John Piper - Supremacia de Deus Na Pregação

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0 livro do ano, segundo a revista Preaching Supremacia de Deus na pregação Teologia, estratégia e espiritualidade do Ministério de Púlpito publicações John Piper

Transcript of John Piper - Supremacia de Deus Na Pregação

  • 0 livro do ano, segundo a revista Preaching

    Supremacia de Deus na pregao

    Teologia, estratgia e espiritualidade do Ministrio de Plpito

    publicaes John Piper

  • na pregaa |m

    Teologia, estratgia e espiritualidade do Ministrio de Plpito

    TraduoAugustus Nicodemos

    John Piper

  • Copyright 1990 de Baker Books Ttulo do original: The supremacy o f God in preaching

    de Baker Books, um a diviso da Baker Book House Company, G rand Rapids, Michigan, 49516, USA.

    I 11 Edio - Agosto de 2003

    Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados por

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    com indicao de fonte.

    Printed in Brazil / Impresso no Brasil

    ISBN 85-88315-21-1

    T r a d u o : Augustus Nicodemos R e v is o : Ruth Hayashi Yamamoto Diagramao: Edmilson F. Bizerra

  • iAo povo da Igreja Batista Bethlehem

    que compartilha a viso de supremacia de Deus e vive

    para saborear esta viso em adorao, fortalec-la na educao,

    e propag-la a todas as naes em nome de

    Jesus Cristo, nosso Senhor.

  • Parte 1: A Supremacia de Deus na Pregao Palestras The H arold John Ockenga sobre Pregao Gordon-Conwell Theological Seminary, 1988

    Parte 2: Doce Soberania: A Supremacia de Deus na Pregao de Jonathan EdwardsThe Billy Graham Center palestras sobre Pregao W heaton College, 1984

  • sumrio

    Prefcio............................................................................................ 9

    Parte 1Por que Deus Deveria Ser Supremo na Pregao................ 1 5

    1 .0 alvo da Pregao: A Glria de D eus .............................1 72 .A Base da Pregao: A Cruz de C ris to ...........................2 73 . Dom da Pregao: O Poder do Esprito Santo........... 3 54 .Seriedade e Alegria na P regao....................................4 5

    Parte 2Como Tornar Deus Supremo na Pregao............................ 6 3Orientaes do M inistrio de Jonathan Edwards..................6 5

    5 . Mantenha Deus no Centro: A Vida de Edwards.......... 6 76 .Submeta-se Doce Soberania: 4 Teoiogia de Edwards...... 7 57 .Torne Deus Supremo: 4 Pregao de Edwards............81

    Desperte sentim entos s a n to s ......................................... 81Ilumine a m en te ...................................................................8 4Sature com as E sc ritu ras ................................................ 8 6Empregue analogias e im agens.......................................8 8Use ameaas e advertncias...........................................8 9Pea uma respos ta ..........................................................9 2Sonde as operaes do corao.....................................9 4Submeta-se ao Esprito Santo em orao .................. 9 7Tenha um corao quebrantado e com passivo........... 9 8Seja In tenso..................................................................... 101

    Concluso 1 0 5

  • prefcio

    Pessoas esto m orrendo famintas da grandeza de Deus, mas muitas delas no fariam este diagnstico de suas vidas perturbadas. A majestade de Deus uma cura desconhecida. H prescries muito mais populares no mercado, mas o benefcio de qualquer outro remdio sumrio e pouco profundo. A pregao que no contm a grandeza de Deus pode entreter por algum tem po, mas no tocar o clamor secreto da alma: Mostra-me a sua glria!.

    Anos passados, durante a semana de orao de janeiro em nossa igreja, decidi pregar com base em Isaas 6, sobre a santidade de Deus. Resolvi, no prim eiro domingo do ano, desenvolver a viso da santidade de Deus que se acha nos primeiros versos deste captulo:

    No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus ps e com duas voava. E clamavam uns para os outros, dizendo: Santo, santo, santo o Se n h o r dos Exrcitos; toda a terra est cheia da sua glria. As bases do limiar se moveram voz do que clamava, e a casa se encheu de fumaa.

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    Assim, preguei sobre a santidade de Deus e fiz o melhor que pude para expor a majestade e a glria de um Deus to grande e santo. No dei nem uma palavra de aplicao na vida das pessoas. A aplicao essencial no andamento normal de uma pregao, mas naquele dia me senti guiado a fazer um teste: ser que o retrato apaixonante da grandeza de Deus iria, por si s, satisfazer as necessidades do povo?

    Eu no sabia que, pouco antes deste domingo, uma das famlias jovens de nossa igreja havia descoberto que seus filhos estavam sendo abusados sexualmente por um parente prximo. Era indescritivelmente traumtico. Eles estavam ali, naquela manh, escutando a mensagem. Estou curioso por saber quantos, dos que costumam nos aconselhar, a ns pastores, hoje em dia, diriam: Pastor Piper, no v que seu povo est ferido? Ser que voc no pode descer dos cus e ser mais prtico? N o percebe que tipo de povo est sua frente no domingo? Algumas semanas mais tarde eu soube da histria. O marido me levou a um lugar parte, num domingo, aps culto. John, disse ele, estes tm sido os meses mais difceis de nossas vidas. Voc sabe o que me ajudou a passar por eles? A viso da grandeza da santidade de Deus, que voc me deu no primeiro domingo de janeiro. Foi a rocha onde pudemos nos firmar.

    A grandeza e a glria de Deus so relevantes. No im porta se as pesquisas trazem uma lista de necessidades observadas entre as quais no se inclui a suprema grandeza do Deus soberano da graa. Esta a necessidade mais profunda. Nosso povo est m orrendo com fome de Deus.

    O u tra ilustrao deste pon to a m aneira como a mobilizao missionria est acontecendo em nossa igreja, e a maneira pela qual ela tem acontecido vez aps vez atravs da histria. A juventude de hoje no fica entusiasmada com denominaes e organizaes eclesisticas. Os jovens se entusiasmam com a grandeza de um Deus global, e com o

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    propsito de um Rei soberano, impossvel de ser detido. O primeiro grande missionrio disse: [...] viemos a receber graa e apostolado por a mordo seu nome, para a obedincia por f, entre todos os gentios (Rm 1.5, nfase acrescida). Misses existem por causa do nome de Deus. Elas fluem do amor pela glria de Deus e pela honra de sua reputao. E uma resposta orao: Santificado seja teu nome!.

    Portanto, estou persuadido de que a viso de um grande Deus a chave na vida de igreja, tanto no cuidado pastoral quanto na expanso missionria. Nosso povo precisa ouvir uma pregao permeada de Deus. Precisa de algum, pelo menos uma vez po r semana, que levante sua voz e exalte a supremacia de Deus. Precisa contem plar o panoram a completo de suas excelncias. Robert M urray M Cheyne afirmou: O que Deus abenoa no tanto os grandes talentos, mas a grande semelhana a Jesus. U m ministro santo uma arma terrvel na mo de Deus.1 Em outras palavras, do que o povo precisa mais da nossa santidade pessoal. Sim, e santidade humana nada mais do que uma vida imersa em Deus - a sobrevivncia de uma viso de mundo permeada de Deus.

    O tema indispensvel de nossa pregao o prprio Deus, em sua majestade e verdade e santidade e justia e sabedoria e fidelidade e soberania e graa. Com isto no pretendo dizer que no devemos pregar sobre os detalhes pequenos e sobre a im portncia de questes prticas como paternidade, divrcio, AIDS, glutonaria, televiso e sexo. O que quero dizer que cada uma destas coisas deve ser trazida diante da santa presena de Deus e ali profundamente examinada quanto sua teocentricidade ou impiedade.

    A tarefa do pregador cristo no dar ao povo conselhos moralistas ou psicolgicos sobre como se dar bem no m undo. Q ualquer outra pessoa pode fazer isto. Mas a maioria de nosso povo no tem ningum no m undo que

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    lhes fale, semana aps semana, sobre a suprema beleza e majestade de Deus. E muitos deles esto tragicamente famintos de uma viso centrada em Deus, como a do grande pregador Jonathan Edwards.

    O historiador da igreja, M ark N oll, v como uma tragdia que nestes dois sculos e meio desde Edwards, [...] os evanglicos americanos, como cristos, no tm qualquer conceito sobre a vida, a partir de seus nveis mais baixos at os mais altos, porque toda sua cultura deixou de t-lo. A piedade de Edwards continuou na tradio reavivalista, sua teologia continuou no calvinismo acadmico, mas no houve sucessores da sua cosmoviso teocntrica ou da sua filosofia teolgica p rofunda. O desaparecim ento da perspectiva de Edwards da histria crist americana tem sido uma tragdia.2

    Charles Colson ecoa esta convico: A igreja ocidental- boa parte dela levada pela correnteza, aculturada, e infectada com graa barata - precisa desesperadamente ouvir o desafio de Edwards [...] E minha convico que as oraes e o trabalho dos que amam e obedecem a Cristo em nosso mundo ainda ho de predominar, ao manterem a mensagem de um homem como Jonathan Edwards.3

    A restaurao da cosmoviso teocntrica nos mensageiros de Deus seria causa de grande regozijo no pas, razo para uma profunda ao de graas ao Deus que faz novas todas as coisas.

    O material do captulo 1 apareceu pela primeira vez sob a forma de estudos nas Palestras sobre Pregao Harold John Ockenga, G ordon-Conw ell Theological Seminary, em fevereiro de 1988. O contedo do captulo 2 foi apresentado, primeiramente, como Palestras sobre Pregao Billy Graham Center, no W heaton College, em outubro de 1984. Este privilgio e esforo foram de maior lucro para mim do que para qualquer outra pessoa; agradeo aos lderes adminis

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    trativos destas escolas, que depositaram sua confiana em mim e ampliaram minha prpria compreenso do chamado sublime do pregador cristo.

    Agradeo a Deus continuam ente o no me ter deixado at agora, sem palavras, num domingo de manh, nem sem o zelo de faz-lo para sua glria. Ora, eu tam bm tenho meus dias de mau humor. M inha famlia, com quatro filhos e uma esposa serena, no uma famlia sem seus sofrimentos e lgrimas. Crticas podem doer como um nervo exposto, e o desnimo pode ser to intenso a ponto de deixar este pregador paralisado. Mas pelo dom da graa incomensurvel e soberana que, excedendo todo deserto e toda inadequao, Deus abriu sua palavra para mim e me deu um corao capaz de sabore-la e proclam-la semana aps semana. Nunca deixei de amar a pregao.

    Na misericrdia de Deus h uma razo humana para tal. Charles Spurgeon sabia disso, e a maioria dos pregadores satisfeitos tambm sabe. Certa vez, Spurgeon foi interpelado sobre o segredo do seu m inistrio . Aps um a pausa momentnea ele respondeu: Meu povo ora por m im .4 Este o motivo pelo qual estou sendo freqentemente reavivado para o trabalho do ministrio. Este foi o motivo pelo qual Supremacia de Deus na Pregao foi escrito. Meu povo ora por mim. A eles dedico este livro, com afeio e gratido.

    M inha orao para que este livro possa mudar os coraes dos arautos de Deus para o cumprimento desta grande admoestao apostlica:

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    Se algum fala, fale de acordo com os orculos de Deus [...]

    na fora que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado,

    por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glria e o domnio

    pelos sculos dos sculos. Amm! (lPd 4.11)

    John Piper

    'A ndrew Bonar, ed., Memoir and Remains ofRobert Murray McCheyne (Grand Rapids: Baker Book House, 1978), 258.

    2 M ark N oll, Jonathan Edwards, M oral Philosophy, and the Secularization of Americam Christian Thought, Reformed Journal (Fevereiro, 1.983):26. Enfase do autor.

    3 Charles Colson, In trodution, em Jonathan Edwards, Religious Affections, (Portland: Multnomah, 1.984), xxiii, xxxiv.

    + Iain Murray, The Forgotten Spurgeon (Edimburgo: Banner of Truth, 1.966), 36.

  • PARTE 1

    Porque Deus Deveria Ser Supremo

    na Pregao

  • alvo da pregao

    A GLORIA DE EUS1

    Em setembro de 1.966 eu era um estudante da terceira srie em vspera de exames finais, especializando-me em literatura no W heaton College. Havia terminado um curso de Qumica na escola de vero, estava totalmente apaixonado por Nol e estava mais doente do que nunca, ou do que antes, com mononucleose. O mdico me confinou no centro de sade por trs das semanas mais decisivas da minha vida. Foi um perodo pelo qual no cesso de agradecer a Deus.

    Naquele tempo, o semestre de aulas do outono comeava com a Semana de nfase Espiritual. O pregador, em 1.966, foi Harold John Ockenga. Foi a primeira e ltima vez que o ouvi pregar. W ETN, a estao de rdio do estabelecimento de ensino superior, transmitia as mensagens, e eu escutava deitado em meu leito, a cerca de 200 metros do plpito. Sob a pregao da Palavra pelo pastor Ockenga, o rumo da minha vida foi definitivamente mudado. Posso me lembrar de como senti meu corao quase explodindo de ansiedade, enquanto escutava - ansiando por conhecer e manusear a Palavra de Deus daquela maneira. Atravs daquelas mensagens, Deus me chamou para o ministrio da Palavra, irresistivelmente e (creio eu) irrevogavelmente. E minha convico, desde

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    ento, que a evidncia subjetiva do chamado de Deus ao ministrio da Palavra (citando Charles Spurgeon) um desejo intenso e completamente absorvente pelo trabalho.1

    Quando sa do centro de sade, desisti de Qumica O rgnica, comecei a estudar Filosofia como m atria secundria, e me empenhei ao mximo para obter a melhor educao bblica e teolgica que pude. Vinte e dois anos mais tarde (nesta preleo, em 1.988), testifico que meu Senhor nunca me deixou duvidar deste chamado. Soa to claro no meu corao como sempre soou. E simplesmente fico admirando a providncia graciosa de Deus - salvando- me e chamando-me como servo da Palavra, e duas dcadas mais tarde, deixando-me falar sob a insgnia das Palestras sobre Pregao Harold John Ockenga, no Gordon-Conwell Theological Seminary.

    Isto, portanto, um precioso privilgio para mim. O ro para que este seja um tributo aceitvel ao doutor Ockenga, que nunca me conheceu - e, portanto, um testemunho ao fato de que o verdadeiro proveito de nossa pregao no ser conhecido de ns, at que todos os frutos de todos os galhos em todas as rvores que brotaram de todas as sem entes que sem eam os tenham am adurecido, p o r completo, luz da eternidade.

    Porque, assim como descem a chuva e a neve dos cus e para l no tornam, sem que primeiro reguem a terra, e a fecundem, e a faam brotar, para dar semente ao semeador e po ao que come, assim ser a palavra que sair da minha boca: no voltar para mim vazia, mas far o que me apraz e prosperar naquilo para que a designei (Isaas 55.10-11).Dr. Ockenga nunca soube o que a sua pregao fez em

    minha vida, e, se voc for um pregador, pode tom ar nota de que Deus ir ocultar de voc muito dos frutos produzidos por ele atravs de seu ministrio. Voc ver o suficiente

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    para se assegurar da sua bno, mas no tanto a ponto de fazer voc pensar que poderia viver sem a mesma. Pois o alvo de Deus glorificar a si mesmo e no o pregador. Isto nos leva ao tem a principal: a supremacia de Deus na pregao. Seu esboo intencionalmente trinitariano:

    O alvo da pregao: a glria de DeusA base da pregao: a cruz de CristoO dom da pregao: o poder do Esprito Santo

    Deus Pai, Deus Filho e Deus Esprito Santo so o comeo, o meio e o fim no ministrio da pregao. As palavras do ap sto lo tra ta m de todos os labores m in is te ria is , especialmente o da pregao: Porque dele, e por meio dele, e para ele so todas as coisas. A ele, pois, a glria eternamente (Rom 11.36).

    O pregador escocs James Stewart disse que os alvos da pregao genuna so: despertar a conscincia atravs da santidade de Deus, alimentar a mente com a verdade de Deus, purificar a imaginao atravs da beleza de Deus, abrir o corao para o amor de Deus, devotar a vontade ao propsito de Deus.2 Em outras palavras, Deus o alvo da pregao, Deus a base da pregao - e todos os recursos entre o alvo e a base so dados pelo Esprito de Deus.

    Meu objetivo pleitear a supremacia de Deus na pregao- que a nota dominante da pregao seja a liberdade da graa soberana de Deus; que o tema unificador seja o zelo que Deus tem para com a sua prpria glria; que o objeto sublime da pregao seja o infinito e inexaurvel ser de Deus, e que a atmosfera penetrante da pregao seja a santidade de Deus. E ento, quando a pregao apresentar as coisas ordinrias da vida - famlia, trabalho, lazer, amizades, ou a crise de nossos dias - AIDS, divrcio, vcios, depresso, abusos, pobreza, fome e, o pior de tudo, povos do mundo no alcanados, estes assuntos no sero somente levantados. Sero elevados at Deus.

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    John Henry Jowett, que pregou por trinta e quatro anos na Inglaterra e nos Estados Unidos at 1.923, entendia que este era o grande poder dos pregadores do sculo dezenove, como Robert Dale, John Newm an e Charles Spurgeon: Eles sempre estavam prontos a parar numa janela da vila, mas sempre conectavam as ruas aos altos, e faziam as almas de seus ouvintes viajar por sobre os eternos montes de Deus [...] Precisamos, penso eu, recuperar esta nota de imensido, esta sensao e sugesto sempre presentes do Infinito em nossa pregao.3 N o incio do sculo vinte e um , a necessidade desta recuperao dez vezes maior.

    T am bm no estou, aqui, p ro p o n d o um tipo de preocupao rebuscada e elitista com pontos filosficos ou intelectuais imponderveis. H certas pessoas do tipo esttico que gravitam para cultos mais elevados, por no suportarem a comdia vulgar do culto evanglico. Spurgeon era tu d o m enos um e litis ta in te lec tu a l. Dificilmente existiu um pastor que fosse mais popular do que ele. Suas mensagens, no entanto, eram cheias de Deus e a atmosfera dos cultos onde pregava ficava carregada com a presena de realidades aterradoras. Nunca teremos grandes pregadores, disse ele, at que tenhamos grandes telogos.4

    Ele disse isto no porque se interessava mais por teologia do que por almas perdidas; ele se importava com uma porque amava as outras. Foi o mesmo com Isaac Watts, que viveu cem anos antes. Samuel Johnson disse a respeito de Watts, Tudo o que ele tomava em suas mos, por causa de sua incessante solicitude pelas almas, era convertido teologia.5 Para mim, isto quer dizer, no caso de Watts, que ele relacionava todas as coisas com Deus, porque se preocupava com as pessoas.

    Hoje Johnson, creio eu, comentaria o seguinte sobre muitas das pregaes contemporneas: Tudo aquilo que o pregador tom a em suas mos, por causa de sua incessante

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    necessidade de relevncia, convertido em filosofia. N em os grandes alvos da pregao, nem o lugar digno da filosofia so honrados nesta perda do nervo teolgico. Um a razo pela qual as pessoas, s vezes, colocam em dvida a validade duradoura da pregao centrada em Deus porque nunca escutaram algo parecido. J. I. Packer nos conta sobre a pregao de Dr. M artyn Lloyd-Jones que ele ouvia todo domingo noite, na capela de W estminster, durante 1.948 e 1.949. Ele afirmou que nunca havia escutado tal pregao. Veio a ele com a fora e a surpresa de um choque eltrico. Diz ele que Lloyd-Jones lhe trouxe a percepo de Deus mais do que qualquer outro hom em .6

    isto que as pessoas tiram do culto hoje em dia - a percepo de Deus, a nota da graa soberana, o tema da glria panormica, o grandioso objeto do Infinito Ser de Deus? Entram eles uma hora por semana - o que no uma expectativa exagerada na atmosfera da santidade de Deus que deixa seu aroma sobre as suas vidas a semana inteira?

    C otton M ather, que m inistrou na N ova Inglaterra h 300 anos, afirmou: O principal intento e finalidade do ofcio do pregador cristo [] restaurar o trono e o domnio de Deus nas almas dos hom ens.7 Isto no era floreado retrico. Foi uma concluso exegtica calculada e acurada de um dos grandes textos bblicos que levam ao fundamento bblico da supremacia de Deus na pregao. O texto por detrs da afirm ativa de M ather Rom anos 10.14-15: Como, porm, invocaro aquele em quem no creram? E como crero naquele de quem nada ouviram? E como ouviro, se no h quem pregue? E como pregaro, se no forem enviados? Como est escrito: Quo formosos so os ps dos que anunciam coisas boas!. Segundo este texto, a pregao poderia ser definida como a proclamao da boa nova por um mensageiro mandado por Deus (proclamao

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    - da palavra kerussontos no verso 14; das boas novas - de euangelizomenon agatha no verso 15; enviadas por um mensageiro enviado - de apostalosin no verso 15).

    A pergunta chave : o que o pregador anuncia? Quais as boas novas aqui referidas? Desde que o verso 16 uma citao de Isaas 52.7, faremos bem, se nos voltarmos e deixarmos Isaas nos dar a definio do mesmo. Preste ateno ao que Mather ouviu neste verso concernente ao grande projeto da pregao crist:

    Que formosos so sobre os montes os ps doque anuncia as boas-novas,que faz ouvir a paz,que anuncia coisas boas,que faz ouvir a salvao,que diz a Sio: O teu Deus reina!

    As boas-novas do pregador, a paz e a salvao que ele anuncia esto condensadas numa s sentena: O teu Deus reina! Mather aplica isto, com plena razo, ao pregador: O principal intento [...] de um pregador cristo [] restaurar o trono e domnio de Deus nas almas dos homens.

    A nota chave na boca de todo pregador-profeta, tanto nos dias de Isaas, nos dias de Jesus, como nos nossos dias Teu Deus Reina! Deus o Rei do universo; Ele tem direitos absolutos de criador sobre este mundo e todos nele contidos. N o entanto, h rebelio e revolta de todos os lados, e sua autoridade escarnecida por milhes. Assim, o Senhor envia pregadores ao mundo para bradar que Deus reina, que Ele no deixar que Sua glria seja escarnecida indefinidamente, que Ele vindicar o Seu nome em grande e terrvel ira. Mas eles tambm so enviados a proclamar que, por enquanto, um perdo completo e livre oferecido a todos os sditos rebeldes que retornarem de sua rebelio, clamarem a Ele por misericrdia, se prostrarem diante de Seu trono e prometerem solenemente submisso e fidelidade

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    a Ele para sempre. A anistia assinada pelo sangue de seu Filho.

    Portanto, Mather est absolutamente certo: O principal desgnio do pregador cristo restaurar o trono e o domnio de Deus nas almas dos homens. Mas, por qu? Podemos nos aprofundar mais? O que faz com que o corao de Deus seja levado a exigir que nos subm etam os sua autoridade e a oferecer a misericrdia da anistia?

    Isaas nos d a resposta num texto anterior a este. Falando da sua misericrdia para Israel, Deus diz:

    Por amor do meu nome, retardarei a minha ira e por causa da minha honra me conterei para contigo, para que te no venha a exterminar.Eis que te acrisolei, mas disso no resultou prata; provei-te na fornalha da aflio.Por amor de mim, por amor de mim, que fao isto; porque como seria profanado o meu nome?A minha glria, no a dou a outrem.

    (Isaas 48.9-11)Por detrs e debaixo das prticas soberanas da misericrdia de Deus como Rei, h uma paixo inabalvel para com a honra de seu nome e a manifestao de sua glria.

    Portanto, poderemos nos aprofundar mais do que a sugesto de M ather. Oculto sob o compromisso de Deus de reinar como Rei, h um compromisso mais profundo de que Sua glria, um dia, encher toda a terra (Nm 14.21; Is 11.9; H b 2.14; Sl 57.5; 72.19). Esta descoberta tem uma tremenda implicao para a pregao, pois o mais profundo propsito de Deus em relao ao m undo inund-lo com repercusses de sua glria, nas vidas de um a nova humanidade, resgatadas de cada povo, tribo, lngua e nao (Ap 5.9).8 Mas a glria de Deus no refletida com clareza nos coraes dos homens e das mulheres, quando eles se submetem covardemente, a contragosto, sua autoridade,

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    ou quando obedecem em medo servil, ou ainda quando no h alegria em resposta glria de seu Rei.

    A implicao disto para a pregao bvia: quando Deus manda seus emissrios proclamar Teu Deus Reina!, seu alvo no o de compelir o homem submisso, por um ato de autoridade crua; seu alvo arrebatar nosso afeto com exibies irresistveis de glria. A nica submisso que reflete em sua totalidade o valor e glria do Rei a submisso prazerosa. Submisso de m vontade uma repreenso ao Rei. Sem regozijo na sujeio no h glria ao Rei.

    N a realidade isto o que Jesus afirma em Mateus 13.44: O reino (o governo, o domnio) dos cus semelhante a um tesouro oculto no campo, o qual certo homem, tendo- o achado, escondeu. E, transbordante de alegria (submisso prazerosa quela realeza e deleite em sua glria, seu valor), vai, vende tudo o que tem e compra aquele campo. Quando o reino um tesouro, a submisso um deleite. Ou, invertendo a ordem, quando a submisso um deleite, o reino exaltado como um tesouro. Portanto, se o alvo da pregao glorificar a Deus, ela precisa ter como objetivo a submisso prazerosa ao reino dele, e no submisso fria.

    Paulo diz em 2Co 4.5: Porque no nos pregamos a ns mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor. Mas, a seguir, no verso 6, ele expe o que est por detrs da proclamao do Senhorio de Cristo - por detrs do governo e autoridade do Rei Jesus - e mostra a essncia de sua pregao, que a iluminao do conhecimento da glria de Deus, na face de Cristo. A nica submisso ao senhorio de Cristo que exalta plenamente seu valor e reflete sua beleza a alegria humilde da alma humana na glria de Deus na face de Seu Filho.

    A m arav ilha do evangelho e a descoberta mais libertadora que este pecador jamais fez foi que o mais profundo compromisso de Deus ser glorificado e o mais

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    profundo desejo meu ser satisfeito no esto em conflito, mas de fato en co n tram consum ao sim ultnea na manifestao da glria de Deus e em meu deleite nela.9 Portanto, o alvo da pregao a glria de Deus refletida na submisso prazerosa do corao humano. E a supremacia de Deus na pregao est garantida por este fato: aquele que satisfaz recebe a glria; aquele que concede o prazer o tesouro.

    1 Charles H . Spurgeon, Lectures to My Students (Grand Rapids: Zondervan, 1.972), 26.

    2 James Stewart, Heralds o f God (Grand Rapids: Baker Book House, 1.972), 73. Esta citao vem de William Temple, que a formulou para definir culto, mas Stewart tomou-a emprestada por dar com preciso os alvos e finalidades da pregao.

    3 TohnH. Towett, The Preacher: His Life and Work (Nova York: Harper, 1.912), 96, 98.

    4 Spurgeon, Lectures, 146.3 Samuel Johnson, Lives o f the English Poets (Londres: Oxford Univer

    sity Press), 2:365.6 Christopher Catherwood, Five Evangelical Leaders (Wheaton: Harold

    Shaw, 1985), 170.7 C otton Mather, Student and Preacher, or Directions fo r a Candidate o f

    the Ministry (London: Hindmarsh, 1726), v.8 Uma defesa exegtica extensa desta declarao oferecida no Apndice

    1 de John Piper, Desiring God (Portland: Multnomah, 1986).9 Esta a tese de Desiring God, onde as suas implicaes em outras

    reas da vida, alm da pregao, so desenvolvidas.

  • " O

    o

    a base da pregao

    a c r u z d e C r i s t o B

    Pregar anunciar as boas novas atravs de um mensageiro mandado por Deus, as boas novas [...]

    que Deus reina;que ele reina para revelar sua glria;que sua glria revelada mais abundantemente nasubmisso prazerosa de sua criao;que, portanto, o zelo de Deus, para ser glorificado, e onosso desejo de sermos satisfeitos no so conflitantes;e que algum dia a terra estar cheia da glria do Senhor,ecoando e repercutindo em incandescente adorao daigreja resgatada, congregados vindos de todo povo elngua e tribo e nao.

    O alvo da pregao a glria de Deus refletida na submisso prazerosa de sua criao.

    Existem, porm, dois obstculos poderosos ao alcance deste objetivo: a justia de Deus e o orgulho do homem. A justia de Deus seu zelo resoluto pela exaltao de sua glria.1 O orgulho do homem seu zelo resoluto pela exaltao de sua glria.

    O que em Deus justia, no homem pecado. Este o ponto exato de Gnesis 3 - o pecado entrou no mundo por meio de uma tentao, cuja essncia era: sers como Deus.

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    A tentativa de imitar Deus neste ponto a essncia de nossa corrupo.

    Nossospais enamoraram-se por esta idia e neles todos ns camos na mesma armadilha. Agora faz parte de nossa natureza. Tomamos o espelho da imagem de Deus, cuja inteno era refletir a sua glria no mundo, damos as costas luz, e nos encantamos com os contornos de nossa prpria sombra escura, tentando desesperadamente nos convencer (com avanos tecnolgicos, ou com habilidades administrativas, ou vantagens atlticas, ou empreendimentos acadmicos, ou faanhas sexuais, ou ainda com cabeleiras con- tra-culturais) de que a sombra escura no cho nossa frente realmente gloriosa e satisfatria. Em nosso orgulhoso romance com ns mesmos lanamos desprezo, saibamos disto ou no, sobre o mrito da glria de Deus.

    Quando nosso orgulho verte desprezo sobre a glria de Deus, ele obrigado a verter sua ira sobre nosso orgulho.

    Os olhos altivos dos homens sero abatidos,e a sua altivez ser humilhada;s o Senhor ser exaltado naquele dia.Porque como seria profanado o meu nome?A minha glria, no a dou a outrem.Os olhos dos altivos so humilhados [...] e Deus, o Santo, santificado em justia.Destruio ser determinada, transbordante de justia [...]

    (Is. 2.11; 48.11; 5.15-16; 10.2)O alvo da pregao a glria de Deus na submisso

    prazerosa de sua criao. E, portanto, h um obstculo a esta pregao em Deus e h um obstculo no homem. O orgulho do homem no se deleita na glria de Deus, enquanto que a justia de Deus no deixar que sua glria seja escarnecida.

    Portanto, onde encontraremos alguma esperana de que a pregao atingir seu alvo - que Deus seja glorificado

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    naqueles que esto satisfeitos nele? Ser que algum dia a justia de Deus ceder em sua oposio aos pecadores? Ser que o orgulho do homem poder algum dia ser quebrado de sua prpria vaidade e satisfazer-se na glria de Deus? H base para tal esperana? H fundamento para uma pregao vlida e promissora?

    H, sim. N a cruz de Cristo, Deus encarregou-se de superar os dois obstculos pregao. A cruz supera o obstculo objetivo, externo, da oposio da justia de Deus ao orgulho humano, e supera o obstculo subjetivo, interno, de nossa oposio orgulhosa glria de Deus. Fazendo assim, a cruz se torna a base da validade objetiva da pregao e a base da humildade subjetiva da pregao.

    Tomemos estes pontos, um por vez, e olhemos para a evidncia bblica.

    A cruz como a base da validade da pregao

    O problema mais fundamental da pregao de que maneira um pregador ser capaz de proclamar esperana a pecadores, d iante da irrepreensvel justia de Deus. Obviam ente, o hom em por si s no v isto como o problema mais srio. Ele nunca viu.

    R. C. Sproul demonstrou claramente esta questo por meio de um sermo baseado em Lucas 13.1-5, intitulado A ocasio errada para ficarmos espantados. Algumas pessoas vieram a Jesus e lhe contaram a respeito dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os sacrifcios que os mesmos realizavam. Jesus respondeu com palavras chocantes e frias: Pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem i adecido estas coisas? No eram, eu vo-lo afirmo; se, porm, no vos arrependerdes, todos igualmente perecereis. Em outras palavras, Jesus disse o seguinte: Vocs esto chocados que alguns galileus foram mortos por Pilatos? Vocs precisam ficar chocados, porque

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    nenhum de vocs foi morto, e pelo fato de que um dia sero mortos, sim, se no se arrependerem.

    Sproul salientou que aqui reside a antiqssima diferena entre a maneira pela qual o homem natural v o problema de seu relacionamento com Deus e a maneira pela qual a Bblia v o problema da relao do homem com Deus. Pessoas centralizadas no homem ficam atnitas, ao pensar que Deus retm a vida e alegria de suas criaturas. Mas a Bblia, que centralizada em Deus, demonstra espanto diante do fato de que ele capaz de reter o julgamento sobre os pecadores. Uma das implicaes que isto traz pregao que pregadores que se orientam pelo que a Bblia diz, e no pelo que o mundo diz, sempre estaro lutando com realidades espirituais que muitos de seus ouvintes nem ao menos sabem que existem ou que sejam indispensveis. Mas o ponto essencial este: o problema fundamental com a pregao, quer ele seja percebido ou no pela nossa poca to centralizada no homem, como um pregador consegue proclam ar esperana a pecadores, d iante da justia irrepreensvel de Deus.

    E a soluo gloriosa para este problema a reconciliao que ocorreu na cruz, como foi mostrada nesta parfrase de Romanos 3.23-26:

    23 pois todos pecaram e esto destitudos da glria de Deus [eles mudaram a glria de Deus para a glria da criatura, Rm 1.23],24 sendo justificados gratuitamente por sua graa, por meio da redeno que h em Cristo Jesus. 2s Deus o apresentou como sacrifcio para propiciao mediante a f [ali est a cruz!], pelo seu sangue. Ele fez isto para demonstrar sua justia, porque, em sua tolerncia, havia deixado impunes os pecados anteriormente cometidos - 26 isso para demonstrar sua justia no presente, a fim de ser justo e justificador daquele que tem f em Jesus.O que esta passagem surpreendente afirma que o

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    problema fundamental da pregao foi superado pela cruz. Sem a cruz, a justia de D eus poderia ser som ente demonstrada na condenao de pecadores, e o alvo da pregao seria abortado - Deus no seria glorificado com a felicidade de suas criaturas corrompidas. Sua justia seria simplesmente vindicada na destruio delas.

    O que o texto nos ensina que - mesmo que todos desprezem a glria de Deus (de acordo com Rm 3.23), e mesmo que a justia de Deus seja seu comprom etim ento resoluto com a sustentao desta glria (subentendido em 3.25) - no obstante, Deus projetou um caminho para vindicar o valor da sua glria e, ao mesmo tempo, dar esperana a pecadores que escarneceram dela. O que ele planejou foi a morte de seu Filho. Foi necessria a morte infinitamente preciosa do Filho de Deus, para reparar a desonra que o meu orgulho trouxe gloria de Deus.

    O sentido da cruz horrivelmente distorcido, quando os profetas contemporneos que pregam a auto-estima dizem que a cruz testemunha do meu valor infinito, j que Deus estava disposto a pagar um preo to alto para me alcanar. A perspectiva bblica que a cruz testemunha a favor da infinita dignidade da glria de Deus e contra a imensido do pecado de meu orgulho. O que deveria chocar-nos que temos trazido tanto desprezo sobre a dignidade de Deus que a morte de seu prprio Filho foi requerida para vindicar esta indignidade. A cruz se levanta como testemunho da infinita dignidade de Deus e o infinito ultraje do pecado.

    Conseqentemente, o que Deus conquistou na cruz de Cristo a autorizao ou o fundamento da pregao. A pregao seria invlida sem a cruz. O alvo da pregao conteria uma insolvel contradio - a glria de um Deus justo engrandecida na felicidade de um povo pecador. Mas a cruz juntou dois aspectos do alvo da pregao que pareciam en co n tra r-se desesperad am en te em d ivergncia: a

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    justificao e exaltao da glria de Deus e a esperana e felicidade do homem pecador.

    N o captulo 1 vimos que pregar proclamar as boas novas de que o zelo de Deus em ser glorificado e o nosso desejo de sermos satisfeitos no esto em conflito absoluto. E o que vimos at agora neste captulo que a base desta proclamao a cruz de Cristo. Este o evangelho por detrs de todas as outras coisas que a pregao deve anunciar. Sem a cruz, a pregao que tem como alvo glorificar um Deus justo pela felicidade do homem pecador no tem validade.

    A cruz como base da humildade da pregao

    A cruz tambm a base da humildade da pregao, porque ela o poder de Deus para crucificar o orgulho de ambos, tanto dos pregadores como da congregao. N o Novo Testamento a cruz no somente o antigo local, onde ocorreu a substituio objetiva; tambm um lugar atual de execuo subjetiva - a execuo de minha autoconfiana e meu romance com o elogio de homens. Q uanto a mim, que eu jamais me glorie, a no ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o m undo (G1 6.14).

    O ponto no qual o apstolo Paulo faz mais questo de enfatizar o poder crucificador da cruz aquele da sua prpria pregao. Duvido que haja uma passagem sobre pregao mais im portante em toda a Bblia do que os primeiros dois captulos de ICorntios, onde Paulo mostra que o grande obstculo para os alvos da pregao em Corinto era o orgulho. As pessoas esto enamoradas com a habilidade de oratria, faanha intelectual e exposies filosficas. Alinhavam-se detrs de seus mestres favoritos e se gloriavam deles: Eu sou de Paulo!, Eu sou de Apoio!, Eu sou de Cefas!.

    O alvo de Paulo nestes captulos e declarado em 1.29:

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    para que ningum se vanglorie diante dele, e em 1.31: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor. Em outras palavras, Paulo no deseja negar-nos a grande satisfao que vem do exultar em glria e do deleitar-se em grandeza. Fomos feitos para ter este prazer. Mas ele no quer deixar de reconhecer a glria devida a Deus e a grandeza que se volta em eco a ele, quando as pessoas se gloriam no Senhor e no no hom em . Satisfaa seu desejo de se gloriar, gloriando-se no Senhor.

    Os alvos de Paulo so os alvos de pregao crist - a glria de Deus no homem de corao contente, a exultao dos cristos voltada para Deus. Contudo, o orgulho nos impede. Para remov-lo, Paulo fala a respeito dos efeitos da cruz em sua prpria pregao. Seu ponto principal que a palavra da cruz (1.18) o poder de Deus para quebrar o orgulho do homem - tanto do pregador quanto do ouvinte- e nos leva a uma dependncia prazerosa da misericrdia de Deus e no de ns mesmos.

    Deixe-me dar-lhes apenas alguns exemplos disto vindos do texto: Pois Cristo no me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho, no com palavras de sabedoria humana, para que a cruz de Cristo no seja esvaziada. (ICo 1.17). Por que a cruz seria esvaziada, se Paulo tivesse vindo com oratria florida e exibies de sabedoria filosfica? Seria esvaziada, porque Paulo estaria cultivando aquela jactncia no hom em que a cruz deveria crucificar. Isto o que pretendo dizer, quando afirm o ser a cruz a base da humildade da pregao.

    Considere o mesmo pontb em 2.1: Q uanto a mim, irmos, quando estive entre vocs, no fui com discurso eloqente nem com m uita sabedoria para lhes proclam ar o mistrio de Deus. Em outras palavras, o apstolo evitou a ostentao da oratria e do intelecto. Por qu? Qual era a base para esta conduta na pregao? O verso seguinte

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    nos diz claramente: Pois decidi nada saber entre vocs, a no ser Jesus Cristo, e este, crucificado.

    Penso que Paulo quis dizer com isto que saturava sua mente to completamente com a cruz de Cristo que em tudo0 que falava ou fazia, em toda sua pregao, se encontraria o aroma de morte - morte da confiana prpria, morte do orgulho, morte da jactncia de homens. Neste aroma de morte, a vida que o povo iria ver era a vida de Cristo, e o poder que as pessoas veriam seria o poder de Deus.

    Por qu? Qual o motivo pelo qual o apstolo desejava que as pessoas vissem isto e no a si mesmo? O verso 5 responde assim: para que a f que vocs tm no se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus. Em outras palavras, que Deus (e no o pregador!) seja honrado na confiana de seu povo. Este o objetivo da pregao!

    Concluo, portanto, que a cruz de Cristo no somente providencia um fundamento para a validade da pregao, habilitando-nos a proclamar a boa nova de que um Deus justo pode e ser glorificado na submisso prazerosa de pecadores; a cruz de Cristo tambm prov um fundamento para a humildade da pregao. Tanto um evento passado de substituio como tambm uma experincia presente de execuo.

    A cruz sustm a glria de Deus na pregao e abate o orgulho do homem no pregador. E, portanto, o fundamento de nossa doutrina e o fundamento de nosso comportamento.

    Paulo chega a pon to de dizer que, a menos que o pregador seja crucificado, a pregao ser esvaziada (ICo 1.17). O que somos na pregao terminantemente crucial para o que dizemos. E por este motivo que trato, no captulo3, do poder capacitador do Esprito Santo e no captulo 4, da seriedade e da alegria da pregao.1 Veja a defesa e exposio desta definio em John Piper, The Justificdtion o f God (Grand Rapids: Baker Book House, 1.983).

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  • a base da pregao

    p o d e r dg E s p r it o S a n to3

    A supremacia de Deus na pregao exige que o nosso alvo constante nela seja expor e engrandecer a glria de Deus (captulo 1), e que a suficincia plena da cruz do Filho de Deus seja a confirmao consciente de nossa pregao e a humilhao de nosso orgulho (captulo 2). Nada disso ocorrer, no entanto, exclusivamente em ns. O trabalho soberano do Esprito de Deus deve ser o poder pelo qual tudo alcanado.

    Quo completamente dependentes somos do Esprito Santo no servio da pregao! Toda pregao genuna est enraizada em um sentimento de desespero. Voc acorda no domingo de manh e capaz de cheirar a fumaa do inferno de um lado e sentir as refrescantes brisas do cu de outro. Vai ao seu escritrio e examina seu desprezvel manuscrito, e se ajoelha e clama: Deus, isto to fraco! Quem penso que sou? Que ^udcia pensar que, em trs horas, minhas palavras sero o odor da morte para a morte e a fragrncia da vida para a vida (2Co 2.16). Meu Deus, quem apto para estas coisas?.

    Phillips Brooks costum ava aconselhar seus jovens pregadores com estas palavras; N unca deixe que voc se

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    sinta altura de seu trabalho. Se algum dia achar este esprito crescendo em voc, fique apreensivo.1 E h uma razo para ficar apreensivo: seu Pai ir quebrant-lo e humilh-lo. H alguma razo pela qual Deus deveria qualific-lo ao ministrio da pregao, de maneira diferente da que fez com Paulo?

    Irmos, no queremos que vocs desconheam as tribulaes que sofremos na Provncia da sia, as quais foram muito alm da nossa capacidade de suportar, a ponto de perdermos a esperana da prpria vida. De fato, j tnhamos sobre ns a sentena de morte, para que no confissemos em ns mesmos, mas em Deus, que ressuscita os mortos (2Co 2.8-9).-^Para impedir que eu me exaltasse por causa da grandeza dessas revelaes, foi-me dado um espinho na carne, um mensageiro de Satans, para me atormentar (2Co 12.7).Os perigos da autoconfiana e da auto-exaltao no

    ministrio da pregao so to traioeiros que Deus ir golpear-nos, se preciso for, a fim de quebrantar nossa autoconfiana e o uso despreocupado de nossas tcnicas profissionais.

    Portanto, Paulo pregou em fraqueza e em grande temor e trem or - reverente diante da glria do Senhor, quebrado em seu orgulho inato, crucificado com Cristo, evitando os ares da eloqncia e do intelecto. E o que aconteceu? Houve uma demonstrao do Esprito e poder! (2.4)

    Sem esta demonstrao do Esprito e poder em nossa pregao, nenhum valor perm anente ser obtido, no importa a quantidade de pessoas que possam admirar nosso poder de convico, ou deleitar-se nas nossas ilustraes, ou aprender com a nossa doutrina. O alvo da pregao a glria de Deus na submisso prazerosa de seu povo. Como pode Deus receber a glria de um ato to evidentemente humano? A primeira carta de Pedro nos d uma resposta

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    retumbante a esta pergunta: Cada um exera o dom que recebeu para servir aos outros, administrando fielmente a graa de Deus em suas mltiplas formas. Se algum fala, faa-o como quem transmite a palavra de Deus. Se algum serve, faa-o com a fora que Deus prov, de forma que em todas as coisas Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo, a quem sejam a glria e o poder para todo o sempre. Am m (4.10-11).

    Pedro est dizendo que, no que tange ao falar e ao servir, que se fale como quem transmite a palavra de Deus, em confiana no poder de Deus, e o resultado ser a glria de Deus. N a pregao, quem define a agenda e concede o poder, recebe a glria. Portanto, se quisermos alcanar o alvo de pregao, precisam os sim plesm ente pregar a Palavra inspirada pelo Esprito de Deus, no poder concedido pelo Esprito de Deus.

    Portanto, focalizemo-nos nestes dois aspectos da pregao- a Palavra de Deus, que o Esprito inspirou, e o poder de Deus, que nos trazido na uno do seu Esprito. A menos que aprendamos a confiar na Palavra do Esprito e no poder do Esprito em toda humildade e mansido, no ser Deus quem receber a glria em nossa pregao.

    Confiana no dom da Palavra do Esprito - a Bblia

    O h, quanto preciso ser dito a respeito do uso da Bblia na pregao! A esta altura, ter confiana no Esprito Santo significa crer de todo corao que toda Escritura inspirada por Deus e til para o ensino, para a repreenso, para a correo e para a instruo najjustia (2Tm 3.16), crendo que jamais a profecia [que no contexto de 2Pe 1.19 significa Escritura] teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Esprito Santo (2Pe 1.21), e tendo forte confiana de que as palavras da Escritura no so palavras ensinadas pela sabedoria

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    humana, mas ensinadas pelo Esprito (ICo 2.13). Onde a Bblia for estimada como a inspirada e inerrante Palavra de Deus, a pregao poder florescer. Mas onde a Bblia for tratada meramente como um registro de valiosas percepes religiosas, a pregao morrer.

    A pregao, contudo, no floresce automaticamente nos lugares onde a Bblia crida como inerrante. Os evanglicos de hoje tm maneiras eficazes pelas quais o poder e a autoridade da pregao bblica so enfraquecidos. H subjetivismos epistemolgicos que depreciam a revelao proposicional. H teorias lingsticas que cultivam uma atm osfera exegtica de ambigidade. H um tipo de rektivism o popular e cultural que incomodam as pessoas a dispensar, petulantemente, ensinos bblicos.

    Onde este tipo de coisas cria razes, a Bblia silenciada na igreja, e a pregao se tornar uma reflexo de questes em voga e opinies religiosas. Certamente no isto que Paulo tencionava dizer a Timteo, quando escreveu: Na presena de Deus e de Cristo Jesus, que h de julgar os vivos e os mortos por sua manifestao e por seu Reino, eu o exorto solenemente: pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda pacincia e doutrina (2Tm 4.1-2).

    A Palavra! Eis aqui o foco. Toda a pregao crist deve ser a exposio e a aplicao de textos bblicos. Nossa autoridade como pregadores enviados por Deus se mantm ou cai com nossa lealdade evidente ao texto da Escritura. Digo evidente, pois h muitos pregadores que dizem estar expondo as Escrituras, enquanto, evidentemente, no baseiam suas afirmaes no texto bblico. No mostram com clareza a seu povo que as afirmaes de sua pregao vm de palavras especficas e legveis da Escritura, as quais eles mesmos podem ler.

    Um dos maiores problemas que tenho com os pregadores

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    mais jovens, aos quais sou convocado a criticar, que eles no citam os textos que provam os pontos que esto querendo demonstrar. Isto me deixa curioso, querendo saber se foram ensinados a compreender o texto e ento explic-lo com suas prprias palavras em trinta minutos.O efeito de tal estilo de pregao deixa as pessoas tateando pela Palavra de Deus, inquirindo se o que voc diz realmente se encontra na Bblia.

    N o entanto, na cultura ocidental alfabetizada, precisamos fazer com que as pessoas abram suas Bblias e coloquem seus dedos sobre o texto.2 Em seguida, precisamos citar um a poro do tex to e explicar o que ele significa, informando qual a metade do verso em que ele se encontra. As pessoas perdem o fio da meada, quando esto s apalpadelas, tentando achar de onde vm as idias do pastor. Aps isto, precisamos citar outra parte do texto e explicar o que significa. Nossa explicao se basear em outras passagens da Escritura. Cite-as! No diga coisas gerais como: Como Jesus afirma no sermo do monte. Ao longo do sermo, ou ao fim dele, precisamos inculcar-lhes o ensino bblico com uma aplicao penetrante.

    Ao dizermos ao povo alguma coisa, sem demonstr-la no texto, estamos simplesmente impondo sobre ele a nossa autoridade. Isto no honra a Palavra de Deus ou o trabalho do Esprito Santo. Quero encoraj-los a depender do Santo Esprito, saturando sua pregao com a Palavra por ele inspirada.

    Tambm precisamos confiar no Esprito Santo, para nos ajudar a interpretar a Palavra. Paulo diz em ICorntios 2.13- 14 que ele in te rp re ta coisas espirituais para pessoas espirituais (isto , aqueles que possuem o Esprito) pois o homem natural no aceita as coisas do Esprito, porque lhe so loucura. E necessria a ao do Esprito Santo para nos tornarmos obedientes Bblia. A obra do Esprito Santo

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    no processo da interpretao no acrescentar informaes, mas dar-nos a disciplina para estudar e a humildade para aceitar a verdade que l encontramos, sem torc-la. Muitas vezes aquele discernimento ou descoberta que precisvamos, to desesperadamente necessrios, foram resultado da graa acrescentada pela orientao providencial do Esprito.

    Eu quero encoraj-los a serem como John Wesley nesta questo de depender do Esprito em sua Palavra, a Bblia. Ele disse: Oh, d-me aquele livro. D-me o livro de Deus, a qualquer preo! Eu o tenho: aqui h conhecimento suficiente para mim. Deixe-me ser um homem de um s livro.3

    Istcf no significa que ler outros livros e conhecer o mundo contemporneo no seja importante, mas o perigo maior negligenciar o estudo da Bblia. Quando o pastor est fora do seminrio e no ministrio da igreja, no h cursos, no h tarefas, no h professores. S h o pastor, a Bblia e seus livros. E a vasta maioria dos pregadores esta muito aqum da resoluo de Jonathan Edwards, quando estava com seus 20 anos: Estudar as Escrituras to regular, constante e freqentemente, que perceba com clareza que estou crescendo no conhecimento delas.4

    Os pregadores que realmente foram eficazes sempre cresceram na Palavra de Deus. Seu deleite est na lei do Senhor e em sua lei meditam de dia e de noite. Spurgeon disse a respeito de John Bunyan: Fure-o em qualquer parte; e voc ver que seu sangue bblico, a prpria essncia da Bblia flui dele. Ele no consegue falar sem citar um texto, pois sua alma est cheia da Palavra de Deus.5 Nossa alma tambm deveria estar cheia da essncia da Bblia. Isto o que significa depender do dom da Palavra do Esprito.

    Confiando no dom do poder do Esprito

    Mas h tambm a experincia real do poder do Esprito Santo, por ocasio da pregao. IPedro 4.11 diz que aquele

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    que serve deve faz-lo no poder que Deus supre, de forma que Deus, no o servo, receba a glria. Aquele que d o poder recebe a glria. Como podemos pregar desta forma? De maneira prtica, o que significa fazer algo - como pregar- no poder de outro algum?

    Paulo observou essa relao em lC orntios 15.10, [...] antes, trabalhei mais do que todos eles; contudo, no eu, mas a graa de Deus comigo. Em Romanos 15.18, ele diz: No me atrevo a falar de nada, exceto daquilo que Cristo realizou por meu intermdio em palavra e ao, a fim de levar os gentios a obedecerem a Deus. Como possvel pregar de maneira que a pregao seja uma demonstrao do poder de Deus e no do seu prprio?

    Estou tentando descobrir a resposta a esta pergunta na minha prpria vida e pregao. Tenho um longo caminho a seguir, antes de poder estar totalm ente satisfeito com a minha pregao. N o tenho visto a quantidade do fruto que gostaria de ver. Avivamento e despertamento no tm vindo minha prpria pregao, na fora e na profundidade que eu desejava. Luto contra o desnim o diante do pecado em nossa igreja e da fraqueza de nosso testemunho, num mundo que est perecendo. Portanto, dizer: assim que se prega no poder do Esprito Santo, algo muito arriscado. Mesmo assim, posso descrever onde me encontro agora, na procura desta experincia preciosa e indispensvel.

    Sigo cinco passos, quando estou empenhando-me em pregar no na minha prpria fora mas na fora que Deus supre. Eu os resumo num acrnimo para me lembrar deles, quando m inha m ente est jnublada pelo medo e pela distrao. O acrnimo ASCAA.

    Imagine-me sentado atrs do plpito, na Igreja Batista Bethlehem, onde sou pastor. So mais ou menos 10hl5, domingo de manh. O ofertrio concludo e um de meus companheiros sobe ao plpito para ler o texto do sermo

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    da manh, antes de minha pregao. Enquanto ele comea a ler, curvo minha fronte perante o Senhor para uma ltima interao com ele, antes do momento sagrado da pregao. Geralmente fao meu corao passar pelo que ASCAA representa, perante o Senhor.

    1 .Adm ito perante o Senhor minha total impotncia, sem sua presena. Afirmo que Joo 15.5 absolutamente correto a meu respeito neste momento: Sem mim nada podeis fazer. Afirmo perante Deus que meu caiao no estaria batendo, meus olhos no veriam nada, minha memria falharia sem ele. Sem Deus, eu seria afligido pela distrao e por uma conscincia exagerada de mim mesmo. Sem Deus, eu duvidaria de sua realidade. No amaria as pessoas nem sentiria respeito pela verdade sobre a qual vou pregar. Sem ele, a palavra cairia em ouvidos surdos, pois quem mais poderia ressuscitar os mortos? Sem ti, Deus, serei incapaz de fazer coisa alguma.

    2. Portanto, suplico por ajuda. Imploro por discernimento, poder, humildade, amor, memria, e liberdade dos quais preciso para poder pregar esta mensagem para a glria do nome de Deus, para o contentamento de seu povo,e pela reunio de seus eleitos. Aceito o convite: Clame a mim no dia da angstia; eu o livrarei, e voc me honrar (Salmo 50.15). Esta orao no comea, quando estou prestes a me levantar para pregar. A preparao do sermo se faz em constante splica por ajuda. Costumo levantar- me cerca de trs horas e meia antes do primeiro culto no domingo para, por duas horas, preparar meu corao da melhor maneira possvel antes de ir igreja. E durante estes momentos vou em busca de uma promessa na Palavra, que ser a base para o prxim o passo em ASCAA.

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    3. Confio. Confio no somente de maneira geral na bondade de Deus, mas numa promessa especfica, na qual posso firmar minha esperana naquela hora. Percebo que esta confiana em um a prom essa especfica de Deus absolutamente essencial para me defender da investida de Satans nestes momentos. Recentemente me fortaleci com o Salmo 40.17: Sou pobre e necessitado, porm o Senhor preocupa-se comigo; tu s o meu socorro e o meu libertador; meu Deus, no te demores! Eu mem orizo o verso cedo de manh, recito-o para mim mesmo no m om ento antes da pregao, creio na promessa ali contida, resisto ao Diabo com ele, e [...]

    4. Atuo na confiana de que Deus ir cumprir sua Palavra.Posso testificar que, mesmo que a plenitude da bno que espero ver esteja demorando, Deus tem satisfeito a mim e a seu povo, vez aps vez, na manifestao da sua glria e na criao de uma submisso prazerosa sua vontade. Isto leva ao passo final.

    5. Agradeo a Deus. Ao fim da mensagem, expresso minha gratido por ele ter-me sustentado e porque a verdade de sua Palavra e os benefcios obtidos por sua cruz foram pregados, em alguma medida, no poder do seu Esprito, para a glria do seu nome.

    1 Phillips Brooks, Lectures on Preaching (Grand Rapids: Baker Book House, 1.969), 106.

    2 E claro que a vasta maioria da populao mundial no alfabetizada. A mais urgente necessidade missionria no ser a mesma forma de pregao que se faz necessria Aos plpitos da Amrica, onde os cristos sentam com exemplares da Bblia na mo. Entretanto, desejo defender o ponto que, at mesmo a pregao para pessoas que no podem ler, deveria incluir muitas citaes da Escritura de memria, bem como deixar claro que a autoridade do pregador provm de um livro inspirado. Pregar expositivamente em culturas iletradas um desafio que requer muita ateno.

  • 3 Citado em John Stott, Between Two Worlds (Grand Rapids: Eerdmans, 1.982), 32.

    4 Sereno Dwight, Memoirs, em S. Dwight, ed. The Works o f Jonathan Edwards (1.834; reimpr. Edinburgh: Banner of T ruth, 1.974), l:xxi. Esta edio passa a ser citada, de agora em diante, como Banner.

    3 Citado em Murray, Forgotten Spurgeon, 34.

  • seriedade e alegriana P regao D

    Duzentos e cinqenta anos passados, a pregao de Jonathan Edwards acendeu um grande avivamento entre as igrejas. Ele foi um grande telogo (alguns diriam que ele no era inferior a nenhum dos melhores na histria da igreja), um grande homem de Deus e um grande pregador. E claro que no podemos imit-lo sem crticas, mas, oh, q uan ta coisa podem os ap ren d er com este hom em , especialmente em relao a este importante assunto que a pregao!

    Desde sua juventude ele era extrem am ente srio e enrgico em tudo o que fazia. Um a de suas resolues na faculdade foi: Est decidido.Viverei com todas as minhas foras, enquanto viver. Sua pregao era totalmente sria, do comeo ao fim. Voc procurar, em vo, por algum gracejo nos 1.200 dos seus sermes que ainda temos.

    N um sermo de ordenao em 1.744 ele afirmou: Se um ministro possui luz sem calor, e entretm seus [ouvintes] com discursos eruditos, sem o aroma do poder da f ou qualquer manifestao de fervor de esprito, e sem zelo por Deus e pelo bem das almas, ele poder agradar a ouvidos desejosos, e preencher a mente de seu povo com noes

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    vagas; mas provavelmente no ensinar seus coraes nem salvar suas almas.1

    Edwards possua uma convico esmagadora da realidade das glrias do cu e dos horrores do inferno, o que tornava sua pregao totalmente sria. Ele foi severamente criticado por sua participao no fervor do despertamento religioso que ocorreu em sua poca. Os pastores de Boston, tal como Charles Chauncy, o acusaram e tam bm a outros de despertar emoes em demasia, com sua seriedade excessiva em relao eternidade. Ao que Edwards respondeu:

    Se qualquer um de vocs, chefes de famlia, visse um de seus filhos numa casa que, acima dele, estava se incendiando em sua totalidade, estando, portanto, seu filho, em perigo iminente de ser consumido pelas chamas em alguns minutos; e se esse seu filho no estivesse percebendo o perigo, e no estivesse preocupado em escapar, mesmo aps voc t-lo avisado vrias vezes, voc continuaria a falar com ele somente em um tom frio e indiferente? No iria exclamar em alta voz, da maneira mais vigorosa possvel, e cham-lo com muita seriedade e revelar-lhe o perigo no qual se encontrava, e a sua prpria insensatez em retardar sua sada? Ser que a prpria natureza no ensinaria isto, e o compeliria a faz- lo? Se voc continuasse a dirigir-se a ele somente numa maneira fria, habitualmente usada nas conversaes rotineiras sobre tpicos indiferentes, no iriam, aqueles que estivessem ao seu redor, comear a pensar que voc tinha perdido o bom senso? [...] Se [ento] ns, que precisamos cuidar de almas, soubssemos o que o inferno, vssemos o estado dos condenados, ou por outra forma qualquer, nos tornssemos sensveis situao terrvel em que se encontram [...] se vssemos nossos ouvintes em perigo im inente, do qual no esto conscientes [...] seria moralmente impossvel nos esquivar de colocar sua frente, da forma mais fervorosa e abundante possvel, o terror desta misria e o perigo no

  • qual se encontram [...] alertando-os a fugir deste perigo, e at mesmo clamando em alta voz, para que escutassem.2Sabemos, atravs dos testem unhos de seus contem

    porneos, que os sermes de Edwards eram tremendamente poderosos em seus efeitos sobre as pessoas de sua congregao em Northam pton. No era por ser um orador d ram tico , com o G eorge W h itefie ld . N o s dias do avivamento ele ainda escrevia seus sermes por completo e os lia com poucos gestos.

    Ento, onde estava seu poder? Severo Dwight, que reuniu as autobiografias de Edwards, atribuiu seu sucesso, em parte, sua mente solene, profunda e penetrante. Ele tinha, a todo tempo, uma conscincia solene da presena de Deus. Isto era visvel em suas expresses e com portam ento. Isto teve, obviamente, uma influncia controladora sobre todos os seus preparativos para o plpito; e era manifesto ao mximo em todos os seus cultos pblicos. O efeito sobre a audincia era imediato e sem resistncia alguma. 3 Dwight perguntou a um homem que ouviu Edwards pessoalmente, se ele era um pregador eloqente e recebeu a seguinte informao:

    Ele no variava a voz de maneira calculada e usava de nfase acentuada em seu discurso. Gesticulava raramente e quase no se movia; no fez nenhuma tentativa por meio de elegncia de seu estilo ou beleza de ilustraes, de agradar o gosto e fascinar a imaginao. Mas, se voc entende por eloqncia o poder de apresentar uma verdade im portante perante uma audincia, com argumentos, esmagadores, e com to intensa compaixo que toda a alma do pregador est em cada parte da argumentao e da entrega do sermo, de forma que a ateno solene de toda a audincia capturada, do comeo ao fim, marcas so impressas de forma que no podem ser apagadas - ento o sr. Edwards foi o homem mais eloqente que j escutei, pregando.4

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    Intensidade de sentimento, argumentos poderosos, uma mente sria, profunda e penetrante, o aroma do poder de devoo, fervor de esprito, zelo por Deus - estas so as marcas da seriedade da pregao. Se h uma coisa que podemos aprender com Edwards, levar o nosso chamado a srio e ncHazer gracejos com a Palavra de Deus e com o ato da pregao.

    N a Esccia, 100 anos depois de Edwards, um pastor hipcrita chamado Thomas Chalmers, foi convertido em sua pequena parquia em Kilmany. Ele se tornou uma fora poderosa a favor do evangelicalismo e das misses mundiais, quando, mais tarde, foi pastor em Glasgow e professor na Universidade de Saint Andrews e, posteriorm ente, em Edimburgo. Sua fama e poder no plpito eram lendrios durante sua poca.

    No obstante, de acordo com James Stewart, Chalmers pregava com um sotaque provincial desconcertante, com uma falta quase que total de gestos, rigidamente ligado a seu manuscrito, seguindo com o dedo cada linha que lia. 5 Andrew Blackwood relaciona Chalmers escravido ao manuscrito e uso de sentenas longas. 6 Portanto, qual era seu segredo? James Alexander, que ensinava em Princeton naquele perodo, perguntou a John Mason, quando este retornou da Esccia, por que Chalmers era to eficiente, ao que Mason respondeu: E sua absoluta sinceridade. 7

    Quero afirmar, com a convico mais forte que palavras possam transmitir, que o trabalho da pregao deve ser feito em absoluta sinceridade. N o estamos caindo no perigo de imitar mecanicamente Jonathan Edwards, Chalmers e seus pais puritanos. J nos afastamos tan to dos seus conceitos de pregao que no poderam os imit-los, mesmo se tentssemos. Digo afastamos, porque, quer um sermo seja lido e tenha duas horas de durao,quer suas sentenas sejam complexas e tenha poucas ilustraes, o

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    fato que a glria destes pregadores era sua sinceridade - uma sinceridade que pode ser chamada de sobriedade. A maioria das pessoas hoje tem to pouca experincia de encontros com Deus, durante a pregao, que sejam profundos, srios, reverentes e poderosos, que as nicas descries que lhes vm mente, quando perguntados sobre o assunto, so que o pregador foi moroso, ou enfadonho, ou lgubre, ou sombrio, ou deprimente, ou mal-humorado, ou pouco amvel.

    Se voc se empenha, na pregao, em trazer para as pessoas uma quietude santa no culto, pode ficar certo de que haver pessoas dizendo que a atmosfera do culto foi pouco amvel e muito fria. Tudo o que as pessoas acham, quando o sermo no foi um bate-papo, que o mesmo se m ostrou formal, deselegante e descorts. Como eles tm pouca ou nenhuma experincia do profundo contentamento d e c o rre n te da seriedade, esforam -se p o r o b te r contentamento da nica maneira que conhecem - sendo informais, palradores, e faladores.

    Muitos pastores tm absorvido esta viso reducionista do que seja contentamento e amabilidade, e agora a cultivam pelo m undo afora, atravs de uma conduta no plpito e estilo informal de falar que fazem com que a absoluta sinceridade de Chalmers e a seriedade penetrante da mente de Edwards se tornem inimaginveis. O resultado uma a tm o sfera de p regao e um estilo de p regao contaminados com trivialidades, leviandade, negligncia, irreverncia e uma sensao generalizada de que nada de propores eternas e infinitas bst sendo feito ou dito aos domingos.

    Se eu tivesse de colocar minha tese numa s sentena, diria assim: o contentamento e a sobriedade devem estar entrelaados na vida e na pregao de um pastor de tal maneira a tornar sbria a alma descuidada e adoar as cargas

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    dos santos. Digo adoar, porque o termo j pressupe, em parte, a severidade do contentamento que tenho em mente, e o distingui das tentativas superficiais e insignificantes dos pregadores de incitar um a alegria despreocupada na congregao. Am or para com a congregao no trata, de forma leviana, realidades preciosas (da a necessidade do cham ado sobriedade), e am or pelas pessoas no as sobrecarrega com um fardo de obedincia, sem providenciar a fora da alegria para ajud-las a carreg-lo (da o chamado ao contentamento).

    C o n ten tam en to na pregao um ato de am or. Continuamente surpreendo as pessoas, quando afirmo que, se um pastor verdadeiramente ama seu rebanho, ele precisa procurar diligentemente a felicidade deles pelo ministrio da Palavra. As pessoas tm sido consistentemente ensinadas que, para se tornarem capazes de amar, devem abandonar a procura de sua prpria alegria. Tudo bem, se obtiverem alegria como resultado inesperado e no procurado do amor (como se isto fosse psicologicamente possvel), mas no justo ir procura de sua prpria felicidade.

    Eu afirmo o oposto: se voc, como pastor, for indiferente sua alegria no ministrio, tam bm ser indiferente com um elemento essencial do amor. E se voc tentar abandonar sua alegria no ministrio da Palavra, estar lutando contra Deus e con tra seu povo. C onsidere H ebreus 13.17: Obedeam aos seus lderes e submetam-se autoridade deles. Eles cuidam de vocs como quem deve prestar contas. Obedeam-lhes, para que o trabalho deles seja uma alegria {meta charas) e no um peso, pois isso no seria proveitoso para vocs (alusiteles gar humin touto).

    U m pastor que leia este versculo no poder permanecer indiferente para com sua felicidade, se ele ama seu povo. O texto diz que um ministrio feito sem alegria no vantagem para o rebanho. Mas o amor tem como alvo o proveito de

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    nosso povo. Portanto, o amor no pode negligenciar o cultivo de sua prpria felicidade no ministrio da Palavra. Pedro coloca isto sob forma de mandamento: Pastoreiem o rebanho de Deus que est aos seus cuidados, olhando por ele; no por obrigao, mas de livre vontade, como Deus quer; no por ganncia, mas desejosos de servir (IPe 5.2-3). De livre vontade e desejosos de servir so simplesmente palavras diferentes para alegremente.

    Uma das razes pela qual o prazer no nosso trabalho um elemento essencial do amor que voc no pode dar, de forma constante, aquilo que no possui. Se voc no transmite alegria, voc no apresenta o evangelho - voc transmite legalismo. U m pastor que faz seu trabalho com obedincia descontente, transmite este tipo de vida a seu rebanho e o nome disto hipocrisia e escravido legalista, no a liberdade daqueles cujo jugo leve e cujo fardo suave.

    O utra razo esta: um pastor que no vive, de forma patente, alegre em Deus, no o glorifica. Ele no capaz de mostrar que Deus glorioso, se, para ele, conhecer e servir a este Deus no traz alegria sua alma. U m guia turstico nos Alpes que seja enfadonho e sem entusiasmo contradiz e desonra a grandiosidade das montanhas.

    Portanto, Phillips Brooks estava certo em sua opinio que um pregador precisa se deleitar completamente em seu trabalho, para poder ser bem-sucedido, pois sua alegria maior est na grande ambio posta diante dele, de glorificar o Senhor e salvar as almas dos homens. N enhum a outra alegria na terra se compara a esta [...] Ao lermos a vida dos p reg ad o res m ais eficazes do passado , ou ao nos encontrarmos com pregadores da Palavra, influentes em nossos dias, sentimos quo indubitvel e profundamente o exerccio de seus ministrios lhes d prazer. 8

    Para que amemos as pessoas e glorifiquemos a Deus, o

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    contentamento na pregao biblicamente essencial - e estes so os dois grandes objetivos da pregao.

    Mas quanta diferena h entre o gozo de Edwards na pregao e os sorrisos e as brincadeiras de tantos pastores, nos quais os fios do contentamento no esto entrelaados com uma santa seriedade. Edw ards disse: Todos os sentimentos bondosos, que so o bom perfume de Cristo, e que enchem a alma do cristo com fragrncia e doura celestiais, so afeies de um corao quebrantado [...] Os desejos dos santos, por mais srios que sejam, so desejos humildes: sua esperana uma esperana humilde; sua felicidade, mesmo que seja indescritvel e cheia de glria, uma alegria humilde e de corao quebrantado [...] 9 H algo no peso cabal da nossa pecaminosidade, na grandeza da santidade de Deus e na importncia do nosso chamado que deveria dar uma fragrncia de seriedade humilde ao contentamento em nossa pregao.

    Seriedade na pregao apropriada, porque a pregao o meio designado por Deus para a converso de pecadores, o despertar da igreja e a preservao dos santos. Se a pregao falhar em seu dever, as conseqncias so infinitamente terrveis. Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo no o conheceu por meio de sabedoria, agradou a Deus salvar aqueles que crem por meio da loucura da pregao (ICo 1.21).

    Deus salva pessoas da condenao eterna atravs da pregao. Paulo sente o peso esmagador desta responsabilidade, quando considera este ponto em 2Corntios 2.15- 16: porque para Deus somos o aroma de Cristo entre os que esto sendo salvos e os que esto perecendo. Para estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrncia de vida. Mas quem est capacitado para tanto?

    E sim plesm ente estupendo pensar nisto - quando anuncio a Palavra, o destino eterno de pecadores est sus

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    penso na balana. Se um pregador no se torna intensamente srio ao refletir sobre isso, as pessoas aprendem inconscientemente, que as realidades de cu e inferno no so coisa sria. N o posso deixar de pensar que isto que est sendo comunicado ao povo, atravs da esperteza informal que provm de tantos plpitos. James Denney disse: H om em algum pode dar ao mesmo tempo a impresso de que ele esperto e que Cristo poderoso para salvar. 10 John H enry Jowett disse: Nunca alcanaremos o aposento mais secreto da alma de um homem mediante os expedientes de um bom apresentador ou de um brincalho. 11 Mesmo assim, m uitos pregadores acreditam que precisam dizer algo atraente, esperto ou engraado.

    N a verdade, parece que existe entre os pregadores um medo de aproximar-se da seriedade radical de Chalmers. J testemunhei ocasies em que um grande silncio comeou a vir sobre uma congregao e o pregador, aparentemente de forma intencional, dissipou-o rapidamente com alguns gracejos despreocupados, o uso de um trocadilho ou um dito espirituoso.

    Parece que os risos substituram o arrependimento como alvo de muitos pregadores. Risos significam que as pessoas esto se sentindo bem. Significam que gostam de voc. Significam que voc os comoveu. Significam que voc tem poder em alguma medida. Significam que voc tem todas as m arcas de um a com unicao bem -sucedida - se deixarmos de fora os critrios da profundidade do pecado, da santidade de Deus, do perigo do inferno e da necessidade de coraes quebrantados. Fui literalmente surpreendido em conferncias onde pregadores mencionam a necessidade de reavivamento e, ento, procedem ao cultivo de uma atmosfera na qual o avivamento nunca poderia acontecer. Recentem ente li Lectures on Revivais (Palestras sobre Reavivamentos), de William Sprague, e as memrias de

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    Asahel Nettleton, poderoso evangelista no Segundo Grande Avivamento.

    O despertam ento espiritual profundo e duradouro acontecido nestes reavivamentos foi acompanhado por uma seriedade do Esprito entre o povo de Deus. Vejamos algumas linhas das memrias de Nettleton:

    Outono de 1.812, South Salem, Connecticut: Sua pregao produziu uma solenidade imediata nas mentes das pessoas [...] A seriedade rapidamente se alastrou pela regio, e o tpico religio tornou-se tema absorvente de conversao. Primavera de 1.813, North Lyme: No havia seriedade especial, quando ele comeou seus labores. Mas uma solenidade profunda rapidamente permeou a congregao. Agosto, 1.814, East Granby:O efeito de sua entrada no local foi eletrizante. O prdio escolar [...] estava repleto de adoradores trmulos. Solenidade e seriedade permearam a comunidade. 12A primeirssima coisa que Sprague menciona em seu

    cap tu lo sobre os m eios de p ro d u z ir e p ro m o v er reavivamentos a seriedade:

    Apelo a qualquer um de vocs que estiveram em um reavivamento, que testifiquem se uma solenidade profunda no permeava o cenrio [...] E, se voc, em tal momento, tivesse vontade de se divertir, no sentiu que aquele no era o lugar para tal? [...] Seria o pior absurdo pensar em prosseguir este tipo de obra, por meio de qualquer outro meio que no fosse marcado pela mais profunda seriedade, ou introduzir qualquer coisa que estivesse adaptada para despertar e nutrir as emoes mais leves, quando todos estes tipos de emoes deveriam ser espantados para fora da mente. Todas as piadas grotescas, modos de expresso, gestos e intentos ficam completamente fora de lugar, quando o Santo Esprito est se movendo nos coraes da congregao. Tudo que for semelhante a isto o entristece e o afasta

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    de ns, pois contradiz diretamente a misso qual ele veio - a de convencer pecadores de sua culpa e de renov- los no arrependimento. 13A despeito desta realidade histrica, que parece ser to

    bvia pela prpria natureza das coisas, at pregadores que lam entam a ausncia de reavivam ento em nossos dias parecem cativos a um comportamento leviano diante de um grupo de pessoas. As vezes a leviandade parece ser a m aior inimiga de um a obra espiritual verdadeira nos ouvintes.

    Charles Spurgeon possua um senso de hum or profundo e robusto. Ele podia us-lo com grande eficcia. Robertson Nicoll, no entanto, escreveu acerca de Spurgeon, trs anos aps a morte do grande pregador: Evangelismo do tipo humorstico pode atrair multides, mas reduz a alma a cinzas e destri os genunos embries da religio. Spurgeon considerado por aqueles que no conhecem seus sermes como um pregador humorista. Para dizer a verdade, no houve pregador cujo tom fosse mais informalmente srio, reverente e solene. 14

    Spurgeon um exemplo particularmente til, pois ele acreditava profundam ente no lugar apropriado do hum or e riso na pregao. Ele disse aos seus estudantes: Precisamos dominar - especialmente alguns de ns - nossa tendncia leviandade. H uma grande distino entre uma alegria santa, que uma virtude, e aquela leviandade geral, que um vcio. H uma leviandade que no tem corao suficiente para rir, mas graceja com tudo; irreverente, oca, irreal. U m riso genuno no mais 1 leviano do que um choro

    / >3 1 sgenumo. 13E uma caracterstica da nossa poca que ns, pregadores,

    sejamos muito mais adeptos do hum or do que das lgrimas. Em Filipenses 3.18 o apstolo Paulo falou com lgrimas a respeito dos pecadores, pois viviam suas vidas como

  • %inimigos da cruz de Cristo. Sem este choro, nunca haver o reavivamento do qual necessitamos, nem renovao espiritual profunda e duradoura.

    No viria um esprito de am or e convico sobre a congregao se o pastor, com toda sua sinceridade e seriedade, comeasse seu sermo de Pscoa sem uma piada ou uma histria atraente, mas com as palavras de John Donne: Que oceano seria capaz de fornecer aos meus olhos lgrimas suficientes para que eu derramasse, s de pensar que no encontrarei nenhum, de toda esta congregao que olha para minha face neste momento, na ressurreio, mo direita de Deus? 16

    Seriedade e sinceridade na pregao so apropriadas, no apenas (como j vimos) porque a pregao instrum ento de Deus para o importante servio de salvar pecadores, reavivando sua Igreja, mas tambm por ser instrum ento de Deus para preservar os santos. Paulo diz em 2Timteo 2.10: Por isso, tudo suporto por causa dos eleitos, para que tambm eles alcancem a salvao que est em Cristo Jesus, com glria eterna. O labor em favor dos eleitos, portanto, no cobertura de glac do bolo de sua eterna segurana. E o meio apontado por Deus para mant-los seguros. Eterna segurana um projeto com unitrio (Hb 3.12-13) e a pregao faz parte do poder p ro te to r. Deus cham a eficazmente por meio da Palavra e preserva os chamados eficazmente pela Palavra.

    Podemos dizer que a segurana eterna certa para o cristo e, ao mesmo tempo, evitar uma perspectiva mecnica que drena a seriedade radical do ministrio semanal de pregao aos santos. Biblicamente, Deus usa a aplicao sincera dos meios de graa para manter seu povo seguro; um destes meios a pregao da Palavra de Deus. Cu e inferno esto em jogo todo domingo, no somente pela presena de descrentes no culto, mas tambm porque nosso

  • povo est salvo desde que continuem alicerados e firmes na f (Cl 1.23). Paulo conecta a constncia da f com a pregao da Palavra de Deus no evangelho (Rm 10.17).

    C ertam ente, cada pregador deveria dizer com toda seriedade: Quem est capacitado a estas coisas -salvar pecadores, reavivar a igreja, preservar os santos! Portanto, repito m inha tese: alegria e seriedade deveriam estar entretecidas na vida e na pregao de um pastor, de forma a tornar sensata a alma negligente e a suavizar os fardos dos santos. O amor s pessoas trata realidades apavorantes de forma leviana (por esta razo, sobriedade), e o amor s pessoas tambm no consegue sobrecarreg-las com o peso da obedincia triste (conseqentemente, alegria). Seguem sete sugestes prticas para que voc cultive a seriedade e a alegria em sua pregao.

    Primeira: empenhe-se em obter uma santidade prtica, sincera, de corao alegre, em todas as reas de sua vida. Um a das razes que voc no pode ser no plpito algo que no durante a semana - pelo menos, no por muito tempo. Voc no pode ser totalm ente sincero no plpito e freqentemente irreverente na reunio com a liderana e no jantar da Igreja. N em pode expor a glria de Deus na alegria de sua pregao, se for grosseiro, sombrio e descorts durante a semana. No se esforce para ser um determinado tipo de pregador. Empenhe-se por ser um tipo de pessoa!

    Segunda: torne sua vida - especialmente sua vida de estudos - uma vida de constante comunho com Deus em orao. O aroma de Deus no permanece por muito tempo sobre uma pessoa que no se demora em isua presena. Richard Cecil disse que a principal deficincia nos ministros cristos a pobreza do hbito devocional. 17 Somos chamados ao ministrio da Palavra eda orao, porque sem orao o Deus de nossos estudos ser o Deus que no assusta, que no inspira, oriundo de uma prtica acadmica ardilosa.

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    Estudo frutfero e orao fervorosa vivem e morrem juntos. B. B. Warfield uma vez escutou algum dizer que dez minutos de joelhos trazem um conhecimento mais preciso e profundo de Deus do que dez horas de estudo. Sua reao foi extremamente correta: O qu? Dez minutos de joelhos valem mais do que dez horas de estudos? 18 O mesmo deveria ser verdadeiro quanto preparao de nossos sermes. A regra de Cotton Mather, ao escrever seu sermo, era parar ao final de cada pargrafo para orar, examinar-se e tentar fixar em seu corao alguma impresso santa decorrente do tem a.19 Sem este esprito de orao constante, no podemos manter a seriedade e a alegria que gravitam nos arredores do trono da graa.

    Terceira: leia livros escritos por aqueles que tm a Bblia em seu sangue, e que so totalmente sinceros com a verdade que discutem. De fato, recebi como um conselho que muda vidas o que nos disse um professor sbio, para acharmos um grande telogo evanglico e mergulhar em sua vida e seus escritos. E extraordinrio o efeito que a convivncia com Jonathan Edwards causou em minha vida, ms aps ms, desde os meus dias de seminrio. Atravs dele pude encontrar meu caminho para os homens mais sinceros do mundo - Calvino, Lutero, Bunyan, Burroughs, Bridges, Flavel, Owen, Charnock, Gurnall, Watson, Sibbes e Ryle! Ache os livros que so radicalmente srios sobre Deus e voc descobrir que eles conhecem o caminho da verdadeira alegria, com mais exatido do que muitos guias contemporneos.

    Quarta: conduza sua mente, com freqncia, a contemplar a morte. Ela absolutamente inevitvel; se o Senhor tardar, e extremamente momentoso que reflitamos a seu respeito. No refletir sobre suas implicaes na vida inteiramente ingnuo. Edwards era o homem que era - com profundidade e poder (e onze filhos crentes!) - por ter feito este tipo de resoluo, quando jovem:

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    9. Resolvido. Pensarei muito, em todas as ocasies, a respeito da minha morte, e a respeito das circunstncias comuns que acompanham a morte.55. Resolvido. Esforar-me-ei ao mximo para agir como acho que devo, como se j tivesse visto a felicidade do cu e os tormentos do inferno. 20Todo funeral que realizo uma experincia que traz

    profunda seriedade. Sento-me diante de minha mensagem e me imagino, ou minha esposa, ou aos meus filhos, dentro daquele caixo. M orte e doena tm um jeito espantoso de soprar o nevoeiro da trivialidade para fora da vida, su b s titu in d o -o pela sab ed o ria da seriedade e do contentamento, na esperana da alegria da ressurreio.

    Quinta: considere o ensinamento bblico de que, como pregador, voc ser julgado com maior severidade. Meus irmos, no sejam muitos de vocs mestres, pois vocs sabem que ns, os que ensinamos, seremos julgados com maior rigor (Tg 3.1). O escritor de H ebreus diz acerca dos pastores: Eles cuidam de vocs como quem deve prestar contas. (13.17). E Paulo coloca este fato da forma mais portentosa possvel, quando em Atos 20 ele diz ao povo, ao qual instruiu em Efeso: Estou inocente do sangue de todos. Pois no deixei de proclamar-lhes toda a vontade de Deus (At 20.26-27). Evidentemente, no ensinar o conselho de Deus em sua totalidade pode deixar o sangue de nosso povo em nossas mos. Se considerarm os estas coisas como devemos, a importncia da responsabilidade e a alegria de verm os um resultado positivo m oldaro tudo o que fizermos. i

    Sexta: considere o exemplo de Jesus. Ele era to gentil e compassivo quanto um homem justo poderia ser. Ele no era melanclico. Disseram que Joo Batista tinha demnios; disseram que Jesus era gluto e beberro, amigo de cobradores de im postos e pecadores. Ele no era um

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    desmancha-prazeres psicopata, mas homem de dores e familiarizado com a aflio. Nunca pregou um sermo despreocupadamente, e no h registro de uma nica palavra descuidada. At onde sabemos, nunca contou uma piada, e todo o seu hum or era a bainha da espada radicalmente sria da verdade. Jesus o grande exemplo para pregadores - a multido o escutava com alegria, as crianas sentavam-se em seu colo, as mulheres eram honradas. Mesmo assim, ningum na Bblia jamais falou mais vezes sobre inferno, isto nos termos mais horrveis.

    Stima: empenhe-se com todas as suas foras em conhecer a Deus e se humilhar debaixo de sua mo poderosa (IPe 5.6). N o fique satisfeito apenas em guiar as pessoas por entre as montanhas que ficam no sop da m ontanha da glria de Deus. Torne-se um alpinista nos rochedos ngremes da majestade de Deus. Permita que a verdade o inunde a ponto de jamais exaurir as alturas de Deus. Toda vez que voc escala, uma borda de discernimento se estende diante de voc e desaparece nas nuvens, m ilhares de quilmetros de beleza macia no carter beleza de Deus. Comece a escalar e reflita que os descobrimentos no Ser infinito de Deus, durante anos eternos, iro dim inuir seu contentamento na glria de Deus ou entorpecer o brilho da intensidade da seriedade de sua presena.

    1 Jonathan Edwards, The True Excellency of a Gospel Minister, Banner, 2:958.

    2 Jonathan Edwards, The Great Awakening, ed. C. Goen, The Works o f Jonathan Edwards (New Haven: Yale University Press, 1.972), 4:272. Esta edio ser citada, daqui em diante, como Yale.

    3 Dwight, Memoirs, in Banner, lxlxxxix.4 Ibid., l:cxc.5 Steward, Heralds o f God, 102.6 Andrew W. Blackwood, ed. The Protestant Pulpit (Grand Rapids: Baker Book House, 1.977), 311.

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    7 Tames W. Alexander, Thoughts on Preaching (Edinburgh: Banner of Truth, 1.975), 264.

    8 Brooks, Lectures, 82-83.9 Jonathan Edwards, Religious Affections, ed. John E. Smith, in Yale

    (1.959), 2:339.10 Citado em Stott, Between Two Worlds, 325.11 John H. Jowett, The Preacher: His Life and Work (New York: Harper,

    1.912), 89.12 Bennet Tyler e Andrew Bonar, The Life and Labors ofAsahel Nettleton

    (Edinburgh: Banner of Truth, 1.975), 65, 67, 80.13 William Sprague, Lectures on Revivals o f Religion (Londres: Banner

    of Truth, 1.959), 119-20. O restante desta passagem, embora no includa aqui, igualmente poderosa.

    14 Citado em Murray, Forgotten Spurgeon, 38.15 Spurgeon, Lectures, 212.16 Citado em Steward, Heralds o f God, 207.17 Citado em Charles Bridges, The Christian Ministry (Edinburgh: Ban

    ner of Truth, 1.976), 214.18 B.B. Warfield, The Religious Life of Theological Students, in Mark

    Noll, ed. The Princeton Theology (Grand Rapids: Baker Book House, 1.983), 263.

    19 Bridges, Christian Ministry, 214.20 Dwight, Memoirs, in Banner, l:xx, xxii.

  • PARTE 2

    C o m o to r n a r D eus

    SUPREMO NA PREGAO

  • orientaes do ministrio de Jonathan Edwards

    Quando eu estava no seminrio, um professor sbio me disse que, juntamente com a Bblia, precisaria escolher um grande telogo e me dedicar, durante minha vida, a entender e dominar seu pensamento, mergulhando, de preferncia, pelo menos a um palmo de profundidade em sua realidade, em vez de constantemente beliscar a superfcie das coisas. Que eu deveria, algum dia, ser capaz de conversar com este telogo na condio de colega, e introduzir outras idias em nosso dilogo frutfero. Foi um bom conselho.

    O telogo ao qual me tornei afeioado foi Jonathan Edwards. Devo-lhe mais do que poderia explicar. N utriu minha alma com a beleza de Deus, com santidade e com o cu quando todas as outras portas pareciam estar fechadas para mim. Renovou minha esperana e minha viso de m inistrio em tem pos de grande abatim ento. Abriu, freqentemente, a janela para o mundo do Esprito, quando tudo o que eu podia ver eram as cortinas do secularismo. M ostrou-me a possibilidade de com binar pensamentos rigorosamente exatos sobre Deus com afeio calorosa por ele. Edwards incorpora a verdade de que a teologia existe para a doxologia. Ele podia passar manhs inteiras em

  • 66

    orao, andando pelos bosques fora de N ortham pton. Possua paixo pela verdade e por pecadores perdidos. T odas estas coisas floresciam no seu pastorado. Edwards possua, sobretudo, paixo por Deus, este o motivo pelo qual ele se torna to importante, quando focalizamos a supremacia de Deus na pregao.

    Edwards pregou daquela maneira, por causa do homem que foi e do Deus que viu. Os captulos seguintes trataro, consecutivamente, da vida, da teologia e da pregao de Edwards.

  • mantenha Deus no centroa v id a de E d w a r d s 5

    Jonathan Edwards nasceu em 1.703 em W indsor, C onnecticut. Seu pai era pastor na cidade e ensinou latim a seu nico filho, quando completou seis anos. Aos 12 Jonathan foi mandado para a Universidade de Yale. Cinco anos mais tarde, graduou-se com honra e proferiu seu discurso de despedida em latim.

    Estudou para o ministrio em Yale, por mais dois anos, aceitando, em seguida, um breve pastorado numa Igreja P resbiteriana de N ova Y ork. Com eando em 1.723, Edwards lecionou em Yale por trs anos. A seguir, veio o chamado para a Igreja Congregacional de N ortham pton, Massachusetts. Seu av, Solomon Stoddard, havia sido pasto r daquela igreja por mais de meio sculo. Este escolheu Edwards para ser seu aprendiz e sucessor. A parceria comeou em fevereiro de 1.727. Stoddard morreu em 1.729. Edw ards perm aneceu com p asto r at 1.750 - um relacionamento de 23 anos.

    N o ano de 1.723 Edwards se apaixonou por uma menina de 13 anos, cujo nome era Sarah Pierrepont. Sarah realmente provou que era a mulher que poderia compartilhar do xtase religioso de Edwards. N a primeira pgina de sua gramtica

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    grega, ele escreveu o nico tipo de cano de amor de que seu corao era capaz: Dizem haver uma jovenzinha (em New Haven) que amada pelo Grande Ser que fez e governa o m undo [...] Ela, s vezes, vagueia de lugar em lugar, cantando docemente, e parece estar sempre cheia de alegria e satisfao; e ningum sab