Jornal de Ciências Sociais

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Ciências Sociais - Centro Universitário Fundação Santo André- www.colegiadosociais.com Sociais Jornal de Ciências Curso de Ciências Sociais Centro Universitário Fundação Santo André - Ano I - N º 1 O MUNDO EM CRISE Com atividades voltadas à comunidade em geral, semana de Ciências Sociais abordou colapso financeiro Voltado ao aprimoramento da formação de cientistas sociais e profissionais vinculados a áreas correlatas, o curso visa a aten- der demandas relativas às atividades de pesquisa, docência e outras formas de atuação social e política, aprofundando o conhecimento dos dilemas contemporâneos da existência humano-societária e ampliando a capacidade de discer- nir alternativas. O curso conta com professores doutores em diferentes campos (sociologia, política, antropologia, história, filosofia, letras), oriundos tanto do Centro Universitário Fundação Santo André quanto de outras universidades. Inscrições Abertas! Mais informações em www.fsa.br Pós-Graduação: Ciências Sociais Economia-mundo, Arte e Sociedade MARX e o trabalho Página 5 SARAU ERRANTE Apresentações marcaram a abertura da Semana de Ciências Sociais. P. 7 Ariston Oliveira Neto 1° edição, 1° reimpressão

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1° reedição do Jornal de Ciências Sociais

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Curso de Ciências SociaisCentro Universitário Fundação Santo André - Ano I - N º 1

O MUNDO EM CRISECom atividades voltadas à comunidade em geral, semana de Ciências Sociais abordou colapso financeiro

Voltado ao aprimoramento da formação de cientistas sociais e profissionais vinculados a áreas correlatas, o curso visa a aten-der demandas relativas às atividades de pesquisa, docência e outras formas de atuação social e política, aprofundando o conhecimento dos dilemas contemporâneos da existência humano-societária e ampliando a capacidade de discer-nir alternativas. O curso conta com professores doutores em diferentes campos (sociologia, política, antropologia, história, filosofia, letras), oriundos tanto do Centro Universitário Fundação Santo André quanto de outras universidades.

Inscrições Abertas! Mais informações em www.fsa.br

Pós-Graduação: Ciências SociaisEconomia-mundo, Arte e Sociedade

MARXe o trabalho Página 5

SARAU ERRANTEApresentações marcaram a abertura da Semana de Ciências Sociais. P. 7

Ariston Oliveira Neto

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Anualmente o colegiado de Ciências Sociais da Fun-dação Santo André organiza a Semana Cultural de seu curso. Professores e alunos se engajam no planejamento e, ligados no mundo contem-porâneo, não podiam deixar de propor para 2011 o tema do momento: Crise Mundial: Perspectivas e Possibilidades. Cientistas políticos, historia-dores, sociólogos e militantes encontraram-se durante a se-mana para explicar e questio-nar a crítica condição socio-econômica do mundo atual. Os palestrantes expuseram suas ideias e pesquisas para uma plateia atenta, composta por estudantes, ex-alunos e professores de Ciências So-ciais e de outros cursos do Centro Universitário Funda-ção Santo André, estudantes do ensino médio, moradores das comunidades próximas, que participaram ativamente com questionamentos diver-sos, estimulando reflexões sobre as possibilidades e as perspectivas diante da crise atual. Os melhores momentos das conferências estão ex-postos neste número inau-gural do Jornal das Ciências Sociais. As demais atividades que compuseram a Semana estão também aqui relata-das: mostra de filmes, sarau,

debates sobre temas diver-sos, lançamento de livros, ex-posição de telas, apresentação musical e poesias inéditas. No conjunto, a Semana de Ci-ências Sociais foi uma verda-deira jornada intelectual, políti-ca e cultural, organizada com a consciência de que possibilida-des e perspectivas sempre estão postas no horizonte desde que sustentadas no reconhecimen-to razoável do próprio mun-do. É preciso destacar que sua realização só foi possível com a participação e colaboração fun-damentais dos nossos alunos. A contribuição dos estu-dantes, bem como o apoio institucional, também é es-sencial para que a nova em-preitada que este Jornal das Ciências Sociais representa possa vir a público, trazen-do periodicamente artigos sobre temas relevantes do mundo atual e das ciências sociais e outros campos afins do conhecimento, e também informações so-bre as atividades realizadas pelo Colegiado de Ciências Sociais da Fundação Santo André e instituições parcei-ras.Entre em contato conosco para discutirmos o tema do próximo ano da nossa se-mana cultural e venha fazer o curso de Ciências Sociais na Fundação Santo André.

Semana de ciências sociais foi um sucesso

Editorial

A ideia corrente do ideário filosó-fico-político é a de que o homem, como gênero, sempre teve uma natureza intrínseca a seu ser, fato que fundamenta sua sociabilidade convertendo o capitalismo numa forma social natural. Ivan Cotrim, professor da Fundação Santo André e autor de sua tese de dou-torado ora publicada, Karl Marx – a determinação ontonegativa originária do valor, realiza uma leitura que desmonta criticamente tal suposição, buscando, também, explicitar a unidade na obra de Marx e rejeitando a hipótese pela qual o pensamento marxiano es-taria cindido em dois momentos de sua vida, determinados por ju-ventude e maturidade. “Tratei das concepções do ser humano, valor e sociedade. Ten-tei demonstrar como a ideia de estado natural é fundamental para a economia política, que a partir dela transforma , por exemplo, a propriedade privada em um aspecto da natureza hu-mana, naturalizando com isso o capitalismo”, explica Cotrim. Cotrim demonstra que existe uma unidade na obra do filó-sofo alemão. “Reaparece em O Capital (um dos livros mais co-nhecidos de Marx) um conjun-to bem marcado de concepções de sua juventude. Por exemplo, tratar o dinheiro como um me-diador, como um instrumento de alienação e estranhamento do homem. Num trabalho fu-turo, poderei mostrar isso com

mais detalhes, porém, neste tex-to já está demonstrada , e bem argumentada, a presença do embrião das concepções da ma-turidade nas obras produzidas a partir de 1843”.

Sobre o título A noção de ontonegativida-de foi criada por José Chasin, que a percebe nas críticas elaboradas por Marx, que se dirigem às categorias sociais que dominam o homem, mas que não são necessaria-mente intrínsecas à vida hu-mana e, portanto, podem ser superadas. Para o professor, estas rela-ções sociais, como o valor, são relações de alienação e estranhamento entre os indivíduos. “É dessa pers-pectiva que partimos e com ela procuramos explicitar a crítica à economia política, indicando a emersão da de-terminação ontonegativa do valor e a radical diferen-ça da concepção marxia-na de homem em relação àquela que naturaliza a es-sência humana e a sociabi-lidade do capital.”

Serviço:Karl Marx. A Determinação Ontonegativa Originária do ValorAutor: Ivan CotrimEditora: Alameda: 360 páginasContato: [email protected].

Karl Marx – a determinação ontonegativa originária do valor

LANÇAMENTOSBolívia: Democracia e Revolução A comuna de La Paz de 1971

O livro do historiador Everaldo de Oliveira Andrade tem como principal tema a Assembleia Popular de La Paz, organizada em 1971 e que foi uma das mais radicais experiências democrá-ticas da região, bem no meio dos golpes de Estado e ditadu-ras militares da América Latina. Durante alguns meses daquele ano, sindicalistas operários e camponeses, estudantes e mili-tantes de esquerda debateram novas formas de organização e de intervenção na sociedade. Comunistas, trotskistas, maoís-tas e nacionalistas deliberaram sobre controle operário da pro-dução, formas de representação popular e modos de proteger o novo poder em gestação. “Esse livro trata de um momen-to bem específico da história bo-liviana e latino-americana, que é o surgimento de um parlamen-to operário popular de resistên-cia contra a ditadura que existia na Bolívia naquele momento”, explica o autor, que tratou o as-sunto como uma experiência original de resistência democrá-tica, nunca antes praticada na América Latina.

Serviço:Bolívia: Democracia e Revolução A Comuna de La Paz de 1971Autor: Everaldo de Oliveira AndradeEditora: Alameda: 344 páginas.Contato: [email protected]

Reprodução

Reprodução

Jornalista responsável: Eduardo KazeDiagramação:

Luis Fernando Rezende

Colaboraram nesta edição:Terezinha Ferrari; Vera Cotrim; Erik das Dores; Soraia Neves; Leonardo Coria; Raul Henrique;

Renata Eleutério e Valéria Almeida

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Separados por quase 300 anos de história, Marx e Maquiavel são intelectuais cujos pensamentos pouco têm a ver um com o outro. Todavia, o Italiano Antonio Gramsci realiza por meio de seus inúmeros escritos uma unidade: ambos escrevem para a classe da vanguarda política de sua época. “Em uma de suas categorias centrais, Gramsci estabelece uma identidade direta entre as politicidades maquiavelia-na e marxiana”, explica Clau-dinei Rezende, professor da Fundação Santo André. “O primeiro ponto”, esclarece o educador, “é que ele aborda o pensamento de Maquiavel e o coloca não como um pen-sador do absolutismo, mas sim como um indivíduo que escreve à burguesia e, desta maneira, exclui a tendência jusnaturalista em Maquia-vel, pela qual uma maldade natural estaria presente nos indivíduos”. A ideia é de certa maneira com-partilhada por Lincoln Secco, do departamento de história da Universidade de São Pau-lo (USP), que complementa: “Acho que Gramsci não lê o Príncipe (livro mais conhecido de Maquiavel), ele lê Marx pela mediação do Príncipe e, ao fazer isso, vê no texto maquiavélico um chamado para um determi-

nado grupo social”. Entretanto, Claudinei destaca um equívoco nesse sentido. “Quando Gramsci une Marx a Maquiavel há o problema de ele não entender a teoria de Estado em Marx, e acreditar que os trabalhadores devem tomar o poder, e não dissolvê--lo. A identidade entre Marx e

Maquiavel inexiste na medida em que o primeiro concebe o trabalho como atributo central da humanização, enquanto o segundo idealiza a política como o ato fundador de toda sociabilidade. Em verdade, Maquiavel é um teórico que fundamenta o Estado e con-fere a base que os absolutis-

Entre Maquiavel e Marx

tas posteriormente resgatam: que é acreditar no Estado como elemento neutro con-trolador das incompatibili-dades sociais. A república em Maquiavel é a comunidade atrófica do conflito regulado. Marx, por sua vez, delineia a superação do Estado, porque se tornará obsoleto”.

Gramsci, pensador italiano, enxerga uma unidade no pensamento maquiaveliano e marxiano

Claudinei Rezende, durante palestra na FSA

Sergio Pires/FSA

Numa mobilização que já dura aproximadamente sete meses, os estudantes chilenos mos-tram a indignação com a falta de perspectivas de uma vida melhor. Saem ocupando ruas e praças dizendo ”não ao lucro”, combatendo o projeto neolibe-ral que já resiste há 3 décadas, desde o golpe de Pinochet, quando de maneira pioneira se iniciaram as privatizações dos setores mais importantes, den-tre estes, a educação.As mobilizações da juventude chilena, inspiradas nas lutas que se espalham pelo mundo (Egito, Líbia, Espanha, Grécia, Portugal, entre outros), ganha-ram o apoio da população, des-conte com os governos que dão continuidade e aprofundam as privatizações, isentando-se da responsabilidade que caberia ao Estado de garantir educação pública e de qualidade. No Chile, a educação, uma das principais bandeiras dos indig-nados daquele país, hoje é quase totalmente privatizada. Mesmo universidades públicas cobram taxas, e as famílias arcam (re-correndo ao crédito dos bancos e, assim, ao endividamento), com 80% dos investimentos em educação, enquanto o Estado gasta aproximadamente 16%, o que não atende às necessidades da população. Dentre as princi-pais reivindicações, estão a ne-cessidade de uma Assembleia Constituinte, um plebiscito na-cional que discuta a educação e a luta pela nacionalização do cobre chileno para investimen-to em educação pública.Há muita força nessa luta, que aponta para rumos que rom-pam e questionem o atual sis-tema como um sistema falido, que não vai garantir as con-dições básicas de vida nem a educação a todos, que agudiza a desigualdade e prioriza o lucro das grandes empresas. As lutas a que o mundo assiste hoje de-monstram os limites do sistema capitalista, em que a burguesia já não cumpre o papel demo-crático que cumprira com a su-peração do atraso feudal. Hoje a conquista da democracia real está nas mãos dos trabalha-dores de todo o mundo, e essa democracia real só será possível com o fim do capitalismo.

As mobilizações da juventude chilena

Debates Ciências Sociais e:Feminismo Thais de Souza LapaLocal: Fafil (Sala 32)Data: 3 de dezembro, das 9h às 12h

GlobalizaçãoFelipe Saluti CardosoTerritório Danilo AmorimLocal: Fafil (Sala 32)Data: 10 de dezembro, das 9h às 12h

A Fundação Santo André fica na Avenida Príncipe de Gales, 821, Bairro Príncipe de Gales em Santo André. Outras informações pelo telefone 4979-3406, ou no portal www.colegiadosociais.com.

Próximas Atividades das Ciências Sociais

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Conheça melhor o curso de Ciências Sociais debatendo com professores, ex-alunos e alunos.Atividades gratuitas e abertas a toda a comunidade.

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O mundo assiste hoje a uma crise do sistema finan-ceiro. As primeiras mani-festações ocorreram entre os anos 2000 e 2001, tendo como epicentro os Estados Unidos. Desde então, em diversas partes do globo o que se vê são manifestações e levantes em virtude de uma presumível depressão econômica em nível globa-lizado. A mídia, influencia-da pelas classes abastadas que normalmente a domi-nam, trata o tema como corriqueiro e banal. A culpa é jogada de um lado para o outro, ora caindo nas mãos do povo, ora nas mãos do estado. Mas o que realmen-te está acontecendo? De acordo com Valério Arcary, professor no Cen-tro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), “como sistema econômico, o capi-talismo vive o início de sua agonia”. A posição é com-partilhada por Jorge Gres-pan, docente na Universi-dade de São Paulo (USP), que complementa: “o capi-tal chega num estágio em que tende a se acumular cada vez mais, investindo em tecnologia e formas que aumentam a capacidade de produção. No entanto, es-

sas novas formas o levam progressivamente a lucrati-vidade menor e as taxas de lucro caem”. Para entender melhor, é só pensar que todo “capital é um valor que se valoriza”; na crise, ocorre que este valor se desvaloriza por meio de uma produção excessiva que não encontra escoamento no mercado. Segundo Ivan Cotrim, pro-fessor na Fundação Santo André, essa superprodução é gerada, em grande parte, pela “corrida dos proprietá-rios privados atrás do lucro. O que se produz são bens sob a forma de mercadoria, no entanto, isso não leva imediatamente à fruição por parte da humanidade. A crise nasce, também, des-sa separação entre produ-ção e circulação”. Arcary aponta para a ne-cessidade de desmistificar a mais popular das teorias sobre a crise, pois, ao con-trário do que se tem dito, o colapso não provém da inadimplência. “A crise não é provocada porque dez milhões de norte--americanos compraram casas que não podiam ter e se endividaram com uma dívida que não po-diam pagar”, explica.

O jogo “O capitalismo funciona como um cassino”, diz Ar-cary. Segundo ele, os bancos não emprestam o dinheiro que possuem, mas sim, em-prestam na expectativa de que terão um ganho futuro, baseando-se nos lucros que, possivelmente, receberão com os juros dos emprésti-mos anteriores. Ou seja, é como uma aposta, na qual os bancos utilizam o dinheiro alheio como garantia. Para o professor a saída é uma só: a adesão popular voltada à não democratiza-ção do débito. Ou seja, os culpados pelo endividamen-to devem também se respon-sabilizar pela normalização, sem repasses estatais (que, via de regra, utiliza o dinhei-ro dos impostos da popu-lação). “Os acontecimentos ensinam que há uma espe-rança, com a união do povo e articulação em torno de um novo programa (eco-nômico), que diga em alto e bom som ‘não pagaremos essa dívida’”, declara Arcary, alertando para as dificul-dades futuras: “Para que tenhamos isso, os do-nos do capital precisam perder, e não se iludam, eles vão resistir”.

Verdades e mentiras sobre a criseColapso econômico não provém da inadimplência O geógrafo Danilo

“Kadj Oman” membro do Associação Nacional dos Torcedores e Torce-doras (ANT) e do time de futebol amador Au-tônomos FC, esteve na FSA para falar sobre o tema: A Copa de 2014 e seu legado (anti)social para o futebol paulista: apontamentos. Danilo tratou da transforma-ção do esporte, desde as origens do futebol, que era um esporte elitista e individualista, baseado em um jogador carregar a bola sozinho o mais longe possível, até a atu-al característica coleti-va. Esse futebol coletivo passa a ser tecnicamente superior ao futebol indi-vidualista e é nesse for-mato que o esporte in-glês chega à América do Sul e, no Brasil, é apro-priado pelas massas de forma diferente, as quais, com o “talento individu-al” aplicado no jogo co-letivo, criaram o futebol arte, eternizado por Pelé e Garrincha.Desde o início do século, a prática do futebol de várzeana cidade de São Paulo está ligada às fes-tas e atividades popula-res, de modo que passa a ser um espaço de forma-ção política e social das massas, com a constante presença de anarquistas. Danilo tratou da for-mação de alguns clubes profissionais da capital paulista, como Corin-thians, Palmeiras, São Paulo e Juventus. Com a profissionalização do es-porte e o processo de ur-banização da capital, que acompanha um processo de expansão capitalista,

a prática do futebol de várzea foi sendo supri-mida, de forma que o espaço para sua prática é tirado das massas, seja pelo Estado ou pela es-peculação imobiliária. O que resta para essa po-pulação é torcer para os clubes profissionais indo aos estádios. Danilo nos falou breve-mente sobre a formação das torcidas organiza-das, muito semelhan-tes em sua hierarquia às organizações de bairros operários do inicio do século, e de suas deman-das, tendo por papel principal reivindicar que aqueles que comandam os clubes pelos quais torcem respeitem o que consideram ser o ideal de cada clube.Danilo colocou, como parte do processo de desenvolvimento do ca-pital, a elitização e mo-dernização dos estádios brasileiros, um processo semelhante ao que ocor-reu na Inglaterra. Nesse sentido, a Copa de 2014 vem acelerar esse proces-so, que já vinha a passos largos com aumentos de cerca de 200% no preço dos ingressos dos jogos, de 2008 até 2011. Para além disso, foi colocada a situação dos morado-res das regiões próximas ao estádio de Itaquera: uma vez que a FIFA exi-ge um raio de 2 km de “segurança” próximo ao estádio em dia de jogo, essa área precisará ser “liberada”, bem como se-rão necessárias grandes áreas para construção de hotéis de luxo, para rece-ber os turistas que virão assistir aos jogos.

Futebol e história são abordados em palestra

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Por que os protestos em várias regiões do mundo que questionam as conse-quências da crise econô-mica tendem a se esvair no varejo? O que fará pos-sível uma reorganização do mundo em benefício humano, e não mais do capital? Um novo mundo superaria o trabalho, ou o trabalho passaria a fazer sentido para aqueles que trabalham? Estas são algu-mas das urgentes questões colocadas pelo Professor Mário Duayer, da Univer-sidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Duayer explica esta ten-dência dos protestos de “se esvaírem no varejo” por uma ausência de crítica. Não uma crítica qualquer, uma vez que os protes-tos denunciam e acusam aspectos da atual organi-zação econômica – como o domínio financeiro – e são permeados de (justas) acusações políticas. Mas falta uma crítica ontoló-gica. Ou seja, se as outras críticas são construídas no interior do atual sistema, e não rompem com os fun-damentos que justificam a organização capitalista, a crítica ontológica é aque-la que ataca esses funda-mentos. E encontra-se em Marx: não nos múltiplos marxismos teóricos, tam-pouco nas realizações do antigo leste europeu, que, segundo o professor, dis-solveram esta crítica fun-dante. Mas qual o conteúdo des-ta crítica? Duayer entende a ontologia crítica de Marx como uma crítica do tra-balho nesta sociedade, e não uma crítica “do ponto de vista do trabalho”. Se-gundo ele, no mundo do capital, é o trabalho que ar-ticula, conecta e socializa os sujeitos, e, portanto, o trabalho tem uma centra-

lidade. Os homens apenas se vinculam uns aos outros na medida em que partici-pam do universo das mer-cadorias e trocam valores. Para isso, o sujeito tem de participar do mundo do trabalho, e apenas enquan-to trabalhador pode socia-lizar-se. Mas seu trabalho,

a atividade que consome a maior parte de seu tempo, não tem sentido para ele. Só é levado a cabo porque é meio para a participação do mundo das mercado-rias, porque permite ao trabalhador envolver-se na troca de valores. O tra-balho, ao criar valor, é tra-balho abstrato, e, hoje, “Os jovens são a encarnação do trabalho abstrato –

pensam no dinheiro, não pensam no que produzi-rão”. A centralidade do tra-balho, para o professor, é própria da organização capitalista: em outras so-ciedades, aqueles que tra-balhavam não eram meros trabalhadores, “trabalha-

dores em sua nudez”, para usar uma expressão de Marx, mas faziam parte de uma comunidade, onde o trabalho se imiscuía às ou-tras esferas da vida social. Por isso, Duayer argumen-ta que apenas nesta forma de sociabilidade o trabalho é central. Embora não dei-xe de considerar que o tra-balho é condição de todo o desenvolvimento humano:

“o trabalho é a categoria de mediação que possibilita o salto ontológico do huma-no, emerge do mero orgâ-nico por meio do trabalho, produzindo suas próprias condições”, mas, “Falar que o trabalho é sempre pres-suposto é diferente de falar de centralidade do traba-lho”, na medida em que o próprio desenvolvimento permite que o trabalho seja uma porção cada vez menor da vida. Marx seria então um crí-tico desta centralidade, que unilateraliza o sujei-to. Sua ontologia críti-ca seria então voltada às transformações estrutu-rais que, ao contrário de garantir o trabalho, pos-sibilitasse o não-trabalho, ou o menos-trabalho, ga-rantindo, isto sim, tempo para as outras atividades e mantendo o trabalho apenas como pressupos-to. Fazendo jus aos deba-tes e discussões que tema tão importante requer, e que encontra amplo espa-ço na Semana de Ciências Sociais da FSA, pergunta-mos ao professor Duayer: a superação do trabalho abstrato e alienado, a construção de uma so-ciedade auto-regulada com base no amplo de-senvolvimento produ-tivo que já alcançamos, não tornaria o trabalho, de atividade obrigatória, sem sentido e perniciosa, à prazerosa atividade de auto-construção social e individual? Não deverí-amos, ademais, superar esta concepção posta pelo capital do trabalho como meio, como o pur-gatório pelo qual deve-mos passar para alcan-çar recompensa futura, e, com Marx, ambicio-nar, no trabalho, uma atividade propriamente humana e libertadora?

Marx e a crítica do trabalho no capitalismoSegundo Mario Duayer, a ontologia crítica de Marx é voltada ao trabalho na atual sociedade

No primeiro dia da semana de Ciências Sociais, a ativi-dade de exposição e debate “A questão Agrária Ontem e Hoje”, coordenada pela profª. Marineide Santos, contou com a presença de Leonardo Carvalho Monteiro e Ma-theus Nordon, estudantes da Escola da Vila, localizada no Butantã, em São Paulo. Leo-nardo e Matheus, junto a um grupo de estudantes do en-sino médio, desenvolveram um curta metragem com acampados do MST na re-gião de Itapetininga/SP para um festival organizado pela Escola. O curta, chamado Os Rasgos da Terra, traz depoimento de duas mulheres, militantes do Movimento dos Trabalha-dores Rurais Sem Terra, que contam suas experiências enquanto acampadas e falam do sonho e da esperança de um dia sobreviver da terra. Os alunos revelaram que sua intenção ao realizar o curta com este tema é de mostrar outro cenário do MST, ex-posto pelas bases e não por lideranças do movimento, diagnosticando uma realida-de mais concreta em contra-posição a algumas visões das lideranças, que costumam ser entusiastas. O debate surge com ques-tões bastante emblemáticas, como a descriminalização do MST, a influência da mí-dia para a marginalização do movimento, a percepção do movimento pelas bases, o papel das lideranças e a ques-tão principal, que é a causa da existência do movimento: o acesso à terra e a possibili-dade de viver dela. O contato entre os estudan-tes é fruto de uma atividade organizada pelo curso de Ciências Sociais em visita à acampados e assentados do MST para se discutir a pro-blemática rural brasileira.

Alunos fazemcurta-metragemsobre o MST

Leandro Valquer

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Capacidade de investigação, análise, observação e pes-quisa. São esses os atributos de que necessita o Cientista Social: profissional que lida diariamente com os desafios do mundo contemporâneo, as perspectivas de sua transfor-mação e os meandros históri-cos que o formaram. Durante muitos anos, o estu-dante de Ciências Sociais foi visto como o futuro professor de ensino médio ou universi-tário. Hoje, a carreira oferece novos caminhos. O único pré--requisito é o interesse pela sociedade. “Concluí o curso de Ciências Sociais em 2007. A formação crítica e humanista que tive no curso, o referencial teórico consistente e as relações que estabeleci com professores e colegas foram muito impor-tantes para minha formação individual e para as atividades profissionais que já desenvolvi”, conta a Analista de Projetos So-ciais Thaís de Souza Lapa. Para exercer a profissão de So-ciólogo (profissão reconhecida pela Lei 6.888, de 10/12/1980), Cientista Político ou Antropó-logo, é preciso obter o diploma de bacharel no curso de Ciências Sociais. Muitas universidades e institutos de pesquisa exigem também a pós-graduação. Além disso, o Cientista Social deve pro-curar estar sempre atualizado,

lendo jornais e revistas, pro-curando novas obras lançadas em sua área ou frequentando seminários e congressos. Caso queira ser professor, é necessá-rio ainda ser formado num cur-so de licenciatura. No caso da Fundação Santo André (FSA), tanto o bacharelado quanto a licenciatura estão incorporados num único curso. “Um dos diferenciais da Fun-dação Santo André é a oferta de dois cursos em um só. Ou seja, o aluno sai capacitado para a análise social por meio do ba-charelado, e também para lecio-nar quatro disciplinas: Sociolo-gia e Filosofia no ensino médio e História e Geografia no Fun-damental”, explica Carlos César Almendra, professor da Funda-ção santo André (FSA) Demanda em alta Num mundo em que as trans-formações econômicas, polí-ticas e culturais têm sido tão constantes e profundas, são as Ciências Sociais que oferecem os meios mais adequados para a compreensão teórica das no-vas condições sociais e seus problemas e para a intervenção prático-transformadora. Por essa razão, a profissão de sociólogo vem sendo requi-sitada em diversos âmbitos, como, por exemplo, órgãos públicos, empresas privadas,

Profissão: Cientista Social6

sindicatos, partidos políticos, organizações não-governa-mentais, associações, movi-mentos sociais, institutos de cultura e meios de comunica-ção.

Fugindo do convencional Para aquelas pessoas que não se acomodam em atuações convencionais, como o traba-lho burocrático de repartições em geral, a área de Ciências Sociais pode ser a saída. Foi o caso de Leandro Candido de Souza. “Quando terminei o ensino médio, precisava fu-gir do trabalho em escritórios. Descobri que uma maneira se-ria fazer um curso na área de humanas. Quando soube que em Ciências Sociais eu teria aulas de filosofia, sociologia, economia e antropologia, e que na FSA eu poderia conci-liar estudo e trabalho, não tive dúvidas. Lá fui aluno de pro-fessores diferenciados, quase todos com formação de dou-tores, que me fizeram tomar gosto pela atividade acadêmi-ca. Acabei por me tornar pro-fessor universitário, podendo desfrutar de uma rotina nada igual à dos escritórios”, revela.

Docência no ensino superior, médio e fundamental.

Pesquisa acadêmica, política e socioeconômica(em institutos como SEADE, DIEESE, IBGE e outros)e de mercado (em empresas e agências publicitárias)

Elaboração de projetos de planejamento e desenvolvimento social(para instituições municipais, estaduais e federais)

Elaboração de análises sociais e assessoria política para órgãos públicos, empresas privadas, sindicatos, partidos políticos, ONG´s, movimentos sociais, institutos de cultura,

centros de memória e meios de comunicação

Campo de Trabalho

Duração do curso: quatro anos (bachare-lado e licenciatura)

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Desenvolvido por um conjun-to de alunos da Fundação Santo André (FSA) e Escola Livre de Ciências e Artes, o Sarau Errante tem como ideia primária extra-polar as muralhas que limitam o acesso e a utilização dos espaços públicos, estimulando a troca de produções e o reconhecimento entre as pessoas. A atividade ini-cial ocorreu no espaço do anfite-atro do colégio da da FSA em 15 de outubro, e marcou a abertura das atividades da Semana de Ci-ências Sociais. O nome Sarau Errante signifi-ca ser itinerante, ou seja, circu-lar por diversos ambientes dia-logando com os mais variados setores da sociedade. Apresentação O pretenso e desavisado fi-

lósofo esperava que um co-munista andasse de chinelo, roupa esfarrapada, compar-tilhasse seu cônjuge etc. En-tre gargalhadas e ovações, uma voz observa com tento o absurdo da argumentação. Mas a lucidez da advertência foi rapidamente suplantada por falsas – posteriormente foi demonstrado – questões de currículo. Restaram as in-dignações de corredor. E foi ali, compartilhando repulsas, que se conheceram Luis Fer-nando Rezende e Alexsandro. As unhas compridas logo de-nunciaram: havia ali algo que transcendia o interesse pelas ciências sociais. Naquele uni-verso acadêmico predomi-nava o culto ao rock de tipo inglês, ao ritmo de Mercedes

CaosCalmo

Lívia Xavier

Sou,um breve pulsardiante do olhardo tempo,incertezas cansadas anadar em pleno concretoabafado,dia após dia resistindo sem fingir,esquecendosem lembrar.contra-dizendoa construção do euinvadido pelocaos que é calmo,mansoquase imperceptívelno conforto das casas acesasa noite Destruindo,todo caminho de alívioescondendo, toda pelejada luta na condutaprosseguir... mas da vida numa esperaoutro canto,que demais deve nascerchamará os homens acompor o resistirpor-vir a caminharfeito um fogo-fátuodos quereres.dentre eles:o despertardeste sono que cobriuos olhos do homem.

Sarau Errante abre Semana de Sociais PoesiaSosa ou aos músicos supos-tamente engajados, mas foi a música brasileira o elo fundamental da gigantesca cadeia de afinidades que se desvelou entre ambos. Aos primeiros resguardos que o contato inicial suscita, su-cederam-se os violões, que começaram a fazer parte da rotina estudantil, e, com eles, as ideias musicais de cada um. E depressa as com-posições conjuntas princi-piaram, dando início a uma difícil e escalafobética jorna-da de criação. Um é cearense e outro é paulista. O primeiro é a pro-clamação do lirismo poético enquanto exteriorização de anseios humanos; o segundo é apaixonado pela forma de

expressão musical produzi-da no nordeste brasileiro, procurando naquele espaço aquilo que infringe a forma-lidade estética da indústria cultural. Enquanto um bus-ca aquilo que difere nos clás-sicos, outro se interessa pelo que é classicamente lírico nas diferenças. Eis que, nes-ta salsada toda, a descontra-ção e o comprometimento do samba transformaram-se na principal forma de apa-recimento musical da du-pla, embora o trânsito por outros ritmos tenha se tor-nado inevitável, dado certo caráter de pesquisa que seu trabalho contém. E quem os vê, bem o sabe: música virá por aí, nem que seja só em conversa.

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Bolsas de estudo para alunos da Fundação Santo André:u Bolsa da Prefeitura de Santo André: em 2011, 500 bolsas no valor de R$ 200 cada.u Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID/CAPES: 100 bolsas, no valor de R$ 400 cada.u Iniciação Científica/FSA: 40 bolsas, no valor de R$ 263 cada.u Programa Institucional de Bolsa para Iniciação Científica- PIBIC/CNPq: 3 bolsas, no valor de R$ 360 cada.u Monitoria/FSA: 273 bolsas Monitoria, no valor de R$ 12,30/hora.u Programa de Extensão Científica Sabina – Escola Parque do Conhecimento: 162 bolsas, no valor de R$ 750,90 cada.u Projeto Formadores do Saber: 133 bolsas, no valor de R$ 750,90 cada.

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Romance e burguesia: a realidade despida de significado

O romance, gênero lite-rário altamente difundido nos tempos atuais, possui raízes e características que o grande público desconhe-ce. A forma contemporâ-nea, na qual diversos per-sonagens interagem, é algo relativamente novo quando comparada às diversas ex-pressões artísticas da escri-ta que a humanidade expe-rimentou. Na antiguidade clássica, por exemplo, épo-ca das tragédias, epopeias e herois, o caráter moral presente na linguagem em questão, exposta por meio de um único indivíduo que permeia toda a trama, era predominante. A organização do romance é realizada por meio de uma série de acontecimentos que ocorrem numa sequên-cia de tempo. Dentro deste período, diversos núcleos (ou grupos de persona-gens) desencadeiam papeis de mediadores da história, contemplando a narração principal. “Nesta forma li-terária há uma totalidade extensiva dos objetos. A apresentação das figuras e situações ocorre simultane-amente”, esclarece Leandro Cândido de Souza (foto),

professor de pós-graduação na Fundação Santo André. Em outros gêneros lite-rários, a multiplicidade também estava presente. Todavia, as relações expe-rimentadas pelos persona-gens eram delineadas pela presença de um único indi-víduo que assumia o posto de mediador dos conflitos. “Na epopéia também exis-tia essa relação, mas havia a figura de um herói que por si só encarna todo o contexto”, explica Leandro, que complementa apontan-do o porquê da mudança de parâmetros: “No mun-do burguês fica impossível apresentar um herói que encarna a totalidade de um lugar onde está inserido, devido à decadência dos valores e da própria cultu-ra. Existe certa hostilidade à produção de uma vida culturalmente autêntica”.

Arte e vanguarda “O problema das vanguar-das, ou modernismo, na passagem do século 19 para o século 20, é que seus re-cursos de construção sem narrativa acabam abdican-do da apresentação das al-ternativas concretamente

existentes. Não expressam as relações de mútua de-terminação entre sujeito e objeto e, assim, promovem uma defesa do mundo exis-tente por apresentar seus personagens isolados das relações que o determi-nam”, diz Leandro. Assim, a prosa da época burguesa é fruto do ine-vitável desaparecimento tanto da atividade espon-tânea quanto da ligação imediata do indivíduo com a sociedade. A tradi-ção cultural ocidental no campo da literatura, se-gundo Leandro, “sempre foi marcada pelo realismo. Seja na epopeia clássica, na tragédia ou romance burguês. As vanguardas operam não uma supera-ção dessa tradição, mas uma ruptura, essa é a pro-blemática”. No romance realista, os personagens, assim, es-tão ao mesmo tempo em comunhão e oposição ao mundo. A forma interior do romance não é senão o percurso desse ser que, a partir da submissão à re-alidade despida de signifi-cação, chega à clara cons-ciência de si mesmo.

A professora Silvia Elena Ale-gre esteve presente no encerra-mento da Semana de Sociais, ocorrido na livraria Alpharra-bio, em Santo André, para tra-tar do tema: Crônica de tempos difíceis – Aspectos da história contemporânea na Argentina. Silvia – que se diz “brasileira por adoção” – veio da Argenti-na para o Brasil em 1976, refu-giada do golpe militar e do en-durecimento da repressão. A historiadora lembrou a iden-tificação social que os movi-mentos de esquerda, inclusive os movimentos armados, ti-nham junto à população argen-tina. Diversos militantes dos movimentos armados estavam inseridos em outras lutas so-ciais como o movimento estu-dantil, trabalhista e de gênero, por exemplo, e todos sabiam que os militantes participa-vam da luta armada. Esse fato, além de facilitar a penetração dos movimentos armados na sociedade, facilitou também a identificação de seus mem-bros por parte dos militares que deram o golpe. A ditadura militar na Argen-tina, que é marcada pela dura repressão (o número de desa-parecidos no período chega a aproximadamente 30 mil), teve

uma curta duração se compa-rada ao Brasil (1976 a 1983). Silvia afirma que a Argentina foi pioneira na recuperação da memória dos tempos da dita-dura, uma vez que logo com a abertura política, em 1983, foram julgados e presos os generais de alta patente. Po-rém, a discussão sobre o papel tanto dos militares quanto da esquerda no processo ocorreu de forma despolitizada, resul-tando em teorias como a dos “dois demônios”, segundo a qual a sociedade civil estava no meio de uma guerra entre a esquerda armada e as forças militares, ou com a vitimiza-ção dos militantes desapareci-dos, com movimentos como o das Mães da Praça de Maio. No momento atual, ao mesmo tempo em que o Brasil discute a Comissão da Verdade para investigar os crimes de sua di-tadura militar, na Argentina, segundo Silvia, está ocorrendo uma retomada das discussões e das pesquisas sobre a ditadu-ra militar, de uma forma que não havia sido feita até então. As discussões estão avaliando o papel dos militares e da es-querda armada no processo da ditadura de uma forma mais politizada.

Nascido em 27 de abril de 1911, no Rio de Janeiro, Nelson Werneck Sodré se destaca não somente pela contribuição ao conheci-mento histórico do Brasil. A formação intelectual do carioca ocorreu por meios inesperados a um pensador de esquerda, sendo comple-tamente estruturada pelo ensino militar. A origem de seu pensamento não foi empecilho à vasta obra que deixou, e suas ideias contemplam desde a teoria econômica até análises lite-rárias. “Nos anos de 1920 a forma-ção militar era bastante am-pliada, incluindo línguas, literatura e etc.. Havia uma abertura humanística”, ex-plica Marcos Silva, profes-

sor de história na Univer-sidade de São Paulo (USP). Foi nesse contexto que Sodré se educou. A boa formação, no entanto, não foi o suficiente para im-pedir as críticas. “Ele não teve formação acadêmica, o que era comum na épo-ca. Nunca foi professor de universidade e acredito que por esse motivo foi tão pré--conceituado, tratado como um autor sem importância e superficial”, analisa Silva, que complementa o pro-blema indicando o fato de Sodré ter uma orientação intelectual ligada a Marx. “O marxismo nos últimos 30 anos tem sido vítima de muitos preconceitos. Che-gam a dizer que acabou; o que é um erro”.

Argentina e seus demônios

O militar de esquerdaSergio Pires/FSA

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