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5 5 Jornal Brasileiro de Psiquiatria ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB volume 52 • set/out-2003 Publicação bimestral Alcebíades Gomes Festa Junina, detalhe Brazilian Journal of Psychiatry Jornal Brasileiro de Psiquiatria vol. 52 - nº 5 Setembro - Outubro 2003

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Jornal Brasileirode Psiquiatria

ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

volume 52 • set/out-2003Publicação bimestral

Alcebíades GomesFesta Junina, detalhe

Brazilian Journalof Psychiatry

Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setembro - O

utubro 2003

Jornal Brasileirode Psiquiatria

CORPO EDITORIAL

Naomar de A lmeida FilhoM árcio A maralThomas A . BanO thon BastosJ. M . Bertolo teNeury José BotegaM arco A ntônio A lves BrasilM ax Luiz de CarvalhoRoosevelt M .S. CassorlaJuarez O liveira CastroArist ides CordioliJurandir Freire CostaPaulo DalgalarrondoCarlos Edson DuarteLuiz Fernando Dias DuarteWiiliam DunninghamClaudio Laks EizerickHelio ElkisEliasz Engelhard tRodolfo FahrerM arcos Pacheco de Toledo FerrazIvan Luis de Vasconcellos FigueiraJosimar M ata de Farias FrançaRicardo Gat tassWagner F. Gat tazValentim Gentil FilhoClarice GorensteinM auro GusLuiz A lberto HetemMiguel Roberto JorgeFlávio KapczinskiJulio LicinioCarlos A ugusto de M endonça Lima

M aurício Silva de LimaPedro A . Schimidt do Prado LimaA na Carolina LobiancoM ário Rodrigues Louzã NetoTheodor S. Lo w enkronNelson M aculanJair de Jesus M ariPaulo M at tosCeline M ercierEurípedes Constan tino Miguel FilhoTalvane M . M oraisA ntônio Egídio NardiIrismar Reis de O liveiraM arcos Pala tinikA ntônio Pacheco PalhaRoberto Ayrton PiedadeJoão Ismael PinheiroA na M aria Fernandes Pi t taJosé A lberto Del PortoBranca Telles RibeiroFábio Lopes RochaJane de Araújo RussoLuiz Salvador de Miranda Sá Jr.Benedet to SaracenoIt iro Shiraka w aJorge A lberto Costa e SilvaJoão Ferreira da Silva FilhoFábio Gomes de M atos e SouzaRicardo de O liveira SouzaYves ThoretGilberto A . VelhoWalter ZinA ntonio W . Zuardi

Pede-se permutaSe solici t a el canje

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O n prie l’échangeSi prega lo scambio

ISSN 0047-2085CODEN JBPSAX

volume 52 • set / out 2003J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003

Publicação bimestral

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EDITORES ASSOCIADOSE. Portella Nunes Filhoportella@ipub .ufrj.br

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CIP-BRASIL-CATALO G AÇÃ O N A F O NTESINDICATO N ACIO N AL D OS EDITORES DE LIVROS, RJ

071Jornal brasileiro de psiquia tria / Inst itu to de

Psiquia tria da Universidade Federal do Rio de Janeiro . —V.1, nº 1 ( ). — Rio de Janeiro: ECN-Ed . Científ ica Nacional, 2000

v.50

M ensalEditado pela Diagraphic a par tir do V.49 (10-12), 2000Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)ISSN 0047-2085

1. Psiquia tria - Periódicos brasileiros. I.Universidade Federal do Rio de Janeiro . Inst itu to de Psiquia tria

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Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB

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E. A. Carlin i

Redução de danos: uma visão internacional

João Carlos D ias; Sandra Scivo letto; C láud io Jerôn imo da Silva; Ronaldo Ramos Laran jeira; Marcos Zaleski; Analice G ig liott i;Iran i Arg imon; Ana Cecília P. Roselli Marques

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileirapara Estudos do Álcool e Outras Drogas

Carla Silveira; Den ise Doneda; Den ise Gando lfi; Maria Crist ina Hoffmann; Pau lo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Reg ina Benevides;Sueli Moreira

Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

Marcelo Santos Cruz; Ana Crist ina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danosna abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

E. A. Carlin i

Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

Edward MacRae; Mon ica Gorgu lho

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira deRedução de Danos

André Malberg ier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivo letto

Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo

Beatriz Carlin i-Marlatt; Dagoberto Hungria Requ ião; Andrea Caro line Stachon

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

Marcelo Araú jo Campos; Dom iciano J. Ribeiro Siqueira

Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação

Brasileira de Redutores de Danos

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Sumário

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E rE rE rE rE rra t a :ra t a :ra t a :ra t a :ra t a : N o artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em O perários de M ineração de Ferro em Itab ira (M G), pub licado no JBP 2003;52(4): 283-89 , uma correção precisa ser feita no Resumo: na p . 283 , terceira linha, onde se lê n = 80 , o correto é n = 580 .

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KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts and SciencesLILACS – Index Med icus Latino-AmericanoN ISC Pennsylvan ia, Inc.Periód ica – CICH-UNAMPsychoinfo – American Psycholog ical AssociationUlrich’s International Period icals D irectoryUM I – Un iversity M icrofilms International

Academ ia de C iências da Rússia Biolog ical AbstractsBLDSC – British Library Document Supp ly CenterCAS – Chem ical Abstracts Service of American Chem ical Society Chem ical AbstractsEmbase/Excerpta Med icaEM D O CS – Embase Document Delivery ServiceIBICT – Sumários Correntes BrasileirosIN IST – Institute de L’information Scientifique et Techn ique

Fontes de referência e indexação:

Apresentação

Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla

gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de

drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de

consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência

orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última

década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidem ia da Aids. Redução de danos

constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de dim inuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de

outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente

o uso de drogas.

A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos

individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em

consideração os seus riscos e prejuízos. Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na

luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos,

ressaltam a dim inuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirim ir este

embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos

efetivamente dim inui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?” .

Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e

assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a

m ídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez

que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas.

O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo

(Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa

área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência

neste campo e representantes do M inistério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de

estratég ias

de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres

apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem , no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas

na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos.

Marcelo Santos Cruz

Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas doInstituto de Psiquiatria da Un iversidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ)

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Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006.Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Redução de danos:uma visão internacional

Harm reduction: an international viewE. A. Carlini

R e s u m o

A técn ica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da O NU (1961, 1971 e 1988). Portanto, deacordo com o International Narcotics Control Board (IN CB), órgão que é considerado o guard ião das convenções, esta modali-dade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a impor-tância da redução de danos como uma estratég ia de prevenção terciária. Esta op in ião é partilhada por muitos órgãos internaci-onais e nacionais. Todavia, o IN CB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espéciede cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas.

Unitermosredução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização

S u m m a r y

Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention onPsychotropic Substances, 1971; and Convention Aga inst Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence,according to the Internationa l Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form ofprevention can not be classified as contrary to the conventions. Actua lly, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form oftertiary prevention. This opinion is supported by many other internationa l and nationa l bodies. However, the INCB a lso makes clear thatharm reduction should not be utilized to help to promote movements a imed at lega lization of drugs.

Unitermsharm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization

Introdução e definições

Em fevere iro de 2002 , ass i m dec larava oInternational Narcotics Control Board (IN CB) dasNações Un idas:

“As Convenções Internacionais (1961, 1971,1988) não mencionam a redução de danos (...);portanto, esta modalidade não pode ser classifi-cada como contrária às Convenções.”

E em abril de 2003 , o presidente do IN CB,prof. Ph ilip Emafo, assim se pronunciou na reu-n ião da Com issão de Drogas Narcóticas (C N D –Comm ission of Narcotic Drugs):

“ O IN CB reconhece a importância da redu-ção de danos em uma estratég ia de prevençãoterciária (. . .)”

A fim de melhor entender o que foi d ito aci-ma, é oportuno defin ir o que são os órgãos ouestruturas mencionadas.

O IN CB, constituído de 13 membros eleitospelo Conselho Econôm ico e Social das NaçõesUn idas, é um órgão independente, mas mantidopelas Nações Un idas, que tem como função ser oguard ião das convenções, isto é, verificar se a co-mun idade mund ial obedece aos d itames das con-venções. Foi criado em 1961 pela Convenção Ún i-

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ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado ojud iciário das Nações Un idas em relação ao pro-b lema das drogas.

As três convenções da O NU (1961, sobre entor-pecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobresubstâncias químicas e precursores) são documen-tos que, através de seus artigos, dão regras aos paí-ses signatários sobre como controlar a produção, adistribuição, o uso, o armazenamento e os estoquesde drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90%dos países são signatários desses documentos. Paraexemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já ade-riram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13países/territórios que ainda não aderiram têm pe-quena representatividade no concerto das nações.São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na Áfri-ca; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Les-te, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru,Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil ésignatário das três convenções.

A Com issão de Drogas N arcót icas (C N D –Comm ission of Narcotic Drugs) é o órgão da O NU,com mais de 50 membros, onde são tomadas de-cisões que poderíamos chamar de legislativas . É aC N D que pode, em assemb léia, tomar decisõescomo incluir ou excluir substâncias das conven-ções (retirando ou determ inando modificações naslistas). A C N D seria o braço político, o legislativo,das Nações Unidas, em relação às drogas.

E finalmente temos o braço executivo da O NU,o Un ited N at ions O ff ice on Drugs and Crime ,(UN O DC) que substituiu o Un ited Nations DrugControl Programme (UN DCP).

Por fim , cabe também esclarecer as técn icasde prevenção adotadas pelas Nações Un idas atra-vés da Organização Mund ial da Saúde (O MS), quesão as que se seguem:

Preven ç ão pr i m ár i a:Preven ç ão pr i m ár i a:Preven ç ão pr i m ár i a:Preven ç ão pr i m ár i a:Preven ç ão pr i m ár i a: tem por finalidade as-segurar que uma desordem , um processo ou pro-b lema não ocorrerão, ou seja, imped ir o primeirouso de uma droga.

Preve n ç ão se c u n d ár i a: Preve n ç ão se c u n d ár i a: Preve n ç ão se c u n d ár i a: Preve n ç ão se c u n d ár i a: Preve n ç ão se c u n d ár i a: procura identificare abolir ou mod ificar para melhor uma desordem ,um processo ou prob lema o mais precocementepossível. Vale d izer: a prevenção secundária estáind icada para aqueles que tiveram contato com adroga e visa a imped ir ou d im inuir este uso oupelo menos imped i-lo de aumentar.

P rP rP rP rP reven ção tereven ção tereven ção tereven ção tereven ção terc iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: c iár ia: propõe interromper ou re-tardar o progresso de uma desordem , um proces-so ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con-

dições básicas do fenômeno ainda persistam . Emoutras palavras, a prevenção terciária não tem maiscomo condição básica e prioritária reduzir ou abo-lir o uso de drogas, mas sim interromper ou dim i-nuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as con-dições básicas) ainda persista.

R. L. Dupont (1987), ex-d iretor do NationalInstitute on Drug Abuse (N ida) dos EUA suma-riou os três tipos prevenção:• primária – preven ir o uso antes que e le se

in icie;• secundária – imped ir a progressão do uso, uma

vez já in iciado;• terciária – imped ir as p iores conseqüências do

uso contínuo.

É n essa ú l t i m a t é c n i c a d e p reve n ç ão , aterciária, que os órgãos internacionais colocam aredução de danos, conforme já mencionado pelopresidente do IN CB.

Redução de danos: uma visão internacional Carlini

Histórico da redução de danose as convenções da ONU

Mesmo antes da convenção da O NU sobrenarcóticos, de 1961, a redução de danos (embo-ra sem esta designação) já era praticada em vári-os países. Por exemp lo: óp io, heroína e morfinajá eram adm in istrados como terapêutica de ad ic-tos em países da Europa, pelo menos desde a dé-cada de 1920; a adm in istração de óp io a pessoasad ictas a esta substância já era prática comum naÁsia pelo menos a partir de 1914.

E em 1965 in iciou-se a utilização da metadonapara dependentes de op iáceos.

Hoje em d ia essas modalidades de interven-ção terapêutica são chamadas de tratamento desubstituição ou de manutenção, sendo formas deredução de danos.

O termo redução de danos (RD) ainda nãoexistia quando a Convenção de Drogas Narcóti-cas da O NU – 1961 foi estabelecida. Nessa con-venção , o artigo 38 d iz apenas: “med idas parapreven ir o abuso e identificação precoce do mes-mo, tratar e reab ilitar o dependente” .

A Convenção de Psicotróp icos de 1971 tam-bém não menciona RD . No seu artigo 20 constaapenas: “para preven ir o abuso, identificar, tratare reab ilitar o dependente” .

A Convenção de Precursores, de 1988, já se apro-xima um pouco da concepção de RD: no seu artigo

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14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a“eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com ofito de reduzir o sofrimento humano” (grifo meu).

Há ainda a consignar que em uma seção es-pecial da Assemb léia Geral da O NU, em junho de1998 , o parágrafo 8 (b) pode ser interpretadocomo ind iretamente referindo-se às med idas deRD: “A redução de demanda visa a preven ir o usode drogas e a reduzir as conseqüências adversasdo abuso de drogas” (grifo meu).

Foi baseado nesses fatos que o IN CB já haviaconcluído anteriormente que:

“As Convenções Internacionais não mencio-nam a redução de danos (...); portanto, esta mo-dalidade de terapêutica não pode ser classificadacomo contrária às Convenções” .

“ O IN CB, portanto, não se opõe à redução dedanos, dado ser ela parte do tratamento méd ico(grifo meu) e uma estratég ia coerente de redu-ção de demanda (...)” .

“ O IN CB, entretanto, está preocupado comque algumas intervenções de redução de danospossam ser utilizadas com o propósito de advo-gar uma legalização da droga para uso não-mé-d ico, com o que não concorda” .

dução de danos, embora mostrasse uma certapreocupação:

“IN CB reconhece a importância de certos as-pectos da redução de danos como uma estraté-g ia de prevenção terciária (grifo meu) para pro-pósitos de redução de demanda. Todavia o IN CBconsidera como seu dever chamar a atenção parao fato de que programas de redução de danosnão são substitutos para programas de reduçãode demanda (...). O fato de que programas deredução de danos devem ser considerados ape-nas como um elemento de uma estratég ia maisamp la e abarcante de redução de demanda temsido neg ligenciado” .

Carlini Redução de danos: uma visão internacional

Definição e filosofiada redução de danos

O UN O DC , quando ainda UN DCP, na sua pu-b licação Redução de Demanda – Um G lossário deTermos, assim define a redução de danos:

“Redução de danos refere-se a políticas ou pro-gramas que visam d iretamente a reduzir o danoresultante do uso de álcool ou outras drogas, tantopara o ind ivíduo como para a sociedade. O ter-mo é usado particularmente para programas quevisam a reduzir o dano sem necessariamente exi-g ir abstinência” (grifo meu).

O UN O DC d iz mais: “A extensão do desen-corajamento do uso continuado da droga variagrandemente de acordo com a filosofia do cen-tro que ap lica redução de danos”; e ainda: “A re-dução de danos é neutra em relação à sabedoriae à moralidade do uso continuado de drogas, enão deveria ser vista como sinônimo de movimen-tos que procuram descrim inalizar, legalizar oupromover o uso de drogas” .

O I N C B , j á e m 1 9 9 3 , e m s e u re l a t ór i oanua l , também reconhec ia a importânc ia da re-

Objetivos e exemplosda redução de danos

De acordo com o governo suíço, “intervençõesde RD são aquelas planejadas para atingir as pessoasdependentes que não poderiam ser contatadas deoutra maneira. Por exemplo, os programas de trocade agulhas e as salas de injeções são algumas vezesplanejados com o objetivo adicional de se chegaraté os dependentes fim de linha (hard core abusers)para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório damissão do INCB à Suíça, ano 2000).

Essa exp licação do governo suíço encaixa-seb e m d e n tro d a d e f i n i ç ão d e R D d ad a p e l oU N O D C .

O que parece ser relevante nos programas deredução de danos é exatamente o que afirmou ogoverno da Suíça (e o de vários outros países), ouseja, são ou deveriam ser programas destinados aatingir usuários que não poderiam ser contatadospor outros meios. Tanto assim é que o desenvolvi-mento de programas de redução de danos:• deve ter suas ações exercidas no próprio ambi-

ente freqüentado pelos usuários de drogas; e• deve ating ir amb ientes de profunda exclusão

social, exatamente o local onde se encontramos usuários fim de linha ou com comprometi-mento grave.

Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguin-do as características de uma prevenção terciária (evi-tar as piores conseqüências do uso de drogas), vári-as estratégias ou programas de redução de danospodem ser estabelecidos, como, por exemplo:1 . programa de troca ou doação de seringas;2 . escolha (sorteio) de motorista sóbrio;

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Redução de danos: uma visão internacional Carlini

3 . servir beb idas em copos e recip ientes que nãosejam de vidro, em casos de bares freqüenta-dos por bebedores-prob lema violentos;

4 . adesivos de n icotina para fumantes; e,5. instituir tratamentos de manutenção ou de subs-

tituição. Seguramente, esta última é uma das maisdifundidas formas de redução de danos.

Deve ser ressaltado que, em todas essas estra-tég ias, não se procura d im inuir ou parar o uso dedroga, mas fazer com que o usuário evite danos asi e a outros.

de danos à base de terapêutica de substituição pormetadona. Por exemplo, o IN CB diz sobre isto: “Emquase todos os indivíduos dependentes de opióides,a metadona, quando corretamente prescrita, re-duz e freqüentemente elim ina o uso de opióidesnão-prescritos (...) um efeito indireto do uso legalda metadona é a redução do crime associado”.

Deve-se também ressaltar que nos EstadosUn idos uma conferência de consenso, patrocina-da pelo National Institutes of Health (N IH), em1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que:

“Embora um estado livre de drogas seja o ob-jetivo ideal de tratamento, as pesquisas mostramque este estado não pode ser ating ido pela maio-ria dos pacientes. Todavia, outros ob jetivos im-portantes de um tratamento podem ser ating i-dos, ta is como d im inu ição do uso de drogas,d i m i n u i ç ã o d a a t i v i d a d e c r i m i n o s a erestabe lec imento de emprego , como acontececom a maioria dos pacientes sob a metadona” .

M a is recen te mente , a própr ia substân c iaindutora de dependência tem sido dada aos pacien-tes sob supervisão médica. Esses programas são cha-mados tratamento de manutenção. É o caso da he-ro ína sendo fornec ida , sob contrato , para osdependentes desta substância na Holanda, na Suí-ça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendoadministrado sob supervisão aos dependentes des-ta substância na Índia, no Irã, em M ianmá, na Laos ena Tailândia; da morfina para os dependentes destasubstância na Austrália, na Guatemala, no México eSuíça.

Tratamento desubstituição / manutenção

De acordo com a O MS: “Para uma pessoa de-pendente de uma substância psicoativa, a pres-cr i ç ão d e u m a o u tra su b s t ân c i a p s i c oat iva ,farmacolog icamente relacionada àquela produzin-do a dependência, para ating ir ob jetivos defin i-dos de tratamento, usualmente melhora a saúdee o bem-estar do paciente” .

Para o IN CB, um tratamento de substituiçãotem por finalidade:1 . reduzir o uso ilícito da droga (o paciente rece-

be a droga e a utiliza sob orientação);2 . re d u z i r o r i s c o d e i n f e c ç õ es p e l a v i a

endovenosa;3 . melhorar o estado físico e psicológ ico do usu-

ário; e4 . reduzir a crim inalidade.

Ainda, para o IN CB:

“ O programa de tratamento de substituiçãodeve ser a última providência para os dependen-tes pesados (hard core) que não tiveram sucessoem tratamentos anteriores. Tal programa deveriaser encarado como última tentativa, mas, mesmoassim , como um programa provisório que deverálevar a um estilo de vida livre de drogas (...)” .

Finalmente, o IN CB assim define um tratamen-to de subst itu ição: “pode ser defin ido como aprescrição de uma droga com ação sim ilar à dro-ga de dependência, mas com menor grau de ris-co, com a finalidade específica de tratamento” .

Entre as substâncias usadas para a terapêuticade substituição destaca-se a metadona (emboraoutras drogas estejam mais e mais conquistando orec e i tuár i o , c o m o n o c aso da c o de í na e dabuprernorfina). Existem op iniões taxativas a res-peito das vantagens de um programa de redução

Da troca de seringasàs salas de inalação

Distribuição/ troca de seringas e agulhas

Uma das formas mais utilizadas de redução dedanos é a distribuição ou troca de agulhas e serin-gas. Em relação a esse programa, já em 1987 o INCB,em seu relatório anual, assim se expressava: “É claroque a adoção de medidas que possam diminuir ocompartilhamento de seringas entre os usuários dedrogas por via endovenosa é um passo necessáriopara limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tem-po, essas medidas profiláticas, que são urgentementenecessárias, não deveriam permitir ou mesmo facili-tar o abuso de drogas”.

Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de2003, o IN CB novamente se posiciona favoravel-

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Carlini Redução de danos: uma visão internacional

mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Emrelação à troca de seringas e agulhas, o INCB reafir-ma sua posição anterior, já apresentada em relatóri-os anuais, de que, embora concorde que tais pro-gramas possam ser necessários para l i m itar adisseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser to-mados para tais medidas não provocarem o abusode drogas”.

Salas de injeção

Outra iniciativa de alguns governos europeusque vem despertando a atenção refere-se a salasde injeção. São amb ientes onde os usuários po-dem injetar-se com as drogas que eles mesmosadquiriram . Não existe aconselhamento ou equi-pe de saúde nessas salas, apenas um local mais dis-creto e, portanto, mais protegido, para a práticade adm inistração endovenosa de drogas. Essas se-riam as razões aventadas para a existência da salade injeção: os dependentes não mais injetar-se-iamnas ruas ou praças públicas, o que, certamente,confere certo grau de proteção. Mas alguns comen-tam que, na realidade, a verdadeira razão para oaparecimento dessas salas de injeção seria de or-dem econôm ica. Algumas das cidades onde essaprática (salas de injeção) está sendo incentivada(por quem? só governo?) já haviam antes adotadoo programa das praças de drogas, locais públicosonde usuários de drogas por via endovenosa sereun iam para auto-adm in istrarem-se. A grandeconcentração de dependentes nessas praças e avisão deprimente de pessoas intoxicadas fez comque houvesse uma tremenda queda no comércioe no valor dos imóveis locais. As salas de injeçãoteriam então sido organizadas com o fito de dim i-nuir a presença de dependentes endovenosos emum único local (a praça), diluindo a população paradiferentes pontos (as salas de injeção).

O IN CB não concorda com a existência des-sas salas de in jeção, pois elas ferem as conven-ções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anualde 1999: “ O estabelecimento de salas de in jeção,onde dependentes podem abusar de drogas obti-das ilicitamente, mesmo sendo estas salas d iretaou ind iretamente supervisionadas pelo governo,é contrário às Convenções Internacionais. A au-toridade que autoriza as salas de in jeção, e assimperm it indo o uso (sem supervisão) de drogas,estará facilitando ou perm itindo o cometimentode crime envolvendo a posse e o uso de drogas,(...) encorajando o tráfico. As salas de in jeção de-vem ser claramente d istinguidas (grifo meu) dos

locais med icamente supervisionados, onde dro-gas são prescritas para o uso dos dependentes (tra-tamento de substituição ou manutenção)” .

O INCB novamente examina o problema, emnovembro de 2002, e emite duas decisões a respeito,confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opinaque tais programas estão em desacordo com as Con-venções e são uma violação das mesmas”; “Decisão76/17 – em relação aos tratamentos de substituição emanutenção, o INCB opina que são legítimos em facedas Convenções, desde que o objetivo último de taistratamentos seja a abstinência”.

Salas de inalação

Em algumas cidades na Europa foi aberta umavariante das salas de in jeção, são as salas de inala-ção , onde os usuários podem fumar ou inalarcrack e heroína que são adquiridos ilicitamente.Essas salas, que foram abertas em caráter experi-mental, não têm o aval do IN CB, que as condenacomo fez com as salas de in jeção.

Controle de qualidade das drogas

Na Holanda (e possivelmente em outros paí-ses europeus), o governo colocou junto às salasde in jeção/ inalação equipamentos que perm itemaos usuários avaliar a pureza das drogas que com-pram ilicitamente no mercado negro. Em relaçãoa este tóp ico, o IN CB tomou duas decisões. A pri-meira é condenando tal prática: “Decisão 76/20– Em relação ao controle de qualidade de drogas,o IN CB op ina que tais programas estão em desa-cordo com as Convenções” .

A segunda decisão foi a inclusão, em seu relató-rio anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004,de um ou dois parágrafos sobre esse programa.

Finalmente deve ser mencionado que o gover-no holandês descontinuou o programa de controlede qualidade, pois surgiram evidências de que o mes-mo estava incentivando o uso indevido de drogas.

Endereço para correspondência

E. A. CarliniCentro Brasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicas (Cebrid)Departamento de PsicobiologiaUniversidade Federa l de São PauloRua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências BiomédicasCEP 04023-062 – São Paulo-SP

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Redução de danos: posições daAssociação Brasileira de Psiquiatria

e da Associação Brasileira paraEstudos do Álcool e Outras Drogas

Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Positionof the Brazilian Association of Psychiatry and the BrazilianAssociation for Studies of Alcohol and Other DrugsJoão Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2;Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2

R e s u m o

Este artigo tem como ob jetivo apresentar princíp ios, conceitos, fundamentos e principais d iretrizes da redução de danos.Aborda as defin ições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas dedanos ind ividuais e coletivos. Sub linha que a redução de danos é um con junto de estratég ias que visa m in im izar os agravos àsaúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratég ias deabordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e quala d imensão de danos que pretende m in im izar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidadede serem devidamente exp licitadas as suas ind icações e o seu púb lico-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarãoa prática, levando em consideração riscos e benefícios ind ividuais e coletivos.

Unitermosredução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública

S u m m a r y

The purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It a lso presentsthe definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individua l and communitarydamage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and itsactions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It a lso stresses, however, the needof its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individua l and to the population.

Unitermsharm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 341-348, 2003

1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).

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Introdução ciais causados pelo uso de drogas. A Organ iza-ção Mund ial da Saúde propõe política neste cam-po. Exemp lificando no caso do álcool, as políti-cas g lobais que visam a d im inuir o consumo geraldo álcoo l são: aumento do preço das beb idas;proib ição da propaganda do álcool; controle deacesso e d ispon ib ilidade do álcool; leis mais atu-antes sobre beber e d irig ir. No Brasil não temosuma política sobre o álcool que ob jetive d im inuiro consumo e o dano desta substância na nossapopulação, e, portanto, uma das prioridades deuma política racional sobre drogas deveria ser criaras c o n d i ç õ es p ara q u e es t a p o l í t i c a f o ss eimp lementada. Seria a mais importante med idapara d im inuir o custo social do álcool. Nos pou-cos exemp los onde algumas dessas políticas fo-ram imp lementadas temos resultados substanci-ais. Por exemp lo, há um ano a cidade de D iadema,na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dosbares a partir das 23 horas. Desde então a morta-lidade por causas violentas caiu em mais de 50% .

O primeiro conceito, baseado em princíp iosmais estritos, também pode ser entend ido, segun-do alguns autores, como ações dentro do campopreventivo, que é a melhor forma de reduzir ouevitar danos. Por este ângulo, podemos lembraros seguintes dados:• as po lít icas de redução de danos para grupos

específicos, como crianças e ado lescentes, de-veriam buscar ações sociais com vistas a est i-mu lar padrões de abstinência. Deveríamos en-tender um pouco mais as razões pelas quais amaioria dos ado lescentes não usa drogas. Exis-tem fatores de proteção nestes ind ivíduos queos mantém longe do consumo . Po lít icas quevisem a amp liar estes fatores de proteção aouso de drogas e a d im inu ição dos fatores deriscos do consumo deveriam ser est imu ladase imp lementadas;

• o tratamento baseado na abstinência para a de-pendência quím ica funciona e pode ser enten-dido, por este conceito mais ampliado, como a

Cada ind ivíduo traz consigo uma bagagemd iferente a respeito do uso de drogas e, conse-qüentemente, d iversa atitude sobre redução dedanos. Alguns apresentam posições e condutasinfluenciadas por suas próprias experiências de tra-tamento; outros tomam por base sua própria vi-são e formação, estando incluída a bagagem mo-ral-relig iosa sobre o uso de droga; outros, ainda,trazem uma visão menos estereotipada ou me-nos ríg ida do que é adequado em termos do usode drogas para determ inado ind ivíduo; ou aindauma visão pró-legalização das drogas4.

Qual a atitude e a característica das d iversasvisões sobre o uso de drogas e sobre os prob le-mas a ele relacionados que cam inham em sintoniacom o movimento de redução de dano? E quaissão as áreas em desacordo entre si ou que neces-sitam de maiores exp lorações e pesquisas?

A redução de danos, portanto, pode ser en-tend ida atualmente por, pelo menos, duas ver-tentes d iferentes: (a) a primeira, mais fided ignaaos conce itos primord iais de sua criação , parareduzir danos de HIV e DST em usuários de dro-gas in jetáveis e (b) a segunda, cujo conceito maisabrangente inclui ações no campo da saúde pú-b lica preventiva e de políticas púb licas que visama preven ir os danos antes que eles ocorram .

Para o segundo conceito, que parte do pontode vista mais abrangente, alguns princíp ios base-ados em evidências devem ser destacados.

A melhor forma de reduzir os danos de todas asdrogas à sociedade é estimular padrões de abstinên-cia em todas as comunidades, famílias e indivíduos.

Não existe uso de drogas isento de riscos. Da-dos recentes mostraram que doses relativamentebaixas de álcool expõem adolescentes a maioresriscos de acidentes e a outros prob lemas.

As políticas de redução de danos, neste senti-do mais amp lo, deveriam d im inuir os danos so-

“As melhores estratég ias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importânciada questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme.

Quando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade,e nunca parecer rad ical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acred ito que

também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde púb lica mais amp los.”

Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Gr i f f i t h Ed w ards , en trev is t a p ara o Bo l e t i m d a ABEA D , Bo l e t i m d a ABEA D , Bo l e t i m d a ABEA D , Bo l e t i m d a ABEA D , Bo l e t i m d a ABEA D , 2 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 12 0 0 1

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

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melhor política de redução de danos. Inúmerasevidências têm mostrado que as diferentes for-mas de tratamento funcionam . Infelizmente nãofuncionam tanto como gostaríamos, mas, quan-do existe um sistema diversificado de tratamentonuma comunidade na qual os profissionais sãobem treinados, as taxas de sucesso aumentammuito. No Brasil não temos essa rede de trata-mento, que deveria ser prioridade absoluta parauma política de redução de danos neste grupo.Não podemos deixar de notar que um bomnúmero de pacientes não apresenta uma boaevolução, mesmo com a oferta ideal de trata-mento. Estes pacientes deveriam receber um tra-tamento especial. Todo sistema de tratamentodeveria basear-se numa política de inclusão da-queles pacientes que não estivessem tendo umaboa evolução, quer porque tenham uma co-morbidade psiquiátrica associada, quer por fal-ta de apoio social, ou por dano cerebral decor-rente da própria dependência quím ica. Estespacientes deveriam ser incluídos no sistema detratamento com programas especiais para eles.Nesta situação específica poderíamos falar emredução de danos no sentido estrito da palavrae oferecermos a possibilidade de o paciente ado-tar objetivos diferentes da própria abstinência.A recusa do paciente a se tornar abstinente nun-ca deveria ser motivo para a exclusão do trata-mento;

• portanto, a redução de danos, no sentido es-trito da palavra, deveria ser uma das formasde tratamento oferecida aos pacientes. Existemevidências de que estas políticas podem salvarmuitas vidas. Por exemp lo, na década de 1980o oferecimento de agulhas e seringas na Ing la-terra poupou muitas vidas ao perm itir que aspessoas não utilizassem material contam inadopelo HIV. Mas foi somente com a demonstra-ção científica que essa política salvou vidas. Sóentão essas po líticas foram incorporadas, naprática, no governo conservador da primeira-m in istra Margareth Tatcher, na Ing laterra;

• em uma política de drogas deveríamos evitarideolog ias e seguir os avanços conceituais. Asevidências científicas ainda são os melhores cri-térios para adotarmos na prática de saúde. Cor-remos o risco de o termo redução de danosacabar virando mais uma ideolog ia que venhaa produzir, ela mesma, um grande dano a umapolítica de drogas que ainda não se desenvol-veu no Brasil.

Assim , estabeleceu-se na literatura, ao longodos anos, duas ou mais correntes de idealizadoresda redução de danos. Procuraremos aqui retomaralguns conceitos in iciais, salientando a necessi-dade de esclarecimento dos princíp ios da redu-ção de danos, de sua defin ição e de suas práticas,as quais muitas vezes se contrad izem .

Vo ltando , então , ao princíp io , é importanteque se esclareça que o fundamento da reduçãode danos não estabelece , necessariamente , umaposição contra nem tampouco a favor do usode drogas4. A redução de danos está focalizadano aumento ou na d im inu ição dos agravos con-seqüentes ao uso de substâncias psicoat ivas. Aposição predeterm inada do uso de drogas comointrinsecamente bom ou ru im não tem sign ifi-cado neste contexto . Assim , a d iscussão sobreesta questão pressupõe a isenção de posiçõesideo lóg icas.

Esta posição tem base nos primórd ios da re-dução de danos na Europa; entretanto algumasreflexões foram sendo acrescentadas ao longo dosúltimos anos, colocando em xeque tal princíp io.Um profissional da saúde comprometido com aética e com a med icina, baseado em evidências,poderia argumentar que as substâncias psicoativasp o d e m l evar a u m a d o e n ç a d e p r i n c í p i o sb iopsicossociais – a dependência – que pode terconseqüências danosas para ind ivíduo. Portanto,ao não se assum ir uma posição sobre a droga,poder-se-ia estar incorrendo em má prát ica damed icina. Ressalte-se aqui que a posição do pro-fissional de saúde pode ser contrária às substân-cias, mas não aos ind ivíduos que as utilizam .

Uma confusão conceitual, então, foi se esta-belecendo ao longo dos anos em torno da redu-ção de danos: alguns se mantendo nos princíp iosde sua criação, mais praticados na Europa, e ou-tros, incluindo práticas já existentes no campo daprevenção e do tratamento, no conceito e na prá-tica da redução de danos.

Portanto, numa primeira instância, faz-se ne-cessário o estabelecimento de uma defin ição maisprecisa, clara e un iforme sobre o termo reduçãode danos. Desta forma, as d iscussões a respeitodas visões e ações acerca do assunto poderão es-tar devidamente fundamentadas. Deve-se levarem consideração o contexto social, a atitude, acultura, os comportamentos, os háb itos, a ep ide-m io log ia e os padrões do uso de drogas. Estesúltimos, especificamente, sofrem influência d ire-

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ta da d ispon ib ilidade e das trad ições com relaçãoà formulação e fiscalização de políticas púb licasrelacionadas ao uso.

De acordo com Griff ith3, o uso de drogaspode ser entend ido em duas d imensões d ist in-tas. De um lado está o uso da droga que variaao longo de um cont inuum , e de outro , suasconseqüências. A redução de danos tem primor-d ialmente o seu foco no eixo dos prob lemas as-sociados ao uso de drogas. Entretanto é neces-sário sempre considerar a relação d ireta ex istenteentre a gravidade das conseqüências e o padrãodo uso de droga. Portanto , mesmo que os con-ce itos se entrecruzem com prevenção e trata-mento , não deveríamos expand i-los?

onados ao próprio efeito da droga no organ is-mo. Outros danos, porém , estão associados coma forma de utilização (por exemp lo, os utensíliosutilizados). Fazem parte deste grupo as infecçõesp or h e p a t i t e B , H IV e h e p a t i t e C p orcompartilhamento de equipamentos de in jeção.Outro exemp lo se relaciona às drogas de asp ira-ção , como aerossó is, resu ltando em laringoes-pasmo. Existem , ainda, os danos associados como contexto no qual a droga é usada, como, porexemp lo , acidentes automob ilísticos associadosao comportamento de beber e d irig ir.

No estabelecimento de políticas púb licas deredução de danos é prec iso ter em foco qua lo t ipo da re lação ex istente entre as drogas eos danos associados ao uso, e quais danos se pre-tendem m in im izar.

A política de redução de danos, estabelecidaem 1996 pelo governo do estado de São Paulo,por exemp lo1, visava a m in im izar o contág io porHIV, hepatites B e C associado ao uso de drogasin jetáveis por compartilhamento de seringas ouagulhas, bem como as doenças sexualmente trans-m issíveis pelo comportamento sexual de risco ,comum entre os usuários de drogas in jetáveis. Es-sas ações podem ser entend idas como preventi-vas se tivermos como foco o ind ivíduo: são açõesque ob jetivam d im inuir o risco de os ind ivíduoscontraírem HIV ou outras doenças transm issíveispor contato sangüíneo e sexual. Entretanto o focoda redução de danos está na população, ou seja,do ponto de vista ep idem iológ ico, a redução dedanos visa a m in im izar danos à sociedade que so-fre uma ep idem ia de HIV e outras doenças.

A troca de seringas e agulhas foi uma estraté-g ia que claramente tinha em vista m in im izar odano relacionado à contam inação por HIV, sífilise hepatite numa população bem defin ida e queobteve resultados positivos, demonstrados em d i-versos trabalhos científicos.

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

Definição de risco e dano

Risco pode ser defin ido como a possib ilidadeou probab ilidade da ocorrência de um evento. Odano prevê a ocorrência do evento em si4. Assim ,esses termos não deveriam ser usados como si-nôn imos porque, inclusive, estão relacionados acampos d iferentes de atuação dentro do contex-to de uso de droga. A redução do risco está nocampo da prevenção e visa a evitar ou d im inuiras chances de que um evento perigoso à saúdeocorra. A redução de danos prevê ações que d i-m inuam os danos inerentes a um evento perigo-so que já vem sendo praticado por ind ivíduos ougrupos de ind ivíduos.

Relação entre usode drogas e danos

Comportamentos de risco não resu ltam ne-cessariamente em danos. Ex istem , por exemp lo ,ind ivíduos que fumam por mu itos anos e se man-têm saudáve is , ou a inda ind iv í duos que nãousam capacete ao p ilotar suas motocicletas e nãosofrem acidentes. Contudo esses fatos não alte-ram a relação clara desses comportamentos derisco com a possib ilidade de danos. Além d isso ,alguns comportamentos de risco , sab idamenterelacionados com danos, podem ser prat icadospor mu itos anos antes que ocorra o dano pro-priamente d ito .

Que tipos de dano podem ser associados aouso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticose cerebrais, por exemp lo, estão associados ao usoe álcool ou barb itúricos. Estes danos estão relaci-

Definição: redução de danos

Uma confusão freqüente se dá entre os termosm inim ização de danos e redução de danos. Redu-ção de danos pode ser considerada algo essencial-mente operacional (por exemplo, política de re-dução de danos, programa de redução de danos);a m inim ização de danos pode ser considerada umameta global, um end point a ser alcançado atravésdas estratégias de redução de danos4.

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Outro aspecto importante d iz respeito ao ter-mo dano . As políticas de redução de danos pre-tendem m in im izar quais tipos de danos, relativosa que áreas da vida do ind ivíduo e em quais seg-mentos da população? Outra indagação que me-rece destaque é se a própria dependência deveser considerada um dano.

Dano pode ser defin ido como o resultado pre-jud icial à saúde, de gravidade alta e que decorredo uso de uma substância psicoativa, afetandoum grande número de pessoas. Neste sentido, aredução de danos estabelece políticas e ações param in im izar estes danos que tenham representaçãoep idem io lóg ica.

Negrete6, em ed itorial pub licado na revistaAdd ict ion , afirma: “ Como pode alguém sugerirque a escravidão proporcionada pela droga nãoé um dos maiores danos no qual incorre o de-pendente?” .

A vida de uma pessoa que depende de drogaestá d irecionada pela urgência em obter nova-mente a experiência dos efeitos da droga, ou pelanecessidade de se livrar dos desconfortos causa-dos pela ausência da substância, decorrentes dealterações fisiológ icas cerebrais. Ademais, a gra-vidade da dependência é um dos pred itores debaixa adesão tanto para a troca de seringa comopara a prática de sexo seguro entre os usuáriosde heroína, por exemp lo2.

Neste sent ido , a própria dependência qu ím i-ca poderia ser entend ida como um dano , alémdo fato , já apontado , da ínt ima relação da de-pendência com outros danos. Aqui está uma con-fusão que precisa ser esclarecida, porque , na de-fin ição de dano , pode ser incluída a dependência,e isto fug iria do conceito h istórico in icial da re-dução de danos. Mas, por outro lado , como nãoconsiderar a dependência quím ica um dano? Faz-se necessária uma defin ição mais clara de quaisos t ipos de danos fazem parte do en foque daredução de danos.

Sendo a redução de danos tam bém u mae s t r a t é g i a d e s a ú d e p ú b l i c a , n ã o s e d e v eneg l igenc iar o dano da dependênc ia qu í m i ca .Educação , in formação adequada , inc lusão so-c ia l , acesso aos serv i ços de saúde são a lgumasdas ações que poder iam ser inc lu ídas na redu-ção de danos , e a estas deve ser acrescentadoo acesso fác i l e irrestr i to ao tratamento da de-pendênc ia qu í m i ca .

Princípios básicos deredução de danos

D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

A redução de danos é fundamentada nos se-guintes princíp ios:1 . a redução de danos é uma alternativa de saú-

de púb lica para os modelos moral, crim inal ede doença do uso e da dependência de droga.O modelo moral defende a proib ição do usoou da d istribuição de certas drogas, atos con-siderados crimes sujeitos a pun ição. Como ex-tensão do modelo moral (pressuposto: o usode drogas ilícitas é moralmente incorreto), osistema de justiça crim inal tem colaborado comos formuladores de políticas nacionais de guer-ra às drogas, cujo ob jetivo aparente é promo-ver o desenvolvimento de uma sociedade livrede drogas. Já o modelo doença enfatiza os pro-gramas de tratamento e de prevenção que pro-curam remed iar o desejo ou a demanda pordrogas por parte do ind ivíduo (redução dademan- da), tendo como ob jetivo primord iala abstinência. A redução de danos desvia-sede tais princíp ios, evitando julgamentos mo-rais de certo ou errado e oferecendo uma vari-edade de políticas e de proced imentos que vi-sam à redução das conseqüências prejud iciaisdo comportamento dependente. A redução dedanos aceita o fato concreto de que mu itaspessoas usam drogas e a maioria delas apre-senta outros comportamentos, também de altorisco. Assim , a redução de danos trabalha comprogramas de baixa exigência, sem perder devista a possib ilidade ideal da abstinência5;

2. a redução de danos reconhece a abstinênciacomo resultado ideal, mas aceita alternativas queminimizem os danos para aqueles que permane-cem usando drogas. O princípio de tolerânciazero estabelece uma dicotomia absoluta entrenenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o usoexperimental, os usos moderados, pesados e asdiferentes dimensões de danos associados aos dis-tintos padrões de uso. A redução de danos não écontra a abstinência. Contudo acredita que osefeitos prejudiciais do uso de drogas e outros ris-c os asso c iad os , c o m o a at iv i dade sexua ldesproteg ida, podem ser co locados em umcontinuum. Quando há comportamento muitoperigoso, a redução de danos propõe reduzir onível da exposição ao risco. A abordagem de re-dução gradual estimula os indivíduos que tenhamcomportamento excessivo ou de alto risco a dar

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um passo de cada vez para reduzir as conseqü-ências prejudiciais de seu comportamento5. Es-tratégias de redução de danos também têm apli-cação no uso de drogas legais, incluídos o tabacoe o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapa-zes de abandonar o uso de maneira abrupta edefinitiva. Existem, como alternativas disponíveis,os adesivos de nicotina, as gomas e outras for-mas de administração de nicotina menos noci-vas do que o fumo. Embora as terapias de substi-tuição de nicotina tenham sido criadas como umauxílio para deixar de fumar, algumas pessoasusam estes produtos para manter o uso de nico-tina num nível mais seguro6;

3 . a redução de danos surg iu princ ipa l mentecomo uma abordagem de baixo para cima, ba-seada na defesa do dependente, em vez de umapo lít ica de cima para baixo, promovida porformuladores de políticas de drogas5;

4 . a redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa paraabordagens tradicionais de alta exigência. Osprogramas comunitários de rua oferecem umexemplo de abordagem de baixa exigência naredução de danos. Em vez de estabelecer a abs-tinência como um pré-requisito de alta exigên-cia, para receber o tratamento para dependên-cia ou outro tipo de assistência, os defensoresda redução de danos estão dispostos a reduzirestes obstáculos. Deste modo, os necessitadostêm mais possibilidade de aderir, iniciar, envol-ver-se com a mudança do comportamento. Osprogramas de baixa exigência fazem isto de di-versas formas5. Em primeiro lugar, os defenso-res de abordagem de baixa exigência estão dis-postos a encontrar o indivíduo em seus própriostermos – encontrá-lo onde estiver, em vez deonde você deveria estar. Informações de mem-bros da população-alvo são bem-vindas e, por-tanto, estimuladas, na tentativa de estabeleceruma parceria ou uma aliança entre os que for-necem os serviços e os que recebem (mesmoquando ambos os grupos consistem em usuári-os de drogas ativas). Novos programas são de-senvolvidos com a colaboração de pessoas di-retamente envolvidas e afetadas. Por meio dodiálogo, da discussão e das iniciativas de plane-jamento mútuo (por exemplo, uso de gruposfocais para reunir informações iniciais e fixaçãode metas), programas comunitários e serviçosassociados continuaram a emergir nos segmen-tos comunitários5;

5 . a redução de danos baseia-se no pressupostodo pragmat ismo empát ico versus idea l ismomora l ista . Um adesivo para carros, popu larem meados da década de 1990 , proc lama“ Merda acontece”6. Sendo uma abordagemprát ica, a redução de danos aceita esse fatodesagradável da vida como prem issa básica.O comportamento prejud icial acontece, sem-pre fo i assim e sempre será. Uma vez aceitae s t a p re m i s s a , a m e t a t o r n a-s e a d opragmat ismo empát ico: o que pode ser feitopara reduz ir o dano e o sofrimento tanto parao i n d iv í d uo q uan to p ara a so c iedad e? Opragmat ismo não pergunta se o comporta-mento em questão é certo ou errado , bomou ru im , doentio ou saudável. O pragmatismopreocupa-se com o manejo das questões co-t id ianas e das prát icas reais, e sua validade éavaliada por resu ltados prát icos5.

Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

Perspectiva pessoal xsaúde pública

Grande parte dos prob lemas de infecção porH IV e h e p a t i t e C e n tre usuár i os d e d ro g asin jetáveis tem simultaneamente satisfeito as con-siderações tanto da saúde ind ividual como da saú-de púb lica. A redução de danos deve considerartanto o n íve l ind iv idua l quanto o púb l ico dam in im ização do dano. O balanço dos benefíciosdos danos para a população como um todo e oconhecimento dos danos totais ind ividuais forne-cerão o resultado dos benefícios púb licos4. Entre-tanto, como política púb lica, na prática a redu-ção de danos tem um olhar ep idem iológ ico. Estaconfusão entre danos ind ividuais e danos para asociedade precisa ser mais bem esclarecida, por-que nem sempre é possível contemp lar as duasperspectivas em questão. Falta uma resposta, ba-seada em evidências, sobre qual é a perspectivada redução de danos.

Tipos e dimensão dos danose população-alvo

Os danos em um n ível mais simp les podemocorrer como um ún ico evento. Já em outras cir-cunstâncias os danos são cumulativos4. A gravi-dade do dano relacionado ao uso da droga, bemcomo os tipos de dano, deve ser cuidadosamenteavaliada no estabe lec imento de programas oupolíticas de redução de danos. Na Europa os pro-gramas de redução de danos tinham o seu foco

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no usuário de droga que apresentava dependên-cia grave, que recusava o tratamento e que au-mentava as estatísticas dos d iversos prob lemas as-sociados ao uso de droga.

Entretanto , gradualmente as ações de redu-ção de danos foram se expand indo para púb li-cos cu ja gravidade da dependência era menor.Ex istem evidências de que , quanto menor a gra-vidade do uso de droga, mais eficaz é o trata-mento . A questão não respond ida claramente épara qual púb lico as po lít icas de redução de da-nos devem estar vo ltadas? Seria para os usuári-os que não querem tratamento . Mas seria ét icaa prát ica de ações de redução de danos sem to-car no uso da droga? Como defin ir claramentequem são os usuários que defin it ivamente nãoirão ao tratamento? Se a redução de danos estávo ltada aos prob lemas do uso e evita sugestões,opções e reflexões sobre o uso da droga, comosaber se o ind ivíduo é eleg ível para um progra-ma de redução de danos?

gênc ia focados un icamente na abst inênc ia;(2) proporc ionar uma v isão rea l ista que re-conhece que o uso de drogas ocorre , quenem todos os usuários estão em estág ios depront idão para mudança e que estas pesso-as têm d ire ito ao acesso aos serv iços de saú-de; (3) a redução de danos não é contra aabst inênc ia e não deve ser con fund ida comat itudes ou posições ideo lóg icas contra nema favor do uso de drogas;

6 . as ações de redução de danos devem ter clarosquais os tipos e a dimensão de danos que sepretendem m inim izar e estar embasadas em evi-dências científicas. As práticas de redução dedanos mostraram-se eficazes através de pesqui-sas bem conduzidas em m in im izar os danoscausados pelo HIV e outras doenças infecciosas,mas para estabelecer novas ações é necessárioum maior número de pesquisas. Desta forma sequestiona se a medicina deve colocar em práti-ca as intervenções ainda não-testadas e compa-radas com outras intervenções já existentes;

7 . a redução de danos reconhece que não é pos-sível impor mudanças ao comportamento deterceiros, mas é possível dar acesso à infor-mação a todos os cidadãos, com respeito , semd iscrim inação , e com isso m in im izar os da-nos à saúde associados ao uso de drogas. En-tretanto a recusa do tratamento não deveriaser mot ivo imed iato para a exclusão do trata-mento . Todos deveriam ter acesso às in for-mações referentes a ele;

8 . a redução de danos deve ser considerada umadas possíveis estratég ias de abordagem ao tra-tamento e prevenção do uso de drogas. Destaforma, hão que se tornar exp lícitas suas ind i-cações e seu púb lico-alvo. Entretanto algumasquestões permanecem pouco claras: (1) o focodas estratég ias de redução de danos está emn ível pessoal ou social? Ou como se dá essaponderação entre o que é bom para o ind iví-duo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelasevidências que a dependência é um dano à saú-de, estaria o profissional eticamente autoriza-do a não informar ao paciente sobre os riscosde uso da droga e não deixar claro que a metaideal é a abstinência? (3) Para qual púb lico deusuários as políticas de redução de danos sevoltam , e como identificá-los?;

9 . finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem , forte-mente, a realização de um consenso nacional,

D ias et al. Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas

Conclusões e recomendações

1 . A redução de danos pode ser entend ida poruma ótica mais abrangente, envolvendo açõesde políticas púb licas e tratamento ou a partirde uma ótica mais restrita, como a troca deseringas, mas também ações que m in im izemdanos antes que estes ocorram , estabelecendoprogramas, por exemp lo, sobre beber e d iri-g ir;

2 . a redução de danos é um con junto de estraté-g ias que visa a m in im izar os agravos à saúdeassociados ao uso de drogas, quer sejam líci-tas ou ilícitas;

3 . a redução de danos está focada no eixo dosprob lemas associados ao uso de drogas, masnão deve desconsiderar a existência da clararelação entre estes prob lemas e o uso, ao lon-go de um continuum , e que a própria depen-dência pode ser entend ida como um dano;

4 . é necessária uma defin ição ob jetiva do que sejadano, qual tipo de dano se pretende m in im i-zar com as estratég ias de redução de danos equais as evidências científicas que embasarãoa prática, levando em consideração riscos e be-nefícios para o ind ivíduo e para a sociedade;

5 . os princ íp ios da redução de danos são: (1)estabe lecer uma abordagem de baixa ex igên-c ia em a lternat iva aos serv iços de a lta ex i-

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Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas Dias et al.

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Endereço para correspondência

João Carlos DiasAvenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJTel./fax: (21) 2548-3616e-ma il: [email protected]

com a participação de todas as entidades re-presentativas, para a d iscussão amp la e cientí-f i c a d o te m a c o m a f i na l i d ad e d e sere m

estabelecidas metas, prioridades, bem como oesclarecimento de conceitos dúb ios e proto-colos de atuação.

349

R e s u m o

Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas púb licas de atenção àsaúde. H istoricamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predom inantemente psiquiátrica ouméd ica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um prob lema que é do âmb ito da saúdepúb lica, que pressupõe necessária interface com outros programas do M in istério da Saúde, de outros m in istérios (Justiça, Educa-ção, Secretaria de D ireitos Humanos), organ izações governamentais e não-governamentais e demais representantes da socieda-de civil organ izada, garantindo, assim , a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educaçãopara o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predom ín io da heterogeneidade, já queafeta d iferentes pessoas de d iferentes maneiras, por d iferentes razões, em d iferentes contextos e circunstâncias. As ações desaúde devem atender às d iferentes especificidades (isto é: eqüidade, un iversalidade e integralidade do Sistema Ún ico de Saúde[SUS]) apresentadas pelo consum idor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter emconta que as d istintas estratég ias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação doconsumo) são comp lementares e fundamentais para a sua construção.

Unitermossaúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas

S u m m a r y

The challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, thesubjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence ofalcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of theMinistry of Health, other Ministries (Justice, Education, General O ffice of Human Rights), government and non-government organizations andother representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention,treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of theheterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health

Assessores do M inistério da Saúde.

Política do Ministério da Saúde paraatenção integral a usuários de álcool e

outras drogas

Politics of the Ministry of Health for integral attention to usersof alcohol and other drugsCarla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;Sueli Moreira

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 349-354, 2003

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Introdução A política de promoção, prevenção, tratamen-to e educação voltada para o uso de álcool e ou-tras drogas deverá necessariamente ser construídanas interfaces intra/ intersetoriais. Visto que o usode álcool e outras drogas é um grave prob lemade saúde púb lica, o M in istério da Saúde, pautadono comprom isso ético de defesa da vida, apre-senta as d iretrizes para a construção de uma polí-tica de atenção integral, assum indo completamen-te o desaf io de preven ir, tratar e reab i l itar osusuários de álcool e outras drogas e enfocando aimp lementação e a imp lantação de ações com es-tratég ias mais amp las, que possam contemp larg ra n d es p arc e l as d a p o p u l a ç ão e q u e n ãopriorizem a abstinência como ún ica meta viável.

A realidade contemporânea tem colocado no-vos desafios no modo como certos temas têm sidohabitualmente abordados, especialmente no cam-po da saúde. A construção de diretrizes para a saú-de deve ser coletiva. Os modelos assistenciais de-vem ser revistos, objetivando contemplar as reaisnecessidades da população, o que implica desen-volver ações que possam atender igualmente ao di-reito de cada cidadão. Este é um preceito da Consti-tu ição brasileira: a saúde deve ter abrangênciauniversal, não existindo critérios que perm itam aexclusão de qualquer segmento social de possíveisbenefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indi-víduos a intervenções preventivas ou assistenciais dequalidade inferior ou de menor abrangência do queaquelas oferecidas aos seus concidadãos.

O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pelaConstituição em 1988 e regulamentado pelas Leis8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal dareforma psiquiátrica) e o relatório da ConferênciaNacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêmreforçando e fomentando o que é hoje tomadocomo imperativo: a elaboração de estratégias e pro-postas para efetivar e consolidar o modelo de aten-ção aos usuários de álcool e outras drogas, de modoa garantir seu atendimento pelo SUS.

De acordo com a Organ ização Mund ial deSaúde, cerca de 10% das populações dos centrosurbanos de todo o mundo consomem substânci-as psicoativas de forma abusiva, independente-mente de sexo, idade, n ível de instrução e poderaquisitivo. Isso nos mostra que estamos d iante deum prob lema de grandes proporções. Frente à au-sência de políticas claras e concretas de atençãovoltadas para esse segmento, surg iram , no Brasil,alternativas de atenção pautadas pelo resultadode abstinência.

Contexto nacional: impacto do usode álcool e outras drogas

Pesquisas e estudos realizados observaram osseguintes pontos:

1 . a Organ ização Mund ial de Saúde apontou que10% das populações que vivem em centros ur-banos de todo o mundo consomem abusiva-mente substâncias psicoativas, sendo que o ál-coo l e o tabaco possuem maior prevalênciag lobal, trazendo conseqüências graves para asaúde púb lica mund ial23;

2 . es t u d o c o n d u z i d o p e l a U n i vers i d a d e d eHarvard apontou o álcoo l como responsávelpor 1,5% de todas as mortes no mundo e por2,5% do total de anos vividos ajustados paraincapacidade21;

3 . há uma tendência mund ial que aponta parao uso cada vez mais precoce de substânciaspsicoat ivas, sendo que tal uso ocorre de for-ma cada vez mais pesada. Estudo realizadopelo Centro Brasileiro de Informações sobre

Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so thatthese politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of theconsumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary:they are fundamental elements in the construction of these politcs.

Unitermspublic health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs

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Drogas Psicotróp icas (Cebrid) acerca do usoindevido de drogas por estudantes em dez ca-p itais brasileiras fo i ut ilizado como base com-parat iva para outros estudos e demonstrouque houve aumento do uso freqüente do ál-coo l em seis das dez cap itais brasileiras quepart iciparam do estudo , e do uso pesado (20vezes ou mais) em o ito;

4 . vinte e cinco por cento dos casos notificadosde Aids no Brasil estão d ireta ou ind iretamen-te relacionados à categoria de exposição ao usode drogas in jetáveis (Boletim Ep idem iológ icoC N DST/Aids/2001);

5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis(UDIs) contatados por projetos de redução dedanos aponta que 38,6% compartilharam agu-lha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outrapessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nestapopulação é de 36,5%8;

6. pesquisa encomendada pelo governo federalmostra, em seus resultados prelim inares, que53% do total de pacientes atend idos por aci-dentes de trânsito no Ambulatório de Emer-gência do Hosp ital das C lín icas em São Pauloestava com índ ices de alcoolem ia em seus exa-mes de sangue superiores aos perm itidos peloCód igo de Trânsito Brasileiro. Das análises emvítimas fatais (IML/SP), o n ível de alcoolem iaencontrado chega a 96,8%7;

7. série histórica do Sistema de Mortalidade do M i-nistério da Saúde nos últimos oito anos sobre arelação entre o uso de álcool e outras drogas eeventos acidentais ou situações de violência evi-dencia o aumento na gravidade das lesões e adim inuição dos anos potenciais de vida da po-pulação. Os acidentes e as situações violentasocupam o segundo lugar em causa de mortali-dade geral, sendo o primeiro lugar na causa deóbitos entre pessoas de 10 a 49 anos;

8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001notificam 84.467 internações para tratamen-to de prob lemas relacionados ao uso de álco-o l , n ú m ero q ua tro vezes su p er i or ao d einternações ocorridas por uso de outras dro-gas. N este mesmo período foram em it idas121 .901 autorizações para internação hosp i-talar (AIHs) para internações relacionadas aoalcoolismo; a méd ia de internação foi de 27,3d ias, e o custo anual para o SUS foi superior a60 m ilhões de reais;

9 . n o p er í o d o d e 1 9 8 8 a 2 0 0 1 , se g u n d o oDatasus, os gastos decorrentes do uso de álco-o l represen tavam 87 , 9% c ontra 13% dosoriundos do consumo de outras substânciaspsicoativas;

10 . no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tra-tadas na rede púb lica de atenção primária be-bem em um n ível considerado de alto risco,sendo que o sistema de saúde leva em méd iacinco anos para d iagnosticar tal situação.

Eficácia das ações de reduçãode danos e sua ampliação para a

clínica das dependências

As ações de redução de danos tiveram in íciono Brasi l em 1989 , em um ún ico mun ic íp io ,Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira in i-ciativa teve grande resistência das autoridades ju-d iciais. Somente em 1994, com o primeiro acor-do de empréstimo do governo brasileiro com oBanco Mund ial, e em parceria com o Programadas Nações Un idas para o Controle Internacionalde Drogas, a redução de danos constituiu-se comouma política de governo, mas ainda de modo par-cial. O governo federal assum iu a redução de da-nos como importante ação de saúde púb lica. Es-sas ações foram acompanhadas pelo M in istériodas Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids.O primeiro programa vinculado foi o do Centrode Estudos e Terap ia do Abuso de Drogas (Cetad),na Bah ia, vincu lado à Un iversidade Federal daBah ia (UFBA).

O M in istério da Saúde, em parceria com o M i-n istério da Justiça, in iciou a construção de pare-ceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368,antidrogas, não imped isse as ações e o desenvol-vimento de trabalhos de intervenção baseados emcapacitação pelos pares e trabalho de redutoresde danos.

Constatou-se desde então que o impacto dasações de redução de danos está d iretamente rela-cionado ao fato da inclusão dos usuários de dro-gas na agenda púb lica.

Estudos realizados pela Un iversidade Federalde M inas Gerais (1999/2001) demonstravam queas ações de redução de danos d irig idas a UDIspromoviam mudança de comportamento desdeo aumento consistente no uso de preservativo ,d e 4 2 % p ara 6 5 % , a t é a d i m i n u i ç ã o n ocompartilhamento de material de injeção, de 70%

Silveira et al. Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

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para 41% . A procura para d iagnóstico de HIV ehepatites, o tratamento de dependência quím icae o tratamento da Aids também foram relatadosa partir da imp lantação dos programas de trocade seringas, d im inuindo a vulnerab ilidade à in-fecção pelo HIV, bem como a soroprevalência dahepatite C nos usuários de drogas in jetáveis.

Atualmente contamos com 160 projetos finan-ciados pela Coordenação Nacional de DST/Aids noBrasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivalea 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem19 associações de usuários, ex-usuários e profissio-nais da redução de danos, sendo que duas são naci-onais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamen-tal na conquista de cidadania pelos usuários dedrogas, exigindo dos profissionais de saúde novasposturas para o atendimento do usuário.

Outras estratég ias e ações devem ser in icia-das e/ou imp lementadas, como a atenção para ocompartilhamento de seringas e agulhas para usode anabolizantes em academ ias de ginástica e paraap licação de silicone e de hormôn ios. Bem comoações que estão sendo realizadas de forma pon-tual. Há necessidade, pois, de expand ir as estraté-g ias de redução de danos para outras drogas evias de adm in istração, como o crack e o álcool.

A ampliação e a garantia da participação ativados usuários de drogas na construção de políticaspúblicas de saúde, bem como o apoio governamen-tal para a diminuição das vulnerabilidades deste seg-mento. Para tanto são necessários investimentos na-cionais e internacionais na discussão das leis em vigor,a partir dos custos sociais e econômicos que as polí-ticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobrea saúde.

tados e no D istrito Federal, a d iversidade das ca-racteríst icas popu lacionais e a variação da inci-dência de transtornos causados pelo uso abusivoe/ou dependência de álcoo l e outras drogas, oM in istério da Saúde propôs a criação de 250Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcoo l edrogas), d isposit ivo assistencial de comprovadareso lub ilidade que pode abrigar em seus pro je-tos terapêut icos prát icas e cu idados que contem-p lem a flex ib ilidade e a abrangência possíveis àsnecessidades a esta atenção espec íf ica, dentrode uma perspect iva estratég ica de redução dedanos sociais e à saúde .

Os Caps ad devem oferecer atend imento d iá-rio, sendo capazes de prestar atend imento nas d i-versas modalidades (intensiva/sem i-intensiva/não-intens iva) , perm i t in do o mane jo terapêut i codentro de uma perspectiva ind ividualizada e deevolução contínua.

Como principais ob jetivos de ação, os com-prom issos que se colocam hoje para a saúde é:• alocar a questão do uso de álcool e outras dro-

gas como um prob lema de saúde púb lica;• ind icar o parad igma da redução de danos nas

ações de prevenção e de tratamento comométodo clin icopo lít ico de ação territorial naperspectiva da clín ica amp liada;

• formular políticas que possam rever e d iscutiro senso comum sobre o uso de drogas e o usu-ário destas dentro de uma ótica científica e desaúde;

• mob ilizar a sociedade civil para participar daspráticas preventivas, terapêuticas e reab ilita-doras, bem como estabelecer parcerias locaispara o fortalecimento de políticas mun icipaise estaduais.

D iagnosticamos como necessário para esta in-tegração das ações propostas:1 . construção de oportun idades de inserção das

ações nos mecan ismos imp lementados pe loSistema Ún ico de Saúde (SUS) nas esferas degoverno mun icipal e estadual;

2 . formu lação de a lternat ivas para a sustenta-b ilidade e o financiamento das ações;

3 . repasse das experiências relativas às experiên-cias de descentralização e da desconcentraçãode atividades e de responsab ilidades obtidaspor estados e mun icíp ios;

4 . processos de formação e capacitação de pro-fissionais e de trabalhadores de saúde, com am-

Diretrizes para uma políticade atenção integral aos usuá-rios de álcool e outras drogas

A po lít ica de atenção d irig ida à popu laçãode usuários de álcoo l e outras drogas está emconsonânc ia com os princ íp ios da po l ít ica desaúde mental vigente . Sendo assim , a Lei Fede-ral 10 .21619 também vem a ser instrumento le-gal /normat ivo máx imo para a po lít ica de aten-ção aos usuários de álcoo l e outras drogas, a qualestá em sinton ia com os pressupostos da Orga-n ização Mund ial da Saúde .

Med iante a mu lt ip licidade de n íveis de orga-n ização das redes assistenciais localizadas nos es-

Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Silveira et al.

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p lo investimento po lítico e operacional paramudança de conceitos.

O compromisso do M inistério da Saúde é de cri-ar, manter equipamentos, qualificar seus profissio-nais, formular políticas de saúde, articulando comáreas afins, e executar e avaliar tais políticas, assu-mindo o que lhe cabe no enfrentamento do que fazadoecer e morrer. Estes são os compromissos do SUS:fortalecer seu caráter de rede, incitando outras re-des à conexão; garantir o acesso aos serviços e aparticipação do consum idor em seu tratamento,através do estabelecimento de vínculos, da constru-ção da co-responsabilidade e de uma perspectivaampliada da clínica; e transformar os serviços locais

de acolhimento em lugares de enfretamento coleti-vo das situações ligadas ao problema.

Proporcionar tratamento na atenção primária, ga-rantir acesso a medicamentos e atenção na comuni-dade, fornecer educação em saúde para a popula-ção, envolver comunidade/usuário/família, formarrecursos humanos, criar vínculo com outros setores,monitorar as ações de saúde mental com a comuni-dade, dar apoio à pesquisa e estabelecer programasespecíficos são práticas que devem ser obrigatoria-mente contempladas pela Política de Atenção a Usu-ários de Álcool e outras Drogas em uma perspectivaampliada de saúde pública, como a que implanta-mos no Brasil.

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Silveira et al. Política do M inistério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

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Posicionamento do Instituto dePsiquiatria da UFRJ sobre as

estratégias de redução de danosna abordagem dos problemasrelacionados ao uso indevido

de álcool e outras drogas

Marcelo Santos Cruz1; Ana Cristina Sáad2; Salette Maria Barros Ferreira2

R e s u m o

O presente parecer representa uma síntese da literatura sobre as vantagens e desvantagens na adoção da política proib icion istaou das estratég ias de redução de danos na d im inuição da soroprevalência de vírus HIV, das hepatites B e C e dos comportamen-tos de risco entre usuários de drogas e a ausência de crescimento do consumo de drogas como resultado destas ações. Háevidências da d im inuição de riscos e danos pela utilização de terap ias de substituição no tratamento de usuários de drogas. Poroutro lado, o reg ime proib icion ista propõe a resolução dos prob lemas relativos ao uso de drogas através de táticas de repressãopolicial, por meio de uma concepção moral e crim inal, sem se mostrar eficiente para d im inuir os prob lemas relacionados ao usode drogas. No que se refere à assistência, redução de danos sign ifica o emprego de técn icas que viab ilizem as melhores opçõespossíveis para cada paciente, evitando uma exigência de abstinência a qualquer custo. Pelos motivos expostos, o Instituto dePsiquiatria da Un iversidade Federal do Rio de Janeiro é favorável à adoção das estratég ias de redução de danos na abordagemdos prob lemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil.

Unitermosálcool e drogas; redução de danos; política de saúde; terapia de substituição; proibicionismo

S u m m a r y

We present the synthesis of a literature review about advantages and disadvantages of drug prohibitionist politics versus harm reductionstrategies. Braz ilian and internationa l researches show the usefulness of harm reduction strategies in reducing HIV, hepatitis B and Csoropreva lence among drug abusers. These strategies diminish risk behaviors of drug abusers without resulting increased drug use. We foundevidences that substitution therapy for drug abuse results in reduction of risks and harm. On the contrary, prohibitionist politics focus theresolution of drug problems on repression using a mora l and crimina l conception, fa iling to solve those problems. In hea lth care context,harm reduction means the use of techniques that makes possible to offer better options for each patient without the requirement of drugabstinence. Because of the mentioned reasons, Psychiatry Institute of Universidade Federa l do Rio de Janeiro supports the adopotion of harmreduction strategies in the management of drug and a lcohol problems in Braz il.

Unitermsdrug and alcohol abuse; harm reduction; health politics; substitution therapy; prohibitionist politics

1Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Riode Janeiro (Ipub /UFRJ).2Professora visitante do Projad, Ipub /UFRJ.

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As estratég ias de redução de danos partem doprincíp io de que não se pode esperar que se rea-lize o ideal de a human idade um d ia prescind irde substâncias psicoativas e de que é ind ispensá-vel o desenvo lvimento imed iato de ações parad im inuir os danos provocados para cada ind iví-duo e para a coletividade. Assim , a política de re-dução de danos visa ao desenvolvimento de umasérie de ações no sentido de que o ideal é que osind ivíduos não usem drogas, mas, se isto aindanão for possível, que o façam com o menor riscopossível (Marlatt, 1999; Nadelmann , 1997).

Os princíp ios básicos da redução de danos,segundo Marlatt18, são:

1 . a redução de danos é uma alternativa de saú-de púb lica para os modelos moral/crim inal ede doença do uso e da dependência de dro-gas;

2 . a redução de danos reconhece a abstinênciacomo resultado ideal, mas aceita alternativasque reduzam os danos;

3 . a redução de danos surg iu princ ipa l mentecomo uma abordagem de baixo para cima, ba-seada na defesa do dependente, em vez de umapolítica de cima para baixo promovida pelosformuladores de políticas de drogas;

4 . a redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa paraabordagens trad icionais de alta exigência;

5 . a redução de danos baseia-se nos princíp iosdo pragmat ismo empát ico versus idea l ismomoralista.

No caso do uso injetável de drogas, por exem-plo, se um indivíduo ainda não consegue deixar deusar uma droga, as ações são no sentido de que eleo faça de forma não-injetável. Se ele ainda não con-segue isto, que o faça sem compartilhar seringas. Seele ainda não consegue, que ele e os parceiros usemmétodos eficientes de esterilização do equipamen-to de injeção e assim por diante. A troca de seringasé apenas uma das ações nesta direção. Junto a estatarefa obrigatoriamente devem ser realizadas outras,como oferecer tratamento para a dependência dasu bs tân c ia , exam es c l í n i c os para d oen çastransmissíveis por via venosa ou sexual, tratamentopara doenças clín icas, ensinamentos e materialeducativo sobre a prevenção de doenças de contá-gio sexual e venoso. Como afirmam Nadelmann,McNeely e Drucker22, “a prioridade é colocada namaximização da quantidade de contato que usuári-

A resposta dos responsáveis pelas políticas paraas drogas no Brasil e no restante do mundo oci-dental é ainda, predom inantemente, a tentativade elim inar a oferta de drogas ilícitas e com issoperseguir o ideal de uma sociedade sem drogas.Durante a última década, alguns países respon-deram aos prob lemas relacionados às drogas comin iciativas d iversas, que envolviam a noção de re-dução de danos16, 26. Essas in iciativas sugerem sermelhor, tanto para a sociedade quanto para o in-d ivíduo, d im inuir os riscos e os prejuízos relacio-nados ao uso contínuo de drogas e à política decontro le de drogas do que restr in g ir o focoob jetivado em uma sociedade livre de drogas. Opresente parecer representa uma síntese do queencontramos na literatura sobre as vantagens edesvantagens na adoção da política de uma soci-edade livre de drogas ou das estratég ias de redu-ção de danos.

As noções contemporâneas de redução de da-nos surg iram na formulação da política de dro-gas holandesa durante o final da década de 1970e início da de 198014, 18. O evento que tornou estapolítica oficial em países como Austrália, Suíça eGrã-Bretanha foi o reconhecimento, durante me-ados dos anos 1980, de que in jetar drogas com-partilhando agulhas d issem ina o vírus HIV: “ O HIVé uma ameaça maior à saúde púb lica e ind ividualdo que o abuso de drogas, e a prevenção da Aidsdeve estar integrada aos esforços antidrogas”1, 31.Com o crescimento da ep idem ia de Aids, nos lo-cais em que já se desenvolviam atividades de re-dução de danos estas in iciativas passaram a sertambém d irig idas para a prevenção do contág iopor todas as doenças transm issíveis por via veno-sa e também sexual.

Figura 1

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

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os de drogas problemáticas têm com os serviçoscomunitários sociais, de assistência e outros”.

O risco de contágio de doenças de transmissãopelo uso de drogas injetáveis é uma preocupaçãode saúde pública, sendo esta forma de contamina-ção relevante no contágio entre usuários de drogasinjetáveis assim como a disseminação destes paraseus parceiros pela via do contágio sexual. No Bra-sil, a redução de danos é a abordagem preventivaoficial pela qual a epidemia de Aids vem sendo en-frentada, e a pretensão é que se expanda para a áreade prevenção e tratamento de usuários de drogas8.

Como a preocupação com a transm issão daAids é generalizada, a maior parte dos estudos so-bre os resultados da execução de estratég ias deredução de danos é referente aos riscos de conta-m inação pelo HIV. Esta preocupação é justificadap e l as a l t as t a x as d e p reva l ê n c i a d es oro p o s i t i v i d a d e e n t re u s u ár i o s d e d ro g asin jetáveis. Um estudo realizado nas cidades deItajaí, Porto Alegre, São José do Rio Preto , SãoPau lo e Sorocaba mostra taxas que variam de18,4% a 78% de prevalência de HIV na popula-ção de usuários de drogas in jetáveis27. A méd iano grupo estudado (52 ,3%) é mu ito maior doque a da população em geral, da mesma formaque a prevalência de soropositividade para HTLV(17%)4, 34. Estudos realizados em Santos19, Rio deJaneiro4 e Salvador2 encontraram taxas igualmentealtas para estes vírus e para os das hepatites B eC . O mais importante é que nestas três cidadesestes estudos encontraram importante queda naprevalênc ia destes agentes in fecc iosos quandocomparados com estudos realizados antes da ins-tituição, nestas cidades, de estratég ias de redu-ção de danos para este grupo populacional. Em-bora não se possa afirmar que a queda nas taxasde soropositividade seja resultado da imp lanta-ção das estratég ias de redução de danos, outrosresultados destas pesquisas apontam nesta d ire-ção, como é o caso da d im inuição da freqüênciado uso injetável e do padrão de compartilhamentode seringas (em Santos, Rio de Janeiro e Salva-dor) e do uso de preservativos (Salvador).

Os resultados dos estudos realizados no Brasilsão consistentes com aqueles efetuados nos Esta-dos Un idos, na Grã-Bretanha, na Holanda e naAustrália11, 15, 20. Um estudo de revisão de 14 pro-gramas de troca de seringas mostrou que dez de-les t iveram co m o resu l tado a d i m inu i ção nocompartilhamento de seringas, quatro não mos-

traram nenhuma redução e nenhum programaresultou em aumento15, 20.

O emprego da subst itu ição de drogas por ou-tras substâncias menos associadas a danos, mes-mo quando estas oferecem risco de abuso oudependência, também pode ser compreend idoentre as ações das estratég ias de redução de da-nos. N o Brasil, podem ser inclu ídos nesta cate-goria o uso dos benzod iazep ín icos nas fases in i-c ia is após a interrupção do uso do á lcoo l e aprescrição de metadona para dependentes deop ió ides. A subst itu ição no tratamento de de-pendentes de op ió ides é ut ilizada em outros pa-í s e s d e s d e 1 9 2 3 2 3 . S e g u n d o N a d e l m a n n ,M c N ee ly e Druc ker22, os resu l tados pos i t ivose n c o n t ra d o s n a l i t e ra t u ra s o b re o u s o d emetadona para usuários de hero ína inc luem ad im inu ição no uso de hero ína12 , 24, a d im inu içãodo uso in jetável10, 30, a redução de comportamen-

Figura 2

Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

Figura 3

358 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

que podem provocar dependência, e com a pos-sib ilidade de ocorrência de troca de uma drogapela outra, há evidências de que não há d im inui-ção da chance de abstinência estável de metadonae outras drogas para pacientes que aderem a pro-gramas de metadona17.

Em oposição à política de redução de danos estáa guerra às drogas ou a ideologia de tolerância zero,adotada principalmente pelo governo norte-ameri-cano e baseada nas p o l í t i cas de pro i b i ção ,criminalização e numa ideologia rígida livre de dro-gas (Nadelmann, 1997). Este projeto, cunhado du-rante o governo Reagan, tem empregado somasvultosas em iniciativas dirigidas fundamentalmentepara a repressão de produção, comercialização econsumo de substâncias ilícitas. O regime internacio-nal de proibição de drogas promovido pelos Esta-dos Unidos desde o início de 1900 está agora firme-mente estabelecido pelo mundo: a Convenção Únicasobre Narcóticos (Single Convention on NarcoticDrugs), de 1961, e a Convenção das Nações Unidascontra o Tráfico Ilegal de Narcóticos e SubstânciasPsicoat ivas (Convent ion against Illic it Traffic inNarcotic Drugs and Psychoactive Substances), de1988, foram ratificadas em mais de cem governos21,

32. As táticas de repressão e sanções desenvolvidaspelos Estados Unidos, incluindo aparato eletrônicode vigilância, testes de drogas, novas leis, prisõescompulsórias relacionadas às drogas, foram adotadasem muitos países, e a proporção de aparato, recur-so policial e espaço em prisões destinados a esse fimaumentou dramaticamente20, inclusive no Brasil9.Como afirmam Nadelmann, McNeely e Drucker22,essas políticas “se mantêm dominantes nos EstadosUnidos, apesar das recomendações em contrário de

Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

Figura 4

Figura 5

to crim inoso e prisões13, a redução nas taxas demortalidade entre dependentes7 e o aumento noemprego5 , 12.

Embora os críticos das estratég ias de substi-tuição se preocupem com o uso de substâncias Figura 6

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Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

várias instituições de alto nível científico e de con-sultores do governo ao longo de anos”.

Este tipo de abordagem entende o prob lemado uso de drogas através dos modelos moral/cri-m inal e de doença, como cita Marlatt18: “ O mo-delo moral, como expresso na política de contro-le de drogas dos Estados Un idos, é o de que o usoe/ou a d istribuição de certas drogas são crimesque merecem pun ição... no modelo moral o usode drogas ilícitas é moralmente incorreto” . Estesmodelos também foram verificados em nosso paíscomo ideo log ia predom inante, importados dosEUA28, 29. O ob jetivo final dos programas de trata-mento baseados em modelos moral e de doençaé reduzir e elim inar a prevalência do uso de dro-gas, concentrando-se no usuário.

Entre as críticas à política de guerra às drogasencontra-se o predom ín io da destinação de re-cursos púb licos à repressão com resultante escas-sez de recursos e esforços destinados às ativida-d es d e p reve n ç ão e ass i s t ê n c i a . Ta m b é m équestionado o próprio ob jetivo da política, umavez que se d iscute se é possível esperar que umd ia haja alguma sociedade livre de drogas.

As críticas referentes à política de redução dedanos geralmente são calcadas mais em experi-ências pessoais do que em científicas e incluem aidéia de que a redução de danos estimu laria oconsumo de drogas e trabalharia visando à lega-lização das mesmas. Talvez seja este o motivo daescassez de artigos que se contrapõem às estraté-g ias de redução de danos. A preocupação com apossib ilidade de os programas de troca de serin-gas incentivarem o uso de drogas não é corrobo-rada por estudos no exterior25, 35. Embora aindanão existam dados nacionais d ispon íveis para res-ponder a esta questão, conforme Bastos e Mes-quita3 “é preciso afirmar, categoricamente, quenenhum estudo científico até hoje pub licado cor-roborou a formulação de que a imp lantação deprojetos de trocas de seringas daria lugar a umaumento do consumo de drogas nas comun ida-des por eles abrang idas” .

As estratég ias de redução de danos têm sidod issem inadas mund ialmente e atualmente passama ser compreendidas como uma proposta não ape-nas preventiva, mas também como uma das ba-ses que fundamentam a assistência a usuários dedrogas6. No que se refere à assistência, a utiliza-ção do modelo de redução de danos sign ifica o

Figura 7

Figura 8

Figura 9

emprego de técn icas por profissionais e institui-ções que viab ilizem as melhores opções possíveispara cada paciente, evitando uma exigência de

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Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas Cruz et al.

Figura 10

Figura 11

abstinência a qualquer custo. Não se trata de des-prezar a importância da abstinência para muitospacientes, mas incluí-la como uma possib ilidade

Figura 12

Figura 13

Figura 14

entre outras. A utilização deste tipo de aborda-gem torna possível que muitos pacientes se vin-culem aos profissionais e à instituição, in iciandotratamento que pode progressivamente trazermod ificações importantes na forma de o pacien-te lidar consigo mesmo e com o mundo à sua

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Cruz et al. Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas

vo lta e, inclusive, com o seu uso de drogas. Aexigência de abstinência, por outro lado, selecio-na aquela parcela do grupo de usuários de dro-gas que pode desde o in ício interromper o uso dasubstância, excluindo os demais do tratamento.Como enfatiza Carlin i8, a adoção de uma estraté-g ia de redução de danos não se trata apenas deuma mudança de parad igma, mas também da“adoção de uma política que respeite a pluralidadede modos de vida e que atue a partir da aceitaçãodesta realidade” . Esta autora descreve ainda comovantagens da estratég ia de redução de danos ofato de ser menos custosa do ponto de vista dosrecursos financeiros e mais eficiente se compara-da com as abordagens trad icionais.

A opção por uma estratég ia de redução de da-nos não é contrad itória com a utilização de açõesno sentido de d im inuir a oferta e o consumo dedrogas. Na realidade, como demonstram Stimsone Fitch33, as estratég ias de redução de danos sósão opostas às posturas proib icion istas que se pro-põem a resolver os prob lemas relacionados ao usode drogas pela sua proib ição geral.

A partir do que encontramos na literatura, oposicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJé favorável à utilização das estratég ias de redu-ção de danos na abordagem dos prob lemas rela-cionados ao uso indevido de álcool e outras dro-gas no Brasil. Pe los mot ivos expostos, deve-seafirmar que adm itir a impossib ilidade imed iata deuma sociedade livre de drogas é assum ir, de for-ma responsável, o papel que cada um tem no tra-tamento da dependência de drogas, tratamentoeste adequado a cada ind ivíduo, suas necessida-des e possib ilidades. Investir em políticas púb li-cas de prevenção e tratamento coerentes com arealidade do país e da sociedade é abordar de for-ma coerente os prob lemas relacionados ao usode drogas. Privileg iar as ações repressivas, respon-sab ilizar as substâncias e aqueles que as utilizampelos prob lemas encontrados e estigmatizar usu-ários como moralmente crim inosos ou doentessão formas parciais e preconceituosas de se en-frentar o prob lema do uso de drogas, propostasnão-endossadas pelas estratég ias de redução dedanos.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Marcelo Santos CruzAvenida Venceslau Brás 71/fundos – BotafogoCEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJe-ma il: [email protected]

363

Posicionamento da Unifespsobre redução de danos

E. A. Carlini

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 363-370, 2003

R e s u m o

Na Un iversidade Federal de São Paulo (Un ifesp), vários grupos atuam na área de uso abusivo e dependência de álcool eoutras drogas: a D iscip lina de Med icina e Sociolog ia do Abuso de Drogas (D imesad), criada pela un ião de dois setores – o CentroBrasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) e a Un idade de Dependência de Drogas (Uded) –, e, vinculados ao Departamen-to de Psiquiatria –, os setores Programa de Orientação e Atend imento a Dependentes (Proad) e a Un idade de Atend imento aDependentes (Un iad). Durante a fase de preparação da reun ião, várias d iscussões ocorreram nesses setores, sem que existisseum consenso sobre a questão. Dada a riqueza das d iscussões, optamos por apresentar neste documento as d iferentes reflexõese o posicionamento desses grupos.

Unitermosredução de danos; Unifesp; dependência de droga; tratamento

S u m m a r y

In the Federa l University of São Paulo severa l groups are dea ling with the problems of a lcohol and drug abuse: the discipline of Medicineand Sociology on Drug Abuse (D imesad), composed of the Braz ilian Center of Information on Psicotropic Drugs (Cebrid) and Unite ofDependence of Drug (Uded), the Program of Attendance and Orientation of Dependent Persons (Proad) and the Unity of Attendance ofDependent Persons (Uniad). Severa l previous meetings and discussions among these bodies were held, but a consensus was not reached onharm reduction. As a consequence of this lack of consensus, the independent opinion of each of these bodies on the subject were publishedseparately.

Unitermsharm reduction; Unifesp; drug addiction; treatment

Posicionamento da Disciplina de Medicinae Sociologia do Abuso de Drogas

Alexandro B. Guerra; Ana Cecília P. R. Marques; Ana Regina Noto; Beatriz M . V. Camargo; Eroy A. Silva; Hamer A. Palhares;José Carlos Fernandes Galduróz; Marlene Asevedo; Maria Lucia O . Souza Formigoni; Solange A. Nappo

A redução de danos não deve ser confundida comos contextos culturais, científicos e políticos nos quaisela ocorre. Considerando que a falta de conceitosclaros sobre redução de danos possa ser um proble-ma para sua aceitação, implementação e avaliação,é preciso discutir de modo aprofundado a questão eavaliar sua efetividade15. É importante ter claro qual

dano se quer reduzir e como avaliar cientificamenteo impacto de cada tipo de ação ou estratégia namudança de comportamentos de risco e na redu-ção da disseminação de epidemias, assim como suainfluência sobre os conceitos acerca do uso de dro-gas nas comunidades nas quais essas medidas sãoadotadas.

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como sinôn imos, embora não o sejam . Riscopode ser defin ido como a possib ilidade ou pro-bab ilidade da ocorrência de um evento. Danose refere a uma conseqüência de um evento jáocorrido .

4 )4 )4 )4 )4 ) Preven ç ão e re d u ç ão d e d an osPreven ç ão e re d u ç ão d e d an osPreven ç ão e re d u ç ão d e d an osPreven ç ão e re d u ç ão d e d an osPreven ç ão e re d u ç ão d e d an os – – – – – ao ap li-carmos os conceitos de prevenção à área deuso e abuso de drogas, podemos considerar:š prevenção primária – não existindo o con-

sumo, eng loba as ações que visam a evitarou retardar o in ício do consumo de drogas.Ex.: campanhas educativas, d ivulgação deinformações, educação comun itária, lim ita-ções impostas pela leg islação, etc.;

š prevenção secundária – existindo algum nívelde consumo, as ações de prevenção secundá-ria têm por objetivo evitar o aparecimento deproblemas decorrentes do uso, podendo en-globar tanto ações que visam à redução ou in-terrupção do consumo de drogas como açõesque visam a evitar conseqüências decorrentesdo uso, sem propor alteração do consumo. Ex.:identificação precoce de um padrão de consu-mo prejudicial, informação sobre níveis segu-ros do consumo de álcool, detecção precoceseguida por intervenções breves, campanhasque propõem se beber, não dirija;

š prevenção terciária – em geral d irig ida àspessoas identificadas como dependentes, asações de prevenção terciária ob jetivam re-dução das conseqüências, sejam elas b ioló-g icas, psicológ icas ou sociais. Pode eng lo-bar ações que visem à redução do consumo(ex.: tratamento com meta de abstinência),ou das conseqüências, sem propor altera-ção de consumo. A prevenção terciária en-g loba tratamento, reab ilitação e estratég iasde redução de dano.

As especificidades culturais são de suma im-portância e devem ser consideradas nessas avali-ações à med ida que as primeiras estratég ias deredução de danos forem desenvolvidas, visandoa ating ir usuários de drogas in jetáveis, principal-mente dependentes de op iáceos.

No Brasil, a maioria dos usuários de drogasfaz uso de álcool, maconha ou cocaína, reque-rendo ações adequadas a este perfil. É preciso d is-cutir quais são os nossos principais prob lemas paradeterm inar as ações de redução de danos prioritá-rias e perm itir um adequado p lanejamento de in-vestimentos a curto, méd io e longo prazos. Paraisso é necessário um esforço con junto das autori-dades dos sistemas de saúde, jud iciário, de assis-tência social, da comun idade un iversitária e deprofissionais atuantes na área, a fim de perm itir aadoção de med idas cient ificamente embasadasque perm itam a melhor ap licação possível dos re-cursos humanos e financeiros d ispon íveis.

Em resumo, a redução de danos pode e deveser incluída nos programas de saúde, desde que:• sejam desenvolvidas pesquisas que comprovem

sua necessidade, sua efetividade e sua relaçãocusto /benefício;

• seja contextualizada, pois a cultura de cada lo-cal influencia o modelo e o resultado de qual-quer intervenção;

• não seja considerada o oposto de proibição, comouma proposta de legalização das drogas.

Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos Carlini et al.

Conceitos

Antes de enfocar a redução de danos propria-mente d ita, é importante elucidar alguns concei-tos sobre prevenção.1 )1 )1 )1 )1 ) Re d u ç ão d a o f erta – Re d u ç ão d a o f erta – Re d u ç ão d a o f erta – Re d u ç ão d a o f erta – Re d u ç ão d a o f erta – med idas repressivas que

têm como ob jetivo a destruição e a proib içãode produção, importação ou venda de substân-cias psicoativas ilícitas, por meio de policiamen-to e ap licação das leis. Quanto às lícitas, emgeral, o ob jetivo é ag ilizar a vig ilância san itá-ria no controle de prescrições.

2 )2 )2 )2 )2 ) Re d u ç ão d a d e m an d a – Re d u ç ão d a d e m an d a – Re d u ç ão d a d e m an d a – Re d u ç ão d a d e m an d a – Re d u ç ão d a d e m an d a – são med idas p lane-jadas para d im inuir os agravos à saúde decor-rentes do consumo de drogas, além dos fato-res de risco para o ind ivíduo na fam ília, naescola, na comun idade, no trabalho, evitandoou d im inuindo o uso.

3 )3 )3 )3 )3 ) R i s c o e d an oR i s c o e d an oR i s c o e d an oR i s c o e d an oR i s c o e d an o – – – – – o que é dano e como isto serelaciona com risco? Ambos têm sido usados

Redução de danos

A Redução de danos (RD) é um con junto deações ou estratég ias voltadas para d im inuir os ris-cos e os danos decorrentes do uso de drogas apartir de med idas que não envolvem a reduçãodo consumo, não exig indo abstinência20.

Objetivos da RD: as ações de redução de danosvisam , principalmente, a reduzir comportamentosde risco associados ao uso de drogas, sendo prag-máticas e de baixa exigência. Não têm como obje-tivo a redução do consumo, mas sim a de outros

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Carlini et al. Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos

Quadro 1 – Estratégias de redução de danos

Prevenção Prevenção Prevençãoprimária secundária terciária

Evitação Redução Redução

do consumo do consumo do consumo

Estratég ias que não envolvem redução

do consumo = redução de danos

problemas a ele associados. Um exemplo clássico

desse tipo de ação é prover os usuários com serin-

gas limpas e preservativos, a fim de se evitar a trans-

m issão de doenças infecto-contagiosas. Redução

de danos e m inim ização dos danos também são

expressões usadas como sinôn imas, sendo maisadequado utilizar o termo redução de danos ao se

referir ao conjunto de estratégias por meio das quaisse poderá m inim izar o dano.

Outras ações de redução de danos envolvem

med idas que visam:

• à redução de acidentes (automob ilísticos ou

por overdose);

• à redução de conseqüências sociais (como assalas para uso de drogas supervisionadas pelosistema de saúde);

• à redução de conseqüências legais (ex.: mudan-

ça da lei, diferenciando usuários de traficantes).

A D imesad entende que estratég ias de re-

dução de danos podem ser ut i l izadas na pre-

venção secundária e terc iária , como resum ido

no QQQQQ u a d r ou a d r ou a d r ou a d r ou a d r o 1 1 1 1 1.

Posicionamento da Unidade de Atendimentoa Dependentes (Uniad)

Marcelo Ribeiro; Ronaldo Ramos Laranjeira

Em relação à prevenção, existem dois braçosimportantes:

1) redução do suprimento – med idas repressivasque têm como ob jetivo a destruição, a proib i-ção da produção, a importação e a venda de

SPP ilícitas por meio de policiamento e ap lica-

ção das leis. Quanto às lícitas, em geral o ob je-

tivo é ag ilizar a vig ilância san itária no controlede prescrições e exig ir a amp liação das bulas e

a capacitação dos comerciantes de reméd iosquanto ao uso do álcool nas formulações;

2) redução da demanda – são med idas p laneja-

das para d im inu ir o consumo , d im inu indo ,conseqüentemente, os riscos para o ind ivíduo,para a fam ília e para a comun idade. Essa for-

ma de prevenção foi desenvolvida a partir do

modelo de doença e, portanto, propõe como

med idas preventivas a abstinência (prevenção

primária); a d im inuição do uso (prevenção se-

cundária) e o tratamento com abstinência (pre-

venção terciária). Todos esses n íveis de preven-

ção adotam a abstinência como meta e, maistarde, com a evolução do modelo de uso, am-

p liam sua intervenção para técn icas de redu-

ção do consumo e terap ias de substituição para

alguns pacientes. A proposta de beber mode-

radamente é um exemp lo, assim como a tera-

p ia de reposição com adesivos de n icotina.

A redução de danos é um modelo de cuidadoscom a saúde cujas ações ou estratégias estão volta-

das para diminuir os riscos e os danos decorrentesdo uso de drogas, a partir de medidas gerais, sem

reduzir o consumo8, 7, 17-19). Portanto esse modelonão exige abstinência21. A redução de danos não

deve ser confundida com os contextos ideológicos,culturais, científicos ou políticos nos quais ela ocor-

re, mas é necessário assimilá-los5, 9, 13, 14.

Existem alguns pressupostos éticos e teóricosque consideramos fundamentais:

1) é importante preservar a vida humana e me-

lhorar os n íveis de saúde do ind ivíduo e da po-

pu lação;

2) não ex istem soc iedades que não fazem ne-

nhum uso de drogas, portanto isto não deve

ser ignorado ou crim inalizado;

3) tanto drogas lícitas como ilícitas podem promo-

ver danos com impacto individual e/ou social;

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4) as pessoas têm d ireito à informação sobre dro-gas com base em evidências científicas inte-gradas ao contexto social;

5) os efeitos das drogas variam de acordo comcaracterísticas ind ividuais, podendo influenci-ar seu equ ilíbrio e relações sociais, gerandodano ind ividual e/ou social;

6) em decorrência da variab ilidade ind ividual esocial, estratég ias de baixa exigência precisamser utilizadas;

7 ) quando o ind iv íduo não ace i ta ou não con-segue reduz ir o uso , ap l i ca-se o mode lo deredução da demanda de prob lemas , a re-dução de danos , na qua l o consumo não éabordado .

Na Un iad , a estratég ia de redução de danos éutilizada na prevenção terciária, dentro do trata-mento formal, cuja meta ideal é a abstinência. As-sim , é ap licada em uma etapa in icial e ou inter-med iária, visando à abstinência.

Posicionamento do Programa de Orientaçãoe Atendimento a Dependentes (Proad)

Fernanda Moreira; Dartiu Silveira

O Programa de Orientação e Atend imento aDependentes (Proad), fundado em 1987, é umserviço do Departamento de Psiquiatria da EscolaPaulista de Med icina (Un ifesp). Ao longo de suaexistência, o Proad vem desenvolvendo ativida-des de assistência, ensino, pesquisa e prevençãona área das dependências de substâncias lícitas eilícitas e algumas dependências não-quím icas, taiscomo jogo patológ ico e sexo compulsivo. O Proadfoi a primeira instituição ligada à un iversidade ainstituir um programa de redução de danos noBrasil. Já contávamos, desde 1990, com um pro-grama de formação de outreach workers – hojechamados redutores de danos –, profissionais quesaíam às ruas nos locais de concentração de usu-ários de drogas in jetáveis para ensinar-lhes técn i-cas de desinfecção de agulhas e seringas. Devidoaos imped imentos legais, não foi possível, na épo-ca, adotar a troca de seringas e agulhas, regula-mentação que ocorreu somente em 1998.

Em 1994, com o estabelecimento de um con-vên io com o M in istério da Saúde (DST/Aids), oProad passou a coordenar ações preventivas rela-cionadas ao abuso de drogas e à infecção peloHIV em n ível nacional, com subsíd ios da Organ i-zação das Nações Un idas (UN DCP-O NU)/BancoMund ial. Atualmente, estamos reestruturando oprograma de d ispon ib i l ização de seringas aosusuários de drogas in jetáveis, o Programa de Re-dução de Danos (PRD/Proad). Nesse programa,identificamos, na rede de pacientes atendidos peloProad , aqueles com potencial para atuarem como

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

voluntários no PRD/Proad . Esses pacientes podemser usuários de drogas in jetáveis (UDI) ou ex-UDI,ou, ainda, usuários de drogas que tenham pene-tração na rede social dessa população-alvo. A par-t ir dessa ident if icação , os redutores de danos(agentes de saúde) serão capacitados, pela equi-pe do Proad e por profissionais co laboradores,para abordar usuários de drogas in jetáveis, d istri-bu ir seringas e agu lhas estére is e descartáve is,promovendo práticas de uso seguro de drogas eaconselhamento para a prática de sexo livre deriscos. Contamos, há cinco anos, com um grupode acolh imento de redução de danos dentro denossa sede. Esse grupo é voltado para usuários dedrogas ilícitas, entre 18 e 25 anos, que não dese-jam , em princíp io, interromper o uso de drogas,mas d iscut ir formas de uso contro lado com oob jetivo de realizá-lo com o menor risco possível.Freq üen te m ente o bservam os q ue vár ios d osfreqüentadores desse grupo acabam se engajandono tratamento , visando a abandonar o uso dedrogas. Segundo dados do M in istério da Saúde,23% dos usuários atend idos pelos PRD procuramtratamento para dependência quím ica.

Nossa instituição vem desenvolvendo trabalhosde pesquisa na área que incluem os seguintes proje-tos, concluídos ou em andamento: uso terapêuticode cannabis na dependência do crack; investigaçãodo risco de contaminação pelo HIV entre usuáriosde crack; a overdose de cocaína na perspectiva dousuário; fatores preditivos de suicídio entre depen-dentes de álcool e drogas; transtorno de atenção

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em usuários de drogas; comportamento sexual derisco para Aids entre usuários de cocaína e crack;fatores de risco para a infecção pelo HIV e outrasdoenças sexualmente transmissíveis (DST) entre de-pendentes; comportamentos autodestrutivos emusuários de álcool e drogas; violência familiar e abu-so de álcool e drogas; fatores de risco para abuso dedrogas em crianças de rua; alterações psiquiátricase neuropsicológicas em adolescentes usuários deayahuasca em contexto ritual religioso; alteraçõeseletrocardiográficas em pacientes usuários de coca-ína (monitorização eletrocardiográfica ambulatorial– holter); prevenção do uso indevido de drogas (co-nhecimentos e atitudes de coordenadores pedagó-gicos de escolas públicas de ensino fundamental dacidade de São Paulo) redução de danos ou guerraàs drogas, comparando-se modelos de prevenção;situações relacionadas ao uso indevido de drogasnas escolas públicas da cidade de São Paulo (umaabordagem do universo escolar).

Em sua tese, Bravo2 afirma existirem atualmentedois discursos contrapostos a respeito do consumode drogas: o discurso tradicional, ligado a posturasrepressivas, focalizando predominantemente as dro-gas ilegais e criminalizando o usuário – a chamadaguerra às drogas; e um novo discurso, denominadoredução de danos, que não tem como objetivo aeliminação total do consumo, mas a diminuição dosefeitos prejudiciais do mesmo, priorizando a saúdedos sujeitos e da comunidade em geral. Esse movi-mento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas eilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe traba-lhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés desimplesmente ignorá-los ou condená-los”6. Na RD,o critério de sucesso de uma intervenção não seguea lei do tudo ou nada, sendo aceitos objetivos parci-ais. As alternativas não são impostas de cima parabaixo, por leis ou decretos, mas são desenvolvidascom participação ativa da população beneficiária daintervenção. O denominador comum das ações den-tro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, asabordagens amigáveis ao usuário12. Cabe ressaltarque, na visão partilhada pelo Proad, a RD não secontrapõe ao modelo que visa à abstinência de dro-gas, mas o considera uma das estratégias possíveisentre várias outras.

O Q ua dro 2 Q ua dro 2 Q ua dro 2 Q ua dro 2 Q ua dro 2 compara a política de guerra àsdrogas com o movimento de redução de danos,tendo sido elaborado com informações sintetiza-das por Wodak22 e apresentadas por Bravo2.

Segundo Silveira e Silveira16, o movimento daredução de danos apresenta como objetivos gerais:evitar, se possível, que as pessoas se envolvam como uso de substâncias psicoativas; se isto não for pos-sível, evitar o envolvimento precoce com o uso dedrogas, retardando-o ao máximo; para aqueles quejá se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornemdependentes; para aqueles que já se tornaram de-pendentes, oferecer os melhores meios para quepossam abandonar a dependência; e se, apesar detodos os esforços, eles continuarem a consumir dro-gas, orientá-los para que o façam da maneira me-nos prejudicial possível. Dessa forma, consideramosa redução de riscos e a redução de danos partes deum mesmo continuum onde estão englobadas asestratégias de prevenção nos vários níveis – primá-rio, secundário e terciário – bem como todas as in-tervenções de atendimento ao usuário, incluindo tra-tamento e reinserção social.

Na visão do Proad , em um tratamento da de-pendência quím ica pautado nos princíp ios da re-

Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

Redução de danos:o ponto de vista do Proad

No século passado, três ocorrências favoreceramuma nova forma de abordar o problema do usoindevido de substâncias psicoativas no mundo: em1926, no Colégio de Médicos Britânicos/Com itêRolleston, começou-se a prescrever heroína e serin-gas para os dependentes de heroína; em 1984, naepidemia de HIV e hepatite B entre usuários de dro-gas injetáveis na Holanda, medidas sanitárias derru-baram o preconceito de que os dependentes quími-cos não responderiam a intervenções de prevenção;e houve expansão da estratégia de troca de seringasem vários países do mundo.

A essa nova abordagem deu-se o nome de re-dução de danos. Atualmente o movimento de re-dução de danos (RD) vai muito além dos progra-mas de disponibilização de seringas para usuáriosde drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como umparadigma que permeia diversos aspectos do traba-lho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.

Segundo Andrade1, “redução de danos é umapolítica de saúde que se propõe a reduzir os prejuí-zos de natureza b iológ ica, social e econôm ica douso de drogas, pautada no respeito ao ind ivíduoe no seu d ireito de consum ir drogas” .

A posição do Proad foi considerar a reduçãode danos como um parad igma que permeia todoo seu trabalho.

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dução de danos, os usuários são acolh idos den-

tro das suas demandas e possib ilidades. Isso in-

clui a possib ilidade de mod ificação do padrão de

uso e da substituição da droga de abuso por ou-

tra com a qual o usuário consiga estabelecer um

padrão de uso menos danoso, sem excluir a pos-

sib ilidade da abstinência. A substituição de dro-

gas pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição

de metadona para usuários de op ióides e de ben-

zod iazep ínicos para dependentes de álcool) quan-

to ilícitas (acompanhar o uso de maconha que

usuários de crack e cocaína fazem no sentido de

tentar controlar sua fissura). As metas intermed i-árias são destinadas aos pacientes que não dese-

jam ou não conseguem , temporariamente ou não,abandonar o uso de drogas. A busca pelo uso

moderado ou controlado da substância em ques-

tão é, em princíp io, uma estratég ia possível no

atend imento ao dependente de qualquer substân-

cia. No enfoque da RD , a ind ividualidade do usu-

ário é considerada e ele participa da construção

do seu modelo de recuperação, podendo ainda

vir a atuar como redutor de danos na recupera-

ção de seus pares (outros usuários). O Proad con-

sidera essencial a continuidade das pesquisas so-

bre essas novas formas de intervenção.

Ao colocarmos o status legal das drogas em

uma posição secundária nesta d iscussão, estamosassum indo uma posição bastante clara: no tocante

à leg islação, o Proad defende a descrim inalização

do usuário de qualquer droga, assum indo que o

ato de consum ir drogas, por si só, não pode ser

considerado um delito. Somente poderia ser pe-

nalizado o usuário que eventualmente viesse a co-

m e t er u m c r i m e 11 . C a b e es c l are c er q u e

descrim inalizar d iz respeito a despenalizar (não

mais tornar alvo de sanção penal) o ind ivíduo que

usa ou porta a droga para uso próprio, não im-

portando se é um usuário ocasional ou um de-

pendente. D iferentemente, legalizar refere-se a

medidas mais amplas que despenalizam igualmen-

te a produção e a comercialização dos tóxicos4.O Proad considera a descrim inalização das dro-

gas uma importante med ida de redução de da-

nos: “a descrim inalização do uso de drogas, em

nosso entender, poderia ser, por um lado, fator

de integração do usuário na sociedade e, por ou-

tro , acabaria com o estigma marg inalizante da

droga”4. Dentro da mesma linha de coerência, oProad coloca-se frontalmente contra intervençõescoercitivas junto a usuários, como a justiça tera-

pêutica. Essa proposta “baseia-se numa relação

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

Quadro 2 – Comparação entre a política de guerra às drogas e o movimento de redução de danos

Redução de riscos e danos Guerra às drogas

Aceita a inevitab ilidade de um determ inado nível de consumo na sociedade, Parte do pressuposto de que é possível se chegar a uma

define seu ob jetivo primário, como reduzir as conseqüências adversas desse sociedade sem drogasconsumo

Enfatiza a obtenção de metas subótimas a curto e méd io prazos Enfatiza a obtenção de metas ótimas a longo prazo

Ação dentro da visão trad icional da saúde púb lica Predom inância de ações juríd ico-políticas, sendo restritasas de saúde

Vê os usuários como membros da sociedade e almeja reintegrá-los Vê os usuários de drogas como marg inais perante a

à comunidade sociedade

Enfatiza a mensuração de resultados no âmb ito da saúde e da vida em Enfatiza o enfoque na mensuração da quantidade de

sociedade, freqüentemente com metas definidas e ob jetivos determ inados droga consum ida

Imp lementa as suas intervenções com envolvimento relevante As intervenções são p lanejadas fundamentalmente por

da população-alvo autoridades governamentais

Enfatiza a importância da cooperação intersetorial entre instituições do âmb ito Orientação política populista

juríd ico-político e da saúde

Enfatiza a prevenção e o tratamento de usuários de drogas, fazendo com que Enfatiza a elim inação da oferta de drogas sem adm itir aas atividades de repressão se d irijam basicamente ao tráfico em grande escala existência de d iferentes padrões de uso das mesmas

Julga que as atividades educativas referentes às drogas devam ser de As atividades educativas veiculam uma mensagem única:

natureza factual, ter cred ib ilidade junto à população-alvo, basear-se em Não às Drogaspesquisas e traçar ob jetivos realistas

Inclui drogas lícitas como o álcool e o tabaco Restringe-se ao uso de drogas ilícitas

Dá preferência à utilização de term inolog ia neutra, não-pejorativa e científica Dá preferência à utilização de termos veementes e valorativos

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Carlini et al. Posicionamento da Unifesp

crime e castigo, obrigatoriedade e pun ição, numafilosofia que ingenuamente acred ita que uma leicrim inal é capaz de per se in ib ir o uso” , não d ife-renciando o dependente quím ico do usuário oca-sional, além de propor uma forma de tratamentoque não adm ite a possib ilidade da recaída comofenômeno inerente ao processo de recuperação10.

Quanto às práticas de redução de danos na co-munidade, os benefícios da prática de disponibi-lização de seringas e demais insumos aos usuáriosde drogas injetáveis, de eficácia amplamente com-provada, levam o Proad a considerar imprescindívelsua adoção dentro de um modelo de intervençãoabrangente. Com relação à distribuição de cachim-bos para usuários de crack, faltam ainda pesquisasque justifiquem ou condenem a prática.

Na op in ião do Proad , a redução de danos nãodeve se restring ir às drogas ilícitas, defendendono entanto que as muitas in iciativas já existentesdevam ser reforçadas, como as campanhas paraevitar a d ireção de veículos sob efeito de álcool e

a restrição de venda de beb idas alcoólicas a me-nores e em estradas.

Indiscutivelmente, a redução de danos é umtópico importante no campo das dependências quí-m icas, seja como parad igma de referência, sejacomo conjunto de estratégias de intervenção. OProad propõe ainda que a RD seja incluída no cur-rículo de todos os cursos na área de dependênciasquím icas. Defende ainda o estímulo à produçãode conhecimento no campo da redução de danos.

Segundo Carlin i-Cotrim3, “houve um aumen-to de quase 12 vezes, entre as décadas de 1960 e1980, na quantidade de artigos pub licados (nojornal O Estado de São Paulo) sobre drogas, álco-ol e tabaco” . Tal interesse da m ídia, por outro lado,não se traduziu em melhoria da qualidade das re-portagens, que muitas vezes veiculam informa-ções d istorcidas e tendenciosas. O Proad reconhe-ce, assim , a necessidade de um trabalho contínuojunto à m íd ia, visando a reduzir os danos relacio-nados à veiculação de informações equivocadas.

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370 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

19 . Stimson GV, Choopanya K (in press). G lobal perspectives ondrug injecting. In: Stinson GV, des Jarlais DC , Ball A , editors.Drug injecting and HIV infection: global dimensions andlocal responses.

20 . World Hea lth Organ izat ion Co llaborat ive Study Group . Aninternational comparative study on HIV seroprevalence andrisk behaviours. Bull On Narc 1993; 45(1): 19-46 .

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Endereço para correspondência

Ana Cecília P. R. MarquesRua Napoleão de Barros 925/térreoCEP 04024-002 – São Paulo-SPTel.: (11) 5539-0155 rama l 163

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

22 . Wodak A , Lurie P. A tale of two countries: attempts to controlHIV among injecting drug users in Australia and the UnitedStates. Journal of Drug Issues 1997; 27(1): 117-34 .

Posicionamento da Unifesp Carlini et al.

371

R e s u m o

A Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) acred ita que a questão das drogas deve ser entend ida de maneira amp la, queinclua os aspectos sociais, políticos e econôm icos, ao lado daqueles que enfocam a saúde em sentido estrito. Sim ilarmente, riscose danos devem também ser entend idos de maneira amp la, cuidando-se para não impor defin ições demasiadamente estritassobre o que seja redução de danos. A redução de danos deve ser baseada em uma abordagem simpática, isenta de moralismo ecentrada em um trabalho comun itário que, embora possa propor novos padrões e modos de uso, reconheça a importância daescala de valores do usuário e de seu conhecimento sobre drogas. Embora favorável, em princíp io, a tratamentos de substituiçãoe de manutenção, consideramos que, na ausência do uso de heroína de porte sign ificativo no Brasil, restam ainda neste paísmuitas questões a serem abordadas sobre o tema. Quanto ao tratamento de substituição, o presente estado de ilegalidade eintolerância legal e cultural em relação ao uso da Cannab is vem impossib ilitando a continuação de estudos sobre sua ap licab ilidadecomo substituto do crack. Uma das med idas mais importantes a serem tomadas seria a descrim inalização do uso de drogas e ad iscussão amp la, informada e democrática de med idas alternativas de controle da oferta dessas substâncias.

Unitermosredução de danos; tratamento de substituição; tratamento de manutenção; descriminalização; crack; Cannabis; heroína; metadona

S u m m a r y

Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) believes that the drug question must be understood in a ll its breadth, including thecultura l, socia l, politica l, economic concerns a longside those strictly focused on hea lth. Similarly, risks and damages must a lso be understoodbroadly and care must be taken not to impose too restrictive a definition on harm reduction. Harm reduction must be based on a sympathetic,nonjugementa l approach, centred around community work that a lthough it may propose new patterns and modes of use, recognises theimportance of the users´ va lues and knowledge about drugs. Although sympathetic in principle to substitution and ma intenance treatments,we consider that in the absence of a sizeable heroin problem in Braz il, many questions on the subject are yet to be further discused in thiscountry. As for substitution tratment for other substances, the present state of lega l and cultura l intolerance towards the use of Cannab ishas been rendering it impossible to carry out further research on its use as a substitute to crack. One of the most important measures yet tobe taken would be the decrimina lization of drug use and widespread informed democratic discussions on a lternative measures of controlover drug supply.

Unitermsharm reduction; substitution treatment, maintenance treatment; decriminalisation; crack cocaine; Cannabis; heroin; methadone

1Vice-presidente da Rede Brasileira de Redução de Danos; doutor em antropologia social; professor adjunto da Faculdade de Filosofia e CiênciasHumanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); pesquisador associado do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad).2Mestre em Psicologia; diretora da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA).

Redução de danos e tratamento desubstituição: posicionamento da Rede

Brasileira de Redução de Danos

Harm reduction and substitution treatment: the position ofBrazilian Harm Reduction NetworkEdward MacRae1; Monica Gorgulho2

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 371-374, 2003

372 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

A d iscussão sobre tratamento de substituiçãoainda é incip iente no Brasil, d ificultando o deba-te até mesmo dentro da instituição que, por na-tureza, muito se interessa por ele, a Rede Brasilei-ra de Redução de Danos (Reduc). Não temos aindaum posicionamento sobre detalhes específicos re-ferentes a esta prática, mas somos claramente fa-voráveis a que o tratamento de substituição sejaconsiderado, quando relevante, alternativa de aten-dimento à toxicomania, em sua proposta ampla.Nestas cond ições, temos algumas reflexões a ofe-recer para a d iscussão do tema.

Primeiramente, consideramos que a redução dedanos é um conceito em aberto, ao qual podem seratribuídos diversos significados. Ilustra isso o fatode diferentes autores identificarem suas origens nasmais diferentes épocas, oscilando entre a Antigüida-de, as décadas de 1920 ou 1980. A Reduc entendeo conceito menos como uma série de diretrizes es-pecíficas para condutas no atendimento a toxicô-manos e mais como postura de princípios em rela-ção aos inúmeros problemas relacionados à maneiracomo nossa sociedade vem abordando a questãodas drogas. Concebemos que as noções de risco edano devam ser entendidas em sua relatividade. Asciências sociais, que já vêm tratando exaustivamen-te des tes t e m as , t ê m m os trad o c o m o ahierarquização de riscos em geral sempre dependedo ponto de vista de quem os está avaliando e, maisimportante de tudo, que se deve ter em vista a im-possibilidade de se prever com certeza os resultadosa médio e longo prazos tanto de práticas individuaisquanto políticas. Assim, autores como a antropólo-ga Mary Douglas consideram que mais do que ten-tar prever todos os desfechos para determ inadasações, a estratég ia mais sensata seria reforçar aresiliência da sociedade, ou seja, a maneira de semanter a sua natureza original através da adapta-ção a novas situações1. Portanto consideramos damaior importância manter uma postura que preser-ve a diversidade de concepções sobre a questão, seusproblemas e possíveis soluções. Preocupam-nos osesforços de alguns setores que, respaldados no pres-tígio social adquirido pelo discurso médico, buscamdefinir de maneira categórica, a partir de um pontode vista estrito, quais os riscos apresentados pelo usode drogas e quais as maneiras de enfrentá-las quepossam, com legitimidade, vir a ser adotadas.

A Reduc chama atenção para a importância daampla experiência que vem sendo acumulada pelomovimento social de redução de danos. Este, alémdo crescente valor que vem adquirindo em nível in-

ternacional, já congrega no Brasil vários milhares decolaboradores dos mais diversos estratos sociais e pro-fissionais, agrupados ao redor de duas associaçõesnacionais, 17 redes regionais e mais de cem progra-mas de redução de danos espalhados por todo o país.Chama atenção também para o fato de o trabalhoque vem sendo realizado por este movimento ser atu-almente um dos mais estudados e avaliados no cam-po de saúde pública. Consolidam-se, assim, as suasposições nos debates que vem travando com outrascategorias, muitas das quais, além de carecerem demaiores experiências nesta área específica, até recen-temente se posicionavam contrárias a ele, chegando,em certos casos, a tentar desqualificar ações e discur-sos de seus proponentes.

A Reduc considera que as questões referentesao uso de drogas não podem ser restritas a d is-cussões sobre condutas a serem adotadas em re-lação a ind ivíduos que apresentam quadros de to-xicoman ia ou o risco de contraírem o HIV e outrasdoenças sexualmente transm issíveis. Atualmenteos graves prob lemas de segurança púb lica, entreos quais as crises que vem sofrendo o Rio de Ja-neiro, assim como outras cidades brasileiras, nosfornecem uma lembrança constante da varieda-d e d e d a n o s n e c ess i t a n d o d e re d u ç ã o o um in im ização. Revelam também a imbricação dosseus vários aspectos, o que torna fúteis as tentati-vas de abordá-los como se fossem estanques.

Consideramos que a humanidade sempre usousubstâncias psicoativas com as mais variadas e im-portantes finalidades, e que não seria viável, ou atédesejável, que seu uso fosse descartado, como preco-nizam alguns segmentos mais radicais da sociedade(lembremos que vinho, café e anestésicos, por exem-plo, são substâncias psicoativas essenciais à nossa vidafísica, social ou cultural). Partimos do posicionamen-to de que a abordagem mais indicada para a questãodas drogas seja aquela que prioriza a redução dosdanos decorrentes deste uso, que acreditamos ser ine-vitável para a maioria das pessoas. Entendemos que obom senso dita que a redução dos danos, concebi-dos de forma ampla e incluindo aspectos sociais, cul-turais, políticos, econômicos e sanitários, deva ser oobjetivo principal a ser atingido por uma política so-bre drogas. Cremos que os controles da oferta e doconsumo devam ser concebidos somente como pos-síveis estratégias pontuais a serem aplicadas nos ca-sos em que seja demonstrada de maneira científica areal necessidade de se restringir, desta forma, a liber-dade do conjunto dos membros da sociedade. Con-sideramos também arbitrária a diferenciação feita atu-

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

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almente entre as drogas lícitas e ilícitas e propomosque todas devam ser contempladas numa política paraas drogas (e não antidrogas). Esta deve ser regida porconsiderações de cunho estritamente democrático,assim como devem ser as medidas implementadasna sua execução.

Concebemos a questão da toxicomania e deoutros problemas decorrentes ou associados ao usode substâncias como sendo de natureza biopsicos-social, levando-nos a criticar a expressão dependên-cia química como sendo demasiadamente reduto-ra. Isso porém não significa que rejeitemos a noçãode que, certas dependências têm seu lado orgânicoe que, no caso dos opióides, por exemplo, deve-seenfrentar a questão da tolerância e, ainda, que umadas maneiras de se fazer isso seja através do uso desubstâncias que atuem como substitutas. No entan-to existem várias questões a serem ainda debatidasem maior profundidade no que concerne a trata-mento de substituição, como, por exemplo:a) o tratamento de substituição é válido somente

para drogas que provocam dependência físi-ca, ou podemos considerá-lo útil também paratratar casos em que a dependência seja maisde ordem psicológ ica ou social;

b) deve-se pensar em tratamento de manutenção(onde se prevê a continuação em longo prazodo uso de uma substância causadora de de-pendência, talvez até a droga orig inalmenteusada pelo paciente, heroína, por exemp lo) ousomente numa substituição provisória por ou-tra droga da mesma categoria. Não se podedeixar sem resposta a suspeita levantada, mui-tas vezes, contra certas drogas de substituição,como a metadona, acusadas de fazer mais maldo que as orig inalmente usadas pelo paciente;

c) programas de substituição devem ter alto ou bai-xo limiar? Consideramos que caracterizam bai-xo limiar: facilidade de entrada, orientação à re-dução dos danos, ter como objetivo principal oalívio de sintomas e fissura e a melhoria na quali-dade de vida dos pacientes, assim como a ofertade uma gama de opções de tratamento. Progra-mas de alto limiar seriam aqueles em que é maisdifícil ingressar, ou com critérios de seleção exi-gentes, orientados para a abstinência (incluindoabstinência de metadona ou outras drogas desubstituição), inflexibilidade nas opções de trata-mento, adoção de controles (de urina, etc.) paradetecção de uso, política de expulsão rígida pararecaídas, psicoterapia ou aconselhamento com-pulsórios;

d) um dos problemas sérios com vários programasde substituição é o seu uso como forma de con-trole social, chantageando-se o usuário com aameaça de cortar a sua prescrição da droga desubstituição se ele incorrer em deslizes, como re-caídas, violência ou tráfico. Isso nos parece agre-dir a própria dignidade do ser humano;

e) que fazer quando as drogas de subst itu içãom a i s re c o m e n d áve i s são i l í c i t as , c o m o aCannab is, por exemp lo?

A Reduc considera necessário questionar a pri-mazia freqüentemente atribuída ao saber méd i-co. Assim , suas propostas sempre enfatizam , alémda necessidade de combater a exclusão social, aimportânc ia do protagon ismo dos usuários dedrogas tan to através de sua part i c i pação naconceituação e d iscussão dos prob lemas quantona imp lementação das ações. Consideramos tam-bém da maior importância envolver as comun i-dades usuárias nesse trabalho, promovendo pa-drões de uso de menor risco. No decorrer dos anosa experiência de redução de danos vem demons-trando a importância de se estabelecer um d iálo-go verdadeiro com os usuários de drogas, evitan-do estabelecer uma posição de confronto comseus valores centrais (ou seja, evitando trazer men-sagens puramente negativas ou repressivas sobreo uso de substâncias psicoativas). Devemos, aoinvés, buscar contribuir para mod ificações pon-tuais em certos aspectos das práticas de uso, nãodeixando de reconhecer o valor geral do seu co-nhecimento emp írico de questões relacionadas aouso, lícito ou ilícito, dessas substâncias.

Sabemos que há algum tempo os centros mé-dicos de maior importância vêm adotando postu-ras deste tipo. Assim a Un iversidade Federal deSão Paulo (Un ifesp), por exemplo, tem realizadopesquisas com populações indígenas para apren-der com elas as possibilidades de uso medicinal deuma grande variedade de plantas nativas de suasregiões. Outras pesquisas sobre o uso de cocaína eseus derivados também se voltaram para o que sepoderia chamar a cultura da coca.

Discordamos das generalizações que preconizama abstinência do uso de drogas como a meta ideal.C línicos e pesquisadores têm constatado que fre-qüentemente o uso de drogas ilícitas consiste numaespécie de automedicação psiquiátrica por parte deusuários que encontram neste recurso uma manei-ra de aliviar seu sofrimento, e a sua interrupção podelevar a agravamentos de sua condição. Considera-

MacRae & Gorgulho Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos

374 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

mos que tal recurso deva ser entendido de maneirarespeitosa, e não rejeitado sumariamente com aimposição de programas de tratamento voltadosunicamente para a abstinência. Desta forma, emmuitos casos, tratamentos de substituição ou ma-nutenção seriam recomendáveis. A Reduc questio-na também a classificação automática do uso dedrogas ilícitas como uma patologia per se. Conside-ramos que o status legal de muitas substânciaspsicoativas é mais bem entendido a partir de análi-ses de cunho histórico e social do que médico.

Assim , a clín ica não seria um ponto adequa-do a partir do qual realizar-se-iam estudos sobreo uso de drogas. Por isso a necessidade de se fa-zer pesquisas na população em geral, como le-vantamentos dom iciliares ou escolares. Igualmen-t e , d eve m -s e ev i t ar g e n era l i z a ç õ es erecomendações sobre políticas de drogas basea-das em prem issas puramente clín icas. São conhe-cidos os perigos da med icalização de prob lemasde ordem social. A organ ização da sociedade nãopode ser pautada somente por considerações desaúde púb lica.

Um dos fatores que mais dificultam o trabalhode redução de danos, assim como de outras abor-dagens de prevenção, é o status ilegal de diversasdrogas. Além de fomentar a arbitrariedade e a vio-lência, a criminalização do uso leva a um maior iso-lamento do usuário, dificultando o seu encaminha-mento a tratamentos de saúde, nos casos em queisso seria necessário, e o seu acesso a vários outrosdireitos que lhe deveriam ser assegurados como ci-dadão. Também torna mais difícil a prevenção atra-vés do diálogo franco e da promoção de métodosmais seguros de uso. Em relação a tratamentos desubstituição, dificulta sobremaneira a busca de subs-tâncias alternativas ou regimes de uso da droga ori-ginal que sejam mais adequados às suas necessida-des sociais ou de saúde. Assim, por exemplo, tem

sido muito difícil dar continuidade às indicações ini-ciais, vindas tanto da clínica quanto do trabalho decampo realizado com as populações usuárias, de queo uso da Cannabis poderia ser um bom auxiliar notratamento de algumas droga-dependências. O úni-co projeto nesse sentido, montado com respaldoacadêmico no Brasil, foi realizado no Programa deOrientação e Atendimento a Dependentes (Proad)da Unifesp/EPM2, mas, apesar de os estudos apon-tarem resultados positivos, têm faltado ousadia téc-nica e política a outras instituições para replicá-losperante o atual clima de intolerância.

Acreditamos que o Brasil cometeu grave equí-voco ao ceder parte de sua soberania, submetendo-se a uma convenção mundial que padroniza, de ma-neira ríg ida e d ifícil de alterar, a abordagem daquestão das drogas. Hoje já existe uma forte discus-são sobre a eficácia das convenções internacionaispara o controle de drogas, em um reconhecimentode que o modelo de tratamento tailor-made, que jáse mostrou o mais eficaz em relação ao usuário dedrogas, deve valer também para as nações, cada qualcom suas especificidades e problemas, cada qual comsuas escolhas e soluções. Entendemos, com isso, queo tratamento de substituição é mais um dos proble-mas que têm sido definidos não por suas caracterís-ticas próprias, mas exclusivamente por definições eencaminhamentos generalistas, que tanto já prova-ram sua eficácia discutível.

Finalmente, consideramos que algumas dasmed idas mais importantes a serem tomadas se-jam a revogação da crim inalização do uso não-med icamentoso de drogas e a abertura de am-p las d isc ussões sobre formas a l ternat ivas decontro lar o seu mercado . Isso possib ilitaria umverdadeiro e necessário avanço na d iscussão so-bre a real eficácia dos modelos de atenção d irig i-dos ao uso e abuso de substâncias psicoativas,incluindo-se os tratamentos de substituição.

Referências

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Mônica GorgulhoRede Brasileira de Redução de Danos (Reduc)Alameda Madeira 258/604 – AlphavilleCEP 06454-010 – Barueri-SPTel: (11) 4195-0335e-mail: [email protected]

Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos MacRae & Gorgulho

375

R e s u m o

O modelo de redução de danos vem sendo d iscutido intensamente em vários países do mundo, entre os quais o Brasil. Esteestudo, através de uma revisão de artigos listados no Med line, pretende embasar o parecer do Departamento de Psiquiatria daFaculdade de Med icina da Un iversidade de São Paulo sobre o tema. O bservou-se que existem evidências suficientes na literaturapara se considerar o modelo de redução de danos, baseado em programas de intervenção comun itária, acesso a seringas estéreise a tratamento, eficaz como estratég ia de prevenção da infecção pelo HIV em usuários de drogas in jetáveis em vários países domundo. O modelo de redução de danos vem sendo estudado com resultados prom issores em projetos destinados a reduzirdanos associados ao uso excessivo de álcool em populações específicas. O uso do modelo em outras situações ainda necessita deevidência emp írica.

Unitermosredução de danos; HIV; drogas; álcool

S u m m a r y

The harm reduction model has been discussed in many countries around the world, including Braz il. This study, using a Medline review,intends to give support to elaborate a critica l review on the subject by the Department of Psychiatry of the Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo. There are sufficient evidences in the literature to consider the harm reduction model, based on community-basedintervention, access to sterile syringes and treatment, effective as a strategy to prevent HIV infection in injecting drug users in severa lcountries in the world. The harm reduction model has a lso been studied, with encouraging results, as a strategy to reduce harm associatedto binge a lcohol use in specific populations. The use of the model in other situations still needs more empirica l evidence.

Unitermsharm reduction; HIV; drugs; alcohol

Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade deSão Paulo (FMUSP).

Redução de danos: Departamento eInstituto de Psiquiatria da Faculdade de

Medicina da Universidadede São Paulo

André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 375-380, 2003

376 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

O modelo de abordagem do uso de drogassegundo a ótica de redução de danos vem sendod iscutido nos últimos anos em vários países domundo, entre os quais inclui-se o Brasil. Este mo-delo passou a estar em evidência no final da dé-cada de 1980 como uma resposta ao aumentoda prevalência da infecção pelo vírus da Aids (HIV)em usuários de drogas in jetáveis (UDI) em váriospaíses do mundo.

Neste texto, serão d iscutidos os principais da-dos da literatura, visando a embasar parecer, ba-seado em evidências, a respeito do tema.

A Aids foi inicialmente detectada em UDI na ci-dade de Nova York no final de 1981. Todavia os pri-meiros casos não geraram grande interesse e preo-cupação entre os profissionais de saúde pública.Naquela época, prevaleceu a idéia de que estes ca-sos eram restritos a determinada área geográfica,que seu número, comparativamente ao dos homos-sexuais, era pequeno, e ocorriam em uma popula-ção estigmatizada, marginalizada e sem poder polí-tico. Esta percepção foi rapidamente modificada apóso desenvolvimento dos testes para detecção de an-ticorpos para o HIV. Apesar de haver poucos casosde doença estabelecida entre os UDI de Nova York,os testes revelaram que aproximadamente metadedesta população já estava infectada pelo HIV20.

Estudos em d iversas reg iões do mundo con-firmaram a possib ilidade de ráp ida d issem inaçãodo HIV na população de UDI. Para exemp lificar,M ilão, Nova York e Viena apresentaram crescimen-to da seroprevalência entre UDI ao redor de 20%ao ano . Em outras áreas, como Ed i m burgo eBangcoc, a d issem inação foi extremamente ráp i-da, com a seroprevalência crescendo entre 40%e 50% em dois anos20.

No Brasil, alguns estudos apontam para altaprevalência da infecção pelo HIV em usuários dedrogas in jetáveis. Esta prevalência varia de 36% a57% em grandes cidades da reg ião Sudeste dopaís (São Paulo, Rio de Janeiro, Santos)7, 16, 23.

Após a percepção do crescimento aceleradodos casos de Aids em UDI, os profissionais de saú-de púb lica se defrontaram com a necessidade deestudar e e laborar estratég ias mais eficazes deabordagem desta população.

Poucos anos após o aparecimento da ep ide-m ia, a comun idade homossexual começou a semob ilizar e se proteger. Este fato teve como con-seqüência a tendência de estab ilização do núme-ro de casos nesta população. Por outro lado, o

número de casos em UDI em vários países nãoparava de crescer. Este crescimento veio reforçara op in ião de alguns autores de que o UDI seriarefratário às campanhas de prevenção e educa-ção e incapaz de alterar o seu comportamento derisco3. Este assunto ainda gera controvérsias, ha-vendo também d iversos estudos que mostram quenovas formas de abordagem têm se mostrado efi-cazes na prevenção da transm issão do HIV em UDIe que esta população tem d im inuído a freqüên-cia de adoção de comportamentos de risco4.

Em vários pa íses do mundo , a trad ic iona ld icotom ia do tudo ou nada, que tem a total abs-tinência como meta necessária para a abordagemdo usuário, vem sendo substituída por uma visãomais pragmática: Se você não consegue parar deusar, use da maneira menos danosa possível. Ouseja, mesmo que o usuário não consiga deixar deusar, os profissionais de saúde podem ajudá-lo ad im inuir a morb idade e a mortalidade relaciona-das ao consumo de drogas.

A preocupação com a disseminação do HIV en-tre os UDI estimulou o aparecimento de novas es-tratégias para atacar o problema. Provavelmente amais popular destas estratégias é a chamada harmreduction ou redução de danos. Esta é uma políticaque visa a diminuir ao máximo os efeitos negativosou lesivos do uso de drogas. Esta abordagem temsuas raízes em modelos de saúde pública com umavisão mais humanista e sem preconceitos. Contras-ta, assim, com o modelo de abstinência total, que,segundo alguns autores, teria suas raízes na repres-são e no paternalismo médico-religioso25.

Esta política é orig inária da Ing laterra, ondetal abordagem parece ter participado do contro-le mais eficaz da ep idem ia34. O chamado modeloing lês foi desenvolvido a partir de cinco concei-tos básicos:1) o foco tem sido transferido da dependência

propriamente d ita ou do prob lema da drogaper se para os prob lemas associados a deter-m inadas maneiras de usar drogas, como, porexemp lo, a in jeção. Há autores que defendemque as drogas não são o grande prob lema aser atacado, e sim a transm issão do HIV;

2) o usuário, ao contrário do que muitos acred i-tam , pode ser racional. Ele se preocupa comsua saúde, responde às campanhas educativase informativas e está d isposto a adotar med i-das preventivas quando estas são adequadas asua cultura e sua linguagem;

Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Malbergier et al.

377J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

3) o foco volta-se para a saúde e o corpo e afas-ta-se da psicopatolog ia;

4) os profissionais que desejam trabalhar nestaárea também prec isam mudar sua aborda-gem . Os serviços devem ir às comun idades afim de trazer os usuários para o tratamentoou assessorá-los em seu próprio meio atravésde capacitação de pessoas ligadas às associa-ções de auto-ajuda e da própria comun ida-de . Isto requer a formação de educadores desaúde e mu itas vezes o alistamento de ex-usu-ários para esta tarefa;

5) redução da hostilidade e da confrontação e oestímulo para que se estabeleçam relações decooperação entre os usuários e os serviços detratamento33.

Algumas cond ições básicas precisam ser sa-tisfeitas para que o novo modelo seja eficaz6:• capacitação técn ica dos profissionais na área

de drogas e também de Aids;• amp la d ispon ib ilidade de preservativos;• acesso gratuito a serviços de tratamento sem

longas filas de espera;• amp la d ispon ib i l idade de seringas e outros

equ ipamentos.

Este modelo teve grande penetração na Euro-pa. Ing laterra, Holanda, Alemanha, França e Es-cócia adotaram políticas de saúde púb lica na áreade drogas/Aids com base nos conceitos acima d is-cutidos32. Fora da Europa, a Austrália foi um dospaíses que prontamente assum iram tal modelo nocombate à infecção pelo HIV em UDI.

E m 1 9 8 7-1 9 8 8 , n o s E s t a d o s U n i d o s , oNat ional Inst itute on Drug Abuse (N ida – órgãomáx imo no assunto de drogas naquele país) co-meçou a desenvo lver pro jetos de prevenção deAids em UDI, com base em programas de inter-venção na comun idade . Estes pro jetos represen-taram uma mudança qualitat iva nos programasfinanciados por este órgão . Em segu ida, o Inst i-tuto de Med icina dos Estados Un idos lançou re-latório conclu indo que programas de trocas deseringas e agu lhas são eficazes em preven ir a in-fecção pelo HIV e não aumentam o uso de dro-gas ilícitas22. A repressão ao uso e a prevençãodo uso de drogas como metas exclusivas come-çam a abrir espaço para programas de aborda-gem do usuário como ele é , isto é , usando dro-gas. N ão se o ferece somente a juda para queparem de usar, mas também para que usem damaneira mais segura possível.

Estas abordagens menos trad icionais foramse tornando cada vez mais freqüentes como mo-de los de atenção à popu lação de UD I, já quetorna-se cada vez mais evidente que os UDI nãoestão sendo at ing idos pe lo mode lo trad ic ionaldo sistema de saúde . Embora não haja estat íst i-cas confiáveis nesta área no Brasil, dados norte-americanos reve lam que somente 10% a 17%dos UDI estão em contato com o sistema de saú-de2 , 31. Soma-se a este fato o contexto social emque os UDI geralmente vivem e que podem aca-bar por prejud icar seu acesso e compreensão dasinformações e os passos necessários à mudançade comportamento29 , 35.

A partir deste momento, criam-se vários pro-gramas de intervenção nas comun idades. O mo-delo de intervenção baseia-se em programas de-senvolvidos em Ch icago por uma equipe lideradapelo méd ico Patrick Hughes, na década de 1970.Neste modelo, ex-usuários de drogas foram utili-zados como linha de frente na tentativa de com-bater uma ep idem ia de heroína na cidade. Na dé-cada de 1980, este modelo foi adaptado para aprevenção da Aids em UDI.

Esta estratégia utiliza-se de ex-usuários perten-centes às comunidades-alvo. Os ex-usuários sãopreferencialmente ind ivíduos conhecidos e comboa penetração na população que será abordada.Como estes indivíduos são vistos como líderes oumodelos que conseguiram obter mudanças emseus comportamentos de risco, eles possuem en-trada facilitada no grupo. Atingindo as redes desociabilidade e usando os métodos característicosde comunicação de cada grupo, visa-se a gerar res-postas coletivas de mudança de hábitos30.

Este modelo de intervenção por ex-usuários(outreach model) na comunidade tem se mostra-do um meio eficaz de prevenir a infecção pelo HIVem uma população que não é atingida pelos servi-ços tradicionais de saúde. Um exemplo deste tipode abordagem vem sendo desenvolvido pela Uni-versidade de Illinois, em Chicago, com sucesso naredução da freqüência de comportamentos de ris-co em UDI. O ato de compartilhar seringas era re-latado por 100% dos usuários no início da inter-venção. Este número caiu para 14% após quatroanos de programa. A taxa de aquisição da infecçãopelo HIV caiu de 8% para 4% ao ano36.

Nestes últimos anos, observou-se que investi-mentos maciços em repressão, e não em educa-ção e prevenção, não obtiveram impacto consi-

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derável na prevalência do uso de drogas em vári-as reg iões do mundo. A prevenção do uso de dro-gas (visando à sua errad icação) permanece comoopção de longo prazo para evitar a transm issãoda Aids. Todavia a urgência do momento criounovas formas mais imed iatas e pragmát icas deatacar a questão. A idéia de que o uso seguro dedrogas pode ser uma forma viável de prevençãode Aids neste grupo começa a se tornar realidadee está sendo posta em prática com sucesso emvários países do mundo.

A importância de programas comun itários edo envolvimento da população no prob lema foiressaltada por Mann em assemb léia da Organ iza-ção Mund ial da Saúde (O MS) em Genebra: “Emprogramas relacionados à Aids, há uma relaçãod ireta entre a força, d iversidade e envolvimentoda comun idade e de organ izações não-governa-mentais e o sucesso que pode ser alcançado”19.

Mais de 15 anos de pesquisa sobre prevençãode HIV/Aids em UDI, usuários de crack e em seusparceiros sexuais têm mostrado que programasbaseados na comun idade são eficazes. Pesquisascumulativas em 23 locais, acompanhando 18.144usuários de drogas (13.164 UDI e 4.980 usuáriosde crack) reportam que, de três a seis meses apósparticiparem de algum tipo de intervenção pre-ventiva, 72% dos UDI ou pararam de se in jetarou reduziram a freqüência de in jeção. Dos quecontinuaram se in jetando , quase 60% pararamo u d i m i n u í ra m a re u t i l i z a ç ã o o ucompartilhamento de seringas. Quase 25% dosind ivíduos avaliados in iciaram tratamento no se-guimento destes estudos27. Outros estudos tam-bém confirmaram que a abordagem comun itáriapode ser um fator de incentivo à procura e à ma-nutenção de tratamento15.

A entrada no tratamento é, em si, um fator deprevenção do HIV nesta população, já que váriosestudos vêm mostrando que ind ivíduos em trata-mento apresentam menores taxas de in jeção dedrogas. Um estudo mostrou que usuários de dro-gas que não estavam em tratamento tinham seisvezes mais chance de se infectarem pelo HIV dosque os em tratamento24.

Programas de troca de seringas também es-tão sendo utilizados, especialmente na Europa enos Estados Un idos, como med idas preventivascom o intuito de d im inuir a proliferação do HIVna população de UDI. Em vários países o progra-ma tem sido associado à d im inuição da freqüên-

cia do ato de compartilhar equipamentos11, 14. Esteefeito é, em parte, devido ao aumento da d ispo-n ib ilidade de seringas nestes locais. Além de tro-car seringas e equipamentos usados por novos,estes programas oferecem informação , referên-cia para tratamento e contato com profissionaisda área, potencializando os efeitos prevent ivosdesta in iciativa. Os possíveis efeitos negativos as-sociados à troca de seringas, como o aumento doconsumo de drogas in jetáveis ou o estímulo aosusuários de drogas não-in jetáveis a se in jetarem ,não foram observados.

Pro jetos de acesso a seringas estéreis comoparte de um programa de prevenção de infecçãopelo HIV em UDI têm se mostrado muito úteis naabordagem de populações de d ifícil acesso e dealto risco para infecção. As avaliações destes pro-gramas ind icam que eles são efetivos na reduçãodo uso in jetável de drogas. Estudo em Nova Yorkmostrou redução de 70% na incidência de HIVatribuída a programas de acesso a seringas esté-reis10. Em 29 cidades com programas estabeleci-dos de acesso a seringas estéreis, a prevalência deHIV caiu, na méd ia, 5,8% por ano. Por outro lado,esta prevalência aumentou 5,9% por ano em ou-tras 51 cidades que não têm este tipo de progra-ma12. Também estudos de custo/efetividade mos-t ra m q ue es t es p ro gra m as p rev i n e m n ovasinfecções e poupam gastos com os cuidados mé-d icos do tratamento para ind ivíduos infectados13.

O programa de acesso a seringas estére ispromove:• aumento do número de usuários de drogas que

procuram e se mantêm em tratamento se es-tes programas estão d ispon íveis;

• disseminação de informações sobre redução deriscos para infecção pelo HIV, material para mu-dança de comportamento e referências para rea-lização de testagem sorológica e tratamento;

• redução da freqüência de in jeção e compar-tilhamento de materiais de in jeção;

• redução do número de seringas contam inadasem circulação na comun idade;

• aumento da d ispon ib ilidade de seringas esté-reis na comun idade.

Um comp lemento ou alternativa (onde pro-gramas de trocas de seringas são proib idos) é adescontam inação de seringas. Esta prática é esti-mulada em vários programas de prevenção e temsua eficácia comprovada com uma lavagem comh ipoclorito de sód io ou três com água1. A d istri-

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buição de h ipoclorito de sód io é um dos aspectosenfatizados tanto em programas de troca de se-ringas como em programas comun itários17.

Estudos de custo/efetividade têm reportadoque programas estruturados de prevenção de HIVbaseados na comun idade auxiliam na redução defuturos custos associados aos cu idados e trata-mento da infecção pelo HIV28. Também os trata-mentos para dependência de drogas são custo-efetivos em reduzir o uso de drogas e os custossociais e de saúde associados quando compara-dos a não tratar ou a encarcerar os usuários26.

Em resumo, preven ir a d issem inação do HIVatravés do uso in jetável de drogas requer umaabordagem amp la e sincron izada com base emalguns princíp ios fundamentais8:

• assegurar coordenação e colaboração entre osprovedores de serviços aos UDI, seus parceirossexuais e seus filhos;

• assegurar acesso e qualidade das intervenções;

• reconhecer e superar o estigma associado aouso in jetável de drogas;

• adequar os serviços para as características dosUDI.

As estratég ias de prevenção devem:

• preven ir o in ício de uso de drogas;

• usar programas comunitários para ating ir usuá-rios fora de tratamento;

• amp liar o acesso a programas de tratamentode qualidade;

• instituir programas de prevenção de HIV emcadeias e pen itenciárias;

• prover cuidados méd icos para UDI infectadospelo HIV;

• prover aconselhamento para redução de riscoe testagem para UDI e parceiros sexuais.

Conclui-se, através das evidências da literatu-ra, que o modelo de redução de danos, com baseem programas de intervenção comun itária, aces-so a seringas estéreis e a tratamento, é eficaz comoestratég ia de prevenção da infecção pelo HIV emUDI em vários países do mundo.

As evidências sobre o uso do modelo de reduçãode danos na abordagem do uso de drogas ainda nãotêm o mesmo consenso que o seu uso como fator deprevenção do HIV em UDI. Entre esses novos usos, aestratégia de redução de danos como abordagem douso excessivo de álcool, principalmente em adoles-centes e universitários, é a que mais apresenta estu-dos e evidências de eficácia na literatura. Vários estu-dos contro lados mostram que ado lescentes euniversitários submetidos à intervenção focada emdiscutir os riscos do uso excessivo (grande quantida-de em pequeno espaço de tempo) mudam seu com-portamento, assumindo uma postura mais responsá-vel quanto ao uso de álcool, diminuindo episódios deembriaguez, brigas e acidentes5, 9, 21.

A abordagem de redução de danos como es-tratég ia de tratamento nos leva à antiga d iscus-são das propostas de tratamento baseadas na abs-tinência total versus beber moderado. Ainda longede chegarmos a um consenso, parece, todavia,haver um grupo de pacientes que poderia se be-neficiar de uma proposta de beber moderado, es-tratég ia considerada um modelo baseado em re-duzir danos associados ao uso de álcool18.

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Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Arthur Guerra de AndradeDepartamento de PsiquiatriaFaculdade de Medicina da USPRua Ovídio Pires de Campos s/n – 1º andarConsolaçãoCEP 01060-970 – São Paulo-SPTel.: (11) 3062-9029

Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Malbergier et al.

381

R e s u m o

O presente artigo aborda a visão de redução de danos (RD) endossada pelo Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas(Ipad), reconhecendo a falta de uma defin ição un iversal do termo. Para o Ipad , a RD é uma abordagem útil para m in im izar asconseqüências de d iversos comportamentos de risco, principalmente na área do abuso de substâncias psicoativas. O presenteartigo caracteriza RD e a d iferencia da abordagem de algumas visões simp listas e man iqueístas erroneamente identificadas coma mesma. Segundo o Ipad , cinco pontos devem ser enfatizados quando se define redução de danos: a RD é uma alternativa desaúde púb lica para os modelos crim inal e de doença; a RD reconhece a abstinência do uso de substâncias psicoativas como ideal,mas aceita alternativas intermed iárias; a RD é uma abordagem que incentiva e incorpora a participação daqueles que sofremcom o abuso dessas substâncias (abordagem de baixo para cima); baseia-se no pragmatismo empático, em oposição ao idealis-mo moralista; e promove acesso a serviços de saúde de baixa exigência. Finalmente, o Ipad rejeita a identificação de RD comlegalização de drogas ilegais, defende a inclusão de drogas legalizadas na sua abordagem (como álcoo l e tabaco) e criticatentativas de incluir ações de RD em grupos sociais que não se ajustam à abordagem , como é o caso de alunos do primeiro ciclodo ensino fundamental, grupo de baixo risco de uso de substâncias, ou mensagens veiculadas un iversalmente via meios decomun icação de massa. O artigo é concluído apresentando-se dados norte-americanos recentes que documentam a d ificuldadede se conseguir apoio para projetos de pesquisa ded icado a entender comportamentos de risco não-aceitos pelo status quo.

Unitermosredução de danos; saúde pública; legalização; pesquisa

S u m m a r y

The term Harm Reduction lacks an universa l definition. In this article, Ipad (Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas) presents itsunderstanding of the term as an useful approach to minimize the consequences of risky hea lth behaviors, particularly in the substance abusedoma in. According to Ipad, five ma in features should be emphasized on a HR approach: HR is a public hea lth a lternative to the mora listicand disease models of drug use and addiction; HR recognizes abstinence as an idea l outcome but accepts a lternatives that reduce harm; HRhas emerged primarily as a bottom-up approach based on addict advocacy, rather than a top-down policy promoted by drug policy makers;HR promotes low-threshold access to services as an a lternative to traditiona l, high-threshold approaches; HR is based on the tenets ofcompassionate pragmatism versus mora listic idea lism. Fina lly, Ipad rejects the identification of HR with drug lega lization, defends that lega lsubstances should be included and prioritized in HR initiatives and is critica l of attempts to overgenera lize HR approaches as beneficia l forany socia l group. For Ipad, HR is a helpful strategy to be used where harm exists and not a universa l panacea . The article concludes bydiscussing some of the current difficulties on getting support for doing research on ways to reduce harm among groups that display behaviorsnot accepted by ma instream va lues, using recent North American cases as an illustration.

Unitermsharm reduction; public health; research; substance abuse

Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas (Ipad), Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Redução de danos:uma abordagem de saúde pública

Harm reduction: a public health approachBeatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 381-386, 2003

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O Ipad defende a abordagem de redução dedanos segundo os princípios apresentados a seguir,acolhe e simpatiza com movimentos sociais de usu-ários de drogas que lutam por maior tolerância emenor estigma social, defendendo seus direitos deacesso a serviços de saúde. No entanto, essa aco-lhida não obriga a que o Ipad concorde com algu-mas bandeiras defendidas por setores desse movi-mento, como a legalização de substâncias ilegaisou o relaxamento de legislações de controle parasubstâncias legais.

“A redução de danos não é nova na med ici-na. Afinal, não está longe do conselho h ipocráticoaos jovens méd icos de primum non nocere – emprimeiro lugar, não cause danos3.”

D av i d Abra m s e D av i d Le w is , 1998D av i d Abra m s e D av i d Le w is , 1998D av i d Abra m s e D av i d Le w is , 1998D av i d Abra m s e D av i d Le w is , 1998D av i d Abra m s e D av i d Le w is , 1998

Redução de danos: abordagemde trabalho vs. movimentossociais

O Ipad acredita que os princípios da reduçãode danos são freqüentemente úteis para abordarcomportamentos de risco, incluindo uso de subs-tâncias psicoativas. Ele também reconhece que es-ses princípios vêm sendo utilizados muito antes dea expressão redução de danos ter sido criada. Naverdade, o que vem sendo chamado de RD é, emgrande parte, a utilização de um realismo pragmá-tico e de um bom senso que boa parte da humani-dade emprega quando se defronta com a impossi-bilidade de promover mudanças abruptas e radicaisem situações e comportamentos arriscados.

Nesse sentido, o Ipad tem se preocupado emfazer distinção entre a abordagem de redução dedanos e a história da expressão redução de danos.Esse termo foi cunhado por movimentos sociais li-derados por usuários de drogas em busca de umamaior aceitação social dos seus estilos de vida, preo-cupados com a crescente mortalidade por Aidsentre eles. Carrega, assim , no seu bojo, a bandeirade afirmação política desse grupo social.

Abordagem de redução de danosdefendida pelo Ipad

A redução de danos é umaalternativa de saúde pública paraos modelos criminal e de doença

A redução de danos oferece uma alternativa prá-tica para os modelos moral/criminal e de doença. Di-ferentemente dos proponentes do modelo moral –que vêem o uso de drogas como ruim ou ilegal edefendem a redução de oferta (via punição e proibi-ção) –, a proposta de redução de danos desvia a aten-ção do uso de drogas em si para as conseqüências oupara os efeitos do comportamento aditivo. Tais efei-tos são avaliados principalmente em termos de se-rem prejudiciais ou favoráveis ao usuário de drogas eà sociedade como um todo, e não por o comporta-mento ser considerado, em si, moralmente certo ouerrado. Além disso, em contraste com o modelo dedoença – que vê a dependência como uma patologiabiológica/genética e promove a redução da deman-da como meta primordial da prevenção e a abstinên-cia como única meta aceitável de tratamento –, a re-dução de danos oferece uma ampla variedade depolíticas e de procedimentos que visam a reduzir asconseqüênc ias pre jud ic iais do comportamentoaditivo. A redução de danos aceita o fato de que muitaspessoas usam drogas e apresentam outros compor-tamentos de alto risco, e que visões idealistas de umasociedade livre de drogas não têm quase nenhumachance de se tornarem realidade3.

A redução de danos reconhecea abstinência como resultado ideal, mas

aceita alternativas que reduzam os danos

A redução de danos não é contra a abstinên-cia. Os efeitos prejud iciais do uso de drogas po-

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

Introdução

O Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas(Ipad) da Pont if íc ia Un iversidade Cató l ica doParaná defende e valoriza a abordagem de redu-ção de danos (RD) como uma alternativa viável,humana e de resultados positivos já demonstra-dos para vários comportamentos de risco à saú-de. No entanto, a abordagem de RD não é ele-mento central ou defin idor das ações do Ipad ,nem vista pelos seus profissionais como a pana-céia un iversal que resolverá todos os impasses edesafios desta área da saúde mental.

Assim sendo, os autores deste texto considera-mos adequado, neste breve documento, caracteri-zar redução de danos e discutir alguns dos mitos eestereótipos que cercam esta abordagem como umamaneira de delinear mais claramente nossa posição.

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dem ser colocados num continuum , como as d i-versas temperaturas ind icadas em um termôme-tro. Quando as coisas ficam muito quentes ou pe-rigosas, a redução de danos propõe baixar o fogoa um n ível mais moderado. A abordagem de re-dução gradual estimula os ind ivíduos com com-portamento excessivo ou de alto risco a dar umpasso de cada vez para reduzir as conseqüênciasprejud iciais de seu comportamento. A abstinên-cia como meta final reduz muito ou elim ina to-talmente o risco de danos associados ao uso ex-cessivo de drogas. Nesse sentido, a abstinência éinc lu ída como o ponto f ina l ao longo de umcontinuum , que varia de conseqüências excessi-vamente prejud iciais a conseqüências menos pre-jud iciais. Ao colocar os efeitos prejud iciais do usod e d ro g as e m u m c o n t i n u u m , e m ve z d ed icotom izá-lo como legal ou ilegal, ou ind icativode ausência ou presença de doença ad itiva, os de-fensores da redução de danos incentivam qual-quer movimento rumo à sua d im inu ição comoum passo na d ireção certa3.

A redução de danos é uma abordagem debaixo para cima, baseada na defesa das

necessidades do usuário, ao invés deuma abordagem de cima para baixo,

promovida por formuladores de políticas

A estratég ia de redução de danos visa a capa-citar e a dar voz aos pacientes e clientes de servi-ços de saúde. Procura m in im izar o d iferencial depoder entre aqueles que adm in istram e prestamserviços e aqueles que são contemp lados por eles,para dar voz nas decisões de como, onde e deque maneira as pessoas são tratadas3.

A redução de danos promove acesso a serviçosde baixa exigência como uma alternativa

a abordagens tradicionais de alta exigência

Em vez de estabelecer a abstinência como umpré-requisito de alta exigência para receber trata-mento ou outro tipo de assistência, a abordagemde redução de danos procura reduzir obstáculos,tentando facilitar e garantir o envolvimento da-queles que precisam de ajuda dos serviços d ispo-n íveis. Exemp lo dessa postura de baixa exigênciaé abordar os ind ivíduos onde eles se encontram ,ao invés de onde eles deveriam estar, ou seja, ser-viços de outreach work que oferecem ajuda ao

usuário no próprio amb iente em que as drogassão consum idas3.

A redução de danos baseia-senos princípios do pragmatismo empático

versus o idealismo moralista

Comportamentos prejudiciais são um fato davida, e a abordagem de redução de danos aceitaesta realidade, não muito agradável, como uma pre-missa básica. Uma vez aceita essa premissa, a metatorna-se de pragmatismo empático: o que pode serfeito para reduzir o dano e o sofrimento dos indiví-duos e da sociedade? O pragmatismo adotado pelaRD não pergunta se o comportamento em questãoé certo ou errado, bom ou ruim, doentio ou saudá-vel, preocupa-se, isto sim, com o manejo das ques-tões cotidianas e das práticas reais, sendo sua vali-dade avaliada por resultados concretos3.

Temas polêmicos associados à abordagemde redução de danos

“A redução de danos pode ser excessivamentesimplificada, e, assim, considerada um

movimento extremista diabólico. Alternativa-

mente, pode ser vista como um novo projeto

conceitual abrangente para integração do quehá de melhor em medicina, saúde pública e

política de prevenção3”

O fato de o termo RD ter sido cunhado a par-t ir de movimentos sociais tem conseqüências im-portantes no debate acadêm ico espec ializado .Talvez a mais importante delas seja a falta de umadefin ição ún ica do termo: RD tem sido defin idaa part ir da ót ica daqueles que a defendem ou acrit icam , e não a part ir de uma conceituação fun-damentada em pesqu isa pub licada em literaturaespec ializada.

Nesse contexto, o Ipad , enquanto órgão deassistência, pesquisa e prevenção, vê como perti-nente o esclarecimento do que entende ser redu-ção de danos, como foi feito nas pág inas anterio-res deste texto, assim como exp licitar sua posiçãoem relação a temas polêm icos que têm sido asso-ciados a RD .

Nas próximas pág inas será apresentada a vi-são do Ipad sobre a relação entre RD e legaliza-ção de drogas, RD e prevenção primária (ou un i-

Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

384 J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003

versal) e pert inência da generalização da RD ecomportamentos de risco que não sejam o usode drogas ilegais.

Redução de danos e legalização de drogasilegais

O Ipad não endossa a legalização de substân-cias ilegais no Brasil como estratég ia de reduzir odano associado a seu consumo.

No entender de seus profissionais, políticas pú-blicas de RD devem ter como parâmetro medidasque reduzam o dano associado ao uso de drogas demodo coletivo, adotando-se uma perspectiva de saú-de coletiva. Assim, embora seja possível que a lega-lização de substâncias hoje consumidas e vendidasclandestinamente favoreça alguns usuários de dro-gas, que seriam menos estigmatizados e teriam aces-so mais fácil a serviços de saúde e mais difícil aosistema carcerário, é difícil imaginar que tal medidabeneficiasse de modo coletivo nossa sociedade.

O raciocínio desenvolvido por aqueles que de-fendem a legalização de substâncias para reduzirdanos é baseado na visão de que esta perm itiriamelhor controle social e governamental das subs-tâncias que atualmente são consum idas ilegalmen-te, de que aproximaria usuários hoje temerosos deprocurar ajuda dos serviços de tratamento, de queperm itiria a geração de impostos que poderiam serusados para educar jovens sobre os riscos do con-sumo de substâncias psicoativas.

Se esse tipo de lógica pode ter sentido em paíseseuropeus, sua base de sustentação torna-se bastantefrágil ao cruzar o Oceano Atlântico rumo ao Sul. Aquino Brasil ainda lutamos para garantir controles míni-mos para as substâncias que são legalizadas, comoálcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos.

Nossas leis que procuram regulamentar o aces-so ao álcool por menores de idade são raramentecumpridas (ou mesmo lembradas); a legislação decontrole das propagandas de tabaco em eventosesportivos só tem sido cumprida em eventos demenor importância, sendo informalmente revogadasem competições esportivas de calibre internacional;a tentativa de dim inuir acidentes por motoristasalcoolizados esbarra no simples fato de que a exis-tência de bafômetros é quase tão rara quanto a pre-sença de policiais efetivamente conscientes do seupapel educacional de multar motoristas impruden-tes nas estradas.

O fato de que a sociedade civil brasileira e osnossos governos não têm conseguido gerar polí-

ticas de controle mais efetivas para m in im izar osdanos das substâncias psicoativas legalizadas emnossa sociedade é motivo suficiente para termosmuitas reservas em relação à tentativa de legali-zação de outras substâncias.

N o entanto , o Ipad vê com simpat ia a d im i-nu ição das penas lega is assoc iadas ao uso desubstâncias de pequeno impacto na saúde co le-t iva, como é o caso principalmente da maconha.Neste caso , parece que o dano produz ido pelapun ição tem sido maior do que o causado pelocom portamento , na med ida em que rotu la epune como crim inosos jovens que poderiam sermais úteis para a sociedade se cumprissem so-mente uma pena de caráter social pelo seu com-portamento inadequado .

Redução de danos e prevenção primária

Há também quem defenda que , numa abor-dagem de redução de danos, os jovens devemser ensinados desde pequenos a usar drogas damaneira menos arriscada possível, po is no casode um d ia, mais tarde , tornarem-se usuários, sa-berão ao menos evitar alguns riscos e m in im izaralguns danos.

Nessa linha de raciocínio, defende-se orientarjovens nas escolas a beber com moderação; usarseringas descartáveis, no caso de quererem injetaralguma substância; evitar o uso de sacos plásticospara armazenar inalantes, no caso de quereremcheirar cola ou acetona, evitando assim o risco demorte por asfixia se ficarem inconscientes.

O Ipad entende que propostas como essas nãoestão alinhadas com a abordagem de RD , da for-ma como endossamos.

O próprio termo redução de danos é base paraexp licar este não-alinhamento: para reduzir da-nos é preciso que eles sejam uma possib ilidadeconcreta. Assim , bebedores pesados e de risco,que vivenciam prob lemas eventuais devido a seucomportamento, podem se beneficiar de progra-mas que sugerem beber com moderação e ensi-nam como d im inu ir as chances de acidentes eoutras conseqüências negativas associadas ao usoabusivo do álcool. Mas para aqueles que não be-bem ou o fazem de modo muito esporád ico, essetipo de orientação é não só inapropriada comopotencialmente promotora de danos.

Da mesma forma, ensinar a importância de setrocar seringas para um grupo de jovens sem ne-

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

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nhum ind icativo prévio de uso ou alto risco de setornarem usuários é inócuo e de certa forma ir-responsável, pois passa a mensagem de que in je-tar substâncias é algo tão corriqueiro que é preci-so orientar como fazê-lo nas escolas.

Generalização da abordagem da reduçãode danos a drogas legais

Um outro tipo de polêm ica nesta área, querequer um posicionamento claro de entidades eprofissionais, é a necessidade de defin ir a abran-gência da abordagem de redução de danos: tra-ta-se de algo somente válido para drogas ilegais,onde o termo se orig inou, ou é possível estendê-lo para drogas legalizadas?

O Ipad entende que redução de danos não é sónem principalmente uma proposta de enfrentamentodo uso de drogas ilegais, mas é uma abordagem desaúde pública para comportamentos de risco à saú-de, inclusive uso de álcool e tabaco.

O tabag ismo , mesmo entre os setores maisconservadores da área de tratamento, tem sidoalvo de uma abordagem clássica de RD: o uso deadesivos e gomas de mascar com n icotina. Em-bora quase nenhum profissional negocie com seupaciente que a abstinência seja a meta do trata-mento do tabag ismo, o uso de adesivos e gomasde nicotina vem possib ilitando uma estratég ia gra-dual de mudança rumo à abstenção. Com essesrecursos, o fumante não tem que interromper ouso da n icotina – substância da qual é dependen-te –, mas somente mudar sua via de adm in istra-ção. A n icotina continua sendo gradualmente li-berada, em quantidades negociadas, visando auma readequação de háb itos e cotid iano até quese possa interromper a adm in istração da droga.

Da mesma forma, as estratég ias de motoristadesignado, muito usadas nos EUA, no Canadá ena Europa, são exemp lares de RD . É aceito quasecomo inevitável que mu itas pessoas vão beberpesadamente em situações de festa, e procura-senegociar a d im inuição dos riscos e das conseqüên-cias de se associar este comportamento com d i-reção de veículos. Assim , campanhas educacio-n a i s i n c e n t i va m j ove n s a se a l t ern are m n aabstenção de álcool por uma noite e dar caronapara seus am igos embriagados. Em retorno, estejovem poderá beber à vontade em uma outraocasião, pois um dos jovens que foi beneficiadocom sua carona cumprirá desta vez seu compro-m isso de não beber.

Palavras finais: reduçãode danos e pesquisa

Carlini-Marlatt et al. Redução de danos: uma abordagem de saúde pública

Para encerrar a contribuição do Ipad para estedebate, parece importante comentar um poucoo tão usado argumento de que RD é uma abor-dagem interessante , mas a inda mu i to poucopesquisada para ser adotada.

O primeiro ponto a ser considerado neste tipode raciocínio é que uma série de outras abordagensvem sendo amplamente utilizada, não só no Brasilcomo no exterior, com pouquíssima pesquisa, commuito mais condescendência. Grupos de auto-aju-da do tipo AA ou NA, ou mesmo comunidades tera-pêuticas, são exemplos importantes neste sentido.

Um segundo ponto é, a nosso ver, bem maisrelevante: parece haver evidências de que proje-tos de pesquisa que se propõem investigar abor-dagens que possam benef ic iar os grupos maismarg inalizados da soc iedade vêm en frentandoprob lemas sérios de financiamento, principalmen-te no país que financia 85% de toda a pesquisana área de drogas no mundo: os EUA.

De fato, a comunidade científica tem sido sur-preendida, dia após dia, com uma intervenção doatual governo norte-americano nas linhas de pes-quisa sem precedentes desde a era do mccarthismo,nos anos 1950. Vejamos então alguns exemplos:• em dezembro de 2002, o dr. Willian M iller, au-

tor do livro Entrevista Motivacional, foi convi-dado a compor o painel de especialistas doNational Institute of Drug Abuse (N ida), queassessora este instituto no julgamento dos m i-lhares de projetos de pesquisa que são envia-dos anualmente para renovação ou in ício definanciamento. Ele obviamente aceitou o con-vite, considerado de grande honra, embora comremuneração modestíssima. D ias mais tarde,um funcionário da Casa Branca ligou pessoal-mente para o dr. M iller e o sabatinou sobresuas visões políticas em relação a temas consi-derados controversos: aborto, pena de morte,programa de troca de seringas, apoio a trata-mentos baseados em fé relig iosa e, finalmen-te, seu voto para presidente na última eleição.Aparentemente, o dr. M iller não respondeu àsperguntas da mane ira como seria dese jáve lpe lo func ionário da Casa Branca , po is logoapós o telefonema ele foi desconvidado a com-por o painel do N ida4;

• em abril deste ano, o New York Times pub li-cou artigo sobre a censura de certos termos

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em projetos de pesquisa na área de Aids. Se-gundo o periód ico, vários cientistas dessa áreareceberam alertas de funcionários do Depar-tamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS)ou de membros do Congresso sobre a impor-tância de evitar certas expressões em grants.Termos como trabalhadores do sexo , homensque fazem sexo com homens e troca de serin-gas seriam considerados inapropriados e pra-ticamente anulariam as chances de financia-mento dos mesmos. O bviamente, o porta-vozdo DHHS, em entrevista ao New York Times,afirmou que não havia nenhum documentoneste sentido, mas cientistas de várias parte dosEUA relataram experiências muito parecidas,sempre por comun icação verbal1;

• no mesmo 18 de abr i l , a rev ista c ient íf icaScience reforça os achados do New York Ti-mes, comentando uma visita do DHHS à Un i-versidade da Califórn ia, em São Francisco. Se-gundo a Science, o pesqu isador visitado fo iconvidado a limpar a redação de seu projetode pesquisa e, consistente com o que o NewYork Times relatou, substituir expressões comotroca de seringas e prostitutas para aumentaras chances de aprovação de financiamento dopro jeto2;

• finalmente, durante o mês de julho, pesquisado-res nos EUA foram surpreendidos com mais umatentativa de controle político sobre temas de pes-quisa: o dr. Victor Hesselbrock, presidente daResearch Society on Alcoholism (RSA), lançou car-ta de apelo a todos os cientistas norte-america-nos, no dia 21 de julho, no sentido de enviaremmoções de apelo a seus senadores contra a des-aprovação de quatro projetos de pesquisa já apro-vados pelo comitê de especialistas do National

Institute of Health (NIH), via votação de emendano Congresso Nacional. Com uma agenda re-pleta de temas mais apropriados para serem dis-cutidos na Câmara Federal, os deputados fede-rais ded icaram a tarde do d ia 10 de julho àdiscussão e à votação de uma emenda que con-fere ao Congresso poder de revogar aprovaçãode projetos de pesquisa sobre sexualidade. Maisassustador ainda o fato de esta emenda, sem pre-cedentes na história da ciência norte-americana,só ter sido derrotada por dois votos. Assim, empoucas semanas, será discutida no Senado e po-derá se tornar realidade.

Em tempos de intolerância, uma abordagemtolerante e pragmática, como a redução de da-nos, precisa urgentemente de mais pesquisa parase afirmar como uma alternativa viável. E essaspesquisas têm sido conduzidas com rigor e su-cesso, mas somente quando abordam populaçõese substâncias de fácil digestibilidade política, comojovens un iversitários que bebem pesadamente eadultos tabag istas. Ou quando abordam ep ide-m ias que há muito tempo deixaram de respeitaros cordões san itários que separam os grupos so-ciais de comportamentos pouco convencionais,como é o caso da ep idem ia da Aids.

Muito ainda precisa ser pesquisado e nós, doIpad , temos comp leta ciência d isto. Mas temosciência também de que as barreiras neste sentidosão grandes e vêm crescendo, e que, enquantoisto, teremos que conviver com uma certa frus-tração e uma grande esperança de que o cenáriopolítico internacional mude, rumo a uma maiorabertura a abordagens criativas que possam even-tualmente ser respostas efetivas aos desafios dasaúde coletiva na área de substâncias psicoativas.

Redução de danos: uma abordagem de saúde pública Carlini-Marlatt et al.

Referências

1 . Goode E. Certain words can trip up A ids grants, scientists say.New York Times, 2003 .

2 . Kaiser J. Studies of gay man , prostitutes come under scrutinity.Science 2003; 300: 403 .

3 . Marlatt GA . Redução de danos: estratégias pragmáticas paracomportamentos de risco. Porto A legre: Artes Médicas Sul,1999 .

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

Endereço para correspondência

Dagoberto Hungria RequiãoPontifícia Universidade Católica do ParanáRua Imaculada Conceição 1.155 – Prado VelhoCEP 80215-901 – Curitiba-PRTel.: (41) 271-1515

4 . Zitner A . Critics contend Bush team is stacking advisory panels.Los Angeles T imes, 2002 .

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R e s u m o

A Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda) entende redução de danos como movimento social para a busca deum estado de maior bem-estar social para todos, usuários ou não de drogas legais ou ilegais. As terap ias de substituição (TS) sãonaturalmente entend idas como parte do repertório de ações de redução de danos ao transig ir com o uso de drogas e não tercomo meta ún ica a abstinência. Sua imp lantação no Brasil para drogas ilícitas – principalmente cocaína e maconha – demandadesconstrução das atitudes antidrogas, inclusão e normatização da redução de danos e das TS na rede SUS e reordenamento dapolítica nacional de drogas. Nesse sentido a Aborda pode ser um ator importante para a d iscussão dos marcos teóricos e da suaoperacionalização em campo , além da necessária atuação de contro le social e advocacy dos d ireitos das pessoas que usamdrogas. Dado o enorme prejuízo que a atual perseguição penal das pessoas que usam drogas ilícitas imp lica para elas e para asociedade em geral, soa pouco efetivo reduzir as terap ias de substituição (ou a redução de danos em geral) a atos de promoçãoda saúde stricto sensu, sendo imprescind ível incluir nas d iscussões da sua apropriação pelo SUS alternativas para a necessáriaregulamentação, em algum grau, da produção, do comércio e do consumo dessas drogas. O melhor efeito que a imp lantaçãodas TS poderia trazer seria a substituição do d iscurso e da atitude antidrogas por um novo parad igma de maior inclusão social eto lerância.

Unitermosdrogas; redução de danos; terapia de substituição; movimentos sociais

S u m m a r y

Aborda understands harm reduction as a socia l movement towards a state of greater welfare for everyone, whether they use drugs ornot. Substitution therapies (ST) are natura lly considered part of the harm reduction set of strategies, inasmuch as drug use is tolerated andabstinence is not the only objective. To implement those illicit drugs therapies in Braz il – ma inly coca ine and marijuana – the antidrugattitude must be deconstructed, harm reduction and ST must be included and norma lized in the Public Hea lth System (SUS, in Portuguese),and nationa l drug policy must be reordered. In that sense Aborda can play an important part in the discussion of both its theoretica lbenchmarks and field operations, besides the necessary socia l control activities and drug users rights advocacy. G iven the enormous damagesthe actua l crimina lized persecution represents to those who use illicit drugs and for society as a whole it does not seem effective to merelyconsider substitution therapies (or harm reduction in genera l) as hea lth promotion activities. As the discussions about its appropriation bythe Public Hea lth System continues, it is necessary to address a lternatives to an indispensable regulation to some extent of production, sa les,and consuming of those drugs. The best consequence of ST implementation would be the substitution of the antidrug discourse and attitudeby a new paradigm of greater socia l inclusion and tolerance.

Unitermsdrugs; harm reduction; substitution therapy; drug policy; advocacy

Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda).

Redução de danos e terapiasde substituição em debate:contribuição da Associação

Brasileira de Redutores de Danos

Harm reduction and substitution therapy: the Brazilian HarmReduction Outreach Workers Association point of viewMarcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira

J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 387-393, 2003

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É p re c iso su p erar o m o m en to e m q ueÉ p re c iso su p erar o m o m en to e m q ueÉ p re c iso su p erar o m o m en to e m q ueÉ p re c iso su p erar o m o m en to e m q ueÉ p re c iso su p erar o m o m en to e m q ueas d ro g as são i n i m i g as d a v i d aas d ro g as são i n i m i g as d a v i d aas d ro g as são i n i m i g as d a v i d aas d ro g as são i n i m i g as d a v i d aas d ro g as são i n i m i g as d a v i d a

O conceito de redução de danos (RD), na his-tória da Associação Brasileira de Redutores de Da-nos (Aborda), foi estratég ia de saúde, passou porpolítica de saúde e agora é melhor expresso comomovimento social1.

Em que pese a utilização, no senso comum ,da expressão redução de danos para qualquer si-tuação onde exista busca de d im inuição de pre-juízos, ou mesmo ao se referir especificamente a(eventuais ou potenciais) prejuízos resultantes douso de psicoativos, a Redução de Danos (escritacom in iciais em maiúscu las), como movimentosoc ial, superou o parad igma san itarista, sendoagora entend ida como busca de estado de maiorbem-estar social para todos, com ou sem uso dasdrogas, inclusive daquelas tidas como ilegais.

Da mesma forma, as terap ias de substituiçãoganham , na RD , interpretação pelo movimentosocial, ou seja, são lidas e construídas tambémpelo viés ideológ ico.

O objetivo deste texto, contudo, não é promo-ver debate ideológico, mas, atendendo a convitedo Centro Brasileiro de Informações sobre DrogasPsicotrópicas (Cebrid), apresentar o entendimen-to, pela Associação Brasileira de Redutores de Da-nos, das terapias de substituição como uma dasestratég ias para reduz ir danos , natura l mentepermeadas pelos valores eleitos pelo movimentosocial de RD , esclarecendo como estes valores im-plicam mais que colorido ideológico: eles são, nãoraro, definidores da eficácia das ações, notadamen-te daquelas construídas com o público-alvo dos Pro-jetos de Redução de Danos (PRDs) – pessoas emgeral que usam drogas e que, pelo menos em prin-cípio (a grande maioria), não estão inseridas, comindicação ou interessadas em propostas terapêuti-cas para o uso de drogas em si.

A RD contribui na busca daquele estado demaior bem-estar social para todos, indo além e até,se necessário, contradizendo o discurso sanitaristaonde este discurso estiver orientado exclusivamentepara o controle de doenças, sem buscar saúde in-tegral, ou distanciado dos direitos humanos.

psicoativos), são pensadas a partir de análise darelação triangular droga/sujeito/contexto, consi-derando operar m od i f i cações qua l i tat ivas ouquantitativas em quaisquer dos vértices, de modoa obter resultado final de melhor relação risco/benefício para quem usa e para a coletividade.

O mesmo raciocín io ap licamos às terap ias desubst itu ição: elas devem ser fator de equ ilíbriob iopsicossocial na relação tríp lice entre o sujeito,a(s) droga(s) e o(s) contexto(s) de sua vida. Por-tanto elas incluem a troca (quantitativa, qualita-tiva ou em modo de usar) de drogas legais ouilegais por outras, legais ou não, que melhorem ograu de compatib ilidade do uso pelo sujeito emcada contexto. Tal compatib ilidade inclui buscade satisfação do desejo do sujeito, a conservaçãode sua saúde e a harmon ia com a coletividade. Aintervenção para reduzir danos busca convivênciamutuamente respeitosa entre as pessoas que usamdrogas e suas redes de relações, sejam fam iliares,no trabalho, afetivas, etc.

A atitude de d isposição em construir hab ili-dades para aquela compatib ilização, reun idas sobo nome genérico estratég ias de redução de da-nos (inclu indo terap ias de subst itu ição), e quetransige com a cond ição de usuário de drogas, éun iversalmente ap licável e, a nosso ver, d ireito daspessoas que usam drogas – ilegais inclusive.

Considerando a magn itude do seu potencialbenefício – para estas pessoas, suas redes de con-tatos e para a sociedade em geral –, acred itamosque a om issão das alternativas de redução de da-nos pelos responsáveis (d iretos ou ind iretos) peloatend imento de pessoas que usam drogas é pas-sível de questionamento ético, caracterizando im-perícia ou neg ligência.

Pelo olhar da Aborda, a RD inclui terap ias desubstituição (TS) como uma das opções com n í-vel de exigência mais compatível com as necessi-dades, capac idades e dese jos das pessoas queusam drogas do que a abstinência; é prop iciadorade construção de vínculo com estas pessoas, e al-ternativa para aquelas que não têm demanda oudesejo de parar de usar não serem privadas demed idas que lhes prop iciem melhor qualidade devida e menos riscos, para si próprias, sua rede derelações e sociedade em geral.

D iferentemente de Marllat, que coloca comoum dos princíp ios que “a redução de danos reco-nhece a abstinência como resu ltado ideal, masaceita alternativas que reduzam danos”4, na Abor-

Objetivos da substituição

Na Aborda, as ações de redução de danos (as-s i m c o m o q ua l q uer c ons tru to teór i c o so bre

Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos Campos & Siqueira

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da não só não consideramos a abstinência a ún i-ca alternativa válida como sequer a temos comosempre necessária ou desejável.

Embora não persiga a abstinência, a RD tam-bém reconhece a utilidade das terap ias de substi-tuição como alternativa para pessoas em situa-ção de uso prob lemático/danoso de drogas e comdesejo de interrompê-lo: estas pessoas podem ternas terap ias de substituição um amparo eficienteno controle de sofrimento nas fases iniciais da abs-tinência (d im inuição ou abolição de desconfortoda abstinência) ou como manutenção da absti-nência, como acontece, por exemp lo, com a ofer-ta de nicotina inalatória, oral ou transdérm ica paratabag istas em abandono do háb ito.

Tanto para os que buscam abstinência comopara os que não a têm como ob jetivo, as terap iasde substituição podem atuar como estratég ia deescalada inversa: m igração de padrões de uso erelações mais prob lemáticas com psicoativos parapadrões mais harmôn icos e menos prob lemáti-cos, ou seja, de deslocamento de situação de abu-so rumo ao uso .

Aceitar que este movimento é possível imp li-ca também o romp imento com postulados comoo que considera o uso prob lemático incompatí-vel com transição para o uso controlado (ex.: al-coo lismo é uma doença incuráve l), quando sesabe que tal transição é possível3.

N o caso , por exemp lo , da cocaína, não sepodem desprezar as implicações da observação deque, no caso da substituição da forma de assim ila-ção (e talvez da quantidade) do psicoativo –, quan-do sugerimos uso inalado substituindo injetável –não está sendo colocada a abstinência como únicameta para todos os usuários de cocaína desejososde dim inuir ou evitar os riscos do uso injetável, ain-da que para muitos a substituição seja consideradaetapa na busca de interrupção do uso. Considerarfalha terapêutica o sujeito que se mantém depen-dente da cocaína inalada seria subestimar o bene-fício de não fazer uso injetável.

at ivismo , protagon ismo e busca de inclusão so-c ia l destas pessoas , de mane ira so c ia l m entetransformadora, tanto para superação ou d im i-nu ição da sua vu lnerab ilidade aos agravos à suaqualidade de vida como para eficácia das pró-prias ações de resgate ou promotoras de sua saú-de . As terap ias de subst itu ição podem ser maisque intervenção co m portamenta l em mu i tossent idos. Sua med icalização , ao reduz i-las a atosde saúde stricto sensu , assim como algumas cor-rentes entendem a redução de danos, subest i-ma o seu valor mob ilizador para superação doparad igma ant idrogas e imp lica atraso de trans-formações benéficas para a sociedade e para asvidas das pessoas que usam drogas.

A d iscussão a seguir tenta apresentar as con-tribuições da Aborda tanto como movimento so-cial quanto como prestação de serviços.

Ativismo (a Aborda como movimentosocial de RD)

O norte da RD é d ign idade com qualidade devida, não consideradas necessariamente incom-patíveis com a cond ição de usuário de álcool ououtras drogas. Para a maioria das pessoas queusam cocaína e maconha, os fatores causadoresde má qualidade de vida são mais relacionados àsua cond ição de usuários de drogas do que aosefeitos dos psicoativos em si, e isso deve ser con-siderado mesmo para pessoas com uso prob le-mático ou dependência daquelas substâncias.

O movimento social trabalha pela construçãoda imagem dos usuários de droga como não sendonecessariamente merecedores de cuidados de saú-de e questiona as atitudes que os rotulam como dig-nos de punição e execração. Consideramos o con-ceito de dependência tão relativo e impreciso quantoo de loucura, e mesmo pessoas que se identificamcomo ou são rotuladas de dependentes nem sem-pre apresentam indicação de tratamento. A própriadesqualificação como marginal, doente ou criminosoé fonte de estresse e condição neurotizante parapessoas que usam drogas, especialmente daquelashoje tidas como ilegais no Brasil, e um dos estereó-tipos a serem combatidos com ativismo (incluindoações de advocacy dos direitos das pessoas que usamdrogas). Esse componente de advocacy deve ser con-siderado no delineamento das políticas de saúde parao reconhecimento, normatização e disponibilização,no SUS, das TS, assim como de todas as estratégiasde RD.

Possíveis contribuições daAborda para a implantaçãoe a implementação de terapiasde substituição no Brasil

Não é possível desvincu lar as ações de saúdec o ns tru í das e i m p lan tadas c o m usuár i os d eálcoo l e outras drogas das ações de fomento ao

Campos & Siqueira Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos

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Nesse cam inho rumo à inst itucionalização dasaúde púb lica que contemp la TS e RD , é papelda Aborda/ Movimento Social demandar e aux i-liar na desconstrução de situação de conflito coma lei das orientações de subst itu ição de drogasilegais por outras também ilegais, e no reconhe-cimento destas ações como eficazes, et icamenteleg ít imas e valiosas. É sab ido que a TS, ao d ispo-n ib ilizar uma fonte regu lada de acesso a drogas,reduz prob lemas decorrentes da falta de contro lesobre a qualidade do produto (p . ex .: risco deoverdose ou de danos por contam inantes) e dainteração das pessoas que as usam com o mer-cado ilíc ito e vio lento . Há estudos, por exem-p lo , com a metadona, demonstrando como suaentrada no mercado ilícito e a venda com con-centração e pureza alteradas são deflag ladorasde prob lemas com sua qua l idade e crimes. Omesmo vem acontecendo com a buprenorfinaem vários contextos2 , 5 , 6.

Há aqui o desafio de d iscutir TS no Brasil para,por exemp lo, cocaína e maconha, incluindo umpossível papel de d ispon ib ilização destas mesmasdrogas (como já se faz com n icotina na med icinaprivada), com qualidade controlada pelo Estadoe em contexto regulado e normatizado no Siste-ma Ún ico de Saúde (SUS), como forma de esvazi-ar os danos causados pela cond ição de ilegalida-de e vincu lação ao d ito tráf ico de drogas. Ta ld iscussão deve incluir a alternativa de regulamen-tação da produção e consumo em algum n ível.Não nos esqueçamos da necessidade de se d iscu-tir a mesma d ispon ib ilização de álcool, talvez en-riquecido com tiam ina, para usuários em cond i-ção de ind igência e que lançam mão de fontes deálcool mais tóxicas (inclusive com metanol) quan-do a decisão de como resolver o desconforto dasíndrome de abstinência é feita tendo na facilida-de do acesso a algo que contenha álcool o crité-rio defin idor.

O desafio de institucionalização destas pro-postas é amp liado pelo fato de nem sempre se-rem compatíveis com a cultura institucional ondese desenvolvem as ações, além de que a própriapolítica de drogas nacional carece de defin ições.A nosso ver, a Secretaria N ac iona l Ant idrogas(Senad) não tem perfil nem papel defin idor destapolítica, já que não reúne o repertório real de con-tribuições dos M in istérios da Justiça, Saúde e Edu-cação para ir além da repressão e da identificaçãocom a superada política norte-americana de guer-ra às drogas, também carente de substituição.

Técnico-operacionais (a Aborda e seusassociados como prestadores de serviço)

Apenas ativismo não é suficiente: embora se-jam , em números relativos, uma m inoria do totalde pessoas que usam psicoativos, o número abso-luto de pessoas em situação de uso problemáticode álcool e outras drogas no que se refere a reper-cussões negativas para sua saúde física é grande ecarente de acesso a assistência de qualidade.

A Aborda fo i fundada em 1997 e ho je estápresente em 19 estados brasileiros, reun indo cer-ca de 650 membros que trabalham em d iversospro jetos e programas de redução de danos, amaioria deles financiada através da CoordenaçãoNacional de DST e Aids. Em 2003 foram capaci-tados pela Aborda representantes destes 19 esta-dos a atuarem como Centros de Capacitação emRedução de Danos, criados Centros Reg ionais deRedução de Danos, abrangendo Norte, Nordestee Centro-Oeste (CRRD-1), Sudeste (CRRD-2) e Sul(CRRD-3), com a m issão de fomentar consistên-cia ao movimento de redução de danos e apoiaros trabalhos locais, ag lutinando os envolvidos edescentralizando o gerenciamento da Aborda.

O Primeiro Treinamento Nacional de Reduto-res de Danos foi organizado pela Aborda em 1999(até abril de 2003 foram capacitadas aproximada-mente 350 pessoas). Através de projetos implanta-dos com a Aborda foram abertos programas de RDem M inas Gerais, Acre, Ceará, Pernambuco, Espíri-to Santo, Paraná, Mato Grosso, São Paulo, Rio Gran-de do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, inclusi-ve com suporte para criação de associações locaisde redutores de danos. Os associados (pessoas quetrabalham em diversas instituições – governamen-tais e não-governamentais) têm na Aborda um es-paço de encontro para discutirem e aprimoraremsuas práticas, tanto como provedores de serviçosde prevenção e assistência a usuários de drogasquanto como ativistas do movimento social.

Conquanto a cobertura dos programas de re-dução de danos (PRDs) seja numérica (em númerode usuários atingidos) e geograficamente ampla, elaé a i n da frág i l em term os de c ont i nu i dade esustentabilidade das ações. Muitos dos PRDs sãoprojetos dependentes de financiamento e não auto-sus ten táve is , e a i ns t i tu c i ona l ização e aprofissionalização das ações de RD são incipientes,insuficientes e pouco sólidas. Uma das propostas quees tão sen d o es tru turadas é a b usca daprofissionalização dos redutores e da inclusão de

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técnicas de RD (e de TS) nos currículos de formaçãode recursos humanos dos Programas de AgentesComunitários de Saúde (Pacs) e Programa de Saúdeda Família (PSF). Alguns dos PRDs (p. ex.: Paraná,São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahiae M i nas G era is) a tuam c o m a l g u m grau deinteratividade com o SUS, inclusive com interaçãocom PACS e PSF, além da gradativa aproximaçãocom os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).

Esta interação é forma de equacionar o outrolado da moeda das ações de RD: a melhoria doacesso das pessoas que usam drogas aos insumose serviços de assistência em saúde, cabendo, alémde facilitar aquele acesso, trabalhar pela melhoriada qualidade desta assistência, precária qualitati-va e quantitativamente.

As terap ias de substituição podem ser pensa-das como amp liação de repertório da assistênciaa pessoas que usam drogas, mesmo no contextode precariedade do SUS.

Cabe aqui a observação sobre o próprio concei-to de terapias de substituição, já que encontramosentre elas algumas que se caracterizam como atosterapêut icos (envo lvem processo d iagnóst ico eterapêutico, inclusive com prescrição de medicamen-tos, idealmente seguindo protocolos amparados naliteratura científica) e outras que a nosso ver sãopassíveis de apropriação (e na verdade já aplicadas)pelos redutores de danos, cuja capacitação tem ní-vel de sofisticação similar ao dos agentes de saúdecomunitária (embora diferente – discussão sobre oprocesso de profissionalização dos redutores de da-nos está sendo conduzida, com participação diretada Aborda, junto ao M inistério da Saúde). É possívelque seja mais adequado reservar a expressão terapi-as de substituição para aquelas substituições que secaracterizam como atos terapêuticos comp lexos(estamos tentando evitar a expressão ato médicopara não haver confusão com defesa da classe dosmédicos como se fossem os únicos aptos a conduzirtais tratamentos).

As formas de terap ias de substituição ap licá-veis em campo podem e devem ser consideradaspapel dos redutores de danos (e dos agentes desaúde comun itária em geral). Orientações comoa substituição do crack por maconha (ou do crackpuro por m istura com maconha) ou da cocaínain jetada por inalada são formas de substituição jáincorporadas ao repertório de alternativas ofere-cidas aos usuários de drogas, sendo tema de d is-cussões nas capacitações nacionais de redutores

de danos feitas pela Aborda desde 1999 . Estassubstitu ições são particu larmente relevantes nonosso meio, onde as terap ias de substituição clás-sicas (de op iáceos) hoje quase não têm função.

Auxiliar na demarcação, no Brasil, da frontei-ra entre atos terapêuticos comp lexos e não-com-p lexos, bem como no estabe lec imento de umcorpo organ izado de técn icos e conhecimentossobre substituição, a exemp lo do que já existe emalguns países, é um dos papéis da Aborda.

Consideramos que o púb lico-alvo para tera-p ias de substituição pelos redutores de danos queatuam em campo não são todos os usuários e queos redutores e agentes comun itários de saúde nãoserão os mais ind icados para proceder a algumassubstituições. Há usuários de álcool e outras dro-gas que necessitarão de suporte com maior n ívelde comp lexidade. O papel dos redutores de da-nos é mais bem desempenhado onde se pode pro-mover o acesso destes usuários a serviços de saú-de (SUS), os qua is são poucos e nem sempretransigem com a cond ição de usuários (em geral,a meta colocada é não usar drogas), sendo ne-cessário normatizar as alternativas de substituição(assim como está sendo com as alternativas deredução de danos) nestes serviços.

Existe potencial para aproveitamento da redede redutores de danos, que tem entre seus papéiso de facilitar o acesso das pessoas que usam dro-gas a insumos e serviços de saúde, na consolida-ção das terapias de substituição outras, além dasque eles já conhecem e orientam . Mais que execu-tora de terapias, a rede de redutores, que na Abor-da inclui grande número de pessoas que usam oujá usaram drogas, pode também participar direta-mente na construção de conhecimento sobre asterapias de substituição, seja como partícipe emprotocolos de pesquisa, seja como detentor de co-nhecimentos a serem cient ificamente avaliadoscomo potenciais terapias de substituição.

Entre as formas de substituição e redução dedanos de que temos relatos citamos a troca decocaína por anfetam inas, o álcool por maconha,o uso de doses baixas de cocaína para contraba-lançar o efeito depressor do álcool (p . ex.: ao d i-rig ir), todas já apontadas em campo por usuáriosde drogas e merecedoras de avaliação quanto aoseu real valor, seja como estratég ias a serem re-conhecidas e apropriadas para obtenção daquelamelhor compatib ilidade entre o sujeito e a drogaem cada contexto, seja para desaconselhar subs-

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tituições tidas como vantajosas quando, após se-rem estudadas, não demonstrarem sê-lo.

N este p on to há que se c ons i derar ma iorma leab i l idade e d isposição para en frentamentode questões lega is pe las organ izações da soc ie-dade c iv i l que possuem o já d iscut ido pape l detransformação soc ia l . Por exemp lo , a troca decrack por maconha é conhec ida e est imu ladape los redutores de danos em cam po , mas ama ior ia das i nst i tu i ç ões (governamenta is ounão) que rea l izam atend imento a usuários dedrogas , presas ao d iscurso ant i drogas , a indare luta em adm it ir sua ut i l idade ou o faz de for-ma extremamente t ím ida , de ixando de exp lo-rar esta a lternat iva mesmo quando potenc ia l-mente ma is benéf ica para quem atende .

confusa, lim itadora dos benefícios que as pessoasque usam drogas e a sociedade em geral podemobter com sua d ispon ib i l ização . Esta d ispon i-bilização, por sua vez, implica descrim inalização eregulamentação de consumo de psicoativos hojetidos como ilegais, essenciais tanto para realmenteoperacionalizar a TS destes psicoat ivos no SUScomo para quebrar a vinculação de pessoas que osusam (mesmo se não-formalmente inseridos emTS) com a crim inalidade. Substituir a condição deincluídos na marginalidade pela inclusão social se-ria o ganho maior da implantação das TS tanto paraestas pessoas como para a sociedade em geral.

Somos uma sociedade de consumo, tendo odesejo como mola mestra desse processo que nãosobrevive sem a continuada reinvenção do dese-jo e o incitamento à busca de sua satisfação. Assubstâncias tidas como drogas podem ser vistascomo mais um produto para aquela satisfação ,além de tamponamento para a insatisfação.

Em tempos de globalização há o risco de sobraraos estados menos técnica, política ou economica-mente capazes de construir e defender suas deci-sões se submeterem a interesses que não são os doseu povo, exercendo o seu poder para a repressão,o que os distancia da função fomentadora de bem-estar social para todos. Ao passar a instrumento paraservir ao fluxo de capitais, o Estado perde as suasbases, sua soberania e independência, tornando-semero serviço de segurança (policial inclusive) paraos incluídos nas relações legal e socialmente aceitas.

Os que não pertencem à elite ou não estão dis-postos a mod i f i car seus modos de v ida paracompactuar com as mesmas regras (como grandeparte das pessoas que consomem drogas ilegais) sãocontinuadamente acusados de serem ameaça ao Es-tado ou à sociedade, desqualificados e incluídos namarginalidade. Mesmo usuários de drogas de altarenda, a despeito de estarem menos vulneráveis à vi-olência das regras do tráfico, também têm seus hábi-tos estigmatizados (e bem escamoteados para os defora) e alguma vulnerabilidade ao envolvimento comoutras formas de violência, como a corrupção.

Neste contexto antidrogas, os muros dos con-troles, dos quais a política de tolerância zero (quetambém pode ser lida como intolerância 100%)é instrumento, ficam mais altos, as satisfações dossonhados desejos ficam mais d istantes, as pontespara o atravessamento para uma vida mais d ignae cidadã revelam-se poucas, estreitas e quebrad i-ças. É tempo de inverter esse processo, e a redu-

Conclusões e consideraçõesfinais

C lassificar RD (que inclu i as TS) como med i-da paliat iva não faz sent ido , já que o seu ob jet i-vo não é perpetuação de situação de uso pro-b lemát i co de drogas , o que ser ia manter oumesmo aumentar danos ao invés de reduz i-los.Os tratamentos de subst itu ição podem tambémser vistos como redução de danos (ainda que nãoideo log icamente ident ificados com o movimen-to social de RD) para os que, em sofrimento comsua cond ição de usuários, dese jam ajuda parainterromper ou organ izar o uso , e sempre lem-brando que RD , como entend ida pela Aborda,não considera a abst inência a ún ica meta válidaou estado ideal de contro le sobre o uso . O ob je-t ivo é a convivência mutuamente respeitosa, obem-estar para os ind ivíduos com maior sinton iaentre d ireitos ind ividuais e co let ivos.

A inclusão das TS de forma mais sistematizada einstitucionalmente sustentada na rede de saúde doSUS tem no movimento de redução de danos tantoum potencial executor como um beneficiário: aomelhorar sua atuação com a inclusão das terapiasde substituição, os redutores de danos também sefortalecem como categoria profissional.

Pelo olhar da RD , as TS não devem ser confun-didas como etapas ou estratégia para busca de abs-tinência, nem justificadas ou reforçadoras de atitu-des antidrogas. Tal constructo teórico (a inclusãode TS como parte do discurso antidrogas) seria,além de cientificamente inconsistente e de lógica

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ção de danos, como movimento social – do quala Aborda é expoente – é um dos cam inhos paradevolver à sociedade brasileira e ao Estado porela constituído a condução da sua política de dro-gas, com justiça e independência.

Agradecimentos

A Francisco Inácio Bastos, Christiane MoemaAlves Sampaio e Luiz Paulo Guanabara, pelas con-tribu ições.

Referências

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3. Larimer ME, Marlatt GA , Baer JS, Quigley LA , Blume WA , HawkinsEH . A controvérsia do beber controlado . (Subitem do capí-tulo 3 – Redução de danos para problemas com álcool:ampliando o acesso e a acolhida dos serviços de tratamen-to e prevenção). In: Marlatt GA et al. Redução de danos:estratégias práticas para lidar com comportamentos de altorisco . Porto A legre: Artes Médicas Sul; 1999 , p . 66-9 .

Endereço para correspondência

Marcelo A. CamposRua Gama Cerqueira 544 – Jardim AméricaCEP 30460-360 – Belo Horizonte-MGTel.: (31) 9128-9361/3373-8203e-mail: [email protected]

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

4 . Marllat GA . Princípios básicos e estratégias de redução de da-nos. In: Marllat GA et al. Redução de danos: estratégiaspráticas para lidar com comportamentos de alto risco. Por-to A legre: Artes Médicas Sul; 1999 , p . 46 .

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tica. Deve ser usado o estilo dos exemp los que se seguem:

Artigos

• Akiskal HS, Maser JD , Zeller PJ, End icott J, Coryell W, KellerM , Warshaw M , C layton P, Goodw in F. Sw itch ing from‘un ipolar’ to b ipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Livro

• Goodw in FK, Jam ison KR. Man ic-Depressive Illness. NewYork: Oxford Un iversity Press; 1990.

Capítulo de livro

• Heimberg RG , Juster HR. Cogn itive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG , Liebow itz MR, HopeDA , Sc hne ier FR , ed i tors . Soc ia l p hob ia – D iagnos isassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p . 261-309.

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Articles

Akiskal HS, Maser JD , Zeller PJ, End icott J, Coryell W, KellerM , Warshaw M , C layton P, Goodw in F. Sw itch ing from‘un ipolar’ to b ipolar II. An 11-year prospective study ofclinical and temperamental predictors in 559 patients. ArchGen Psychiatry 1995; 52:114-23.

Book

Goodw in FK, Jam ison KR. Man ic-Depressive Illness. NewYork: Oxford Un iversity Press; 1990.

Book chapter

Heimberg RG , Juster HR. Cogn itive-behavioral treatments:literature review. In: Heimberg RG , Liebow itz MR, HopeDA , Sc hne ier FR , ed i tors . Soc ia l p hob ia – D iagnos isassessment and treatment. New York: The Guilford Press;1995, p . 261-309.