Jornal Aldeia

16
AMAZÔNIA: UM TERRITÓRIO EM DISPUTA A luta pelo acesso, uso e controle dos territórios e dos recursos naturais neles existentes coloca em campos opos- tos comunidades e povos tradicionais contra grandes conglomerados econômicos do Brasil e do exterior. As hidrelétricas do Madeira deses- truturam comunidades inteiras. A expansão do monocultivo do dendê e os impactos socioambientais. Os movimentos sociais do Baixo To- cantins e a luta pela regularização fundiária. Os defensores das hidrelé- tricas proclamaram aos quatro ventos que tudo iria melhorar, mas a realidade O dendê é visto por alguns como uma alternativa ao fortalecimento da agricultu- ra familiar. Será? Os proble- Enquanto as grandes em- presas encontram facilida- des para colocar sob seu domínio imensa quantidade de terra, agricultores(as) fa- que se apresenta é bem di- ferente, principalmente pa- ra quem vive às margens do rio Madeira. > 03 mas estão se avolumando e o futuro parece estar marca- do pelas incertezas.. > 06 e 07. miliares, quilombolas e ri- beirinhos penam para terem suas áreas regularizadas. De quem é a culpa?. > 08 e 09. Os moradores antigos, comerciantes, agroextrativistas já não sabem a quem recorrer e a cada dia veem a comunidade ser destruída. A discussão sobre a legitimidade e legalidade dos títulos de terra no Baixo Tocantins. Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia, em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) Novembro / Dezembro de 2013 Tiragem: 3 mil exemplares

description

Jornal produzido pela FASE - Programa Amazônia, em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR)

Transcript of Jornal Aldeia

Page 1: Jornal Aldeia

AMAZÔNIA: uM terrItórIo eM dIsputAA luta pelo acesso, uso e controle dos territórios e dos recursos naturais neles existentes coloca em campos opos-tos comunidades e povos tradicionais contra grandes conglomerados econômicos do Brasil e do exterior.

As hidrelétricas do Madeira deses-truturam comunidades inteiras.

A expansão do monocultivo do dendê e os impactos socioambientais.

Os movimentos sociais do Baixo To-cantins e a luta pela regularização fundiária.

Os defensores das hidrelé-tricas proclamaram aos quatro ventos que tudo iria melhorar, mas a realidade

O dendê é visto por alguns como uma alternativa ao fortalecimento da agricultu-ra familiar. Será? Os proble-

Enquanto as grandes em-presas encontram facilida-des para colocar sob seu domínio imensa quantidade de terra, agricultores(as) fa-

que se apresenta é bem di-ferente, principalmente pa-ra quem vive às margens do rio Madeira. > 03

mas estão se avolumando e o futuro parece estar marca-do pelas incertezas.. > 06 e 07.

miliares, quilombolas e ri-beirinhos penam para terem suas áreas regularizadas. De quem é a culpa?. > 08 e 09.

Os moradores antigos, comerciantes, agroextrativistas já não sabem a quem recorrer e a cada dia veem a comunidade ser destruída.

A discussão sobre a legitimidade e legalidade dos títulos de terra no Baixo Tocantins.

Jornal produzido pela FASEPrograma Amazônia, emparceria com o Fórum da

Amazônia Oriental (FAOR)

Novembro / Dezembrode 2013

Tiragem: 3 milexemplares

Page 2: Jornal Aldeia

O seu conteúdo deste jornal é de responsabilidade exclusiva da FASE Programa Amazônia.

FASE: Rua Bernal do Couto, 1329Umarizal, CEP 66.055-080Telefone: (91) 4005-3773Fax: (91) 4005-3750Email: [email protected]

Ilustração, Edição e Design Gráfico:Rodrigo Figueiredo

02

Realização:

Apoio:

e povos do Sul e de reduzirem suas emissões, bem como transferem o foco das discussões da queima de combustíveis fósseis, verdadeiras responsáveis pelas mudanças cli-máticas atuais, para as florestas.

O Brasil, no âmbito doméstico, vem criando instrumentos legais que estão produzindo o desmonte da legislação ambiental nacional, com a flexibilização do Código Florestal, com o PL 195/2011 so-bre REDD+ e o PL 792/2007 de contratos de pagamentos por ser-viços ambientais, propostas que ultrapassam o modelo de incenti-vos promovidos por políticas pú-blicas para a comercialização da biodiversidade e dos bens comuns, bem como fortalecendo o merca-do de carbono a nível nacional por meio da criação de títulos repre-sentativos de estoques de carbono (Certificado de Redução de Emis-sões por Desmatamento e Degra-dação Florestal – CREDD) ou de florestas e da biodiversidade (Cota de Reserva Ambiental, contida na atual proposta do Código Flores-tal).

Ademais, reafirma-se, em forta-lecimento da soberania nacional e dos povos, a importância do Fundo Amazônia, desde que este se apre-sente como iniciativa de reforço e promoção da soberania de comuni-dades na floresta estimulando seus sistemas produtivos locais, sem qualquer natureza compensatória. Para além dos arranjos e mecanis-mos de mercado para realização desses modos de vida e produzir, é

fundamental a defesa da presen-ça do orçamento público.

Por estes e outros motivos o grupo Carta de Belém finaliza re-afirmando o apoio à posição do Itamaraty de não abrir o mercado de carbono para financiamento de REDD, ao mesmo tempo em que alerta os negociadores brasileiros que a construção de um marco le-gal nacional conforme apontado anteriormente poderá gerar um fato consumado e impossibilitar qual-quer barganha nas negociações internacionais de clima e inviabi-lizar qualquer iniciativa futura de proteção da soberania nacional do Estado e de seus povos aos terri-tórios, bem como de políticas que enfrentem de fato a crise climática por fora do mercado.

Assinam:Amigos da Terra Brasil; ANA

Amazônia - Articulação Nacional de Agroecologia; CIMI – Conse-lho Indigenista Missionário; Co-missão de Meio Ambiente/CUT - Central Única dos Trabalhado-res; FAOR – Fórum da Amazô-nia Oriental; FASE; Fetraf Brasil – Federação dos Trabalhadores/as da Agricultura Familiar; Fórum Mudanças Climáticas e Justiça So-cial; INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos; MMC – Movi-mento de Mulheres Camponesas; MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores; MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Ter-ra; Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais; Terra de Direitos e Via Campesina Brasil.

Apesar dos sucessivos fracas-sos em relação às soluções de

mercado propostas nos últimos 20 anos das negociações da UNFCCC, alguns governos continuam insistin-do em promover os mecanismos de mercado dentro do marco regulató-rio de clima para solução da crise climática. As negociações sobre fi-nanciamento para o mecanismo de Redução de Emissões por Desmata-mento e Degradação (REDD) vêm caminhando neste sentido e muito nos preocupa.

Desde a sua criação em 1992, o objetivo da Convenção de Clima é a de reduzir as emissões de gases de efeito estufa de modo que não se implique em risco aos sistemas natu-rais do planeta Terra. De acordo com o texto da UNFCCC visa “a estabili-zação das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência an-trópica perigosa no sistema climáti-co”. Este objetivo não conseguiu ser atendido, ao contrário, o único ins-trumento jurídico vinculante, o Pro-tocolo de Kyoto, que definiu o corte ínfimo de apenas 5,2% das emissões dos países do Norte (em relação aos níveis de 1990) para um período até 2012, teve seu segundo período aprovado, mas com forte debilidade devido à saída de alguns países do mesmo e das metas estabelecidas.

Foi demonstrado desde a criação de Kyoto que o foco do mesmo, ao

invés de ser o de atender ao objeti-vo da Convenção, foi de institucio-nalizar o mercado de carbono no âmbito das Nações Unidas e no in-terior dos países signatários. Fica cada vez mais evidente que a cria-ção do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo – dentro dos meca-nismos de flexibilidade presentes em Kyoto – e sua implementação nos países em desenvolvimento vêm aumentando os impactos lo-cais negativos onde os projetos são instalados, ampliando situações de injustiça ambiental e de violações dos direitos humanos e não contri-buem efetivamente para a redução de emissões.

Atualmente, após a criação do mecanismo de REDD na COP 15, em Copenhague, o mercado de carbono se consolida como princi-pal aposta para propostas em curso da janela de financiamento para REDD+ no Fundo Verde. As orga-nizações e movimentos sociais que compõem o Grupo Carta de Belém e que lutam pela justiça ambiental e climática rechaçam o REDD+ como mecanismo de mercado de carbono que sirva também para compensar as emissões de gases dos países desenvolvidos. Estas organizações entendem que o mer-cado de carbono e o mecanismo de REDD+ são falsas soluções à crise climática e vão contra a necessida-

de dos países do Norte de as-sumirem suas respon-

sabilidades e dívi-das históricas

com os países

DECLARAÇÃO GRUPO CARTA DE BELÉM FRENTE ÀCOP 19 MUDANÇAS CLIMÁTICAS – VARSÓVIA 2013

não aos mecanismos de mercado como solução para o enfrentamento da crise ambiental e climática

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 3: Jornal Aldeia

Os Distritos de São Carlos e Calama, no baixo Madeira à

jusante das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau têm seus dias contados, porque o desbarranca-mento acelerado ameaça a vida e a sustentabilidade das famílias ribei-rinhas.

O desbarrancamento ganhou a cena à partir de dezembro de 2011 com a abertura de quatro vertedou-ros na UHE Santo Antônio, provo-cando a destruição de mais de 170 casas de pessoas de baixa renda no bairro Triângulo, em Porto Velho, às margens do rio Madeira, fator esse que foi se expandindo rio abai-xo.

Em abril de 2013, centenas de famílias de São Carlos e Calama ocuparam as ruas de Porto Velho para se manifestar em frente às se-des da Prefeitura de Porto Velho, do Governo do Estado, da empresa Santo Antônio Energia e dos Mi-nistérios Públicos Estadual e Fede-ral, denunciando a situação de ca-lamidade pública vivenciada pelos

dois núcleos urbanos históricos por conta do acelerado processo de desbarrancamen-to após a formação do lago da hidrelé-trica de Santo Antô-nio, primeira obra do Programa de Acele-ramento do Cresci-mento (PAC), ainda no Governo Lula. Os moradores exigem providências urgen-tes diante da perda da produção agroextrati-vista (pupunha, açaí, castanha, banana, me-lancia, melão, etc.) e de construções (mora-dias, casas de farinha, roçados, pequenas pastagens, igre-jas), procuram saber “quem vai pa-gar por este prejuízo, porque nos-sas produções estão sendo levadas pelas águas revoltosas do rio Ma-deira”, desabafou o senhor Veloso, da Comunidade Boa Fé.

Chegado o final de 2013, Már-cio, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e morador de São Carlos se diz es-tarrecido com a situação de destrui-ção das casas, benfeitorias públicas e produção (o mesmo acontece em Calama) e “ninguém das autori-dades se manifesta favorável aos moradores, enquanto as empresas já estão lucrando, vendendo ener-gia e distribuindo tristeza para tanta gente que já perdeu seu espa-ço, sua história, seu pedacinho de chão... parece que eles soltam mais água na madrugada, porque de ma-nhã já está feito o estrago...”.

Os moradores antigos, comer-ciantes, agroextrativistas já não sa-bem a quem recorrer e a cada dia veem a comunidade ser destruída e sem ter para onde ir, pois a terra firme é cercada de lagos. Ou seja, eles não têm como e nem para on-de correr!

No Distrito de Nazaré não é di-ferente, o sobe e desce constante do nível do rio Madeira está com-prometendo a qualidade da água consumida, contaminada com tanto material em decomposição, deixan-do os moradores à mercê da própria sorte em lugares como São Carlos, Calama, Nazaré e Santa Catarina entre outras, que não têm atendi-mento de saúde adequado.

De quem é a culpa de tanta omis-são? Será das empresas? Do BN-DES? Dos governos? Serão inde-nizadas estas famílias que estão perdendo seu pedaço de vida? Para onde serão realocadas estas peque-nas cidades diante da intensidade do desbarrancamento? Por que os Ministérios Públicos Estadual e Federal não agem com destreza em defesa do direito difuso destas co-munidades? Até quando as empre-sas serão senhoras do destino dos povos e comunidades da bacia do rio Madeira?

O RIO MADEIRAENGOLE COMUNIDADES:DESBARRANCAMENTO DE VIDAS

por Iremar Antônio Ferreira - IMV

03Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 4: Jornal Aldeia

uma diversidade produtiva, como a criação de suínos, aves, piscicul-tura e horta, contudo ainda não é capaz de garantir a sustentabilida-de da escola. A luta das Casas Fa-miliares Rurais é fazer com que o jovem permaneça no campo, mas o embate promovido pela mono-cultura de soja e milho naquela região é muito pesado.

Antes da implantação da mo-nocultura havia 43 famílias mo-rando na comunidade, atualmente existem somente 7 resistindo, muitas venderam suas ter-ras por preços de baga-

tela

e foram para a cidade tentar uma melhor condição de vida. Ilusão. Com a expansão do agronegócio naquela região, a Casa Família Ru-ral está cercada pela monocultura, na frente um campo a céu aberto de milho já tirado e atrás planta-ção de banana em grande escala. A escola irá formar a primeira turma ano que vem.

Por onde passamos a caravana foi recebida com muita alegria e festa, dentre elas na Comunidade Quilombola de Murumurutuba. Como não se emocionar com o ca-rinho das crianças da Escola Mu-nicipal São Sebastião. Meninas e meninos nos receberam em ritmo de carimbó e banho de cheiro.

A escola é modelo no ensino de educação quilombola; nos corre-dores havia murais com frases, e informes sobre a valorização do negro, sua história, luta e cultura. Você pode estar se perguntando: O que tem a agroecologia a ver com uma escola quilombola? Tudo! Agroecologia é exatamente isso, o respeito à diversidade, a valoriza-ção dos ritos e costumes dos povos

que fazem da floresta a sua morada.

Aacolhida por meio de sorrisos tímidos e olhares curiosos.

Castanheiras solitárias em campos da monocultura do Planalto Santa-reno. Resistência. Se fosse resumir o que foi a Caravana Agroecológi-ca e Cultural que ocorreu em San-tarém de 22 a 25 de outubro, estas seriam as palavras que descreveria.

As caravanas realizadas pela Ar-ticulação Nacional de Agroecolo-gia (ANA) estão sendo realizadas como forma de preparação para o III Encontro Nacional de Agroeco-logia (III ENA) que acontecerá de 26 e 30 de maio de 2014, em Jua-zeiro, na Bahia.

Em Santarém duas equipes, ou melhor, duas caravanas se dividi-ram e levaram os participantes a sete comunidades: uma na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-A-rapiuns e a outra para a Floresta Nacional do Tapajós (Flona), in-cluindo a BR-163 e o município de Belterra. Fiquei no grupo que foi para a Flona do Tapajós e, de ôni-bus, visitamos quatro comunida-des: Maguari, na Flona; do Prata, onde conhecemos a Casa Familiar Rural (CFR) e duas comunidades quilombolas, Murumurutuba e Bom Jardim.

Em todas conhecemos as cul-turas e práticas da agricultura fa-miliar que muitas comunidades já realizam há décadas, transmitidas através da oralidade dos cidadãos da floresta: ribeirinhos, extrativis-tas, indígenas e quilombolas. O objetivo da caravana foi conhecer essas práticas que as comunidades realizam e que são técnicas agroe-cológicas. A agroecologia nada mais é que uma proposta de desen-volvimento que se opõe ao agrone-

gócio e que valoriza a agricultura familiar de forma socialmente jus-ta, solidária e sustentável.

Resistência e respeitoNas rodas de conversa ouvimos

os relatos das comunidades: seus problemas, desafios e conquistas. Quanta troca de saberes e quanta força e esperança nas falas e olha-res daqueles que vivem da terra, mesmo diante das dificuldades como a que encontramos na Casa Familiar Rural da Comunidade do Prata. A casa é uma escola que en-sina a meninos e meninas técnicas para melhorar a agricultura fami-liar. A pedagogia aplicada é a da alternância, onde os/as alunos(as) passam quinze dias na escola e outros quinze dias em suas casas aplicando o que aprenderam. Mas é nítida a dificuldade em que se en-contra a escola por causa da falta de apoio do governo do Estado.

A comunidade do Prata pertence ao município de Belterra. A pre-feitura ajuda no pagamento dos funcionários, mas a alimentação é por conta dos alunos e pais. Há

CARAVANA AGROECOLÓGICA DE SANTARÉM RUMO AO III ENCONTRO NACIONAL DE AGROECOLOGIA (ENA)

PERCORRE PLANALTO E FLONA EM SANTARÉMpor Lilian Campelo

04 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 5: Jornal Aldeia

CONGRESSO BRASILEIRO DE AGROECOLOGIA (CBA)

A agroecologia vem sendo cada vez mais reconhecida mun-

dialmente como um caminho pro-missor para o futuro da agricultura e da produção de alimentos por oferecer, através de processos de transição, a possibilidade de dis-ponibilizar sistemas produtivos, estáveis e resilientes , menos de-pendentes de insumos derivados do petróleo, capazes de conviver melhor com os estresses ambien-tais e bióticos associados às mu-danças climáticas, conservando a biodiversidade, recuperando e mantendo os solos e promovendo transformações mobilizadoras no panorama rural, através de suas dimensões socioeconômica e polí-tico-cultural, que permitem alcan-çar também níveis satisfatórios de resiliência social.

O Brasil desponta como um país em que a agroecologia tem alcan-çado um elevado nível de mobili-zação e progresso em várias esfe-ras, como a do ensino, expresso pe-lo elevado e crescente número de cursos que direta ou indiretamente tratam do tema. A concretização, ao longo do ano em curso, da Polí-tica Nacional de Agroecologia e de Produção Orgânica (PNAPO) e do Plano Nacional Agroecologia e de Produção Orgânica (PLANAPO), este através do Programa “Brasil Agroecológico” foram, sem dúvi-da os sinais mais eloquentes da re-levância da agroecologia para o país e, certamente, este quadro é em grande parte resultante do papel desempenhado ao longo das duas últimas décadas pelas organizações que promovem a agroecologia no Brasil, e que têm sido muito eficientes em

realizar eventos mobilizadores.

Destaca-se nesse sentido, o pa-pel da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da Asso-ciação Brasileira de Agroecologia (ABA), que vem promovendo há dez anos os Congressos Brasilei-ros de Agroecologia (CBAs) e que este ano, de 25 a 28 de novembro, em Porto Alegre, terá sua oitava edição.

Até o momento não houve ne-nhum CBA na Amazônia mas, um grupo de profissionais e estudantes que atuam em agroecologia no Pa-rá recentemente submeteu à ABA a proposta de sediar em 2015 o IX CBA na Amazônia, em Belém. A proposta é muito oportuna pois, certamente, dará mais oportuni-dade de expor e intercambiar as inúmeras e relevantes experiên-cias agroecológicas existentes nos diferentes estados da Amazônia, muitas delas protagonizadas por suas populações tradicionais, en-sejando a construção de uma agen-da inovadora, plena de diálogos de saberes, de experiências participa-tivas, transdisciplinares, interagin-do com as representações das ou-tras regiões e biomas do país e por que não dos demais países amazô-nicos! Que o sonho de um CBA na Amazônia se concretize.

por Tatiana Sá

05Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

orgânico

Page 6: Jornal Aldeia

Com apoio dos governos esta-dual e federal e de parte das

entidades sindicais, o projeto de parceria entre agricultores familia-res e grandes empresas para a pro-dução de dendê está se expandindo no Nordeste do Pará. Segundo a Secretaria de Estado de Agricultu-

ra (SAGRI), de 2010 a 2012 foram feitas 889 parcerias entre empresas e agricultores familiares, e, na sa-fra 2012/13, de acordo com o Ban-co da Amazônia (BASA), a pers-pectiva é que 1.610 novas famílias sejam integradas no dendê, como mostra a tabela abaixo:

DENDÊ:OPORTUNIDADE OU ARAPUCA?

Além das parcerias com peque-nos agricultores, grandes e médias empresas também têm plantios próprios, em áreas compradas da agricultura familiar ou de gran-des proprietários. De acordo com a SAGRI, a Agropalma, Biopalma Vale,Yossan, Dempasa, Marbor-ges, Dentauá, Petrobras, ADM, Palmasa e outras empresas meno-res ocupam, juntas, 140 mil hec-tares, planejando chegar a 320 mil ha (dados de 2012).

A depender dos governos estadual e federal, que impulsionam a den-deicultura com recursos e políticas públicas, esta poderá se transfor-mar em uma das principais ativi-dades da agricultura familiar na região. O quadro também reforça a perspectiva de que a cultura se torne um dos maiores empregado-res (estima-se que são necessários quatro trabalhadores para implan-tar/manejar 10 hectares de dendê). Antes de aderir a ela, porém, seria prudente que agricultores e traba-lhadores analisassem os vários as-pectos deste setor.

Dendê e agricultura familiarBasicamente, os contratos de par-ceria entre pequenos agricultores e empresas de dendê têm um mo-delo similar: duração de 25 anos, plantio de 10 hectares de dendê na propriedade, financiamento de até R$ 80 mil pelo Pronaf Ecodendê, contratado no BASA, e 14 anos para quitar a dívida (com carência de mais seis anos).

R.L.R., agricultor de Concórdia, iniciou uma parceria com a Bio-palma Vale no início de 2010. Plantou 10 hectares e tomou R$ 57,5 mil emprestados no banco, mas teve que inteirar mais R$ 8 mil reais do próprio bolso. Em ja-neiro deste ano, começou a colher e, satisfeito, conta que ganhou R$ 1,8 mil (mil e oitocentos reais) com o dendê. Mas questionado se este valor cobriu os custos de produção, R.L.R começou a fazer contas.

Para ajudar no trabalho de aduba-ção e coroamento das palmeiras (aplicação de

por Verena Glass

EMPRESAS MUNICÍPIOS QUANT. FAMÍLIAS HA VALORES (R$)

BIOPALMA VALE Abaetetuba / Moju 200 2.000 16.000.000,00AGROPALMA Moju 15 150 1.200.000,00

PETROBRÁS Igarapé-Miri, Baião e Mocajuba 300 3.000 20.000.000,00

ADM DO BRASIL S. Domingos do Capim 160 1.200 12.800.000,00

ADM DO BRASIL S. Domingos do Capim 160 1.200 12.800.000,00

BELÉMBIOENERGIA Tailândia 200 2.000 16.000.000,00

BELÉMBIOENERGIA Tomé-Açu 100 1.000 8.000.000,00

BIOPALMA VALE Tomé-Açu / Concórdia 300 3.000 24.000.000,00

MARBORGES

Garrafão do Norte 60 600 4.800.000,00Capitão Poço 75 750 6.000.000,00

Nova Esperança do Piriá 40 400 3.200.000,00

TOTAL 1.610 15.300 124.800.000,00

Planejamento para aplicação do Pronaf-Ecodendê na safra 2012/2013

Fonte: BASA.

06 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 7: Jornal Aldeia

herbicida ao redor das plantas), R.L.R contratou quatro pessoas por cinco dias, a R$ 30 a diária: um gasto de R$ 600. Depois, fo-ram contratadas mais três pessoas por seis dias para ajudar no trato e na colheita da lavoura. Gasto: R$ 540. Mais duas diárias de trator (a R$ 300 a diária), R$ 600. Adicio-nando a isso R$ 666 de adubo e R$ 105 de veneno, os gastos totais fo-ram de R$ 2.511, contra R$ 1.800 de renda. Dessa forma, em janeiro o agricultor teve um “prejuízo” de R$ 711.

Pode-se argumentar que o caso de R.L.R. é característico para os que estão iniciando o cultivo do dendê. Com o passar dos anos e o aumen-to da produção, também aumenta-rá a renda. Ainda assim, é possível fazer uma estimativa grosseira do que poderá ocorrer.

Tomemos como base a comuni-dade de Arauaí, em Moju, que já planta dendê em parceria com a Agropalma há quase dez anos. A produtividade média das famílias é de 20 toneladas por ha/ano, segun-do a empresa. Multiplicando a pro-dução por 10 hectares, tem-se 200 toneladas/ano por família. Com base no preço de R$ 255 pagos pe-la tonelada (cotação da Agropalma em 12/03/13), o rendimento médio bruto da área ficaria em R$ 51 mil/ano. Dividido por 12 meses, são R$ 4.250/mês.

Do total da renda advinda da pro-dução, porém, 25% são retidos no

banco para quitação do financia-mento, e 25% para o pagamento do adubo, fornecido pela empresa. Isso significa uma diminuição de 50% no ganho líquido, que passa-ria a girar em torno de R$ 2.125. Agora, calculemos os gastos de manejo, com base na experiên-cia de R.L.R.: tirando o adubo, já contabilizados nos 25% acima, sobram cerca de R$ 1.800 de des-pesas. Subtraindo este valor do ga-nho mensal, uma família teria um lucro de cerca de R$ 325/mês com 10 hectares de dendê até a quitação de suas dívidas com o banco (entre 14 e 20 anos), descontado o paga-mento pela mão de obra (própria ou contratada).

Trabalho no dendêDe acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, as em-presas de dendê no Pará empre-gam, atualmente, cerca de 11 mil pessoas. Mas nem sempre estes empregos estão de acordo com a legislação trabalhista. Muitas empresas ainda utilizam mão de obra terceirizada, agenciada pelos chamados “gatos”, o que é ilegal. Ainda persistem problemas com contratos, fornecimento de equipa-mentos de proteção individual, pa-gamento por horas de viagem (“in itinere”), transporte, alimentação, instalações de banheiros nas fren-tes de trabalho e outros. Em 2012, o Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho chegou a resgatar 10

trabalhadores escra-vos de uma área em Moju.

A precariedade e o trabalho exaustivo em frentes como o plantio e a limpeza do dendê também têm causado um novo problema: o consumo de drogas “para agüentar o tranco na frente de trabalho”. Na região de Abaetetuba, por exem-plo, um dos agenciadores de mão de obra afirmou que, do grupo de 30 homens que trabalham com ele, seis são viciados em cocaína. Na comunidade em questão, localiza-da às margens da PA 252 (que liga Abaetetuba a Moju), moradores contabilizam cerca de 19 pontos de venda da droga, e há relatos de tra-balhadores que já deixaram 90% do salário na mão de traficantes na própria frente de trabalho tão logo receberam seu contracheque.

Assim como a cana, até a alguns anos grande vetor de trabalho es-cravo, precário e exaustivo - em São Paulo, mortes por excesso de trabalho e vício em crack foram repetidamente denunciados no setor -, o dendê é uma cultura de grande demanda de mão de obra e difícil fiscalização. O sistema de pagamento por produção, que le-vou canavieiros à morte por cansa-ço em São Paulo, se repete no Pa-rá, e é preciso que os trabalhadores que optarem por este ramo tenham conhecimento de seus direitos e

denunciem abusos.

Mas antes de tudo é preciso ques-tionar se a implantação do projeto do dendê é uma opção dos traba-lhadores e agricultores familiares, ou se é uma decisão governamen-tal e empresarial. Porque a farinha de mandioca anda tão cara na re-gião?, muita gente tem se pergun-tado. Porque os agricultores não têm mais tempo de plantar alimen-tos? É uma escolha da agricultura familiar que o equivalente a 93% dos gastos do Pronaf em 2012 no Pará - R$ 134,1 milhões - seja carimbado para o dendê este ano, uma vez que o Ecodendê prevê um recurso de R$ 124,8 milhões só para a cultura? É comum acor-do que mais de 320 mil ha sejam destinados à produção de biodie-sel, combustível que pouco será comprado e usado pelas famílias do campo paraense, em detrimento do cultivo de alimentos para a po-pulação do Estado? E o que dizer da contaminação de igarapés por agrotóxicos aplicados nos dende-zais, problema já verificado por várias comunidades nas cercanias dos plantios? Estes e outros ques-tionamentos estão na mesa, para debate.

07Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 8: Jornal Aldeia

Há cerca de dois anos, alguns Sindicatos de Tra-balhadores(as) Rurais e outras organizações da região do Baixo Tocantins vêm tentando, pela sua organização e com o apoio da FA-SE e do Ministério Público Esta-dual (MPE), enfrentar um proble-ma estrutural que têm impedido aos/às trabalhadores(as) o acesso às políticas públicas e ao mesmo tempo viver dignamente com suas famílias, sem violência. Trata-se da situação das terras dos muni-cípios da região, que ao longo de décadas vêm sendo distribuídas in-dependentemente do fato de esta-rem ou não ocupadas anteriormen-te por famílias de trabalhadores rurais, populações tradicionais ou

migrantes antigos e novos.

É essa situação que tem ultimamente merecido maior visibilidade, graças a luta dessas organizações, frente aos conflitos que envolvem as populações tradicionais e os povos daquela região. Entre as reivindicações apresenta-das pelos(as) trabalhadores(as) que defendem o fortalecimento da agricultura familiar, a agro-ecologia e os mercados insti-tucionais para essa produção, a regulamentação dos títulos e regularização fundiária das ter-ras ocupadas tem adquirido im-portância fundamental em suas pautas, sem que obtenham êxito junto aos órgãos responsáveis, justificado pela complexidade institucional referente aos ditos papeis.

O Jornal ALDEIA, nessa edição, traz contribuições valiosas ao de-bate desse grave problema, a partir da entrevista realizada com o pro-fessor Girolamo Treccani, Doutor em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos NAE-A-UFPA, Mestre em Direito pela UFPA e Especialista em Planeja-mento do Desenvolvimento Re-gional, pelo NAEA-UFPA. Atu-almente, ele é professor da Facul-dade de Graduação e do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Ciências Jurídicas da UFPA, nosso conhecido Jerônimo.

Ele afirma que os problemas re-lativos à ocupação de propriedade da terra são históricos e que a gri-

A REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA NA PAUTA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO BAIXO TOCANTINS

A REALIDADE SOBRE A SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DO BAIXO TOCANTINS

lagem, por sua vez, é marca regis-trada do Brasil. Exemplifica que os mais variados problemas estão em mais de 100 milhões de hecta-res de terra no Brasil, mas, desse local, cerca de 90 milhões estão na Amazônia, segundo informações oficiais dos órgãos públicos.

Portanto, a discussão sobre a le-gitimidade e legalidade dos títulos de terra não é exclusiva do Baixo Tocantins. A grande transferên-cia de terras, nos últimos anos da entrada do dendê, bagunçou ain-da mais a situação, que sempre foi uma constante, no sentido de que, “se formos pensar no geral e no específico, podemos perceber que muitos desses documentos fo-ram emitidos desde os tempos do Brasil Colônia, os mais diferentes possíveis”, afirma Jerônimo.

O que chama atenção nisso é que o Governo Federal não tem a menor ideia nem sequer de quan-tos tipos diferentes de documentos foram emitidos ao longo da his-tória, sobretudo nas últimas dé-cadas. Desde o período colonial, a terra vem se constituindo num componente importante das com-plexas relações sociais na nossa região, causa de muita violência, assassinatos de lideranças, entre outras, embora Jerônimo afirme que a posição jurídica que defenda é de que, desde o começo, a terra do Brasil sempre foi pública. Esse fato deve estar na base da constru-ção das estratégias dos movimen-tos do Baixo Tocantins, no sentido de buscar diferentes formas para chegarem à obtenção do Título de Posse, como forma de alcançar a propriedade das terras.

por Rodrigo Figueiredo

Cartório em Senador José Porfírio - PA. Fonte: http://arisp.wordpress.com/2009/08/20/grandes-extensoes-–-escassa-comunicacao/

08 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 9: Jornal Aldeia

Resultados de diversos estudos de pesquisas da Universidade Fe-deral do Pará dão conta que o do-cumento mais importante nesse contexto é o chamado Título de Posse, que se trata do instrumento que continua sendo reivindicado do Estado pelas populações que ocupam essa região.

Dessa forma, os diversos pro-cessos por titularização se inter-penetram e vão constituindo uma complexa rede composta de terras, que deveriam ser públicas, estejam estas acompanhadas ou não de pa-peis a elas correspondentes; de di-reitos legais ou legítimos, que ao longo do tempo, cobrem esses di-reitos ou ao contrário, que violam direitos fundamentais das popula-ções da região, suas culturas e seus territórios. Junto com outras precá-rias informações, o ITERPA infor-ma que a área desses títulos, que se transformaram em propriedades, daria de 5 a 50 milhões de hecta-res, afirma Jerônimo. Por essas e outras razões, trata-se de situação

de caos fundi-ário no estado, que se reflete na estratégia e que se acelera na região. Je-rônimo afirma que é funda-mental, além de se digitali-zar tudo aqui-lo que o Poder Público está organizando, digitalizarem

ainda os documentos existentes nos cartórios, pois, segundo ele, a Portaria nº 46, de março de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, se preocupa com a modernização dos cartórios na Amazônia Legal.

Um elemento interessante na-quela região é que vários projetos de assentamento criados por IN-CRA e Secretaria do Patrimônio da União há 10 anos nos municípios mais próximos de Belém, como Abaetetuba e Igarapé-Miri, se per-mitiu criar métodos de cooperação de assentamento, com condições aos moradores dessas áreas terem acesso a técnicas e infraestrutura, para que não dependessem de em-presas que estão comprando terras.

Quanto à expansão do monocul-tivo do dendê, segundo Jerônimo, na Malásia e Indonésia, surgiram leis ambientais, devido a concen-tração de propriedade através do dendê. Isso obrigou o governo da-queles países a uma moratória, e assim foi percebida a gravidade da

situação. Mas no Brasil não existem ainda estudos sobre isso. Os tra-ba lhadores que assinam os contratos com essas e m p r e s a s p r a t i c a -mente se tornam empregados delas, não de forma jurídica, mas agregando-se de maneira a não te-rem quase nenhum aproveitamen-to de suas próprias terras. Algo assim precisaria de fiscalização e análise do Ministério do Trabalho, pois se criam relações de depen-dência e seria crucial um acordo de cooperação entre os Ministérios Públicos Estadual, Federal e mais 30 órgãos federais e estaduais, co-mo ITERPA, INCRA e Terra Le-gal; SEMMA, ICM-BIO e IMP, para que se tenha uma tecnologia que permita verificar qual é de fato o uso dessas terras.

Quanto à regularização de gran-des áreas para as empresas, a di-vulgação das informações sobre as que foram adquiridas pela Biope-tro, BioVale e outras ainda precisa ser mais transparente. Na página do Terra Legal (www.mda.gov.br) as informações são mais completas, com dados sobre todos os proces-sos em tramitação, localização dos processos, títulos, nomes, etc. Mas no site do ITERPA (www.iterpa.pa.gov.br), a mesma disponibilida-

d e e transparência de dados não se faz presente.

Espera-se que todos os dados desses órgãos sejam divulgados de maneira mais versátil e que sejam mais acessíveis a qualquer pessoa interessada. Tudo deve estar re-gistrado. Todas essas informações são públicas e, por isso, os sindi-catos deveriam dispor disso “na palma da mão”, auxiliando-os na construção e monitoramento das políticas públicas.

Ao tratar do dendê, Jerônimo diz não ser possível atualmente que se plante uma árvore sequer sem que a EMATER não emita a Declara-ção de Aptidão (DAP) e questiona ainda a ausência de informações pertinentes nos sites da SEMMA (www.semma.pa.gov.br) e da EMATER (www.emater.pa.gov.br) de quantas DAPs foram emi-tidas, para quem se destinaram e a razão de cada uma já que se tratam também de informações públicas.

09Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 10: Jornal Aldeia

A editora da Universidade Fe-deral do Acre (UFAC) lançou,

em Rio Branco, a segunda edição, em formato digital, do livro “(Des)envolvimento insustentável na Amazônia Ocidental”, de autoria do professor e pesquisador Elder Andrade de Paula.

Resultado de uma tese de dou-torado defendida em fevereiro de 2003 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, o livro pode ser considerado um divisor de águas no debate regional sobre sustenta-

bilidade.

A ideologia do desenvolvimento sustentável passou a ser confronta-da no Acre de forma contundente com os “dados da realidade”, se-gundo o autor, “reveladores da persistência estrutural de um estilo de desenvolvimento cronicamente insustentável”.

O professor afirma que tem ha-vido brutal reconcentração da pro-priedade das terras de domínio privado no Acre e que as linhas

de crédito oficiais, bem como os programas de investimento mais expressivos no Estado, servem para mostrar como se articulam as economias que denomina de “marrom” e “verde” na espoliação da região.

- As duas atividades mais preda-tórias, pecuária extensiva de corte e exploração madeireira, tripli-caram em apenas uma década. O rebanho bovino passou de 800 mil cabeças para 3 milhões e a explo-ração madeireira de 300 mil me-

tros cúbicos por ano para mais de 1 milhão de metros cúbicos por ano. Somente nas áreas exploradas com os tais planos de manejo florestal sustentável foram mais de 755 mil metros cúbicos de madeira em tora – acrescenta Elder de Paula.

Terra de Marina Silva e do lí-der sindical e ambientalista Chico Mendes, assassinado em dezembro e 1988, o Acre ganhou projeção como uma espécie de laboratório do movimento socioambiental. As políticas públicas nesse senti-

por Altino Machado

10 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

ENTREVISTA: Elder Andrade de Paula

“PECUÁRIA E EXPLORAÇÃO MADEIREIRATRIPLICARAM NO ACRE EM UMA

DÉCADA”, DIZ PESQUISADOR.

Page 11: Jornal Aldeia

do foram batizadas de florestania, expressão usada para o objetivo de promover cidadania adaptada à floresta.

Para o professor, a florestania é interpretada como uma estratégia de legitimação da ideologia do de-senvolvimento sustentável.

- O aparato de propaganda go-vernamental buscou imprimir uma marca regional a algo absoluta-mente estranho a ela – a ideologia do desenvolvimento sustentável. Na atualidade seria mais apropria-do usar a expressão florestaria, isto é, floresta para as serrarias – critica o professor.

Veja a entrevista exclusiva de Elder Andrade de Paula, que tem pós doutorado em Sociologia do Desenvolvimento pela Universi-dad Nacional Autónoma de Méxi-co e coordena o núcleo de pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvi-mento na Amazônia Ocidental, na Ufac.

A entrevista é de Altino Macha-do, publicada por Terra Magazine/Blog da Amazônia, 12-09-2013.

Eis a entrevista.

A edição digital de seu livro foi ampliada?

Não, por acreditar que tal como está, hoje mais do que antes, con-tribui para compreender o que de-nominamos como desenvolvimen-to insustentável. Parafraseando o excelente filme do diretor francês Bertran Tavernier, diria que con-tribui para entender “quando tu-

do começa”. A conclusão de que se trata de um (des)envolvimento insustentável pode ser sintetizada em três constatações reveladas pe-la pesquisa.

Quais?O Acre continua na condição de

mero fornecedor de matéria-prima para indústrias forâneas. Agora, diferentemente dos dois períodos de monoextrativismo da borracha, marcado pelo genocídio contra povos indígenas e semi-escraviza-ção da força de trabalho indígena e de migrantes pobres nordestinos, as florestas também estão sendo destruídas. Elas dão lugar às pas-tagens para pecuária extensiva de corte ou para extração madeireira dita “sustentável”.

Ambas atividades são as que mais cresceram no Acre nas duas últimas décadas e figuram como as mais destrutivas também na Ama-zônia. Permanece a reconcentra-ção da propriedade fundiária e da renda e reiteração das causas de empobrecimento e exploração da maioria da população. Continua o controle oligárquico do aparato es-tatal e da apropriação para fins pri-vados dos bens públicos. Autorita-rismo próximo do que caracteriza governos autocráticos, clientelis-mo, assistencialismo e cooptação das representações dos “de baixo” assegura o exercício da dominação política.

Esse é o resumo do Acre atual?A realidade efetiva das coisas co-

mo elas são tem sido ocultada por

uma intensa propaganda que visa construir para fora e para dentro uma imagem oposta: a de que tudo está mudando. É inevitável a lem-brança da célebre frase do aristo-crata italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “É preciso que as coisas mudem para que permane-çam como estão”. Assim, em lugar de um “rio que comanda a vida”, como escreveu Leandro Tocan-tins, reportando-se à formação so-cial acreana, agora vivemos num tempo em que a imagem coman-da a vida. A imagem construída de “modelo de desenvolvimentos sustentável” a ser replicado tem sido cuidadosamente construída por um monumental aparato de marketing.

Qual a matriz disso?Em linhas gerais, o arcabouço

político-institucional subjacente a esse “modelo” resultou das im-posições do Banco Mundial. No essencial, esse re-ordenamento institucional amplia a privatiza-ção do Estado e dos bens naturais para fins de adaptação ao novo ciclo de mercantilização da natu-reza. As condições políticas que permitiram a realização dessas adaptações resultam da confluên-cia de três elementos fortemente articulados: re-articulação do blo-co de poder estadual sob a direção de frações das velhas e novas oli-garquias; assimilação subordina-da dos movimentos sociais a esse bloco de poder através do que An-tonio Gramsci denominou como “transformismo”; e adesão subor-

dinada à matriz neoliberal e aos agentes nacionais e internacionais que a fomentam na forma de finan-ciamentos e investimentos.

A despeito de tudo isso, você disse que o livro não apresenta uma conclusão pessimista.

Ao contrário, reitera a confiança na capacidade criativa dos “de bai-xo” no sentido de retomarem para si a responsabilidade de mudar o jogo da mercantilização da natu-reza que destrói os territórios e os povos que neles vivem.

O que tem sido feito nesse sen-tido?

Você deve lembrar do “Faça do Acre a sua floresta”, como foi de-nominado um evento promovido pelo governo do Acre durante a “Rio+20”, em junho de 2012. Du-rante aquele evento um grupo de ativistas do Acre distribuiu o “Dos-siê: O Acre que os mercadores da natureza escondem”. Estampamos também em uma das faixas a frase “As madeireiras já fazem do Acre a sua floresta”. Diria que aquele documento é um “posfácio coleti-vo” de meu livro.

O Acre foi um dos primeiros estados a adotar um Zoneamen-to Ecológico Econômico. Isso é exemplar?

O tipo de re-configuração territo-rial materializada via Zoneamento Ecológico Econômico no Acre preparou literalmente o terreno pa-ra entregar de mão beijada as flo-restas do Estado para o saque das

11Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 12: Jornal Aldeia

empresas madeireiras. Ele segue rigorosamente o padrão instituído na Amazônia continental para fins de adaptação ao desenvolvimento sustentável. Com o ZEE, procu-ra-se propagandear os avanços na área ambiental representados pela criação das unidades de conserva-ção de domínio público. Todavia, oculta a cereja do bolo. A apro-priação dos bens naturais nelas existentes está destinada à apro-priação privada por meio da explo-ração madeireira, biodiversidade e serviços ambientais. Os povos in-dígenas e comunidades campone-sas que vivem nessas unidades de conservação vêm sofrendo fortes pressões oriundas desse novo ciclo de espoliação, como revelam os dados mais recentes mostrados pe-la Comissão Pastoral da Terra nas duas últimas edições dos Cadernos de Conflitos no Campo.

O que é marcante nesses anos de apogeu do suposto desenvol-vimento sustentável no Acre?

O que vimos foi uma brutal re-concentração da propriedade das terras de domínio privado. Em 2010, 583 grandes propriedades (imóveis com área superior a mil hectares) detinham 6,2 milhões de hectares, enquanto 23,5 mil minifúndios e pequenas proprie-dades (imóveis com área inferior ou igual a um módulo rural, que no Acre varia de 50 a 100 hecta-res), somavam apenas 1,4 milhões de hectares. Em apenas sete anos, a grande propriedade teve um in-cremento de mais de 100% na sua

área total. É necessário assinalar que, em 2003, possuía 2,8 milhões de hectares. As linhas de crédito oficiais bem como os programas de investimento mais expressivos em curso no Acre mostram como se articulam as economias que chamo de marrom e verde na espo-liação desse território. As duas ati-vidades mais predatórias, pecuária extensiva de corte e exploração madeireira, triplicaram em apenas uma década. O rebanho bovino passou de 800 mil cabeças para 3 milhões e a exploração madeireira de 300 mil metros cúbicos por ano para mais de 1 milhão de metros cúbicos por ano. Somente nas áre-as exploradas com os tais planos de manejo florestal sustentável fo-ram mais de 755 mil metros cúbi-cos de madeira em tora.

E o desmatamento?O desmatamento também au-

mentou no Acre. Passou de 5,3 mil quilômetros quadrados, entre 1988 e 1998, conforme dados do gover-no do Acre, para 7,3 mil quilôme-tros na década seguinte.

Mas temos planos de manejo florestal sustentável. Isso não é positivo?

Devemos levar em conta o au-mento da degradação oculta pro-duzida pelos planos de manejo florestal sustentável. De acordo com os dados do Instituto de Meio Ambiente do Acre, o Estado pos-sui cerca de 6 milhões de hectares de florestas nativas potencialmen-te aptas para suprimento indus-

12 Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 13: Jornal Aldeia

trial, dos quais, mais de 960 mil já contam com planos de manejo, em áreas públicas, privadas e comuni-tárias.

Isso tem resultado na geração de emprego e renda para a po-pulação?

Não, de modo algum. O resultado de tudo isso se traduz no aumento da degradação ambiental, da con-centração de rendas e agravamento da pobreza. De acordo com o cen-so demográfico de 2010, do IBGE, 66,2% dos domicílios recebem até um salário mínimo mensal e 2,9% situam-se numa faixa superior aos cinco salários mínimos. O Índice de Gini, usado mundialmente para medir desigualdade, foi 0,5314 em 2009 no Brasil e também na região amazônica. A desigualdade man-teve-se estável na região desde 1990. O Acre apresentou a maior desigualdade da região (Índice de Gini = 0,61) e a segunda maior do Brasil, atrás apenas do Distrito Fe-deral.

O seu livro pode não ser pessi-mista, mas essa entrevista é ao tra-tar de desenvolvimento sustentá-vel, que se convencionou chamar, no Acre, de “florestania”.

Em dois excelentes trabalhos acadêmicos, a monografia “Refor-mas do Estado e discurso florestâ-nico no governo da Frente Popular do Acre”, de autoria de Israel Sou-za, e a tese de doutorado “Acrea-nidade: invenção e reinvenção da identidade acreana”, da professora Maria de Jesus Morais, o uso da expressão florestania é interpreta-do como estratégia de legitimação da ideologia do desenvolvimento sustentável. Com ele, o aparato de propaganda governamental bus-cou imprimir uma marca regional a algo absolutamente estranho a ela: a ideologia do desenvolvimen-to sustentável. Diria que hoje seria mais apropriado usar a expressão “florestaria”, isto é, floresta para as serrarias.

HOMENAGENS

13

Thomas Peter Hurtienne, mestre em Sociologia pela Freie Universität Berlin (1974) e doutor em Economia pela mesma Freie Universität Berlin (1983). Foi professor adjunto da Universidade Federal do Pará, atuando no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos. Muito querido pelos seus pares e alunos. Faleceu em agosto deste ano. Registramos nessa singela homenagem todo nosso apreço e admiração por esse grande intelectual e figura humana.

Zé Maria, mais conhecido como Peixe Duro, delegado sindical do STTR de Abaetetuba e sócio-fundador do Centro de Tecnologias Alternativas Tipiti. Vida longa ao Zé!

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 14: Jornal Aldeia

14

1. O que é o Fórum Social Pan-Amazônico (FSPA)

O Fórum Social Pan-Amazônico é um evento-processo que busca articular os movimentos sociais, comunidades tradicionais e povos originais dos nove países da Bacia Amazônica (Brasil, Equador, Ve-nezuela, Bolívia, Republica Coo-perativa das Guianas, Suriname, Colômbia, Peru e Guiana) com o objetivo de aproximar culturas, quebrar o isolamento das lutas de resistência, fortalecer o combate anti-imperialista, desenvolver a autonomia dos povos, promover a justiça social e ambiental, se opor aos modelos de desenvolvimento predatórios e daninhos aos povos que vivem na Pan-Amazônia e dis-cutir alternativas que construam a justiça e a igualdade social.

Num sentido mais amplo é um movimento que faz a crítica ao modelo colonial imposto às popu-lações amazônicas e levanta a ban-deira de uma Pan-Amazônia go-vernada por seus povos. O FSPA é um espaço autônomo e indepen-dente composto por movimentos, organizações sociais, representa-ções de povos e comunidades. Faz parte da constelação do Fórum So-cial Mundial.

2. Breve histórico do FSPAAté hoje já foram realizadas seis edições do FSPA:

I FSPA – Belém/Brasil (2002);II FSPA – Belém/Brasil (2003);III FSPA – Ciudad Guayana/Vene-zuela (2004);IV FSPA – Manaus/Brasil (2005);V FSPA – Santarém/Brasil (2010);VI FSPA – Cobija/Bolívia (2012).

Por decisão do Conselho Interna-cional (CI) do FSPA, desde 2010, as edições do FSPA são realizadas de dois em dois anos, se revezan-do com o Fórum Social Mundial (FSM).

Na reunião do CI/FSPA, em Co-bija/Bolívia, após o término do VI fórum, foi aprovada a proposição da cidade de Macapá/Brasil para ser sede do VII FSPA, que será realizado de 28 a 31 de maio de 2014.

3. Organização Interna do FSPAO FSPA tem como suas instan-

cias internas o Conselho Interna-cional, que se reúne ordinariamen-te após cada edição para o balanço do evento e a aprovação da pró-xima sede, e o Comité de Articu-lação –sediado em Belém-, que responde organizativamente pelo FSPA nos intervalos das reuniões do Comité Internacional, e apoia o Comité Organizador Local nos encaminhamentos práticos de cada edição do Fórum.

O Comité Organizador Local é composto por organizações e mo-vimentos sociais da cidade e região que promoverão o evento Fórum, e se constitui na direção efetiva e responsável pela organização de cada edição do FSPA, contando no desenvolvimento do seu trabalho com a assessoria e apoio do Comi-té de Articulação.

4. Metodologia do FSPAO FSPA possui tradições meto-

dológicas: sempre começa com uma grande marcha e conclui com uma assembleia de encerramento, onde, por consenso, será aprovada

ruMo Ao VII FspAa Carta de cada edição do Fórum.

Suas atividades são divididas em autogestionadas (organizadas livremente por redes, entidades e movimentos) e centralizadas (me-sas de debate definidas e sistemati-zadas pela organização do evento, após consultas), sendo estas úl-timas divididas em eixos e espa-ços temáticos. Além disso, existe a programação cultural, que deve ser a expressão das tradições, cos-tumes e compreensões dos povos da Pan-Amazônia.

A definição das atividades cen-tralizadas, incluindo os palestran-tes e moderadores, é de responsa-bilidade do coletivo que está or-ganizando o FSPA, coletivo que é também responsável pela progra-mação cultural e pela metodologia de convergência, que objetiva cul-minar na aprovação consensual da Carta de Macapá. Em todas estas tarefas o Comité Local recebe a assessoria do Comité de Articula-ção.

O Fórum se organiza principal-mente no seu território, ou seja, numa área, que pode ser contínua ou não, que durante o evento sedia as principais atividades. Esta área é espaço de vivencias, cenário de ações culturais, esportivas e recre-ativas, e referencia para a popula-ção que deseja visitar o Fórum.

5. Financiamento do FSPACada edição do Fórum é finan-

ciada por diferentes fontes: Go-vernos (federal, estadual e muni-cipal), empresas estatais, ONGs e organizações humanitárias (como Oxfam, Pão para o Mundo, Con-selho Mundial das Igrejas, etc.).

Ocorrendo também o autofinan-ciamento através das inscrições. Não são aceitos recursos de ban-cos e empresas privadas.

A cooperação com a Prefeitura e o Governo estadual é vital em ter-mos de infraestrutura (segurança, alojamento, atendimento médico, transporte etc.), assim, como na assunção de determinados custos (por exemplo, o aluguel de um barco Belém - Macapá que sirva de transporte e alojamento para um bom número de delegados).

6. Expectativas para o VII FSPAPara o CI-FSPA a realização do

Fórum em Macapá significa prin-cipalmente a realização de uma edição com forte presença de de-legações da Guiana Francesa, Su-riname e República Cooperativa das Guianas, de todos os estados da Amazônia brasileira e de ou-tras partes do Brasil. Além disso o impacto positivo da realização do Fórum Social Mundial em Belém, a vontade de conhecer a experiên-cia de uma administração de es-querda em plena selva amazônica, a facilidade de acesso (via Caiena) faz com que se possa prever uma representação expressiva de dele-gados europeus.

Além disso virão as delegações dos movimentos sociais dos de-mais países pan-amazônicos. Con-forme avaliamos inicialmente, es-tamos falando da realização de um Fórum que, somada a participação dos delegados do Amapá, atinja pelo menos 40 mil pessoas.

Em Macapá, o território do Fó-rum será uma vasta área na orla central da cidade, compreendendo

por Dion Monteiro

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 15: Jornal Aldeia

15

prédios históricos como a Fortaleza de São José e o Mercado Central. Neste perímetro estão localizados auditórios, teatros e salas que serão utilizados para as mesas e palestras além de vias e espaços que servirão para a instalação das Feiras Cultu-

ral e de Economia Solidária e para as apresentações de música, dança e teatro. O território do Fórum será exatamente no ponto da cidade que é a marca identitária de Macapá, onde é maior o afluxo de pessoas no fim de semana permitindo que,

à beira do rio Amazonas, a popula-ção local e os delegados de diver-sos estados e países se encontrem e confraternizem.

A América Latina, especialmen-te os países da Pan-Amazônia tem

sido nos últimos anos palco de im-portantes lutas e experiências so-ciais em busca de um mundo justo e igualitário. Tudo isto será refleti-do em Macapá, em maio de 2014.

deCLArAÇÃo de CALABArpor Winnie Overbeek

Nós, membros das comunidades afe-tadas pelas monoculturas industriais de dendê, incluindo movimentos campo-neses, bem como de outras organiza-ções da sociedade civil da África, da Europa, das Américas e da Ásia, e sig-natários desta declaração, reunimo-nos de 2 a 5 de novembro de 2013 em Ca-labar, estado de Cross River, Nigéria.

Tendo:

– Compartilhado análises e testemu-nhos relacionados às condições de vida das comunidades rurais afetadas pelas monoculturas industriais de dendê;

– Compartilhado experiências sobre a monocultura do dendê e outros tipos de monoculturas implementadas em to-dos os países presentes na reunião;

– Analisado as consequências da rá-pida e brutal expansão das monocultu-ras promovidas por empresas multina-cionais em diferentes comunidades e países;

– Analisado as estratégias e meca-nismos de concentração e invasão de terras por empresas multinacionais em diferentes comunidades.

Tendo concluído que:

– Onde implementaram monocul-turas em grande escala, as empresas multinacionais deixaram miséria e po-breza;

– Os governos, em todos os continen-tes, dão apoio a essas empresas, e mui-tos deles lucram com a miséria de seus compatriotas;

– Milhares de hectares de floresta são

destruídos todos os dias, em benefício das monoculturas, incluindo o dendê;

– As comunidades são privadas de suas terras em benefício de corpora-ções multinacionais e investidores es-peculativos que manipulam governos, a polícia ou todo o sistema judicial dos países em que entram;

– Centenas de pessoas são presas ou mortas todos os anos por reivindicar seu direito à terra, aos meios de sub-sistência e à sobrevivência; suas terras, uma vez transformadas em monocultu-ras, são militarizadas;

– Os camponeses são forçados a tra-balhar em condições de escravidão em sua própria terra e a comprar a comida que um dia produziram;

– As iniciativas voluntárias e os es-quemas de certificação, como a RSPO (Mesa Redonda sobre Dendê Sustentá-vel, na sigla em inglês) e o REDD (Re-dução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) não servem como soluções duradouras para os pro-blemas que pretendem resolver;

– Convenções e leis que garantam os direitos da comunidade são frequente-mente descumpridas pelos diferentes estados, ao dividir a terra das comuni-dades e concentrá-las em poucas mãos.

Considerando que:

– Plantações de monoculturas de ár-vores não são florestas;

– Comunidades não são objetos que possam ser movidos ou manipulados à vontade;

– Comunidades têm direito à digni-

dade e a expressar sua voz;

– A RSPO não é um mecanismo que sirva para deter a enorme expansão das monoculturas de dendezeiros e a crescente demanda por óleo de dendê para atender ao consumo excessivo, inclusive para os agrocombustíveis. O REDD também não é um mecanismo que resolva os impactos da mudança climática.

Reafirmamos:

– Nosso apoio a todas as comunida-des reprimidas pelas políticas dos po-derosos e àqueles que defendem seus direitos à terra, na condição de povos indígenas e comunidades camponesas;

– Nosso compromisso com exigir que os governos de nossos países rati-fiquem e respeitem as declarações e as leis internacionais pertinentes à prote-ção dos direitos das comunidades e dos povos indígenas;

– Nossa oposição à concentração da terra e da floresta para monoculturas e outros projetos, incluindo o REDD;

– Nosso apelo aos governos de nos-sos países para que detenham e contro-lem a expansão das grandes monocul-turas e apoiem atividades econômicas tradicionais, incluindo as comunitárias.

– Nossa determinação de lutar pela soberania e a segurança alimentar das comunidades;

– Nosso compromisso com a cons-trução de soluções alternativas e ade-quadas que vão além de mecanismos como a RSPO e o REDD;

– Nosso compromisso de salvar o

meio ambiente em vez de deixar que se transforme em um inferno na terra;

– Nosso compromisso de ser a voz dos que não têm voz, onde quer que sua voz deva ser ouvida;

– Nosso compromisso de usar todos os meios não violentos necessárias pa-ra que os direitos das comunidades se-jam respeitados.

Adotada em Calabar, 5 de novem-bro de 2013

Assinaturas:

African Dignitiy Foundation – Nigéria Boki Rainforest Conservation & Hu-man Development Concern – NigériaClimate Cool NigeriaBiakwan Light, NigeriaCommunity Forest Watch NigeriaRRDC – Nigéria ERA/Amigos da Terra NigériaGREENCODE – NigériaJVE – Costa do MarfimBrainforest – Gabão Green Scenery – Serra LeoaSDI – LibériaFCI – Libéria GRABE – BeninCOPACO – RDC e Via Campesina ÁfricaFERN – Reino UnidoGreen Development Advocates – Ca-marões Struggle to Economize Future Envi-ronment-SEFE – Camarões WALHI – IndonésiaSPI – IndonésiaGRAINWRM - World Reinforest Movement

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013

Page 16: Jornal Aldeia

16

Sistema nacional de REDD+.

Além disso, o capítulo X do có-digo florestal cria a Cota de Reser-va Ambiental (CRA) permitindo a compra do direito de desmatar: quem não cumpre com a reserva ambiental pode compensar este desmatamento comprando crédi-tos de quem cumpre em excesso em outra propriedade.

Em termos de políticas na Ama-zônia o estado do Acre é o mais avançado com a criação do Siste-ma de Incentivos a Serviços Am-bientais (SISA). O Amazonas tem lei de clima que institui o PSA e menciona REDD+ e Tocantins tem lei de clima que menciona PSA. São em torno de 36 projetos vo-luntários de REDD+ implementa-dos ou sendo elaborados em terras indígenas no Brasil; 3 em outras áreas já implementados no Ama-pá, Rondônia e Tocantins e 5 só no estado do Pará.

Durante a apresentação do traba-lho de grupo, quando os\as parti-cipantes simularam a realização de uma audiência pública para apresentar um projeto de REDD+, espelhado em um caso real em

disputa no município de Manoel Urbano no Acre, o Projeto Purus, os seguintes problemas foram le-vantados: acesso aos territórios e aos conhecimentos tradicionais por parte das empresas, modifican-do a forma como as florestas são gestionadas e violando, em muitos casos, o direito das comunidades aos seus territórios e a autonomia das mesmas sobre a sua produção; cria mais dependência aos merca-dos; transfere a responsabilidade do desmatamento e degradação ambiental para as comunidades; transforma direitos em serviços e; esvazia o debate político sobre os efeitos do processo civilizatório. A dinâmica revelou como o discurso da preservação da natureza e da salvação do planeta tem servido para transformar a mudança cli-mática em um negócio e a nature-za em ativo econômico, garantin-do assim não só os interesses eco-nômicos como também o controle territorial e a destruição de modos de vida tradicionais, aprofundan-do, entre outras violações, o racis-mo ambiental.

Este processo só tem sido pos-sível com uma forte atuação do Estado que flexibiliza e cria leis, financia os projetos e garante a le-gitimação política e ideológica da chamada economia verde. “Pen-sei que a gente ia chegar aqui e só falar de clima, mas vejo que o processo é muito mais complexo”, afirmou uma participante.

“A chamada economia verde co-labora para aprofundar as ideias dominantes da civilização de hoje: progresso, crescimento e compe-titividade; os povos indígenas e tradicionais têm muito que nos en-sinar sobre a superação desta lógi-ca”, ressaltou outro.

Nos dias 13 e 14 de novembro de 2013, a FASE e o FAOR

realizaram a oficina “COP 19: consolidação dos mecanismos de mercado para o enfrentamen-to das mudanças climáticas?”, com a participação de mais de 30 lideranças de diversos municípios do Pará e dos estados do Amapá e Maranhão. Aproveitando a realiza-ção da COP-19, a oficina tratou da construção do debate e de políti-cas sobre mudanças climáticas e o mercado de carbono, novos meca-nismos de mercado e da Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+) no contexto internacional, nacional e subnacio-nal e as implicações para a Ama-zônia.

O que este debate tem a ver com a Amazônia e o Pará?

Só no Pará existem quatro proje-tos do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo (MDL), um dos cha-mados “mecanismos de flexibili-zação” do acordo internacional so-bre clima, o Protocolo de Quioto, que permite que um país do Norte Global compense as suas emissões de CO2 investindo em projetos no Sul Global que “contribuam para a sustentabilidade” e apresentem uma “redução ou captura de emis-sões de gases de efeito estufa”. Além de não cumprir com o obje-tivo de reduzir as emissões, insta-lar a lógica da compra do direito de emitir e despolitizar o debate sobre o meio ambiente e o clima, os pro-jetos de MDL têm gerado diversos impactos socioambientais nas lo-calidades onde foram instalados.

Entre eles estão hidrelétricas (Santo Antônio e Jirau em Rondô-nia, além de outras) e a plantação de monoculturas. No caso do Pa-

rá, por exemplo, está o projeto Va-le Florestar da transnacional Vale S.A. De acordo com a empresa, o projeto tem como objetivo o “re-florestamento para produzir bio-massa renovável plantada usando Eucalyptus urograndis em uma área de 7.124,29 ha”.

Ao mesmo tempo, são vários os processos sendo implementados na Amazônia em relação ao RE-DD+ e de Pagamento de Serviços Ambientais (PSA): mecanismos que remuneram aqueles que man-tem suas florestas sem desmatar, evitando emissões associadas ao desmatamento e degradação flo-restal ou que preservam “serviços ambientais” como a biodiversida-de, beleza cênica e “recursos” hí-dricos.

Existem hoje aproximadamen-te 33 iniciativas legislativas sobre PSA, incluindo o PL 792/2007 que institui a Política Nacional de PSA, o Programa Federal de PSA, o Fundo Federal de PSA e o Cadastro Nacional de PSA; o PL 740/2011 que institui PSA em áreas de proteção ambiental e; PL REDD+ 195/2011 que Institui o

OFICINA COP 19:CONSOLIDAÇÃO DOS MECANISMOS DE MERCADO PARA

O ENFRENTAMENTO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS?BELÉM, 13 E 14 DE NOVEMBRO

por Fabrina Furtado

Jornal produzido pela FASE Programa Amazônia em parceria com o Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) | Novembro / Dezembro 2013