Jornal da Cidadania, nº 115

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Uma publicaªo do Instituto Brasileiro de AnÆlises Sociais e Econmicas Ano 9 N” 115 Fevereiro 2003 IMPRESSO ESPECIAL CONTRATO N” 050200487-8/2001 ECT/DR/RJ IBASE (INSTITUTO BRASILEIRO DE AN`LISES SOCIAIS E ECONMICAS) ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT Entrevista: Marcelo Yuca PÆg. 4 O desafio da autogestªo em Porto Alegre PÆg. 12 Este foi o recado que 5 milhıes de pessoas de 60 pases mandaram a George W. Bush, presidente norte- americano, no œltimo dia 15. O repœdio guerra tambØm foi o principal tema do Frum Social Mundial 2003, encontro no qual 100 mil pessoas celebraram a vida. PÆg. 8 FUSˆO DIGITAL DE IMAGINATTO SOBRE FOTOS DE NANDO DIAS E SAMUEL TOSTA PolŒmica das cotas expıe racismo brasileira PÆg. 3

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Uma publicação do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Ano 9 � Nº 115 � Fevereiro 2003

IMPRESSO ESPECIALCONTRATO

Nº 050200487-8/2001ECT/DR/RJ

IBASE(INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES

SOCIAIS E ECONÔMICAS)

ENVELOPAMENTO AUTORIZADO - PODE SER ABERTO PELA ECT

Entrevista:Marcelo YucaPág. 4

O desafio da autogestãoem Porto AlegrePág. 12

Este foi o recado que5 milhões de pessoasde 60 países mandarama George W. Bush,presidente norte-americano, no últimodia 15. O repúdio àguerra também foio principal tema doFórum Social Mundial2003, encontro no qual100 mil pessoascelebraram a vida.Pág. 8

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Projeto Gráfico � Mais Programação Visual

Diagramação � Imaginatto Design

Capa � Fusão digital de Imaginatto sobrefotos de Nando Dias e Samuel Tosta

Tiragem � 57.500 exemplares

As matérias assinadas não traduzemnecessariamente a posição do Ibase

Ano 9 � Nº 115 � Fevereiro 2003

Uma publicação do Ibase � Instituto Brasileiro de AnálisesSociais e Econômicas

Av. Rio Branco, nº 124, 8º andar � CentroCEP 20040-001 Rio de Janeiro � RJTel.: +(21) 2509.0660 Fax: +(21) 2224.8474E-mail: [email protected] Web site: www.ibase.br

Direção Institucional � Cândido Grzybowski

Coordenação de Comunicação � Iracema Dantas

Edição � Editora: AnaCris Bittencourt (Mtb 17884)� Subeditora: Jamile Chequer (Mtb 22493)

Redação � Flávia Mattar � Marcelo Carvalho� Elaine Ramos (estagiária)

Produção � Geni Macedo

Distribuição � Íris Patrícia Batista

Conselho Editorial� Presidente: Herbert de Souza - Betinho (in memoriam)� Carmen Luz� Cláudia Werneck� Fernando Pinheiro� José Júnior� Marco Carvalho� Mário Osava� Nilda Alves� Patrícia Lânes� Sonia Mesquita

[email protected] � Amigo do Ibase

Pelo terceiro ano consecutivo, o Fórum Social Mundial proporcionou àssociedades dos países participantes um início de ano mais esperançoso.No caso do Brasil, esse sentimento tem um sabor a mais, proporcionadopelo tempero local – a cidade de Porto Alegre. E também por acontecerno momento de instalação de um governo que nos aponta perspectivasférteis de adoção de um modelo de desenvolvimento diferenciado, destavez baseado na justiça social.

A própria ida de Lula ao evento e o carinho com que foi recebidopela população que ali se instalou – cerca de 70 mil pessoas que seapertaram no Anfiteatro Pôr-do-Sol para ouvir um discurso rápido, nãomais que meia hora, e que depois ganharam as ruas apenas para acenarenquanto seu carro partia – são uma demonstração da confiança quevem sendo depositada no novo governo.

Essa confiança está embasada em atos que ultrapassam a barreiradas promessas de campanha. Durante os seis dias de Fórum – de 23 a28 de janeiro – tivemos o anúncio da criação de três espaços valiosos deinterlocução entre governo, sociedade e empresariado: o Conselho deSegurança Alimentar, do qual o Ibase fará parte; o Fórum Brasileiro deEconomia Solidária; e o Conselho Nacional de Política Urbana. Todossão frutos da reivindicação social. Os dois últimos estão relacionados apastas inéditas na nossa história política – a Secretaria Nacional de Eco-nomia Solidária e o Ministério das Cidades.

Também foi durante o Fórum que se consolidou o movimentoantimilitarista no Brasil, que já vinha circulando a passos de gigante naEuropa e mesmo nos Estados Unidos, mas não aqui. Durante as pales-tras, proferidas por pensadores respeitados mundialmente – como o es-critor Eduardo Galeano e o lingüista Noam Chomsky – ficou clara anecessidade de cada pessoa reagir contra a absurda guerra que o presi-dente norte-americano George Bush resolveu perpetrar para atender aseus interesses econômicos e eleitoreiros. A despeito dos riscos que pos-sa trazer não apenas para as populações dos países envolvidos, mas paratoda a humanidade. Como afirmou sabiamente o estadista Mário Soares,durante entrevista concedida ao Ibase em Porto Alegre, “todos sabemcomo se começa uma guerra, mas ninguém sabe como ela termina.O melhor é não começar”.

Como nos anos anteriores, o Fórum Social Mundial 2003 foi umaoportunidade de exercitar o respeito à diversidade, de conhecer quemé diferente, mas igualmente valoroso. Todos os movimentos sociais egrupos historicamente excluídos marcaram presença. Dos sem terraaos sem emprego, passando de maneira bem-humorada – por sinal,uma marca do evento – pelos que protestaram sem roupa; represen-tantes indígenas; jovens; negros(as); mulheres; homossexuais; pesso-as com necessidades especiais: todos tiveram voz e vez; até ascrianças, pela participação no Forunzinho.

Este ano, a mídia rompeu os limites da transmissão da informaçãopara ser assunto nas mesas de palestras. Além de ter sido um dos prin-cipais eixos enfocados neste III FSM, a influência do chamado QuartoPoder foi tratada transversalmente em todos os outros eixos. A impren-sa alternativa também entrou na pauta e mostrou o quanto contribui parafortalecer a corrente que o Fórum Social consolida anualmente. A partirde agora, até 2004, fica a expectativa de saber como nos sairemos naÍndia, onde acontecerá o próximo Fórum.

Saudações Mário Osava, venho através destaparabenizá-lo por seu artigo �Sem diploma� (publicadoem dezembro). Eu, na qualidade de líder comunitário daAssociação de Moradores do Conjunto Residencial SantoInácio, do bairro Jardim das Palmeiras, em Uberlândia,pude ler tal artigo há três semanas. Creio que é de sumaimportância trocar idéias sobre este tema e pretendo co-locar isso em prática aqui na minha cidade.

João Amper de A. Pinto, Uberlândia/MG

Estou voltando de Roma, da visita ao Papa, com osdemais bispos da Bahia. Agradeço-lhes o expressivocartão de Natal, bem como o Jornal da Cidadania quedistribuo entre as comunidades. No fim do ano, man-

damos encadernar e deixamos na Biblioteca Diocesana,que tem 45 mil volumes. Em 2002, passaram pelanossa biblioteca 31.634 estudantes.

D. José Rodrigues de Sousa, bispo de

Juazeiro/BA

Sou membro da Associação de Moradores do bairroJardim Pedro Braga, que representa mais de 600 famí-lias. Gostaria de mantê-las informadas sobre as ações doIbase em todo o país. Desta forma, preciso continuar re-cebendo o Jornal, em uma cota de 100 exemplares paradistribuição em nossa comunidade.

Agnaildo Barbosa, Amigo do Ibase,

Alagoinhas/BA

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A lei que obriga às universidades estaduais do Rio de Janeiro e do Norte Fluminense (Uerje Uenf) a adotarem cotas para grupos historicamente discriminados vem gerando críticas e,como já esperado, muita polêmica.

Cedendo ao conjunto de reivindicações dos movimentos negros por políticas públicasde ação afirmativa e às resoluções que propõem medidas de discriminação positiva paranegros � das quais o Brasil é signatário �, o governo do estado do Rio de Janeiro estipu-lou que o concurso para ingresso nessas instituições deveria reservar 40% de suas vagaspara estudantes que se autodeclarassem �negros� ou �pardos�. A mesma lei também estipu-la que sejam destinadas 50% das vagas para alunos oriundos de escolas públicas.

A medida é um passo importante na redução da desigualdade no acesso ao ensinosuperior público, mas há um sério problema no que se refere à formulação da lei. Foramestipulados como equivalentes dois padrões classificatórios: um baseado na noção de �cor�(pardo) e outro na idéia de identificação racial (negro). O IBGE usa como critério classificatórioa noção de �cor�, estabelecendo basicamente cinco categorias censitárias:branco, preto, pardo, amarelo e indígena.

No entanto, para os movimentos negros e parte dos especialistas naquestão racial a idéia de �cor� é apenas mais um dos componentes utili-zados para auferir a idéia de �raça� e, mesmo assim, não é um critérioobjetivo válido. Para definir �raça� são utilizados outros tantos elementos,tais como: ancestralidade, matriz cultural, identidade etno-racial e o sen-timento de pertencimento a um grupo que historicamente partilha a mes-ma experiência de discriminação e subordinação racial. Evidentementeque tal noção não se estende a todo e qualquer contexto social, sendoentendido somente no interior de relações sociais específicas.

Questão de lógicaPara reduzir margens de arbitrariedade e erro, a lei poderia ter sidoformulada da seguinte maneira: �Serão reservadas cotas de 40% paracandidatos autodeclarados �negros�; especificando que são considera-dos �negros� aqueles inseridos no conjunto de noções definidoras de �negritude�. Su-pondo que � diante da reflexão feita anteriormente � estivesse resolvida a questão daclassificação etno-racial, haveria ainda um outro problema: o questionamento por setoresda sociedade sobre a ampliação do número de vagas para o grupo negro. O estabeleci-mento do percentual de 40% corresponde aproximadamente ao contingente populacionalde negros (conjunto de �pretos� e �pardos�) no estado do Rio de Janeiro, verificado noúltimo Censo do IBGE, em 2000. Portanto, a legitimidade da lei de cotas se estabelecedentro da compreensão de uma lógica matemática simples: a de que devemos ter pelomenos 40% de negros nas universidades � ainda que a cota racial não seja a maisadequada medida de ação afirmativa existente. Interessante notar que os protestos contrá-

A legitimidade das cotasrios às cotas geralmente ignoram � ou omitem � o fato de que mais de 70% das vagasnas universidades públicas estejam concentradas para o grupo branco.

Segundo as diretrizes do Ministério da Educação, o aluno ou aluna estará apto parafreqüentar uma universidade se concluir o ensino médio e for aprovado no vestibular. Ovestibular foi criado para comprovar conhecimentos básicos adquiridos ao longo datrajetória escolar, estabelecendo uma pontuação mínima para o ingresso. Em outras pala-vras, as cotas visam possibilitar o ingresso daqueles estudantes que numa outra situação� por exemplo, num vestibular para medicina menos concorrido em outro estado �atingiriam a média necessária para cursar o ensino superior e não o fazem porque dispu-tam vagas com alunos que tiveram condições de estudar em escolas com padrão deensino comparável ao das elites européias.

Será que os tais cursos de �prestígio�� muito concorridos nos grandes centros urbanose com menos procura em outras regiões � formam profissionais desqualificados onde não há

tanta procura? Ou seja, não há relação direta entre a pontuação obtidano exame de vestibular � se elevada ou não � e a qualidade da formaçãoprofissional futura, o que não nos redime do questionamento e da co-brança por um ensino fundamental e médio com mais qualidade.

Mas afinal: cotas resolveriam, isoladamente, o problema da exclu-são de negros e negras na universidade? A resposta não poderia dei-xar de ser negativa, na medida em que cotas e mesmo outras açõesafirmativas não visam modificar estruturalmente o sistema vigente noensino superior. Ao mesmo tempo, são medidas revolucionárias porcolocarem na ordem do dia a responsabilidade do Estado e da socie-dade brasileira com a redução da desigualdade entre negros e brancos� além de por a nu a perversidade do racismo.

Corroborando o pensamento do compositor Marcelo Yuka � �pazsem voz não é paz, é medo� � é tempo de não mais silenciar injustiçascometidas em nome de uma suposta igualdade formal que nunca con-templou os afrodescendentes, salvo algumas exceções como Milton

Santos, Muniz Sodré, Benedita da Silva e Paulo Paim.As leis que propõem políticas específicas � neste caso em especial reservas de vagas

por cotas na Uerj � devem ser entendidas como um esforço conjunto da sociedade natentativa de diminuir desigualdades sociais e raciais. Numa perspectiva positiva, o grupohegemonicamente privilegiado (brancos), erroneamente considerado prejudicado, estariacontribuindo para reparar injustiças históricas. Ainda com a letra de Yuka, vale perguntar:�Qual a paz que eu não quero conservar pra tentar ser feliz?�

* Maria Cláudia Cardoso, historiadora, e Marcio André dos Santos, cientistasocial, são afrodescendentes, formados pela Uerj e colaboradores do Ibase

Maria Cláudia Cardoso e Marcio André dos Santos *

Os protestos contráriosàs cotas geralmenteignoram ou omitemo fato de que maisde 70% das vagasnas universidadespúblicas estejamconcentradas parao grupo branco

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Durante o III FSM, ocorreram várias manifestações pelo fim do preconceito racial e pela aplicação de medidas reparatórias às populações afrodescendentes

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Por Marcelo Carvalho

MarceloYucaDesde o tempo em que era baterista dabanda O Rappa, Marcelo Yuca sempre foimais do que apenas músico e letrista (o quejá é muito). Yuca é falante (refletindo emsuas opiniões um pouco do que pensa ajuventude brasileira) e atuante. O músico, enão é de hoje, faz questão de desenvolver trabalhos sociais. Esteve no Fórum SocialMundial (FSM) em 2002. Este ano, repetiu a dose, participando, entre outros eventos,da Marcha de Abertura no dia 23 de janeiro.

Você participou de dois FSMs. Qual suaopinião sobre o movimento?

É a coisa mais importante no mundo acontecendoatualmente. A sensação que se tem da atmosfera doevento é de muito otimismo. Em 2002, participei de umapalestra na tenda do hip hop, no Acampamento da Ju-ventude, estava lotado. Este ano, dei um depoimentopessoal, contando minhas experiências. Também falei naCidade das Cidades, que foi o nome do Acampamentoda Juventude em 2003. O espaço ficou maior com rela-ção à área que ocupava no ano passado. O público praquem falei foi mais eclético. Acho que tenho empatiacom os jovens. Mas como havia palestrantes de outraspartes do mundo na mesa, pude atingir um público quenão era só de jovens.

Como foi a experiência do testemunhono FSM?

Foi algo diferente, nunca tinha feito dessa forma,falar sobre a minha vida. Minha trajetória se misturacom as minhas idéias, com as causas que defendo. Euespero � e encerrei minha participação dizendo isso �que essa vontade de fazer mudanças e de participar nasquestões coletivas da sociedade não seja apenas umímpeto juvenil. As pessoas mais radicais que estavamno FSM eram as de mais idade. Eduardo Galeano eNoam Chomsky, por exemplo. Pessoas como eles, infe-lizmente, estão em menor número.

Por que essa ousadia dos jovens arrefececom a idade?

O desejo de liberdade e a revolta natural dos jo-vens vão sendo tirados deles conforme entram no mer-cado de t r aba lho . Com o t empo , o pe r íodo dajuventude passa a ser algo como um sonho, uma faseda vida. Isso não deveria ser sentido como uma fase,mas como parte da pessoa, presente na vida dela paraalém da juventude. As pessoas mais conseqüentes en-

tendem que esse sentimento não pode ser passageiro evão educar seus filhos dessa forma. Assim como aspessoas rezam ou fazem exercícios, elas precisam bus-car o que eu chamo de amor no plural. E pô-lo emprática participando de ações de interesse coletivo quesejam também sentidas como parte de suas vidas. Olha,fico empolgado quando vejo os mais novos e os mais ve-lhos. As crianças estão sendo educadas e os mais velhosmostram que é possível passar a vida toda na batalha.

Mudou alguma coisa com relaçãoao que pensava sobre a questão daviolência urbana depois do atentado?(Yuca foi atingido por cinco tiros quandodirigia no bairro carioca da Tijuca em2000. Perdeu parte dos movimentosdos braços e pernas.)

Com relação a isso não mudou nada. Continuo pen-sando como antes. Existem vários fatores que contribu-em para aumentar a v io lência . Como a cor rupçãopolicial. Mas está acontecendo outra coisa também. Obandido é cada vez mais jovem. O garoto não teve tempode se formar e de desenvolver respeito pela comunidade.O respeito que ele está tentando adquirir com as pesso-as é através de atos cada vez mais violentos. Muitas ve-zes até, luta em uma comunidade onde não nasceu.Perdeu-se o vínculo com a comunidade.

E o que fazer para diminuir a violênciaurbana?

A longo prazo, investimento social e desenvolvimen-to. A curto prazo, a sociedade civil precisa lutar pelofim do comércio de armas de fogo em todo o territórionacional. Isso até agora não foi feito porque o lobby dosfabricantes de armas é muito forte, eles têm um braçopolítico consolidado no Congresso Nacional. São elesque não deixam que o assunto venha à tona. É o nego-cio mais lucrativo que existe.

A ex-governadora do Rio de Janeiro,Benedita da Silva, foi muito combatidacom relação à violência, que teria saídodo controle do Estado.Qual a sua opinião a respeito?

O governo da Benedita foi muito positivo porque,na época, acabou com o acordo entre cavalheiros queera de praxe entre os governos do Rio e a bandida-gem, algo que possivelmente pode vol tar agora. Aoposição que ela enfrentou era muito por conta de terpeitado o crime. Havia resistência também ao fato delaser negra. A eli te não quer ser governada por umamulher negra que veio da favela.

Houve racismo?Por parte da Zona Sul do Rio, sim. Preferiram o

alisamento japonês.

Você continua trabalhando com oAfroReggae, de Vigário Geral?

Estou um pouco distante deles agora porque o pro-jeto tomou proporções imensas. O grupo tem hoje ajudagovernamental, está ótimo. Mas o José Júnior, diretordo AfroReggae, me convidou para ajudá-lo a organizaruns grupos no Cantagalo.

Estou dividindo meu tempo com grupos menores.Tem o grupo de dança Magemolê, do Alto José do Pi-nho, em Recife; sou parceiro de um grupo que dá aulade grafite em São Gonçalo, no estado do Rio, e naMangueira; e trabalho com a Fase, onde, na verdade,estou trabalhando com diversos outros grupos peque-nos. Como na Roda da Solidariedade, um projeto quesempre participo.

Qual sua relação com O Rappa hoje?Eles me botaram pra fora da banda, fui despedido.

Não faço mais música pra eles. Estou montando um tra-balho novo, uma outra banda. Até o final do ano devemoster alguma coisa. Não tem nome ainda. Ainda não querodivulgar muito o assunto.

Você está articulando também um projetode rádio comunitária?

Sim, estamos tentando achar uma maneira de agircontra a guerra faccional no Rio utilizando as rádios co-munitárias. Essa coisa das facções, dos comandos docrime, está barrando a circulação de cultura e informa-ção entre os morros cariocas. Antigamente, os composi-tores de samba podiam passear l ivremente entre ascomunidades. As partidas de futebol entre os moradoresdos morros eram mais freqüentes. Havia uma transpira-ção entre as comunidades.

Hoje não está havendo. E já que eu não posso ir porbaixo, vou por cima, pelas ondas das rádios comunitárias.Estamos tentando fazer uma rede com programas pareci-dos em diferentes comunidades aqui no Rio. A gente ain-da está tentando viabilizar o projeto.

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AnaCris Bittencourt

Durante o Fórum Social Mundial 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT)divulgou que 180 milhões de pessoas adultas estão desempregadas no planeta.Ironicamente, pesquisa realizada sobre trabalho infantil mostra que existem 180milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, realizando serviços que sópoderiam ser feitos por adultos. São as chamadas piores formas de trabalho infantil.

A oficina Um futuro sem trabalho infantil, realizada no dia26 de janeiro, foi uma das mais concorridas da PUC-RSneste III Fórum. Na sala, com capacidade para 70 pessoas,não faltavam outras sentadas pelo chão, em pé, encostadasnas paredes ou que se espremiam na porta para não perdera exibição do documentário que mostrava crianças em situ-ações de insalubridade em várias partes do mundo, inclusi-ve no Brasil. Foi realizada por OIT; Unicef (Fundo das NaçõesUnidas para a Infância); FNPETI (Fórum Nacional de Pre-venção e Erradicação do Trabalho Infantil); Sinait (Sindica-to Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho); Anamatra(Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Traba-lho); e Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Trabalho).

Para Pedro Américo Furtado de Oliveira, coordenadordo Ipec (programa da OIT para eliminação do trabalho infan-til), existe uma relação direta entre a globalização da econo-mia e o aumento do trabalho infantil no mundo, resultante daintensificação da pobreza. �Cada vez mais famílias pobresprecisam contar com suas crianças para complementar a ren-da doméstica. Além disso, existe aquele erro cultural de acharque a criança que trabalha será um adulto mais responsável.Na verdade, o que fica claro é que a criança que trabalha hojeé o adulto desempregado de amanhã, pois, trabalhando, nãolhe sobra tempo para mais nada�, afirma.

Entre as principais causas apontadas, além da pobreza eda própria cultura, estão a falta de acesso à educação e asvantagens que um empregado-mirim representa para oempresariado � aliando o baixíssimo custo à subserviênciainfantil, a criança é considerada um trabalhador não-proble-mático. Entre as piores formas estão: escravidão ou trabalhoforçado; atividades ilícitas, como tráfico de drogas e prosti-tuição; e atividades perigosas, insalubres e degradantes.

Segundo os dados da OIT, de cada 6 crianças do pla-neta, 1 trabalha. São ao todo 246 milhões. No caso daspiores formas, a relação seria de 8 para 1. Até os 14 anosde idade, não existe diferença entre meninos e meninas,existindo uma maioria masculina a partir daí. Dos 180 mi-lhões, 111 milhões têm menos de 13 anos.

Produto nacionalO trabalho infantil no Brasil tem suas origens na escravi-dão, quando as crianças filhas de escravos eram obrigadasa trabalhar na casa grande, realizando todo o serviço do-méstico, ou nos canaviais junto com os pais. Mesmo com aAbolição da Escravatura, o grave é perceber que essas for-

mas persistem hoje. Outra atividade que cresceu no iníciodo século XX foi a operária, quando milhões de criançaspassaram a engrossar a mão-de-obra das nossas fábricas, oque também se repete um século depois.

O Brasil possui uma das legislações mais avançadasdo mundo, o Estatuto da Criança e do Adolescente, umadas conquistas obtidas com a Constituição de 1988. Estadetermina a proibição do trabalho antes dos 16 anos, per-mitindo o trabalho aos 14, no caso do menor aprendiz, masna prática nada está funcionando.

Segundo dados do IBGE, existem no Brasil entre 9,7milhões e 7,7 milhões de trabalhadoras e trabalhadores-mi-rins. O trabalho doméstico é a tarefa que mais emprega nopaís, prejudicando a formação educacional e proporcionandoà criança um futuro incerto. Além dos riscos de lesões per-manentes, deformidades e doenças decorrentes da exposiçãoa materiais perigosos, a criança que trabalha sofre danosemocionais que a acompanham para sempre. Ela tem dificul-dade de estabelecer vínculos afetivos em razão da exploraçãoe maus-tratos geralmente recebidos. Por realizar tarefas sema maturidade do adulto, acaba por afastar-se do convíviosocial com pessoas da mesma idade. Trabalhando, deixa deexercer direitos básicos, como brincar e estudar.

�Isso impede sua ascensão social, impede que sua ren-da melhore ao longo da vida, pois as chances aumentampara quem passa pela escola com qualidade. Está compro-vado que 99% das crianças brasileiras estão matriculadasnas escolas, mas isso não demonstra o aproveitamento es-colar�, lembra Daniel de Bonis, coordenador do projetoEmpresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq. Dados doIBGE confirmam o fato � crianças que trabalham estão 1ano atrasadas na escola; as que trabalham mais cedo têm 3a 4 vezes menos anos de estudo e uma renda 3 a 4 vezesmenor na vida adulta.

Assim como Pedro Américo, Daniel coloca a questãocultural como um dos principais empecilhos para superar oproblema. �São conceitos historicamente apreendidos, quepassam gerações como verdades absolutas, tais como: �cri-anças e jovens devem ajudar a família a sobreviver� ou �otrabalho enobrece a criança, antes trabalhar do que roubar��.O representante da Abrinq enfatiza que a responsabilidade dasubsistência familiar é do adulto, não importa o que diga oinconsciente coletivo. E lembra que, muitas vezes, essas má-ximas são convenientemente utilizadas pela classe média, quetem uma visão preconceituosa contra a população pobre.

A cara da dorO trabalho infantil tem a mesma fisionomia no mun-do inteiro, da exploração, da perda de direitos e dafalta de oportunidade. A maior parte se concentrana Ásia e ilhas do Pacífico (60%); seguida daÁfrica Subsaariana (23%); América Latina e Caribe(8%); Oriente Médio e Magreb (6%).

Quanto às atividades, a maioria (70%) seconcentra nos setores agrícola, pesqueiro ouextrativista; 8,3% estão na indústria ou no setoratacadista e varejista; 6,5% desenvolvem servi-ços comunitários sociais; 3,8% estão em trans-porte, armazenagem e comunicação; 1,9% naconstrução; e 0,8% na mineração. A OIT alertapara o aumento de formas de trabalho que pas-sam despercebidas, por terem sido naturalizadaspela sociedade. É o caso do trabalho infantil do-méstico, em que além do esforço diário sem in-terrupção, envolve geralmente abuso sexual.

Ei criança,já pra escola!

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Marcelo Carvalho � [email protected]

Bondedo tigrãoO cartunista Cássio Loredano é conhecido também porsua veia de pesquisador. São de sua autoria coletâneas dedesenhos sobre Nássara, Guevara, Figueroa e J. Carlos.Sobre esse último, então, Loredano é especialista. Já pu-blicou três livros, remexendo em um acervo de 30 mildesenhos, aproximadamente. É dele também o mais recen-te trabalho sobre o maior cartunista brasileiro, O Bonde ea Linha � Um perfil de J. Carlos, lançado pela editoraCapivara. Loredano passeia pela vida e obra do mestre esua cidade, o Rio de Janeiro, indissociável da obra de J.Carlos. Prefácio de Chico Caruso. Preço R$ 20.

www.capivaraeditora.com.br

Conversa sobre a temática racialLançado pelo Ibase no III Fórum Social Mundial, a publicação Sonhar o futuro, mudar o presente (60 págs.) é oresultado das três reuniões dos Diálogos sobre a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, aXenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizadas entre julho de 2001 e setembro de 2002 no Rio de Janeiro.

Os encontros, assim como a publicação, foram organizados em parceriacom instituições que trabalham com as questões de raça e gênero. São elas:Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Articulação de Mulheres Brasileiras,Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, Comunidade Bahá�í, Centros deEstudos Afro-Brasileiros e de Segurança e Cidadania da Universidade CândidoMendes, Geledés e Criola.

Dividido em sete capítulos, o livro traça um perfil da atuação da sociedadee do governo em relação à temática racial no Brasil, apontando, com ousadia,seus principais desafios, mas também suas conquistas. A forma como o assuntoé apresentado demonstra um esforço de levar o tema para além das fronteiras domovimento negro, fortalecendo a idéia de que se trata de debate fundamental atodos os setores. Durante a leitura, chamam a atenção contundentes depoimen-tos de participantes das reuniões e os 11 boxes com intervenções realizadasdurante os Diálogos.

Distribuição gratuita.

Pedidos: (21) 2509-0660 ou www.ibase.br

Por AnaCris Bittencourt

Chinaaos pedaçosA cultura chinesa está em foco na exposição China �Os Guerreiros de Xi�an e os Tesouros da Cidade Proibi-da, de 20 de fevereiro a 18 de maio, na Oca do ParqueIbirapuera, São Paulo. Os objetos, de diversos períodose dinastias da China, estão pela primeira vez expostos noBrasil. São peças da Cidade Proibida e do Exército deTerracota (guerreiros de Xi�an, guardiões do túmulo doprimeiro imperador chinês), declarado Patrimônio His-tórico da Humanidade pela ONU. A mostra divide-se emdois grandes núcleos: Shaanxi e Cidade Proibida � Mu-seu do Palácio Imperial de Pequim, representadas res-pectivamente por 11 guerreiros e 2 cavalos de terracotaem tamanho natural e por peças da última dinastia chi-nesa (sala do trono, objetos de decoração, roupas, enfei-tes, cerâmicas, quadros etc).

Bê-á-bá da cidadaniaSe você é pai ou mãe e procura um presente para seu filho(a), ou é professor(a) do ensino fundamental e está interessado(a)em uma dica de leitura para a turma, que tal dar uma olhada na Coleção Valores?

Estão sendo lançados mais quatro livros da série: Verdura? Não!, Quer uma mãozinha?, É meu!, Não empresto! e Faloucomigo? Os livros abordam assuntos como nutrição, colaboração desinteressada, generosidade e desenvolvimento da atenção.Os novos volumes somam-se aos já lançados Com Licença?, Deixa que eu faço!, E eu com isso?! e Não fui eu! � sobreconvivência, desenvolvimento de responsabilidade, respeito e honestidade.

São publicações paradidáticas, têm declaradamente como primeira intenção ajudar na formação das crianças (a partirdas que acabaram de aprender a ler, lá pelos 7 anos). Até parecem chatas. Mas nãosão, pelo contrário. São leituras divertidas (textos e desenhos bem-humorados) eas ilustrações, simples e coloridas, estão ao gosto da criançada.

Temos a impressão � talvez mais até do que uma simples impressão � de queestá cada vez mais difícil criar nossos filhos(as) dentro de valores que consideramosjustos, aqueles que giram em torno do sentimento humano de fraternidade. Certo,não há valores absolutos, tudo depende da sociedade, da época etc.

Mas que há um descompasso evidente entre os, digamos, bons valores e omundo ao redor, cada vez mais dominado pelo individualismo egoísta, oconsumismo desenfreado e a espetacularização da violência, isso há sim. E o queé pior, todo o pacote vem embalado de maneira encantadora, de apelo quaseirresistível para as crianças.

Pais, mães e professores(as), tens trabalho árduo pela frente. Para quemquiser encarar o bicho medonho, esses livros podem ser aliados de primeira hora,lá onde a personalidade ainda pode ser moldada. Boa sorte.

Textos: Claire Llewellyn

Desenhos: Mike Gordon

Tradução: Irami B Silva

Editora Scipione

32 págs.

R$ 9,90 cada volume

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ULGAÇÃO

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Marcelo Carvalho *

A Comunicação quetambém olha para siO tema Comunicação teve presença bem mais expressiva no III Fórum Social Mundial, secomparado às outras edições do evento. Foi dedicado ao assunto um eixo inteiro, Mídia,Cultura e Alternativas à Mercantilização e Homogeneização, com vários painéis. O FórumNacional pela Democratização da Comunicação, por sua vez, também promoveu semináriose oficinas sobre o tema. Quais as causas da relativa ausência nas edições anteriores? E porque ganha em importância agora? As causas são complexas e transcendem aos limites destetexto. Por outro lado, podemos ressaltar a importância do tema na contemporaneidade.

A Economia e as questões de Estado ganharam uma proeminência que não é de agorae tendem, nos meios de comunicação, a explicar a sociedade e o mundo. Evidentemente quesão questões de importância capital. A direita e a esquerda mais tradicional apostaram �ainda apostam � nesses vieses. No entanto, cada vez mais os temas tidos como menoresganham o cenário, como o racismo, por exemplo, que a duras penas se descola do chavãoda sociedade (economicamente) igualitária que resolveria naturalmente as injustiças raciais.

As chamadas questões menores têm sim, muita importância. A guerra está na pauta dodia e poderíamos seguir esse caminho para tentar pôr em relevo um pouco do fenômenocomunicativo nos dias de hoje. E se uma guerra novamente nos bate à porta através dapesada mão da máquina americana de destruição, talvez fosse interessante comparar, emlinhas gerais, as diferentes estratégias de comunicação dos EUA em algumas das guerraspromovidas por esse país: contra o Vietnã; a Guerra do Golfo; o conflito de retaliaçãocontra os Talebans do Afeganistão; e a guerra que Bush e seus aliadosdas companhias petrolífera e armamentista preparam contra o Iraque.

A ação dos EUA no Vietnã, na década de 1960, foi um dos pon-tos culminantes da Guerra Fria. A antiga Indochina Francesa era pal-co privilegiado da luta ideológica entre a economia de mercadoocidental e a experiência socialista. A expansão da guerrilha dosvietcongs e a simpatia que sua luta despertava entre os vietnamitasassustavam os capitães de indústria e os políticos conservadores.O medo de alastramento da ideologia comunista empurrou os EUApara o conflito. Entraram no Vietnã. E perderam a guerra.

A mídia americana, gozando de uma liberdade que nos espanta hojeem dia, passados mais de 30 anos do conflito, trouxe para os lares dasfamílias americanas as atrocidades da guerra real. O americano médio chocou-se com a açãodos seus soldados sobre uma população indefesa, utilizando inclusive arma química (o napalm).Mais contundente do que isso, apenas a imagem dos seus filhos voltando para a Américacobertos com a bandeira nacional.

A imprensa � incluindo TV � mostrou para a América o que estranhamente não pareciaevidente para a população do país: a carnificina sem sentido que se cometia. As imagenscausaram comoção nacional e os EUA perderam a guerra duas vezes: nas florestas vietnamitaspara os vietcongs e, em casa, para o próprio contribuinte americano, que viu o dinheiro dosimpostos (ponto vital da cidadania americana) ser usado para esse fim.

Guerra na TVO Pentágono, sede do poder militar americano, aprendeu a lição. Na Guerra do Golfo, tãoimportante quanto a estratégia de guerra foi a elaboração de uma estratégia de comunica-ção. Havia uma justificativa para a intervenção militar bem mais palatável do que a de hoje,expulsar o invasor Iraque do Kwait. E, com as bênçãos da ONU, os americanos fizeram oserviço à frente de uma força internacional. O conflito foi tratado como um espetáculo, meiocinema americano, meio videogame. A guerra, isto é, o que nos foi dado a conhecer dela, foilimpa, sem corpos nem sangue, com imagens das bombas estourando lá embaixo colhidas

por câmeras nos caças. O efeito visual produzido não passava de fumaça e algumas fagulhas.Chegou a ser bonito. E excitante, como uma batalha comandada por crianças com joysticksnas mãos. O Iraque ensaiou uma guerra de contra-informação, divulgando o número demortos civis e os alvos não-militares atingidos. Ação sem qualquer efeito no Ocidente, quemanteve um braço em Bagdá, Peter Arnet, repórter da CNN, na delicada posição de canal decomunicação entre dois mundos.

O Pentágono encontrou uma fórmula que, se não garantia completamente a derrota doinimigo nos campos de batalha, passou a ser vital para a vitória em casa: guerra justificada,meios de comunicação domados. A prática deu um passo adiante no Afeganistão. Dessa veznão vimos imagens, salvo a movimentação monótona de tropas americanas na terra calcinadado centro da Ásia, longe do teatro de operações propriamente dito. Diferentemente daGuerra do Golfo, não foi montado um show televisivo para as platéias que se divertem como espetáculo diário dos telejornais no horário nobre. A vanguarda da ação contra o MuláOmar, dirigente do Afeganistão, foi entregue às tropas afegãs contrárias ao regime. A festapirotécnica na Guerra do Golfo foi substituída pela ação punitiva contra Bin Laden, regadoao sentimento de revanche pela destruição do então símbolo maior do capitalismo triunfan-te, as torres gêmeas do World Trade Center.

Como na Guerra do Golfo, o pretexto era evidente: eliminar o mal dos tempos atuais, oterrorismo internacional. Quem se colocasse contra a intervenção dos EUA estaria do lado dos

terroristas. Bin Laden atingiu os EUA mais fundo do que se pensava aprincípio. Não pôs o império no chão, mas contribuiu decisivamente paraturvar o que faz dos EUA o que eles são. As garantias jurídicas e a liber-dade individual foram por terra ao serem adotadas medidas de exceçãocontra suspeitos de envolvimento em atividades terroristas. Somando-seao escândalo das fraudes nos balanços das grandes empresas (golpe con-tra o sistema econômico) e a eleição suspeita do próprio presidente (o queteria acontecido nos colégios eleitorais da Flórida?), o que ainda restaria?

Resposta: a imprensa livre. Bem, livre ela jamais foi. Mas tinha,nos anos 1970, flexibilidade suficiente para detectar, apurar e denun-ciar para os(as) cidadãos(ãs) dos EUA o escândalo de Watergate, queforçou o então presidente Richard Nixon a apresentar sua renúncia,

acusado de espionagem nos arquivos do Partido Democrata.Os EUA têm uma outra imprensa hoje. Não há opinião dissonante quanto à necessidade de

bombardear o Iraque que encontre nos grandes meios de comunicação dos EUA um canal deexpressão razoável. Logo nessa guerra, onde as justificativas de desarmamento do Iraque não sesustentam quando cotejadas com os motivos subterrâneos: os interesses petrolíferos e da indús-tria armamentista e o controle geopolítico do Oriente Médio e do mundo. Sem o oponentesoviético, a Casa Branca percebeu que tem agora uma oportunidade única de domínio sobre omundo, se necessário, pela força.

A Comunicação é uma força essencial para os que desejam o domínio do planeta.Paradoxalmente, também para os que desejam espalhar o poder entre todas as pessoas. Noexemplo das recentes guerras travadas pelos EUA, foi essencial. A Comunicação é criadorade opiniões, posicionamentos, tradições, antagonismos, simpatias, enfim, plasmadora demundos. É necessário que seja também um objeto de análise e de preocupação da socieda-de. E também para quem vive da comunicação, redirecionando um pouco o foco, tradicio-nalmente exterior a seu próprio cotidiano (a Biologia interessa ao biólogo, a Matemática aomatemático; ao jornalista, interessaria apenas a pauta). Um mundo mais democrático e maissolidário precisa também passar por aqui.

* Jornalista

Na Guerra do Golfo,tão importante quantoa estratégia de guerrafoi a elaboração deuma estratégia decomunicação

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AnaCris Bittencourt e Flávia Mattar / Fotos: Samuel Tosta

Não à guerraecoa pelo mundoNo último dia 15, cerca de 5 milhões de pessoas em vários países repudiarama ameaça de bombardeio que paira sobre o Iraque diretamente da Casa Branca,visando atender aos interesses financeiros do presidente George W. Bush.A sociedade civil planetária mostrou aos ditos “donos do mundo” que não quer aguerra – e, ao contrário, vai continuar buscando alternativas para que possamos viverem paz e melhor. O Fórum Social Mundial 2003, realizado em Porto Alegre, de 23 a 28de janeiro, foi um bom exemplo. Ali, representantes de movimentos sociais, sindicatos,organizações, escolas e universidades de 156 países mostraram que é possívelesquentar ainda mais esse caldeirão de boas idéias, criado há 3 anos.

As discussões no FSM giraram em torno de cinco eixos: De-senvolvimento democrático e sustentável; Princípios e valores,direitos humanos, diversidade e igualdade; Mídia, cultura ealternativas à mercantilização e à homogeneização; Poder polí-tico, sociedade civil e democracia; e Ordem mundial democrá-tica, luta contra a militarização e promoção da paz. Este últimofoi a grande vedete dos debates, com presenças ilustres e au-ditórios abarrotados, como o lingüista Noam Chomsky, o es-critor Eduardo Galeano e o filósofo Boaventura de SousaSantos. Palestrantes de todos os cantos do mundo deram umrecado muito claro contra a guerra.

O Ginásio de Esportes Gigantinho, onde aconteciam asgrandes conferências, ficou lotado no dia 25 para debater Di-reitos e diversidade. �Cidadãos de um determinado país nãopodem comprar sua segurança se isso implicar a insegurançade populações de outros países. Na guerra contra o terroris-mo, não deve haver zonas livres de direitos humanos. Essasguerras procuram desviar nossa atenção do que diz a Declara-ção Universal dos Direitos do Homem. Leiam a Declaração epensem no quanto seria importante se todos vivêssemos comoestá escrito lá�, enfatizou o representante da Anistia Internaci-onal nos Estados Unidos, Paul Hoffman.

�É muito difícil falar sobre direitos. Religiosamente, to-dos nascemos iguais perante Deus. A Declaração diz que nãodeve haver distinção entre raças e reconhece o direito detodos à alimentação e à saúde. Mas não diz como vamosexercer esses direitos. Para os povos indígenas, essa temsido uma tarefa muito difícil porque tudo o que conquista-mos é visto como dádiva, presente, e não como direitos�,denunciou a líder indígena Blanca Chancoso, do Equador,integrante do Fórum Social das Américas.

�O mundo transpira violência, uma cultura que ensina amatar e a mentir. Mas o ser humano não é inclinado à violên-cia. Ao contrário do que se supõe, não é fácil ensinar a matar.Esse treinamento árduo começa nos quartéis, aos 18 anos, efora dele, a partir dos 18 meses, pois a TV ministra essescursos a domicílio�, afirmou Eduardo Galeano. O escritor uru-

guaio, que é jornalista, criticou a atuação da grande imprensadurante a conferência Paz e valores, realizada dia 26.

No dia seguinte, a conferência Como enfrentar o Império?teve que ser retransmitida em telões em outros pontos da cida-de, tamanho foi o assédio do público no ginásio � cerca de 16mil pessoas interessadas em escutar as palavras de Chomskysobre o assunto. �Os Estados Unidos proclamaram que preten-dem dominar o mundo pela força. Essa doutrina não é nova,mas nunca foi tão arrogante. A maioria sabe que basta criarum mundo diferente, que não seja baseado no medo e naviolência, para acabar com isso. Há ótimos modelos para aca-bar com essa atrocidade, a Via Campesina é um desses exem-plos�, disse o norte-americano.

�Os segredos dos Estados Unidos estão vindo à tona. Amais profunda dessas mentiras é o declarado compromissoamericano de querer ajudar a população do Iraque. Ninguémduvida que Saddam Hussein seja cruel, assassino, os iraquianospoderiam ficar muito bem sem ele. Mas o mundo tambémficaria muito melhor sem George Bush�, incitou a platéia aindiana Arundathi Roy.

Para mostrar que a tolerância e a paz podem sim ser ossímbolos de um novo mundo, nessa conferência foi apresenta-do um documento, intitulado Carta de Porto Alegre, redigidopor judeus e palestinos presentes ao Fórum. �Clamamos àcomunidade internacional e às Nações Unidas, em particular,para urgentemente intervir para colocar um fim a esta situaçãotrágica e à violência em ambos os lados�, pediam, em um dosmomentos mais emocionantes de todo o evento.

Viva a diferença

A bandeira da diversidade foi criada no III Fórum Social Mun-dial. Parte dos panos, das faixas que tremulavam e gritavamanseios por um outro mundo possível na Marcha de Abertura,realizada no dia 23, foram utilizadas para a confecção de umagrande bandeira que circulou por um Gigantinho lotado e foiexposta no último show, realizado no Anfiteatro Pôr-do-Sol,no dia 27. Representou a voz de todas as pessoas, indepen-

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dentemente da cor, da opção sexual, da luta � que por maisque tenha um objetivo comum, é também rica em diversidade.

Na PUC, negros e negras organizaram o Quilombo MiltonSantos e Lélia Gonzales, espaço onde foram apresentadas di-versas atividades com a temática racial. �Aqui conseguimosuma maior concentração da comunidade afro nacional e inter-nacional. Esse quilombo para a gente é uma referência. É osegundo ano consecutivo que estamos aqui. Nossa intenção éampliar cada vez mais o debate sobre políticas de açãoreparatória, de ação afirmativa etc. Mas existe um ponto nega-tivo, o fato de estarmos falando para nós mesmos. Aqui,acabamos ficando concentrados com a comunidade afrodes-cendente�, avalia Manoel Crispin Flores, integrante do ComitêAfro e da Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadoresem Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência.

Foi na Usina do Gasômetro, espaço cultural que recebeuo Planeta Arco-Íris, que estiveram reunidos gays, lésbicas,bissexuais, transexuais, travestis e simpatizantes para debaterquestões como união civil de pessoas do mesmo sexo,homofobia, violência, abordagem policial, políticas públicas,direitos humanos, negritude e homossexualidade, Aids etc.

�Esse foi o primeiro ano do Planeta Arco-Íris. Os outrosfóruns foram muito mais centralizados, mas aqui está sendobem legal porque à tarde tem um movimento muito grande depessoas de vários países. Isso nos dá visibilidade. Apesar dis-so, a partir do próximo Fórum, queremos estar junto com osoutros movimentos sociais, o que é superimportante. Não que-remos mais formar guetos e grupos separados�, diz CassandraFontoura, coordenadora da entidade Igualdade � Associaçãode Travestis e Transexuais do Estado do Rio Grande do Sul.

Consciência indígena

Os indígenas não contaram com um espaço específico para arealização de seus debates. Em cada um dos pólos visitadosera encontrada a sua presença, seus cocares, suas cores. Nodia 26 de janeiro, por exemplo, índios e índias entraram noGigantinho � onde os cineastas Citto Maselli, da Itália, eFernando Solanas, da Argentina, falavam sobre Cinema e polí-tica: contra a homogeneização do imaginário � chamando aatenção dos(as) presentes com a faixa Nós existimos, unidospela vida e contra a impunidade.

�Essa é uma campanha lançada no III Fórum Social Mun-dial pelos povos indígenas de Roraima junto com a CentralÚnica dos Trabalhadores, a Comissão Pastoral da Terra e ou-tros aliados. É um esforço para unir a luta de três segmentosbastante excluídos em Roraima: os indígenas, os trabalhadoresrurais e os trabalhadores da periferia da cidade�, conta o as-sessor de imprensa do Conselho Indígena de Roraima, André

Vasconcelos. Participaram da campanha mais de 20 povos detodo o Brasil. �Estou aqui pela primeira vez. Para mim e paratodos está sendo de extrema importância. Estamos tendo aoportunidade de encontrar com vários irmãos de outros paí-ses, com outros povos, com os negros etc. Temos a esperançaque o governo Lula fará tudo o que prometeu, o que está ditona carta com relação às populações indígenas�, acrescenta oindígena Lindomar Santos Rodrigues, do povo Xokô.

Quem participou do Fórum Social Mundial 2002 e ficouencantado com as atividades oferecidas no Planeta Fêmea, vol-tou decepcionado para casa nesta edição do evento. Mas aperuana Virgínia Vargas, da Articulación Feminista Marcosur,tem uma explicação para o fato: �uma das coisas que discuti-mos foi a importância de haver um espaço de concentraçãopara determinadas ações, mas nos interessa com a mesmaforça estar inseridas em todas as dinâmicas do Fórum. Comoconciliar um espaço próprio com a necessidade de estarmostransversalmente em todas as atividades é um esforço gigan-tesco. A aprendizagem do que foi o ano passado e o que foieste ano vai permitir que seja feito algo mais equilibrado noFórum seguinte. Assim espero�.

Segundo Gina, foram 12 as ministras responsáveis por 2dos 5 eixos estratégicos do Fórum, diferentemente do anoanterior, quando as mulheres estavam presentes apenas emalguns painéis sem muita responsabilidade. �Entretanto, sintoque houve uma marginalização de muitas formas nas conferên-cias e nas mesas de controvérsias. Há feministas participandoativamente do Fórum e do Comitê internacional, poderíamoster feito parte desse esforço, entretanto não foi assim�.

O advogado Caio Leonardo participou do III Fórum SocialMundial representando a Associação Brasileira de Apoio Edu-cacional ao Deficiente (Abaed). Ele se mostrou insatisfeito coma pequena abordagem de temas ligados às pessoas portadorasde necessidades especiais (PNE) no evento.

Durante a palestra Direitos e diversidade, corajosamen-te, ele tornou esse sentimento público. Por falta de tempo,o debate tradicional não foi realizado. Em seu lugar, cincopessoas, representando diferentes países e grupos sociaisforam selecionadas para dialogar com a mesa. Caio nãoestava entre elas, mas conseguiu subir ao palco, depoisdisso, com a ajuda dos próprios seguranças, que carrega-ram sua cadeira de rodas: �sou da cidade invisível ondeimpera a exclusão solidária�. Ele explicou que o conceitode exclusão solidária passa pela forma caridosa com que asociedade trata as PNE, ao mesmo tempo em que não pre-para os espaços urbanos para recebê-las, sugerindo que olugar dessas pessoas é sempre em casa ou nas escolasespeciais, mas nunca nas ruas, integradas à população.

Grito mundial pela pazMarcelo Carvalho

Dia 15 de fevereiro será lembrado como o dia donão a Bush, com manifestações em todo o mundocontra a guerra ao Iraque. A amplitude dos atospúblicos ao redor do planeta dão a medida da indis-posição das pessoas de várias nacionalidades eetnias com relação à guerra. No Brasil, as maioresmanifestações ocorreram no Rio de Janeiro e emSão Paulo. No Rio, os manifestantes saíram às 16hda praia do Leme, em frente à Avenida PrincesaIsabel, e foram em marcha até a rua Siqueira Cam-pos, já em Copacabana.

�Essa manifestação é um átomo na condena-ção que se espalha por todo o planeta desse atocriminoso do governo imperialista de Bush. Os EUApromovem o pior tipo de imperialismo, total, da ocu-pação territorial, política e econômica. É um ex-pansionismo com interesse no petróleo. O que estáem jogo é a riqueza material. Mas não é nem umnegócio de Estado, é particular, da família Bush�,afirma Milton Temer, ex-deputado federal pelo PT-RJ, lembrando as ligações da família do presiden-te americano com empresas de petróleo.

Não faltou criatividade e bom humor aos 20mil cariocas (segundo os organizadores; 10 milpara a PM) que compareceram à manifestação,com cartazes e slogans contra o presidenteamericano. A família da jornalista Bia Cardosoveio a caráter: �a idéia foi do meu marido. Eledisse, �vou à passeata fantasiado de morte comuma máscara de Bush�. A família veio junto: meufilho de Bush filho e eu vim de lady Blair�, afirma,também vestida de morte e com uma máscarado primeiro-ministro inglês Tony Blair no rosto.

Estavam presentes à passeata artistas, estu-dantes, políticos, sindicalistas, intelectuais, punkse grupos de gays e lésbicas. Uma grande bandeirabranca com a inscrição �não à guerra� foi assinadapor diversos manifestantes para ser colocada emfrente ao consulado americano no Rio. A passeatafoi encerrada com um ato ecumênico e apresenta-ção do Afoxé Filhos de Gandhi.

É difícil precisar o número de pessoas que par-ticiparam das manifestações ao redor do mundo.Algumas estimativas dão conta de 5 milhões demanifestantes, distribuídos por mais de 600 cida-des em 60 países. Os atos aconteceram quase semdistúrbios (apenas em Atenas ocorreu um inciden-te, onde ninguém ficou ferido).

Em Roma, 3 milhões saíram às ruas; em Bar-celona foram 1,3 milhão; em Londres, 1 milhão. Osnúmeros são proporcionais ao apoio que os gover-nos da Itália, Espanha e Inglaterra dão à intençãode Bush de atacar o Iraque. Bush também teve odissabor de 100 mil pessoas manifestando-se contraa guerra em seu próprio país. Pior, em Nova Iorque,cidade onde caíram as torres do World Trade Center,fato detonador da atual blitz dos EUA no mundo.

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Por Marcelo Carvalho

MárioSoares

A sociedade civil organizada, com mobiliza-ções como a do FSM, pode realmente trans-formar a realidade social hoje existente?

Acho que sim e já está fazendo da maneira possível.Mas não é somente com o Fórum Social, não são somen-te as organizações da sociedade civil, mas todas as forçasque contribuem nesse sentido, incluindo as forças políti-cas que acreditam na pluralidade.

O que o senhor sugere que possa ser feitode imediato?

Que continuem fóruns como este, que se intensifiquemos diálogos, que se aprofundem, ganhem expressão mundi-al, como está a acontecer. Tem havido fóruns na Europa,África, Ásia, em toda a parte. Ele agora está a se mudarpara a Índia. A experiência do FSM tem sido realmente ex-traordinária e essa idéia precisa ser desenvolvida. É umaidéia que está em marcha e que deve continuar.

Como o senhor vê a situação do mundo hoje?Há um panorama econômico inconsistente, visto que há

uma recessão que teima em permanecer e pode redundar emuma grande crise mundial. A guerra contra o Iraque, então,se houver, vai aprofundar a situação econômica mundial etrazer uma crise que poderá ser tão grave quanto a crise eco-nômica de 1929. Isso seria seríssimo. E, o que é pior, todossabem como se começa uma guerra, mas ninguém sabecomo ela termina. O melhor é não começar.

Uma das figuras centrais da históriaportuguesa dos últimos 30 anos,notabilizou-se pela luta contra o regimesalazarista, sendo um dos fomentadores daRevolução dos Cravos (25 de abril de 1974)que pôs fim à ditadura em Portugal.Fundador e secretário-geral do PartidoSocialista português, já ocupou os maisaltos postos da vida pública do país:ministro dos Negócios Estrangeiros (deuinício, por parte do governo provisório,ao processo de descolonização), primeiro-ministro (1976/1977, 1978 e 1983/85) epresidente da República (1986/1990 – foi oprimeiro civil eleito diretamente na históriaportuguesa – e 1991/1996). Hoje, vice-presidente da Internacional Socialistae deputado do Parlamento Europeu, eleparticipou do III FSM, ocasião na qualconcedeu uma pequena entrevista coletiva.

Por outro lado, há um tal peso militar nas relações inter-nacionais hoje em dia que penso ser muito difícil barrar essaguerra. A guerra parece ser uma convicção nas instituiçõesdo governo dos Estados Unidos, é a única nação no mundoque tem poder para fazer isso tudo. Ora, mas não pode. Há osistema das Nações Unidas e estão lá representados todos osoutros Estados. Agora, é preciso não confundir a atual admi-nistração dos EUA, o governo Bush, com o povo americano,um povo fraterno, pioneiro e de gente que também quer apaz. São nossos aliados no esforço pela paz.

Qual é a causa de tantos econtinuados conflitos?

Há grandes interesses envolvidos, moti-vados pelo egoísmo humano, pelo desejo dealcançar seus objetivos a qualquer preço semolhar para o próximo, sem considerar o bemdo próximo. Em vez de promovermos guerras,deveríamos, sim, investir no desenvolvimentoeconômico e social sustentável para atender apopulação mundial e não apenas os ricos.

Como uma globalização solidária pode serconcretizada?

Através da vontade dos cidadãos, da ação das organiza-ções não-governamentais, da promoção da cidadania, da parti-cipação nas lutas políticas e sociais e da discussão em redepara formar associações entre cidadãos de toda ordem, nos

âmbitos local, regional e internacional. E é necessário tambémque os Estados assumam esta luta, só assim o processo vaicaminhando e as mudanças serão implementadas. Penso quea vitória do presidente Lula é um bom contributo para isso.

De que forma?Fiquei muito entusiasmado com a vitória do presi-

dente Lula. Tenho confiança nele, é uma grande figura. Asidéias solidárias vão ter um grande impulso com o adven-to desse governo. Mas o mais importante da eleição deLula é que o fato expressou uma vitória do povo brasilei-ro, que se viu em um homem que veio de baixo, que foipobre, que migrou do Nordeste brasileiro para São Paulo,que foi sindicalista, trabalhou com os pobres e que chegahoje com méritos à chefia da nação.

E no plano internacional, o que representa?Uma grande esperança para aqueles que acreditam num

mundo melhor e diferente. A vitória de Lula é a prova deque é possível começar a construir um mundo melhor.

Para onde caminha a Europa hoje, para sefechar em seus próprios interesses oupara a construção de um mundo solidário?

Espero que caminhe para um processo de abertura eno sentido do progresso. E que desenvolva relaçõesmuito especiais com o Mercosul, que não tem tido atéagora, devo dizer, e a Europa é culpada nesse sentido.Que possamos ser um fator de paz e desenvolvimento domundo e não de guerra.

O que estaria atrapalhando essa relaçãoentre União Européia e Mercosul?

Fora o interesse de alguns dos grandes agrários euro-peus, é o resultado de uma política chamada PAC (PolíticaAgrária Comum � dispositivo da União Européia que regu-lariza e homogeneíza a economia rural dos países mem-bros), foi isso que impediu que as nossas fronteiras se

abrissem aos produtos de exportação daAmérica Latina.

Como o senhor vê o novoTimor Leste independente?

Com grande satisfação. Tenho umagrande amizade, uma grande estima pelopresidente de Timor Leste, Xanana Gusmão,que é um grande homem. Espero que, nãoobstante ser um país pequeno e bastantepobre, desenvolva-se rapidamente. Portugal

ajuda o quanto pode Timor Leste, está a ajudar muito. Vamosver o que acontece, agora que vão começar a explorar as re-servas marinhas de petróleo e gás de Timor.

O socialismo tem futuro no mundo?O futuro do mundo é o socialismo. O socialismo de-

mocrático e como liberdade, que não se confunde com ocomunismo da forma como foi implantado no passado.

A vitória deLula é a provade que é possívelcomeçar aconstruir ummundo melhor

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É necessário investirna construção deindicadores desegurança alimentarque permitam aogoverno e à sociedadeacompanhar osprogramas, se estãosendo bemgerenciados ou seprecisam ser alterados

Um Conselho queprecisa ser ouvidoA sociedade civil brasileira e o governo federal dão maisum passo no esforço de acabar com a fome no país. Tomaramposse dia 30 de janeiro os membros do Conselho de SegurançaAlimentar (Consea). A entidade já tem data da primeirareunião: 25 de fevereiro. “Para que se cumpra a prioridade decombate à fome, é fundamental a participação da sociedade deforma articulada com o governo. Essa é a essência do Consea,garantindo a formulação de propostas e de políticas públicas apartir da mobilização da sociedade”, afirma Francisco Menezes,diretor de Programas do Ibase, que tomou posse no Conseacomo um dos conselheiros.

Na posse, os(as) conselheiros(as) discutiram a proposta de regimento interno e elaborarama pauta da primeira reunião. Entre as intervenções, o ex-deputado Plínio Sampaio (PT-SP)falou da necessidade de se dar início à análise do plano de safras. Dona Zilda Arns �coordenadora nacional da Pastoral da Criança � ainda na abertura, propôs que fossemapresentados os programas bolsa-alimentação, bolsa-escola e de erradicação do trabalhoinfantil. Ela enfatizou a necessidade dos(as) conselheiros(as) de se informarem sobre osprogramas. Ressaltou ainda que é preciso articular esses programas com as novas políticasque estão sendo implementadas pelo governo.

A entidade, ligada diretamente à Presidência da República, tem como atribuição discu-tir e propor diretrizes políticas para a segurança alimentar e o combate à fome no Brasil,sendo um espaço de busca de acordos e articulação entre governo e sociedade. O Conseaterá amplitude para discutir todas as políticas do governo Lula ligadas à alimentação enutrição em todos os ministérios. Como o programa Fome Zero, de combate emergencialà fome, e a merenda escolar, de responsabilidade do Ministério da Educação.

O Consea é formado por 38 representantes da sociedade civil, mais 14 dos ministérios. Aotodo, são 60 conselheiros(as), somados os(as) 8 representantes internacionais e de outrosconselhos da República, que terão assento e direito à voz nas reuniões, mas sem direito à voto.A entidade se reunirá de dois em dois meses, salvo convocações extraordinárias.

A estrutura do Consea prevê um(a) presidente e um secretário que, pelo decreto decriação assinado pelo presidente, será o próprioministro extraordinário de Segurança Alimentar,José Graziano. O(A) presidente do Conselho deveráser um(a) dos(as) representantes da sociedade ci-vil, indicado por Lula nos próximos dias.

A composição do Conselho foi pensada a partirde quatro categorias. A primeira, personalidades pú-blicas da sociedade com histórico de trabalho coma questão, como o bispo da Arquidiocese de Duquede Caxias, Dom Mauro Morelli, Dona Zilda Arns e oator Marcos Winter. A segunda categoria é a de re-presentantes de articulações, redes e organizaçõesda sociedade envolvidas com o tema, como o Ibase,o Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar eNutricional, movimentos negros, movimentos indí-genas, Contag, Asa (Articulação do Semi-Árido) etc.

Duas outras representações contemplam os diferentes credos religiosos com relevânciana sociedade brasileira e representantes do setor privado envolvidos de alguma forma coma questão. Entre as organizações empresariais com representação no Conselho estão aAssociação Brasileira da Indústria Alimentícia, a Associação Brasileira dos Supermercadose a Organização das Cooperativas do Brasil.

Há diferenças entre o novo e o antigoConsea, posto em prática pela primeira vezno governo de Itamar Franco, em 1994.�Na época, foram designadas apenas per-sonalidades da sociedade para o Conse-lho, egressos do Movimento pela Ética naPolítica. No Consea atual estão agregadasmais organizações e pessoas conhecedo-ras do tema. Há uma grande vantagem nis-so. O governo seguinte, de FHC, não viacomo uma prioridade a segurança alimen-tar, o combate à fome. A questão acabouse diluindo no Comunidade Solidária. Foium período no qual não se realizaram par-cerias entre sociedade e governo, necessá-rias para se implementar um programa decombate à fome�, lembra Menezes.

Outra grande novidade que diferencia o atual Consea da experiência desenvolvida ante-riormente é a criação das câmaras temáticas. Serão espaços de aprofundamento de determi-nados temas entre as reuniões ordinárias do Conselho, municiando os(as) conselheiros(as)com dados, informações e até propostas que propiciem a agilização dos trabalhos.

Ainda no âmbito das câmaras, mais um ponto novo será a presença de técnicos dogoverno e da sociedade civil, que ajudarão os(as) conselheiros(as) em aspectos mais espe-cíficos de determinados temas.

A próxima reunião do Conselho vai definir os temas das câmaras temáticas. �A princí-pio, estamos pensando em três câmaras. Acredito que a primeira deva se referir à safraagrícola. Qual será a política de produção de alimentos? Isso deve ser permanentementeacompanhado. O segundo tema é o da nutrição. Fome e nutrição não são a mesma coisa. Ocombate à fome tem que se preocupar com a qualidade dos alimentos, a adequaçãonutricional, questão contemplada na segurança alimentar. Em terceiro lugar, e para mim omais importante, será preciso criar mecanismos de acompanhamento e avaliação das polí-ticas que serão implementadas. É necessário investir na construção de indicadores de segu-rança alimentar que permitam ao governo e à sociedade acompanhar os programas, se estãosendo bem gerenciados ou se precisam ser alterados. Estarei propondo isso já na próximareunião�, revela Menezes.

Mas, afinal, quantas pessoas famintas existem no Brasil? O dado já clássico do Ipeaestabelece 32 milhões vivendo abaixo da linha de pobreza. �Talvez ninguém saiba precisarcom segurança o número. Depende do critério utilizado, da metodologia aplicada. Quandoo Programa Fome Zero anunciou que deveria atender 44 milhões de famintos, quis dizerque 44 milhões de pessoas viviam em um estado no qual potencialmente estariam passandofome. Mas não significa que todas essas pessoas estejam passando fome. É preciso reco-nhecer que são montados diversos sistemas de sobrevivência dentro das famílias parasocorrer as pessoas mais necessitadas�, explica.

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Novo mundo na práticaMariana Santarelli*

A riqueza do Fórum está nas múltiplas possibilidades de entrarem contato com novas formas de ação, redes, familiarizar-secom outras temáticas e realidades, conhecer gente, articular ebuscar inspiração para continuar na luta por um mundo me-lhor. Só isso já seria motivo para levar cerca de 25 mil jovensque participaram do Fórum a Porto Alegre. Mas a juventudesempre quer mais, radicalizar propostas, ousar, protestar e,mais do que tudo, experimentar. Não se contenta em ouvir falarde idéias como autogestão, consumo crítico ou bioarquitetura.Quer a oportunidade de praticá-las.

É dessa vontade coletiva que emerge o III AcampamentoIntercontinental da Juventude como um laboratório social. Du-rante 11 dias, jovens do mundo inteiro se juntaram no ParqueHarmonia num desafio de autogestão: fazer funcionar a Cidadedas Cidades, colocando em prática algumas alternativas de ummundo melhor. Seu funcionamento depende da participaçãode cada pessoa presente. Estar acampado significa muito maisdo que �descolar� um lugar barato e divertido para participardo FSM em Porto Alegre. É a oportunidade de exercitar práti-cas transformadoras e o compromisso com a gestão e a ocu-pação do espaço, de forma responsável e solidária, tudo regadoa muita festa e descontração, ingredientes indispensáveis.

Quem participou do Acampamento em suas versões ante-riores, percebeu que este ano houve maior integração com oFórum Social Mundial. O fato da Orla do Guaíba, em frente aoAcampamento, ter se tornado um dos pólos de realização depainéis e seminários possibilitou maior participação da juven-tude nos eventos oficiais. Os axônios � espaços para oficinasconstruídos pelos próprios acampados com técnicas debioconstrução � também foram instalados na orla, o que nãodeu muito certo. Muita gente preferia ir às oficinas que aconte-ciam dentro do Parque Harmonia. Ser surpreendido por umaoficina de reciclagem ou de sexualidade no caminho do chu-veiro tornava o dia-a-dia ainda mais interessante.

Sol e luaA grande interação foi mesmo o fato do Acampamento tersido o local do FSM onde mais se transformou o discursoem prática. A bebida oficial não era a coca-cola, mas sim osuco de uva orgânica, bebido não em copo descartável, masna clássica caneca verde pendurada por um barbante, queeste ano foi o símbolo do acampado. O comprometimentocom a redução de lixo não parou aí. A central de gestãoambiental distribuía, para quem já tivesse sido capturadopelo vício do cigarro, potinhos para depositar as �bitucas�,como diz a população gaúcha, e sabonetes orgânicos a se-rem usados nos chuveiros.

Na hora de se alimentar, nada de grandes redes defastfood. As cooperativas locais foram as fornecedoras ofi-ciais de �rango�, quase tudo orgânico e preparado por fa-mílias de agricultores, muitas delas do Movimento dosTrabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Além de ser tudo

muito gostoso, era gratificante saber que estávamos incen-tivando práticas agrícolas sustentáveis e gerando trabalho erenda para empreendimentos autogestionários.

A Cidade das Cidades também tinha suas próprias moe-das, o sol e a lua. O sol podia ser trocado por diferentesmoedas e tinha como objetivo demonstrar a viabilidade e opotencial de moedas locais para estimular a economia inter-na de pequenas localidades. A lua servia para facilitar astransações em feiras de trocas que aconteciam diariamente.

Uma rede de contra-informação se formou, com 80 com-putadores conectados à internet e uma rádio comunitária. Nausina de comunicação, nada de Microsoft. A tecnologia utili-zada foi o software livre, programas de computador com ocódigo-fonte aberto, que não são propriedade de nenhumaempresa. Por isso, permitem que os benefícios da informáticacheguem às populações excluídas pelo mercado. A Cidadecontava também com dois palcos, fora as atividades culturaisque aconteciam espontaneamente pelo Parque.

O maior desafio foi mesmo o processo de autogestão.No Acampamento, os(as) jovens não deveriam ser meros mo-radores, mas governar e administrar, organizar-se para ga-rantir a segurança e a limpeza do lote onde habitavam eparticipar das assembléias, nas quais eram tomadas decisõesimportantes para a gestão do espaço. Na Cidade das Cidadesnão adiantava reclamar. Se algo não funcionasse, quem tinhaque buscar a solução era o reclamante. Tivemos que lidarcom todas as dificuldades típicas de uma cidade super-habi-tada, lixo, desordem, problemas de segurança e saneamento.

Pouca gente de fato percebeu o que estava acontecendopor trás daquilo que, para pessoas mais desatentas, pareciauma grande festa. Isso comprometeu o processo de autogestão,que só funciona quando há um real envolvimento, cooperaçãoe participação. Se nem tudo funcionou como se esperava, eranos momentos de maior dificuldade � por exemplo, durante otemporal que quase transformou o Acampamento em brejo �que o espírito de cooperação e solidariedade apareceram com

força. A noção de responsabilidade pelo espaço fez com quemuita gente colocasse a mão na massa, fosse construindo pe-quenas calhas ou decidindo coletivamente o que fazer comquem chegava de ônibus, das partes mais remotas do Brasil, enão tinha um lugar seco para instalar sua barraca.

Apesar da boa vontade de transformar o Acampamentoem um espaço onde impera a democracia e a diversidade,faltaram esforços para incorporar e dar voz às juventudestradicionalmente excluídas. Poucas e subrepresentadas es-tavam as pessoas negras e jovens da periferia de PortoAlegre, quanto mais de outros estados. Pena que o FórumNacional de Hip Hop tenha se realizado fora do Parque Har-monia, seus debates certamente teriam enriquecido e trazi-do de forma mais marcante a questão racial para dentro doAcampamento. Bem representada estava a juventude latino-americana. Não faltaram bandeiras da Argentina, Chile eUruguai flamejando no Parque Harmonia.

É importante dizer que as pessoas que orquestram essegrande encontro da juventude são todas jovens e voluntárias.Nada recebem, além da gratificante sensação de fazer parte deum processo de transformação e serem protagonistas destaexperiência de organização e vivência.

O que fica em cada um(a) de nós após os dias passa-dos em Porto Alegre depende do quanto nos deixamos en-volver com aquele espírito comum presente em todas e todosque estiveram, de corpo e alma, no Parque Harmonia. Paraalgumas pessoas, apenas uma grande festa; para muitas, aoportunidade de vivenciar e aprender construindo. Para to-das elas, inspiração para continuar exercendo no dia-a-diaa transformação que pretendemos causar no mundo. E, éclaro, muita festa. Afinal, somos jovens.

* Assistente da Coordenação de Captação deRecursos do Ibase, participou de organização de

atividades relacionadas à juventude desdeo I Fórum Social Mundial

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No terceiro ano do Fórum Social Mundial, a juventudeprotagonizou importantes momentos, dando exemplo deautonomia e criatividade. Uma vez mais, mostrou-se em todasua pluralidade, ocupando espaços já consolidados nasedições anteriores, caso do III Acampamento Intercontinen-tal da Juventude. Mas revelando, também, seu interesse poroutras plenárias. Os painéis, propostos por redes e movi-mentos sociais para discutir os cinco eixos temáticos e ini-cialmente restritos a delegados, acabou sendo �ocupado�pela juventude. Os(as) jovens estavam por todo lugar. Erafácil notar nas ruas de Porto Alegre e nos mais diferentespontos ocupados pelo Fórum. Com sua diversidade, novi-dades, bandeiras e ousadias. E trazendo a pulseira colorida,que comprovava presença no Acampamento.

Se nos anos anteriores, muitas atividades culturaissurgiam quase que de forma espontânea, este ano, sejapela organização setorial dos jovens, seja pela relevânciapolítica desses protagonistas, elas se consolidaram atra-vés de programações paralelas às do �fórum oficial� apartir, principalmente, do Acampamento. Mas não cir-cunscritas a ele. Nesse sentido, a importante representa-ção de tantas juventudes em um mesmo lugar, ao mesmotempo possibilitou o reconhecimento e legitimação demuitos grupos. Como o movimento Hip Hop, que pro-moveu um Fórum Nacional durante o FSM com intensosdebates e programação cultural.

A pluralidade que se fez sentir por meio das diversasjuventudes presentes nesse grande encontro político mun-

Nas manifestações, passeatas, shows ou grandes con-ferências (com renomados à frente), a juventude se fezpresente, indistinta, todos e todas por uma mesma causa.E talvez seja mesmo isso. Talvez cada jovem se veja muitomais como representante de seu partido, movimento ougrupo cultural do que simplesmente jovem. No entanto, éimpossível não reconhecer que a identidade de um dosespaços mais ricos e plurais do Fórum se dá através desterecorte: juventude. O Acampamento Intercontinental tem ajuventude no nome e as possibilidades de inovação e ex-perimentação que se dão a partir dele, tendo o jovem comoprotagonista, são prova de que o peso dos jovens no Fórumdeve ser tratado com mais atenção.

É preciso formular com a juventude, assim como comtantos outros grupos sociais com demandas específicas(mulheres, negros etc), mecanismos de inclusão que, cadavez mais, possibilitem a maior atuação dos(as) jovens �não só na participação como ouvinte, mas na organizaçãode mesas, na tematização dos mais diversos eixos etc �sem deixar de fora suas especificidades e as possibilidadesde encontro dadas por suas próprias iniciativas. É precisoreconhecer, no entanto, que, nesses três anos, o Fórum e ajuventude vêm avançando no sentido de abrir novos espa-ços, de agregar semelhanças e respeitar diferenças.

Mas ainda falta pensar em como dar conta de tantadiversidade que se expressa dentro de uma identidade só,que é a juventude. Essa questão deve ser colocada não ape-nas para organizações e movimentos que lidam com jovens,mas também para a própria juventude. Analisar semelhan-ças e diferenças a partir de um espaço privilegiado como oFórum Social Mundial é aprender a construir conjuntamen-te o futuro a partir do presente. Os(as) jovens que estive-ram no III Fórum � não apenas no Parque Harmonia earredores, mas nas arquibancadas do Gigantinho, nas salase auditórios da PUC e nos Armazéns � darão o tom dasmudanças que estão por vir. Por esse motivo, é fundamen-tal avançar no diálogo com sua diversidade, ouvindo idéiase reconhecendo potencialidades e conquistas.

*Jornalista, assistente de Pesquisa daCoordenação de Participação e Desenvolvimento

Local Sustentável do Ibase

Abram alas quevamos passar

Patrícia Lânes *

dial também coloca limites e obstáculos. As diferençasexpuseram dificuldades no diálogo dentro de um grupoheterogêneo que chamamos de juventude. Afinal, é possí-vel tematizar as questões dos jovens do campo e da cidadeconjuntamente? Ou colocar na mesma mesa para pensarquestões comuns integrantes de juventudes partidárias ede movimentos culturais?

Iguais, mas diferentesA troca possível entre essas e esses jovens, que estive-ram no Acampamento e nas oficinas, seminários, pai-néis, testemunhos e conferências, aponta mais uma vezseus caminhos e fronteiras. Se nos assuntos mais am-plos, as muitas juventudes convergiam, ainda se faz ne-cessário avançar para transformar a questão juvenil emum tema capaz de ser compartilhado de modo fraternopor setores tão diferentes que têm em comum o fato deestarem em momentos semelhantes em seu ciclo de vida.Mas que expressam suas expectativas, vontades e criati-vidade de formas muito distintas.

A importância de ampliar o debate da juventude pormeio de suas semelhanças (ainda que seja prerrogativoque o debate não mascare as diferenças) evita o risco deter que se criar guetos entre os(as) jovens para que deter-minadas questões sejam tratadas (como o Fórum Nacionalde Hip Hop). É preciso refletir muito ainda sobre o queagrega as diferentes juventudes nesse espaço de criação einterlocução que o Fórum se tornou.

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AnaCris Bittencourt - [email protected]

Feito em casaFeito em casaFeito em casaFeito em casaFeito em casaDurante o Fórum Social 2003, o Ibase presenteou o público com duas valiosas produ-ções: um boletim sobre meio ambiente e injustiça social e uma edição especial da revistaDemocracia Viva sobre o Fórum. Os materiais ficaram à disposição no estande, localizadono Ginásio de Esportes Gigantinho, mas também foram distribuídos em conferências,seminários e oficinas durante os seis dias do encontro em Porto Alegre.

O boletim Justiça Ambiental, organizado por Ibase, Fase e Ippur/UFRJ, traz osprimeiros resultados do Projeto Mapa de Conflitos Ambientais no Estado do Rio deJaneiro, realizado pela Rede Brasileira de Justiça Ambiental, com apoio da Secretaria deMeio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Rio de Janeiro. A Rede,criada em setembro de 2001, reúne 55 entidades, entre movimentos sociais, sindicatos,ONGs e universidade.

O entrevistado da edição é o pescador Jorge Barcellos, vice-presidente da Associaçãode Pescadores de Carapebus, um dos municípios dentro dos limites do Parque Nacional deJurubatiba, criado em 1998. A entrevista mostra o conflito entre pescadores, comunidadecientífica e governo, que no intuito de preservar a área, tornou a pesca ilegal na região.

A edição especial bilíngüe (português/inglês) da revista Democracia Viva tem84 págs. Traz 9 artigos de pensadores reconhecidos no Brasil e no mundo sobre a

atuação política do Fórum Social Mundial: Cândido Grzybowski,Celina Whitaker, Chico Whitaker, Henri Acselrad, Kjeld

Jakobsen, Lílian Celiberti, Patrick Viveret,Pierre Vuarin, Sueli Carneiro eNjoki Njoroge Njehu.

A revista publica também umamesa-redonda, baseada nas discus-

sões realizadas no Fórum Social Eu-ropeu, em novembro de 2002, na

Itália, e um artigo de Boaventura deSousa Santos sobre a proposta de uma

universidade popular.

Pedidos de exemplares aoIbase: (21) 2509-0660

ou pelo site www.ibase.br

InforInforInforInforInformação a toquemação a toquemação a toquemação a toquemação a toquede caixade caixade caixade caixade caixaO jornal Terra Viva foi uma valiosa ferramenta para quem esteve no III Fórum SocialMundial, mas não conseguia acompanhar todos os eventos. Com edições diárias, trilingüe� português / inglês / espanhol �, a publicação mostrou um pouco de tudo que aconte-ceu em Porto Alegre. A iniciativa foi da Inter Press Service, agência de notícias que vemdesde 1964 contribuindo para democratizar a informação na América Latina. �Os exiladosforam uma mão-de-obra fundamental para o nascimento e expansão da IPS. Eu sou umexemplo disso, entrei na IPS quando exilado em Portugal, em 1978. Deixei a IPS-Lisboapara o Brasil em 1979, mas me reintegrei aqui no Rio em fins de 1980, e aqui estou atéhoje�, conta o jornalista Mário Osava, que representa a agência no Brasil.

O Terra Viva já tem quase 11 anos. Nasceu na Rio 92 como uma publicação para serdistribuída nas grandes conferências da ONU. A estréia no Fórum aconteceu no anopassado. A tiragem foi de 40 mil exemplares de 24 a 27 de janeiro e de 20 mil noúltimo dia, por conta do menor número de atividades. Para a tarefa, contou com umaequipe de 15 jornalistas, sendo 10 repórteres, editores ou diretores e 3 tradutoras.Uma empresa local foi contratada para fazer a impressão e distribuição, além de2 fotógrafas e ilustradores.

Um, dois, feijãoUm, dois, feijãoUm, dois, feijãoUm, dois, feijãoUm, dois, feijãocom arrcom arrcom arrcom arrcom arrozozozozozNo dia 27 de janeiro, recebemos no estande do Ibase, no Ginásio Gigantinho, um amigo delonga data, Getúlio Ferreira Brunes, secretário-executivo do Coep Goiás (Comitê de EntidadesPúblicas e Privadas no Combate à Fome e pela Vida) e do Centro Nacional de Pesquisa Arroze Fejjão da Embrapa. O agrônomo entrou em contato conosco pela primeira vez por conta daAção da Cidadania contra a Miséria e pela Vida, lançada em 1993. Na ocasião, ele criou umcomitê de funcionários da Embrapa para o desenvolvimento de projetos sociais na região.Algumas iniciativas foram temas de reportagens no Jornal da Cidadania, como o projeto delavouras comunitárias para comunidades indígenas, ainda em prática no Pará e no Paraná.

Em dezembro do ano passado, Getúlio deu o pontapé inicial para um novo projeto, quequer contribuir para a sustentabilidade da agricultura familiar no Brasil. A idéia é atenderpequenos produtores e famílias do MST. �Plantamos em terras cedidas por fazendeiros 100hectares de lavoura de arroz. Em 4 de maio, devemos colher 400 toneladas de sementes. Assementes não serão doadas, mas vendidas a preços baixíssimos para que eles possamreproduzi-las. Em fevereiro, iremos lançar também em Goiás uma lavoura de feijão�, disse.Com a venda das sementes, será constituído um fundo para atender as associações deprodutores que não tiverem condições de comprar.

É de pequeno que seÉ de pequeno que seÉ de pequeno que seÉ de pequeno que seÉ de pequeno que seaprapraprapraprendeendeendeendeende

Paralelamente ao III Fórum Social Mundial, aconteceu em Porto Alegre o II Forunzinho.O espaço não se resume a uma creche para que os pais possam participar do evento oficial.Existe a preocupação em transmitir para os(as) participantes-mirins um pouco do que estáacontecendo no grande Fórum, mas claro, em linguagem de criança. Segundo os cálculos daComissão Organizadora, 2.500 crianças participaram diariamente. Foram realizadas, por dia,40 oficinas e 6 atividades culturais. Na ocasião, aconteceu o I Encontro Internacional deContadores de Histórias, que reuniu 200 contadores do Brasil, França, Espanha e Argentina.

Este ano, o principal tema de discussão foi a Carta da Terra, na perspectiva de educa-ção para liberdade e transformação social. A paz também entrou em cena nas discussões,enfocada durante o Piquenique Social. O evento reuniu centenas de crianças, pais e amigose contou com presenças ilustres, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, além deum coral de 400 vozes.

Mais informações: www.forunzinho.org.br

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Cultura afro nas escolas

Edmilson de Sena Morais *

É um contra-senso a obrigatoriedade da inclusão desse conteúdo nasescolas. Afinal, respira-se e transpira-se africanidades neste país. A ori-

gem do homem está na África, a história do Brasil inicia-se com a presença africanamaciçamente durante quatro séculos de translados (diáspora forçada) de variadas etnias dasquais somos herdeiros. Nossa produção cultural está toda, praticamente, sob a influênciada cultura negra africana. Até mesmo o Norte do país, com a forte presença indígena,recebe influência da cultura negra caribenha.

Se tudo isso não é suficiente, quem são os sujeitos da educação no Brasil? Afrodescenden-tes na sua maioria. Se os nossos colegas professores, nos seus repertórios pedagógicos, nãodiscutem e não incluem em seus planos de curso/aula a cultura negra africana, é sinal que aconcepção de currículo ainda está baseada no universalismo iluminista. Neste momento, temosque repensar o currículo em suas bases epistemológicas e numa perspectiva pós-moderna. Seráque o que se produz em termos de currículo em nossas academias ainda não é suficiente parapodermos refleti-lo em nossa conjuntura atual?

Tudo nesse país, normalmente, é estabelecido por um grupo pensante, uma elite togadaque estabelece e normaliza. Faz-se o pacote e envia para o seu destino. Aí se transforma emlei, pra ver se assim as pessoas seguem a lei. Que está na LDB, está nas Diretrizes Curricularesetc. Entretanto, não há repercussão. Não chega no interior das escolas. Pior, não chega nosouvidos dos professores. E, quando chega, ouve-se o discurso: �não há material�. Ainda sãodependentes do escrito, do normatizado. Ainda é necessário o respaldo do produtor, dointelectual, do mestre, do cânone, porque os sujeitos professores não se refletem como

afrodescendentes ou mesmo resultado de uma cultura emi-nentemente multicultural.

É assim que as coisas ainda acontecem: vêm de cimapara baixo. Apenas um problema nisso tudo: não há res-sonância nos quatro cantos do nosso país. Nem mesmonas metrópoles, quanto mais nas regiões interioranas.Nossa educação se resume em um tripé: escola, professore aluno, segundo uma determinada Secretária de Educa-ção. �Se a educação não vai bem é porque os professoressão os responsáveis.� Esse é o discurso. Pelo que parece,isso contraria completamente o conceito de educação e

de escola numa perspectiva progressista. Infelizmente, a escola que está aí é cada vez maismanipulada pelo capital, por isso não vê os sujeitos culturais dentro dela. Esses sujeitosnão se vêem refletidos nos livros didáticos e nem mesmo no que essa educação formal quertransformá-los. Será que nesse Brasil de meu Deus, algo tão peculiar a nós tem que serfeito de maneira coercitiva? O mundo mudou! Estamos em plena pós-modernidade. AcordaBrasil! Tomara que não dê em vatapá.

* Professor de História da rede estaduale municipal de ensino da Bahia

Amauri Mendes Pereira *

Inquestionável o acerto da medida. Porém, o que cabe a cada umagora é estar atento para a plena efetivação da lei. Uma questão fun-

damental é: como qualificar rapidamente alguns milhares de professores e professoras,para formar muitos milhares de outros, que vão trabalhar diretamente com milhões decrianças e adolescentes?

Não interessa chorar o leite derramado e reclamar que estes assuntos nunca forammuito prestigiados na sociedade, como nos setores acadêmicos, que os temiam. �Áfri-ca, Estudos Afro-Brasileiros, relações raciais, hummm, Isso é problema!� O que valia

era a síndrome da avestruz... Se não os vemos,esses problemas não existem.

Afinal, o Ministério da Educação tem sidosempre um reduto inexpugnável à discussão daquestão racial e educação e às demandas por essaformação específica. Não conseguiu sequer apoi-ar os dois Congressos Brasileiros de Pesquisa-dores Negros, nos quais as apresentações detrabalhos e os debates sobre História e CulturaAfro-Brasileira alcançaram seus mais exuberan-tes momentos � inclusive criando, no último, aAssociação Brasileira de Pesquisadores Negros.

E apenas em 2002 uma mulher negra � Petronilha Beatriz Gonçalves � doutora emEducação, com história de vida pessoal e acadêmica vinculada ao tema, assumiu umcargo de conselheira no Conselho Federal de Educação.

Vai ser necessário, portanto, um profundo exercício de autocrítica e desprendimento,por parte dos que têm concedido menor importância à temática. Felizmente, não estamospartindo do zero: há iniciativas preciosas, subterrâneas, consistentes porque elaboradas erealizadas, quase sempre abnegadamente, por parte de organizações do Movimento Negro ede educadores e educadoras que acreditaram na causa. Muito antes da existência da lei, vêmconstruindo esses conhecimentos e programas, cursos e metodologias adequadas à suaimplementação pedagógica. É um imperativo ético levantar esse quadro, sondar as possibi-lidades de aperfeiçoar e ampliar tais iniciativas, além de criar outras e multiplicá-las. Aten-ção: se o ato de educar exige empatia entre educandos e educadores e entre esses e o tema,essa empreitada vai exigir muito de quem resolva chegar! Há tanta emoção a se vivenciar!

As vontades políticas do MEC e das Secretarias Estaduais e Municipais de Educaçãoserão decisivas. Felizmente estamos mais do que alertas, entusiasmados. O que nãopodemos é repetir a outra Lei Áurea. Seria irresponsabilidade inadmissível lançar oobjeto dessa lei à sua própria sorte.

* Pesquisador do Centro de Estudos Afro-Brasileirosda Universidade Cândido Mendes, RJ

No dia 10 de janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto que torna obrigatório o ensino de história e culturaafro-brasileira nas escolas do país. A lei, de autoria da deputada Esther Grossi (PT-RS), foi recebida com alegria pelo MovimentoNegro. Mas existe uma corrente que acredita que não se pode obrigar o que deveria acontecer naturalmente, pela conscientizaçãoda população. Será? Confira a seguir dois artigos sobre o assunto.

Se o ato de educarexige empatia entreeducandos eeducadores e entreesses e o tema, essaempreitada vaiexigir muito dequem resolva chegar

Será que nesseBrasil de meuDeus, algo tãopeculiar a nóstem que ser feitode maneiracoercitiva?

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O Fórum Social Mundial é o grande encontro da diversidade humana, da diversidade demilitâncias e idéias. É o momento do diálogo entre as mais variadas causas que antesmarchavam paralelamente, dispersas. O sucesso do Fórum se deve à consciência de que sóo casamento dessas causas, dos diversos movimentos sociais, das ONGs e outras entidadespoderá gerar uma nova utopia capaz de transformar o mundo. Isso leva tempo, mantém-sea tendência de reuniões separadas de sindicalistas, camponeses(as), profissionais de edu-cação, pessoas que defendem os direitos humanos, interessadas em temas econômicos etc.

O mundo se tornou muito complexo, multiplicaram-se as demandas específicas e asquestões a enfrentar na construção de �um outro mundo possível�. Já não se espera que asconquistas do movimento operário produzam o bem-estar de todas e todos. Temos agora oambientalismo, o feminismo, os movimentos étnicos, de marginalizados urbanos, homos-sexuais, portadores de deficiência, jovens, todos com suas reivindicações próprias, às vezesaté conflitantes com as do sindicalismo.

Acolher e valorizar essa diversidade, facilitar o diálogo e as articulações é o papel doFórum, um �laboratório de idéias�. Trata-se de um espaço aberto da sociedade civil, dediálogo horizontal, sem hierarquias. O FSM não é uma instituição representativa do conjun-to de seus participantes, por isso não delibera nem emite declarações, explicam membrosdo Comitê Organizador. Manter esse caráter exigirá conter ansiedades, principalmente demil i tantes pol í t icos que anseiam pela def inição de estratégias, pela pol i t ização einstitucionalização do Fórum, o que supõe direção central e disputa pelo poder.

Mas o Fórum é também uma festa e, como toda festa boa, reúne gente demais. As 100mil pessoas participantes deste ano às vezes não cabiam nos auditórios distribuídos entre

a PUC, o estádio Gigantinho, quatro armazéns do porto e outros locais. O acampamento de25 mil jovens extrapolou as instalações do Parque Harmonia.

Os(as) representantes de mais de 150 países só não se sentiram perdidos(as) numaTorre de Babel porque 120 intérpretes fizeram a tradução simultânea das principais pales-tras e seminários, ao espanhol, francês, inglês e português. O Fórum monopolizou 80% dototal desses profissionais existentes em todo o Brasil, segundo Sérgio Ferreira, coordena-dor do serviço. Isso permitiu democratizar a participação.

Mas não foi suficiente. Cerca de 80 tradutores e tradutoras, voluntários de váriospaíses, também ajudaram na comunicação. Ainda assim houve confusões. Uma delegadaamericana, por exemplo, pediu ao público presente levantar as mãos e gritar �wage war�para uma foto. O público brasileiro obedeceu, mas não o de fala inglesa. Ela repetiu opedido, mas os anglófonos não reagiram. Só então se deu conta do erro. Pedia �faça aguerra� numa reunião pacifista, contrária aos planos belicosos de Bush. Corrigiu para�wage peace�, todos e todas a atenderam e ela pôde tirar sua foto.

Um colega jornalista sofreu outro tipo de engano, não tanto por falar apenas inglês.Perdeu boa parte do seu primeiro dia em Porto Alegre tentando chegar a um dos locais doFSM. Perguntou a transeuntes pelo �Fórum�, seguiu as indicações e foi parar no Tribunalde Justiça. Levou tempo até se convencer que não foi vítima de trote.

O Fórum é uma festa

Jornalista, correspondente da agência IPS e Amigo do [email protected]