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NEGROS NEGROS O racismo velado no Brasil vem à tona quando se relembra a história e cultura dos negros e sua participaçªo nos índices de emprego e mortalidade Campinas, janeiro de 2001 ANO XV N” 158 Arte: FØlix A VIOL˚NCIA CONTRA AS MULHERES, HOMOSSEXUAIS E OUTRAS MINORIAS PÆgs. 7, 8 e 9 O GAROTO DA FAVELA QUE PINTA QUADROS PARA FUGIR DO MUNDO PÆgs. 10 e 11 A ETERNA LUTA DOS PROFISSIONAIS QUE CAPTAM ÓRG`OS PARA TRANSPLANTES PÆgs. 4 e 5 BRASIL AINDA BRILHA NO CAMPO, MAS ENGATINHA NO FUTEBOL- EMPRESA PÆgs. 16 e 17 Caderno TemÆtico Jornal da Unicamp Jornal da Unicamp

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NEGROSNEGROSO racismoveladono Brasilvem à tonaquando serelembra ahistória ecultura dosnegros e suaparticipaçãonos índices deemprego emortalidade

Campinas, janeiro de 2001 � ANO XV � Nº 158

Arte: Félix

A VIOLÊNCIACONTRA ASMULHERES,HOMOSSEXUAISE OUTRASMINORIASPágs. 7, 8 e 9

O GAROTODA FAVELAQUE PINTAQUADROSPARA FUGIRDO MUNDOPágs. 10 e 11

A ETERNALUTA DOSPROFISSIONAISQUE CAPTAMÓRGÁOS PARATRANSPLANTESPágs. 4 e 5

BRASIL AINDABRILHA NOCAMPO, MASENGATINHANO FUTEBOL-EMPRESAPágs. 16 e 17

CadernoTemático

Jornal da UnicampJornal da Unicamp

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PAULO CÉSAR [email protected]

esponda qual destas alternativas não é umaatividade de lazer: a) gastar doze horas deviagem em um sacolejante ônibus só paratorcer pelo seu time, mesmo que o jogo seja

apenas um amistoso; b) passar o dia todo deitadoem uma rede à sombra de um coqueiro na praia; c)lavar aquele amontoado repugnante em que se trans-formou a louça do jantar; d) aproveitar o final desemana prolongado para repintar a fachada da casa,consertar a torneira da pia da cozinha que pinga semparar, podar os galhos da árvore no jardim, substi-tuir o vidro da janela que o filho do vizinho outrodia quebrou sem querer com a bola etc, etc,etc...Errou quem optou por qualquer uma delas.Todas podem ser consideradas lazer � ainda queensaboar e enxaguar pratos e talheres pareça estar aanos-luz de distância daquilo que alguém em sã cons-ciência escolheria para entretenimento.

Quem afirma é um profissional que há 25 anosdedica-se a estudar o tema no Brasil. Para o profes-sor Nelson Carvalho Marcellino, do Departamentode Estudos do Lazer, da Faculdade de EducaçãoFísica (FEF) da Unicamp, qualquer atividade podeser considerada lazer; dependendo de quem a exe-cuta e das circunstâncias que cercam sua realiza-ção, como a livre adesão e a capacidade de a ativi-dade escolhida proporcionar descanso, prazer, di-vertimento e desenvolvimento a quem a pratica.

Portanto, até a obrigação doméstica de lavar pra-tos pode, sim, ser uma atividade de lazer se, porexemplo, ocorrer como parte de uma gincana emum acampamento de férias. O que para o jardinei-ro e para o pintor são tarefas profissionais transfor-ma-se em hobby para quem gosta de jardinagemou decide pintar a casa só para relaxar. E qual é otorcedor que não faz sacrifícios pela felicidade dever seu time jogar?

Ócio � Enfim, o conceito de lazer é mais amplodo que o restrito entendimento de jogos e brinca-deiras, ou do que a programação que aqueles ani-mados grupos de moças e rapazes nos hotéis, osmonitores, adoram organizar para os hóspedes.�Lazer pode até ser a não-atividade, o ócio�, argu-menta Marcellino.

Por esse prisma, ninguém deve mais sentir-se cul-pado por se entregar a letárgicos momentos de re-pouso em uma rede enquanto o resto da turmaparece participar de uma olimpíada na praia. Oimportante é o prazer que a atividade escolhidaproporciona, ensina o professor da Unicamp.

Ele observa, porém, que ao invés de buscar o pra-zer nas atividades cotidianas, as pessoas cometemo equívoco de adiá-lo para momentos em que jul-gam serão capazes de usufruí-lo. É aquela conversaque todo mundo algum dia já ouviu de alguém, seé que não pensou da mesma forma: aguardar pelaaposentadoria para finalmente poder curtir a vida...�Ou seja, vivemos a vida inteira sem nos darmos o

Prazer sem culpaLazer é lavar louça, podar árvore, pintara fachada de casa ou simplesmente curtir o ócio

direito ao prazer.�Sociólogo, mestre em filosofia da educação e dou-

tor em educação física, com artigos e livros publica-dos, Marcellino explica que há também barreiraslimitantes ao lazer. Segundo ele, as mulheres sãodesprivilegiadas em relação ao homem nesse campo,pela própria educação que recebem e pelas obriga-ções sociais e familiares decorrentes do casamento.E, às vezes, a viuvez é a grande libertação da mulherpara o lazer. A forma consumista com que o lazer étratado também impõe restrições a crianças e aos ido-sos: as primeiras porque ainda não entraram no mer-cado de trabalho; os segundos porque já saíram.

Obrigatoriedade � Para o estudioso, a educaçãotem uma parcela muito grande de responsabilida-de na manutenção desse quadro porque, de acor-do com ele, não prepara convenientemente para avida. E não preparando para a vida, não preparapara o lazer. Marcellino aproveitou mais um Coló-quio de Atualização organizado pela Reitoria paradar esse recado a um público formado por quase700 professores da rede de ensino.

Na opinião dele as disciplinas, desde os primei-ros anos escolares, deveriam se preocupar em cri-ar uma mentalidade para o lazer, a partir da ex-ploração de conteúdos que não fossem apenas osfísico-esportivos, como tradicionalmente ocorre,mas também os artísticos, sociais, intelectuais emanuais.

�Isso permite aos alunos entender que, para ob-terem lazer, não precisam exclusivamente jogar fu-tebol. Podem se divertir do mesmo modo assistin-do a essa modalidade na televisão ou ainda rece-bendo informações sobre o esporte por meio daleitura de jornais�, exemplifica. �O que geralmen-te ocorre é que os professores privilegiam a práti-ca e deixam de formar espectadores críticos e cri-ativos.�

Há que se tomar, contudo, o cuidado de evitar aobrigatoriedade quando se educa para o lazer, ad-verte Marcellino. �Se, após ler Machado de Assis,uma criança das séries iniciais é obrigada a fazerum fichamento da obra, ela estará sendo pratica-mente condenada a não querer mais ler o autor emseu momento de lazer�, sentencia.

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Nelson Marcellino, da FEF: o conceito de lazer é amplo

Relaxando àbeira do rio:

ninguémdeve se

sentirculpado por

optar pelaletargia ao

invés de umaolimpíada de

praia

UNICAMP � Universidade Estadual de CampinasReitor Hermano Tavares. Vice-reitor Fernando Galembeck. Pró-reitor de Desenvolvimento Universitário Luís Carlos Guedes Pinto. Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Roberto Teixeira Mendes. Pró-

reitor de Pesquisa Ivan Emílio Chambouleyron. Pró-reitor de Pós-Graduação José Cláudio Geromel. Pró-reitor de Graduação Angelo Luiz Cortelazzo.

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Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

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PALESTRAPALESTRA

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MARIA DO CARMO [email protected]

embalagem �longa vida�, utilizada paragarantir a durabilidade e a qualidade dosprodutos nela acondicionados � e quedepois vira lixo de difícil decomposição e

abarrota os aterros sanitários � pode ser aproveita-da para outra finalidade: como material de cons-trução. Aplicadas para isolamento térmico de te-lhados, em especial telhas de cimento-amianto, es-sas embalagens são capazes de refletir até 95% dairradiação infra-vermelha do sol e, com isso, redu-zir em perto de 9o C a temperatura no interior doambiente. Esta propriedade vem sendo constatadanas experiências do engenheiro civil industrial LuisOtto Faber Schmutzler, pesquisador-colaborador doLaboratório de Engenharia Biomecânica(Labiomec), da Faculdade de Engenharia Mecânica(FEM) da Unicamp.

As embalagens longa vida usadas como isolantetérmico podem minimizar o problema de supera-quecimento de moradias, particularmente as dapopulação de baixa renda. Coberturas de cimento-amianto são comuns também em escolas, subme-tendo crianças e professores a um calor insuportá-vel, a alterações de humor e a problemas no rendi-mento escolar e de saúde. O aproveitamento domaterial também assegura, nas noites de inverno,o fim do gotejamento nas telhas, causado pelacondensação da umidade relativa do ar (respiraçãoe vapor desprendido das panelas no fogão).

Curiosidade � A mera curiosidade de Schmutzlerem abrir uma embalagem de leite resultou no �Proje-to Forro Vida Longa�, que passa a integrar as ativida-des de pesquisa da FEM, com o objetivo não apenasde aprimorar as técnicas de utilização alternativa domaterial como a divulgação dos benefícios destereaproveitamento ao meio ambiente. Para cumpriresta meta será construído na Unicamp um protótipo

Na caixinha de leite, orefresco da populaçãoEmbalagem �longa vida�funciona comoisolante térmico emmoradias de baixa renda

de residência onde diversos testes serão realizados.A proposta, esclarece o pesquisador, é levar algum

conforto a baixíssimo custo para a população menosfavorecida economicamente, obrigada a conviver como superaquecimento de suas casas, principalmentenaquelas cobertas com telhas de espessura reduzida,onde a temperatura interior, no alto verão, pode che-gar a 45o C (sobre a cobertura, ela fica próxima dos70o C). �Não podemos esquecer que mulheres e cri-anças � e pessoas que por trabalharem à noite têm dedormir durante o dia � enfrentam esse desconforto amaior parte do tempo�, ressalta.

Schmutzler percebeu o uso alternativo das em-balagens longa vida há cerca de três meses, logoque abriu a caixa de leite. Achou interessante o vi-sual interior delas e começou a guardá-las pensan-do, inicialmente, que poderiam ser úteis na con-fecção de peças de artesanato. �Notei a existênciade uma camada de alumínio, material semelhanteao de um revestimento próprio para isolamentotérmico de telhados, importado e de custo eleva-do�, explica. Resolveu então avaliar esta proprieda-de nas embalagens, colocando-as por horas embai-xo de telhas de cimento-amianto, sob sol forte, ob-servando a eficiência das caixinhas para refletir osraios infra-vermelhos.

Risco de incêndio � Experiências complemen-tares foram feitas em casas na praia de Itamambuca,em Ubatuba (SP). Ali já existem pessoas envolvidasna execução do projeto, que trataram de eliminar

lém da finalidade social, o apro-veitamento das embalagens

�longa vida� para isolamento térmicoem moradias traz importante benefí-cio ambiental. Compostas por seis ca-madas de materiais � quatro depolietileno, uma de alumínio e umade papelão � as caixinhas vazias aca-bam se constituindo em sério proble-ma ecológico. Dados da Companhiade Tecnologia e SaneamentoAmbiental de São Paulo (Cetesb) re-velam que elas levam cerca de cemanos para se decompor.

O crescente uso dessas embalagensfaz com que elas passem a ocupar es-paço considerável nos aterros sanitá-rios. �A previsão da multinacional sue-

ca Tetra Pak, único fabricante mundi-al das embalagens longa vida, era deproduzir seis bilhões de unidades noBrasil somente em 2000�, conta o pes-quisador Luis Otto Schmutzler.

A difusão de sua utilidade comomaterial de construção, acredita, con-tribuirá para aliviar o acúmulo de lixourbano. �É nosso objetivo que ascaixinhas sequer cheguem ao lixo�,diz. Schmutzler defende a criação desistemas específicos de coleta pelasprefeituras ou por organizações liga-das às comunidades carentes, e o in-centivo para que o trabalho de limpe-za e colagem das embalagens seja fei-to em centros comunitários. Isso podegarantir, ainda, ganho econômico para

catadores ou desempregados que sededicarem à tarefa.

Atualmente, segundo o pesquisador,a Tetra Pak reprocessa 15% das emba-lagens, destruindo-as e vendendo osresíduos para fábricas de plástico e depapelão. Essas seis bilhões de unida-des poderiam, se reaproveitadas, ga-rantir 400 mil metros quadrados de iso-lante térmico, o suficiente para 40 milpequenas moradias. Para cada metroquadrado de manta são necessárias 16caixinhas de leite.

�O país não pode se dar ao luxo dedescartar esta preciosidade, em pre-juízo não só do bem-estar da popula-ção como do meio ambiente�, ressal-ta Schmutzler.

dúvidas sobre a capacidade isolante das embala-gens. Os testes demonstraram, também, que mes-mo sendo compostas por várias camadas depolietileno e papelão, elas não são auto-combustí-veis e, portanto, não aumentam o risco de incên-dio. �Em um curto-circuito provocado, a corrente-elétrica foi cortada pela própria embalagem, com-provando que não é iniciadora de fogo e que, comooutros materiais usados na construção civil, só quei-ma se a chama for mantida sobre ela�.

Motivado pelo resultado de suas pesquisas,Schmutzler desenvolveu técnicas para a limpeza emlarga escala dos resíduos de leite nas embalagens,o corte adequado e a colagem para produção dasmantas, que devem ser colocadas sob as telhas eainda em paredes mais expostas ao sol. São proce-dimentos simples, mas que garantem a perfeitahigienização das embalagens tanto para o manu-seio quanto para a aplicação.

Um próximo passo, comenta o pesquisador, édivulgar a característica desse material junto às pre-feituras. Esta iniciativa pode incentivar a criação decoleta seletiva para o aproveitamento na constru-ção de moradias populares, escolas, postos de saú-de e outros prédios públicos cuja cobertura, emfunção do custo, é na maioria das vezes feita comtelhas de cimento-amianto. Para isso, o pesquisa-dor planeja criar um site no qual o interessado po-derá obter todas as informações necessárias para acorreta confecção e aplicação das mantas em pare-des ou telhados.

Importante benefício ambientalA

A

Schmutzler e a manta térmica: curiosidade

Embalagens �longa vida� em supermercado: conforto a baixíssimo custo para a população menos favorecida

Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

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SERVIÇOSERVIÇO

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ANA CLAUDIA CONTI CAMARAFERNANDA JUNQUEIRA JULIANO

VIVIANNE LINDSAY CARDOSO

entia muita dor e cãibra nas pernas e nosdedos. Minha barriga endurecia e entorta-va. Um sofrimento danado�. Era assim queDalécio Pastor, transplantado de fígado, se

sentia sempre que enfrentava as crises provocadaspor uma doença sem cura: a hepatite C. Atualmen-te vice-presidente da Associação de Assistência aosPortadores de Hepatites, Candidatos a Transplantee Transplantados Hepáticos do Interior do Estado(APOHIE), com sede em Campinas, ele foi agracia-do com a única chance de vida que lhe restava, otransplante, que ocorreu em 1994 no Hospital dasClínicas (HC) da Unicamp.

�O transplante é uma coisa maravilhosa, minhafilha é o espelho disso tudo�, afirma Pastor, 56 anos,que esperou oito meses por um fígado. Dois anosdepois ele viu nascer uma filha,Fernanda, loira de olhos azuis, encan-tadora, prova concreta e singela dasmudanças que acontecem na vida deum transplantado.

Quando convivia com a perspectivaconstante da morte, Dalécio Pastor fi-cou privado de realizar qualquer tipode esforço físico e foi submetido a umadieta rigorosa, diminuindo o sal, a car-ne vermelha e abolindo de vez as bebi-das alcoólicas. Tantas dificuldades fo-ram superadas graças ao apoio da es-posa, Rosângela. Internações às pres-sas eram freqüentes. A última crise odeixou caído no meio da sala de casa.E foi naquele momento, como por mi-

lagre, que veio o telefonema da Unicamp.

Drama distante � A grande maioria das pessoasacredita que a necessidade de transplante é umaameaça distante, que nunca a atingirá ou a seusfamiliares. Como não afeta a alguém mais próxi-mo, o problema está fora de discussão, assim comoo processo de doação de órgãos. Esta é uma dascausas do baixo índice de doadores no Brasil. Ou-tro complicador é que a abordagem para se obtera autorização de doação acontece sempre no mo-mento da morte encefálica de um ente querido. Aprimeira resposta dos familiares, desinformadossobre o processo, é negativa. Faz sentido, diantedas circunstâncias dramáticas, visto que a morteencefálica é provocada por traumas, ou seja, aci-dentes. Mas é necessário o pedido nesta condiçãoconstrangedora, porque após a morte do encéfaloos demais órgãos continuam funcionando por de-terminado tempo, possibilitando sua retirada.

O urologista e coordenador da Or-ganização de Procura de Órgãos(OPO) da Unicamp, AdrianoFregonesi, afirma que as filas de espe-ra por transplantes nos hospitais le-vam a uma incógnita. �Os pacientesnão têm como saber se é uma fila paraa vida ou para a morte�, lamenta. Se-gundo o médico, apenas no Estado deSão Paulo aproximadamente 8 milpessoas esperam por um rim, 2 milpor um fígado e 500 aguardam um co-ração. Esses números só não aumen-tam porque 30% dos pacientes aca-bam morrendo na fila.

A secretária da OPO, YvonneCaporalle Mayo, define em uma frase

A eterna luta dosprofissionais da

captação de órgãos, odrama de quem

aguarda e a felicidadede quem consegue

fila para a vidaou para a morte?

A espera pelotransplante:

As notícias veiculadas na mídia sobre tráficode órgãos trazem prejuízos irreparáveis ao tra-balho de captação nas centrais do país, uma vezque contribuem para levantar dúvidas e deixara população insegura quanto à credibilidade doprocesso. Para o urologista Adriano Fregonesi,muitas das notícias são improcedentes e sensa-cionalistas, com o único interesse de vender jor-

nal ou conquistar audiência.O coordenador da Organização de Procura de

Órgãos (OPO) da Unicamp ressalta que o trans-plante envolve um grande número de profissio-nais, perto de 40 médicos altamenteespecializados em cada cirurgia, sendo impossí-vel que todos eles pratiquem ato ilícito, escon-dendo um suposto comércio. O atual Código deÉtica Médica, vigente desde 1988, proíbe acomercialização de órgãos humanos no Brasil.

Em alguns países, como Índia e Filipinas, o co-mércio é permitido sob consentimento do gover-no. Nesse caso, trata-se de uma operação legal enão de um mercado negro. Anunciam-se órgãosabertamente, lembrando o regime de escravidão,com a diferença de que os escravos eram vendi-dos inteiros e não fragmentados. Na Índia pesso-as pobres vendem seus rins para amenizar a situ-ação de miséria. O Brasil está muito longe destaprática discutível, garante Fregonesi. A fila de es-pera por órgãos é única, onde ricos e pobres rece-bem o mesmo tratamento.

Procedimentos � Constatada a morteencefálica, inicia-se uma série de procedimen-tos para que a doação de órgãos se efetive. Esta

burocracia é apontada como um dos principaisempecilhos para o tráfico de órgãos. O diagnós-tico da morte encefálica é firmado sob um pro-tocolo assinado por dois médicos, sendo umdeles neurologista. São realizados dois examesclínicos, com intervalo mínimo de seis horas,além de um exame gráfico complementar(eletroencefalograma) para confirmar a morte.Médicos da equipe de transplante não podemparticipar do diagnóstico, que é baseado na au-sência de funções cerebrais.

Com o protocolo preenchido e assinado, osmédicos devem notificar a OPO da Unicamp so-bre a existência de um potencial doador, trans-mitindo às enfermeiras dados específicos comoidade, peso, sexo, altura, grupo sanguíneo e exa-mes laboratoriais. Se este possível doador en-contra-se em outro hospital, a enfermeira pro-videncia uma ambulância para a coleta do san-gue, a fim de se fazer os exames, entre eles assorologias para HIV e hepatites B e C.

Fila única � Em seguida, o Sistema Estadualde Transplantes (SET), através da Central de No-tificação, Captação e Distribuição de Órgãos(CNCDO 2), responsável pelo serviço no interior

de São Paulo (com sede em Ribeirão Preto), écomunicado e transmite os nomes dos recep-tores cadastrados na fila única para os depar-tamentos responsáveis pelo transplante. Assim,os primeiros das filas para recepção de rim,fígado, coração e córnea são chamados naNefrologia, Gastroenterologia, Cardiologia e Of-talmologia da Unicamp, respectivamente. Opróximo passo é comunicar as equipestransplantadoras sobre os resultados dos exa-mes do potencial doador, uma vez que este nãopode transmitir qualquer doença ao receptor.

Somente com a autorização da família paraa retirada dos órgãos, e havendo receptorescompatíveis, são chamadas as equipes de ci-rurgiões, cada qual especializada em um de-terminado órgão, seguindo a seguinte ordempara a extração: coração, fígado, rim e córnea.O coração suporta pouco tempo sem circula-ção sangüínea, de quatro a seis horas; o fíga-do, de 12 a 24 horas; e o rim, de 24 a 48horas. A córnea é o único caso em que a re-tirada pode ser feita até seis horas após aconstatação da morte encefálica, por se tra-tar de um tecido avascular (que não recebefluxo sangüíneo).

a problemática da doação de órgãos: �O transplan-te tem duas vias. A probabilidade de você ser umreceptor é muito maior que a de ser um doador,porque para ser um doador é necessária a morteencefálica�. Presidente da Associação Brasileira deTransplante de Órgãos (ABTO), o nefrologistaHenry de Holanda Campos alerta que ninguém estálivre de sofrer uma insuficiência cardíaca, renal ouhepática: �Doar órgãos significa doar vida. Qual-quer um de nós pode necessitar de um transplan-te�, alerta.

Campanha permanente � O trabalho desenvol-vido por Adriano Fregonesi inclui a criação de cam-panhas publicitárias, fundamentais para esclarecerpotenciais doadores sobre os procedimentos exe-cutados no transplante e na captação de órgãos.Todos os hospitais de Campinas e região mantêm àmão os telefones da Central de Captação, que éimediatamente contatada quando da existência deum potencial doador. A OPO da Unicamp atendeuma população de seis milhões de habitantes, em127 cidades da região.

Em maio de 2000 foi lançada a Campanha Per-manente de Doação de Órgãos. Sob o lema �Trans-plante de Órgãos � Essa via tem duas mãos�, dis-tribuiu-se camisetas com a seguinte frase: �Doeseus órgãos. Você nunca sabe de que lado podeestar�.

De acordo com os médicos, foi nítido o aumen-to do número de doações nos meses após o lança-mento da campanha. Também está claro que asdoações diminuem quando o assunto é esqueci-do. Por isso, a luta de Fregonesi e seus colabora-dores para manter latente na consciência da po-pulação a discussão sobre o transplante e o nobreato de doar vida.

�S

Sobre asuspeita decomércio deórgãos e odiagnóstico

de morteencefálica

José Carlos, renal crônicomais antigo de Campinas:medo da cirurgia

Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

SAÚDESAÚDE

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Transplante e doação de órgãos é um tema emalta no momento, em razão do drama vivido pelapersonagem Camila, interpretada pela atriz Caroli-na Dieckman na novela �Laços de Família�, da RedeGlobo. Ela tem leucemia e necessita de um trans-plante de medula óssea. O roteiro prometia �es-quentar� porque a mãe Helena (Vera Fischer) ten-taria engravidar a fim de conseguir um doador com-patível para Camila, levantando a polêmica: é cor-reto produzir um filho apenas para salvar a vida deoutro?

O transplante de medula óssea difere daquelesenvolvendo outros órgãos do corpo humano por-que ninguém precisa morrer para ser doador. Aocontrário, somente pessoas vivas estão capacitadas.O tecido sangüíneo do interior dos ossos (local damedula) é extraído, depositado em recipiente deaço inoxidável, filtrado e colocado em uma bolsade sangue para ser infundido na veia subclávia doreceptor, localizada na região do tórax, entre o pes-coço e o ombro, finalizando o procedimento. Ape-sar do procedimento muito simples, a recuperaçãodo paciente exige muitos cuidados, principalmen-

te em relação à higiene, devendo-se evitar o conta-to de pessoas que não convivem com o transplan-tado.

Rim � O Hospital das Clínicas (HC) da Unicamprealiza, em média, 70 transplantes renais por ano.De acordo com o urologista Adriano Fregonesi, asestatísticas mostram que 85% dos rins transplanta-dos apresentam bom funcionamento depois doprimeiro ano e, após cinco anos, 70%. Com o pas-sar do tempo, alguns enxertos são perdidos, emrazão da chamada rejeição crônica. Nesse caso orim precisa ser retirado para implantação de outro,levando o paciente de volta à hemodiálise e à filapor um novo transplante.

O Ministério da Saúde registra que de janeiro amaio de 1999 foram feitos 840 transplantes de rimno país. No ano de 2000, no mesmo período, ocor-reram 921, um crescimento de 9,64%. A Unicamprealiza transplantes de rim (tanto de doador vivocomo de morto), fígado, coração, córnea e medulaóssea. Em breve deve começar a fazer transplantede pâncreas.

Pedro Henrique Tinela, 23 anos, é um jovempaciente da hemodiálise. Quando essa entrevistafoi feita, ele aguardava a segunda sessão no Hos-pital Irmãos Penteado, em Campinas, lendo umgibi do Chico Bento, ignorando inconscientementeo próprio estado de saúde. Tinha conhecimentohá um ano da doença, que estava sendo controla-da por meio da alimentação, até que o rim paroude funcionar definitivamente. Notícias sobre umtransplante? Nenhuma. �Estou vivendo um dia decada vez. Tento nem lembrar do rim�, declarou orapaz, que não consegue imaginar quanto umnovo rim influenciaria em seu dia-a-dia. Hoje, osimples gesto de beber água exige obediência acritérios médicos, pois mesmo a ingestão do lí-quido presente em frutas, como melancia ou la-ranja, é rigorosamente controlada.

As sessões de hemodiálise acontecem três ve-

Livro induzleitor à reflexão

Ana Claudia Conti Camara,Fernanda Junqueira Juliano eVivianne Lindsay Cardoso, queassinam esta matéria sobre doaçãode órgãos no Jornal da Unicamp,são autoras do livro-reportagemReciclagem de Vida � OTransplante, Fatos e Relatos, projetoexperimental de conclusão docurso de jornalismo da PUC deCampinas, elaborado no final de2000. O trabalho, orientado peloprofessor Marcel Cheida, obteve anota máxima.

O livro mostra o limiar da vida eda morte por meio de relatos depessoas envolvidas comtransplante e doação de órgãos, umprocesso de extrema complexidadeque exige de todos fé, disciplina eamor à vida e ao próximo. Oobjetivo é fornecer aos leitoresinformações fundamentais sobre otema, levando-os a uma decisãoconsciente quanto a se tornardoadores ou não de órgãos.

Os autores buscam patrocíniojunto a laboratórios farmacêuticos ea publicação do livro por umaeditora de Campinas.

José Carlos dos Santos, de 47 anos, é o renalcrônico mais antigo de Campinas. Está hádezenove anos na fila para um transplante derim. Anda com dificuldades, apresenta as mar-cas das dilatações nas veias e, apesar do sem-blante tranqüilo, seu olhar é triste. Por deze-

Novela de TV coloca tema em alta

zes por semana e cada uma dura quatro horas.Essa rotina desgastante acaba fazendo com que amaioria dos renais crônicos seja aposentada porinvalidez; é complicado trabalhar com horáriosfixos diante da inflexibilidade da rotina dahemodiálise. Muitos que sofrem de insuficiênciarenal exerciam atividades braçais e não podemmais fazê-lo, pois nos braços se localiza a fístulaque liga a pessoa à máquina. Através da fístula osangue é filtrado, limpo. Além disso, a rotina, alongo prazo, faz com que o paciente fique debili-tado. �Há o enfraquecimento dos ossos e a pró-pria insuficiência renal causa anemia�, explica aenfermeira Maria Solange Alves da Silva, que tra-balha no Instituto de Nefrologia de Campinas.

Diálises � Outra forma de tratamento dosrenais crônicos é a diálise peritonial, feita no

abdome por líquidos preparados com concen-trações de glicose. A diálise pode ser peritonialintermitente (DPI), feita no hospital três vezespor semana, obrigando a internação do pacien-te por 24 horas; outra é a diálise peritonialambulatorial contínua (CAPD), em que o pró-prio paciente faz a troca das bolsas, que podeocorrer várias vezes ao dia, dependendo da quan-tidade de líquido infundida; por último, a diálisecrônica (CCPD), que o paciente faz em casa, noperíodo da noite.

Apesar do sofrimento, a hemodiálise é a fortealiada dos insuficientes renais, porque permite,em grande parte dos casos, que eles aguardempor longo tempo a doação de um rim. Para quemdepende de outros órgãos, como coração ou fí-gado, a esperança é bem menor e muitos aca-bam morrendo na fila.

nas de vezes chegou a primeiro da lista, mas re-cusou todos os chamados para a cirurgia temen-do a rejeição. Há 13 anos viu a esposa, Maria daLuz, morrer por um erro médico quando reali-zava exames para doar um rim ao marido. �Elaficou dez dias em coma depois de receber san-gue infectado. Já superei tudo isso, não guardomágoas. Mas é difícil a lembrança�, afirma.

Atualmente José dos Santos procura estar omais presente possível na fiscalização de hospi-tais: �Faço parte da Câmara Municipal de Saúdede Campinas, da Comissão Técnica de Nefrologiana área de Vigilância Sanitária e sou diretor desaúde da Associação dos Renais Crônicos da ci-dade. É uma forma de assegurar que ninguémmais morra como minha esposa�.

A psicóloga Ana Claudia Silvestre atendeu re-nais crônicos durante três anos em Campinas.Ela explica que a melhor maneira de o doentee a família lidarem com a angústia por umtransplante é aceitar a finitude da vida. ParaAna Claudia, a tênue linha entre a vida e amorte é o que mais aflige o paciente e, emmuitos casos, os próprios médicos não se dãoconta disso ou simplesmente ignoram. Mes-mo assim, a psicóloga destaca um aspecto quepode ajudar e muito os pacientes: �A fé, seja apessoa de que crença que for, é uma armamuito forte. Já constatei que aqueles que acre-ditam e têm esperança, a partir de uma forçadivina, conseguem lidar melhor com a situa-ção e até se recuperam mais rápido�.

Aqueles que vivem um dia de cada vez

A tênuelinha entre

a vida ea morte

Fregonesi, da Captação de Órgáos: SP tem oito mil na fila Pastor, Rosângela e Fernanda: na crise, telefonema milagrosoAna Claudia, psicóloga: a fé é arma para combater a angústia

Pedro Henrique, na hemodiálise: tentando esquecer do rim

Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

SAÚDESAÚDE

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Salvo da amputação

comerciante Mário Salazar está hoje com76 anos de idade. Em janeiro de 1999,deu entrada no Ambulatório de CirurgiaVascular do Hospital das Clínicas

apresentando uma lesão no tornozelo esquerdo,com exposição óssea. O quadro era agravado porinsuficiência renal resultante de aterosclerose ede diabetes (doença da qual já havia tomadociência há 10 anos). Pesava apenas 46 quilos. Aarteriografia mostrou artérias femorais profundase que a lesão evoluía para osteomielite egangrena gasosa, estágios que antecedem ochoque séptico e a morte. O serviço de ortopediaindicou, então, a conduta habitual para essescasos: amputação.

�Pedi ao médico que comunicasse o diagnóstico àminha família, eu não tive coragem�, relembraSalazar, que estava há dias internado, vendo suaperna piorar. Este senhor, hoje bem humorado,compareceu ao congresso A Homeopatia no SéculoXXI como personagem de um estudo de casoapresentado pelo médico Milton Lopes de Souza,docente do Depto de Clínica Médica da FCM, cujaequipe, do Ambulatório de Homeopatia do HC,livrou o paciente da amputação.

Segundo recorda o professor, Salazar sempre levouvida regrada, controlador de suas contas emenosprezava a doença a ponto de rir dela, apesardas dores. �Lia livros durante a internação eincomodava-se com os estudantes, relutando em serexaminado�, conta Souza. Em abril de 99, o pacientecomeçou um tratamento homeopático associado aantibióticos, recebendo doses repetidas de Silícea.Passou por uma drenagem cirúrgica e uma semana decurativos, tendo elevada a dose do medicamentohomeopático de 12 para 18 gotas por dia.

Salazar recebeu alta hospitalar em junho, depoisde uma angioplastia na artéria femoral e remoção detecidos mortos. Em agosto, nova remoção de tecidose, em setembro, um enxerto de pele. O próprioAmbulatório de Cirurgia Vascular, que havia indicadoa amputação, avaliou em novembro que �a área delesão mostra ótima cicatrização e tecido degranulação�.

Sob controle � Atualmente, Mário Salazarcontinua sob acompanhamento do Ambulatório deHomeopatia, com excelente evolução. �Só sobrou

LUIZ [email protected]

Combinação de tratamento homeopático comantibióticos livra um senhor de ter a perna amputada

O

um �furinho� de nada�, afirmava Teresa, uma esposazelosa, enquanto o paciente tirava as meias paramostrar a cicatriz. �Ele ainda vai tomar 10 gotasdiárias de Silícea, durante 15 dias; depois, apenas 10gotas por semana�, observou a mulher com alívio.

O médico Milton de Souza ressalta que odiabetes também está controlado, com dosesmínimas de insulina, NPH � 14 UI ao dia, quandoo paciente chegou a tomar 60. �Esse estudo decaso serve para mostrar, também, que osremédios alopáticos não neutralizam,necessariamente, o efeito da homeopatia. Em

casos graves, os dois tratamentos podem sersinergéticos�, acrescenta.

Salazar está pesando 64,5 quilos. Compareceu aoCongresso de Homeopatia num gesto de gratidão àequipe que o curou, mas o esforço foi grande e ocansaço impediu que assistisse à apresentação doestudo de caso. Detalhe importante: aquele senhor,que quase teve a perna amputada, entrou no Centrode Convenções caminhando, embora com auxílio deum �andador�. �Não consigo parar quieto. Logo,logo vou me livrar disso�, prometeu, apontandopara as muletas.

De 29 de novembro a 1º de dezembro pesquisadores bra-sileiros reuniram-se na Unicamp para debater a cientificidadeda terapêutica homeopática, durante o congresso �AHomeopatia no Século XXI�. A comissão científica do eventofoi presidida por Graciela Alicia Martínez, médica homeopataque integra o Grupo de Estudos Médicos Homeopáticos deCampinas (Gemhca).

De acordo com os organizadores, em dois séculos de exis-tência, a homeopatia convenceu milhões de pacientes quan-to a sua eficácia no combate a diversas enfermidades, comodoenças alérgicas, bronquite e asma, depressão, ansieda-de, insônia, enxaquecas, etc. A maior parte da comunidadecientífica, contudo, ainda considera que esses medicamen-tos, administrados em doses infinitesimais, não produzamefeito superior ao placebo, ou seja, da mera sugestão.

Os defensores da terapêutica sustentam que, mesmo semesse reconhecimento científico, a homeopatia ocupa impor-tante espaço na Europa, mobiliza milhões de pessoas empaíses como a Índia e, no Brasil, onde existem 15 mil médi-cos homeopatas, torna-se a cada dia uma importante espe-cialidade médica. O encontrou teve como objetivo contribuirpara que a homeopatia.

Um convidado ilustre foi o professor Paolo Bellavite, cate-drático da Universidade de Verona, na Itália, especialista emhematologia com doutorado em biologia molecular e pós-doutorado em biotecnologia. Uma de suas conferências teveo tema �Homeostasia na Medicina Integrada � ConceitosAtuais de Imunologia�. Bellavite dedica-se à pesquisabiomolecular e é autor de vários livros e artigos sobre a açãoin vitro de remédios homeopáticos e a ação destes nos pro-cessos patológicos. Trabalha também com os conceitos danova patologia e da nova imunologia relacionadas com osconhecimentos homeopáticos.

Na opinião do professor, a atitude de grande parte de cien-tistas é muito reducionista, acreditando ser até mesmo a pes-

A homeopatia como ciência

O comerciante Mário Salazar (esq.), 76 anos: tratado pela equipe do médico Milton deSouza (acima) depois de quase ter a perna amputada, promete dispensar as muletas

quisa biomolecular limitada para a compressão da saúde e dapatologia do ser humano. Bellavite fez questão de participar docongresso na Unicamp por considerar que a medicina pratica-da no Brasil apresenta um alto nível de pesquisa, apesar dafalta de recursos financeiros. Ele espera que o reconhecimentoda homeopatia como ciência propicie a entrada de novos fun-dos de financiamento de pesquisas e seja importante não sópara os profissionais da área, mas sobretudo para os que pos-sam vir a se beneficiar com a terapêutica que cuida da saúdehumana como um sistema biológico integrado.

Informações adicionais: www.gemhca.org.br

Graciela Martínez: busca do reconhecimento científico

Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

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CONGRESSOCONGRESSO

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ADRIANA [email protected]

dona de casa Vitória, de 42anos, ainda se lembra comochegou há dois anos no SOSAção Mulher e Família de

Campinas. Era traída, maltratada pelomarido e dependia de calmantes paracombater a depressão provocada pelaviolência sofrida dentro do própriolar. Com Joana, de 50 anos, o proble-ma não foi a violência física, mas aculpa por acreditar que não criou osfilhos como devia. Depois que a filhacaçula de 18 anos engravidou donamorado, Joana começou a se cul-par e acabou desprezada pelo mari-do. �Ele nunca me bateu, mas não fa-lava comigo. Agia como se eu fosse aresponsável por tudo�, conta.

Apesar do sofrimento, Vitória eJoana (nomes fictícios) não se senti-am seguras para enfrentar a crise elutar contra a violência física e verbal.Como milhares de outras mulheresacreditavam que um dia tudo iriamudar, que o tormento passaria.�Quando não me convencia disso,achava que estava condenada a so-frer�, confidencia Vitória. Hoje elapercebe ser impossível ver o maridomudado e carrega no coração o dese-jo de começar vida nova. �Tenho es-perança. Quero deixar o meu maridoe realizar meus sonhos�, diz.

Joana não tem pretensão de se se-parar, mas julga necessário estabele-cer outro tipo de relação com o par-ceiro, onde as culpas sejam divididas.Para isso se apega ao SOS Ação Mu-lher e à igreja. �Sou muito religiosa eo fato de a minha filha ter engravidadosolteira me deixou triste�, confessa.

Mudar como pessoa não é tarefafácil. Vitória admite que, embora maisconfiante, ainda teme abandonar de-finitivamente o marido. �Penso nosfilhos e no fato de que não sou maisjovem para arrumar um emprego, mesustentar e enfrentar o mundo sozi-nha �. São dúvidas que também per-seguem Joana.

No SOS, elas aprendem aos poucosa expor e curar suas feridas. Apren-dem a se gostar. Joana participa deoficinas de trabalhos manuais e Vitó-

Traídas,maltratadas,espancadasSOS Ação Mulher e Famíliacompleta 20 anos deatendimento às vítimasda violência domésticaria aprendeu o ofício de manicure,além de receber orientação de advo-gados sobre como proceder caso re-almente peça a separação.

Vitória resume o maior ensinamentoque recebeu nos últimos dois anos emuma frase: �Não é normal apanhar eser violentada�. A violência contramulheres também esteve na pauta dediscussões do seminário Gênero &Cidadania Tolerância e Distribuiçãoda Justiça, ocorrido no início de de-zembro na Unicamp (páginas 8 e 9).

História que se repete � Históri-as como as de Vitória e Joana são re-petidas todos os dias por donas decasa que sofrem violência domésticaou sexual por parte dos companhei-ros, ouvidas com atenção pelos pro-fissionais que atuam no SOS AçãoMulher e Família. A organização semfins lucrativos, que em 1987 firmouconvênio de cooperação com aUnicamp, completou em dezembro20 anos de existência.

Maria José de Mattos Taube, feminis-ta e diretora da entidade desde a fun-dação, afirma que nessas duas déca-das houve erros e acertos, mas que aprincipal conquista foi a consolidaçãode um espaço onde as mulheres apre-sentam suas queixas, recebem apoio e

lutam para serem respeitadas. O SOSAção Mulher e Família nasceu do SOSMulher. O nome atual foi incorporadoem 1992, como forma de ampliar a dis-cussão sobre a questão, não apenas as-sistindo as vítimas, mas procurando in-serir a violência doméstica e sexualcomo um problema social e de saúdepública, envolvendo mulher, família,entidades sociais e comunidade.

Maria José explica que outro objeti-vo é relacionar a violência familiar coma defesa da cidadania e dos diretoshumanos, sob a ótica das relações so-ciais de gênero e dos papéis sexuaisdesiguais e discriminatórios na socie-dade. O SOS, por meio do atendimen-to à mulher e à família, busca relaçõesmais justas e complementares que tor-nem menos repetitivas histórias tristescomo as de Vitória e Joana. Por isso,desenvolve programas preventivos eações biopsicosociais e jurídicas.

Momento de reflexão - Para come-morar seus 20 anos, o SOS Ação Mu-lher e Família promoveu no dia 27 denovembro, na sede da Federação dasEntidades Assistências de Campinas(Feac), o seminário �Quebrando silên-cios... construindo mudanças�. Femi-nistas e outros especialistas fizeramuma reflexão sobre lutas, conquistase derrotas obtidas pelas mulheres,além de discutir caminhos por ondeé possível e necessário avançar, já queas estatísticas mostram que a violên-cia contra a mulher continua alta. Acada quatro minutos uma delas éespancada pelo parceiro.

A ex-senadora Eval Blay, professorada USP e presidente do 1º Conselhode Condição Feminina (1983 a 1985),lembrou que, se a agressão for de-nunciada, o problema tem solução.Ela relatou a trajetória de luta dasmulheres, iniciada na década de 60.�A transformação ocorreu a fórceps.A gente foi abrindo portas. Falar so-bre os direitos das mulheres durantea ditadura militar era consideradosubversivo�, recorda. A professoraconsidera que o Brasil ainda necessi-ta da instituição �SOS Mulher� paratentar coibir esta violência.

Maria Teresa Augusti, secretária exe-cutiva do Instituto Florestan Fernandese coordenadora do Instituto de Pro-moção da Eqüidade de Gênero, avalia

que as mulheres têm muito o que con-quistar na área de políticas públicas.�Continuamos brigando peloemergencial. Falta discutir o estrutu-ral�, alerta. Maria Teresa acusa a faltade infra-estrutura e de pessoal em or-ganizações não-governamentais e ór-gãos oficiais de defesa das mulheres,o que demonstra a falta de atenção dosgovernantes para o problema. Elaquestionou o nível de poder das mu-lheres na organização das políticaspublicas, para concluir: �As relaçõeshierárquicas seguem o mesmo mode-lo de décadas passadas�.

Também participaram do semináriocomo conferencistas a ex-procuradora geral do Estado de SãoPaulo e presidente da Oficina dosDireitos da Mulher, Norma Kyriakos,e a professora da Unicamp CeleneMargarida Cruz, que representou noevento o Pró-Reitor de Extensão eAssuntos Comunitários (Preac), JoséRoberto Teixeira Mendes. Celene queé assessora da Preac, destacou que oSOS iniciou suas atividades no Insti-tuto de Filosofia e Ciências Humanas(IFCH). Lembrou ainda que aUnicamp, atuando ao lado da ONG,cumpre sua função social e coloca-sea serviço do resgate da cidadania, embusca de uma sociedade mais justa.

A sede do SOS Mulher e Família fica na Rua Dr. Quirino, 1.856, Centro de Campinas.

1975 - Declarado pela ONU como Ano Internacional da Mulher, quando foi realizada a primeiraConferência Internacional sobre a Mulher e Desenvolvimento, na Cidade do México. A segunda confe-rência aconteceria em 1980, em Copenhague (Dinamarca), e a terceira em 1985, em Nairobi (Quênia).

1980 - Criado o SOS Mulher em São Paulo e Campinas.

1984 - Manifestações pela condenação de Lindomar Castilho, cantor que assassinou a ex-mulherEliane de Grammont.

1985 - Criada em São Paulo a primeira Delegacia de Defesa da Mulher do Brasil.

1986 - Criado no Estado de São Paulo o primeiro abrigo do País para mulheres vítimas de violência.

1987 � SOS Ação Mulher e Família de Campinas assina convênio de cooperação com a Unicamp

1992 - Instalada na Câmara dos Deputados, em Brasília, a CPI da Violência contra a Mulher, quefuncionou de maio a outubro daquele ano.

1993 - O movimento internacional de mulheres consegue colocar em destaque na Conferência Mun-dial de Direitos Humanos, realizada pela ONU em Viena, Áustria, a questão da violência na vida públicae privada.

1994 - Aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) a Conven-ção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher (Convenção de Belémdo Pará).

1995 - Acontece a IV Conferência da Mulher, em Beijing, China, quando o Brasil é considerado o paísonde mais se pratica violência contra a mulher, de acordo com relatório da America�s Watch.

Diz a LeiConquistas e lutas

A

Espancamento � Crime de lesão corpo-ral, segundo o Artigo 129 do Código PenalBrasileiro. A pena depende da gravidadeda ocorrência.

Lesão corporal de natureza leve � Ofender aintegridade corporal e a saúde de outrem. Penade até um ano de reclusão.

Lesão corporal de natureza grave � Cau-sar incapacidade para ocupações usuais pormais de 30 dias; colocar em perigo de vida;debilitar permanentemente membro, sen-tido ou função; acelerar o parto. Pena deum a cinco anos de reclusão.

Lesão corporal de natureza gravíssima �Causar deformidade permanente, aborto, in-capacidade permanente para o trabalho, en-fermidade incurável, perda ou inutilizaçãode membro, sentido ou função. Pena de doisa oito anos de reclusão.

Maria José, do SOS: a violência domésticacomo problema social e de saúde pública

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VIOLÊNCIAVIOLÊNCIA

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ADRIANA [email protected]

cada dois dias um homossexual é assassi-nado no Brasil. Só no ano passado foramregistrados 160 casos graves de violaçãodos diretos humanos e a morte de 130

gays, lésbicas, travestis e transexuais, todos vítimasda homofobia. São números que dão ao País o títu-lo de campeão mundial de assassinatos contra ho-mossexuais, segundo Luiz Mott, professor do De-partamento de Antropologia da Universidade Fe-deral da Bahia (UFBA) e presidente do Grupo Gayda Bahia (GGB).

O levantamento foi feito pelo GGB, entidade semfins lucrativos que em fevereiro deste ano completou20 anos, e as informações integram o dossiê Violaçãodos Direitos Humanos e Assassinato de Homossexu-ais no Brasil. Os homossexuais, de acordo com Mott,representam aproximadamente 10% da populaçãobrasileira � mais de 15 milhões de pessoas.

Luiz Mott, que foi professor do Departamento deAntropologia da Unicamp, esteve na Universidadenos dias 5 e 6 de dezembro, como ouvinte epalestrante do seminário �Gênero & Cidadania �Tolerância e Distribuição da Justiça�, organizadopelo Núcleo de Estudos de Gênero (Pagu). Por queos homossexuais são os mais discriminados dentretodas as minorias sociais do Brasil? foi o tema abor-dado por Mott.

Jornal da Unicamp - Por que os homossexuaissão os mais discriminados entre as minorias?

Luiz Mott � A homossexualidade era considera-da um dos crimes mais graves, mais hediondos,equiparado a matar o rei, até 1823, quando noCódigo Penal Brasileiro deixou de constar asodomia. A homossexualidade também era tidacomo causa de castigos divinos: a Igreja difundia aidéia de que Deus punia a humanidade com inun-dações, secas, etc. A própria Aids seria um castigodivino por causa da homossexualidade. SegundoFreud, todos nós temos um componente bissexualna nossa personalidade: 37% dos homens do oci-dente já tiveram ao menos dois orgasmos com pes-soas do mesmo sexo na idade adulta. A homosse-xualidade é forte no imaginário e na cultura do oci-dente. Ao mesmo tempo é vista como crime grave.Isso gera uma homofobia internalizada, cria o ódiocontra os homossexuais que tiveram a coragem desair da gaveta, enquanto aqueles que estãointernalizados ficam com ódio porque estão pre-sos nesta gaveta. É um conflito que provoca espi-nhas, prisão de ventre e outras neuroses.

P � Onde começa a discriminação contra o ho-mossexual?

R - Dentro de casa, o que é um dos problemasfundamentais. Quando o pai descobre que o filhoé gay ou lésbica, insulta, espanca, expulsa de casa.Por outro lado, as outras crianças e adolescentes,negros, judeus e deficientes físicos recebem dos paistodo o apoio para reforçar a auto-estima e a identi-dade racial ou religiosa.

P � Quais são os tipos de violência praticadoscom maior freqüência contra os homossexuais?

R � A violência começa pela própria omissão damídia, que não noticia eventos importantes sobre ahomossexualidade. A violência também é verbal, narua, nas escolas e nos meios de comunicação, que

ainda se referem aos homossexuais com termos pe-jorativos ou caricatos. Há discriminação em locaispúblicos. Travestis são proibidos de entrar emshopping center. Eles não podem servir o exércitoe, se descobertos, acabam expulsos. A igreja nãopermite a entrada de homossexuais. Fisicamente, oshomossexuais são espancados pela polícia, porquena visão da polícia e da Justiça o gay é sempre umsuspeito, mesmo que seja a vítima de algum ato ilíci-to. Mas a violência mais grave são os assassinatos enisso o Brasil é o campeão mundial: a cada dois diasum gay, uma lésbica ou um travesti são mortos, víti-mas da homofobia.

P � O senhor sabe informar quantos homosse-xuais foram assassinados este ano?

R � O Grupo Gay da Bahia, desde sua criação,vem coletando notícias sobre assassinatos de ho-mossexuais. Infelizmente, não existe no Brasil umaestatística sobre o chamado �crime de ódio�, comoacontece nos Estados Unidos e na Austrália. Temosde nos valer do noticiário na imprensa ou até deinformações orais para este levantamento. Nos úl-timos vinte anos documentamos 1.830 assassina-tos de homossexuais. Este número talvez represen-te só a metade dos casos, pois não cobre todos osestados e não temos acesso a todos os jornais. Mui-tos homossexuais também têm sua opção sexualomitida na imprensa, por orientação da família oupor desconhecimento da polícia. Na década de 80a média era de um assassinato a cada semana; nadécada de 90, um a cada três dias; e, em 1999, uma cada dois dias. No ano passado, 199 homossexu-ais foram assassinatos, sobretudo gays, seguidos detravestis e por menor número as lésbicas. Em 2000,até o novembro, foram 98 assassinatos.

P � Qual estado ou região onde se registra maisviolência?

R � Em todos os estados e regiões existem crimeshomofóbicos. São Paulo apresenta mais ocorrênciaspor causa da própria densidade populacional, vin-do depois o Rio de Janeiro. Um detalhe é que emterceiro lugar está Pernambuco, que não é o tercei-ro estado mais populoso, mas onde ocorreu o mai-or número de assassinatos nos últimos três anos.Isso mostra que ali existe uma forte discriminaçãocontra os homossexuais.

P � Quais medidas são necessárias para acabarcom esta violência?

R � Primeiramente, severidade por parte da polí-cia e da Justiça em averiguar, julgar e punir exem-plarmente esses crimes. Em segundo lugar, a educa-ção sexual obrigatória em todos os níveis escolares,ensinando os jovens a respeitar a livre orientaçãosexual dos indivíduos e a ver os homossexuais comocidadãos. A terceira medida é conscientizar a pró-pria comunidade homossexual para que denuncietodas as violações dos seus direitos e grite. O grito éa arma dos oprimidos. Essas propostas foram apre-sentadas ao Ministério da Justiça.

Um homossexual é morto acada 48 horas no Brasil

1 � A homossexualidade não é crime. Ne-nhuma lei no Brasil condena a prática da ho-mossexualidade. Crime é discriminar os gays,lésbicas e travestis.

2 � Ser homossexual não é doença. Todas asciências garantem: é normal ser homosse-xual. Querer �curar� o homossexual é igno-rância.

3 � A homossexualidade não é pecado. Osgays e lésbicas também se amam e foramcriados por Deus. Jesus nunca condenou oshomossexuais.

4- A homossexualidade sempre existiu. Oamor homossexual é tão antigo quanto a pró-pria humanidade e nunca vai acabar.

5� Todos os povos praticam homoerotismo.

A violência contra uma minoria que representa 10% da população

Em muitas tribos indígenas e africanas os sa-cerdotes e as próprias divindades são homos-sexuais.

6� A homossexualidade é natural. Inúmerasespécies animais praticamhomossexualismo. Os gays não ameaçam aextinção da espécie humana.

7� A causa da homossexualidade é um mis-tério. Não distingue físico e a mente do gaydos demais cidadãos. Todos somos seres hu-manos.

8� A Constituição Federal proíbe qualquer for-ma de discriminação. O preconceito contragays, lésbicas e travestis é um tipo de racis-mo.

9� A Aids não é doença de gay. A Aids se

transmite através do sangue, esperma e se-creção vaginal. Só pratique sexo sem risco:use camisinha!

10� Homens e mulheres célebres que prati-caram o homoerotismo ou foram travestis:Rei Davi e Jônatas, Platão, Leonardo da Vinci,Joana Darc, Shakespeare, Miguel Ângelo,Mário de Andrade, Santos Dumont, Safo, Im-peratriz Leopoldina, Maria Quitéria, MartinaNavratilova, Marina Lima, Mazaropi, CarmemMiranda, Elton John, Angela Rorô e Cazuza.

Grupo Gay da Bahia (GGB)Caixa Postal 2552 � 40022-260Salvador, BahiaFones: (0xx71) 322-3782, 322-2552

Dez verdades pregadas pelo GGB

A Luiz Mott,presidentedo GrupoGay daBahia:violênciacomeça pelaomissão porparte damídia

Travesti ematividade nasruas deCampinas:insultosverbais dapopulação eespancamentospela polícia

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VIOLÊNCIAVIOLÊNCIA

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ADRIANA MIRANDA

m pacto em nome da unidadee contra a barbárie. É o que pre-ga o ex-subsecretário de Segu-rança Pública e ex-coordenador

de Segurança, Justiça, Defesa Civil eCidadania do Rio de Janeiro, Luiz Eduar-do Soares, para acabar com a verdadei-ra �guerra urbana� em um dos estadosmais violentos do Brasil. Morando hádez meses nos Estados Unidos � o quedefine como um �exílio voluntário�,embora se saiba das ameaças de morteque vinha sofrendo �, o antropólogo ecientista político esteve na Unicamp nosdias 5 e 6 de dezembro, participandodo seminário Gênero & Cidadania � To-lerância e Distribuição da Justiça, pro-movido pelo Núcleo de Estudos de Gê-nero (Pagu).

Ele aproveitou a ocasião para lançarseu nono livro, talvez o mais importan-te de todos, no qual faz um relato deseu dia-a-dia nos bastidores do gover-no e da segurança pública. Momentosde alegria, tristeza e traições. Em MeuCasaco de General � Quinhentos Diasno Front da Segurança Pública no Riode Janeiro (Companhia das Letras, R$35,00), Soares não poupa críticas ao go-vernador e policiais de alto escalão.Logo na apresentação, o autor, que foiprofessor da Unicamp, deixa claro queo livro é um �atestado de teimosia�.

O antropólogo julga a segurançapública um assunto sério demais paraser largado nas mãos da polícia. Falacom conhecimento de causa, tanto te-órico como prático. Em seu vasto cur-rículo pesam ações e teses detalhadassobre a problemática da violência e oreal papel da segurança pública. En-quanto esteve no governo do Rio, Soa-

violência contra minorias esteveno centro das discussões na

Unicamp por dois dias (5 e 6 de de-zembro). O seminário Gênero & Cida-dania � Tolerância e Distribuição daJustiça, coordenado pela professoraMariza Corrêa, do Núcleo de Estudosde Gênero (Pagu), reuniu os maiorespesquisadores do Brasil no assunto,além de delegadas dos direitos da mu-lher e autoridades da sociedade civil.O seminário fez parte do projeto demesmo nome apoiado pela FundaçãoFord, sob coordenação da professoraGuita Grin Debert.

A presença de tantos especialistasatraiu inclusive o ministro da Justiça,José Gregori, presente ao primeiro diado evento para uma reunião fechadaem que se discutiu propostas de com-bate a um dos problemas mais graves

res denunciou a �banda podre� dapolícia e enfrentou a ira de setoresconservadores da instituição. Os �500dias no front de Anthony Garotinho�terminaram em 17 de março de 2000,quando o professor foi demitido emfrente às câmaras de televisão, duran-te uma entrevista do governador a umtelejornal da Globo.

Logo após a demissão, Soares mudou-se para os Estados Unidos com a mu-lher, a também antropóloga BarbaraMusemeci, e as duas filhas. Ele estavarecebendo ameaças mesmo antes dasaída do governo e achou melhor partirpara garantir a integridade física da fa-mília. Barbara participou igualmente dogoverno do Rio de Janeiro, como sub-secretária adjunta da Subsecretaria de

Pactocontra abarbárie

Ex-subsecretáriode Segurança doRio, que moranos EUA porcausa deameaças, lançalivro na Unicamp

Pesquisa e Cidadania, deixando o cargopara acompanhar o marido. Ela estevena Unicamp participando do seminárioe falou sobre �Antropologia no Executi-vo: possibilidades e limites�.

Desejo de voltar � Luiz EduardoSoares confidenciou durante a pales-tra que não é fácil recomeçar a vidaem outro país. �Contamos os dias paravoltar�, disse. O retorno ao Brasil estácondicionado a não morar no Rio deJaneiro. Segundo o antropólogo, o es-tado vive uma grave crise, particular-mente na Polícia Civil, cuja estruturatentou mudar de forma persistente en-quanto esteve no governo. �É necessá-rio que as forças políticas procurem for-mar um grande pacto de unidade, em

defesa da civilização e contra a barbárie.Um pacto que dê sustentação efetiva àimplantação de projetos radicais dereforma da polícia�.

Soares foi questionado se a chamadabanda podre da política poderia estarenvolvida na nova onda de violência noRio, com explosões de granadas, inclusi-ve em porta de delegacia. �Não sei se é ocaso deste episódio, mas setores polici-ais minoritários são de fato criminosos eagem de forma terrorista. Isso, infeliz-mente, não é novidade�, respondeu. Paraele, as granadas são apenas as manifes-tações mais visíveis de procedimentosque, no passado, se apresentavam de ou-tras maneiras, como assassinatos que atri-bui a policiais corruptos com o propósi-to de desestabilizar projetos de reformada polícia. Entre suas propostas estavama modernização e moralização da políti-ca de segurança. �Há décadas a políciaestá desmoralizada frente à população�,acrescentou.

Governador ambíguo � Soares de-fine o governador Garotinho comoambíguo, acusando-o de se aliar a se-tores conservadores da polícia, ao in-vés de combater sem medo a chama-da banda podre. �2000 foi o ano daconciliação, em que o governadormanteve viva a chama da esperançaacenando com os projetos de refor-ma, quando na prática esteve ao ladodos conservadores. Óleo e água nãose casam, não combinam�, afirmou.

De acordo com o antropólogo, a op-ção do governador terá de ser porenfrentar de fato o problema docorporativismo, executando uma re-forma estrutural constante e promo-vendo uma nova seleção de todos ospoliciais. �Dessa forma ele ganhará oapoio dos setores mais responsáveisda sociedade e, quem sabe, será ca-paz de promover uma aliança maisampla, uma grande coalizão. O gover-nador vem adotando a punição indi-vidualizada de policiais, mas não é estaa melhor forma de combate�.

Soares admite que, bem ou mal, Ga-rotinho tem se esforçado para transfor-mar as instituições policiais. �São co-nhecidas as minhas divergências com ogovernador, mas devo reconhecer queeste governo tem procurado mexer novespeiro�, disse. Ele insiste, contudo, naformação do pacto, cuja efetização de-pende da vontade política e da disposi-ção dos diversos setores da sociedade.Enquanto não se cria o clima para agrande coalização, o professor e a famí-lia permanecem no exterior.

do País. A violência contra minoriasfoi abordada sob o ponto de vista dasmulheres, negros e homossexuais,com apresentação de diversas pesqui-sas sobre o tema e a discussão de pro-postas para fazer cumprir os direitoshumanos.

Quatro mesas-redondas foram orga-nizadas, com coordenação das profes-soras ligadas ao Pagu: Maria FilomenaGregori, Mariza Corrêa, Guita GrinDebert, Maria Margaret Lopes eAdriana Piscitelli. Entre os palestrantesestiveram os professores Lia ZanottaMachado (UnB), Heleieth Saffiotti(PUC-SP) e Sérgio Adorno (USP), alémde Solange Jurema, do Conselho Na-cional dos Direitos da Mulher, e da co-ordenadora das Delegacias de Defesada Mulher do Estado de São Paulo, Ma-ria Inês Valente. Mariza, do Pagu: estudiosos de todo o País

Maior alvo são as minorias

Soares: livro é um atestado de teimosiaU

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ARTE:OSÉAS

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VIOLÊNCIAVIOLÊNCIA

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luz da manhã de dezembroentra pelas frestas da pare-de e dá um pouco mais deluminosidade ao barraco

89. É mais um, em uma viela que iro-nicamente se chama Recanto da For-tuna. São 10 horas. Flávio, de 13 anos,está com os olhos grudados na televi-são. Ao lado do irmão Jadilson, trêsanos mais velho, assiste a um dessesdesenhos modernos em que os heróissão um misto de gente, robô e bicho.A favela fica ao lado do Jardim SãoMarcos, um dos bairros mais violen-tos da zona norte de Campinas.

Os dois garotos moram em um bar-raco simples, com o pai Adauto Gon-çalves. A cobertura da casa é de te-lhas de amianto. O piso, de chão bati-do. É um cômodo único, que não che-ga a 20 metros quadrados. O ambien-te é divido pelos móveis: num cantoestão as camas, noutro uma mesa e oguarda-roupas. Tudo muito simples,rústico. Revela a pobreza material deum país que abandona sua gente, seustalentos.

Flávio é um desses talentos abando-nados. O garoto tem uma habilidadenata para a pintura. Descobriu o domhá quatro anos pelas mãos da profes-sora Silvana. Tinha acabado de sematricular na Direito de Ser, uma Or-ganização Não-Governamental (ONG)que dá assistência às crianças e ado-lescentes da região do São Marcos. Atéentão, passara desapercebido pelasescolas públicas, era mais uma crian-ça carente nas estatísticas oficiais.

O curioso é que Flávio só foi para aDireito de Ser porque sua mãe não oqueria nas ruas. Dona Maria Marquesde Oliveira - que morreu em julhopassado - sabia o que estava fazendo.Ela viu seu primogênito, Antônio, serassassinado aos 19 anos. Era 96. Elesainda moravam no Jardim Ângela, a

área mais violenta da Capital. �Estavaenvolvido com más companhias�, dizo pai, que não gosta de tocar no as-sunto. Ameaçada, a família se mudoupara Campinas. Seo Adauto conseguiuvaga como auxiliar de limpeza naCeasa, onde ficou até o ano passado.Hoje, está aposentado por invalideze sustenta os dois meninos com umapensão de R$ 180,00. Aos 60 anos,tem a saúde frágil, já passou por duascirurgias e aguarda vaga para enfren-tar mais uma. Faz o que pode paramanter os dois filhos longe das ruas.

Fala mansa, mãos ágeis � Flávio éum garoto tímido, mas de um sorrisoque fascina já ao primeiro contato. Usabrincos na orelha esquerda. São duasargolas. Tem o hábito de roer as unhasou mordiscar a roupa enquanto con-versa, talvez para esconder a timidez.Tem a voz mansa, um brilho nos olhos.Gosta de novidades, de ouvir históri-as, em especial sobre mitologia gregae história da arte. Mostra, com orgu-lho, alguns livros que ganhou de pre-sente nas últimas semanas. Garanteque lê tudo e quer mais. Tem sede deconhecimento. Desde março passado,conta com a ajuda valiosa do filósofoRogério Alessandro de Mello Basali,26 anos, aluno especial do mestradode Filosofia da Unicamp. Ele passoua dar aulas ao menino em sua casa,em Barão Geraldo. Ensina noçõesbásicas de arte e introduz o garoto nomundo dos deuses gregos e suas fa-çanhas. Também foi o responsávelpela organização da primeira exposi-ção de Flávio, realizada em um con-domínio de Sumaré.

Há uma razão para gostar de mito-logia? A pergunta fica no ar, Fláviopensa alguns segundos e explica:�Gostava muito do Hércules, por cau-sa dos desenhos, e o pessoal da Di-

Talentoa b a n d o n a d oA história deFlávio, garotoque vive numbarraco, pintaquadros parafugir de seu

mundo e amamitologia

grega

AFlávio, concentrado na tela, no barraco do São Marcos: �Quando pinto, saio deste mundo�

Retocando rosas: preferência por natureza morta. No destaque, tela colocada por Flávio no amário por falta de espaço no barraco

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SOCIEDADESOCIEDADE

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SOCIEDADESOCIEDADE

O que o garoto Flávio Gonçalves quer nomomento é pintar, pintar, pintar. Sabe queprecisa gastar muita tinta e pincel para encontrarum estilo próprio, que o caracterize, que oprojete além fronteiras do Recanto da Fortuna.Flávio já teve seus 15 minutos de fama, comodiria Andy Warhol. Foi um dos entrevistados deum programa sobre crianças superdotadasexibido recentemente pelo Globo Repórter, daRede Globo.

Antes do programa de TV, Flávio também tinhasido citado em uma reportagem do jornal Folhade São Paulo. O título da matéria era �O paísdesperdiça seus gênios�. Foi justamente aí queRogério Basali, mestrando em Filosofia daUnicamp, entrou na vida do garoto. �Fiqueiimpressionado e decidi procurá-lo. Primeiro,passei por uma entrevista com os coordenadoresda Direito de Ser e, só depois, me apresentaramo Flávio�, conta Rogério.

E o filósofo tem sido a grande companhia deFlávio nos últimos tempos. Além de ensinar o bê-a-bá sobre mitologia, leva o garoto para visitarexposições e dá dicas para a promissora carreira.Foi Rogério quem teve a idéia de expor as telasde Flávio em Sumaré. Além de mostrar o seutrabalho ao público, o garoto conseguiu venderduas telas pequenas, a R$ 30,00 cada. Estáradiante! O dinheiro foi todo usado para comprartelas, tinta e pincéis. Sim, este é mais um dosproblemas enfrentados pelo pequeno pintor: afalta de dinheiro para a compra dos materiaisbásicos. Para não ficar parado, muitas vezesconta com a ajuda de Rogério que, em contatocom amigos do mundo artístico, já socorreuFlávio em vários momentos.

�Quero ajudar porque o Flávio é um diamantebruto. Ele precisa de apoio para desenvolver seutalento�, fala. Rogério pretende cada vez maiscolocar Flávio nas rodas artísticas de Campinas.Já articula uma grande exposição em umagaleria do distrito de Barão Geraldo.

Alguns rabiscos, só elogios � Flávio é umaluno aplicado na escola, tira boas notas e nãotem problemas de disciplina. Acaba de seraprovado para a 8ª série. A lembrança maisremota que tem dos bancos escolares édesenhando e rabiscando em todo papel brancoque via pela frente. Sempre recebia elogios.�Meus amigos e professores diziam quedesenhava bem. Ficava orgulhoso�, recorda. Esó. O talento para a pintura só viria a serdescoberto mesmo na Direito de Ser. Foi lá queteve contato pela primeira vez com tintas epincéis. Tudo pelas mãos da professora Silvana,de quem sente saudades, embora não se lembredo seu sobrenome.

�Ela casou e foi para o Rio de Janeiro. Nuncamais a vi�, diz. �Acho que ela ficaria orgulhosaem me ver agora�, completa. Flávio lembra dasprimeiras aulas: era uma turma de oito alunos,mas poucos perseveraram. Tiveram noçõessobre pintura durante dois anos. Hoje, ele aindafreqüenta a entidade.

O talento e a dedicação de Flávio à pintura sãoum diferencial, mas ele é um garoto como outroqualquer. Gosta de futebol e de desenhosanimados na TV, ouve rap e paquera as meninasda escola. Tem uma paixão, que prefere nãodizer, mas fez questão de gravar as iniciais emuma das madeiras do barraco. Está lá, ao lado deuma colcha de retalhos pendurada na parede.

A paixão de escola ainda não inspirou Flávio aponto de imortalizar a amada em uma tela. Porenquanto, só a natureza morta, mesmo. Estáconcluindo um quadro onde aparecem algumasrosas vermelhas. Cores que parecem iluminar obarraco onde o menino vai lapidando seu talento.É assim que ele foge do mundo real, desse paísdo desgoverno e da corrupção, onde sobra muitopouco para investir em educação, diversão earte.

reito de Ser disse que era um heróigrego. Me contaram a história, fiqueifascinado. Daí, passaram a me ensi-nar mais sobre o assunto�. Mas reco-nhece, sem jeito, pouco saber das len-das tupiniquins, como Saci Pererê,Mula sem Cabeça ou Curupira. Logoemenda: gosta de ler livros que o en-sinem sobre pintura. Diz reconhecere gostar das obras de Van Gogh,Monet, Picasso e Portinari.

Natureza morta, solidão criativa -�Tenho muito a aprender�, diz. O ga-roto começou pintando paisagens ealguns animais, como cavalos. Aos pou-cos, foi tomando gosto por outros es-tilos, como natureza morta, sua paixãoatual e para qual canaliza suas energi-

as. Flávio prefere pintar no cair da tar-de e à noite. �É quando posso ficarsozinho, pois muita gente passa emcasa durante o dia. Quando pinto, saiodeste mundo, fico longe�, conta ele.

O ato de pintar ficou mais fácil noúltimo mês. Flávio juntou as economi-as e comprou seu primeiro cavalete.Gastou R$ 24,00. Agora, pode se dedi-car às telas com maior conforto. Antes,pintava com as telas mal ajeitadas emum mesa. Apesar da pequena melhoria,o adolescente ainda trabalha sem ascondições ideais para quem precisa es-tar bem e criar, para transportar às te-las o que pulsa em seu coração.

A falta de um local ideal para desen-volver seu talento é flagrante. O pe-queno armário onde eram guardadas

as panelas de alumínio é usado agorapara abrigar suas telas, uma sobre a ou-tra. Já as panelas ficam amontoadassobre uma pia desativada e passarama ser lavadas em um tanque improvi-sado em um dos cantos do barraco.Também não há espaço nas paredespara deixar seu trabalho exposto. Nolugar, só imagens de Nossa Senhora,Santo Expedito e São Jorge. Flávio éum garoto religioso e freqüenta a Igre-ja Católica do São Marcos. Sua devo-ção por santos pode ser notada aindapelo pingente de São José que carregano peito. Aliás, usa parte do tempo dosúltimos dias para atender a um pedi-do de uma pessoa da igreja: está pin-tando um quadro com a imagem deNossa Senhora. Faz com gosto.

15 minutosde fama e arealidade

O primeiro cavelete, comprado no último mês: pintando com mais conforto, ao cair da tarde ou à noite

Uma exposição em Sumaré e tentativas de entrar no circuito de Campinas: �Ainda tenho muito a aprender�

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m dos assuntos que mais têm preocupado a populaçãomundial nos últimos anos, o meio ambiente, foi o temacentral da terceira sessão de palestras dos Seminários deAtualização, ocorrida no dia 11 de novembro. O evento,promovido pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Co-

munitários (Preac) da Unicamp, é dirigido a professores das redespúblicas municipal e estadual de ensino. Aproximadamente 700desses docentes compareceram ao Centro de Convenções paraacompanhar as explanações dos especialistas da Universidade.

O professor do Instituto de Geociências (IG), ArchimedesPerez, que falou sobre meio ambiente e ensino, ressaltou a im-portância de abordar as questões relacionadas à natureza emsala de aula. �Vejo a possibilidade de trabalhar a temáticaambiental de maneira transversal, mesmo que não seja de for-ma interdisciplinar�, disse. Um exemplo disso, ressaltou o do-cente, foi o Vestibular 2000 da Unicamp, que teve como temacentral a água.

Segundo Perez, só é possível entender o meio ambiente a par-tir da relação do homem com a natureza. Dentro desta perspec-tiva, ele chamou a atenção da platéia para a problemática doconsumo desordenado dos recursos naturais. Desde que o ho-mem desenvolveu a agricultura, há 10 mil anos, as demandaspor alimento, para ficar num único exemplo, não pararam decrescer.

Conforme o professor do IG, havia a previsão de que na déca-da de 70 a produção de comida não seria suficiente para atendera população mundial, que alcançou a marca de 4 bilhões depessoas. Graças ao uso da tecnologia, a profecia não se concreti-zou. As projeções atuais dão conta de que não deverá faltar ali-mento até 2050. Mas apesar disso, a questão do abastecimentomundial está longe de ser resolvida. Perez destacou que o cres-cimento populacional e a má distribuição de riquezas fazem comque a fome seja um flagelo presente no cotidiano de pelo menos800 milhões de cidadãos, a maioria do 3º Mundo.

Essa situação deve se agravar ainda mais daqui a 50 anos,quando o mundo terá perto de 8,8 bilhões de habitantes. A pro-jeção leva em conta o índice médio de crescimento das popula-ções ricas e pobres, que é da ordem de 0,7% e 2,1% por ano,respectivamente. O especialista da Unicamp advertiu, porém,que o avanço populacional não pode ser medido apenas pelonúmero de pessoas. O principal dado, segundo Perez, é a pro-porção do consumo dos recursos naturais.

Hoje, o morador de um país subdesenvolvido responde por

uma taxa de consumo 18 vezes menor do que a de quem vivenuma nação do 1º Mundo. Isso significa que, embora formemum maior contingente, os habitantes dos países periféricos exer-cem uma pressão menor sobre a natureza do que aqueles quevivem nas nações centrais. Dois dos grandes desafios da huma-nidade, lembrou o professor, residem em promover a distribui-ção dessas riquezas de forma mais justa e em estabelecer açõesque assegurem o desenvolvimento sustentável.

Transgênicos - Os alimentos também permearam outras duas pales-tras dos Seminários de Atualização. O docente do Instituto de Biologia,Octávio Henrique Pavan, falou sobre organismos transgênicos, assuntoque tem gerado muita polêmica ultimamente. Segundo ele, há três as-pectos que precisam ser analisados antes da sociedade decidir se deve ounão adotá-los: o técnico, o industrial e o ambiental.

De acordo com Pavan, um dos primeiros passos é tirar a ciên-cia dos laboratórios e levá-la para os vários segmentos da comu-nidade. Os professores das redes públicas de ensino, disse, têmpapel fundamental nesse esforço, pois são elementosmultiplicadores do conhecimento. �É preciso que as pessoas en-tendam que a ciência é perfeitamente questionável. Ela não re-solve problemas, mas ajuda na tomada de decisões�, disse.

Para facilitar o entendimento, o especialista distribuiu duascartilhas dirigidas a estudantes do ensino médio e fundamental aopúblico. Ambas explicavam, de maneira simples e didática, o que éum organismo geneticamente modificado. Conforme Pavan, o con-ceito de genética surgiu em 1906. Quatorze anos depois, os cientis-tas já estimulavam a mutação de plantas por meio da radiação.

Em 1970, os pesquisadores promoveram, pela primeira vez, o cru-zamento de duas espécies diferentes e obtiveram o milho híbrido.

Passados oito anos, o cromossomo de uma planta foi transfe-rido para uma outra. Usando as técnicas de melhoramento gené-tico, os cientistas produziram, em 1999, o arroz dourado, consi-derado um dos maiores avanços nessa área. Todos esses experi-mentos tinham um único objetivo: obter plantas mais produtivase resistentes a pragas e doenças.

Os trabalhos nessa área estão obtendo bons resultados. A sojatransgênica, por exemplo, reduz a necessidade da aplicação deherbicidas. O milho e o algodão, por sua vez, resistem melhor aosataques de insetos. Já o arroz dourado exige menos cuidados e émais produtivo que o convencional. Para produzi-lo, foram con-sumidos sete anos e US$ 2,6 milhões em pesquisas. Os recursosforam bancados pela iniciativa privada.

De acordo com o professor do Instituto de Biologia, esses avanços serevestem de maior importância quando confrontados com a realidademundial. Em 2020, afirmou, a demanda por comida no planeta será 50%superior à atual. Os moradores da Europa, EUA e Japão não passarãofome. O mesmo, porém, não ocorrerá com os habitantes da África.

A gente vai querercomida

U�Hoje em

dia, 3 bilhõesde pessoas domundo têm oarroz comobase da ali-m e n t a ç ã o .Desse contin-gente, 10%não consomeoutra coisa�,revelou o professor. Neste cenário, concluiu Pavan, o uso dosorganismos transgênicos tende a tornar-se indispensável paragarantir o abastecimento da população. Mas o pesquisador ad-verte que, a despeito dessa necessidade, alguns aspectos mere-cerem uma reflexão mais aprofundada.

Os organismos geneticamente modificados geram, por exem-plo, questionamentos de ordem ética e ambiental. Segundo ele,já se cogita colocar o gen de um peixe em determinadas plantas,de modo a impedir que estas se congelem em países cujo climaé muito frio. Além disso, há o risco da chamada poluição genéti-ca. Ou seja, uma planta transgênica pode ter o pólen carregadopelo vento e contaminar outras espécies.

�Por esses motivos é que os organismos geneticamente mo-dificados não podem ser analisados somente sob o ponto devista dos xiitas da indústria ou dos ecoterroristas. É preciso in-formar corretamente a sociedade sobre os diversos aspectos daquestão, para que ela tome a sua decisão�, defendeu Pavan.

Nutrição - A outra palestra do evento foi ministrada pela dire-tora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), CláuciaMaria Pastore. Ela falou sobre os aspectos nutricionais dos ali-mentos. De acordo com ela, uma das maiores preocupações daatualidade tem sido substituir os aditivos químicos por naturaisnos produtos industrializados. A professora também chamou aatenção para a necessidade de as pessoas manterem uma dietadiversificada.

Gláucia discordou do segmento que considera o carboidratoum vilão. Consumido moderadamente, segundo a professora, essetipo de alimento traz benefícios para o organismo. A diretora daFEA também falou sobre os chamados alimentos funcionais, que,além de nutrir, ajudam a prevenir e a combater doençasdegenerativas. Como exemplos, a professora citou a banana, acevada, o mel, o alho e a cebola. Os dois últimos, segundo diver-sas pesquisas, são efetivos na prevenção de males como artrite,asma, bronquite, reumatismo e até a hipertensão.

O homem desenvolveu aagricultura há 10 mil

anos. Dentro de 50anos, a escassez de

alimentos vai afligir ahumanidade

Archimedes Perez, professor doInstituto de Geociências:

questão do abastecimentoestá longe de ser resolvida

OctávioHenriquePavan,professor doInstituto deBiologia: aciência éprefeitamentequestionável

GláuciaMaria Pastore,

diretora daFaculdade

de Engenhariade Alimentos:

pela dietadiversificada

MANUEL ALVES [email protected]

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PALESTRAPALESTRA

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PAULO C. [email protected]

respeito à oralidade da crian-ça e do adolescente, no ensi-no formal da língua, foi defen-dido pelo professor de semân-

tica e análise do discurso JoãoWanderley Geraldi, do Instituto deEstudos da Linguagem (IEL) daUnicamp. Ele falou sobre culturasorais e culturas letradas a professoresda rede pública durante a série deSeminários de Atualização organizadapela Reitoria. Lembrou que apesar defortemente influenciada pela escrita,a cultura brasileira é fundamental-mente oral, e essa particularidade nãopode ser ignorada pelos professoresnas salas de aula.

Segundo Geraldi � que é autor delivros sobre o ensino de língua portu-guesa e atua nesta área em projetos deformação continuada de professores �, o aprendizado será maisenriquecedor se a vivência oral do es-tudante for respeitada durante os pro-cessos de aquisição da modalidade es-crita. �Talvez precisemos aprender quenossos alunos podem fazer com a es-crita coisas diferentes do que nós,como representantes da sociedade le-trada, pensemos que deva ser feito. Énecessário respeitar seus modos deconstrução e de utilização enquantousuários de uma escrita�, argumenta.

A oralidade com características maispuras, isenta da contaminação da es-crita � que os pesquisadores classifi-

Falou, está escritoLingüista pede que professor respeite vivência oral do aluno

cam de primária e imediata �, perde-se na história brasileira com a funda-ção das primeiras cidades, observaGeraldi. No Brasil, em movimento con-trário ao que ocorreu na Europa, asgrandes cidades não emergiram a par-tir do interior; elas foram fundadas emcima de projetos e instruções pré-con-cebidos � portanto, a partir de umaescrita pré-existente � e é em funçãodelas que o interior se desenvolve. Essefenômeno trouxe implícito a imposi-ção de uma sociedade letrada à cultu-ra do país.

Dessa forma, expli-ca, a �cidade letrada�se constituiu desdecedo, entre nós, nãocomo algo que emer-ge de um processohistórico, mas que éimplantado e funcio-na como uma espéciede anel em torno dopoder e da proprie-dade, formado por�muros invisíveis doletramento�.

Embora não sejamais uma sociedade puramente oral,é possível reconhecer a presença deuma cultura oral na sociedade brasi-leira letrada, pondera Geraldi. Bastaobservar algumas das nossas experi-ências pessoais. Quando vamos a umarepartição pública não ficamos total-mente satisfeitos se o funcionário ape-nas nos entrega um folheto para leras informações solicitadas; preferimosque ele diga logo o que desejamossaber. Outro exemplo: o canal maiscostumeiramente utilizado para ma-nifestação de críticas é a piada; e a pi-

ada não se lê, se ouve de um bom con-tador de piadas, que deve ter o de-sempenho oral necessário para pro-vocar risos com a anedota.

Veias capilares � Portanto, a neces-sidade de respeitar a cultura intrínse-ca de cada estudante � na qual se in-clui sua vivência oral � mostra-se par-ticularmente útil quando se analisa otrabalho de professores que atuamcom a integração de crianças de ruaao sistema escolar, em unidades daperiferia. Segundo Geraldi, o fato deuma criança de 13 anos não ser alfa-betizada, não implica que deva serincluída na mesma classe de estudan-tes de sete anos, por exemplo. �O queela deseja, o que ela pensa, a sua ex-periência de vida na pré-adolescência,que sem dúvida é diferente de quemestá na infância, é muito mais impor-tante�, ressalta. �Nesse aspecto, o con-vívio de um estudante de 13 anos comum de sete é absolutamente inadequa-do.�

Entretanto, o professor pondera queos educadores têm dificuldades em seaprofundar na história de seuseducandos. �Nossa sociedade criouuma clivagem de tal ordem que, mes-mo trabalhando em uma escola de bair-ro, dificilmente conseguimos penetrarpelas veias capilares por onde o bairrorealmente se constrói. Tentar descobriro que se fala, se narra, se conta nessesmeandros, que cultura de sobrevivên-cia aí se instaura, é uma grande difi-culdade para nós letrados.�

OGeraldi, do IEL:a cultura brasileira éfundamentalmente oral eessa particularidade nãopode ser ignorada pelosprofessores em sala deaula

U ma média de mais de 1.500 participantes e um totalde 31 docentes da Unicamp envolvidos nos Colóqui-

os e Seminários de Atualização organizados pela Pró-Rei-toria de Extensão e Assuntos Comunitários (Preac) daUnicamp. Este é o saldo de uma das atividades realizadasem um ano e meio do Projeto Brasil 500 anos, encerradono início de dezembro, e que teve como objetivo difundiros conhecimentos gerados na Universidade para profes-sores do ensino fundamental e médio de escolas das re-des pública e particular.

O projeto foi coordenado pelas professoras Celene Mar-garida Cruz e Lúcia Pereira da Silva, nomeadas pelo reitorHermano Tavares para integrar a Comissão Brasil 500Anos. Celene afirma que a série contou com palestrantesdo mais alto nível. �Pudemos neste ano e meio ofereceraos professores da rede conhecimentos antes restritos àprópria academia�, afirma, festejando o sucesso compro-vado pela grande adesão. �Recebemos professores deCampinas, região e até de outros estados�, destaca a co-ordenadora.

Professores elogiam � O público que assistiu aos Seminá-rios de Atualização ressaltou a importância desse tipo de pro-grama para o aperfeiçoamento dos professores. �Acho essainiciativa ótima, pois ajuda a tirar várias de nossas dúvidas.Não é sempre que temos a oportunidade de participar decursos desse nível�, afirmou Célia Regina Ferreira, professorado Estado e do Sesi. De acordo com ela, o fato de os especi-

Seminários de Atualização atraem média de1.500 professores dos ensinos fundamental e médio

alistas abordarem temas atuais é outro aspecto positivo.Para Maria Paula Surian, que dá aula numa escola estadual do

Jardim Campos Elíseos, na periferia de Campinas, as palestrasforam muito produtivas. �O seminário que tratou de políticas pú-blicas foi maravilhoso�, disse. Outra professora pública, RaquelSilva Mascara Ruthes, considerou a experiência excelente. �Mes-mo não sendo da nossa área específica, essas palestras nos aju-dam muito. Vários dos assuntos discutidos aqui certamente po-dem ser colocados em prática dentro da sala de aula�, afirmou.

Seqüência em 2001 � �O projeto teve como objetivo princi-

palmente a capacitação dos professores da rede públi-ca�, esclarece Celene. Ela lembrou que antes a realizaçãodesses seminários dependia de convênios entre a Unicampe a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo ouprefeituras municipais. �A preocupação em oferecer esteserviço partiu exclusivamente da Universidade.

Devido ao sucesso este projeto terá continuidade em 2001,não mais sob a rubrica de Brasil 500 Anos, mas sim de Proje-tos Especiais. A comissão está sendo nomeada pelo reitor.Dela farão parte, além de Celene e Lúcia, os professores Ed-son Corrêa da Silva, Paulo Miceli e Octávio Henrique Pavan.

Célia Regina: tirando várias dúvidas Celene: um serviço à sociedade Raquel: assuntos para sala de aula

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ENSINOENSINO

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RAQUEL DO CARMO [email protected]

ara se testar uma vacina contra poliomieli-te, é preciso matar 30 macacos. A produçãoanual da vacina anti-rábica canina impõe osacrifício de um milhão de camundongos. A

insulina é fabricada a partir do pâncreas do porcoe uma grande quantidade de coelhos e cães tam-bém é utilizada em experimentos. São números quefazem arrepiar qualquer membro de sociedade pro-tetora dos animais, mas tolerados diante do objeti-vo maior de salvar vidas humanas.

As vacinas para as próximas gerações exigirãomenos animais em experiências de laboratório. Estafoi uma das avaliações apresentadas durante oCobea 2000, organizado pelo Colégio Brasileiro deExperimentação Animal, realizado no início de de-zembro no Centro de Convenções da Unicamp.Segundo o pesquisador Jean-Louis Guénet, do Ins-tituto Pasteur de Paris, as novas vacinas são elabo-radas a partir de moléculas sintéticas que permi-tem a produção em grande escala de um mesmotipo de proteína. �Isto significa a possibilidade deobter milhões de doses de altíssima qualidade comum sacrifício mínimo de animais. No mercado in-ternacional já é possível encontrar alguns tipos devacinas sintéticas. Ela é mais eficaz e as possibilida-des de erro na manipulação são mínimas�, assegu-ra o cientista.

Para oferecer uma idéia da eficácia deste tipo devacina, a parasitologista Ana Maria Guaraldo, direto-ra do Centro de Bioterismo (Cemib) da Unicamp euma das organizadoras do evento, lembra o episó-dio ocorrido em 1996, quando dezenas de criançasde Campinas foram acometidas de febre causada porvacina não sintética contra a meningite. O efeitocolateral deveu-se a um pirógeno encontrado noslotes de vacina testada em animais. Durante os ex-perimentos não foram detectadas anormalidades,pois não se tratavam de animais livres de patógenosespecíficos. Outros lotes, de fabricação francesa, nãoprovocaram febre porque eram sintéticas. Vacinassão elaboradas a partir da identificação do gene daproteína que induz a produção de anticorpos, ga-rantindo a proteção eficaz.

A utilização de animais na pesquisa, porém, estálonge de ser eliminada definitivamente. �O desen-volvimento da ciência necessita de animais. É im-possível deixar de realizar os testes, mesmo por-

que eles são obrigatórios por lei�, afirma Guénet.De acordo com ele, as áreas de farmacologia eimunologia são as que mais se utilizam de sacrifí-cio de animais para experimentos científicos e osmais comuns são camundongos, ratos, coelhos,primatas, cães e porcos, por possuírem patologia efisiologia semelhante à do homem.

Exemplos � O teste para a vacina da poliomieliteé responsável pela morte de aproximadamente 30macacos porque todo o sistema nervoso precisa serobservado. No caso da anti-rábica canina, os camun-dongos têm três dias de nascimento por causa dafalta da �bainha de mielina�. Seu cérebro é usadopara compor a vacina.

Ana Maria reconhece que em muitos casos os tes-tes são cruéis. Afirma que a Inglaterra já proibiu osexperimentos em animais para produção de cos-méticos. Embora seja uma questão polêmica, a jus-tificativa para os sacrifícios é óbvia. �Os experimen-tos em animais permitem evitar, prevenir e curaruma série de doenças que levariam o ser humano àmorte�, afirma Jean-Louis Guénet . Ele ainda vaibuscar outro argumento, na Suíça � país com po-pulação de classe alta, sensível e grau moral eleva-do �, onde foi votada a proposta de acabar com aexperimentação animal. Surpreendentemente, agrande maioria apoiou a manutenção dos testes.

No Cobea 2000 foram apresentados vários méto-

Dó dos bichanosPróximas vacinas exigirão menos sacrifícios de animais

Centro de Bioterismo da Unicamp (Cemib) está na pista de um animal que sejaresistente à doença de Chagas, mal que acomete entre três milhões e oito milhõesde brasileiros e é transmitido pelo inseto conhecido como �barbeiro�. Tendo suces-

so, os pesquisadores poderão identificar e clonar o gene, produzindo a proteína que protege oorganismo humano contra a doença e assim evitar a contaminação pelo parasita protozoárioTrypanosoma cruzi. O Cemib está trabalhando há três anos na pesquisa, em parceria com oInstituto Pasteur, havendo uma estimativa otimista de concluí-la em mais dois anos.

�O trabalho não é fácil. É muito demorado e complexo�, diz a parasitolista Ana Maria Guaraldo,diretora do Cemib. Ela explica que estão sendo feitos cruzamentos seletivos para se obter umanimal congênito, mais precisamente um camundongo que tenha os genes de resistência. �Issose consegue depois de aproximadamente 12 gerações�, informa. A pesquisadora acrescentaque depois de realizar um cruzamento, espera-se o nascimento dos filhotes para então verificarse eles são ou não resistentes. �O desafio é que o animal geralmente morre depois de infectadopelo Trypanosoma cruzi, quando precisa estar vivo para as pesquisas�.

Ao final deste �trabalho de formiguinha�, o resultado será um animal que nunca vai secontaminar com a doença. �Isso traria novas esperanças para os doentes de Chagas. Semexageros, poderíamos até chegar a uma terapia gênica da enfermidade�. Ana Maria ressaltaque ela e seus colegas não estariam em um grau tão avançado do estudo sem a persistênciado imunologista Humberto de Araújo Rangel, criador do Cemib e hoje professor aposentado daUnicamp. �Ele na verdade foi o grande incentivador do projeto�. Outros dois pesquisadores,Júlia Sakurada e Luiz Augusto Corrêa Passos, trabalham diretamente na pesquisa genética daresistência do camundongo ao Trypanosoma cruzi.

Na pista do camundongo

O

dos alternativos. Por meio de simulações em com-putadores, gráficos, desenvolvimento de softwarese citotoxicidade em cultura de células, pode-seminimizar o sacrifício de animais de laboratório.Nas salas de aula da Unicamp há muito não se utili-za cobaias para ensinar ao aluno de graduação comose dá o choque anafilático. Esta aula é exibida emvídeo.

PJean-Louis

Guénet:�Vacina

sintética émais eficaz�

Ana Maria(abaixo):

�Testes sãocruéis em

muitos casos�

Técnico do Cemib: pesquisas sobre a doença de Chagas

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JORNALDA UNICAMP

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CEL. 9705-1916

Universidade Estadual de CampinasJaneiro de 2001

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CIÊNCIACIÊNCIA

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PAULO CÉSAR [email protected]

esde que apareceu nua nas páginas de recente edição de uma re-vista masculina, a apresentadora de TV e ex-dançarina Carla Perezfoi transformada no mais novo (e cobiçado) ícone da febre nacio-nal do culto ao corpo. O alvoroço nem foi tanto pela exibição desuas curvas, que empapuçaram os leitores em três outras ediçõesda publicação, mas sim pelo novo design apresentado. Nariz, sei-os, barriga, cintura e coxas não eram mais os mesmos de há trêsanos. Sim, ali estava uma nova mulher, esculpida com bisturi e

próteses de silicone. A mídia, com o estardalhaço que lhe é peculiar nes-sas ocasiões, lançou seus holofotes sobre a moça recauchutada e até cu-nhou um novo verbo, �carlaperizar�, ou seja, ajeitar o corpo a seu gosto,tal como fez a esguia loira.

Em uma sociedade em que homens e mulheres passaram a ser valorizadospelos centímetros a mais ou a menos revelados pela fita métrica, o fenôme-no Carla Perez é apenas mais um exemplo da desmedida busca e exaltaçãodo corpo perfeito. Antes dela outras beldades, como a apresentadora XuxaMeneghel e a modelo Joana �Feiticeira� Prado, estiveram em evidência porterem seus atributos físicos aperfeiçoados em mesas cirúrgicas. O sexo mas-culino também deixou-se seduzir por esse encanto: os homens respondempor cerca de 30% das quase 400 mil cirurgias plásticas realizadas no país esteano, segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgiões Plásticos.

Convém lembrar que as clínicas de cirurgia plástica são apenas um elodessa extensa cadeia que é a milionária indústria da beleza. Academias deginástica, clínicas para emagrecimento, laboratórios que fabricam e ven-dem produtos para dietas alimentares (de procedência e efeitos não raroduvidosos), confecções e lojas de roupas (já reparou que a maioria só temaqueles modelos bem justos?), fabricantes de cosméticos e de próteses desilicone prosperam em nome da vaidade.

Psicólogos, sociólogos e médicos, entre outros especialistas, debruça-ram-se sobre o tema e não é de hoje que advertem para os efeitos colateraisda volúpia por corpos considerados perfeitos e saudáveis, especialmenteentre os jovens. São notórias, particularmente nos bastidores de concursosde modelo, as histórias de meninas que entraram em depressão � e arrisca-ram a vida com insanos regimes de emagrecimento � após constatar nabalança insuportáveis quilogramas a mais em seu peso.

Olhar antropológico � Para o professor Jocimar Daolio, da Faculdade deEducação Física (FEF) da Unicamp, os jovens devem assumir postura maiscrítica em relação à �corpolatria�. E, tanto quanto os pais, são os professores,especialmente os de educação física, responsáveis por formar entre seus alu-nos cidadãos menos suscetíveis à onda do culto ao corpo. Porém, não é oque ocorre nas quadras poliesportivas das escolas. Segundo ele, a educaçãofísica tem cometido o equívoco de reforçar a padronização corporal ao man-ter uma prática cujo referencial ainda é, primordialmente, biológico.

�A prática desta matéria curricular parece apresentar dificuldades emlidar com as diferenças apresentadas pelos alunos. Uma educação físicaescolar que considere o princípio da alteridade saberá reconhecer asdiferenças não só físicas, mas também culturais expressas pelos alunos�,argumenta Jocimar, que pesquisou, com um inovador �olhar antropoló-gico�, a atuação dos professores da disciplina da rede pública. O estudo,

CORPOLATRIAO professor de educação física deve tentar formaralunos menos suscetíveis à moda do culto ao corpo

D

originalmente realizado para sua dissertação de mestrado, trans-formou-se depois no livro Da Cultura do Corpo.

Recado aos colegas � Graduado em educação física e psicologiapela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em educa-ção física, Jocimar falava em auditório lotado por professores darede pública, durante os Seminários de Atualização oferecidos pelaReitoria da Unicamp. Ele defende uma revisão do papel de seuscolegas de educação física. Segundo ele, a prática pedagógica dosprofessores, de maneira geral, ainda se caracteriza pela busca deum tipo de treinamento ideal para todo um grupo, pelo desejo deuma classe homogênea de alunos, pelo destaque da melhoria daaptidão física como objetivo de ensino.

�Em outros palavras, os alunos devem correr o mesmo númerode voltas, fazer tantas repetições do mesmo exercício, saltar a mes-ma metragem. Vemos professores realizando testes físicos no inícioe ao final de um período letivo para verificar o progresso dos alu-nos em termos de força, velocidade, resistência e flexibilidade cor-porais. O nível do grupo é, então, determinado em virtude dessescritérios de aptidão física e as atividades propostas seguirão essesparâmetros. Alguns professores chegam mesmo a defender a for-mação de turmas em virtude do biotipo dos alunos, independenteda idade que eles tenham e da série que estejam cursando.�

A técnica de �plantar bananeira�

Modelomalha emacademia:os riscosna buscado corpoperfeito

Jocimar Daolio, docente da Unicamp, ad-verte que, sem conseguir compreender astécnicas corporais como integrantes de umarealidade sociocultural, os professores deeducação física possivelmente não terãocondições de entender os movimentos cor-porais como símbolos sociais e sua práticacorrerá sérios riscos de se desvincular docontexto de vida dos alunos.

�Um exemplo dessa tendência ocorrequando o professor, em uma escola da pe-riferia, tenta ensinar a �parada de mãos�e desconsidera que os alunos, em suagrande maioria, sabem �plantar bananei-

ra�. São técnicas corporais parecidas. A pri-meira faz parte de um conhecimento siste-matizado de uma modalidade esportiva e, asegunda, de um conhecimento corporal po-pular�, ilustra.

Daolio observa que a história da educaçãofísica no Brasil oferece subsídios que ajudama entender como os professores atuais repro-duzem, no seu cotidiano, ideais e valores dofinal do século 19, período a partir do qual aat iv idade desenvo lveu- se no pa ís e fo igrandemente influenciada pelas Forças Arma-das, pela eugenia e pela chamada MedicinaHigienista. Somente a partir do início da déca-

da de 1980, com a redemocratização do país,é que a educação física começou a ser discu-tida de forma mais contundente, levando aoreconhecimento de que sua prática escolar éproblemática e visando a uma redefinição deseus objetivos, conteúdos e métodos de tra-balho.

De acordo com Jocimar, mesmo se o pro-fessor percebe que os corpos diferem entre si,a explicação tende a ser em virtude da nature-za do corpo e não das espec i f ic idadessocioculturais que podem ter gerado diferen-ças corporais. �É como se, para o professor,existissem corpos naturalmente melhores,

mais fo r tes , mais capazes e , emcontraposição, corpos naturalmente piores,mais fracos, menos capazes.�

Para não se tornar vítima e reprodutor demodismos, o professor de educação física,na opinião de Jocimar, deve saber consi-derar as diferenças culturais existentes en-tre seus alunos.

Segundo ele, é possível afirmar que umprofessor da disciplina, atento ao alcancecultural de sua prática, tem mais condiçõesde realizar um trabalho competente, por en-contrar- se conectado com a real idadesociocultural em que vive.

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COSTUMESCOSTUMES

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ROBERTO [email protected]

Brasil é o único tetracampeão mundial de seleções e,em quatro anos da última década, teve Ronaldinho(duas vezes), Romário e Rivaldo eleitos pela Fifa osmelhores jogadores do planeta. A cada temporadacontinuam surgindo novos craques, vendidos por

grandes fortunas para clubes do exte-rior. Contudo, fora das quatro linhas,o futebol brasileiro não mostra o mes-mo brilho em termos de organização.Ingressa no novo milênio sob investi-gação de Comissões Parlamentares deInquérito (CPIs), sendo o alvo princi-pal justamente a Confederação Brasi-leira de Futebol (CBF), entidade quedirige seu destino, por causa de sus-peitas em torno de contrato firmadocom uma multinacional de material es-portivo, a Nike. Existem ainda as su-cessivas medidas cautelares nas Justi-ças Desportiva e Comum, decorrentes

de �viradas de mesa� por parte de cartolas responsá-veis por um campeonato nacional que nunca tem datacerta para começar ou terminar.

Marcelo Weishaupt Proni, do Instituto de Economiada Unicamp, aponta como saída para a crise a consoli-dação de um novo modelo organizacional de futebol� ainda incipiente no País, mas já consolidado na Eu-ropa � que possibilite a transformação de clubes defi-citários em empresas rentáveis, seguindo parâmetroséticos. A criação de uma liga nacional liderada peloClube dos 13 e já ensaiada algumas vezes, sem inge-rência da CBF (que cuidaria da seleção nacional), éuma tendência quase natural, segundo Proni. Mas elealerta que isso traria problemas sérios para a base dapirâmide, pois centenas de clubes tenderiam a retro-ceder ao amadorismo em poucos anos, por não con-seguirem se sustentar no novo modelo predominan-te. Cita o exemplo do Estado de São Paulo, onde exis-

A metamorfosedo futebolBrasil mantém o brilho dentrodo gramado, mas fora deletropeça nas próprias pernas

Jovens treinam em escola de futebol: novos craques, velhos vícios

Natural de Ribeirão Preto (SP) e formado pela Unicampem 1985, o economista Marcelo Proni, em A metamor-fose do futebol, retorna à Inglaterra do século passadopara relembrar o surgimento de um novo esporte na-quele país. Traça um perfil do futebol daquele períodoaté os dias de hoje, sempre com ênfase para aprofissionalização e o aspecto econômico, deixando delado as táticas e técnicas que poderiam ser melhor ex-ploradas pelos pesquisadores em educação física.

Proni constata que criou-se nos Estados Unidos, nos anos70, o primeiro modelo efetivo de marketing esportivo namodalidade. A National American Soccer League, fundadaem 1967, progrediu grandemente na década seguinte, fa-zendo aportar em gramados norte-americanos astros doesporte como Pelé, Beckenbauer e Cruyff, enquanto o NewYork Cosmos tornava-se clube padrão em organização eeficiência econômica. Entretanto, sem raízes no futebol, osEUA viram o final desta grande fase em 1984, quando a ligatornou-se deficitária e acabou extinta.

Paralelamente, o brasileiro João Havelange introduziuna Fifa, ainda nos anos 70, os conceitos de parceria e pa-trocínio, aliando-se a Adidas e Coca-Cola, que permitiramà entidade alcançar países onde o futebol tinha pouca pro-jeção e ajudaram o dirigente a expandir seu domínio polí-tico, que durou décadas. O advento da televisão em coresna Copa do Mundo de 70, no México, e as transmissõesvia satélite foram outros fatores que contribuíram para aexpansão econômica do futebol mundo afora.

Na Itália, onde os clubes acumulavam dívidas com aprevidência e foram acusados de lavar dinheiro da Máfia,o governo adotou mudanças drásticas, em 1981, tentan-do reverter a situação e abrindo a possibilidade de forma-ção das primeiras empresas. Somado a isso, alguns clu-bes conseguiram patrocínios fortes, como os 800 mil dó-lares anuais pagos à Juventus pela Ariston, fabricante decozinhas e eletrodomésticos, e os 400 mil dólares da PoohJones, fabricante de roupas jovens, que se associou aoMilan. O impulso econômico também se estenderia à Ale-

Iniciativa privada alavanca o esporte

Bate-bolacom Raí

Marcelo Proni(foto), como todogaroto, sempregostou de bater suabolinha. Aos 16 anosde idade persistiacomo volante e vira-e-mexe disputava jogoscom outras equipesde Ribeirão Preto.Cruzou algumasvezes com um garotoesguio, um ano maisnovo, do timeadversário.�Geralmente o timedele ganhava�,reconhecesse Proni,referindo-se a Raí,ainda desconhecidona época. Eraminimigos no campo,mas ambos torciamjuntos pelo Botafogoda cidade. Raí saiu deRibeirão para brilharno São Paulocampeão do mundo,na Seleção Brasileirae em Paris. Marceloabriu pé dosgramados para darpassadas naEconomia, masmantém o futebolcomo uma dasfrentes de seutrabalho diário.

Serviço

A Metamorfose doFutebol

Autor: MarceloWeishaupt Proni

Instituto de Econo-mia/Fapesp

Preços: R$ 20,00nas livrarias eR$ 12,00 no IE

Fone:(19) 3788-5708

tem cinco divisões. �Em poucos anos muitos times es-tarão falindo nas divisões inferiores�, prevê o econo-mista. Ele acredita que, se não houver mudanças nalegislação, alguns clubes da terceira e a quase totali-dade das quarta e quinta divisões voltarão ao chama-do �futebol de várzea�. Estando o futebol paulistaameaçado por tal risco, em outros estados a incertezalevará incontáveis equipes à dissolução.

Tese em livro � Marcelo Proni não pode ser cha-mado de analista de arquibancada, apesar da injustaacusação à maioria dos torcedores de serem movi-dos pela paixão e de não conhecerem a fundo o fu-tebol. Pesquisador do Centro de Estudos de Econo-mia Sindical e do Trabalho (Cesit), seu estudo de-senvolvido junto à Faculdade de Educação Física daUnicamp resultou na tese de doutorado �Esporte-espetáculo e futebol-empresa�, defendida em 1988 eorientada pelo professor Ademir Gebara. Proniaprofundou alguns pontos da tese, que lançou noformato de livro, A metamorfose do futebol, com fi-nanciamento da Fundação de Amparo à Pesquisa doEstado de São Paulo (Fapesp). No prefácio, o jorna-lista Juca Kfouri qualifica o estudo de �a mais com-pleta e competente análise do verdadeiro parto quetem caracterizado o processo de modernização dofutebol brasileiro�. (Continua na página 17)

manha, onde o Bayern de Munique obteve apoio de 400mil dólares da Magyruz Deutz, empresa de equipamentospesados. A nova ordem passou a favorecer clubes e ligasdesses países e também da Espanha, França e Holanda.

Nossos exemplos � No Brasil a participação da inicia-tiva privada foi pequena na década de 80, mas tornou-se importante a partir dos anos 90, principalmente coma associação da Parmalat ao Palmeiras, o que tirou otime de um jejum de muitos anos sem títulos. Parceirasemelhante levou o São Paulo a grandes conquistas noinício da década, como o bicampeonato mundial de clu-bes, embora ainda fossem menos frutos do espírito �fu-tebol-empresa� e mais da organização dos dirigentes eprincipalmente do trabalho do abnegado técnico TelêSantana. Para completar o quadro dos anos 90, não sepode esquecer do Corinthians e sua associação com ogrupo Excell, numa primeira série de títulos, e a maisrecente com o grupo Hicks Muse.

O

Marcelo Proni: �Muitos times vão falir�

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ESPORTEESPORTE

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ESPORTEESPORTE

O economista Marcelo Proni, do Cesit, não acre-dita em um padrão de futebol-empresa a ser segui-do no Brasil, inspirado em modelos existentes naEuropa, mas na criatividade para encontrar um ca-minho próprio. Confia em uma legislação visandoadequar situações e possibilidades do futebol bra-sileiro, sintetizadas na Lei Zico, primeiro embrião,e na Lei Pelé, atualmente em vigor. Há muita con-trovérsia quanto à aplicação destas leis: clubes ten-tam defender seu patrimônio representado pela re-velação de jogadores que podem render lucros, en-

Clubes brasileiros precisam de criatividadequanto o outro lado defende um mercado de tra-balho justo para os atletas.

A principal polêmica está na �lei do passe�, cujaaplicação sofre constantes adiamentos. A Lei Peléestabelece que, encerrado seu contrato, o jogadorestá livre para mudar de clube. Mas é com base napropriedade do passe que clubes gastam fortunaspara comprar grandes craques e impõem contratosde muitos anos com essas estrelas. Nada impede,porém, as transferências quando pagas as multascontratuais.

Um modelo de clube bemsucedido, hoje, é oManchester United, da Ingla-terra, que em 1992 lançousuas ações na bolsa. Em 1999,acumulou os títulos de cam-peão mundial de clubes, cam-peão inglês e campeão euro-peu. Por causa desta organi-zação é o clube mais rico domundo. Seu patrimônio du-plicou entre 1988 e 2000, fru-to da renovação de contratocom as emissoras de televisãoe dos contratos publicitários,que valorizaram suas ações.

Marcelo Proni acredita queno Brasil é preciso encontrarfontes perenes de receitaspara os clubes. Os direitos detransmissão vêm crescendo,

mas continuam longe dos padrões europeus. �Aqui,recebe-se entre um terço e um quinto do que sepaga por um campeonato na Europa�, compara.

A venda de jogos de futebol pelo sistema pay-per-view é um sistema que também cresce nospaíses do primeiro mundo, rendendo novas recei-tas, mas que ainda engatinha no Brasil. A busca deoutras fontes alternativas é outra saída para os clu-bes, segundo o economista. Ele cita os exemplosde Corinthians e Flamengo, que incluíram nas ne-gociações com seus gestores a construção de está-dios de futebol a longo prazo, o que seria inviávelsem recursos de patrocínio.

Na linha futebol-empresa já há uma �S.A.� no País,caso do Bahia. Recentemente, falou-se muito noMalutron do Paraná, equipe de propriedade de al-guns sócios e que acabou disputando com outrosquinze times a fase decisiva da Copa JoãoHavelange. Marcelo Proni lembra que o Malutroné um dos clubes já adaptados ao novo modelo vi-gente. Da mesma forma, o São Caetano chegou àfinal do Campeonato Brasileiro graças a investimen-tos maciços nos últimos anos e a uma política demanutenção da filosofia de trabalho.

Infelizmente, poucos clubes daqui obterão gran-des fortunas para contratações, como acontece hojecom Barcelona e Real Madrid, na Espanha, e boaparte das equipes da Itália, França e Inglaterra. Mes-mo com a organização de clubes-empresas, o Bra-sil continuará penando para segurar seus craques.O êxodo de jogadores, prevê o economista Marce-lo Proni, vai perdurar por alguns anos.Fonte: Delloitte Touche

Os times mais rentáveis (2000)

País

Inglaterra

Alemanha

Espanha

Inglaterra

Itália

Espanha

Itália

Itália

Itália

Inglaterra

Faturamento/Ano

US$ 156,9 milhões

US$ 118,2 milhões

US$ 107,7 milhões

US$ 83,6 milhões

US$ 82,8 milhões

US$ 78,8 milhões

US$ 76,6 milhões

US$ 70,8 milhões

US$ 69,5 milhões

US$ 68,8 milhões

Posição da equipe

1. Manchester United

2. Bayern Munique

3. Real Madrid

4. Chelsea

5. Juventus

6. Barcelona

7. Milan

8. Lazio

9. Internazionale

10. Arsenal

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Editora da Unicamp teve 18 livros indi-cados para concorrer ao Prêmio Jabuti2001, em sete de suas 16 categorias. OJabuti, outorgado pela Câmara Brasi-

leira do Livro (CBL) para os livros inéditos publi-cados no período de novembro de 1999 a no-vembro de 2000, é um dos prêmios mais impor-tantes da literatura brasileira.

Os títulos indicados serão apreciados por umacomissão julgadora formada por intelectuais, jor-nalistas e críticos literários que escolherão dezobras classificadas para a segunda fase do con-curso. Desses semifinalistas, apenas três irão paraa final, sendo que o vencedor só será conhecidono dia 17 de maio de 2001, durante a Bienal In-ternacional do Livro do Rio de Janeiro.

Dos 18 livros concorrentes, nove foram indica-dos pela Editora da Unicamp, seis pela

Imprensa Oficial do Estado (Imesp) e três pelaEditora Moderna, co-editoras nas publicações.

A seleção foi elaborada pelo diretor da Edito-ra, Luiz Fernando Milanez, e pelo professorRicardo Antunes, membro do Conselho Editori-al. Desde sua fundação, a Editora da Unicamp jáganhou 9 prêmios Jabuti.

Ao prêmio JabutiEditora da Unicamp tem 18 títulos concorrendo em 7 categorias

AnGrupos teatrais � anos 70Autora: Silvia FernandesCategorias: Capa e Produção Editorial

nO ContestadoAutora: Ivone Cecília D�Avilla GalloCategoria: Ciências Humanas e Educação

nArquitetura italiana no BrasilAutor: Marcos TognonCategoria: Produção Editorial

nLuzes e sombrasAutor: Alexandre Mansur BarataCategoria: Ciências Humanas e Educação

nO afeto da terraAutor: Carlos Rodrigues BrandãoCategoria: Ensaios e Biografias

nNatureza em boiõesAutora: Vera Regina Beltrão MarquesCategoria: Ciências Naturais e Ciências da Saúde

nRedações do Vestibular Unicamp/2000Autor: ComvestCategoria: Didático, Ensino Fundamental e Médio

nReflexões sobre a vida e a morteAutora: Vera Lúcia Rezende

Categoria: Ciências Naturais e Ciências da Saúde

nAs máscaras do medo � Aids e lepraAutor: Italo TroncaCategorias: Ensaios e Biografias e ProduçãoEditorial

nIntrodução a sistemas de energiaelétricaAutores: Alcir Monticelli e Ariovaldo GarciaCo-edição: Imprensa Oficial do Estado(Imesp)Categoria: Ciências Exatas, Tecnologia eInformática

nUm olhar sobre o passadoAutora: Silvia FiguerôaCo-edição: Imprensa Oficial do Estado (Imesp)Categoria: Ciências Humanas e Educação ouProdução Editorial

nCenas repetitivas de violência domésticaAutora: Lucélia BraghiniCo-edição: Imprensa Oficial do Estado (Imesp)Categoria: Ensaios e Biografias

nPaisagens paulistanasAntonio Augusto Arantes NetoCo-edição: Imprensa Oficial do Estado(Imesp)

Categoria: Ensaios e Biografias

nO Resgate da DignidadeAutora: Laís AbramoCo-edição: Imprensa Oficial do Estado(Imesp)Categoria: Ciências Humanas e Educação

nMito e discurso políticoAutor: Luís Felipe MiguelCo-edição: Imprensa Oficial do Estado(Imesp)Categoria: Ciências Humanase Educação

nSexualidade(s) e Infância(s)Autoras: Ana Maria Faccioli de Camargo eCláudia RibeiroCo-edição: Editora ModernaCategoria: Ciências Humanas e Educação

n Marx: ciência e revoluçãoAutor: Márcio Bilharinho NavesCo-edição: Editora ModernaCategoria: Ensaios e Biografias

nWittgenstein: através das imagensAutor: Arley R. MorenoCo-edição: Editora ModernaCategoria: Ensaios e Biografias

Livros indicados

Fayard, da Universidade de Poitiers: �Armazenar informação não é mais concentrar poder�

Diferentemente do que foi publicado na edição de dezembrodo Jornal da Unicamp, o livro de Italo Tronca, As Máscaras doMedo, não é finalista do Prêmio Jabuti. Ele é um dos indicadospara concorrer ao prêmio, sendo que os finalistas só serão co-nhecidos alguns dias antes da Bienal Internacional do Livro doRio de Janeiro, em maio próximo.

ERRATA

LATO SENSU

Laboratório de Estudos Avan-çados em Jornalismo (Labjor)da Unicamp recebe até o dia12 de janeiro inscrições de

candidatos interessados em participardo seu curso de especialização latosensu em Jornalismo Científico. Po-dem concorrer às 30 vagas jornalis-tas e cientistas de todas as áreas deconhecimento.

Para concorrer é necessário envi-ar cópia do documento de identi-dade, do diploma de graduação ecurrículo, além da ficha de inscri-ção (preenchida e assinada), dispo-nibilizada no site do Labjor. Junta-mente com a documentação, umtexto de sua autoria com no máxi-mo três laudas, tendo como tema�o papel da ciência e tecnologia nodesenvolvimento nacional�. O ende-reço do Labjor é www.uniemp.br/labjor. Informações também po-

Especializaçãoem jornalismocientífico

dem ser obtidas pelo telefone (19)3289-3120.

O processo de seleção acontece-rá em duas fases. Na primeira se-rão avaliados o currículo e o textodos candidatos. Em 12 de feverei-ro será divulgada a lista dos convo-cados para a segunda fase, quandohaverá uma prova de redação, umade proficiência em inglês (não eli-minatória) e entrevistas com pro-fessores e coordenadores do cursonos dias 19 e 20.

A lista dos aprovados sairá em 21de fevereiro. O curso é gratuito, as-sim como a inscrição. As aulas co-meçam em março, às segundas-fei-ras, nos períodos da manhã e tar-de, na Unicamp. A duração é de trêssemestres.

Palestra � Pierre Fayard é pro-fessor do Instituto de Comunica-

ção e Novas Tecnologias (Icomtec)da Universidade de Poitiers, ondedirige um laboratório de pesquisae o primeiro mestrado profissionalem Inteligência Econômica na Fran-ça. Ele esteve na Unicamp no dia 18de dezembro para falar sobre seu úl-timo livro, �Os Jogos das Intera-ções: Informação e Comunicaçãoem Estratégia�, durante conferên-cia organizada pelo Laboratório deEstudos Avançados em Jornalismo(Labjor) e Núcleo de Desenvolvi-mento de Criatividade (Nudecri).

O cientista da comunicação afir-ma que, diante do mundo glo-

balizado e do advento da Internet,obter e armazenar informações jánão significa concentrar poder. �Odesafio, hoje, está em primeiro se-lecionar uma boa informação paraentão gerar e criar conhecimentoa partir dela�, afirmou. Fayard lem-bra que a informação é sempre es-tratégica por definição, mas discor-da que ela seja manipulável.�Quando uma pessoa comunica élegítimo que queira convencer, econvencer não é manipular. A ma-nipulação existe quando o interes-se de quem fala não fica claro�,avaliou.

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PESQUISAPESQUISA

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ANTONIO ROBERTO [email protected]

texto acima, na verdade um suposto en-saio sobre a história da literatura brasilei-ra, foi publicado na Revista Niteróy �Sciencias, Letras, e Artes, lançada em Pa-

ris há exatos 164 anos, e publicada pela Dauvin,et Fontaine, Libraires. Considerada um marco doMovimento Romântico brasileiro, a publicação,que teve apenas duas edições � editadas em por-tuguês�, é um dos elementos de pesquisa queintegram a tese de doutorado da professora AnaBeatriz Demarchi Barel, defendida ano passado naUniversidade Paris III, sob a orientação da profes-sora Jacqueline Penjon, especialista em literaturabrasileira. A pesquisadora se propôs a tentar en-tender como se davam as relações culturais entrea Europa e o Brasil no século passado, �pois énesse momento que se define um conceito funda-mental para as nossas letras, o conceito de identi-dade; o que somos nós no que diz respeito à lite-ratura�, observa Ana Beatriz. Mas como uma pu-blicação de poucas páginas, que não passou dasegunda edição, pode servir de subsídio para umestudo desse fôlego?

O criador da revista na França foi Domingos JoséGonçalves de Magalhães. Ele integrava um grupode jovens intelectuais brasileiros, o chamado Gru-po de Paris, e estabeleceu contatos com a elite inte-lectual francesa, o que acabou proporcionando �in-teressantes relações para o Brasil�. O contato fran-cês foi Ferdinand Denis, que esteve no Brasil entre1816 e 1819 e tornou-se anfitrião dos brasileiros eum dos responsáveis pelo aparecimento da Niteróyna França. O conteúdo era extremamenteheterogêno, tratando não apenas de literatura comotambém de filosofia, artes, química, física e as mo-

dernas (para a época) técnicas deextração de açúcar, além de mú-sica e economia.

Mas por que uma publicaçãofeita por poetas, voltada para estesegmento, trazia assuntos tãodíspares? Ana Beatriz ressalta quea revista era marcada pelo cará-ter amador, improvisado e hete-rogêneo. �Ela parece um ato defé nos valores da civilização fran-cesa e uma das partes de umacordo diplomático que previa forte atuação daFrança no cenário cultural brasileiro�, ressalta. Tal-vez por isso mesmo Niteróy é uma revista mal estu-dada nos meios acadêmicos, que se limitam a umaleitura superficial e parcial do texto de Gonçalvesde Magalhães. �Para mim, a revista é mais um docu-mento de valor diplomático do que propriamenteum documento literário�, avalia a pesquisadora.

Galicismo � Ferdinand Denis foi pioneiro na divul-gação da literatura brasileira na França. Quando vol-tou ao seu país, levou esboços de obras consideradasimportantes sobre a história da nossa literatura, assimcomo sobre a fauna e a flora. O Brasil do século 19 foibastante influenciado pela França. Não raro, comenta-va-se no meio literário que aquela época era de umgrande galicismo, com referência ao afrancesamentodos costumes e hábitos dos brasileiros.

Ainda que a Inglaterra dominasse o comérciode produtos manufaturados com o Brasil, erada França que vinham os folhetins, os romancese a moda. Isso leva a outros questionamentos:por que tanto interesse pela França, se a nossametrópole era Portugal, se por ali fazíamos nos-sa ligação mais direta com a Europa e se a nossa

Diálogoscom a França A partir da Revista Niteroy,pesquisadora analisa oafrancesamento da culturabrasileira no século 19

Ana Beatriz em Paris: �Revista tem mais valor diplomático do que literário�

Litteratura de um povo é o desenvolvimento do que elle tem de maissublime nas ideias, de mais philosophico no pensamento, de maisheroico na moral, e de mais bello na natureza, é o quadro animado de

suas virtudes, e de suas paixoens, o despertador de sua gloria, e o reflexoprogressivo de sua intelligencia. E quando esse povo, ou essa geraçãodesaparece da superficie da Terra com todas as suas instituiçoens, suascrenças, e costumes, a Litteratura só escapa aos rigores do tempo, paraannunciar ás geraçoens futuras qual fóra o caracter do povo, do qual é ella ounico representante da posteridade...

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língua é o português?A resposta talvez esteja na proclamação da inde-

pendência política do Brasil, em 1822. �Com isso,deixamos de ser colônia de Portugal e passamos aexibir status de nação autônoma. Diante disso, poruma questão de demarcação de limites � políticos,econômicos e principalmente culturais � não po-díamos continuar utilizando o modelo luso e ibéri-co como padrão�, explica Ana Beatriz. Por volta de1816, o perspicaz D. João VI já tinha em mente umprojeto de construção de uma nova imagem para oBrasil lá fora. Foi quando encomendou aos france-ses o que eles têm de melhor: cultura. Inclusive umaescola, que viria a ser a nossa Escola de Belas Artes.

No mesmo ano, desembarcavam no Rio de Ja-neiro pintores, escultores, artesãos de todo tipo,formando o que se chamou de Missão Artística de1816 ou Missão Artística Francesa, cuja principalproposta era, de fato, desenvolver intercâmbio deinformações culturais, �de forma a intensificar ouniverso da intelectualidade brasileira�, como lem-bra Beatriz. Entre esses franceses imigrantes esta-va Félix Taunay, avô do escritor Alfredo Taunay,autor de Inocência, romance que mais tarde seriatranscrito para o cinema em filme protagonizadopela atriz Fernanda Torres.

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TESE TESE

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RAQUEL DO CARMO [email protected]

os Jardins Suspensos da Babilônia, a águafresca e rica em oxigênio era bombeadacom regularidade e escorria de um jardimao outro, fazendo com que as plantas semultiplicassem. Aquela mesma técnica,

usada pelos idealizadores de uma das sete maravi-lhas do mundo antigo, aponta como uma soluçãopara amenizar a fome no mundo moderno: é ahidroponia, cultivo de hortaliças, frutas e plantasmedicinais em água, sem utilização de terra.

A hidroponia vem se difundindo principalmenteentre os pequenos produtores, que trabalham um solomuitas vezes saturado por agrotóxicos e pelas colhei-tas sucessivas. Paralelamente, surgem pesquisas parao cultivo também de flores no sistema hidropônico.Um desses estudos vem sendo realizado nos labora-tórios da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri)da Unicamp, com olhos em mercado promissor � ofaturamento anual no comércio de flores é equivalen-te ao da indústria de brinquedos.

Contemplando o entusiasmo de um produtor deflores de Atibaia, que doou centenas de mudas paraa Feagri, a equipe coordenada pelos professoresSylvio Honório e Antonio Bliska obteve com suces-so, pela primeira vez no Brasil, uma produção decravínias (espécie da família do cravo). �Não há di-ferenças na qualidade da planta�, assegura Bliska.

O que caracteriza o êxito das experiências comesta flor é sua semelhança com a espécie produzi-da em terra, estando tecnicamente perfeita paracomercialização. No caso de hortaliças como alfacee rúcula, ou mesmo de frutas como o morangohidropônico, a qualidade está no sabor, que deveser igual ao das espécies cultivadas no solo e pas-sar pelo crivo do consumidor.

Hastes perfeitas � �Os resultados são excelentes,as hastes das flores ficam perfeitas�, comemora oengenheiro agrônomo Olimar Nunes do Amaral, oprodutor que cedeu, em março, as mudas para aspesquisas na Unicamp. Ele nunca havia optado pelosistema de hidroponia por mero desconhecimento

Flores d�águaFeagri consegue

produzircravínias no sistema

hidropônico pelaprimeira vez no Brasil

das vantagens que o processo oferece. Trabalhandodesde 1989 com o cultivo de flores de corte, comorosa, cravo, lisiantus e outras, só agora Olimar reco-nhece que seu negócio pode melhorar.

Em sua opinião, uma das grandes vantagens do sis-tema é a inexistência das pragas da terra, uma gran-de dor de cabeça para todo produtor. �Essas doençasdo solo acabam com a qualidade das flores e resul-tam em enormes prejuízos na colheita�, diz. Mas oque mais animou o agrônomo, no entanto, foi o en-curtamento do ciclo da planta. �Em geral, a cravíniacultivada na terra demora cerca de quatro meses paraflorescer. Na hidroponia esse tempo cai para três me-ses�, explica. Agora Olimar já se prepara para cons-truir uma estufa de 28 metros, a fim de ampliar a áreapara o cultivo em água.

Os testes na Feagri também entram em uma novaetapa. �Pretendemos incrementar as pesquisas paramelhorar ainda mais a qualidade da planta�, dizBliska. O trabalho dos pesquisadores na primeirafase foi adaptar a solução de nutrientes e as técnicasjá existentes na Europa às condições climáticas doBrasil. �Utilizamos uma formulação própria para asflores, que adicionada à água é utilizada como basepara a produção�. Outro desafio foi conseguir a tem-peratura adequada para o desenvolvimento de umaplanta saudável. São justamente nesses dois aspec-tos que se baseiam as várias pesquisas em torno dosistema hidropônico.

Investimentos � Os investimentos iniciais para aprodução em hidroponia são altos. O retorno finan-ceiro, porém, é bastante rápido. O mais comum é aconstrução de uma estufa com estrutura de tubula-ção em PVC ou outro material plástico. Pelos cálcu-los de Antonio Bliska, gasta-se em média R$ 10,00por metro quadrado construído de sistema hidráu-lico, e de R$ 10,00 a R$ 15,00 na estufa. Esta estru-tura, se bem conservada, pode durar muitos anos,ao contrário do solo, que vai se desgastando até setornar improdutivo, acarretando assim a diminui-ção da receita. Tudo isso sem contar o enorme be-nefício ao meio ambiente e à saúde do consumidor,com a redução de utilização de agrotóxicos epesticidas.

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Praticamente tudo. A alface é a maiscultivada, mas pode-se plantar brócoli,

feijão-vagem, repolho, couve, salsa, melão,agrião, mudas de árvores e plantas

ornamentais.

O que se pode cultivar?

As plantas não entram em contato comcontaminantes do solo como bactérias,fungos, lesmas, insetos e vermes. As

espécies são mais saudáveis, pois crescemem ambiente controlado para atender às

exigências da cultura. Todo produtohidropônico é vendido embalado, não

entrando em contato direto com mãos,caixas, caminhões. O ataque de pragas e

doenças é quase inexistente, diminuindo oueliminando a aplicação de defensivos. Pelaembalagem o consumidor pode identificar

marca, cidade da produção, nome doprodutor ou responsável técnico,

características do produto e telefone decontato. Os vegetais hidropônicos duram

mais na geladeira e fora dela, poispermanecem com a raiz.

Quais as vantagenspara o consumidor?

Maior higienização e controle da produção. A planta cresce mais saudável e, por estar longe dosolo, é menos sujeita a infestação de pragas. A produção se dá durante todo o ano por ser um

cultivo protegido. Devido à alta produtividade, um único empregado pode cuidar deaproximadamente 10.000 plantas. O custo de manutenção (funcionário, água, luz, frete etc.) para

o cultivo de alface, por exemplo, está em torno de R$ 0,20 por pé. A ergonometria é muitomelhor, pois se trabalha em bancadas. O trabalho é mais leve e limpo. Não há desperdício de

água e nutrientes. A economia de água em relação ao cultivo de solo é de aproximadamente de70%. A produtividade em relação ao solo aumenta em 30%. O retorno do investimento se dá entre6 e 8 meses. Por ser colhida com raiz, a sobrevida da planta hidropônica é muito maior que a da

cortada no solo, aumentando as chances de aceitação do produto.

Quais as vantagens para o produtor?

O professorAntonio

Bliska: �Nãohá diferençana qualidade

da planta�

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