apenas um dos momentos do fenmeno mas no v os outros. Ora este fenmeno apresenta-nos, com efeito, trs lados. Valor , sem dvida, algo que objecto de uma experincia, de uma vivncia. Experimentamos o valor de uma personali-dade excepcional, a beleza de uma paisagem, o carcter sagrado de um lugar; falamos de valores ticos, estticos, religiosos. A nossa vivncia destes valores um facto. Mas h tambm aquilo a que chamamos qualidades valiosas. Nos exemplos que acabamos de dar, verifica-se tambm a presena de uma certa qualidade, de um particular quale, nos objectos em questo: homem, paisagem, lugar; este quale que lhes constitui o carcter e desperta em ns o sentimento respectivo ou a respectiva vivncia. E no s isto. H tambm ainda a ideia do valor. Esta consiste no conceito do gnero sob o qual subsumimos o contedo de todas as nossas vivncias da mesma espcie. Nos exemplos referidos, so estes conceitos os de bem, belo e santo. Neste caso, frequente tambm designar os prprios conceitos como valores e falar de valores ticos, estticos e religiosos. Seria contudo mais rigoroso falar aqui de Ideias de valor (Wertideen).

    Depois desta primeira aclarao, tentemos agora penetrar um pouco mais profundamente na determinao do sentido da palavra valor. Para isto procedamos fenomenologicamente, isto , procurando orien- tarmo-nos pelo prprio fenmeno, indo como que atrs dele, Queremos dizer com isto que rejeitamos todo o mtodo apriorstico que consiste em partir de certos conceitos prvios j formados, para extrair deles depois o conceito de valor. o que se passa quando, por exemplo, partimos de um sistema de ideias j completamente constitudo, para depois, luz dele, atacar o problema axiolgico, por forma que o conceito de valor assim obtido se lhe adapte inteiramente. Pode dizer-se que um dos maiores merecimentos da investigao fenomenolgica dos valores foi, justamente, conseguir acabar com este apriorismo.

    Assim como a Teoria do conhecimento procura partir do fenmeno conhecimento, e a Teoria da arte do fenmeno arte, assim a Teoria dos Valores parte do fenmeno valor. Fenmeno , como sabido, tudo aquilo que nos imediatamente dado. Todo o valor nos , porm, dado precisamente na nossa conscincia dos valores, na vivncia que deles temos; ou melhor, de uma maneira mais geral, nessa particular forma de vida que a vida do valioso (Wertleben). Uma reflexo sobre este fenmeno o mesmo que uma reflexo sobre este lado da vida. Emprego aqui intencionalmente esta expresso: vida dos valores, do valioso. Vida dos valores no rigorosamente o mesmonote-seque vivncia dos valores, de que atrs falamos. A vivncia dos valores no constitui toda a vida deles. A vivncia mais, como j a palavra est dizendo, o lado passivo dessa vida. Falamos preferentemente de vivncia, quando de sbito os valores nos iluminam a alma, dando origem a um estado psquico que interiormente nos enriquece e nos torna felizes. Mas ao lado deste fulgurar da emoo a nossa vida dos valores conhece ainda um outro aspecto mais activo. Este o que focamos quando, em vez de valor, falamos antes em valorar, em valorao. Quando experimentamos esta segunda atitude, reconhecemos ento alguma coisa como valioso, no sentido de sermos ns a atribuir-lhe um valor, julgando e apreciando, emitindo um juzo de valor. Ora este o fenmeno de que queremos partir.

    Todos ns valoramos e no podemos deixar de valorar. No possvel a vida sem proferir constantemente juzos de valor. da essncia do ser humano conhecer e querer, tanto como valorar. E at, se pre- tendermos ver na vontade o centro de gravidade da natureza humanacomo j SANTO AGOSTINHO protendia a crer mais uma razo para afirmar que o valorar pertence essncia do homem. Todo o querer pressupe um valor. Nada podemos querer seno aquilo que de qualquer maneira nos parea valioso e como tal digno de ser desejado.

    Valoramos as mais diferentes coisas. O nosso valorar recai sobre todos os objectos possveis: gua, po, vesturio, sade, livros, homens, opinies, actos. Tudo isso objecto das nossas apreciaes. E nelas encontramos j as duas direces possveis de todas as nossas valoraes. Isto : os nossos juzos de valor ora so positivos, ora negativos; umas coisas parecem-nos valiosas, outras desvaliosas. gua, po, vesturio, sade, etc. so valores positivos. Pelo contrrio, nem todos os homens, nem todas as opinies, nem todos os actos representam valores positivos, podendo acontecer que correspondam at a valores negativos ou a um desvalor.

    Dizemos, portanto: tal coisa tem valor. Quando assim falamos, ligamos precisamente palavra valor o seu sentido prprio. Com ela queremos ento significar a valia de um objecto, aquele quid em virtude do qual este objecto diz alguma coisa ao nosso sentimento dos valores. Tambm dizemos frequentemente: tal coisa um valor. Mas neste caso deve notar-se que tal expresso, valor, j no significa, rigorosamente, o quid que tido pela coisa, a valia dela, mas precisamente a coisa que tem o dito valor digamos: o objecto que

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  • o seu suporte. Convm frisar que este objecto, esta coisa, que tem valor, s num sentido derivado pode merecer tambm a designao de valor. Neste caso, a expresso mais conveniente e rigorosa para o designar ser antes a expresso bem(Gut)8.

    Que quer, porm, dizer que alguma coisa tem valor. Que sentido tem o meu valorar ou atribuir um valor s coisas? Se atendermos aos exemplos acima referidos, a resposta a estas perguntas no ser difcil. Atribuo valor ao po porque ele me mata a fome; ao vesturio porque me defende do frio. Em ambos os casos, como evidente, trata-se de necessidades ele- mentares da vida que so satisfeitas por aqueles gneros de coisas. Se estas nos parecem valiosas, porque satisfazem estas necessidades. E assim, podemos, antes de mais nada, definir valor como sendo um certo quid que satisfaz uma necessidade. Ser valor tudo aquilo que for apropriado a satisfazer determinadas necessidades humanas.

    Simplesmente, isto no tudo. J atrs aludimos a certos outros valores chamados ticos, estticos e religiosos. Ora ser a definio que acabamos de dar aplicvel tambm a eles? Ser aplicvel aos valores que residem, no j na esfera do vital, da natureza, mas na do esprito, do espiritual? Sem dvida podemos responder. evidente que por meio destes valores espirituais se satisfazem tambm necessidades; no necessidades vitais, mas espirituais; no do homem externo, mas do homem interior. Poderemos dizer: valor moral tudo aquilo que satisfaz as nossas necessidades ou exigncias morais; valor esttico ou religioso tudo aquilo que satisfaz as nossas necessidades ou exigncias estticas ou religiosas. Mas ao mesmo tempo, dizendo isto, aqui que se nos revela como, no fundo das coisas, afinal insuficiente aquela determinao que fizemos do conceito de valor. Na verdade, nela no se diz em que consiste o contedo daqueles valores; diz-se simplesmente que eles produzem determinados efeitos. Por outras palavras: o objecto daquela determinao deu-nos apenas a noo do seu efeito psquico mas no da sua essncia. Em todo o caso, com ela fica j projectada uma relativa luz sobre o sentido do termo valor, s pela referncia em que o pusemos com determinadas necessidades do homem. E isto muito importante.

    Se fazemos a afirmao: alguma coisa tem valor, teremos proferido um juzo de valor. Um juzo de valor (Werturteil) , porm, diferente dum juzo de existncia ou de essncia (Seinsurteil). Este dirige-se, ou recai, sobre o ser do objecto. Mas isto pode ainda significar duas coisas que importa distinguir rigorosamente. H o ser e a existncia. Ser (Sosein) a essncia (essentia); existncia (Dasein) a realidade no essencial (existentia), o estar a como est de qualquer coisa, diante de ns, como ela nos dada. Ser, essncia, o lado lgico do objecto; aquilo que faz que o objecto considerado seja precisamente esse objecto e no outro; o conjunto das determinaes lgicas do objecto como tal; por meio destas determinaes este objecto abstrado, separado, de todos os outros objectos possveis e tornado aquilo que . Diversamente devemos pensar acerca da existncia (Dasein). Esta marca o lado algico do objeto. Diz- -nos que aquele ser nos est sendo dado na ordem das coisas, na realidade, na forma como o apreendemos. No reside pois o momento da existncia no mesmo plano em que reside o momento do ser. A existncia vem de certo modo acrescentar-se ao ser como factor inteiramente novo, conferindo a este ser (ideal) aquilo que se chama realidade, Ora os nossos juzos que se dirigem para este aspecto do ser, que intendem para ele (no sentido do intendere latino), chamam-se juzos de existncia ou existenciais (Existenzialurteile); os que se dirigem ou intendem para o ser ideal, essencial (lado lgico do objecto) chamam-se juzos da essncia (Soseinsurteile). Ambos tm contudo de comum o referirem-se de qualquer maneira ao ser dos objectos.Pois bem: ao lado do ser e da existncia dos objectos, podemos ainda distinguir neles um terceiro momento. Este corresponde, agora, ao seu serem valiosos (Wertsein). E precisamente para este terceiro lado do objecto que se dirige o juzo de valor. evidente que, se o momento valor pertencesse ao nmero dos momentos da essncia, ou essncias, do objecto, ou se ele destas pudesse ser por qualquer forma derivado, neste caso o juzo de valor no seria essencialmente diverso do juzo de existncia e, menos ainda, do juzo de ser. E, como veremos, precisamente esta a doutrina sustentada por uma certa corrente filosfica. Dela decorre, inevitavelmente, portanto, que entre valor e ser no pode estabelecer-se qualquer separao profunda e que a esfera axiolgica no pode ser autnoma em face da esfera ontolgica. Mais adiante discutiremos este ponto de vista que assenta numa conscincia filosfica pouco diferenciada

    8 Dizemos com RICKERT; chamamos valor no ao bem, coisa real e sensvel qual o valor adere, mas ao prprio valor aderente. Cf. Allgemeine Grundlegung der Philosophie, pg. 113.

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  • Mas a Filosofia dos valores dos nossos dias no adopta este ponto de vista, e parte, pelo contrrio, duma ntida separao entre Realidade e Valor. Isto mostra-se j no facto de ela distinguir entre cincias do ser e cincias dos valores. As primeiras ocupam-se dos seres, daquilo que , para focarem exclusivamente a estrutura do seu objecto, e cifram-se em meros juzos de existncia. Pelo contrrio, as cincias dos valores fundam-se em juzos de valor, e a sua particular viso das coisas uma viso valorativa que s foca o seu objecto no aspecto da referncia deste aos valores. Procuram saber se os valores de que se ocupa so positivos ou negativos e qual o grau que tal outro valor atingiu na sua realizao. Mas h mais ainda a este respeito9. Ao grupo das cincias do ser pertencem, antes de mais nada, as cincias naturais. O seu ponto de vista inteiramente estranho a valores (wertfrei). Distinguem, evidentemente, entre objectos ou figuras mais simples e outros mais complexos, mas nem por isso valorizam em mais os segundos e em menos os primeiros. O homem no para o naturalista, que se sabe manter fiel ao seu ponto de vista puramente cientfico-teortico, o rei da Criao. Para uma contemplao s anatmica Apolo no vale mais que um idiota, e para um qumico um gs que cheire mal no vale menos que outro que tenha o aroma do cravo. E o mesmo se diga do psiclogo. Tambm este no emite juzos de valor. Um estado de conscincia no vale, para ele, mais ou menos do que outro qualquer. O psiclogo procura simplesmente explicar factos e actos pelas suas causas, quer se trate duma aco herica, quer dum crime. E o mesmo acontece com as cincias da natureza, como, por exemplo, com as ideais. Para o matemtico uma figura geomtrica no tem mais valor que outra; um crculo no vale mais que um quadrado. Todas estas cincias so rigorosamente alheias a consideraes de valor. E contudo no quer isto dizer que elas no se ocupem de realidades que podem tambm ser valores. As cincias naturais estudam objectos e foras que podem tambm ter um valor econmico; a psicologia examina processos psquicos da mais variada natureza e entre eles sentimentos e juzos de valor. Mas todas elas tratam destas coisas e destes valores apenas como algo de existente, como seres. No indagam se os juzos e valoraes de que se ocupam so vlidos, se tais valores so ou no verdadeiros valores. Averiguam os factos e procuram compreend-los por meio da sua explicao causal.

    No tomam posio, no valoram. Isto o contrrio do que se passa com as cincias de valores. Estas tm por funo, precisamente, tomar posio e valorar. Pense-se, por exemplo, na tica e na Esttica. Semelhantes cincias contemplam os seus objectos justamente no ponto de vista do valor.

    O moralista procura determinar o valor bem moral e extrair da normas para a aco prtica. Tais normas sero o metro para medir, neste ponto de vista, os actos humanos. Aquilo que lhe interessa precisa- mente poder demonstrar que tal valor positivo, tal outro negativo; e, se for positivo, fixar a sua altura numa escala axiolgica com relao a todos os outros, marcando-lhes a sua hierarquia. Este o ponto de vista decisivo destas cincias que aspiram a elucidar sobre o valor dos seus objectos. Traduzem-se em juzos de valor e por isso se chamam cincias de valores (Wertwissenschaften), em oposio s cincias de seres (Seins- wissenschaften ).

    Por meio do confronto entre os juzos de valor e os juzos de realidade consegue-se agora formar uma ideia mais clara do alcance da distino fundamental entre Valor e Ser, e bem assim do que h de mais caracterstico no momento axiolgico, na essncia do valioso. Ponhamos um exemplo ainda. Seja o de um juzo de valor: este quadro belo. Este juzo pretende afirmar algo sobre o valor esttico do quadro. Afirma que ao objecto quadro pertence uma certa propriedade esttica valiosa: a beleza; A determinao contida neste juzo no pode confundir-se com as outras determinaes do mesmo ser, tais como: a do seu tamanho ou grandeza, da sua forma, da sua matria, da sua cor, etc. Estes conseguem determinar-se por observao e medio. No assim na determinao do valor. E a prov-lo est o facto de que vrios observadores, colocados diante do quadro, formularo porventura juzos idnticos ou diferentes, consoante apreciarem o seu ser ou o seu valor. Entre eles poder estabelecer-se unanimidade no primeiro caso; dificilmente haver unanimidade no segundo. Sobre o ser, todos estaro de acordo em atribuir ao quadro uma certa grandeza e uma certa forma. Mas nem todos concordaro no julgar o seu valor esttico. Isto o bastante para demonstrar j que a determinao do valor de um objecto se acha numa relao muito mais intima e subjectiva com o sujeito do que a determinao objectiva de um ser.

    E esta referncia a um sujeito, como caracterstica prpria do valor, coisa que logo salta vista quando pensamos, um momento, na estrutura dos nossos juzos de valor. Estes, na sua forma mais geral, reduzem-se sempre a afirmar isto: x tem valor. Se atentarmos no contedo deste juzo, reconheceremos, porm, imediatamente, que a relao com o sujeito

    9 Cf sobre este ponto A, MESSER, Einfhrung in die Erkenntnistheorie, 3. ed. Leipzig, 1927, pgs, 189 e segs.

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  • est sempre contida implicitamente dentro dele; no juzo pensa-se sempre, mesmo sem se dar por isso, uma tal relao. como se dissssemos: x tem valor para Jos ou Joaquim, isto , para algum. Por outras palavras: no conceito de valor est includo o da sua referncia a um sujeito. Valor sempre valor para algum. Valor pode dizer-se a qualidade de uma coisa, que s pode pertencer-he em funo de um sujeito dotado com uma certa conscincia capaz de a registar.

    O valor no pode assim ser desligado desta relao. Se o desligarmos, praticaremos uma hipostasiao inadmissvel e t-lo-emos ento coisificado, ontologificado. Quer dizer: no devemos falar de valores em si. O valor no , como pretende N. HARTMANN (que aqui representa um estreito Ontologismo, em contradio com o seu primitivo ponto de vista, de um subjectivismo e funcionalismo neokantianos), algo em si existente (an sich seiendes), mas algo existente para algum (fr jemand seiendes).

    No possvel eliminar para fora do conceito de valor, ou destruir, o conceito de uma relao para com um certo sujeito10.

    Mas com isto, no estaremos ns cados afinal no subjectivismo axiolgico? De modo algum. Deve notar-se que referncia a um sujeito no significa o mesmo que subjectivismo. No se deve pensar que no domnio dos valores possa ser o sujeito, isto , o indivduo valorante, a decidir pura e simplesmente do que valioso e no valioso. 0 sujeito no a medida dos valores. No se deve pensar que os valores e os juzos de valor s valham para este ou aquele sujeito ou indivduo que tenham a percepo deles, e no para outros. Isso sim, seria subjectivismo. E este subjectivismo seria to errneo como o subjectivismo teortico ou lgico. Assim como todo o juzo teortico aspira a algo mais do que a uma simples validade subjectiva para aquele que o emite, e pretende, pelo contrrio, valer no s para este ou aquele julgador mas para todos os possveis julgadores, do mesmo modo o juzo de valor. Quando eu digo: tal aco moral mente condenvel, tal outra moralmente louvvel, evidente que, no sentido essencial deste meu juzo, est sempre o pretender eu exprimir alguma coisa de objetivo, uma situao ou um facto que todos devem reconhecer do mesmo modo, reivindicando para o meu juzo uma validade geral. Mais adiante teremos oca-sio de voltar a este assunto.

    O sentido da expresso referncia a um sujeito (Subjektbezogenheit) deve logo ser diferente. Com o termo sujeito no pode querer-se significar portanto o sujeito individual que julga, mas sim um sujeito em geral, um sujeito mais abstracto (um Subjekt berhaupt). No o indivduo, mas o gnero homem, pura e simplesmente, que aqui entra em causa. Os valores acham-se referidos ao sujeito humano, isto , quilo que h de comum em todos os homens. Referem-se quela mais profunda camada do ser que se acha presente em todos os indivduos humanos e que constitui o fundamento objectivo do seu serem homens (Menschenkinder sind die Menschen aller Zungen und Zonen).

    Trata-se, por conseguinte, dum sujeito supra-individual ou interindividual. Quanto aos valores espirituais, pode mesmo ir-se mais longe. O sujeito ao qual estes se acham referidos no nosso pensamento a seu respeito, nem sequer necessariamente o sujeito humano, o esprito do homem, mas simplesmente o Esprito. Ou, pelo menos, no h razo para pensar os valores espirituais como exclusivamente referidos ao ser humano e no a todos os seres espirituais.Alm disso, poderamos ainda compreender duma outra maneira a essncia do valor e da sua referncia a um sujeito. No que fica dito acima partimos da qualidade valor, do valor como qualidade. Mas poderamos tambm focar agora, de preferncia, o valor-ideia, o valor como ideia ou essncia, e neste caso impor-se- -nos- tentar igualmente uma determinao do valor por este lado teortico-objetivo, referida ao objecto, que no pode deixar de concorrer para aclarar e aprofundar mais ainda o resultado da demonstrao feno- menolgica que fica feita.

    2. DETERMINAO TEORTICA DO OBJETOOs valores, isto , as ideias de valor, no ponto de vista agora adoptado, constituem,

    sem dvida, uma classe especial de objectos. Distinguem-se trs classes principais de objectos: os objectos sensveis, os supra- -sensveis e os no sensveis. Os primeiros so os objectos empricos; os segundos, os metafsicos; os terceiros, os ideais11. Os principais

    10 Neste ponto concordamos com HEYDE (Wert, eine philos. Grundlegung) do qual alis descordamos em muitos outros pontos.

    11 Dei uma anlise destes diferentes tipos d objectos no meu estudo, Die Methode der Metaphysik, Berlim e Bonn, 1932, pgs. 47 e segs.

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  • caracteres deste terceiro tipo de objectos so: a sua irrealidade (tm ser, mas no tm existncia); a sua intemporalidade (esto para alm do devir e da extino temporais); e a sua objectividade (representam uma ordem objectiva, posto que no real, de seres). O mundo particular destes objectos ideais est, como j vimos, referido sempre a um sujeito, isto , existe pelo esprito e para o esprito. a este mundo que pertencem os objectos lgicos e matemticos e bem assim os valores. O mundo dos objectos lgicos e matemticos deixa pressupor tambm necessariamente um esprito ou pensamento que os pensa. E o mesmo diremos, mais uma vez, dos valores. Podemos considerar certas ideias de valor, tais como as de justia, veracidade, beleza, sublimidade, como essncias ou estruturas ideais de ser, e compar-las com as grandezas matemticas, mas no devemos esquecer que todo esse mundo de objectos ideais no existiria se no existisse o esprito.

    Os valores pertencem pois classe dos objectos no sensveis. A sua particular maneira ou modo de ser a do Ser ideal ou do Valer. Num ponto de vista mais ontolgico-esttico, podemos tambm falar, certamente, num ser ideal dos valores, como o fazemos a propsito dos objectos matemticos, e dizer que, num certo sentido, eles, assim como estes, tambm so. Mas mais apropriado falar neste caso, num ponto de vista mais funcional-dinmico, dum simples valer dos valores, considerando-os apenas fundamento dos nossos juzos de valor. O valer predicamo-lo ns dos juzos e proposies. Assim, dizemos: este juzo vlido, para significar que nele se faz uma exigncia ao sujeito cognoscente: a do seu reconhecimento. Ter valor ou validade, quer dizer, neste caso, simplesmente, que os valores reclamam ou exigem de ns que os aceitemos. Mas, quer os valores pertenam esfera do ser ideal, quer do valer, em ambos os casos teremos de concluir, mais uma vez, que eles no podem deixar de se referir sempre a um sujeito. Esta esfera pressupe o esprito; sem esprito no h valores espirituais. Os valores no so algo de meramente subjectivo, algo que dependa apenas do arbtrio ou do capricho do sujeito a quem eles se revelam. Todo o seu mundo, o mundo espiritual, , pelo contrrio, um mundo essencialmente supra-individual e objectivo. No existe s para este ou aquele homem, mas para todos os homens, para todos os seres que tenham um rosto humano, para todos os seres espirituais. Nem outra coisa significa a expresso: valer. Esta contm dois momentos essenciais: um negativo e outro positivo. O negativo corresponde no-realidade, no-existncia, ou irrealidade; o positivo, objectividade. Por outras palavras: o esprito no pode deixar de se orientar por ele, segundo ele. Assim como o meu pensamento se orienta pelas leis lgicas, assim o meu valorar, pelos valores, como sua norma E deste modo podemos determinar, agora, o que seja valor, se o concebermos como Ideia. Trata-se de um contedo ideal de Ser, referido e subordinado ao lado emocional do Esprito, isto , ao nosso sentimento dos valores.

    Devemos, porm, acautelar esta concluso contra uma objeco que lhe movida especialmente do lado neo-escolstico. Muitos representantes da Filosofia neo-escolstica no querem, com efeito, ouvir falar de objectos no sensveis ou ideais como de uma classe particular de objectos. O ser ideal que ns consideramos como o modo de ser particular deste tipo de objectos, coisa que para eles no existe12. Mas contra esta opinio, nota, com razo, HONECKER: nem por devermos recusar aos objectos abstractos qualquer espcie de existncia, lhes podemos por isso recusar qualquer espcie de ser. A verdade o que os objectos abstractos, de certo modo, tambm so; alis no poderiam ser objectos. Falamos, neste caso, dum ser ideal (segundo a idia). Certamente, oferece-nos alguma dificuldade apreender este ser dos objectos abstractos. Mas a explicao desta dificuldade est precisamente na nossa tendncia para conceber todo o ser como existncia. Quem no conseguir distinguir estes dois conceitos um do outro, jamais poder deixar de ver em toda a predicao de um ser, a respeito dos objectos abstractos, ou um ultra-realismo platnico ou um absolutismo inconcebvel13.

    No deixe de se notar que foi essa, efectivamente, a concepo dominante atravs de toda a tradio platnica e agostiniana14.Mas neste momento podemos j, enfim, tomar posio perante esta magna questo: subjectivismo e relativismo, ou objetivismo e absolutismo dos valores? Notemos isto: a 12 Esta opinio , por exemplo, a de GEYSER, na sua polmica com HUSSERL e outros. Cfr. Grundlegung der Logik u. Erkenntnistheorie, Munster, 1919, pgs 100 e seg.

    13 Gegenstandslogik und Denklogik, 2 .a ed., Berlim, Bonn, 1928, Pg, 41. Cfr. a a critica feita aos pontos de vista de GEYSER, a pg. 73.

    14 Cfr. a este respeito o meu livro: Augustinus Metaphysikder Erkenntnis, Berlim Bonn, 1931.

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  • expresso subjetivismo dos valores profundamente exacta, se por ela quisermos significar, como j vimos, o mesmo que referncia a um sujeito; , porm, inteiramente falsa, se referida validade dos valores. H, com efeito, como tambm vimos, uma validade objectiva, ou melhor, supra-individual dos valores. A expresso relativismo ou relatividade dos valores tambm exacta, se com ela quisermos significar que na base de todo o valor e valorao est sempre, necessariamente, a ideia de uma relao com um sujeito valorante. , porm, falsa, se entendida com relao ideia da sua prpria e intrnseca validade H, de facto, uma validade absoluta dos valores Mas esta absolu- teidade no importa, por outro ladonotemos ainda independncia com relao a um esprito valorante, como se os valores existissem em si mesmos como hipstases coisificadas. Absoluteidade quer dizer apenas validade em si mesma para tudo o que possa ter o nome de Esprito (fr Geist berhaupt).

    Resumindo, diremos: valor sempre valor para algum. A referncia a um sujeito da essncia do valor. De certo, h ideias abstratas de valores, essncias de valor, essncias valiosas. Estas no so, porm, entes in se (isso seria ontologismo axiolgico), mas algo de referencial realidade Esprito (geistbezogen) No existem em si mas para um centro espiritual de actos. E o mesmo se diga do valor-qu alidade ou das qualidades valiosas dos objectos. O ser como ser, o puro ser ftico, indiferente aos valores. O carcter valioso s surge nele quando ele entra em relao com uma conscincia valoradora. O objetivismo radical, que considera os valores como qualidades reais das coisas, e o psicologismo, que os considera atitude caprichosa e efmera dos indivduos, desconhecem ambos isto. Se o primeiro coisijica, o segundo euijica (ver- icklicht) os valores. Mas ambos desconhecem que tanto objectividade como eu, tanto objecto como sujeito, tanto mundo como alma, constituem afinal, no seu conjunto indecomponvel, o caracterstico ser dos valores.

    Por ltimo, desejamos ainda refutar duas outras concepes acerca dos valores, que reputamos tambm falsas. A primeira resume-se na frmula: valor igual a prazer. Quer dizer: s valor aquilo que pode despertar em ns uma sensao de prazer. Note-se j que sobre o prazer e o agradvel no h necessariamente unanimidade. Estes podem at ser valorados negativamente. Baste pensar no caso dos ascetas. Pode uma pessoa, de resto, afirmar como valor positivo para a sua conscincia uma coisa que lhe causa desprazer. A nossa conscincia valorativa est longe de coincidir com os nossos prazeres e desprazeres. Muitas vezes acontece at que as duas coisas reciprocamente se excluem15. Evidentemente, os valores so por ns apreendidos mediante uma forma particular de sentimento. Mas isto no quer dizer que esta forma particular de sentimento ou emoo se confunda com as formas elementares da sensao com que registramos em ns o prazer e o desprazer habituais; trata-se, pelo contrrio, de um sentimento ou emoo muito sui generis, mais altos e essencialmente espirituais.

    A segunda concepo a que em ltimo lugar nos referimos e que devemos tambm rejeitar, a que se traduz na frmula: valor igual a desejvel, apetecvel, ou simplesmente susceptvel de ser desejado. Assim, por exemplo, declara EHRENFELS: O valor duma coisa consiste na sua apetecibilidade16. Neste segundo caso, o valor posto em relao, no com um certo sentimento, mas com um impulso vital, um instinto activo, uma vontade. Note-se tambm que esta concepo no pode manter-se de p no que diz respeito, pelo menos, aos valores estticos. O mais leve exame do que se passa com estes valores mostra-nos que podemos ser vivamente impressionados pela beleza duma obra de arte ou de uma paisagem, sem contudo se produzir em ns qualquer desejo de as possuirmos. J KANT caracterizou a essncia da emoo esttica como uma satisfao desinteressada. Dos valores ticos pode dizer-se uma coisa semelhante. Tambm a eles inaplicvel a frmula: valor igual a apetecibilidade. Se afirmo duma personalidade que ela tem um alto valor moral, evidente que isto nada tem que ver com a sombra dum meu desejo.

    O erro fundamental das duas concepes em ltimo lugar referidas est, pois, no completo desconhecimento que revelam da essncia dos mais altos valores espirituais. Podem elas aplicar-se, quando muito, aos valores inferiores e sensveis; nunca aos superiores e espirituais que alis so os nicos que aqui nos interessam e de que se ocupa a verdadeira Filosofia dos valores. Tais concepes s foram possveis numa poca que se achou, toda ela, exclusivamente voltada para o estudo das camadas nfimas do mundo dos valores, sem ter o sentido das mais elevadas.

    15 Cfr, a discusso sobre este ponto em MAX SCHELEE, Der Formalismus in der Ethik und die materiale Wertethik, pgs, 248 e seg.

    16 System der Werttheorie, I, Leipzig, 1897, pg. 52,

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  • II. Valor e Ser

    1. CONSIDERAES GERAISOs valores podem tornar-se realidade Uma obra cientfica, uma obra de arte, uma

    aco moral representam realizaes de valores. Toda a cultura isto, e o seu respectivo conceito no tem, nem pode ter, outro sentido. A Cultura humana , na sua ntima essncia, uma realizao de valores.Examinemos, porm, agora, mais de perto, este fenmeno da realizao dos valores. A primeira coisa que se nos depara esta: os valores, que comeam por ser algo de ideal, por pertencer a uma esfera de ser ideal e de valer, como vimos, penetram em certo momento na esfera do real. O valor irreal torna-se real, isto , assume existncia, encarna. Um ser, uma essncia (Sosein), penetra-se de existentia (Dasein). Mas como se passa isto? Evidentemente, no no sentido de o valor se tornar real em si mesmo, de passar a ser aquilo que no era, de passar a existir independentemente, como uma coisa, ou de assumir uma forma de ser substancial. No devm um ens in se. Torna-se um ens in alio. No consiste num ser em si mesmo, mas num ser que est noutro ser. Assim, por exemplo, um valor esttico converte-se em existencial no quadro do pintor; o valor tico, na aco do homem virtuoso. O quadro do pintor passa ento a chamar-se belo; a aco do homem, a chamar-se boa. Isto : os valores, portanto, s podem tornar-se existenciais sob a forma de qualidades, caractersticas, modos de ser. No possuem um ser independente, mas so de certo modo trazidos, sustentados pelos objectos nos quais se realizam; estes objectos tornam-se seu suporte. As coisas so ento portadoras dos valores (Werttrger).

    Os valores so-nos imediatamente dados como qualidades ou estruturas dum ser. Isto nos explica que se tenham considerado, por vezes, os valores como simples determinaes de seres; que se tenham colocado os valores no mesmo plano das outras determinaes do ser, focando-se o momento valor como um momento do ser Fazendo isto, porm, identificam-se assim valor e ser, a ordem axiolgica e a ordem ontolgica

    Ora, contrariamente a isto, devemos agora acentuar, com toda a firmeza, a fundamental diversidade que se d entre ser e valor, entre ordem ontolgica e ordem axio-lgica. Por outras palavras: devemos esforar-nos por mostrar com a mxima evidncia que a ordem do valioso uma ordem parte, bem distinta da do ser, ou que existe uma esfera autnoma de valores.

    Que esta esfera existe, mostra-o um exame feito mais de perto daquelas coisas a que acabamos de chamar portadoras de valores, ou a que os valores, por assim dizer, aderem (inhaerent, haften), E a primeira coisa que salta vista esta: as coisas portadores dos valores acham-se situadas na ordem temporal. So portanto mutveis, transitrias, efmeras. Num quadro podem produzir-se modificaes que prejudiquem ou, inclusivamente, destruam o seu valor esttico. O quadro pode ser destrudo e as suas qualidades de beleza podem desaparecer. A pessoa portadora dum valor moral pode sofrer uma modificao na sua personalidade e, em vez dum valor positivo, passar a encarnar um negativo. Os bons podem tornar-se maus. Mas o curioso notar que, mesmo quando isto se d, as modificaes produzidas no suporte dos valores no afectam estes Os valores no se alteram com a alterao dos objectos em que se manifestam. To pouco como o azul do ao se torna vermelho quando uma bala se encandesce na exploso do tiro, do mesmo modo os valores e a sua ordem no so tocados pelo facto de os seus portadores sofrerem alterao... O valor da amizade no sofre quebra porque um amigo meu me traiu17. Os valores estticos do belo, do sublime, do gracioso, etc. perdurariam, ainda que fossem destrudos todos os objectos de arte atravs dos quais se nos tornam visveis. por isso que os valores se nos do como imutveis e permanentes, em oposio aos objectos que so mutveis e transitrios. Assim como SANTO AGOSTINHO descobria na verdade duas caractersticas supremas: a eternidade e a imutabilidade (veritas aeterna et incommutabilis), podemos ns descobrir a respeito dos valores o mesmo, E isto j o bastante para nos convencermos de que os valores constituem, portanto, uma ordem de seres ou objectos inteira e essencialmente distinta da ordem dos seres existenciais.

    Mas esta autonomia da ordem axiolgica torna-se-nos ainda mais palpvel, se atentarmos mais demoradamente na sua prpria estrutura ntica (no seu Sosein) e se a confrontarmos, em seguida, com a da ordem do ser-existncia. Com efeito, h, pode dizer-se, duas caractersticas essenciais da primeira que convm nunca perder de vista. Em primeiro lugar, a sua estrutura polar. Dentro da ordem dos valores d-se, por assim dizer, uma polaridade essencial Esta consiste na oposio entre os valores positivos e negativos, entre

    17 M. SCHELER, Der Formalismus in der Ethik, pg. 14.

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  • valor e desvalor. Ora a ordem do ser existencial no conhece nada que se parea com esta polaridade. Certamente, a todo o ser se pode tambm contrapor um no-ser. Mas o no-ser no significa outra coisa seno a supresso ou ausncia do ser. O nada elimina pura e simplesmente o ser, e est tudo dito Outro o sentido da relao entre valor e desvalor. O desvalor no elimina inteiramente o valor; o primeiro ainda, de certo modo, valor, embora negativo. Aquilo que eliminado simplesmente a positividade do valor, no o valor. O valor negativo vem assim a achar-se ainda dentro da ordem dos valores. E a isto que se chama a polaridade, ou estrutura polar desta ordem, a axiolgica, em oposio do ser-existncia ou ontolgica.

    Em segundo lugar, h ainda uma outra caracterstica essencial daquela primeira ordem. Referimo- -nos agora sua estrutura hierrquica. A ordem dos valores apresenta-nos igualmente uma estrutura escalonada.

    Os valores admitem graus; so susceptveis de mais ou de menos. Todo o valor est nestas condies. Todo ele tem uma dimenso em profundidade dentro da qual se admitem vrios graus na sua realizao Por exemplo, o valor moral da pureza pode atingir na sua realizao diversssimos graus.E no s isso: a mesma ordem hierrquica encontra-se necessariamente na relao dos valores uns para com os outros. H valores que esto mais alto que outros. No s dentro da mesma classe, como entre as diferentes classes de valores, h distines a estabelecer e preferncias a atribuir. Por exemplo, o herosmo da renncia e o sacrifcio de si mesmo valem eticamente mais que uma simples pequena transformao moral. Todos ns falamos em valores menos nobres e em valores mais nobres. Todos sabemos que os valores sensveis so inferiores aos valores espirituais. Todos falamos do primado do espiritual. E ainda dentro dos ltimos, dos espirituais, nem todos so iguais em dignidade. Ningum duvida de que, por ex., os valores ticos so superiores aos estticos.

    Uma estrutura herrquica desta natureza , porm, desconhecida dentro da ordem do ser. Por certo, tambm esta se nos apresenta estratificada na sua estrutura. H, efectivamente, o mundo inorgnico, o orgnico, o psquico, o espiritual, como sabido de todos. Mas estes degraus da realidade no correspondem, evidentemente, a graus no ser. No se pode afirmar que qualquer deles possua mais ser que o outro, ou seja mais real que o outro. A nica alternativa que neste caso se nos impe : ser ou no ser, existir ou no existir; no h meio-termo. Nenhum, porm, existe mais do que o outro, ficando logo excludo aqui todo o grau de comparao18. Tudo isto nos pe no rumo de mais uma profunda diferena que existe entre ser o valor (Sein e Wert), que podemos definir dizendo que o segundo admite graus de comparao, enquanto que o primeiro os no admite. As estruturas de polaridade e de hierarquia so, portanto, duas caractersticas fundamentais da ordem dos valores que a separam radicalmente da ordem do ser.

    Mas h ainda uma objeo contra a qual preciso estar prevenido. O facto de distinguirmos to vincadamente o ser e o valor, no significa de modo algum que os separemos em absoluto, como nos objectado por parte da Filosofia neo-escolstica. Esta objeco tornou-se, por assim dizer, tpica por parte desta Filosofia, muito embora seja absolutamente descabida. Distinguir no o mesmo que separar ou desgarrar uma coisa da outra To pouco separamos o valor do ser neste ltimo sentido, que, pelo contrrio, precisamente, toda a nossa concepo a este respeito se funda num constante referir o valor ao ser. Os valores esto, segundo vimos, condenados a no poderem existir seno atravs da realidade, do ser. S mediante a realidade existem, passam a ter existncia. Por outro lado, a realidade est tambm voltada para eles; como que sequiosa deles, no sentido de que s na medida em que os acolhe e por eles se deixa penetrar, atravessar, atinge a sua plenitude e se consuma. Isto s por si pe j em todo o relevo que h, portanto, e no pode deixar de haver, a mais ntima ligao entre os dois mundos do ser e do valor. Acham-se os dois subordinados um ao outro, numa condio de interdependncia e correlao necessrias. E mais: ambos eles, no fundo e em ltima anlise, vo mergulhar as suas razes na mesma Realidade infinita das concepes metafsicas. Esta mesma interdependncia de que falamos, e que est bem evidente, nos aponta com o dedo para a sua origem metafsica comum que lhes serve de explicao. Estamos convencidos de que o alicerce e o ncleo fundamental de todo o ser residem, no fim de contas, no seio duma Realidade infinitamente valiosa (Wertwirklichkeit) em que o ser e o valor mutuamente se penetram e se completam pensamento este que aqui deixamos esboado e que s mais adiante, na ltima parte deste trabalho, a propsito da Teologia dos valores, encontrar o seu completo desenvolvimento conceituai e filosfico.

    18 Cfr. A. MESSER, Deutsche Wertphilosophie der Gegenwart, Leipzip, 1926, pg. 5.

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  • Aqui seja apenas dito de passagem que quem julga poder refutar a moderna Filosofia dos valores, especialmente a de base fenomenolgica, com estampar-lhe no rosto a etiqueta de dualismo e com acus-la de querer estabelecer uma absoluta separao entre ser e valor, d mostras de nada perceber acerca do ponto de vista ou da doutrina que se prope refutar19. Deve mesmo observar-se que, ainda a respeito da doutrina de N. HARTMANN representante, como j se disse, de uma concepo ontologstica acerca do particular modo de ser dos valores esta objeco, tal como formulada, est longe de ser concludente. Baste notar que logo nas primeiras pginas da sua Ethik encontramos as seguintes palavras deste filsofo: como grande a contradio que existe entre a pobreza interior espiritual do homem e a exuberante riqueza da vida real, dessa vida que por todos os lados nos circunda e eternamente se estende diante de ns. A tragdia da vida humana como a do esfomeado que est sentado mesa e no ousa estender a mo para ela, por no conseguir ver tudo que se acha posto a diante dele Porque o mundo real o infinito da abundncia; a vida real uma vida saturada e inundada, por todos os lados, de valores que a repassam. Para qualquer lado que lancemos a mo, a encontramos o prodgio e a maravilha. Por isso, o importante saber formar e educar o nosso rgo visual dos valores. H um saber orientar-se moral diz ainda o mesmo filosofo um como que instinto que nos conduz atravs da riqueza de valores da vida, um saber abrir os olhos para ver, um saber dar-se a si mesmo, para conseguir alguma coisa (20) E no dever, em face de tais palavras, contidas pro- gramaticamente na Introduo desta obra, considerar-se absolutamente injustificada, na sua generalidade, a objeco neo-escolstica a que nos referimos?

    Tambm contra a concepo axiolgica de MESSER, mais inspirada em M. SCHELER e fugindo a todo o ontologismo, objecta M. WITTMANN que ela representa um dualismo insustentvel. Diz-se que impossvel separar inteiramente uns dos outros os problemas do ser e do valor; que a ordem do valor pressupe uma correspondente ordem do ser; que os valores carecem duma base real, dum alicerce ontolgico; que eles s so susceptveis de existir na forma de qualidades valiosas ou estados; que os valores no podem ser assentados sobre si mesmos e hipostasiados21.

    Mas, precisamente, contra estas objeces nota, como toda a razo, o mesmo MESSER : j ficou acentuado no ser minha inteno separar radicalmente os problemas do valor dos problemas do ser, no sentido de os querer separar permanente e definitivamente.

    Que, porm, indispensvel trat-los separadamente na primeira fase das investigaes, no sentido duma distino radical (quer dizer: ntida e perfeita), mostram-no as prprias observaes de WITTMANN. A verdade que este sempre admite, talvez sem dar por isso, que a ordem dos valores exige e pressupe uma correspondente ordem do ser. Ele quer dizer, sem dvida: pressupe logicamente, de facto, uma ordem do ser. Trata-se dum pressuposto lgico da sua validade objectiva. Mas seria muito para lhe agradecer, se nos pudesse ser fornecida a prova duma tal afirmao; isto , se nos pudesse ser demonstrada a possibilidade de derivar uma concluso segura da ordem do ser para a do valor. Pela nossa parte, nunca at hoje conseguimos passar de uma para a outra. Que possa haver um mundo de valores sem um mundo de coisas (digamos, de realidades), isso no hesitar em o afirmar todo aquele que conseguir pensar correctamente o conceito de valor, resistindo tentao de se representar esse conceito sob uma forma sensvel. Pensar deste modo os valores no equivale de maneira alguma a hipostasi-los. Pelo contrrio, so aqueles que exclusivamente os pensam como coisas valiosas (Wertdinge) e como algo de real os que caem neste vcio.To pouco contestamos que os valores s possam existir, ou que s sejam susceptveis de existncia, na forma de qualidades e estados valiosos dos seres. E precisamente quando WITTMANN apresenta nestes termos a sua objeco que ele demonstra no ter compreendido o sentido da distino metodolgica entre valor e realidade, entendida esta como existn-cia. Ns afirmamos, muito pelo contrrio, que os valores, tomados em si mesmos, no so algo de real; porm, sim, apenas, que podemos pens-los em si mesmos22.

    19 , por exemplo, o caso de J. B. LOTZ, S, J., no seu artigo, Sein und Wert, publicado na Zeits. fr kathol. Theologie, 1933, pgs. 557, 613.

    20 Ver Ethik, pgs. 10 e seg. (Os sublinhados so do autor).21 Para a relao entre moral e religio, ver Philos., Jahrbuch, 1925, pg. 104.

    22 Deutsche Wertphilos, der Gegenwart, jfrgs. 4 e seg. Uma fundamentao circunstanciada e convincente da distino entre valor e ser, tambm a que nos dada por P. BOKMERSCHEIN no seu profundo estudo, Wertrecht und Wertmacht (Berlim, 1931), pgs. 114 e seg.

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  • Todas estas objeces tm, porm, o seu ponto de partida comum no axioma escolstico: Omne ens est bonum. por isso da maior convenincia que passemos agora a analisar a consistncia deste axioma.

    2. APRECIAO CRTICA DA PROPOSIO: Omne ens est bonum

    Este axioma tem o seu paralelo neste outro: Omne ens est verum. Ambos eles constituem partes integrantes, muito essenciais, da doutrina escolstica dos Trans-cendentais. Entende-se por esta ltima expresso certos conceitos supremos e generalssimos que exprimem as determinaes fundamentais do ser e. que, portanto, devem atribuir-se a todos os seres. Estes conceitos esto situados ainda mais acima das catego-rias, e da o seu nome. Ao passo que estas ltimas servem para designar os modi essendi, isto , os diversos modos e espcies do ser, os primeiros exprimem os modi generaliter consequentes omne ens23.

    ALBERTO MAGNO distinguia cinco transcendentais, a saber: res> unum, aliquid> verum, bonum. Todo o ser in actu uma substncia real, uma res. Aparecemos como fraco singular, depois duma diviso (unum)> e separada de todos os outros entes (aliquid). Aquilo que a substncia real de facto , -o mediante a Forma. esta, a Forma., que confere s coisas no s a sua existncia, mas ainda o ser. E assim torna-se claro que toda a essncia coincide com a sua Forma. A esta coincidncia chama-se o verdadeiro (verum). Este verum vem acrescentar, portanto, ao conceito de ens o duma relao entre ele e a sua Forma. pela aposio da Forma que se passa da potncia ao ato. Uma tal passagem corresponde ao movimento da Matria como que em procura da Forma em que ela encontra a sua plenitude. E este movimento no tem nada de passivo; pelo contrrio, a Matria aspira Forma, deseja a Forma, procura a Forma. Desejando-a, porm, este movimento da Matria realiza-se em vista dum fim. Mas um fim para que se tende , por outro lado, um bem (bonum), pois s por causa deste que o desejo, a aspirao, existem. Ora na medida precisamente em que os seres reais atingem este fim (a sua unio com a Forma) que pode dizer-se que so bons; neste preciso quantum de unio com a forma que o ens vem a ser bonum. O conceito de bonum acrescenta, por conseguinte, ao conceito de ens a ideia da sua relao com a Forma como fim: bonum addit super ens relationem ad finem. O axioma: omne ens est bonum vem, assim, a significar que todo o ente, como ente, encontrou a Forma por ele almejada e , por esse mesmo motivo, bom- Ens e bonum so deste modo, na realidade, conceitos idnticos. Se no so comutveis entre si os respectivos contedos, so-no as coisas que eles querem significar: Bonum et ens convertunter secundam supposita et non secundam intenciones (De divinis nominibus, Clm 6909 e seg.)24.

    Enquanto que, porm, ALBERTO MAGNO extrai os Transcendentais duma contemplao imanente do ens, S. TOMS vai mais longe do que ele, no que toca a esta contemplao. O conceito fundamental supremo de que parte, tambm o de ser. Mas a esse conceito acrescenta, segundo ele, a nossa inteligncia mais alguma coisa, gerando descarte outros conceitos que, no fundo, no deixam de ser idnticos ao do ser. Assim se alcanam, antes de mais nada, certos modi essendi que alis afectam todo o ser em si mesmo. Pertence a este nmero a proposio de que todo o ens uma res; ou seja, a que afirma ser todo o ente uma coisa. A esta proposio afirmativa contrape-se uma nega tiva: a da indivisibilidade de todo o ser (indivisio)y isto , o seu ser-um, a sua unidade, o unum. Mas h um segundo grupo de modi essendi que nos permite, por sua vez, ordenar e referir o ens a um outro ser. Com efeito, todo o unum diferente do alter; um aliquid (aliud quid). As ltimas determinaes transcendentais, so as do verum e bonum. Estas estabelecem uma relao entre o ens e uma determinada substncia que conhece e quer; digamos, a alma. O verum acrescenta ao conceito de ens o da sua cognoscibilidade (ens cognoscibile); o bonum, o da sua apetecibili- dade (ens appetibile). Assim que S. TOMS pde dizer: convenientiam ergo entis ad appetitum exprimit hoc nomem bonumy ut in principio Ethic. dicitur: bonum est quod omnia appetunt. (De veritate, q. I, a. I)25. Donde decorre que o ens (o ser) vem a ser o bom, justamente na proporo em que objecto dum apetecer; e isto s-

    23 Cfr. O. WILLMANN, Historische Einfhrung in die Metaphysik, Freiburg, 1914, pg. 54.

    24 Cfr. H. KUHLE, Die Lehre Alberts des Grossen von den Transzendentalien, in Philosophia perenais (Geyser-Festschrift), Regensburg, 1930, I, pgs. 129 e segs. Acerca dos conceitos Matria-Forma e sua aplicao determinao do valor bonum, cfr. o meu escrito, Die Weltanschauung des Thomas v. Aquin, Stuttgard, 1926, pgs. 127 e segs.

    25 Cfr. SCHULEMANN, Die Lehre von den Transzendentalien in der scholastischen Philosophie, Leipzig, 1929, pgs. 41 e segs.

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  • lo- ele em tanto maior escala quanto maior for a sua riqueza ntima, a sua plenitude de ser, a sua perfeio (perfectio). TOMS diz ainda: omne ens, inquantum est ens, est in actu, et quodammodo perfectum: guia omnis actus perfectio est; perfectum vero habet rationem appetibilis et boni (S. Theol. I, q. 5, a. 3). Isto o mesmo que dizer que o valor (bonitas) nada mais do que uma perfeio do ser. Visto que, porm, o princpio desta reside na Forma, assim residir tambm a a valia ou o valioso das coisas. E ainda: visto que a Forma o mesmo que actualidade (acto), em oposio a potncia, teremos tambm que o valioso das coisas estar do mesmo modo fundado na actualitas. E agora j podemos compreender este perodo do Aquinense: omne ens inquantum est ens est bonum (loc. cit.). Como todo o ser inteligvel para a inteligncia, do mesmo modo tambm apetecvel para a vontade. Transparente para o pensamento, igualmente atractivo para o querer. Numa palavra: o conceito de ser envolve, ao mesmo tempo, um contedo de valor. O ontolgico , ao mesmo tempo, grandeza lgica e grandeza axiolgica.

    Pensemos bem no significado e alcance duma semelhante tese. Nela se resume, pode dizer-se, toda uma Metafsica. A tese a mais radical de todas as teses sobre a natureza da Realidade que se possa imaginar. Nela se diz, com efeito, pura a simplesmente, que a Realidade em si mesma tem, ao mesmo tempo, a natureza do pensamento e a do valioso; que na sua essncia concorrem simultaneamente, a constitu-la, os contedos da nossa conscincia lgica e os da nossa conscincia valorativa.

    A Realidade no contm para a inteligncia humana sequer um ponto de sombra que no possa ser dissipado, como no contm para a nossa conscincia moral a mnima razo de escndalo que no possa ser reparada. O seu recheio feito de luz; o seu contedo sempre exactamente divisvel pela razo. Gomo nada nela existe, em princpio, de algico, tambm nada pode existir de essencialmente desvalioso. O desvalor no tem ser. Significa ausncia de ser. Malum est ens privativum esta a consequncia lgica do axioma escolstico de que nos estamos ocupando.

    Vale a pena atentar um pouco na origem histrica desta doutrina especulativa.Como j atrs observmos, esta confuso entre ser e valor remonta a ARISTTELES.

    Resultou da encorporao do mundo das Ideias platnicas dentro do Real, operada por este filsofo. ARISTTELES fez, como se sabe, das rgidas e estticas Ideias platnicas princpios dinmicos e Formas vivas, actuando dentro de Realidade. E a muitos respeitos foi esta transformao da doutrina um autntico progresso. O problema do conhecimento tornou-se deste modo, por exemplo, de muito mais fcil soluo: no lugar da contemplao platnica das Ideias, surgiu a abstraco aristotlica dos conceitos essenciais, extrados dos dados dos sentidos, e com isso, indiscutivelmente, a experincia veio a ganhar em dignidade. Mas essa transformao continha tambm graves perigos.

    A Ideia platnica tem uma dupla face. Se, por um lado, ela corresponde, em parte, a um conceito de ser (ideia de homem, rvore, cavalo, etc.), no deixa de lhe corresponder, por outro, tambm em parte, um certo conceito de dever-ser, de algo normativo. Ora ns podemos tomar o conceito de homem, por exemplo, nos dois sentidos: j como um conceito de ser, de algo que , e significar ento para ns o mesmo que a essncia geral do homem, como esta aparece realizada em todos os indivduos humanos, j como conceito normativo (Sollensbegriff), e querer neste caso dizer, no o homem real, dado na experincia de todos os dias, mas um certo tipo ideal de homem, do homem como ele deve ser.

    No primeiro caso trata-se dum conceito, no segundo duma ideia. No tendo ARISTTELES feito esta distino, da resultou ter ele desconhecido a diferena essencial entre conceito e ideia. Encorporando na Realidade a Ideia platnica, considerada neste segundo aspecto, evidente que no podia diexar de confundir tambm o ser e o dever-ser, a realidade e o valor. Uma esfera de valor propriamente dita, uma ordem axiolgica ao lado da ordem ontolgica, era coisa que para ele no podia pois dar-se. Eis a o sentido em que a Escolstica veio a entender o seu clebre axioma da Omne ens est bonum.

    Alm disso, tambm a teoria do conhecimento de ARISTTELES completamente estranha a uma Ideia, no sentido de uma Ideia de valor. No h a lugar para ela. O filsofo desconhece-a. Segundo ele, o intelecto extrai os conceitos da experincia. Os conceitos universais so formados custa da experincia e dos dados dos sentidos que a Realidade fornece ao sujeito do conhecimento. Mas na Realidade no aparece rasto dum dever-ser, dum sollen. Este, pelo contrrio, contrape-se ao ser, como norma, como normatividade. Por conseguinte, no se podem obter por este caminho quaisquer conceitos de normas ou dum dever-ser; obtm-se apenas conceitos relativos a seres. A constituio dos primeiros deixa pressupor um conhecimento at certo ponto criador. Trata-se de conceitos que no se deixam extrair de nenhum ser, e que s podem ser gerados pelo Esprito mediante um

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  • processo de criao original. Porm, para ARISTTELES um tal processo no existe. Para o mesmo filsofo, conhecer significa essencialmente o mesmo que receber, registar precisamente alguma coisa; um pati e no um facere. Donde resulta que ARISTTELES no podia deixar de negar, partindo deste ponto de vista, toda a ideia autnoma de valor e, portanto, a possibilidade dum reino dos valores.

    A origem histrica da metafsica axiolgica dos Escolsticos reside pois, se nos lcito resumir mais uma vez o nosso pensamento, nesta atitude do Estagirita, ao encorporar a Ideia platnica dentro das coisas reais, fundindo-a com a Realidade. Fazendo isto, ARISTTELES fundiu tambm com esta a ideia do valor e passou a considerar valioso o prprio ser. Valor no podia, depois disto, significar outra coisa que no fosse a plenitude do ser ou a consumao ntica das coisas dentro da sua, forma essencial mais conveniente. J se tem chamado a esta concepo uma concepo realista, um realismo axiolgico. A expresso, porm, no rigorosa e pode induzir em erro. Porque o mais caracterstico dela no est em considerar o valioso como real coisa que alis fazem todas as teorias que procuram compreender o fenmeno do valor como ele deve ser compreendido mas em no ser capaz de distinguir o axiolgico do ontolgico e, conseguiu temente, em confundir o ser e o valor.Mas esta concepo insustentvel. Supunhamos o caso duma dor fsica. indubitvel que uma dor fsica um facto real, um ens. Ora, se devermos admitir que todo o ens um bonum, algo que no podemos deixar de considerar valioso, digno de se apreciar e estimar, seguir-se-ia que a dor estar neste caso. Mais: quanto maior for a plenitude do ser deste ens, quanto maior e mais intensa a dor, tanto maior dever ser tambm a altura do valioso que nela se encerra. Mas isto seria absurdo. Donde a concluso: a plenitude do ser nada tem que ver com os valores.

    Outro exemplo. Diz-se demnio um ser espiritual que quer o mal e no pode querer outra coisa. Este ser tambm um ens. Portanto, segundo a doutrina aristotlico-escolstica, um valor. Quanto maior a sua perfeio ntica, quanto mais poderosa a sua inteligncia e mais forte o seu querer, tanto maior ser o valor do demnio. Que ele se proponha o mal, indiferente. Tal pequeno defeito no ser um defeito do ser; ser apenas uma certa direco que toma a sua vontade. No a maldade que faz quebra plenitude do ser do demnio, nem, consequentemente, ao que de valioso contm a sua essncia. Mas tambm neste caso o absurdo de uma tal consequncia pe de manifesto o absurdo da tese de que valor nada mais do que perfeio do ser e de que, por isso, os conceitos de ens e bonum coincidem26.

    Alm disso, a mostrar-nos a impossibilidade desta reduo do valor ao ser, est ainda o que se passa com os valores ticos. Imaginemos um homem colocado num meio requintadamente imoral. Este homem no v realizados em parte algum, a em torno de si, quaisquer valores de natureza tica, com que alis sonha. Presta culto justia e s v reinar a injustia; ama o bem e s v o mal e o dio. Enternece-o a pureza e tudo em volta dele impuro. E contudo, apesar de a realidade estar em contradio com as mais elevadas aspiraes da sua conscincia moral, no o abandona um s momento a certeza de que sem estes valores no pode existir verdadeira humanidade.

    Em face desta verdade, chega a parecer incrvel que haja ainda hoje filsofos to enamorados da Idade- -Mdia que sustentem e defendam com toda a convico a tese do omne ens est bonum. H muito tempo que a Filosofia moderna viu o que havia de proble-mtico neste axioma, bem como no outro, que lhe paralelo, do omne ens est verum. Esta filosofia deixou de considerar evidentes e necessrios tais axiomas, justamente porque a sua conscincia intelectual se tornou entretanto mais subtil, mais diferenciadora dos diversos domnios e classes de objectos e das suas caractersticas estruturas nticas, e por isso pde definitivamente rejeitar toda a identificao entre o ser e o valor. Aqueles que ainda hoje teimam em no ver isto e em os confundir, podero usar do mais moderno calo filosfico e apresentar-se como os mais actualizados dos filsofos do nosso tempo; a verdade , porm, que no falam em nome da Filosofia moderna mas sim do pensamento medieval.

    Entre os filsofos neo-escolsticos h, certo, alguns que no so inteiramente cegos para compreender a explanao que acabamos de fazer. Se reconduzem o valor ao ser, fazem-no contudo de um modo, verdade seja, que no deixa de tomar em considerao os argumentos acima expostos. Haja em vista o que se passa com J. VON RINTELEN, cuja exposio na matria mostra claramente o esforo do seu pensamento para achar novas frmulas que possam pr a doutrina ao abrigo das objeces feitas. assim que as suas ideias, alis no inteiramente isentas de certos equvocos, visam a conseguir dar uma definio de valor

    26 Acerca desta reduo do conceito de valor ao de ser mediante o de perfeio, cfr. o meu estudo: Das Kausalprinzip? 1928, pgs. 281 e seg., e M, SCHELER, no Formalismus in der Ethik. de SCHELER esta observao: o diabo tem tambm a sua maneira de ser perfeito; simplesmente, e pena, d-lhe para ser perfeitamente mau; ibid., pg. 618.

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  • utilizando o conceito de finalidade. Para ele, valor desta forma o contedo de sentido de um ser, na medida em que este ser realiza ou pode realizar um certo fim27. Diz ele: um fim (tlos) que se atinge, representa sempre, na sua realidade material, qualitativa, concreta, um bonum ou um valor que deve considerar-se, em parte, como um valor em si m