Jornal da Facom nº20

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COMUNICAÇÃO Jornalismo VIP: os ricos na fita Pág. 06 e 07 Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) Nº 20 - Maio de 2009 Rafael Martins Pág. 14 a 17 Incêndio na UFBA alerta para improvisos CIDADE Brigadas dos cinemas: quem já viu? Pág. 09 EDUCAÇÃO Cadê os laptops dos BI? Pág. 12 e 13 MODA Modelos negras estão em alta Pág. 18

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Jornal Laboratório desenvolvido pelos alunos da Faculdade de Comunicação da UFBA.

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COMUNICAÇÃO

Jornalismo VIP: os ricos na fita

Pág. 06 e 07

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA) Nº 20 - Maio de 2009

Rafa

el M

artin

s

Pág. 14 a 17

Incêndio na UFBA alerta para improvisos

CIDADE

Brigadas dos cinemas: quem já viu?

Pág. 09

EDUCAÇÃO

Cadê os laptops dos BI?

Pág. 12 e 13

MODA

Modelos negras estão em alta

Pág. 18

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2Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

Jornal Laboratório da Faculdade de Comunicação

da Universidade Federal da Bahia

Endereços:

Rua Barão de Geremoabo, s/n, Campus de Ondina

CEP. 40.170-115 Salvador/[email protected]

Editoração eletrônicaFernando Duarte

Assistentes de edição/ MonitoresAndré CerqueiraBárbara Lisiak

Carlos Eduardo OliveiraEgidéilson SantanaFernando Duarte

Filipe CostaSavana Caldas

Assistente de fotografiaFrederico Fagundes

Secretária de RedaçãoCamila Queiroz

SubeditoraGabriela Vasconcellos

Editor ResponsávelMalu Fontes, professora

DRT-BA 1.480

Produção da disciplina Oficina de Jornalismo Impresso, semestre 2009.1:

Ana Margarida Almeida, Camila Queiroz, Carol d’Avila,

Felipe Dieder, Frederico Fagundes, Gabriela Vasconcellos,

Giacomo Degani, Guilherme Vasconcelos, Iali Moradillo, Joseane Bispo, Julien Karl,

Livia Montenegro,Luis Fernando Lisboa, Maitane Roa,

Mariana Almofrey, Mariana Sebastião,Nelson Oliveira, Paloma Ayres, Paula Amor, Paula Boaventura, Rafael Freire, Raiza Tourinho,

Rebeca Caldas, Renato Cordeiro, Rodrigo Wanderley, Verena Paranhos,

Victor Gazineu, Victor Soares

Diretor da Facom (2005-2009)Professor Giovandro Ferreira

Reitor da UFBA (2006-2010)

Professor Naomar Almeida Filho

Tiragem: 5.000 exemplares

ExPEDIENTE/ EDITORIAL

O primeiro semestre do penúltimo ano da dé-cada será marcado,

no contexto da Universidade Federal da Bahia, pela implan-tação das primeiras turmas dos Bacharelados Interdisciplina-res, os Bis, marcos da chamada UFBA Nova, e por uma tragé-dia acadêmica, física, estrutural, financeira e, por que não dizer, pessoal, para centenas de alunos e professores de graduação e pós: o incêndio que, no dia 21 de março, destruiu todo o quarto andar do Instituto de Química, transformando em lixo labo-ratórios e trabalhos de pesquisa que vão exigir anos para a volta à normalidade.

Em uma tentativa de apresen-

tar os mais diferentes aspectos que nortea-ram o incidente, sem precedentes na UFBA, este primeiro número do Jornal Laboratório produzido pelos alu-nos da Oficina de Jor-nalismo Impresso no semestre 2009.1, busca trazer ao leitor os dife-rentes personagens e cenários envolvidos na tragédia. Uma vez que, imediatamente após o episódio, não existiam respostas prontas para explicar o que, de fato,

isolada ou coletivamente, levou ao incêndio, a iniciativa mais recomen-dada para a cobertura jornalística era traçar um panorama da con-juntura da unidade, seus persona-gens e suas instalações, bem como apontar conseqüências e medidas adotadas após a ocorrência. Essa foi a estratégia usada pelos alunos envolvidos na produção da matéria de capa deste exemplar.

Levando-se em conta o fato de o jornalismo opinativo hoje ex-perimentar um boom em diferentes suportes, o JF busca aliar ao exer-cício da apuração e da reportagem, algum espaço para a opinião, seja através dos textos de professores-colunistas, seja através da seção faconistas, em que alunos exercitam opiniões e críticas.

Numa tentativa de falar da própria imprensa, buscando sair da máxima de que a imprensa não cobre a si mesma, o JF traz tam-bém nesta edição a verve de seus repórteres sobre o que chamam de ‘jornalismo crasse A’, um segmento em franca emergência em Salva-dor, comprometido até a medula com o colunismo social paroquial e kitsch.

Além disso, há a picardia da coluna Pimenta, produzida com a colaboração de todos os alunos da disciplina, e, neste semestre, o registro de impressões capturadas pelo olhar estrangeiro, de quem vê a Bahia com o ineditismo impos-sível para quem aqui vive, nesse caso o de duas alunas intercambis-tas que, neste semestre, compõem a Oficina de Jornalismo Impresso: a basca Maitane e a portuguesa Ana Margarida.

Sempre em busca de um olhar que se aproxime mais das bordas do que do centro e comprometido em extrair dos alunos perspectivas críticas e distanciadas do jornalis-mo asséptico, burocrático e sisudo que muito se vê no campo profis-sional, esta edição do Jornal Labo-ratório da Facom apresenta ao leitor mais uma tentativa de fugir às armadilhas do mais do mesmo. Se ainda não foi desta vez, um dia, quem sabe, o desafio de não fazer jornalismo de plástico será plena-mente contornado.

UFBA NOVA, TRAGÉDIA E OUTROS OLHARES

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3Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Ícone da vez, Obama vendePresidente dos EUA multiplica-se em souvenirs de todos os tipos e preços

Carol d’avila Mariana SebaStião

Sim, é ele, Barack Obama. O atual presidente dos Es-tados Unidos não garantiu

só um dos cargos mais respeita-dos no cenário político, mas tam-bém virou celebridade mundial. Conquistou a população estadu-nidense e serviu de inspiração para a população de Salvador, ali mesmo no Pelourinho. Ao entrar no centro histórico, no Terreiro de Jesus, os visitantes se depa-ram com uma barraquinha onde se vendem camisas de diversas cores com o rosto do presidente estampado. Andando mais um pouco, Obama também já se mis-tura entre as pinturas de baianas e mães-de-santo nos quadros vendidos nas galerias. Lá está ele pintado em frente à Casa Branca, em tons de azul e vermelho e em outra estampa mais curiosa, o presidente dos Estados Unidos aparece correndo de bala perdida. Mas porque Salvador aderiu a essa

“Obamania’’? O que um presi-dente de um país tão polêmico faz servindo de logomarca para os soteropolitanos?

Ricardo Miranda, artista plástico de 34 anos, é um dos res-ponsáveis por essa moda. O seu ateliê é repleto de pinturas com o rosto de Obama. Há quadros de tamanhos diversos e o próprio artista recebe os visitantes com um sorriso do presidente estam-pado na camisa, parecendo até um uniforme do local. Em pou-cas palavras, Miranda conta que já vendeu mais de 30 pinturas desse novo líder e acredita que a razão do sucesso seja a grande identifi-cação do povo com o presidente: “Obama é um líder negro e Sal-vador é uma cidade negra. É uma vitória contra a desigualdade que existe. Torna-se um estímulo: ‘se ele pode, eu posso’”. Ricardo Miranda já teve outras experiên-cias com grandes personalidades. Começou pintando Che Gue-vara e Martin Luther King, e há algum tempo resolveu fazer algo diferente no Pelourinho, por isso

começou a vender a imagem de Obama. “Sou capitalista, também aproveito o momento da febre para vender meus quadros’’, ex-plica, equilibrando a necessidade de vender a sua arte com a espe-rança que deposita: “A economia dos Estados Unidos rege a to-dos. Nós aqui esperamos a reso-lução dos problemas por Barack Obama, tenho muita esperança nele’’.

Apesar da febre, nem todas as galerias aderiram à Obamania. Quando se pergunta a outros vendedores do Pelourinho so-bre a existência de artefatos que fazem referência ao presidente, todos sabem da “febre do Barack Obama”. “Também fiquei sur-preendido com o fenômeno’’, revela o artista plástico Sérgio, um italiano de 58 anos que também é artista plástico. Sérgio, como ele mesmo assina nas suas produções artísticas, entende que Obama é uma grande esperança principal-mente por ser negro, mas não ali-menta idéias românticas sobre o assunto. “A desmedida esperança dos brasileiros é ingênua, já que existem interesses particulares nos Estados Unidos que, mais cedo ou mais tarde, podem não atender a todas as expectativas”, analisa Sérgio quando revela que não par-tiu dele a idéia de produzir esses quadros, mas faz isso porque “o mundo está interessado”.

Unanimidades no pelourinho também aderiram à Obamania. É o caso de Clarindo Silva, 66 anos, nomeado Rei Momo no carnaval 2008 e dono do tradicional res-taurante Cantina da Lua, que de-posita seu sonho em Obama e por isso vende camisas com a mais famosa estampa. Admirador fer-renho do presidente, Clarindo se vê representado por ele: “Torço e

me identifico por ele pela questão da origem negra. Ele conseguiu mobilizar o mundo inteiro com seu carisma”. O comerciante diz que a aceitação é muito boa, e no dia da posse improvisou um stand na frente do seu restaurante para venda de adereços. Clarindo afirma que a principal razão da confecção das camisas é o desejo de passar a idéia de Obama, da esperança e de um mundo melhor para os seus filhos, mas lembra que o lucro também é importante: “Se eu falasse que nossa proposta também não é ganhar dinheiro eu seria leviano. Vamos ter tam-bém em breve bonés, canecas e cinzeiros’’. Desta maneira, os ar-tistas e os comerciantes criativos aproveitam a época da moda para obter lucro. As pinturas são ven-didas na média de preço entre R$ 70 e R$ 120 e as camisas a partir de R$ 25. Apesar dos artefatos serem vendidos em Salvador, os vendedores afirmam que quem mais compra são os turistas, prin-cipalmente os estadunidenses: “Os estrangeiros tem uma me-lhor situação econômica e valo-rizam mais meu trabalho, mas se chegar um baiano interessado eu faço um preço mais baixo’’, diz o pintor Ricardo Miranda.

Sobre o fim dessa moda, os comerciantes dizem que tudo depende do que Obama realizar enquanto estiver na presidência, mas garantem seu espaço mesmo se ele não realizar os desejos dos quatro cantos do mundo. Para os vendedores, o importante é ter opinião política, transformá-la em moda nas ruas e dinheiro no bolso, aproveitando qualquer eventualidade, como analisa Ricardo Miranda: ‘’Se Obama morre agora, vende mais. Porque ele morre como herói’’.

Carol d’Avila

Obama figura como ícone em quadros e outros objetos

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4Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

A burocracia perdoaInúmeros prefeitos baianos são acusados de irregularidades com fundos da educação, mas poucos são penalizados

Julien Jatobá

renato Cordeiro

Quem foi prefeito de um dos 417 municípios baianos entre 2001 e 2004, já pode

comprar o champanhe. No fim do ano, prescreve o prazo para apresen-tação de denúncias de irregularidades durante este período de mandato. O que ficou debaixo do tapete, por lá mesmo, ficará. Podem ser licitações que não foram cumpridas, contas que não foram prestadas, obras não erguidas ou uma série de outras coi-sas que podem levar os chefes de e-xecutivos municipais a entrar no Ca-dastro de Responsáveis com Contas Julgadas Irregulares (Cadirreg), atua-lizado periodicamente pelo Tribunal de Contas da União e composto, quase totalmente, por prefeitos.

Um balanço do primeiro trimes-tre deste ano aponta que um em cada três citados nesta lista, aqui na Bahia, teve pelo menos uma conta condenada envolvendo verbas rece-bidas do Ministério da Educação. No ano passado, a pasta repassou 6,85 bilhões de reais para prefeituras de todo o Brasil, através do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Foram recur-sos voltados para ajudar na melhoria do ensino, mas que nem sempre se transformaram em transporte esco-lar, merenda ou livro didático.

Um caso ocorrido neste ano foi a denúncia do ex-prefeito de Serra do Ramalho, no oeste baiano. Alberto Anísio Souto Godoy é acusado de não prestar contas de 276 mil reais repassados pelo FNDE. “Não sa-bemos um centavo do que ele fez com esse dinheiro. Não há um docu-mento sequer”, afirma o procurador Rafael Costa, que atua no Ministério Público Federal de Barreiras.

Em outras vezes, os documen-

tos existem, mas são considerados irregulares, como aconteceu com o ex-prefeito de Itaparica, Rai-mundo Nonato do Sacramento, cuja gestão rece-beu 99 mil reais do Programa de Alimentação Es-colar (PNAE), ainda no primeiro ano de mandato, em 2001. “Os poucos documen-tos apresentados, além de irregula-res, não compro-vam a vinculação dos gastos com a execução do PNAE”, declara a pro-curadora Juliana Moraes, em nota do Ministério Público baiano. Sa-cramento falou à reportagem do JF que a prestação foi encaminhada ao Tribunal de Contas dos Municípios e está em ordem, e minimiza o pro-blema ao fato de auditores do Fundo considerarem que a merenda, basea-da em biscoito e suco em pó, não era bem aceita pelos alunos. “Suco se dá para uma criança até em casa, por exemplo”, argumenta o ex-ad-ministrador e atual procurador do município, que tem uma escola que leva o nome dele.

As irregularidades também po-dem tomar parte da chamada “he-rança maldita”, conhecida ainda como “política da terra arrasada”, que consiste em deixar a máquina pública em frangalhos para o pró-ximo gestor, quando ele faz parte de um grupo político adversário. Pelo menos, é o que alega o atual pre-feito de Itacaré, no sul da Bahia. De acordo com Antônio de Anízio, não havia informações sobre a condição

da máquina pública, quando estava no comando do antecessor, Jarbas Barbosa Barros. “A situação foi realmente delicada. Não havia nada. Fizemos até um relatório para o Tri-bunal de Contas da União”, conta Antônio. O antecessor não tinha feito a prestação de contas do uso de recursos para o transporte esco-lar, o que tornou necessário contatar o FNDE para renegociar o prazo. Jarbas Barros negou as acusações à reportagem do JF, dizendo que o prefeito atual não reconhece melho-rias do transporte escolar das quais se vale neste mandato. No clima de guerra entre prefeitos e ex-prefeitos, perdem os estudantes.

“Não existe uma idéia do que é público, o gestor muitas vezes não disponibiliza os papéis para seu sucessor. Em outras situações o sucessor não presta contas devida-mente e pode prejudicar seu ante-cessor e sua própria gestão. O in-teresse público, nesses casos, não é levado em conta”, desabafa a procu-radora Juliana Moraes. Na mesa do

escritório, ela tinha uma considerável pilha de papéis, divididos em quatro classificadores sobrecarregados. Toda a papelada dizia respeito a uma única ação cível em curso. A procu-radora trabalha em mais de 150 pro-cessos. “Fazemos um mutirão para atender a demanda (de casos de ir-regularidades), nosso objetivo é não deixar que nenhum deles prescreva. “Estamos em um ano crítico. Em 2010, a gente não pode mais ajuizar ação de improbidade com relação a gestores de mandatos cumpridos de 2001 a 2004.” De acordo com Juliana Moraes, os processos são analisados e atendidos com antecedência, mas a maioria deles acaba sendo apresenta-da no último ano. Os motivos apon-tados são a sobrecarga de trabalho e os trâmites legais necessários, que envolvem outras instituições. Uma única irregularidade, desde a denún-cia até as possíveis penalidades, pode envolver o Ministério Público, a Controladoria Geral da União, o Tri-bunal de Contas da União, o Tribu-nal Regional Eleitoral, a Justiça Fe-

Julien Karl

Como não há o que cozinhar, o lanche trazido de casa é distribuído na sala

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CIDADE

deral e o próprio FNDE. Tudo começa com a denúncia,

que pode partir dos auditores do Fundo, do TCU, da CGU ou do próprio cidadão. Já as punições po-dem chegar à perda do cargo, proi-bição para contratar e, em casos considerados mais extremos, a sus-pensão dos direitos políticos, algo considerado muito raro pelas fontes de diversas autarquias procuradas pela reportagem do JF. Na maior parte dos casos, os prefeitos lidam com as ações de improbidade en-trando com sucessivos recursos até que se passem os cinco anos que su-cedem os mandatos em que ocorreu a notificação. E aí, estão prontos pra outra, e que venha 2012, com todos os fundos federais que as gestões têm direito.

É o caso do ex-prefeito Edson Velasquez, afastado pelo poder ju-diciário em 2003 e que teve o man-dato cassado pela Câmara Municipal de Vera Cruz. O Ministério Público questiona a falta de prestação de contas do repasse de 72 mil reais do Programa de Adequação Física de Prédios Escolares (PAPE), fruto de um convênio firmado com o FNDE em 2002. Ele ainda responde a seis ações cíveis públicas e quatro denún-cias do Ministério Público Estadual. Das quatro condenações com o

nome do ex-administrador munici-pal no Cadastro de Irregularidades do TCU, três envolvem verbas fe-derais para educação. Edson Velas-quez também é acusado de utilizar recursos do Fundo de Manuten-

ção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Ele teria destinado uma parte do repasse para pagar uma dívida contraída pela ci-dade, no valor de 260 mil reais, com a Caixa de Pecúlios, Pensões e Mon-tepios (Capemi), empresa que dis-ponibiliza planos de empréstimos e previdência privada para servidores municipais. A reportagem do JF não conseguiu contatar o ex-prefeito.

Alguns administradores citados no Cadirreg reclamam quando o repasse federal é cortado de imedi-ato, sob o argumento de que estão envolvidos em irregularidades de menor relevância, como por exem-

plo, um erro de preenchimento de formulário. Mas para o auditor-chefe do Fundo Nacional de Desenvolvi-mento da Educação, Gil Pinto Loja Neto, “o problema é que isso leva ao prejuízo. É preciso conhecer a lei,

tem que saber o que está assinando ou está herdando.” Ele reconhece que alguns têm dificuldade em lidar com a burocracia que envolve o uso de recursos do FNDE. “Tem de tudo, desde fraude até problemas básicos. (...) O grande problema que eu vejo é a falta de capacitação, a ausência de técnicos que verifiquem a execução dos programas.”

Neste sentido, o Ministério da Educação fez uma cartilha para os gestores, disponível pela internet, para auxiliar o uso da verba. Segun-do Loja Neto, o controle da aplica-ção dos recursos também pode ser feito online através do Sistema Inte-grado de Monitoramento Execução

e Controle do Ministério da Educação. O SIMEC possibilita verificar a topo-grafia de um espaço onde se pretende construir uma unidade de ensino, e pela não-conformidade do terreno, condenar a obra antes mesmo que come-ce. Os mecanismos de controle empregados pela autarquia, que incluem a visita aos municípios com suspeita de irregularidade, permitem fiscalizar a apli-cação de 20% dos recur-sos do FNDE, assinala Loja Neto.

No município de Itaparica, uma diretora de escola primária relata

que a refeição oferecida é, por ve-zes, a primeira ou única consumida pela criança ao longo do dia, dada a carência de algumas famílias. Freqüentemente, pais e professores organizam-se para combater essa carência com alimentos trazidos de casa. Dificuldades como esta acabam colaborando para o abandono esco-lar. “O abandono do aluno, em al-guma medida, reflete um abandono anterior”, pondera o coordenador de disseminação de informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Bahia, Joilson Souza. Ele cita a Pesquisa de Evasão Escolar, relatório desenvolvido em 2002 pela Superintendência de Estu-dos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI). O estudo aponta que a falta de atratividade do centro de ensino é um dos diversos fatores que leva um estudante a deixar a escola. A pesquisa tomou por base a capital baiana, mas Souza acredita que os dados ajudam a entender a situação vivenciada nas escolas do interior, entre outras coisas, no que diz res-peito à logística. “A logística é um fa-tor complicador, sobretudo, no meio rural. A criança que vive por lá de-pende muito mais do transporte, das garantias de que poderá ter acesso à escola. Temos relatos de municípios que não ofertam transporte escolar, e quando ofertam, por vezes, não possuem condições mínimas para transportar crianças”.

Mais do que um problema de gestão ou orçamentário, as carên-cias vivenciadas pelos estudantes baianos intensificam prejuízos so-ciais que começam cedo, na pré-es-cola. “Nós já temos observado um atraso escolar aqui na Bahia desde o primeiro ano do ensino fundamen-tal, algo em torno de 50% de todo o contingente escolar. Isso vai se agravando até as primeiras séries do ensino fundamental e médio”, ava-lia Souza. “Há reflexos no nível de empregabilidade, no período maior de dependência que o aluno terá em relação à sua família. A sociedade como um todo acaba pagando um preço muito alto”, completa.

Julien Karl

Enquanto uns comem, outros olham

Estamos em um ano crítico. Em 2010, a gente não pode mais ajuizar ação de improbidade com relação a

gestores de mandatos cumpridos de 2001 a 2004Juliana Moraes, Procuradora do MP

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CIDADE

Jornalismo ‘Crasse’ ALuxo, glamour e sofisticação, com muita qualidade... Mas não é para qualquer um

luiS Fernando liSboa

PaloMa ayreS

Eu acho que todo mundo deveria ser rico, porque é tão bom, gente!”, já

diria Narcisa Tamborindeguy, uma das mais conhecidas so-cialites brasileiras. Em Salvador, existe um mundo paralelo que partilha da mesma opinião e do mesmo modelo de vida. Para os habitantes desse mundo, o im-portante é ter luxo, classe e bom gosto. E o que mais interessa é saber das últimas novidades com glamour, beleza e sofisticação.

É aí, então, que programas televisivos e publicações locais se

debruçam sobre essas persona-lidades - que de conhecidas não têm nada – e falam das minúcias dos seus estilos de vida. Aqueles que estão fora desse mundo, e são muitos, só desfrutam, de longe, o modus vivendi de uma “high-society” cada vez mais segregada deles, formando o seu próprio conceito de “sociedade”.

Esses produtos midiáticos consagram a modernização dos estilos de vida das elites. O núme-ro de veículos comunicacionais voltados para a “classe A sotero-politana” tem tido um expressivo aumento nos últimos anos. Publi-cações, programas, sites e colunas de jornais narram um lado da cap-ital baiana, que não condiz com a

verdadeira realidade do resto da população. Sites como o Bahia Vitrine, Michelle Marie e Balaco-bako; revistas como a Go’Where Bahia Style e Destaque, e programas de televisão, como Nomes, Fama e Sucesso, Dinamite e Tudo AV são expostos para o público em geral, mas falam a língua daqueles que não apenas consomem o que neles é apresentado, como tam-bém são os protagonistas sorri-dentes e aparentemente felizes, iluminados pelos flashes das má-quinas e pelas luzes das câmeras.

Eles acontecem no “café soçaite”

“Esses produtos midiáti-cos prestam-se à manutenção daqueles modelos ideais de vida, baseados no sucesso e no bem-estar”, é o que afirma o jornalista formado pela UNI-BH, Alexan-dre Alvarenga, na sua monografia intitulada “Coluna Social”. Além disso, eles têm a função decisiva na produção dos personagens que atuam nesses modelos, através da escolha das pessoas que apa-recerão ou não naquela determi-nada publicação ou programa.

O apelo pela imagem nesses veículos torna-se a melhor forma de vender o padrão de vida dos ricos e bem sucedidos. “A foto-grafia é praticamente indispen-sável na produção e manuten-ção daqueles modelos ideais de vida”, explica Alvarenga. A re-vista Go’Where Bahia Style é um exemplo de como as fotografias têm o poder de estimular o de-sejo naqueles que nunca terão o que a classe alta tem. “A publica-ção começou em São Paulo, há 15 anos, sempre voltada para o segmento de luxo”, diz Patrícia Magalhães, jornalista responsável pela editoria da publicação na Ba-

hia. De acordo com a jornalista, a Go’Where mostra jóias, roupas, automóveis importados e tecno-logia, com o que há de melhor nestes produtos. As reportagens vão desde a descrição de um spa na Praia do Forte, que faz más-caras faciais de ouro e diamante com caviar, até a dos carros mais caros do mundo.

Outro exemplo de como o elemento visual é importante na construção da aura sofisticada destes veículos de comunicação é a abertura do programa Nomes, apresentado pela jornalista Luzia Santhana. A vinheta dá destaque à imagem de Luzia, onde ela faz poses numa cadeira giratória, com roupas diversas, com toda sua “graça, simpatia e espontanei-dade”. O programa, antes chama-do Todos os Nomes, entrevista pes-soas de destaque na Bahia e no Brasil. Depois de uma pertinente consulta numerológica, o nome do programa passou a se chamar somente Nomes. Luzia afirma que no seu programa ela fala sobre tudo aquilo que a interessa. Prin-cipalmente de luxo, já que segun-do ela, “todo mundo gosta”.

Enquanto a plebe rude da ci-dade dorme...

Para Alexandre Alvarenga, esse jornalismo quer enfocar uma determinada camada social e também aquelas pessoas con-sideradas VIPs (sigla em inglês para very important person, que significa “pessoa muito impor-tante”), ou seja, os fatos figura-rão como notícia não por sua relevância jornalística, mas pela importância relativa da pessoa retratada, para aquela determi-nada faixa de público para qual o colunismo se volta.

A Go’Where Bahia Style é de-

Acervo pessoal - Alessandro Macedo

Luzia Santhana é uma expoente do gênero

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7Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

claradamente uma revista direcio-nada para sociedade “classe A” de Salvador, desde a elaboração das matérias até a distribuição das re-vistas. Da tiragem de 30 mil exem-plares, 18 mil são distribuídas para uma lista de contatos específicos, que incluem clientes de alto pa-drão. “A intenção maior é a dis-tribuição direcionada, entretanto nós também vendemos a revista em bancas”, esclarece Patrícia, que vê um contínuo crescimento no mercado do luxo em Salvador. “Fizemos uma pesquisa, na qual verificamos que as classes A e B se interessam cada vez mais em saber sobre artigos de luxo, mui-tas pessoas com grande poder aquisitivo estão chegando à ci-dade”.

O colunista baiano Michel Telles trabalha há 10 anos para o jornal Tribuna da Bahia e possui um site que enfoca os bastidores da alta sociedade de Salvador, chamado Balacobako, e um pro-grama na Piatã FM, de mesmo nome. “Para ser pauta da minha coluna ou site tem que ter acima de tudo algum conteúdo que in-teresse ao meu leitor. Eu recebo muitas coisas, mas muitas delas são fúteis. Eu sempre gosto de colocar o fútil com o útil”, diz Michel, que não deixa de ressal-tar o valor que as pessoas lhe dão pela sua inteligência e influência no eixo Rio - São Paulo. Para ele, tem gente que só faz coluna com futilidade, e ele, então, segue na direção contrária. “Eu coloco de tudo, mas essa parte de futilidade infelizmente as pessoas adoram”, desabafa o colunista.

Para o programa Fama e Suces-

so, exibido na TV Salvador e apre-sentado por Jorge Pedra, o mais importante são os eventos. Em seguida, é essencial dar destaque às pessoas que estão neles, sem-pre com muito “glamour, bele-za, sofisticação e boa música”, para “colocar essas pessoas para cima”, de acordo com o próprio apresentador. Ao invés do tão uti-lizado termo “sociedade”, Jorge Pedra prefere utilizar a expressão “jet set”, para representar a classe dos endinheirados, dos novos ricos e emergentes.

Ao assistir o programa, pode surgir a leve impressão de que Jorge Pedra tenta imitar algum jornalista e apresentador de TV que faz já paz parte do imaginário popular. Mas quanto a isso, ele é enfático: “O meu programa é totalmente diferente do Amaury Jr., até a maneira como eu me ex-presso”. Apesar da negativa de Pedra, é impossível não classifi-car o programa deste como a versão local do seu colega paulista. Basta observar a trilha sonora ultrapassada, de ambas as produções, embora o apresentador da RedeTV goze de melhor apuro na parte técnica e es-tética de seu programa.

Luzia Santhana, apre-sentadora do programa Nome, afirma sem preocupações que o forte do seu programa é o luxo. No entanto, ela acredita que o programa atende a todas as classes sociais. Mesmo as que não podem adquirir os produtos exibidos nos programas. Luzia garante que o público se inter-essa, sim, por luxo: “Por que as

pessoas gostam das novelas da Globo? Para ver o núcleo rico. As pessoas gostam de ver rique-za, beleza. Tem gente que só gosta de ver miséria, notícias ru-ins. A população se sente atraída pelo luxo, sonha em um dia ter bastante dinheiro, satisfazer suas vontades, como viajar, que é o desejo de todo mundo”, resume a jornalista.

Ainda sobre o público, Luzia se baseia numa pesquisa feita por sua equipe, que mediu a audiên-cia do programa, na qual 53% das pessoas que assistem ao Nomes são de classe A e B. No entanto, ela acredita que as outras classes também são espectadoras do pro-grama. “Até Neide, a empregada lá de casa, adora o programa, os vizinhos dela também assistem, prestam atenção nas roupas e, principalmente, adoram quando eu levo Carlinhos Brown”.

Champanhe em vez de cacha-ça

O que já se sabe é que o foco desses produtos midiáticos são as celebridades, artistas e os ricos com seus luxos. Mas, talvez, seja o uso da palavra “sociedade” o fator que gera alguns problemas a essa roda cheia de classe. Patrícia,

da Go’Where Bahia Style, concorda que há um conceito de sociedade que engloba todos os cidadãos, mas, em outro contexto, “a so-ciedade”, segundo ela, “é com-posta principalmente pelas famí-lias abastadas e tradicionais, que fazem parte do ‘mitiê’ baiano”. Afinal de contas, basta ter uma conta bancária acima de cinco dígitos, e um reconhecido brasão familiar para ingressar nessa rea-lidade paralela de glamour.

Jorge Pedra também formula o seu próprio conceito social: “Quando eu digo ‘alta socie-dade’, eu não falo só dos ricos. Os garçons, as cozinheiras tam-bém fazem parte. Eles vão aca-bar se encontrando no mesmo meio”. Pedra, portanto, não acredita que, em Salvador, exista tanto preconceito ou diferenças sociais.

“Tem a sociedade de pessoas normais e a sociedade de pes-soas anormais”, explica o colu-nista Michel Telles. Para ele, as pessoas anormais são aquelas que precisam sair nos jornais e consumir roupas de grifes to-dos os dias, sendo, portanto, fúteis. “Tem muita gente pirada e que não consegue ficar sem sair no jornal nenhum dia. Eles formam essa sociedade que não

tem o que fazer, só quer saber de festa, não tem inteligência nenhuma e só quer saber de comprar roupas de grifes e desfilar em coquetéis da cidade”, confidencia o jornalista. Mas esse público não dei-xa de ser protagoni-sta das suas “notinhas” e dos seus “balacobakos”.

“Eu não uso muito o termo so-ciedade baiana e nem o uso ter-mo VIP. Porque para mim VIP significa ‘Viado Impossibilitado de Pagar’”. Mesmo assim, eles seguem o conselho do cantor Ronaldo Rosedá: “escolhem os melhores vestidos e vão, porque a festa nunca vai acabar”.

Eu não uso muito (...) o termo VIP. Porque para mim VIP significa ‘Viado

Impossibilitado de Pagar’Michel Telles

Acervo pessoal

Banner do site de Jorge Pedra na internet

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8Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Música caribenha Chris Combette estréia no país levando pluralismo cultural à Praça Tereza Batista

FeliPe dieder

Gênero que costuma ser reservado a tudo que não se enquadra nas categori-

zações já estabelecidas do mercado fonográfico, a chamada world music muitas vezes nos brinda com artistas que misturam de modo inconsistente uma verdadeira profusão de referên-cias. Não foi isso o que se viu, porém, no show de Chris Combette, que se apresentou pela primeira vez no Bra-sil no dia 19 de março, na Praça Tere-za Batista, no Pelourinho. Natural da Guiana Francesa, o cantor desfilou um repertório repleto de elementos caribenhos fortemente influenciado pela música pop.

Chris Combette subiu ao palco às 20h30 acompanhado por Georges Mac (percussão) e Eric Bonheur (gui-tarra e efeitos). Visivelmente emocio-nado, chegou a arriscar um “esperei muito, muito por esse momento” em português. Ao longo de duas horas, tocou sua música caribenha cosmo-polita cantada em inglês, francês, es-panhol e dialeto creoulo. Os ritmos são variados: se Mo Kontan To é

salsa, La Danse de Flore é pura bossa nova. O fio condutor das canções são as melodias ao mesmo tempo elaboradas e assobiáveis.

Mesmo com a chuva que caía, a praça foi aos poucos sendo tomada por um público diversificado. À medi-da que o repertório avançava, chama-va a atenção o quanto música genui-namente feita para dançar e lirismo podem (e devem) caminhar juntos. Ao sair do show de Chris Combette, não é difícil dar alguma razão aos sau-dosistas de plantão quando afirmam que a axé-music de hoje já não é mais como a que se fazia. Talvez lá pelos idos anos 80, as raízes do gênero que é sinônimo de carnaval baiano estives-sem mais “expostas”.

A apresentação só terminou ao fim do primeiro bis por conta do horário – o público pediu e Chris queria tocar mais, mas encerrou o show se desculpando pela limitação do tempo. Mesmo com a boa recep-tividade, a maioria dos presentes não conhecia seu trabalho. Era o caso de Cleber Barros, 22, que se mostrou satisfeito: “acho muito importante esse intercâmbio e resgate de culturas

latinas. É fundamental para a unifica-ção de nossas manifestações”, desta-cou. Chris Combette tocou ainda no Teatro Moliére na sexta-feira, 20, e em Recife no sábado, 21.

HistóricoChris Combette é tido como

um dos principais responsáveis pela introdução da música centro-ameri-cana na França. Nascido em 1955 na Guiana Francesa, ele se mudou ainda jovem para a ilha de Martinica, no Caribe. No começo dos anos 70, começou a fazer parte de bandas lo-cais. Em 1975 foi para Paris, onde concluiu sua formação em matemáti-ca. Retornou para Martinica e só em meados da década de 80 se instalou novamente na capital francesa. Em 1990, começou sua carreira solo. Hoje, mora na Guiana Francesa.

O cantor, que tem três álbuns lan-çados – Full South (1994), Salambô (1996) e La Danse de Flore (2003) -, conversou com o Jornal da Facom sobre o começo na música, viagens, e influências. Leia a entrevista a seguir.

JF - Quais suas primeiras lem-branças do contato com a músi-ca? Fui atraído pela música cedo. Meus irmãos mais velhos tocavam violão e logo tratei de reproduzir o que eles faziam. JF - Li que você já conheceu mui-tos lugares. Existe algum pelo qual você tenha um apreço espe-cial? Sem dúvida, Madagascar. É um país fasci-nante, cheio de graça em meio à grande mi-séria que o assola.

JF - Suas canções trazem baga-gens culturais distintas. De que modo você absorve aspectos tão díspares para a sua música? Cresci na Martinica e os grupos de música dos colégios em que toquei reproduziam to-

dos os sucessos das redondezas: de Trinidad, Cuba, Haiti, Jamaica e do Brasil. Eu ouvia todas essas canções e hoje é natural que essas influências se misturem à minha música. To-das essas músicas são a “minha” música.

JF - Você é nitidamente influ-enciado pela bossa nova. Quais músicos brasileiros te inspira-ram? Na adolescência, a música brasileira me to-cou profundamente. Eu escutava canções de Gilberto Gil e de outros artistas. O violão do Baden Powell, seja em bossa nova ou samba... esses ritmos me influenciaram deci-sivamente. Qualquer que seja a canção que eu intérprete, há sempre um momento em que o Brasil a perpassa.

JF - Você morou em Paris. Como se deu o contato da sua música com a cultura francesa? Ela foi bem aceita por lá?Paris é uma cidade com uma vida cultural tão intensa que tudo pode ser bem aceito se o produto oferecido for bem trabalhado e trans-mitir emoção. Há espaço para tudo. JF - Você foi professor de matemática. Esse tipo de conhe-cimento, por mais distante que possa parecer, exerce influência na sua música? Talvez. Alunos numa sala de aula podem representar um público como qualquer outro. Além disso, lecionar é tão apaixonante quanto estar no palco. Acho que essa prática me ensinou muito sobre como me apresen-tar. JF - Existe previsão de lançamen-to de um novo disco? Estou trabalhando com um arranjador de Miami e espero poder apresentar novas can-ções em breve. JF - Você retornará ao Brasil? Durante anos eu sonhei em vir para cá. Meu sonho foi realizado. Espero que ele se repita o mais breve possível.

Felipe Dieder

Chris Combette desfilou repertório de salsa, reggae e bossa nova em duas horas de show

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9Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

E se pegar fogo?O JF adverte: em caso de incêndio no cinema, corra!

CaMila Queiroz

Paula aMor

Nossa brigada de in-cêndio estará a postos para qualquer even-

tualidade!”. Será? Você já pensou nos riscos que corre quando vai ao cinema? Numa comunidade do Orkut chamada Brigada de In-cêndio nos cinemas!, um participante questiona: “Se nunca ninguém viu uma brigada de incêndio nos cine-mas...o q me garante q ela está lá? [...] a gente corre risco! Se não tivesse problema não precisaria de seguro...Será q compensa ir aos cinemas hj em dia? Tendo em vista o alto risco q nós corremos? Esta-mos pagando para morrer?” (sic).

A equipe JF foi atrás dos briga-distas e descobriu o que acontece-ria se um cinema pegasse fogo. No final desta matéria, você vai desco-brir que o melhor a fazer é rezar antes de sair de casa. As brigadas de incêndio existem (em alguns cinemas), mas não podemos con-tar com elas.

Já aconteceu?Ana Carolina Mérola, estudante

de administração da Universidade Federal da Bahia, diz já ter presen-ciado um princípio de incêndio no cinema. “Em 2007, fui ao Cine-mark com uma amiga. Faltando 30 minutos para terminar o filme, sentimos um cheiro de queimado, e todos ficaram nervosos sem sa-ber o que fazer, principalmente porque ninguém do cinema veio nos orientar. Apareceu um fun-cionário explicando que eles não sabiam o que tinha acontecido”. Para Fernando Ferreira, responsável pela manutenção do Cinemark do Salvador Shopping, a fumaça teria vindo da chaminé da loja Burger

King, que fica próxima dos condi-cionadores de ar da sala de exi-bição...

Brigada de IncêndioNos cinemas, a brigada de in-

cêndio é formada pelos próprios funcionários - bilheteiros, gerentes, colaboradores da limpeza e opera-dores de cabine – e não por bom-beiros. Cada um desempenharia um papel e ocuparia uma posição estratégica no caso de incêndio. Após receberem treinamento, os brigadistas deveriam ser capazes de operar os equipamentos de se-gurança, a caminhar no escuro em salas com muita fumaça e a realizar primeiros socorros. Porém nem todos os cinemas de Salvador têm uma brigada de incêndio - e os que têm apresentam uma estrutura de-ficiente.

Podemos confiar?!O Cineplace Itaigara, o cine-

ma do Shopping Center Lapa e o UCI Aeroclube não têm uma brigada de incêndio, nem ofere-cem orientação mínima aos seus funcionários. “A gente nunca teve essas coisas [brigada de incêndio], nenhum tipo de treinamento. Não tem nem bombeiro do shopping. É um absurdo, mas é a realidade”, revela Adriana Sousa, gerente do Cineplace Itaigara. Já no Cen-ter Lapa, a gerente Leide Lima, quando questionada sobre o que fazer no caso de um incêndio no cinema, responde sorrindo: “Cor-rer!”.

“Não temos um pessoal pre-parado para ficar em uma sala es-perando por um incêndio. Porque não acontece sempre, então quem tem que ficar preparado realmente são os funcionários de todas as áreas”, explica Leandro Sales, ge-rente júnior do Multiplex Igua-

temi. Segundo ele, todos devem receber treinamentos teóricos e práticos. No entanto, estes treina-mentos duram aproximadamente quatro horas, o que não garante a eficiência e o preparo dos fun-cionários para lidar com incêndio.

No Multiplex Iguatemi, cada um teoricamente tem uma fun-ção: o gerente é responsável por acionar a equipe de bombeiros do shopping e aos demais funcionári-os, dentre outras tarefas, cabe orientar a evacuação das pessoas pelas saídas de emergência. O fun-cionário Ataíde Andrade, no en-tanto, não hesita em dizer que “na verdade, cada um tem uma fun-ção, mas na hora do pânico, todo mundo corre”.

Nas salas do Shopping Barra, os funcionários são orientados, porém nunca receberam treina-mento prático nem possuem fun-ções específicas em caso de incên-dio. “Eles sabem como funciona, mas a gente nunca fez simulação”, afirma a gerente Noélia Santana. Sabem mesmo?

No Cinemark, a situação é curio-

sa. Fernando Ferreira conta com orgulho que a equipe dispõe de uma cartilha de segurança. “Se acontecer alguma coisa, os fun-cionários que não sabem como agir abrem a cartilha, olham o que aconteceu e leem o procedimen-to”. Imagine o cinema pegando fogo e todos os funcionários reu-nidos em uma sala escolhendo quem lerá as instruções em voz alta – se é que todos já não esta-riam bem longe dali. Vale à pena ressaltar que Fernando era o único brigadista presente no local dentre os dez que compõem a equipe. Ain-da bem que o material das corti-nas é à prova de fogo e que há um bombeiro do shopping nas proxi-midades do cinema...

Os gerentes alegam que nunca houve casos de incêndio nas sa-las de exibição: “O risco é de um cliente tocar fogo numa poltrona, no carpete ou na cortina abaixo da tela. É muito difícil, graças a Deus”, garante Sales, gerente do Multiplex Iguatemi. Mas, como diz o sábio ditado popular, é me-lhor prevenir do que remediar...

Paula Amor

Na hora do pânico, todo mundo corre

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10Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Centenário das discórdiasAs divergências sob e sobre as estruturas da Praça Centenário

rodrigo FiuSa

viCtor gazineu

A praça da avenida Centenário, inaugurada com alarde em

setembro de 2008, causou uma am-pla mudança na rotina de alguns mo-radores da região. Construída sobre o Rio dos Seixos, a obra custou R$ 28,5 milhões e conta com quiosques, ciclovias, parques infantis, pistas de cooper e jardins bem arborizados. Contudo, a beleza arquitetônica e paisagística da praça esconde grandes problemas sócioambientais.

Como uma alternativa de lazer, o local foi bem aceito pela maioria das pessoas. Durante toda a semana, crianças, adultos e idosos utilizam o espaço para caminhar, andar de bici-cleta, fazer exercícios e conversar. “Aqui é maravilhoso, não tenho do que reclamar”, afirma Cristina Gen-til, 60, moradora do Jardim Apipe-ma. Além disso, a intensa movi-mentação de pessoas neste espaço permite que todos sintam-se mais

seguros para aproveitar o espaço até mesmo em horários mais tardios. De acordo com a moradora Sônia Paranhos, 61, a avenida Centenário era um local muito propício para o uso de drogas, mas agora esta práti-ca, apesar de ainda existir, diminuiu consideravelmente.

A praça do apartheidA Praça Centenário liga bairros

com realidades sociais distintas: a Barra e o Calabar. O espaço público tem chamado a atenção por reunir pessoas de classes completamente diferentes. Como dizia o baiano Cas-tro Alves, “a praça é do povo como o céu é do condor”. Seguindo a máxima do poeta, o povo realmente tomou conta e transformou a praça num espaço de diversão para toda a família. A convivência entre ricos e pobres, contudo, parece não ser das mais harmoniosas. Já há boatos de que o local se tornou palco para conflitos envolvendo os “distantes” vizinhos.

Apesar de frequentadores como

Cleonilda Conceição, que defende a praça como um ambiente de todos desde que haja respeito mútuo, há quem analise a situação de forma diferente: “A praça é dividida sim. O lado Sul (região da Barra) é dos ricos e o lado Norte (Calabar) é do povo mais humil-de.”, afirma Isac Lima, 23 anos. Depoimentos como estes confirmam os boatos de que estaria ocorrendo, de fato, um apartheid velado na Pra-ça Centenário. “Quem quiser mais sossego e tranquilidade, tem que ir pra zona sul porque

os moradores do Calabar são desor-deiros e mal educados”, afirma Jean Siu, 25 anos, residente do Alto das Pombas. A situação é confirmada por Cleide de Jesus, moradora do Cala-bar: “O pessoal daqui (zona norte), até que leva as crianças pra brincar no lado da Barra, mas o povo de lá muito dificilmente traz seus filhos pra brin-car aqui”- conclui.

O que ficou para debaixo do “ta-pete”

A construção da Praça Cen-tenário foi realizada pela Prefeitura Municipal de Salvador, com recur-sos do Ministério da Integração Nacional, comandado pelo baiano e morador do Jardim Brasil (região bem próxima à praça) Geddel Vieira Lima, para fornecer uma alternativa de lazer para os soteropolitanos. Sob a promessa de resolver os pro-blemas de alagamentos ocorridos em períodos de chuva, o Rio dos Seixos foi completamente coberto e, para a efetivação do projeto, teve que passar por um grande processo

de macrodrenagem gerenciado pela Superintendência de Urbanização da Capital (Surcap). Além disso, foram realizados procedimentos de dragagem, escavação e revesti-mento e a implementação de pistas de concreto ao longo de 1,5 km de extensão.

Procurado pela equipe do JF, o chefe do Setor de Meio Ambiente do GEMAT (Gerência do Meio Ambiente e Apoio Técnico), João Deway, afirmou que todo esse pro-cesso melhorou muito a qualidade de vida na região. “Antigamente ha-via o acúmulo de resíduos sólidos e o lixo das comunidades próximas era, em parte, despejado no rio. Ag-ora que está coberto, não tem mais como isso acontecer”, afirma.

Da mesma forma, o geólogo e gerente do Meio Ambiente do GE-MAT, Frederico Rossiter, diz que a poluição do local, além de causar mau cheiro, atraia inúmeros mosqui-tos para a região, facilitando, desta forma, a transmissão de doenças para os residentes. “O projeto envolveu, dentre outras coisas, a questão da hi-giene”, diz Rossiter.

O coordenador executivo do GAMBA (Grupo Ambientalista da Bahia), Rogério Mucugê, por sua vez, possui uma opinião dis-tinta. Segundo ele, o Rio dos Seixos consistia em um dos mais limpos da cidade e a sua cobertura foi um erro. “A pavimentação do rio con-tribui com o aquecimento do clima local, pois a água é naturalmente um regulador térmico. Com o seu fechamento, a troca de calor ficou inviabilizada, aumentando a tem-peratura ambiente”, sustenta. O ambientalista complementa afir-mando que a impermeabilização do solo comprometeu a drenagem das chuvas torrenciais, além do fato de que as formas de vidas existentes no rio também foram destruídas.

Rdorigo Fiusa

Placa sinaliza contradição na Centenário

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11Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Teoria sem práticaNa escola de Medicina Veterinária da UFBA, a extrema dependência dos estágios compromete a formação

guilherMe vaSConCeloS raFael Freire

O dilema é antigo. Qual o pa-pel da universidade? Na teo-ria, pelo menos, está tudo

definido: formar profissionais qualifi-cados e cidadãos críticos. Na prática, principalmente em países subdesen-volvidos, parece difícil, praticamente impossível, que as instituições de en-sino superior cumpram suas funções prioritárias. Os problemas vão desde a dificuldade em obter estágios e a precariedade estrutural até o desinte-resse dos próprios alunos.

No curso de Medicina Veterinária da UFBA (Universidade Federal da Bahia), por exemplo, as queixas são freqüentes. Os objetivos da instituição – formar profissionais capacitados e contribuir para o desenvolvimento re-gional – dificilmente são atingidos em sua plenitude. Tanto os alunos quanto a direção da Escola concordam que há deficiências graves. Quando ques-tionado a respeito da estrutura da

faculdade, o aluno do 9º semestre, Fernando da Silva Nascimento, re-conhece a qualidade do corpo docen-te, mas aponta alguns problemas: “A biblioteca é uma vergonha. Os alunos das faculdades particulares têm livros em maior quantidade e mais atualiza-dos que os nossos. Nossos professo-res são limitados pela precária estru-tura da faculdade”.

Outra reclamação bastante co-mum é a falta de contato com animais de grande porte, uma vez que o Hos-pital universitário atende, principal-mente, caninos e felinos e as matérias relacionadas a eqüinos e bovinos, por exemplo, são escassas. A formação do aluno que deseja se especializar nessa área passa a depender quase que ex-clusivamente dos estágios.

EstágiosComo o curso de Medicina Vete-

rinária é essencialmente técnico, os estágios desempenham papel muito importante na aquisição de conhe-cimento e desenvolvimento de habi-lidades práticas. Para receber o diplo-

ma, os estudantes de Veterinária têm, obrigatoriamente, que fazer estágios curriculares, os quais, segundo eles, não têm a duração necessária para pôr em prática os conhecimentos adquiri-dos. A solução seriam, então, os es-tágios extracurriculares – aqueles que os alunos fazem por conta própria. Entretanto, a falta de diálogo entre os estudantes e a direção/coordenação da escola é evidente. A desinformação reina absoluta. De um lado, os alunos reclamam da dificuldade em con-seguir os estágios: “Aqui os estágios são muito escassos. Para quem deseja seguir a área de campo, a situação é mais complicada ainda. Desconhe-ço qualquer tipo de convênio que a faculdade mantenha”, revela Lucas Cardoso Botelho, estudante do 10º Semestre.

Por outro lado, a direção da facul-dade alega que, muitas vezes, o pro-blema não está somente na limitação das vagas, mas também no despre-paro e desinteresse dos alunos. É co-mum, por exemplo, segundo Maria Consuelo Ayres, coordenadora da

disciplina Estágio Supervi-sionado, vagas não serem preenchidas por falta de capacitação dos estudantes. “Será que existe interesse do aluno? Muitas vezes, ele não consegue estágio por falta de preparo e comodismo”, rebate a coordenadora.

Para facilitar a interme-diação entre os alunos e as empresas que oferecem es-tágio, a instituição dispõe do NEP (Núcleo de Extensão e Pesquisa), órgão respon-sável por coordenar e super-visionar os estágios extra-curriculares e os convênios firmados pela Universidade. Na prática, entretanto, o NEP tem a sua eficácia comprometida pela deficiên-

cia na divulgação de suas atribuições, falha que a própria coordenadora dos estágios, Maria Celeste Viana, admite. “Um dos nossos defeitos é a falta de divulgação. A gente tem uma lista de convênios com instituições como ADAB (Agência Estadual de Defesa Agropecuária da Bahia), Embrapa, Secretaria de Agricultura e várias clínicas, mas não temos a cultura de fazer marketing daquilo que a facul-dade promove. Falta divulgar e infor-mar melhor”.

Mercado versus formação geral A formação oferecida pelo curso

não dá segurança aos profissionais recém-formados. Na hora de enfren-tar o mercado de trabalho, as opor-tunidades de aprendizado que não foram aproveitadas ou oferecidas pela faculdade fazem falta. Há relatos de estudantes que retardam a conclusão da graduação por ainda se sentirem inseguros em relação ao mercado. Há também aqueles que depois de for-mados retornam à faculdade em bus-ca de estágio. “Existe muito receio de quem está se formando. O pessoal sai com muita insegurança para o mer-cado. É lá fora mesmo que a gente vai ter que aprender”, afirma o estudante Lucas Botelho.

Para o diretor da escola, Carlos Roberto Frank, é um equívoco espe-rar da Universidade uma formação profissional completa. Segundo ele, o aluno deveria sair do ensino superior com habilidades que lhe permitirão buscar e processar conhecimento dentro ou fora de sua especialização. As constantes mudanças no mercado seriam a razão pela qual a universi-dade não deve privilegiar a formação técnica. “A universidade prepara para o mercado? O mercado se transforma o tempo inteiro. Seria irresponsável preparar os alunos para uma tendên-cia do mercado que amanhã poderá perder força.”

Rafael Freire

A estrutura precária limita a atuação dos professores e compromete o aprendizado

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12Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Desafios da UFBA NovaSem prédio e sem laptops, o projeto do Reitor segue em implantação

FrederiCo FagundeS

Mariana alMoFrey

Um show de luzes e cores. Assim foi a recepção dos alunos dos Bacharelados

Interdisciplinares (BIs), a nova co-queluche da Universidade Federal da Bahia. Enquanto calouros de algu-mas unidades ganharam apenas tinta, farinha e ovos ao entrar na UFBA, o IHAC - Instituto de Humanidades, Artes & Ciências “Professor Mil-ton Santos”, que funciona proviso-riamente no PAF III, organizou um evento nunca dantes visto na UFBA pré-REUNI, com iluminação néon, clima lounge, música e performances feitas por professores e alunos.

Os bacharelados, que tem a dura-ção de três anos, são cursos superi-ores de dois ciclos. Nos três primei-ros semestres o aluno adquire uma formação geral dada pelo IHAC e os três semestres restantes serão cursa-dos nas unidades da UFBA que aderi-ram ao REUNI e oferecem “áreas de concentração” para os BIs. “Estas ‘áreas’ ainda não estão bem estrutu-radas, mas algumas já estão definidas, como Cinema e Vídeo, que será ofe-recida pela FACOM”, conta Albino Rubim, diretor interino do IHAC.

Nos corredores do PAF III, o cli-ma é de empolgação. Quanto à estru-tura, não há queixas: pelo contrário. “Somos a primeira turma e eles que-rem que a gente faça propaganda positiva, temos ar condicionado e até televisão de LCD em algumas salas”, afirma Nti Uirá, aluna do BI de Artes. Se perguntados sobre a es-trutura curricular do curso, a maioria declara estar satisfeita com os docen-tes e a proposta do curso. “Há maté-rias que quem vê acha loucura, como ‘Mudanças Climáticas’ e ‘Estudos da Contemporaneidade’, mas têm

tudo a ver com o que a gente está vivendo hoje em dia”, afirma Edmara Viana, aluna do mesmo BI.

Universidade capen-ga?

“Só quem é alienado não sabe que há um dé-ficit de estrutura imenso na UFBA”, diz José Ta-vares Neto, diretor da Faculdade de Medicina. Segundo ele, o caminho percorrido pela univer-sidade foi contrário a algo que “qualquer dona de casa sabe: primeiro deve-se arrumar a casa, para depois ampliá-la”. O reitor Naomar Almei-da, porém, afirma que “nunca teremos as condições ideais para crescer e não é correta a idéia de que a expansão está sendo feita sem condições suficientes, porque a UFBA possui uma enorme capaci-dade ociosa à noite”.

O que Tavares alega é que não há equidade entre a nova unidade criada e as antigas. Exemplo disso é a re-quisição de laptops pela UFBA, que seriam destinados apenas aos alunos dos Bacharelados Interdisciplinares. Perguntado sobre o assunto, o reitor esclareceu que, ao contrário do que foi divulgado na imprensa, os laptops não seriam dados aos bacharelandos, o que é proibido por lei, “eles serão emprestados apenas nas dependên-cias do IHAC, não podem ser leva-dos para casa. Seriam usados durante as aulas, com ambientes virtuais das disciplinas”, afirma. Já Albino alega que é preciso ter os laptops para de-pois saber que destino eles terão. Ele afirma, no entanto, que os aparelhos não serão utilizados durante as aulas.

Contradições à parte, dos laptops

ainda não se viu a cor, muito menos o “design exclusivo”. Diante da de-sistência da empresa do Pólo de I-lhéus com a qual a UFBA estava ne-gociando a aquisição dos aparelhos, a reitoria pediu ao MEC a aquisição de 150.000 notebooks através do pro-jeto Um Computador por Aluno. O Tribunal de Contas da União, porém, pediu vistas ao processo e suspen-deu a licitação em curso, o que fez parecer que os laptops eram ou um devaneio da reitoria, ou propaganda enganosa, como afirma o “Saci Pere-rê”, personagem criado pelo profes-sor Menandro Ramos, da Faculdade de Educação, para criticar a Universi-dade Nova.

Os alunos, porém, não sentem falta dos laptops. Inajara Simões, es-tudante do BI de Humanidades des-taca que existem outras prioridades na UFBA. “A reforma deveria ser mais homogênea, ‘São Lázaro’ está precário e o Restaurante Universi-tário está parado”, completa Nti. A questão da segurança, para os alu-

nos, está bem providenciada. Além de iluminação nas trilhas, há rondas da Polícia Federal pelo campus de Ondina e estão sendo instaladas 477 câmeras. “Nenhum caso de violência dentro do campus foi reportado até agora”, afirma Sérgio Farias, vice-diretor. O fato das aulas de todos os Bacharelados estarem proviso-riamente concentradas no prédio do PAF III contribui com que os alunos e docentes do IHAC sintam-se mais seguros.

Perguntado sobre o que fazer quando o PAF III não comportar mais os alunos, o reitor não hesita: “Já estamos construindo o PAF V, atrás do PAF III, vocês já viram?” A verdade é que não se vê nem uma pá de cimento no local, porque sequer o matagal foi aparado. Quanto à construção do prédio onde o IHAC deveria funcionar, não há sequer pro-jeto ainda. “A previsão é de que o prédio esteja pronto em no mínimo dois anos. As coisas da Universi-dade demoram, tem que fazer licita-

Mariana Almofrey

Por enquanto laptops no PAF III só dos alunos

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13Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

ção”, esclarece Albino. No entanto, o número de vagas crescerá em um ritmo muito mais acelerado que as obras. Até 2011, dois mil alunos en-trarão nos BIs a cada ano. “Nesse ano entraram 900, mas esse número deve crescer gradativamente até lá”, afirma o diretor.

O destino dos egressosHá três caminhos para os alunos

formados pelos Bacharelados Inter-disciplinares: ingressarem no mer-cado de trabalho, fazerem uma pós-graduação – já que os BIs são cursos superiores – ou seguirem para os cur-sos tradicionais.

Anne Carneiro – aluna do BI de Humanidades – acredita que o mercado de trabalho possa abrir es-paço para os estudantes egressos dos BIs. No entanto, Inajara afirma que grande parte dos seus colegas são graduandos, pretendem ingressar ou já são formados nos chamados “cursos de progressão linear”. Isto

demonstra a desconfiança dos alunos quanto à possibilidade de abertura do mercado para os futuros Bacharéis Interdisciplinares. “Todos os cole-gas com quem eu converso tem uma profissão em mente”, afirma Thaís Paixão, aluna de Humanidades.

“Os alunos vão investir seu tempo e ficar com esse diploma na mão. Para fazer o que do ponto de vista prático?” questiona Telésforo Martinez, professor do Instituto de Geociências. Ele afirma que no Bra-sil ainda não há demanda para esses bacharéis. “Isso é muito bonito na Europa, nas universidades que o rei-tor cita, mas aqui não. O Brasil ainda não é um país que ‘vende idéias’. Eu não vejo a implantação desses bacharelados como uma demanda necessária da sociedade”, pondera.

Segundo o reitor, a ampliação de vagas, da forma como vem sendo feita na UFBA, seria uma demanda social. “A universidade passou anos sem crescer, enquanto o setor priva-

do explodiu e a sociedade necessita de educação superior”. Para Marti-nez, a criação dessas vagas estaria sendo feita para atender não uma de-manda da sociedade, mas uma “ne-cessidade” do Governo Federal: “o que o governo quer é dizer que in-seriu não sei quantas pessoas na uni-versidade, isso tudo vai virar número para campanhas políticas”. Tavares Neto endossa o ponto de vista afir-mando que se trata de uma Bolsa Universidade.

Quando é questionado sobre o mercado e o futuro profissional dos 900 estudantes que entraram esse ano nos BIs, o reitor reconhece que sua preocupação não é o mercado de tra-balho e expõe opiniões particulares: “eu acho incorreto, injusto e até triste se uma instituição que é chamada de universidade se limite a dar formação profissional, se submeta ao mercado de trabalho”. Mesmo que o reitor considere “triste”, é com isto que a maioria dos estudantes está preocu-pada. “Os supletivos chamados BIs são invenções desconectadas da reali-dade chamada mercado de trabalho. Quando essas pessoas concluírem, vão ser empregadas em quê?”, ques-tiona Tavares Neto.

Supletivos ou não, a demasiada abrangência e generalidade das aulas é uma preocupação recorrente entre os alunos. “Nos BIs você adquire o conhecimento geral”, completa Nti. Segundo o professor Telésforo, devi-do à formação abrangente, os bacha-réis interdisciplinares perderiam o foco essencial a qualquer profissão: “Toda profissão tem um foco. Para que serve um engenheiro, um ad-vogado, um dentista? Todo mundo sabe. Mas e os BIs?”.

O reitor afirma que os alunos egressos do BI “podem trabalhar em qualquer coisa”. “Esses alunos estão sendo de alguma maneira enganados. Primeiro porque não há mercado de trabalho definido, e segundo porque esse diploma não serve para nada. Só serve no sistema universitário. Esses alunos vão concorrer por vagas de mestrado com alunos de cursos regu-lares, que são limitadas pela CAPES.

Vai haver uma concorrência brutal entre quem tem curso regular e esses do curso que foi inventado”, diz o diretor da Faculdade de Medicina. E completa: “Os alunos de Saúde, por exemplo, não serão médicos, nem enfermeiros, nutricionistas ou bio-químicos. Existe uma coisa chamada mercado. Querer mudá-lo já é insani-dade”.

Cotas para bacharéis

Segundo resolução aprovada pelo Conselho Universitário (CONSUNI), dentro de três anos, no mínimo 20% das vagas de cada curso regular serão reservadas para os concluintes dos BIs. Naomar explica que, a depender da demanda de alunos dos BIs por cursos tradicionais, seria feito um processo seletivo – somente para esses bacharéis – a ser definido pela câmara de graduação.

Os problemas aparecem quando o próprio reitor e o diretor do IHAC reconhecem que grande parte dos alunos que cursam o BI de Saúde tem intenção de estudar Medicina. Diante disto, a cota de 20% pode não ser su-ficiente. Temendo essa situação, o di-retor de Medicina, uma das unidades que não aderiu ao REUNI, alerta: “quando entrarem os 20%, vai ha-ver um grupo que entrará na justiça federal porque foi desprestigiado por isso ou aquilo e vai ser um caos”.

Caso a cota exceda os 20%, a situação ficará ainda mais complica-da para quem planeja entrar pelo ves-tibular comum. Tavares Neto acres-centa ainda que a reserva de vagas é injusta, “porque vai favorecer um grupo de alunos com um diploma que não serve para nada na área da Medicina em relação aos pré-vestibu-landos, que vão entrar em guerra civil por vagas.”

Percebe-se que os problemas são muitos e, segundo o reitor, “trata-se de um modelo em adaptação,” plane-jado para os próximos anos. Não há dúvidas de que a expansão da univer-sidade é uma necessidade social. Se o modelo que está sendo implantado é o mais adequado e dará certo, so-mente o futuro dirá.

Paula Amor

O reitor Naomar Almeida fala ao JF

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14Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

E o Instituto de Química pegou fogoIncêndio coloca bombeiros em xeque e revela cultura do improviso

gabriela vaSConCelloS

livia Montenegro

O incêndio ocorrido na tarde do dia 21 de março no Insti-tuto de Química da Univer-

sidade Federal da Bahia não destruiu apenas os laboratórios da unidade, equipados ao longo de décadas com toda a sorte de dificuldades. Além do prejuízo causado a centenas de alunos do próprio instituto, e dos cursos de graduação e pós de diversas unidades das áreas de ciências exatas, biológicas e de saúde da universidade, o episódio deixou chamuscada a performance do Corpo de Bombeiros de Salvador e serviu de alerta para combater uma prática comum para driblar a falta de infra-estrutura e manutenção de ins-

talações de prédios públicos: o jei-tinho e a cultura do improviso.

O edifício, construído há cerca de quatro décadas, estava longe de ter estrutura suficiente para a incor-poração, ao longo do tempo, de cen-tenas de equipamentos sofisticados, de alta tecnologia e demandantes de consumo de energia em níveis muito acima do que se considera convencional. Neste contexto, o incêndio envolve uma cadeia de práticas e cenários que, lentamente, foram desenhando silenciosamente um desfecho que, por muito pouco, não se constituiu em uma tragédia maior.

Livia Montenegro

Professores e estudantes recolhem o que sobrou do incêndio

nelSon oliveira

verena ParanhoSPrejuízos

As cifras dos prejuízos, orça-dos na casa dos milhões, am-

plamente divulgadas na imprensa não passam de especulações. A reitoria afirmou que ainda não tem como contabilizá-los, mas deve fazer isso em tempo hábil para que a reconstrução comece nos próximos meses. Com esse intuito, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, pe-diu pessoalmente aos professores e diretores presentes, durante visi-ta ao instituto, que produzissem relatórios relacionando todos os prejuízos.

Dirceu Martins, diretor do Instituto de Química, revelou que a avaliação dos prejuízos vai

ser feita pelos coordenadores de laboratórios, através do sistema SISLAB, que registra as pesquisas cadastradas e os materiais utili-zados. “Os pesquisadores terão que comprovar a compra de ma-teriais que não constam no siste-ma através de notas fiscais. Caso tenham sido queimadas, terão que pedir as cópias aos fornece-dores”. Martins destacou ainda que, do universo de cerca de três mil alunos que freqüentavam o Instituto, não foram prejudicados somente alunos de Química, mas também dos cursos de Farmácia, Engenharia Química e Nutrição, de graduação, iniciação científica e pós-graduação.

Chuva ácida

Apesar de o incêndio ter atingido nove laboratórios do quinto an-

dar, outras áreas do prédio também foram prejudicadas. Segundo o pro-fessor Silvio Cunha, professor do Departamento de Química Orgânica, a água usada para tentar apagar o fogo e a alta temperatura podem ter comprometido aparelhos nos ou-tros andares. A professora Cristina Quintela, coordenadora do Lablaser explicou que a reação entre as cinzas e a água tem efeito semelhante ao da chuva ácida, e pode destruir os equipamentos: “se forem afetados, os equipamentos podem resistir por alguns dias, mas não semanas ou me-ses”. Por isso, a professora planejava, assim que a entrada dos professores fosse liberada no prédio (o que acon-teceu na quarta-feira, 25), retirar os equipamentos e, com a ajuda de um técnico, verificar quais ainda funcio-navam. Para guardar a memória das pesquisas, gravariam os conteúdos dos discos rígidos e entregariam aos seus respectivos donos.

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CIDADE

E o Instituto de Química pegou fogoIncêndio coloca bombeiros em xeque e revela cultura do improviso

Nelson Oliveira

IQ permanece interditado após incêndio

Pesquisas perdidas

Os nove laboratórios incendia-dos eram especializados em

catálise, processo que acelera as reações químicas e proporciona a progressão das pesquisas. Por isso, eram considerados os mais impor-tantes de toda a unidade. Sete deles eram dedicados apenas para a pós-graduação e concentravam toda a pesquisa de ponta realizada no pré-dio. A perda dos laboratórios deve desacelerar a produção acadêmica dos estudantes. Segundo a profes-sora Cristina um terço dos artigos científicos produzidos anualmente na Bahia são oriundos da facul-dade.

Parte dos professores afirmou que alguns experimentos poderão nunca mais ser refeitos. Nesse sen-tido, Silvio Cunha aponta que a extensão da perda científica é in-calculável. “A memória do experi-mento, o caderno de laboratório, todas as anotações foram queima-das. Será necessário refazer tudo, desde o início. Em uma estimativa imprecisa, imagino que para voltar-mos ao estágio em que estávamos vamos demorar cerca de cinco a dez anos”.

Por outro lado, Emerson Sales, um dos professores do departa-mento de Físico-Química prejudi-cados, aponta que os prejuízos não

foram maiores porque muitas coi-sas já estão publicadas e difundi-das. “O prejuízo acomete os pro-jetos que estavam em curso agora. Alguns dos meus orientandos passavam dois anos fazendo uma reação de catalisação”, lamenta.

Raigenes da Paz Fiuza, que vai defender sua dissertação de mes-trado em abril, é um dos alunos que teve parte de sua pesquisa perdida. Ele conta que perdeu parte dos materiais da pesquisa e não vai atingir o objetivo espera-do, “mas de qualquer forma darei uma boa contribuição científica”, diz. O aluno de pós-graduação foi o terceiro a chegar ao laboratório onde o incêndio começou e aju-dou na evacuação do prédio, que tinha cerca de dez pessoas.

Bolsas-sanduíche

Uma das prováveis medidas anunciadas pelo minis-tro Sérgio Rezende é a criação de bolsas-sanduíche

para mestrado e doutorado. A decisão, de caráter emer-gencial, deve ser tomada em parceria com as agências reguladoras, CAPES e CNPQ, para que os estudantes possam concluir as pesquisas em outras instituições de pós-graduação nacionais. “A pesquisa não está perdida. O mais importante é o conhecimento que fica com cada um. Este é um momento para fazer intercâmbios”, disse o ministro.

Estrutura precária

Desde sua construção, em 1971, o prédio do IQ nun-

ca passou por grandes reformas e, entre outros problemas, tem a fiação elétrica visível em alguns pontos. Cristina Quintella, que juntamente com o professor Jorge Davi arrombou a porta do Laboratório 519 na tentativa de apagar o fogo, denuncia que as paredes dos laboratórios incen-diados eram divisórias de fórmi-ca, material inadequado para um laboratório que abriga produtos inflamáveis.

Segundo Lafaiete Almeida Cardoso, professor do Depar-tamento de Química Orgânica, um edifício horizontal seria ideal para o Instituto: um prédio de no máximo dois pavimentos e estru-tura que comportasse motores

mais potentes, com fácil acesso e deslocamento. “Essa discussão vinha acontecendo há dois anos, o novo modelo já tinha sido apro-vado”, disse.

De acordo com Antonio Reis Cerqueira, mais conhecido como Reizinho, funcionário do Instituto há quarenta anos, os laboratóri-os passavam por manutenções, mas a estrutura do edifício estava decadente. “Chegou a esse estado porque o prédio foi construído para atender a uma demanda de aproxi-madamente dez anos e, quatro dé-cadas depois, ainda tem as mesmas estruturas”, denuncia com indig-nação. Para ele, o patrimônio públi-co vem sendo tratado com descaso e o ocorrido serve de exemplo para que as autoridades, a partir de en-tão, passem a preservá-lo.

“Chegou a esse estado porque o prédio foi construído para atender a uma demanda de aproximadamente dez anos e, quatro décadas depois, ainda tem as mesmas estruturas”

Antonio Reis Cerqueira (Reizinho)

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16Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

Verbas Federais

O ministro Sérgio Rezende, em visita feita ao IQ no dia 24 de

março, prometeu ajuda para a reto-mada das pesquisas e recuperação do prédio. Segundo ele, o MCT e-xercerá papel de articulador entre as entidades subordinadas ao minis-tério, além de Petrobras e Eletro-brás. “Apesar da crise econômica internacional, nós temos recursos para investir na área. Nesta hora, não tenho dúvidas que não vai fal-tar apoio e solidariedade do presi-dente Lula”, afirmou o ministro. Além do apoio do MCT, a recons-trução do Instituto também rece-berá apoio do Ministério da Edu-cação. “A verba do REUNI será usada para essa emergência. Agora é hora de reconstruir”, disse o rei-tor da UFBA, Naomar de Almeida Filho. Dirceu Martins, diretor do IQ, acrescenta que é importante também buscar apoio da bancada baiana no Congresso.

Segurança

Para Dirceu Martins, a segu-rança nos prédios da universi-

dade tem que ser revista. “Vamos repor os equipamentos perdidos e construir prédios com normas de qualidade e segurança”, afirma. O professor Emerson Sales também defende que esta questão deve ser repensada, pois o prédio não tinha itens básicos de segurança, como hidrantes. Na opinião de Reizinho, cada unidade deveria ter um en-genheiro de segurança para veri-ficar o crescimento dos institutos e adequar as necessidades dos cursos às instalações.

O professor do Departamento de Química Orgânica, Silvio Cu-nha, contesta as especulações de que os alunos não são prepara-dos para agir diante de incêndios. Segundo ele, existe uma preo-cupação no Instituto relacionada

Cultura do improviso

Segundo o diretor do Ins-tituto, muitos professores

começavam projetos de pesqui-sa sem a autorização do Depar-tamento. Martins afirma que esses professores instalavam novos equipamentos sem se preocupar com a possibilidade de sobrecarga no sistema elétri-co e contratavam empresas pri-vadas para realizar as instalações por conta própria. “Nossa es-trutura estava ade-quada para a demanda atual, mas todos os dias os pesquisadores recebem novos aparelhos, através dos projetos que enviam para o CNPQ”, assegura Dirceu Mar-tins. O diretor não sabe afirmar a quantidade de equipamentos que existia no prédio. “Não é por omissão, mas porque não há um senso cooperativo. Todo mundo quer ser chefe de si próprio”, complementa.

Desde 2007, foram feitas duas solicitações para que a prefeitura do campus avaliasse a estrutura do prédio e as instalações elétricas. So-mente a segunda foi atendida, mas apenas a situação estrutural do pré-dio foi avaliada.

Durante as semanas anteriores ao incêndio, ocorreram sucessivas quedas de energia em todo o cam-pus de Ondina. Segundo o diretor, isso pode ter tido alguma relação com o incidente. “Quando ocorrem quedas de energia, os equipamentos bifásicos ficam em uma fase só, o que faz com que eles desliguem e

queimem, ou fique ligado e ainda aquecendo. Neste segundo caso há um risco muito grande de aconteci-mentos como esse.”

De acordo com a professora Cristina Quintella, por volta das nove da manhã de sábado (dia do incêndio) faltou luz por cerca de dez minutos. Ela não verificou se apenas uma fase estava ligada, espe-rou a energia retornar. “Não sei se as faltas de luz têm relação com o incêndio, mas quando descobrimos o foco no laboratório, o fogo pare-cia ter iniciado mais cedo”, consi-dera.

à segurança e os estudantes são instruídos a controlar pequenos incêndios com extintores de pó químico. “Na semana seguinte ao incêndio, teríamos um treinamento ministrado pelos bombeiros para os graduandos”, exemplifica. Além disso, o professor afirma que cada andar tem uma pessoa responsável, treinada em brigada de incêndio.

André Barreto, estudante do 5º semestre da graduação, confirma que desde o início do curso os alu-nos são preparados para lidar com incidentes. Cunha acredita que, se o incêndio tivesse ocorrido du-rante a semana, os próprios pro-fessores, estudantes de graduação e pós-graduação que estivessem no prédio, conseguiriam debelá-lo, pois provavelmente as chamas te-riam sido notadas antes de tomar proporções extensivas.

Nelson O

liveira

Ministro e Reitor em visita ao IQ

“O corpo de bombeiros não estava preparado para lidar com gases explosivos e material inflamável”Emerson Sales

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Bombeiros

O corpo de bombeiros chegou ao local do incêndio cerca de

meia hora depois do início, mas de acordo com o professor Sales, sua atuação não foi satisfatória. Além da falta de hidrantes no campus, os bombeiros não tinham máscaras, nem qualquer outro equipamento que auxiliasse no combate a incên-dios dessa proporção. “O corpo de bombeiros não estava preparado para lidar com gases explosivos e material inflamável. O coronel res-ponsável pela corporação não quis admitir que não tinha condições de apagar o incêndio e mandou a brigada da Petrobras, que estava a caminho, voltar. Existem questões burocráticas nesses casos, precisá-vamos de uma solicitação oficial dos Bombeiros”.

O professor, que preferiu não revelar o nome do coronel respon-sável pela ordem, afirmou ainda que a ajuda da brigada de incêndio do Pólo Petroquímico de Camaçari (que só chegou ao local por volta das 21h), foi fundamental para de-belar o incêndio: “Não podemos chegar de peito aberto e enfrentar o fogo”, ressalta Sales. Segundo um segurança do Instituto, com a chegada da brigada do Pólo, em menos de uma hora o incêndio foi controlado.

Aulas Teóricas e Práticas

No que tange a realização das aulas práticas da pós-

graduação, a diretoria do IQ ava-lia buscar convênios com outras instituições de ensino do Brasil. Já em relação à graduação, Maria Luiza Corrêa, vice-diretora do IQ, afirma que as aulas teóricas continuam acontecendo, porque são realizadas no Pavilhão de Aulas da Federação (PAF). Já as aulas práticas da graduação es-

tão sendo organizadas por uma comissão designada pelo Dire-tor, que tenta concentrá-las no campus de Ondina, fazendo uso dos laboratórios de Geociências, Farmácia, Biologia, Politécnica e Física. “A Área 1 e a Unifacs ofereceram os laboratórios, mas, para evitar o deslocamento dos alunos, estamos tentando reunir as práticas aqui mesmo”, afirma Maria Luiza.

Nel

son

Oliv

eira

Diretor do IQ e o funcionário “Reizinho” lamentam o incêndio

Alunos

Desde o ocorrido, assem-bleias vem sendo realiza-

das para discutir o futuro das aulas práticas. Bárbara Pinhei-ro, aluna do 5° semestre de Li-cenciatura em Química, afirma que há bastante discussão, en-tretanto não se chega a um de-nominador comum. “Pensam muito na pós e em pesquisas, mas os alunos de graduação fi-cam de lado”, critica Bárbara. Segundo ela, a organização de

outros laboratórios depende da mobilização direta de cada turma, envolvendo professores e alunos.

De acordo com a aluna do 7° semestre de Bacharelado em Química, Fabiany Cruz, a avaliação prática vai ser preju-dicada, apesar dos professores estarem “correndo atrás” de outros laboratórios. “A expec-tativa é que as aulas continuem em outros locais, mas depende da transferência de equipamen-tos. Não é simples”. Para ela, o conteúdo não vai ser tão preju-dicado, pois o curso também tem grande demanda teórica. Maria Luiza reconhece que, de alguma forma, as aulas serão prejudicadas: “estamos tentan-do minimizar os prejuízos. Va-mos fazer de tudo para não es-tender o semestre”.

BibliotecaA biblioteca do Instituto, que conta com o terceiro maior acervo sobre química do Brasil, também está localizada no quinto andar, mas não foi incendiada, por estar situada na parte de trás do prédio e ter pare-des de alvenaria. No entanto, sofreu ação do calor, fuligem e água – o que pode abreviar a vida útil dos livros.

Solidariedade

Nesse momento de crise é grande a solidariedade re-

cebida. Segundo Emerson Sales, “professores e alunos de outras universidades do Brasil inteiro tem ofertado ajuda. O telefone não pára de tocar”. Ele informou ainda que a UNIFACS se solidarizou, disponi-bilizando seus quatro laboratórios de pós-graduação destinados à catálise. Luis Pontes, Pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da facul-dade, declarou que os laboratórios da universidade encontram-se à disposição dos professores e alu-nos que tiveram pesquisas preju-dicadas. Para o ministro Sérgio Rezende, este é um momento em que professores e estudantes de-vem se unir. “Toda a universidade deve tirar lições do acontecido e juntar forças. Vamos repetir o que tem dito o presidente Lula: vamos enfrentar a crise de frente”.

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18Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

Ser negro está na moda?A recorrência pela imagem de mulheres negras e campanhas publicitárias tem sido cada vez mais forte

luíS Fernando liSboa

Mariana alMoFrey

Bancos, empresas diversas, grifes e milhares de propa-gandas eleitorais se apropri-

aram da imagem do negro e não que-rem mais largar. Ao abrir uma revista, ou ligar televisão, principalmente na mídia local, é comum ver mulheres negras protagonizando campanhas publicitárias de todo tipo. As propa-gandas do Governo do Estado são as que mais apresentam porta-vozes afro-descendentes. Geralmente, mu-lheres negras aparecem para falar so-bre as últimas conquistas do governo, e para apresentar os últimos números de desenvolvimento. Já as revistas

locais “penduram” em meninas negras acessórios que variam entre jóias requintadas e adornos associados à cultura afro-baiana. O discurso do apelo mul-ticulturalista e étnico tem sido utilizado de modo exaustivo.

É bom ‘pra’ venderTrês horas da tarde

de um domingo no Salvador Shopping, o que concentra a maior quantidade de lojas caras da cidade. Ob-servando-se uma delas, durante uma hora, o que se vê são peruas e socialites num intenso frenesi. Por coincidên-cia ou não, todas elas são brancas. O fenô-meno não é isolado. Em outras grifes, o paradoxo é ainda mais evidente: negras são vistas em editoriais e

campanhas publicitárias, apesar de não serem parte significativa do res-pectivo público-consumidor.

Programas e publicações locais especializados em moda não dis-pensam a escolha de modelos afro-descendentes. De acordo com Ilana Strozenberg, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, “as grifes caras não buscam atrair o público negro, apenas recorrem às modelos negras para atingir o público que tem em dinheiro para comprar as peças, que quer se identificar com uma visão contemporânea do mundo.” Outros especialistas avaliam a mercantiliza-ção da imagem do negro. De acordo com Antônia Garcia, pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos In-terdisciplinares sobre a Mulher da

UFBA), a sociedade tem questionado os padrões de beleza difundidos até hoje e, mesmo com mulheres negras aparecendo em propagandas, ainda é grande a desigualdade racial no Brasil. “Todos sabem que hoje esta negra é considerada tão linda, mas antes não era tão linda assim”, ressalta Antônia. “Essa comercialização da imagem traz em si um processo contraditório: imagine um banco, que é o símbolo maior do capitalismo, utilizando a imagem negra. Ele não a utiliza pelo fato de acreditar que o negro é igual ao branco”, alerta Antônia, mas para efeito de marketing inclusivo que não se verifica nas relações sociais.

É chique e modernoA imagem do negro acrescenta

aos editoriais de moda o ideal de modernidade e de responsabilidade social. As grifes de luxo lucram com a imagem do politicamente correto e, com isso, agregam valor a sua marca, atraindo consumidoras endinheira-das. O negro realmente vende, mas vende para brancos.

As marcas então absorvem esse padrão e propagam a imagem das negras porque agora está interessante para a sociedade. Antônia Garcia es-clarece que “eles vendem essa ima-gem porque fica bem na fita”. Ou seja, “com a intenção de agregar valores através da diferença e da concepção de que a beleza tem várias cores, de que pode ser encontrada em vários corpos, dando assim a idéia de mo-dernidade, sofisticação e bom gosto”, como afirma Ilana Stronzerberg.

Em Salvador, a demanda pelas modelos negras é grande. De acor-do com Amaury Oliveira, booker da agência de modelos Bi Produções, “os clientes de fora, em geral, quando procuram modelos baianos, querem pessoas que tenham o perfil local, ou seja, negros.” Por conta disso, mu-lheres e homens negros compõem

50% do casting da sua agência.A cultura afro e a imagem das

meninas negras são utilizadas como produto turístico, mas elas não se beneficiam disso. “Não vai ter um retorno coletivo, não faz parte desse padrão”, garante Antônia. As que se destacam são as negras “mais vendáveis”, como pondera Débora Monteiro, modelo e estudante de Publicidade. “Pelo perfil do cliente a gente sabe o que ele quer: aquelas com o nariz mais fino e o cabelo me-nos cacheado”, explica Débora.

Só na vitrineDe acordo com Antônia, “não

podemos cair na ilusão de que os preconceitos estão resolvidos pelo fato de termos negros e negras na mídia. Temos um cotidiano extrema-mente racista e discriminador em to-dos os espaços da sociedade”. Mari-na Ferreira, integrante da Didá, conta que a mídia recorre cada vez mais à banda para mostrar a beleza negra. Um exemplo é o editorial de moda publicado na edição de 28 de junho de 2008 da revista MUITO, no qual outra integrante da banda posa com jóias, que chegam a custar mais de 30 mil reais. “Todo mundo vê a gente tocando com um sorriso no rosto e os cabelos estilosos, mas não sabe o que se passa por trás disso. Muitas vezes não temos nem dinheiro de transporte para ir às apresentações”, afirma Marina.

Para Débora, as modelos negras baianas não devem se sentir melhor que ninguém. “É ilusão achar que modelo ganha muito, principalmente na Bahia. Aqui é pior que nos outros estados, os modelos baianos não são valorizados. Pra quê deixar o sucesso subir a cabeça e continuar morando no mesmo bairro?”, questiona a modelo. É ilusório se deslumbrar e continuar vivendo a mesma vida de sempre.

Reprodução

Débora Monteiro, modelo e estudante de publicidade, na campanha contra o Câncer de Mama

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19Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

O (Sub) Mundo no PelôCentro de cultura internacional leva diversidade ao centro histórico de Salvador

raíza tourinho

rebeCa CaldaS

Em um casarão histórico amarelo, localizado numa estreita rua do Pelourinho,

encontra-se o Centro Cultural do Bispo (CCB). Trata-se de um lugar singular, que abriga viajantes de diversos lugares, sendo em sua maioria artistas. Ponto de inter-câmbio cultural, é uma alternativa a homogeneidade de cultura en-contrada no Centro Histórico.

Ideia central O espaço foi fundado pelo filó-

sofo norueguês Reidar Kgelawp, 39, há pouco mais de dois anos. Ele veio a primeira vez ao Brasil fazer um curso de pintura em Cu-ritiba, cidade natal de um primo distante. Ao viajar pelo país, viu no Centro Histórico de Salvador o lugar propício para realizar uma antiga ideia sua: criar um ponto de encontro internacional de cultura.

Priorizando a diversidade de

forma acessível, Rei-dar critica a tendên-cia predominante no Pelourinho, onde, segun-do ele, há um comércio da cultura. “É muito feio, o nosso objetivo não é o lucro”, sustenta. E segue afirmando que não há espaço para outras cul-turas no local, além da afrodescedente.

No entanto, segundo Nattále Santiago, fun-cionária da Saltur, em-presa de turismo de Sal-vador, somente cinco de cada 100 turistas procuram atividades cul-turais tidas como alter-

nativas. “Eles vêm em busca do tradicional mesmo”, assinala.

Singular e plural “A palavra chave do Centro é

a diversidade”, afirma a paulista de 22 anos Daniela Barreto. Di-versidade de países, culturas, lín-guas. Os hóspedes do CCB são oriundos de diversas partes do mundo, chegam primeiro para se instalar e logo passam a trabalhar na organização, discutir filosofias e expor sua arte. Nesse ambiente, a comunicação se dá em portu-guês, incentivando os estrangeiros a dominarem a língua.

O lugar é querido pelos hós-pedes, que possuem motivações diversas para estar lá. A francesa Annick Gerin, 23, que já viajou pela Europa e pelas Américas, expressa grande admiração pela cultura brasileira, principalmente pelas danças. Instalada no espaço pela segunda vez, destaca que “não existe muitos lugares como esse no mundo”. Já Daniela Barreto veio à Bahia fugir do estresse de São Paulo e da pressão da família,

quanto à aprovação no vestibu-lar. Sua estadia no Centro já dura mais de um ano, e ainda não sabe quando vai voltar. “Aqui, você tem que se ligar, porque senão, não sai nunca”. Entre eles, há um clima de trocas e cooperação. “É como se fosse uma família” destaca Da-niel França, músico percussionis-ta, natural de Euclides da Cunha.

Reidar Kgelawp define o perfil dos hóspedes como pessoas que têm a mente aberta e gostam de liberdade. Exemplo disso são os músicos do grupo uruguaio Cuar-teto Ricacosa. Dois deles, Camilo Vega e Martin Teixeira, ambos violonistas de 26 anos, disseram que há muito desejavam visitar a Bahia. Admiradores da música a-frodescendente, querem conhecer a cultura e se apresentar por aqui. No entanto, antes de chegar, não havia nenhum show marcado. É tudo feito na improvisação, se mantêm através da venda de CDs e passando o chapéu.

Apesar de abrigar hóspedes, o Centro não é considerado al-bergue, já que os moradores de-vem estar alinhados com o per-fil do lugar. “É mais como uma comunidade”, define Reidar. Se-gundo ele, os hóspedes pagam o quanto podem, até com trabalho, mas o site da instituição informa que uma temporada na casa custa cerca de US$ 600. Já a situação le-gal dos estrangeiros, não é tão im-portante para a administração do lugar. “Isso eles têm que acertar com a Polícia Federal”, descon-versa o fundador.

No mundo da lua...O Centro Cultural do Bispo é

representado por uma lua, símbo-

lo feminino que inspira sensibili-dade e criatividade. Neste sentido, Reidar salienta que não é preciso ser um artista consagrado, o im-portante é desenvolver a imagina-ção. Isso se comprova nas festas do Centro, onde há apresentações musicais de estilos diferenciados e, às vezes exóticos (como tribal). Pode até haver apresentações de pouca qualidade, mas o que se preza é a diversificação. “Melhor que seja assim do que ser um sam-ba (música comercial), por exem-plo”, afirma o norueguês.

As festas acontecem geral-mente aos sábados e, além de promover o intercâmbio cultural, possibilitam a sustentabilidade do centro. O público destes eventos são moradores de Salvador e tu-ristas do Pelourinho, que sabem das festas através de panfletos produzidos pelos hóspedes e pela divulgação boca-a-boca. O espaço serve também para oferecer cur-sos de dança à população. Os pro-fessores são profissionais de Sal-vador, que pagam ao centro 25% do valor arrecadado nas aulas.

Comunidade da diferença. É desta forma que se pode definir o Centro Cultural do Bispo, eviden-ciando que o Pelourinho pode, ao mesmo tempo, ser um lugar onde a cultura baiana se mostra ao mundo e a cultura do mundo se apresenta para a Bahia.

Rebeca Caldas

Atrás da fachada têm um mundo

http://www.centroculturaldobispo.com/

Não é só vender dança afro, capoeira, percussão

Reidar Kgelawp

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20Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

CIDADE

O que é que a Bahia não tem?O que os turistas esperam é diferente do que encontram quando chegam ao Estado

gabriela vaSConCelloS

livia Montenegro

O turismo da Bahia tem sido difundido pela Bahiatursa

– responsável pela coordenação, exe-cução de políticas de promoção e de-senvolvimento do turismo no Estado – e a Secretaria do Turismo (Setur) de forma vigorosa nos últimos tem-pos, com uma força publicitária que vende a imagem de festas de grande destaque no cenário baiano, como o Carnaval e recentemente o São João.

Esta propaganda é um dos fa-tores que mais influência o turista na hora de escolher o seu roteiro de viagem, como mostra o resultado de uma pesquisa, realizada em julho de 2008, pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), onde se verificou que 80% dos visitantes escolhem seus destinos através da in-ternet – sites das cidades, de agências de turismo, comunidades em sites de relacionamentos, etc.

Na Bahia, os locais mais visitados são: Salvador, Porto Seguro, Praia do Forte, Costa do Sauípe, Morro de São Paulo, entre outros. De acordo com o superintendente da ABAV-BA (Associação Brasileira de agên-cias de viagem), Cláudio Almeida, Salvador é a terceira cidade que mais recebe turistas no Brasil. E, apesar deste dado, a cidade possui menos leitos – aproximadamente 33.000 acomodações para os visitantes – do que, por exemplo, Porto Seguro, uma cidade menor, que possui mais de 40.000 leitos.

O perfil dos turistas que viajam para Salvador e para os outros locais do estado é diferente em diversos as-pectos. Salvador recebe mais turistas interessados em viagens de negócio do que em lazer, como ocorre em ou-tros pólos turísticos. O poder aquisi-tivo do visitante de Arraial d’Ajuda,

Trancoso, Praia do Forte, Costa do Sauípe, Porto Seguro e Morro de São Paulo é maior que aqueles que fre-quentam a capital baiana.

Vende-se, sim senhorEm 2008 foi intensificada uma

campanha para divulgar o São João da Bahia, mas mesmo assim a maior de-manda de turistas se voltou não para os municípios que realizam os típicos festejos juninos, e sim para aqueles já conhecidos e frequentados durante o verão, como demonstra os dados de uma grande agência de turismo, que projetou venda de 20.000 pacotes turísticos, no qual cerca de 12.000 foram vendidos para Porto Seguro. Este resultado sugere que a divulga-ção beneficiou apenas os tradicionais destinos turísticos da Bahia.

Apesar dessa grande propaganda e do esforço do governo para vender o turismo da Bahia, quando o as-sunto é a melhoria da infraestrutura oferecida aos turistas o empenho não é o mesmo. Nas pequenas cidades, por exemplo, é notória a falta de condições para receber um grande número de turistas. Serviços básicos como transporte, segurança, atendi-mento médico e falta de informação são os itens que figuram no topo da lista de reclamações dos visitantes do Estado. A Secretaria de Turismo recebeu diversas queixas referentes a estes serviços. Entre elas, a cobrança abusiva ou recusa dos taxistas para realizar corridas de curta distância e a falta de preparo no atendimento de casais homossexuais que chegam a hotéis e são atendidos com “risos” e-xagerados e encaminhados, na maio-ria das vezes, para quartos separados, o que acaba causando constrangi-mentos que poderiam ser evitados.

A superintendente da Setur, Cla-rissa Amaral, afirma que é necessária uma qualificação dos recepcionistas de hotéis, taxistas etc. Segundo ela,

são oferecidos para estes profissio-nais cursos gratuitos, voltados para a melhoria dos serviços, porém, a demanda ainda é muito pequena. Na tentativa de incentivar os profissio-nais a fazerem os cursos, o governo pretende criar um selo que identi-fique os profissionais qualificados.

Método de pesquisa falhoDe acordo com a Setur, há duas

formas de saber se quem está ingres-sando no estado é turista ou não. Uma é de acordo com a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), que estabelece 65% do fluxo total de passageiros no aeroporto, como sendo turistas, e a pesquisa presen-cial, em que o turista é abordado de forma rápida e questionado so-mente sobre seu local de origem. Este tipo de pesquisa é o que mais recebe reclamações, pois os turistas acham que são abordados de for-ma grosseira. Mas, de acordo com

a Setur, que não é responsável pela pesquisa, mas nos informou como ela é realizada, a abordagem é feita desta maneira porque vários voos chegam ao mesmo tempo e não há entrevistadores suficientes.

Essas pesquisas são realiza-das por empresas contratadas, pelo governo, através de licita-ções e não há nenhum controle direto de como elas são feitas. Isso acaba fazendo com que ocorram erros na contagem de turistas, como na última pesqui-sa realizada pela Fipe, em que pessoas residentes em Petrolina foram consideradas turistas em Juazeiro, residentes de Trancoso e Porto Seguro, também foram tidos como turistas em Arraial d’Ajuda, sendo que, de acordo com a Setur, para ser considerada turista, a pessoa precisa residir a mais de 100 km de distância do local que pretende visitar.

CURIOSIDADES

- Nessa época do ano*, 590 ou 4,6 do total de turistas que visitaram Cairu foram portugueses. - A predominância de turistas que vem de fora do estado é de paulistas e mineiros. Em Barreiras, a origem da maioria dos turistas é do Centro Oeste. Já em Paulo Afonso houve um maior número de pernambucanos.- Morro de São Paulo foi o local mais visitado por mulheres. Já Paulo Afonso foi mais procurada por jovens. E Itaparica/Vera Cruz teve o maior número de idosos.- Lazer foi o principal motivo das viagens. Salvador e Juazeiro receberam mais visitantes em razão de negócios.- O serviço médico foi apontado como um dos piores itens na infra-estrutura das regiões visitadas.- O tempo de permanência da maioria dos turistas é de 1 a 4 pernoites, sendo que em Arraial d’Ajuda, Costa do Sauípe, Porto Seguro e Praia do Forte a permanência é maior.- 13% das pessoas que visitaram Barreiras afirmaram que não recomendariam esse destino.

* Pesquisa preliminar realizada em 21 pólos turísticos da Bahia, entre os dias 19 a 22 e 26 a 29 de julho de 2008 pela Fundação Instituto em Pesquisas Econômicas (Fipe), concedidas ao JF pela Setur.

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Memórias do guarda-roupaUm dos acervos mais raros e expressivos do cotidiano da mulher baiana se esconde no centro de Salvador

JoSeane biSPo

Requinte, sofisticação e bele-za podem representar uma realidade muito distante

para algumas pessoas, mas o que poucos sabem é que Salvador abri-ga em um único lugar essas e outras qualidades dignas de luxo: trata-se da Fundação Instituto Feminino da Bahia. Localizado no bairro do Po-liteama, o Instituto é composto hoje pelo Museu do Traje e do Têxtil e pelo Museu Henriqueta Catharino, que homenageia a sua idealizadora, uma visionária dama da sociedade soteropolitana e pioneira do femi-nismo na Bahia.

Com um dos maiores acervos memoriais de vestuário da alta so-ciedade feminina baiana dos sécu-los XIX e XX, o Instituto se ini-ciou como uma Escola Comercial Feminina. Henriqueta, uma mul-her aparentemente a frente de seu tempo, teve acesso à boa educação da época, moldada no requinte eu-ropeu. Fascinada pelos ideais femi-nistas, tornou-se uma defensora do movimento no início do século XX. Herdeira do maior parque industri-al do Estado e muito envolvida nas atividades da Igreja Católica, cir-cunstância que facilitou a concret-ização de um antigo sonho, junto ao Monsenhor Flaviano Osório Pimentel, fundou um local onde as mulheres socializavam-se entre si e com o conhecimento através dos livros.

Foi sala de leitura, agência de locação e restaurante para senho-ras e jovens, até ser transformada em associação de utilidade pública, chamando-se Instituto Feminino, que pautava não só os ideais de in-struir a mulher baiana, mas também prepará-la para o movimento de emancipação, através da formação

profissional, in-telectual, cultural e espiritual.

A Fundação hoje

Fazendo jus a sua essência femi-nina, quase todas as salas do Museu têm nome de mul-heres de destaques da época, como a sala Princesa Isa-bel e o Auditório Isabel Foeppel. Nos seus quatro cantos, a Fundação conserva artefa-tos como móveis, cristal, prataria, porcelana, pintu-ras e esculturas, que reconstroem momentos vividos pelas mulheres que ali estiveram como também retratam o período de transição en-tre os séculos XIX e XX.

Pelo encanto do lugar e por re-produzir de maneira tão próxima a época, o Instituto é procurado para festas como aniversários de 15 anos e principalmente casamentos. Se-gundo Marijara Queiroz, museólo-ga responsável pelas exposições, a procura é intensa durante todo o ano a ponto do agendamento ter que ser feito com até um ano de antecedência. De acordo com ela, os eventos são uma forma de ma-nutenção da fundação, uma vez que cada um dos seus setores é auto-sustentável e precisa trabalhar de forma independente para continuar as suas atividades.

Parte importante da fundação está no Museu do Traje e do Têx-til, que expõe roupas de bailes, pas-seio, cama e mesa, vestes eclesiásti-cas como a do Papa João Paulo II e o vestido usado pela Princesa

Isabel no momento que assinou a Lei Áurea. Além dessas, traz trajes de crioulas remanescentes da es-cravidão, como a Preta Fulô, e uma réplica da carta de Carlos Gomes à Princesa Isabel, de 1888, na qual o mesmo agradece à Princesa por ter, no dia 13 de maio, abolido a es-cravidão.

Durante o ano, os funcionários da fundação trabalham para garan-tir uma aproximação do local com a comunidade soteropolitana: “Se-mestralmente acontecem cursos ligados a história da arte e da moda têxtil, já que o museu é o único do país que tem essa temática”, expli-ca Marijara. Oficinas e workshops relacionados à área também são re-alizados, principalmente direciona-dos a estudantes de escolas públi-cas. Em 2008, quando a fundação completou 85 anos, aconteceu a oficina “Brincando e vestindo a história” para crianças, resultando na exposição “Um olhar infantil sobre a moda do passado”, além de outras atividades comemorativas.

Considerando a importância dos museus, como equipamentos de educação informal, os responsáveis pela Fundação, lutam por um novo olhar para a Instituição, que não seja apenas conhecida como uma casa de eventos.

Ainda que promova diversas atividades que procuram aproximar a sociedade do espaço, a Fundação Instituto Feminino vive a mesma realidade da maioria dos museus da capital baiana: o desconhecimento. Marijara atribui o fato à essência da população de Salvador: “Salvador não tem cultura de visitação de mu-seus ou galerias por ser uma cidade de sonoridade, de barulho, não no sentido de barulhos de carros ou outras coisas, mas em sentido de festas, batuque, vibração e o incen-tivo a esses hábitos é grande. Isso gera uma falta de concentração que não alimenta o interesse de conhec-er esses lugares”.

Colaboraram Mariana Rodrigues e Bár-bara Lisiak

Reprodução

Museu abriga vestuário dos séculos XVII a XX

CIDADE

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Dois pesos e duas medidasSalvador vive “crise estrutural”, enquanto a Islândia enfrenta uma nova realidade

nelSon oliveira

verena ParanhoS*

Quem já convive com uma crise estrutural pode aprender a lidar mais

fácil com os males causados pela crise financeira. Muitos brasileiros, acostumados a conviver com a crise diária, não percebem tanto que suas vidas mudaram após o crash. Alguns problemas se agra-vam, enquanto outros continuam a existir, fazendo com que a situa-ção permaneça complicada. Neste contexto, Brasil e Islândia (peque-na ilha próxima ao Ártico) repre-sentam “mundos” antagônicos: o primeiro vive raros momentos fora da crise, enquanto o outro aprende a lidar com ela após período de bonança.

Como a maioria das capitais brasileiras, Salvador, com seus quase três milhões de habitantes, convive com altos índices de de-semprego, analfabetismo e violên-

tratam de conjunturas e trajetórias históricas diametralmente opos-tas: uma grande popu-lação, herdeira de uma exploração colonial ferrenha que desen-cadeou um processo excludente e desigual versus uma pequena e modesta nação, que sobreviveu a inóspitas condições climáticas e que, devido a uma política neoliberal agressiva e recente, as-sumiu com rapidez as primeiras colocações nos rankings de rique-za e qualidade de vida.

IslândiaAntes da crise, a oferta de

emprego era tanta que, além de imigrantes, o mercado absorvia jovens que muitas vezes nem havi-am concluído a escola: um jovem islandês de 17 anos comum tinha carro próprio, morava sozinho e fazia pelo menos duas viagens ao exterior por ano. No entanto, a derrocada é fruto da administra-ção aventureira de Davíð Oddson, primeiro-ministro entre 1991 e 2004, que transformou o país, mas sem preparar bases sustentáveis. Antes pobre e economicamente isolada, a Islândia tornou-se uma economia empresarial e globa-lizada. Neste período, empresas pesqueiras, sistema bancário e até o patrimônio genético dos habi-tantes foram privatizados. Os prin-cipais bancos do país (que já atu-avam em outros países europeus) decretaram falência devido a seu insustentável gigantismo, levando toda a economia junto: a Króna, moeda local, sofreu grande des-valorização e já não é mais aceita

no estrangeiro. Os preços subi-ram e a inflação atingiu em março deste ano a marca de 17,6%.

Em janeiro, poucos meses depois de assumir as dívidas dos bancos e falir o país, todo o gabi-nete do primeiro-ministro Geir Haarde renunciou sob protestos violentos da população. Davíð Oddson, que havia assumido a presidência do Banco Central is-landês, foi o último a cair. Em 25 de abril, foram realizadas eleições antecipadas que asseguraram, pela primeira vez na história, a maio-ria de esquerda no parlamento. Jóhanna Sigurdardóttir, que tinha sido escolhida primeira-ministra interina, continuará como chefe do governo e enfrentará como desafios, além de questões como a entrada da Islândia na União Européia, um de crescimento de 576,8% no desemprego (avaliada entre janeiro de 2008 e 2009), que atinge principalmente jovens e imigrantes.

Em busca do emprego perdidoO jovem islandês Hartmann

Ingvarsson sentiu por algum tem-po o que muitos brasileiros estão acostumados a sentir. Ele aban-donou a escola em 2007 para tra-balhar em uma microempresa do ramo de alimentos. Foi demitido após a crise, mas ficou pouco tempo desempregado: conseguiu um emprego como entregador de pizzas em Reykjavík, capital do país. Ele afirma que a rapidez se deveu a indicação do gerente as-sistente da rede, um amigo seu. “É um trabalho inferior ao que fazia, mas estou precisando. Tenho que pagar as prestações do meu carro, do meu notebook, além do básico para viver”, conta.

A brasileira Tatiane Soares da Silva mora na Islândia há dois

Nelson O

liveira

cia. A Islândia, país nórdico com cerca de 300 mil habitantes (cerca de um décimo da população da capital baiana), por outro lado, foi considerada como o melhor país do mundo em termos de quali-dade de vida, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano 2007 (IDH), com excelentes sistemas de saúde e educação, elevados ín-dices de crescimento econômico e taxas de violência e desemprego quase zero. Para ilustrar: o número de desempregados da Região Me-tropolitana de Salvador representa dois terços dos habitantes da Is-lândia. São exemplos de realidades distintas, que vivem e enfrentam a crise à sua maneira.

A crise parece ter rearranjado os papéis: enquanto em Salvador não ficam tão evidentes seus efei-tos, o país dos gêiseres é conside-rado como o maior prejudicado pela instabilidade do mercado financeiro internacional. Con-tudo, esta comparação não pode ser feita de forma leviana, pois se

ECONOMIA

Construção civil em Salvador continua aquecida, principalmente ao longo da av. Paralela

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ECONOMIA

anos e é um dos imigrantes que perdeu o emprego com a crise. Ela, que trabalhava em um hos-pital cuidando de idosos, acre-dita que é muito difícil encontrar outro emprego. Pretende retornar ao Brasil em junho, mas não des-carta a possibilidade de ir morar em outro país escandinavo. “Não consigo ver futuro algum aqui”, revela.

Em meio a todo o pessimismo, existem aqueles que se encontram otimistas com o futuro do país. Pedro Videlo, economista e pro-fessor da Universidade de Barce-lona, afirmou a um programa de televisão islandês que os habitan-tes da ilha não devem entrar em pânico, pois a situação econômica do país não é tão grave quanto a mídia internacional diz. Para ele, o crash islandês pode ser com-parado ao de países de tamanho similar, como o Uruguai. “A situa-ção da Islândia não é pior que a média dos outros países. Haverá aumento de desemprego, queda de investimentos, mas se políticas econômicas corretas forem toma-das, não existe razão para pânico”, defende.

Do outro lado do AtlânticoNo caso soteropolitano não

é diferente: o mau momento da economia afeta principalmente os trabalhadores com menos ex-periência ou tempo de serviço. Segundo o IBGE, em janeiro, a Região Metropolitana de Salvador tinha 206 mil pessoas economi-camente ativas sem emprego, das quais 22% tinham entre 18 e 24 anos. Mesmo com a crise financei-ra mundial, a taxa de desocupação na região diminuiu 0,1%, se com-parada a janeiro de 2008.

Joílson Rodrigues de Souza, coordenador de Disseminação de Informações do IBGE na Bahia, destaca que, se a crise não exis-tisse, a oferta de empregos teria aumentado. “O crescimento e a acessibilidade daqueles que bus-cam o primeiro emprego seria

maior”, afirma. Ele também acredita que o aumento de ofertas de trabalho no perío-do está atrelado à alta esta-ção e às compras natalinas: “Muitos postos de trabalho em Salvador surgem nesta época do ano”. No entanto, o coordenador afirma que o comércio sofreu declínio por causa da redução do crédito, influindo diretamente na in-dústria. Caio Gomes, estudante de engenharia mecânica, per-deu seu estágio, porque a empresa alegou corte de gastos. Assim como Hart-mann, acredita que as indicações de amigos são o caminho mais rápido para conseguir novo em-prego: “Tenho cadastro no IEL e CIEE, mas acho que é mais fácil encontrar outro estágio através de contato com conhecidos que trabalham na área”.

Construindo cidades e em-pregos

A construção civil é um setor fundamental em tempos de crise, pois é responsável por grande número de contratações. Se o crédito e os investimentos vão bem, o segmento deslancha e propulsiona o crescimento das cidades. Mas, com as incertezas do momento, comprar um novo imóvel pode ser supérfluo: exa-tamente por isso, alguns donos de construtoras acabam inter-rompendo obras iniciadas por tempo indeterminado e raramente arriscam em algum novo empreen-dimento. Na Islândia, este foi um dos ramos mais abalados, o que forçou a interrupção imediata da maior parte das obras: o cenário da região de Reykjavík (que con-centra mais de sessenta por cento da população do país) acabou se transformando em um cemité-rio de guindastes, como conta o brasileiro Pedro Ziviani, dono do blog Vida na Islândia [www.vidan-aislandia.com]. “O setor de cons-

trução civil está completamente parado. As empresas venderam suas máquinas e demitiram seus funcionários. Reykjavík está cheia de prédios e bairros inteiros ina-cabados e abandonados”.

Em Salvador, os danos ao setor ainda não são muito evidentes. Grande parte das obras em anda-mento não foi interrompida e o crédito tem sido mantido, apesar de algumas demissões. Para New-ton Barretto, empresário do ramo da construção civil, o bom mo-mento vivido pelo mercado nos últimos três anos, propiciado pelo superaquecimento da compra e venda de imóveis, foi fundamen-tal para que o setor não desem-pregasse tantas pessoas. “O ‘freio de mão’ do fim do ano para cá não foi tão sentido em relação ao emprego. Na prática foram des-ligados somente aqueles menos qualificados, que só tinham con-seguido oportunidade pela escas-sez de profissionais”.

Fabio Teles, gerente regional da EBM Incorporações, afirma que o final de 2008 (comparado com o final de 2007) apresentou uma queda de 30% nas vendas. Todo o ano de 2008, no entanto, registrou o dobro de vendas do ano anterior. Segundo ele, o prin-cipal problema do setor é a crise de confiança por parte dos clien-tes que deixaram de comprar, ape-

sar das empresas terem condições de entregar as obras.

Barretto afirma que o perigo se instala quando a falta de confi-ança faz as pessoas pensarem que as coisas não vão bem: “Aí o em-presário age de forma preventiva, investimentos são postergados, custos são reduzidos e empregos são cortados”. Para ele, as ações devem ser focadas no estabeleci-mento da confiança entre as di-versas partes, entre elas o Go-verno Federal, que deve exercer o importante papel de oferecer linhas de crédito e abrir licitações para obras de infraestrutura ou de construções populares como for-ma de estimular as construtoras e gerar empregos.

O Plano Nacional de Habita-ção Minha Casa, Minha Vida, cu-jas inscrições começaram no dia 4 de maio, é uma iniciativa do Go-verno Federal, em parceria com estados e municípios, que visa im-pulsionar a economia e gerar em-pregos, viabilizando a construção de um milhão de moradias, sendo 80 mil na Bahia. Dessa forma, o Governo vem afirmando que os recursos do PAC não serão redu-zidos e por essas “bandas” a crise não passará de uma marolinha.

*Verena Paranhos fez intercâmbio na Islândia entre 2005 e 2006. Viveu em Sauðárkrókur, norte da ilha.

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Islandeses fazem ‘Revolução das Panelas’ nas ruas e derrubam governo

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CULTURA

Música sem informaçãoFalta de clareza e informação ainda dificultam a arrecadação e distribuição de direitos autorais no Brasil

giáCoMo degani

viCtor SoareS

Assim como a propriedade privada, a obra intelectual também é protegida pela le-

gislação brasileira. Isso quer dizer que os que a produzem têm o direito de receber dinheiro quando as suas o-bras são executadas publicamente. No entanto, quando o assunto é direito autoral no Brasil, reina uma enorme polêmica. “Não acordamos para a questão do direito autoral”, afirma o advogado especialista no assunto, Rodrigo Moraes. De um lado está o escritório de arrecadação; do outro, os usuários que devem pagar os direi-tos. Em meio a toda essa controvérsia está o músico e o compositor.

O direito autoral está previsto na Lei 9610, criada em 1998, que benefi-cia autores, intérpretes e co-autores. As obras não-materiais mais executa-das são as músicas, por isso existe um órgão no Brasil responsável somente pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais relacionados a fono-gramas e obras litero-musicais. Trata-se do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), uma associação civil que não possui fins lucrativos. Nacionalmente, dez asso-ciações representam os músicos pe-rante o Ecad. Elas possuem o cadas-tro dos compositores e intérpretes e são responsáveis pela intermediação da relação deles com o Escritório Central.

Arrecadação e DistribuiçãoA lei diz que músicas registradas

não podem ser executadas livremente em lugares públicos, como ressalta o advogado do Ecad - BA, Ruyberg Va-lença: “Sempre que houver execução pública de obras musicais, o usuário está obrigado por lei a obter a prévia e expressa autorização do Ecad”.

Uma das discussões entre o órgão que representa os músicos e os usuári-os de suas obras é sobre o conceito de execução pública. “Esse conceito é que precisa ficar muito bem defini-do para que as pessoas entendam o sentido da lei”, declara Valença. No entanto, a lei é clara quando afirma que a reprodução musical dentro do recinto familiar não é passível de co-brança. Quem deve pagar direito au-toral são os produtores de festa, além dos donos de hotéis, motéis, bares, casas de show, rádios e emissoras de televisão, que utilizam da música para prestar serviço aos seus clientes.

As tarifas cobradas variam de acordo com as normas do Ecad. Elas foram definidas, segundo o es-

critório, juntamente com as associa-ções e os músicos.

O regulamento prevê formas de pagamento diferenciadas conforme a utilização da obra. Existem os “cli-entes mensalistas”, como as clínicas e escritórios. Eles devem pagar uma taxa mensal para que possam utilizar as músicas. Essa taxa é definida con-siderando-se alguns critérios, como a área sonorizada. Os produtores de shows são obrigados a pagar 10% da previsão de vendas da bilheteria. Se-gundo Fábio Cunha, supervisor do Ecad-Ba, “os promotores de festa costumam reclamar muito dessa por-centagem. Ele ainda observa que o escritório procura negociar para não cometer abusos”.

Para Débora Cheyne, presidente do Sindicato dos Músicos - RJ, há problemas na arrecadação. “Existem poucos critérios na cobrança das taxas feitas pelo Ecad. A participa-ção dos músicos nas assembléias que definem o regulamento é mínima”, declara. Rodrigo Moraes, Mestre em Direito Privado e Econômico pela UFBA e pesquisador na área da “Propriedade Intelectual”, diverge da idéia de Cheyne. Para ele, a cobrança do Ecad é feita de forma proporcio-nal à utilização das músicas, levando-se em consideração, por exemplo, a área sonorizada e a quantidade de músicas tocadas nas festas.

A finalidade da legislação brasilei-ra e da existência do Ecad é garan-tir todos os direitos da obra ao au-tor. No caso dos compositores, a distribuição do que foi arrecadado pelo Escritório Central só pode ser feita se eles estiverem cadastrados em uma das dez associações espalhadas pelos Brasil. Entre elas estão a UBC (União Brasileira de Compositores) e a ABRAMUS (Associação Brasileira de Música). A primeira é responsável, inclusive, pela a arrecadação dos di-reitos de músicos internacionais.

Por ser o órgão que centraliza as ações, o Ecad é responsável pelo re-colhimento e distribuição dos valores em todo país, representando, assim, os milhares de artistas filiados às as-sociações. A instituição conta com 23 unidades espalhadas pelo Brasil, 800 funcionários e 70 escritórios de advo-cacia. De todo o dinheiro arrecadado com a execução pública, 75% são destinados aos titulares (autores, intér-pretes, músicos e editores), 18% pa-gam as taxas administrativas do Ecad e 7% ficam com as associações.

Não há um consenso quanto à distribuição do dinheiro. Para Débora Cheyne, “os métodos utilizados são obscuros e o órgão não tem inter-esse em transparência.” O composi-

Acervo JF

Ruyberg Valença: “o que queremos é reconhecimento do sentido da norma”

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25Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

Música sem informaçãoCULTURA

tor e intérprete baiano, Luiz Caldas, pensa diferente: “A má informação é a grande inimiga da nossa classe. Muitos falam mal do Ecad sem saber ao certo como as coisas funcionam”, declara. O “pai do axé” fez questão de ressaltar que já criticou o órgão, mas resolveu estudá-lo e, hoje, en-tende melhor seu funcionamento. “Tem gente que acusa o Ecad e não está nem filiado a uma associação, as pessoas deveriam ler mais”, afirma Caldas.

Carnaval da BahiaA festa momesca é alvo de uma

fiscalização mais acirrada com rela-ção aos direitos autorais. Para facilitá-la, existe um equipamento que grava as músicas tocadas nos trios elétricos, além de que as bandas são instruídas a enviar, previamente, o repertório que será executado. Segundo Luiz Caldas, “ainda há uma escassez de equipamento e de fiscais para cobrir toda a amplitude da festa.”

A cobrança feita no carnaval ten-ta se adequar à realidade da festa. O regulamento determina que 5% do valor das vendas de abadás de blocos particulares sejam repassados para o Ecad, mas o escritório diminuiu a arrecadação para 12 abadás por dia, porque assim todos os blocos pos-suem condições de pagar. Os trios independentes, que são financiados pela prefeitura, devem pagar 10% do valor dos contratos estabelecidos en-tre os músicos e os órgãos públicos. Esse critério é o mesmo utilizado no interior do estado, em micaretas e festas juninas.

Os inadimplentesSegundo o Ecad, o número de

maus pagadores é maior entre as prefeituras. Municípios como Paulo Afonso, Camaçari, Salvador e Jaco-bina, entre outros, possuem dívidas por não pagarem direito autoral nas festas que promovem. Os prefeitos alegam que por não lucrarem com a festa, não deveriam ser cobrados. Fábio Cunha (Ecad-BA) esclarece a situação. “Há uma confusão por parte dos prefeitos. Existe um ganho

indireto com as festas. Além disso, o autor deve receber pela execução pública, independente dela gerar lu-cro, ou não”.

Quando uma festa não possui autorização prévia do Ecad, os ad-vogados do órgão entram com um pedido de liminar para suspender ou interromper o evento. Caso o juiz atenda ao pedido, a festa fica impe-dida de ocorrer até que haja a autori-zação do órgão.

A lentidão da justiça para resolver essas causas é explicada pelo advoga-do Rodrigo Moraes: “Poucos juízes possuem conhecimento sobre a ma-téria. Isso dificulta o julgamento dos processos, pois os magistrados são obrigados a estudar o assunto para tomar uma decisão”.

As decisões dos juízes e tribu-nais da Bahia costumam ser positivas para os autores de obras. Segundo Ruyberg Valença, cerca 90% do judi-ciário baiano reconhece a necessidade de combater a execução ilícita. “Os juízes que não concordam argumen-tam que a suspensão do evento pode gerar problemas na relação produ-tor-cliente, mas esse pensamento não procede, porque o autor precisa do dinheiro”, afirma Valença.

A questão do EstadoHoje o Ecad não possui nenhu-

ma espécie de supervisão do Estado, mas nem sempre foi assim. Quando esse órgão foi criado, em 1973, ha-via uma participação do governo em suas atividades. O órgão responsável por isso era o CNDA (Conselho Na-cional dos Direitos Autorais), que es-tava ligado ao Ministério da Cultura. O afastamento do Estado ocorreu durante a gestão de Fernando Collor e, desde então, o Ecad atua sozinho e sem nenhuma fiscalização. Débora Cheyne contesta essa exclusividade sobre os direitos autorais: “Como pode um órgão privado cuidar so-zinho do direito público?”.

Nesse aspecto, surgem tentati-vas de aumentar o diálogo entre o governo e o Ecad. O ex-ministro da cultura, Gilberto Gil, iniciou a ampli-ação das conversações, que continu-

am com o ministro Juca Ferreira. O atual ministro afirma que “a posição do MinC é a de reforçar os direitos dos autores de obras intelectuais, es-tabelecendo o controle público sobre o sistema de arrecadação.” Ele ainda considera que a atual legislação erra quando não define a participação do Governo para fiscalizar a arrecadação e distribuição deste tributo. Segundo Juca Ferreira, essa omissão do Go-verno é responsável pela maioria das queixas que chegam ao Ministério.

Resolver o problema: é possível?As dificuldades de relaciona-

mento entre músicos e associações não é de hoje.

Parte dos profissionais não con-fia na atividade exercida pelo Ecad. “Ele [o Ecad] engana muita gente dizendo que é bonzinho, mas a mim não enganam não.”, é o que afirma o compositor Tim Rescala, que já publicou artigos criticando a forma

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Tim Rescala: “Ele [o Ecad] engana muita gente dizendo que é bonzinho, mas a mim não enganam não”

como o Escritório Central age.Por outro lado, Luiz Caldas pen-

sa que o problema não está somente no Escritório, que tenta realizar o seu trabalho, mas na falta de união dos músicos, que não se unem para resolver os problemas.

A importância de um órgão como Ecad para a classe dos músi-cos é indiscutível. O que precisa fi-car claro é quais são os verdadeiros direitos do autor e os critérios uti-lizados para arrecadar e distribuir os valores.

De acordo com músicos e produtores, a questão dos direitos autorais precisa de mais transparên-cia, para que o intelectual brasileiro seja definitivamente reconhecido pelo seu trabalho. Ruyberg Valença, advogado do Ecad na Bahia, afirma que o objetivo é um só: “o que que-remos é reconhecimento do sentido da norma para que se respeitem os autores de obras musicais.”

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PIMENTA

Trios de CUT’s e coisasNão é bom dizer que o povo baiano só toca berimbau porque só tem uma corda. Não dá certo e gera polêmica. Mas venhamos e convenhamos que os soteropolitanos não colaboram para amenizar os sórdidos comentários a seu respeito. Só aqui, em Salvador, são vistos trio elétricos, de CUT’s e coisas, desfilando ao som de uma “barata” batidinha de samba, em plena tarde de sexta-feira, no Campo Grande, com carros e ônibus se movimentando a todo vapor. Quem tiver compromisso que se dane. Viva ao batuque baiano, e atire a

primeira pedra quem não gosta.

Um erro caro e notávelO português da produtora do show de ViCtor e Léo em Salvador não é tão “notável” assim. Os primeiros outdoors da festa exibiam o nome de um dos cantores escrito errado. Tiraram o “C” do ViCtor. O fato é que alguém percebeu o erro e, alguns dias depois, todos os outdoors foram trocados. Nunca um “C” deve ter custado tão caro.

Dalila na UniversidadeAcabou o carnaval e a música de Ivete Sangalo ficou na boca do povo. Os estudantes da UFBA decidiram utilizar o momento para fazer uma campanha. A ideia é ir “buscar Dalila ligeiro” para cortar o exótico cabelo do reitor. Quem sabe, assim, os projetos da universidade andariam mais rápidos.

Alzheimer balzaquianoRosana Jatobá, a garota do tempo do Jornal Nacional, que não é mais tão garota assim, declarou em entrevista publicada na Revista da TV, do A Tarde, que teve grandes mestres na Facom. Destes, só o nome de Wilson Gomes permaneceu bem guardado em sua memória. Parece que a jornalista está ficando esclerosada, mesmo com apenas 38 anos. Os professores que ela afirmou ter foram Elias Araújo, Ailton Sampaio e Heloísa Rocha. Ou nunca existiram, ou tiveram os nomes trocados.

Os rumos insólitos da política baianaAs eleições para as prefeituras em 2008 foram, na verdade, um grande pontapé para os projetos políticos de 2010 na Bahia. A expectativa fica em saber até onde o “gedelismo” vai conseguir chegar. Há quem diga que o ministro será candidato a senador, governador, ou até vice-presidente. Já o ‘pequeno príncipe’, que gerencia o ‘mini-carlismo’, anda declarando por ai que tem um candidato a governador que é do seu coração – referindo-se à Paulo Souto. Mas, o netinho não descarta a possibilidade de fazer alianças. No lado esquerdo as coisas parecem estar defasadas. Jaques Wagner será candidato à reeleição e ainda não sabe quem vai apoiá-lo. São muitos coronéis para poucas terras. E o povo? Fica torcendo para eleger o menos pior.

Os olhos e ouvidos do reitorDurante a visita de Naomar Almeida Filho ao Instituto de Química, uma figura soturna chamou a atenção: sempre atento a qualquer conversa, infiltrava-se para saber tudo que se passava. Apelidado prontamente de “Coringa”, o assessor de imprensa do reitor parecia estar com os olhos e ouvidos bem cuidados, mas precisa urgentemente de aparelho: queixo protuberante e uma irresistível língua presa.

O incêndio do bemEm sua visita ao Instituto de Química da UFBA, o Ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Sérgio Rezende, declarou que os recursos serão liberados para a recuperação do Instituto. Depois dessa afirmação, muitos alunos de outros cursos estão bolando planos infalíveis para incendiar suas unidades. A ideia de “fazer as fogueiras” é para que todos os cursos possam ter uma estrutura melhor. È bom que os bombeiros comecem a se preparar!

Quem não se comunica se trumbicaQuem entrar na Faculdade de Comunicação achando que vai se comunicar está muito enganado. Os produtos-laboratórios da faculdade precisam passar

pelo crivo dos doutores e doutoráveis. Se não tiver análise cultural e contemporânea não vale. Se não levantar bandeiras contra a massificação de tudo, também não. O problema é que ir à França, hoje em dia, é tão blasé quanto ultrapassado. A moda agora é morte na televisão. Todo mundo quer ver as coisas por uma atenta LUPA. Gracias!

Passa e não devolva!A Princesinha do Sertão continua com essa brincadeira mesmo depois de velha. Em busca de respostas para uma matéria do Jornal da Facom, foi preciso entrar em contato com a Prefeitura de Feira de Santana. Uma tarefa extremamente complicada. Foi um passa ligação de cá, um “não é comigo” de lá, outro repassa aculá e etc. Fim das contas: conversei com todas as secretarias do castelo e nada foi resolvido. O mais incrível e cômico, para não dizer trágico, é que a pessoa que atendeu ao telefone por último foi a mesma que atendeu primeiro. Seria uma assessoria de imprensa boomerang? Ou talvez uma assessoria lulista, porque ninguém sabe de nada. Prometeram respostas para a reportagem. A Princesinha vai ficar velha e a gente esperando retorno. Vida de estudante de jornalismo não é fácil.

Editor: Mané Jacobina

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FACONISTAS

Datashow: muleta da ignorância

O excessivo uso do da-tashow (espécie de retro-projetor da imagem do

computador) em seminários, me-sas redondas, e, principalmente, na apresentação dos TCC - Trabalhos de Conclusão do Curso), nome es-quisito que veio a substituir o sen-sato Projeto Experimental, está a se constituir num recurso para es-conder a falta de confiança do alu-no no que se encontra a apresentar. É claro que o datashow é precioso e valioso quando usado em função de uma melhor explicação do que se está a dizer, a exemplo de um determinado gráfico, de uma de-terminada imagem, de uma cena de um filme. Acontece, porém, que se o está a usar a torto e a direito. Tenho presenciado várias apresen-tações nas quais os alunos (e não somente alunos, mas também, professores e palestrantes) proje-

tam alguns pa-rágrafos esque-matizados e põem-se sim-plesmente a lê-los - a projetar, portanto, o que poderia ser dito sem a muleta

do datashow. Confesso que o seu uso excessivo me deixa impaciente e, devo dizer, quando o datashow, se, por acaso, estou numa banca, é utilizado sem necessidade, dimi-nuo, de imediato, dois pontos do apresentador.

Muleta para esconder o despre-paro, a falta de conhecimento, um recurso eficaz para enrolar. Em concursos também poucos são aqueles que confiam na sua voz e na sua competência e prescindem desse retroprojetor de computa-dor. Em todo caso, sempre é bom dizer que o datashow tem sua valia quando serve de suporte a uma de-

monstração, quando aviva o que se está a falar (gráficos, cenas, fotos, etc). Nos demais casos, o datashow, assim é se me parece, é uma muleta de burros esforçados. E o Colegia-do, neste sentido, deveria somente autorizar o seu uso quando consta-tada a sua necessidade.

Se, hoje, nunca, na história da humanidade, se teve tanta infor-mação, graças, principalmente, a internet, embora esta, no entan-to, seja fator de facilitação para aqueles que não querem estudar e contemplar o objeto do trabalho. A montagem de textos buscados no espaço virtual observada nos trabalhos escolares é um exemplo. O professor, por outro lado, não pode ficar a verificar se o texto de cada trabalho foi copiado da inter-net - o que é possível se colocado no Google parte dele.

Há casos aberrantes nos quais o apresentador se apóia única e exclusivamente nos recursos do

datashow, a colocar um esquema reducionista para desviar a atenção da falta de assunto. Na tela, tem-se projetados até o nome do trabalho, do aluno, como se o trabalho se reduzisse a um pequeno projeto. Mas, até agora, nunca vi ninguém se indignar com o mal uso do apa-relhinho.

Mas meu objeto de protesto é contra o uso indevido do da-tashow. Que as pessoas tenham mais consciência de seus papéis de construtores do conhecimento e, quando não for necessário, o hábi-to de repetir o óbvio ululante, com o auxílio dessa nova engenhoca, que surgiu para enriquecer, vem a transformar sujeitos em papa-gaios.

andré Setaro

Sua nota é um Datashow!Combinei com meu compa-

nheiro de página professor Andrézinho S. (S de Setaro,

de Sozinho...) escrevermos sobre Datashow nesta edição do JF. Eu e ele, ou ele e eu, temos uma for-te implicância com o uso da mais recente e famosa muleta pedagógi-ca. Quase sempre ela é usada por aquele professor inseguro que es-creve, ou copia, sua aula e depois simplesmente a lê em voz alta para seus analfabetos aluninhos. Quan-do vejo esse show me dá vontade de interromper a aula, ou a palestra, e dizer “Querida, eu sei ler!” O Da-tashow é apenas um projetor que permite o uso dos recursos mul-timídias do computador. Se você

MauríCio tavareS

tem uma imagem, um vídeo ou um arquivo de áudio ele é muito útil para enriquecer a aula. Mas se ele não passa de um monte de slides sem graça, com textículos insossos, give me a break!

O pior de tudo é que mesmo o uso de recursos multimídias em mãos erradas pode ser desastro-so. Parece que a forma substitui o conteúdo. Ao colaborar nas aulas da pós-graduação de uma profes-sora me deparei com uma situação bastante inusitada.Uma bolsista da professora sacou do Datashow e de alguma empáfia pra mostrar sua pesquisa e eu fiquei perplexo. Além do texto ser cheio de erros de por-tuguês (concordância, ortografia) e

o que mais me chocou foi a aluna usar um filme de baixa qualidade em cores porque, segundo ela, se usasse o filme na versão em pre-to e branco (um clássico de ótima qualidade) os alunos não se interes-sariam. O bizarro da história é que ela analisava a releitura de uma peça de teatro feita por um sitcom tele-visiviso mas o filme que ela exibiu tinha sido produzido depois que o episódio da série tinha sido apre-sentado na TV. Foi a primeira vez na vida que vi uma releitura inspira-da em uma leitura posterior. Vocês entenderam? Também não.

Reconheço que a ferramenta tem seus usos positivos. Organizar a aula, por exemplo. Por ser mui-

to multíplice (ver Ítalo Cal-vino) acabo introduzindo na aula muitos assuntos e gerando uma certa dispersão no nível de atenção dos alunos (que , diga-se de passagem, já não é muito alto). Uma aluna, com excesso de fofu-ra, chegou a aventar a possibilidade de eu ter DDA (déficit de atenção). Pode ser. Mas acho que tenho mes-mo é déficit na conta bancária. De qualquer forma vou começar a usar Datashow. Dá menos trabalho. É só repetir o que está na tela.

André Setaro é Mestre em Belas Artes e professor da Facom/UFBA

Maurício Tavares é Doutor em Comunicação e professor da Facom/UFBA

Page 28: Jornal da Facom nº20

28Jornal Laboratório - FACOM/UFBA - Maio de 2009

OUTROS OLHARES

Sorria, você vai para a Bahia

Já conhecia um pouco do Bra-sil, como os turistas comuns, aqueles que se emocionam

com as imagens da novela das oito (que passa em Portugal) e passam o dia entre o hotel e a praia, cheios de bronzeador para ficarem more-

nos rápido. O tipo de turistas que fazem city-tour pela cidade e pa-recem chineses a tirar fotos para mostrar depois aos amigos e dizer que conheceram tudo da cidade. Não é verdade. O turista comum pode até emocionar-se com as cores e a gente do país, mas não vive o suficiente para se apaixonar e aprender os detalhes. Conhece a sensação de um mergulho no mar em dia de calor, mas não conhece o calor dentro de um ônibus cheio de gente.

Quando cheguei, percebi que não são só os turistas que vivem assim. As pessoas com mais di-nheiro passam os dias entre o condomínio onde moram, uma miniatura das cidades dos contos de fadas, o trabalho (onde são le-

vadas pelos motoristas) e o fim de semana num complexo turístico ou no shopping aos domingos. Ainda não sei bem a quem se esta-va a referir Daniela Mercury quan-do cantou “[...] eu vou andando a pé pela cidade, bonita [...]. Eu vim parar aqui por acaso e sorte. É tudo muito intenso e muito vivo, o bom e o mau. A maior parte das pessoas são muito amáveis. Mais pragmáticas e mais mexidas e, ao mesmo tempo, mais leves. Outras parecem que nos querem sugar até nos levarem a essência, inclusive a que trazemos na carteira, também, mas não é dessa que estou a fa-lar. Se te dizem o nome de uma rua que não conheces, exigem di-nheiro. É a isso que me custa mais adaptar. A linha entre a segurança

e a indiferença é muito tênue e fá-cil de ultrapassar.

Há demasiada indiferença. A parte do “sorria, você vai pra Bahia” só funciona se nos mistu-rarmos uns aos outros, se formos todos um só, o que não quer dizer que temos de dançar com todos os negros sarados que aparecem à noite no Pelourinho ou falar com o sotaque do Ricardo Pereira em “Negócio da China”. Saudade é a palavra mais bonita de Portugal, de sentir falta e bem querer. Aqui a saudade é mais ritmada, tem mais sentidos, como se fosse uma música, mais próxima do axé que do fado.

ana Margarida alMeia

Impressões da Chegada

O ser humano só dispõe de uma única vida. Com meus 25 anos, es-

tou decidida a seguir meus im-pulsos e acho que aqueles que não os seguem são forçadamen-te infelizes. Um desses impulsos foi sair da minha terra para en-contrar-me com novas realida-

Maitane anitua roa

des e enriquecer-me. O chei-ro dos aeroportos sempre me dava a sensação de aventura com resultados terapêuticos e decidi tomar uma dose a mais. E assim meus pés levaram-me a uma estrelada noite no Pe-lourinho, onde “traka-traka-traka” da mala sonorizava vo-zes, miados e gritos que soa-vam distintos. “Medo?”. Não, só cansaço e calor. Sou grin-ga, reconheço, mas isso não

impede que me sinta em casa, do outro lado do charco. Risos, choros e música aqui têm outro som, mas não deixam de ser isso: risos, choros e música, coisas de humanos, daqui e dali.

Venho de um país que peque-no que tem sua luta, seu sonho. Acho que não somos tão dife-rentes, apenas vivemos longe e, talvez, um pouco esquecidos.

Não me esqueço de onde ve-nho, onde estou e aonde vou. Venho do País Basco, estou em Salvador e irei aonde me leve o destino. Nestes momentos, pen-sar me dói e parece-me dema-siado complicado explicá-lo “a la voz de pronto”. Farei apenas uma anotação: espero o dia em que nos livros de estilo se cha-me terrorismo aquilo que causa terror e democracia as decisões dos povos livres; o dia em que se diga que defender os governos atuais é apologia e colaboração e o dia em que se fizer jornalismo na mídia teremos dado um gran-de passo.

O destino é incerto e não há mais que sobressaltos. Tenho to-mada a decisão de não me tor-turar pensando nele enquanto estou aqui. Não devemos ficar parados e essa é outra das razões

para tentar centrar-me onde es-tou. Nesta cidade e nesta escola em que me sinto verdadeiramen-te afortunada por ter chegado. Ainda é cedo para se fazer uma idéia delas. Todas as cidades têm sua própria história e também uma história alheia, pessoal e múltipla, escrita por aqueles que a levam num resquício da me-mória. Essas são as histórias que eu tento encontrar, e não aque-las escritas pelos mesmos de sempre, às quais estamos muito mal acostumados. Sou nova em Salvador e ainda estou calada, formando a história que gostaria de conhecer em minha estadia. O bom se faz ao esperar.

Ana Margarida Almeia é estudante portuguesa em intercâmbio na

Facom/UFBA

Maitane Anitua Roa é estudante Basca em intercâmbio na FACOM/

UFBA