Jornal de Memórias_2010

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jornal de memórias SESC SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO RIBEIRÃO PRETO AGOSTO 2010 Trabalho Social com Idosos: 47 anos de história Textos Boas histórias Relatos de vida Depoimentos RecordaçÕes e fotografias

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Jornal produzido durante oficina em 2010, parte do Trabalho Social com Idosos, do SESC Ribeirão.

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jornal de memóriasSESC SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO RIBEIRÃO PRETO AGOSTO 2010

Trabalho Social com Idosos:

47 anos de história

Textos Boas histórias

Relatos de vida

Depoimentos RecordaçÕes e fotografias

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO2 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Em 1962 um grupo de técnicos do SESC viaja para os Estados Unidos para conhecer o programa Golden Age Centers, que se propagava por diversas cidades americanas na tentativa de suprir deficiências no atendimento de idosos devido às transformações sociais do período.

No retorno deste grupo ao Brasil são realizadas reuniões técnicas e os profissionais participantes concluem que a condição do idoso americano é semelhante à condição do idoso brasileiro. A partir desta constatação e com a experiência adquirida com o modelo americano, são realizadas as primeiras tentativas de se reunir um grupo de aposentados.

Esta tarefa árdua e difícil foi conquistada apenas após a visita do assistente social do SESC-SP, Carlos Malatesta as agências do IAPC (Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários) nos dias de recebimento das pensões, num trabalho corpo a corpo. O primeiro grupo foi formado em 26 de setembro de 1963, com a participação de doze comerciários aposentados e posteriormente recebeu o nome de Grêmio Carlos Malatesta, em homenagem ao fundador falecido em 1965 aos 35 anos.

Nesta época era oferecido aos idosos apenas programas asilares, restrito a pessoas que exigiam cuidados especiais e constantes. O Grêmio Carlos Malatesta ofereceu aos idosos pela primeira vez um trabalho atraente e participativo com rotina independente e ativa.

A partir desta experiência inicial realizada em São Paulo, o SESC Ribeirão Preto realiza, em 1968, um contato com aposentados que freqüentavam a agência do antigo INPS (hoje INSS) e a sede do Sindicato dos Empregados do Comércio

local. Surge então em Ribeirão Preto o Clube da Velha Guarda que aos poucos foi crescendo e hoje conta com sede própria e um grande número de associados. Em julho de 1977 o SESC Ribeirão lança a aula inaugural da Escola Aberta da Terceira Idade com palestras elaboradas de acordo com interesses dos idosos e complementadas por atividades opcionais. Nas palestras e cursos eram tratados temas como Aspectos Gerais do Envelhecimento, Educação Sanitária e Nutrição, Importância da Atividade Física, Psicologia e Perspectivas Futuras Sobre o Envelhecimento, além de atualizações culturais.

A Escola Aberta também oferecia aulas práticas de educação física e recreação. Outra importante atividade foram os Encontros de Idosos realizados nas Unidades do SESC e principalmente no SESC Bertioga,

com a reunião de idosos de todas as regiões do Estado de São Paulo. O primeiro Encontro de Idosos foi realizado em 1979 em São Carlos e o primeiro Encontro de Esporte e Cultura foi em 1982 em Bertioga com a participação de mais de 500 idosos nas atividades esportivas e culturais.

No Trabalho Social com Idosos são desenvolvidas atividades de teatro, dança, cinema, internet, oficinas literárias, canto coral, show baile, quimbol, volei, tai chi, passeios de um dia, entre outros.

Fonte: Arquivos SESC Pesquisa: Marcelo Hirono,

coordenador da Programação Esportiva edurante oito anos coordenador do TSI.

Capa: Desenho de Alice Broquetto baseado em foto de jornal.

Expediente

SESC SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Endereço Rua Tibiriça, 50 Centro Ribeirão Preto (SP)Cep 14010-090Telefones 16 3977-4477 Fax 16 3977-4485E-mail: [email protected]

SESC Ribeirão Preto

Gerente Hideki Milton YoshimotoGerente adjunto Vania Rangel dos SantosCoordenadora de programação Paula C. Faggionni Coordenadora TSICamila Onofre Silva

Trabalho Social com IdososOficina “Jornal de Memórias”

Coordenação Gabriela Zauith Jornalista MTB 31145Fotos e diagramação Gabriela ZauithRevisão Edina PradoCapa Alice BroquettoTiragem 500 exemplares

Alunos

Alice Broquetto Apparecida Gasparini Carmem Lúcia de Oliveira SouzaCélia SilliDivina Terra

Dolores MassonEdina Prado Elisa AlderaniGlorinha Guimarães Marco Antônio

SESC e o trabalho com idosos: pioneiros

Desenho de Alice Broquetto

Editorial

O Jornal de Memórias é resultado da oficina realizada com o grupo da Terceira Idade do SESC Ribeirão Preto, entre junho e agosto de 2010. Durante a oficina os alunos produziram textos, entrevistas e participaram de discussões relacionadas à memória e à recordação, a partir da leitura de artigos relacionados ao tema. Também foram discutidos aspectos da produção jornalística em jornais e revistas. As reuniões aconteciam nas sextas-feiras à tarde na biblioteca e também na sala de Internet Livre. O jornal reúne textos sobre suas vivências, histórias de vida e lembranças. Algumas delas tristes, outras saudosas, outras alegres. Viagens, saudades dos que já se foram, trajetórias de vida e boas histórias, é claro.Para ilustrar o jornal, os alunos trouxeram fotos antigas e desenhos, como o que ilustra a capa do jornal. Por fim cada um deles redigiu seu depoimento sobre as vivências e atividades das quais já participou no SESC. Também foram reunidos materiais do grupo da Terceira Idade nesses 33 anos de atividades. A oficina Jornal de Memórias foi inicialmente um desafio. Com o principal objetivo centrado no processo de trabalho e de criação, apresentamos o resultado de uma vivência. Um encontro com pessoas muito especiais.

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 3AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Da infância pouco ou nada me lembro, talvez porque a memória ache que não vale a pena lembrar. Tão pouco a adolescência deixou marcas. Parece-me que só comecei a viver a partir do dia em que conheci o grande amor de minha vida.

Éramos tão jovens, lá pelos idos de 1968. Estudávamos no mesmo colégio, eu no último ano do ginásio, e ele no penúltimo, tínhamos então quinze, dezesseis anos.

No pátio, na hora do recreio, ele me viu primeiro. Pediu a uma amiga comum que nos apresentasse, encantado com meus longos cabelos loiros e meus olhos azuis - contou-me anos mais tarde. A mim, impressiou seus ardentes olhos negros. A intensidade e a profundidade do seu olhar superou a falta de palavras da sua timidez.

Este ano foi mágico. Nos tornamos amigos e passamos a fazer parte da mesma turma. A idade nos permitia a irreverência, a alegria por tudo e por nada, nossa convivência era regada com muita música da época e festinhas nos finais de semana, onde dançar era a maior diversão. A descontração era total, mas sempre com o devido respeito, e a supervisão dos pais no local onde a festinha estava se realizando.

Mas o fim do ano chegou e com ele a separação: não iríamos mais nos encontrar todos os dias. Os amigos vieram me dizer do sentimento que ele sentia por mim. Mas não fiquei muito segura e preferi não me iludir.

Cabe dizer, que alguns desses amigos, nós cultivamos até hoje. De vez em quando nos reunimos para matar a saudade, jogar conversa fora, e é claro, ouvir e cantar música de hoje e daquela época. Não posso deixar de citá-los: o Jorge que se casou com a Cleusa, o Clóvis (toca um violão danado de bom) que se casou com a Maria José, o Carlos (Pitica para os amigos), também toca violão muito bem, o Edson Guerra, nosso cantor maior, a Kenia, a Ivone, o Claudio (Pó para os amigos). Todos eles fazem parte da nossa história e torceram muito por nós.

No ano seguinte, em 1969, meu pai foi transferido para a cidade de São Paulo, e no meio do ano nos mudamos. Lá morei por quase quatro anos. As cartas que guardo até hoje eram nosso único meio de comunicação. Foram elas que me deram

a certeza de seus sentimentos e conquistaram meu coração.Conheci outros rapazes e ele da mesma forma conheceu outras moças, mas nada

disso teve muita importância. A distância e os novos conhecimentos não mudaram o nosso sentimento.

Em outubro de 1972 voltamos de São Paulo, e eu não o procurei de imediato, talvez por receio e insegurança. A última carta que eu tinha recebido datava de seis meses atrás.

Mas o destino deu uma mãozinha e nos encontramos por acaso. A minha emoção foi genuína, mas a dele deixou a desejar. O convite para uma festinha em sua casa, no final de semana foi o máximo que consegui, e o medo se instalou em meu peito.

Quando lá cheguei, deparei com um bando de garotas à sua volta, disputando sua atenção. Percebi que era tudo ou nada: chamei-o para dançar comigo e não desgrudei mais dele. O primeiro beijo foi ali, no escurinho do quintal, meio tímido, mas intenso.

Dali para frente não nos separamos mais. Nos casamos em julho de 1980. Vale acrescentar que moramos até hoje na casa onde começamos a namorar e onde criamos nossos dois filhos, Michelle e Thiago, que tem para nós um valor inestimável.

Hoje, quarenta e dois anos depois, mesmo com os percalços que a rotina nos impõe, quando ele me olha, ainda consigo sentir a magia daquele primeiro momento, que foi um marco em minha vida e que selou para sempre o meu destino.

Naquele instante

Nas fotos Carmem Lúcia e seu marido na década

de setenta

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Carmem Lúcia de Oliveira Souza

Acervo pessoal

Hoje, quarenta e dois anos depois (...)quando ele me olha,

ainda consigo sentir a magia daquele primeiro

momento

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO4 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

De todas as viagens feitas por mim, minha ida a Portugal foi a que mais me marcou.

Para fazer um perfeito relato dessa maravilhosa experiência, dos instantes, do impacto que me causou tanta felicidade, só mesmo com fotos registradas para expor o momento que aconteceu. Sempre fui influenciada por uma tia de Portugal, irmã de minha mãe, com suas cartas enviadas para mim. Era a tia poeta, sem filhos, apegada aos sobrinhos brasileiros. Ela nunca deixou de escrever, mesmo após o falecimento de minha mãe, em 1953.

Em suas cartas fazia questão de divulgar seus feitos poéticos e como ganhava prêmios na cidade de Marinha Grande. Ao mesmo tempo, convites eram oferecidos para conhecer “A terra onde o mar acaba”, dizia em textos poéticos, com fotos de um farol iluminando as ondas do mar. Ao acabar de ler uma delas, fui jogar água no meu jardim florido, repleto de azaleias abertas. Toda vez que lia essas cartas poéticas aguçava a minha vontade de conhecer a santa terrinha.

As ideias sonhadoras brotavam como minhas azaleias coloridas, espelho de minha casa. Tudo ali era tão belo! As pessoas admiravam ao passar em frente. A natureza realmente inspira confiança. Ao jogar água para estas abençoadas azaléias, virei meu rosto para olhar minha vizinha lavando a calçada, cantarolando, entusiasmada com a compra de uma passagem para viajar à Europa. Tive um sobressalto: por que eu não?

Resolvi viajar também junto a esse grupo, formado por seis senhoras, e mais outras pessoas de diferentes estados do Brasil. Ficamos todos amigos durante a viagem por vários países: Portugal, Espanha, França, e Itália. E neste entusiasmo, ao ver tantas maravilhas, resolvemos voltar e ficar em Portugal por mais dois

dias. Foi a oportunidade de conhecer Marinha Grande, onde vivia minha família Baroza -vidreiros conhecidos, pessoas antigas da região que trouxeram de Genebra esta arte milenar para Portugal.

Logo na entrada da cidade existe uma escultura com uma pessoa tendo na boca um aparelho de sopro para formar o vidro. Lá existe o museu de artes do vidro “Santos Baroza”.

O melhor momento dessa viagem foi o encontro com minha tia poeta. Quando a encontrei, estava doente,

numa cadeira de rodas em frente a uma lareira acesa, com as pernas cobertas por um cobertor. Mesmo assim, doente, me recebeu com muito carinho e entusiasmo. Meu tio, muito dinâmico, a carregava no colo e de carro nos levou passear e conhecer o lugar onde no passado viveram meus pais. Hoje tudo muito novo, cidade de belas praias, muito limpas, onde algumas mulheres naturalmente usam “top less”. Eu que sempre achei o povo puritano!

Para conhecer outra tia-irmã de minha mãe fomos a um pomar repleto de frutas. Ao entrar, vi uma perfeita

cena de um quadro, uma passarela de parreiras com uvas rosadas, refrescando o ambiente. Foi uma tentação querer pegá-las! Umedeceu minha boca, mas reprimi meu desejo. Vi também uma macieira carregada e maçãs perdidas pelo chão. Embaixo dela o que me chamou a atenção foi um casal de idosos, ela com uma bacia no colo descascando maçãs e, com muita delicadeza, levando pedaços à boca do companheiro sentado ao seu lado.

Quando minha tia virou-se para me abraçar, foi um verdadeiro impacto! Ali presente estava minha mãe falecida; foi um disparo em meu coração, não houve como segurar as lágrimas.

Essa viagem realmente marcou, a saudade estourou em todos os meus neurônios com esta tia idêntica a minha mãe, um verdadeiro clone. Seu filho, ali presente, bem afeiçoado, industrial, também muito parecido com meu filho; as primas encantadas com minha aparência idêntica às delas, rimos muito com tudo isso. Uma delas, rindo, disse: são os nossos cromossomos, prima, que atravessaram o Atlântico! Esses momentos são inesquecíveis e estão gravados na memória!

Um destino inesquecível

Essa viagem realmente marcou, a saudade estourou em todos os meus neurônios com esta tia idêntica a minha mãe, um verdadeiro

clone

Alice Brochetto

Acervo pessoal

Alice em sua viagem a Portugal

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 5AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Debaixo do pé de café

Quando eu e meu irmão José éramos crianças, meus pais trabalhavam em uma fazenda perto de Batatais, chamada Santa Cruz. Lá morava também a minha avó Sinhana, a minha tia Dita, o meu tio João e meus primos José Mário e Luiz Carlos.

Os meus pais e o meu tio trabalhavam na colheita do café enquanto eu e meu irmão ficávamos dormindo debaixo do pé do café. Na hora em que acordávamos, o nosso cachorrinho Lulu ia avisar os meus pais.

Minha mãe dizia para o meu pai Valdomiro: “As crianças acordaram”. Podia ir lá que estavam os dois acordados. A minha tia era costureira e cuidava da casa. A minha avó Sinhana cuidava dos netos e da horta. Fazia pão, colocava nas folhas de bananeira e assava no forno de barro, que ficava no quintal da nossa casa. Também fazia sabão e cuidava das galinhas e dos porcos.

Ela era uma avó maravilhosa. Quando estava conversando com uma vizinha ou minha tia, eu e os meus primos não podíamos ouvir a conversa. Ela olhava de lado para nós, que saíamos correndo. Porque criança não podia ouvir adulto conversar.

Uma infância de brincadeiras

Quando mudamos para Batatais eu tinha oito anos de idade. Mas ficamos só um ano e meu pai conseguiu trabalho no Horto Florestal. A minha tia foi trabalhar na casa da fazenda com dois filhos e também costurava. Eu tinha nove anos quando fui para a escola. Eu e meu primo José Mário íamos a pé para a escola em Batatais, porque não tínhamos condução.

Quando estava em casa eu ficava com meu primo Carlos Alberto e fazia roupinha de boneca. Um dia estava com a tesoura cortando os retalhos. O meu primo estava sentado perto e a minha tia disse: “Lola, você vai furar o ‘zóio’ do Berto com essa tesoura”. De repente ele veio para a frente e esbarrou na tesoura. Ele não machucou, mas eu levei uma tesourada na cabeça. Também subíamos nas árvores, pescávamos de peneira no riozinho e montávamos na égua Alemanha escondidos do meu pai.

Pena que tivemos de voltar a mudar para Batatais. Foi bom porque a escola era perto da minha casa, o Grupo Escolar do Castelo.

O primeiro encontro

No dia em que nos conhecemos estávamos naquela festinha de aniversário perto da minha casa. Nunca vou me esquecer, você e seu amigo Neca. Você era muito tímido, eu também, mas acho que foi amor à primeira vista. Você queria falar com minha mãe, mas não tinha coragem, porque ela era muito brava. Mas um dia criou coragem e foi falar com ela.

Começamos a namorar, eu tinha 15 e você 19 anos. Namoramos dois anos e nos casamos no dia oito de fevereiro de 1964 na Igreja Santo Antônio. Lembro-me da nossa casinha muito simples, do seu trabalho e também dos nossos filhos. Não foi fácil criar e educar cinco filhos.

Mas conseguimos, porque você cuidou muito bem da nossa família. Você foi um bom pai, um bom marido, amigo, e também profissional exemplar, que trabalhou até o último dia de sua vida. Sinto muitas saudades.

Lembranças e saudades

José Masson e o filho Washington Os irmãos José e Antônio Masson

Acervo pessoal

Acervo pessoal

Dolores Masson

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO6 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

De pequeno, fui criado afeiçoado ao trabalho que, à minha época, precedia às preocupações com o estudo e o lazer, considerando-se as famílias que tinham a priorizar a sobrevivência; havendo possibilidade, os homens iam à escola, à noite.

Afora a oportunidade que tive, de aos doze anos ter entrado para a escola, a minha rotina se constituiu em trabalhar, cuidar dos meus irmãos, dos afazeres de casa e, esporadicamente, jogar bola de meia, bola de gude e brincar de “bate-tatu” e de pique.

Jovem, fui convocado a prestar o Serviço Militar e obtive, por necessidade, dispensa, desde que ingressasse no serviço público, na minha cidade, Barbacena. Prestei exames e, aprovado, incontinenti, ingressei na Polícia Militar, no 9º BPM, na condição de encostado (categoria inferior ao recruta).

Por ter instrução e escrita razoáveis, fui locado na Subsistência – Armazém da Polícia – como auxiliar de escrita, até, no seguinte, 1964, ser chamado ao Batalhão para fazer escola de soldados.

Na metade do curso de soldados, recebi ordens para seguir para longe do meu torrão, transferido para 3º BPM, sediado em Diamantina. Fiquei sobremaneira abalado e, percebendo o que ocorria comigo, meu pai veio em meu socorro, afirmando que iria se mover para

a minha permanência na cidade.O velho, lenhador, magarefe e trabalhador braçal,

sem instrução, sem poder aquisitivo e influência alguma, mas, por ser honesto, sincero e prestativo, gozava da estima de pessoas que “podiam”, entre as quais os Bonifácio Andradas, muito influentes e prestigiados na cidade e no Estado.

Disse-me ele, então, que iria solicitar ao sr. Deputado Zezinho interceder para que eu permanecesse em Barbacena pois, mais dia menos dia, fatalmente eu teria que ser removido. Visto que era minha obrigação prestar serviços em qualquer cidade do Estado.

Ele acatou minha ponderação, aconselhando-me: “Marquinho, que Deus te guie e abençoe! Não te esqueças, no entanto, meu filho, de, em qualquer circunstância, respeitar desde a criança ao ancião e jamais te arrependerás!”

Guardei e até hoje aplico a dádiva do velho. Ancorado nela e, no meu berço, nas minhas andanças e atividades profissionais, quer como policial ou artífice do Direito, as quais nos exigem energia, discernimento e senso, sempre fui e sou compreendido, respeitado e considerado por todos quantos me deparo. O que me alegra e conforta e, em assim sendo, aceite, do já idoso e ditoso filho o “Deus lhe pague”!!!

Um velho lenhador

Meu pai sempre foi rigoroso no cumprimento de suas obrigações e, cônscio, apesar de iletrado, de quando e onde iniciava o seu direito e começava o do outro. Por volta dos meados e fins dos anos cinquenta trabalhou na Prefeitura de nossa cidade, executando serviços braçais e, de sol a sol, se encaminhava todos os dias, exceto nos de descanso, para a labuta.

Guardo, indelével, na memória o seu proceder no dia em que recebia o pagamento. Chegando em casa, após se lavar e jantar, sentava-se à mesa e, sob a luz da lamparina, sobre a mesa colocava o salário. Fazia vários montinhos de notas e ficava como a realizar um jogo; tirava uma (s) de um e colocava noutro; coçava o quengo*; refazia o jogo até se mostrar realizado e

satisfeito. Colocava as notas sobre a velha prateleira e, no dia seguinte, as colocava separadamente nas algibeiras ao sair. Ao retornar, lívido se benzia como que dando graças ao Criador por ter podido quitar suas contas e, as que não conseguira, ao menos convencer este ou aquele credor de que, no próximo mês resgataria a dívida.

Mas tarde vim a compreender a ginástica de meu pai com o seu salário. Por não entender as quatro operações, fazia aquele malabarismo com as notas para saldar seus débitos. O velho não perdia tempo e, se lhe sobrava algum tempo lá ia ele fazer um biscate, rachar lenha para este ou aquele senhor para conseguir um ganhozinho a mais.

Não tínhamos um barraco e ele sempre acalentou o sonho de ter um, com suporte neste, conto uma passagem para ilustrar o fecho desta história.

Para tentar construir um barraco, acho que, por um conto de réis, em dez prestações, meu pai comprou um lote próximo à caixa d’água de um corretor do bairro Botafogo.

Nove prestações, nas datas aprazadas, pagou. A derradeira, no dia do vencimento, assim que o dito homem chegou à porta de nossa casa, meu pai lhe disse: “Este mês não posso cumprir o combinado. O senhor, então, venda-o para outro”. Ao que ele replicou: “Mas, senhor Marcos!”. E

pai, sem admitir mas (mais), nem menos, finalizou: “o combinado não é caro. Fique com o que eu já lhe dei, rasgue os papéis e estamos conversados!!!”

Aos finalmentes: recordo-me, também, e, muito claramente, de certa ocasião, por essa época e que precedeu a dispensa do meu pai da prefeitura. O vi, neste dia, um dos raros que não se encaminhou para o trabalho a “cuidar” de sua foice, instrumento que, como o machado, procurava deixar tinindo para o uso. Seus olhos pareciam sair dos globos oculares e lançarem faíscas.

* cabeça

Percalços e vitórias de uma vida

Não te esqueças, no entanto,

meu filho, de, em qualquer circunstância,

respeitar desde a criança ao

ancião e jamais te arrependerás!

Acervo pessoal

Marco Antônio

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 7AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Para narrar esta história tenho antes que trabalhar a memória e ainda pedir licença para conter a emoção.

Marta e Luiz conheceram o casal Júlia e José através de uma boa vizinha e posso afirmar que foi a tábua de sua salvação. Eles vieram até Marta como um par de anjos caídos do céu especificamente por ordem da providência divina para atender seu pedido de socorro, quando numa crise suplicou a Deus sua ajuda, dizendo-lhe: “O senhor concedeu-me este fardo, agora ajude-me a carregá-lo”. O Todo-poderoso prontamente a atendeu.

Nessa época, as necessidades das duas famílias se cruzavam, fundindo assim uma única família, sem nenhum vínculo consanguíneo. Júlia, José e filhos; Luis, Marta e filhos, creio que o próprio destino os colocou no que poderia ser um elo permanente.

Nessa ocasião, há quatro décadas, Marta e Luis moravam em São Paulo.

Os componentes de sua nova família, José e Júlia, foram colonos de fazendas da zona noroeste do Estado de São Paulo, e tiveram quatro filhos, três mulheres e o caçula, varão. A filha mais velha, Mercedes, e seu marido Pedro, também eram empregados na mesma fazenda. Pedro, pessoa ambiciosa, tinha objetivo de vencer e ser um grande fazendeiro. Informado, decidiu adquirir terras no Mato Grosso do Sul, e com forte vontade reuniu parentes e amigos a adentrarem nessa aventura.

Assim partiram em busca dos sonhos. Sem medir consequências foram desbravar aquele solo selvagem. A luta era árdua para as pessoas mais jovens, imagine para os de meia idade ter que lavar roupa no rio, morar em acampamento, com mosquitos impertinentes e o sol queimando (anos depois aquele sofrível acampamento cresceu e tornou-se a próspera cidade de Tangará da Serra e os descendentes dessa geração, os Nonato Carvalho, fazem parte desse patrimônio).

Com tantos obstáculos, o filho desse casal adoeceu, sem nenhum recurso foi transportado de carroça, com febre alta, desidratando-se a cada momento, até conseguir outra condução para Cuiabá - distante mais de 300 quilômetros, acompanhado pela sua mãe. A doença do jovem em estado avançado fez com que ele

permanecesse internado por mais de dois meses.Dona Júlia, pessoa disposta, foi trabalhar num

restaurante para prover recursos, economizando tudo que conseguia. Quando seu filho teve alta médica, não titubeou em seguir para a capital de São Paulo, onde residiam suas outras filhas.

A vida reserva surpresas secretas que fogem da normalidade; chegam de supetão, sem aviso, e vão adentrando. Ocupam espaços e trazem mudanças.

Nessa época Marta e Luis estavam em São Paulo, e tinham três filhos. Um deles demandava cuidados especiais. Os casais se conheceram, e Júlia e José ganharam um emprego e passaram a cuidar do filho especial de Marta e Luis

. Nada melhor que o tempo e o

trabalho para aliviarem as tormentas. Com o filho de Marta bem protegido e treinado dentro das suas limitações, ela prestou concurso público e foi trabalhar na secretaria de uma escola próxima à sua casa, onde seus filhos estudavam.

Passados alguns anos, Júlia recebe uma triste notícia: sua filha Mercedes foi a óbito, vitimada por um raio quando puxava água da cisterna. Marta e Júlia choraram juntas a grande perda.

A união de Marta com Luis era muito difícil; profissional liberal, não prestava contas dos seus atos, vivendo como gostava. Um pai carinhoso, porém jamais aceitou o terceiro filho. Nos fins de semana vivia bebendo, farreando com amigos e amigas, enquanto toda família sofria.

O trabalho de Marta era sua fuga e sua identidade foi a melhor solução. Há três décadas ficou viúva. Júlia e José cuidaram durante uns vinte anos de seu filho com dedicação, disciplina, afeto e carinho.

Por razões independentes da vontade, José faleceu. Dona Júlia teve outra perda – a esposa de João – e coube a ela cuidar de três crianças menores órfãos de mãe.

Assim foi que Marta voltou a conviver diretamente com sua criança gigante, agora um adulto tranquilo, feliz, podendo conviver socialmente. Até aprendeu a associar trechos de músicas de raiz, conforme seus “pais” lhe ensinaram.

As lembranças amargas desse período se transformaram em ternura, iguais as cantigas de acalento, até chegar a hora da partida...

A dupla família reuniu-se, a convivência e seus designos foram entrelaçados. Nos espinhos das roseiras teceram uma passarela perfumada, um caramanchão de rosas brancas remanescentes desse tempo que reporta ao verdadeiro amor.

Dois casais e uma história

Os casais Luis e Marta sentados (esquerda), Júlia sentada (dir.) e José (em pé)

A dupla família reuniu-se, a

convivência e seus designos foram entrelaçados

Acervo pessoal

Célia Silli

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO8 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Tudo teve início na Itália, por volta de 1886, quando dois jovenzinhos se declararam amor. Dessa união nasceram Emília e Davi.

Na época, a Itália, assim com outros países europeus, atravessava uma crise com enormes dificuldades demográficas.

As Américas, do Norte e do Sul, recebiam imigrantes para o trabalho braçal. As famílias que se aventuravam, vinham nos porões de navios cargueiros, nas longas viagens, em condições desumanas. Assim vieram Maria e Alexandre, meus avós maternos, sonhando com um mundo encantado.

No Brasil, aportaram na cidade de Santos, encaminhados ao interior do Estado de São Paulo,

para regiões agrícolas. Mal instalados e surpreendidos com a falta de recursos, sofreram muito. Era o início da escravidão branca em substituição à escravidão negra.

Mais tarde o destino levaria aquele casal a outra grande amargura, com o falecimento das duas crianças trazidas da Itália.

Sem meios para retornarem ao país de origem, reconstituíram a prole. Passados alguns anos, de corações dilacerados, a família haveria de superar mais um infortúnio; morre o patriarca, o provedor do lar.

Viúva, a nona com os filhos menores, ainda em tenra idade, aderiu ao trabalho, preservando a sobrevivência.

Na roça, moravam nas colônias em casas desconfortáveis. Ainda assim era pura alegria para a criançada quando hospedavam um turco mascate que chegava vez ou outra. Sentavam a sua volta, curiosos, queriam ver tudo o que trazia na mala. Uma noite, Marcelo, de nove anos, permaneceu à frente de todos.

Uma arma de fogo que exibia o turco, disparou e acertou o garoto, levando-o a óbito. Uma alegria que terminou em tragédia. O turco sumiu para nunca mais voltar.

Apesar de tantas dificuldades, os filhos que sobreviveram, quando adultos, bons frutos colheram

das boas sementes cultivadas.Este é o resumo de uma história; haverá, talvez,

similares. Vivida e relatada pelos meus antepassados, este é um marco que define uma caminhada, ficando resguardada no interior de minha alma.

Os netos e bisnetos tiveram a felicidade de conviver com a nona, que viveu saudável seus 84 anos, falecida em junho de 1952.

Esparsas emoções

Era um corredor comprido no meio, um banco de madeira. Adormecia eu, todas as noites, no colo da nona, ternamente em seus braços envolvida. Quando doentes, nossa mãe nos agraciava. Minha irmã e eu com peras e maçâs estrangeiras. Meu irmão queria também ficar doente.

Sentada no chão, meu irmão junto a mim dizia gracejos ao meu ouvido. Repelindo-o, enfiei-lhe a agulha de crochê em seu braço. Ele chorava de dor, eu chorava de amor.

O período escolar era à tarde. Todos os dias, ali perto do tanque, minha mãe penteava, trançava e enfeitava meus longos cabelos. Tia Isabel, que fora servente no grupo escolar onde eu estudava, contou o que disse a professora do quarto ano: “Isabel, há muitos anos não tinha uma aluna como a sua sobrinha!”

A primeira paixão ou o primeiro amor. Paulo, 18 anos e eu 12 anos. Paulo já moço, eu em prontidão na Segunda Guerra Mundial. Nunca mais nos falamos.

Ficamos órfãos de mãe. Minha irmã alguns anos a mais, às vezes dizia: “Faça de conta que sou sua mãe”.

Como dizia Madre Tereza: a coisa mais bela é o amor.

Este é o resumo de uma história. Vivida e relatada

pelos meus antepassados, este é um marco que

define uma caminhada, ficando resguardada no interior de minha alma

Apparecida Gasparini

No Século XIX

Maria Fazzolo Balbo, nascida em Vicenza, na Itália

Acervo pessoal

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 9AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Comecei lembrar-me das histórias que mãe contava a respeito de minha tia Inês. Ela era a mais nova das irmãs. Minha mãe foi levada para a Alemanha para um colégio de freiras Franciscanas, onde meu avô Antônio trabalhava como artista de pavimentação em mosaico em igrejas e colégios, o único meio que ele tinha para sustentar a família. Naquele lugarejo pobre todos os homens iam trabalhar no exterior. As filhas mulheres deviam ser bem educadas. Outra filha Elisa, mais velha, já estava lá neste famoso colégio, morreu internada com doença desconhecida com apenas dezessete anos.

Quando o pai foi buscar a minha mãe, por causa da guerra, ela tinha dezoito anos. A irmã mais nova, Inês, tinha ficado em casa para ajudar a mãe, nem sequer conhecia a irmã. Além disso, minha mãe falava somente alemão, e não se entendiam por nada, o pai e a mãe tinham que traduzir, pois eles falavam bem o idioma. Tia Inês tinha muito ciúmes dela: bem educada, elegante na postura e, além do mais o pai mandava vigiá-la por ser a mais velha.

Inês fazia despeitos, rasgava os cadernos dela

porque não entendia o que estava escrito. Tinha já paquera rodeando e às vezes fugia da janela para namorar. Minha tia Inês era muito bonita, igual minha mãe, elas tinham cabelos preto e grandes olhos verdes.

Minha mãe devagar aprendeu a língua falada do lugar, “o friulano”. Podem conferir, na origem das línguas, o “friulano” não é gíria regional, mas é idioma deixado dos antigos romanos que ocuparam essa região, fruto da língua latina. Minha mãe fazia questão de realçar isto quando alguém desprezava este jeito de falar.

Depois de muitas brigas as duas irmãs começaram se entender. Tinham que ajudar a família, no tempo da guerra de 1918. Iam fazer colchões na estação ferroviária para soldados que paravam na alfândega entre a Itália e a Áustria. Ajudavam o pai e a mãe nas diferentes atividades

domésticas e assim por diante. Até o dia da separação delas. Inês ia se casar e ir morar no exterior com um jovem pedreiro. O casal partiu para França a trabalho.

Meu avô Antônio veio faltar com pneumonia dupla.Não resistiu, não tinha penicilina naquela época. Deixou-as em lágrimas e sozinhas. Outro irmão mais novo

engravidou uma moça e precisou fazer o casamento às pressas.

Minha mãe sofredora, ajudava a todos. Resolveu trabalhar em Milão onde precisavam de uma governanta. Partiu assim para a aventura na cidade grande, onde algumas amigas do lugar já estavam trabalhando.

A irmã Inês... Nunca mais se encontraram, até quando a mãe delas morreu em acidente na montanha. Ela não pode voltar da França pois tinha criança pequena. Já tinha cinco, quando isto aconteceu estava

grávida de gêmeos, que pela tristeza dela nasceram mortos.

Minha mãe também se casou, a vida dela deu aquela reviravolta. Passaram-se assim vinte cinco anos e também outra guerra de 1938 até 1945. Os filhos já estavam crescidos, mas as duas irmãs não perderam o contato. As cartas iam e voltavam. Elas nunca deixaram de se comunicar, até que um dia minha mãe, sempre muito decidida, inventou de ir visitá-la.

Que alegria! Preparou tudo com grande emoção. Meu pai deveria ficar com meu irmão mais velho. Eu com meu irmãozinho mais novo de dez anos iríamos junto com ela. Tudo pronto. Vejo-me ainda naquela pequena casa, arrumando com emoção as coisas necessárias à viagem.

Meu pai acordou a gente cedo, não tinha meios de locomoção. Precisamos caminhar mais de uma hora na descida da montanha até a estação ferroviária. Pegamos atalhos, até chegar.

Meu irmão, de pele clara e olhos verde invejáveis iguais a de minha mãe, logo abriu a janela. Íamos enfrentar oito horas de viagem. Com a fome, minha mãe tinha providenciado o lanche, e ele sempre com a cabecinha na janela.

Chegamos, após passarmos por lindos panoramas floridos de beira do mar, nunca vistos até então, pois morávamos na montanha. Em todas as cidadezinhas o trem tinha uma parada. A viagem parecia interminável.

Nós na impaciência de chegar, na estação de Nice tomamos outro trem até São Louran du Var, onde a tia Inês estava nos aguardando na chegada. Meu irmão chegou de rostinho de cor preta e os olhos verdes dele brilhavam mais lindos ainda.

O encontro das irmãs foi de indescritível emoção. Vinte anos as separavam, uma vida inteira a ser contada.

O tempo que elas precisavam deveria ser muito bem mais longo do que os dez dias estabelecidos para permanência. Não tinha como ficar mais, pois tinha deixado meu pai e outro filho. O gelo foi logo quebrado nas lembranças das antigas brigas com muitas risadas, em conhecer sobrinhos, rever o cunhado, e nós brincando com os priminhos, foi tudo muito bonito!

A tia Inês

O encontro das irmãs foi de indescritível

emoção. Vinte anos as separavam, uma vida inteira a ser contada

Elisa Alderani

Acervo pessoal

Tia Inês ao lado do túmulo da família, na França

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO10 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Tempos saudosos da escolinha da roça, quando a vida era mais simples, as pessoas mais amigas e os alunos mais interessados em aprender. Quanta lembrança boa da “Escolinha modesta da roça, rodeada de pés de café”. Naquela época o professor era valorizado e o ensino mais prazeroso.

E lá vinham as crianças, muita delas descalças, trazendo no bornal o material escolar e na mão o caldeirãozinho com o almoço. Os alunos se sentavam, dois a dois nas cadeiras onde havia um vão para colocar lápis, caneta, borracha e, no meio da carteira um orifício para o tinteiro. Naquela época se escrevia molhando a pena na tinta (a pena era de metal), e cada aluno tinha seu mata-borrão para secar a tinta.

A classe era dividida em três fileiras de carteira para o 1°, 2° e 3° anos. E a professora trabalhava como podia, orientando e ensinando as três classes, sendo o primeiro ano dividido em seções A, B e C. Um trabalho insano, mas proveitoso.

Muitos fatos engraçados aconteceram comigo nesses anos de escola rural. Me recordo de dois que me marcaram, pois se deram no mesmo dia.

Nesse tempo havia uma instituição do Estado, a Caixa Escolar que fornecia material para os alunos mais carentes e que era distribuído pela professora, conforme a necessidade.

Certo dia estava eu a trabalhar com os alunos do terceiro ano, formando orações exclamativas e uma das palavras era PENA. Um aluno então pediu-me uma pena, pois a dele estava muito aberta (lembrem-se: as penas eram de metal). E outro precisava de caneta.Muito atarefada, peço-lhe para esperar. Dali apouco, eles tornaram a fazer o pedido (a pena e a caneta), mas

eu, muito ocupada, esqueci-me do pedido.E o tempo passou. Eu me esqueci e eles desistiram.

Só fui me lembrar na hora da leitura dos trabalhos. Pois vejam o que eu li. O aluno que me pediu a caneta escreveu a lápis: “Tenho pena de não ter caneta!”. E o que pedera a pena escreveu a tinta, toda borrada: “Como a minha pena está aberta!”, e um ponto de exclamação enorme!

Pois é, essas coisas aconteciam e a gente percebia como eram inteligentes e espertos aqueles alunos da escola rural. Eu me envergonhei no momento, mas me conformei, pois tudo fazia parte da profissão.

O trem das professoras

O trem das professoras saía da Estação Central da Mogiana (onde hoje fica a apraça do Pronto Socorro na Avenida Gerônimo Gonçalves) às 8h da manhã, quando não estava atrasado, e voltava às 5h da tarde.

As professoras viajavam de segunda classe e o tempo todo da viagem falavam, falavam. Dos alunos,

das rádionovelas, dos passeios, dos problemas domésticos e falavam... E as brincadeiras, as cantigas, as piadas rolavam. Era uma viagem muito boa. E o trem ia sacolejando, resfolegando, a velha locomotiva apitando, as rodas naquela cantinela. “Já te pego, já te largo!”. E só quem viajou naqueles trens a vapor pode ter tão gostosa lambrança.

O trem ia parando em cada estação, em cada fazenda onde os carrinhos já esperavam as professoras. E lá se iam elas pela estrada, guarda-pó de manga comprida protegendo-as da poeira, para a labuta, de segunda a sábado.

Certo dia, o trem quebrou na volta. Algum problema na velha locomotiva. Todas descemos do trem e ficamos andando à beira dos canaviais. O tempo foi passando ... a sede e a fome bateram, apertaram. Ninguém tinha nada para comer, bebemos até a água da caldeira da locomotiva. Por ali não havia nem um pé de fruta, nem laranja, nem amora, nem mesmo melancia, seria a salvação. Já eram sete horas e nada de aparecer alguém para consertar o trem. Aí uma das professoras se lembrou que havia ganho uns ovos de um aluno. O maquinista então levou os ovos e cozinhou na caldeira do trem. E cada uma de nós saboreou seu ovo. Ele estava saboroso, e mesmo sem sal enganou o estômago.

Após mais um tempo, a locomotiva foi consertada e rumamos para casa. Chegamos sãs e salvas em Ribeirão, quase 11 horas da noite onde nossos familiares nos esperavam, ansiosos...

Foi uma aventura e tanto!

Bendita Escola Rural

Professora Edina sorrindo, segunda à esquerda, com seus alunos da escola rural, em outubro de 1954.

Pois é, essas coisas aconteciam e a gente percebia como eram

inteligentes e espertos aqueles alunos da

escola rural

Acervo pessoal

Edina Prado

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 11AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

A saga do tiú*

Um dia ao meio-dia o tiú deu na ninhadaA dona tava lá dentro

Quando viu foi a zuadaJá topou com tiú de testa

De carreira desfiladaOlá tiú atrevido

Seu maldito sem sorteSe o marido tivesse em casaOcê hoje ganhava a morte

Ia morrê estrafegadoNa beira de braço forte

Meu cachorro quebra ferroMeu cachorro desempenhado

Pega a trilha do tiú vai matá esse malvadoDepois do tiú morto

Quero vê o couro tiradoEu peguei o rastro dele por dentro da envernada

Lá dentro duma grota debaixo da raizadaQue o tiú tá aí na moradaSai daqui seu quebra ferro

Cum sua língua tão vermeiaDeixa di contá larido na frente de casa aléia

Minha muié tá di resquardoDi argudão pelos uvido

Num pode leva susto nem também escutá laridoAgora ouvi uma coisa qui eu ainda num sabia

Era se tiú casava se tiú tinha famiaTiú novo tiú véio morre tudo neste dia

Vou deixá um pra semente nu estado da Bahia

Pobre Arsênsio

Meu pai chamava-se Felipe Modesto de Seichas. Ele era rico mais seguro que fazia dó. Ele ia campiá o gado, ele regaçava as calças inté pra cima do jueio. Chegava com as perna tudo riscada.

Tinha um velhinho lá com nome de Arsênsio. Eles foram correr prá buscá uma vaca pra matá. Aí o velho Arsênsio, facilitou i a vaca passou por uma grota. O cavalo lá passou e quebrou a perna do Arsênsio. Meu avô correu com a vaca, levou lá no curral e falou:

-Vou lá buscar Arsénsio. Chegou lá tinha uma casa de marimbondo chapéu, um marimbondão amarelo

que faz aquela casa parecendo um chapéu, marelinha também. E esses marimbondo lá em cima do véio. E ele sem pudê sair de lá com a perna quebrada. O véio Felipe chegou lá e falou:

- Ô Arsênsio, com tanto lugar pro cê passar e você foi bater logo nesse pau?. Ele disse:- Não, Felipe eu tô com a perna quebrada.- Não, essa queda aí não deu pra quebrar nada não. Ocê rasta daí que eu não

vou aí não. E Arsensio repondeu:- Ocê tá vendo o marimbondo? Eu já to todo inchado de tanto o marimbondo me

ferruá aqui. Aí, veio o Felipe, esperou os marimbondo acarmá, prá depois ir lá par tirar o véio.

Chegou lá, pegou ele e botou na garupa do cavalo. O véio era pequininim, botô lá e foi embora, i dissi:

- Agora como é que vai fazer? Vamos chamar o cumpadre Alfredo prá poder encaná sua perna. Aí foi lá meu tio

José, ele foi lá na casa do veio Alfredo. Morava um di lá outro di cá da veredinha. Aí ele foi lá e encanô a perna dele, i o veinho ficô lá sofrendo. E meu avô num tava nem aí, matou a vaca e foi retaliá a carne, e o veinho lá.

Se o véio Alfredo num vai lá, o véio num tinha dó não. Ele inchou tudim. A minha mãe contava o casu. A perna que ficô pra cima era a sã, ia qui quebrô ficou pra baixo. Os marimbondos picaram a cara dele. Esse veio passou foi mal....

*A linguagem caipira foi preservada nos textos.

Causos da

Glorinha

Glorinha Guimarães

Acervo pessoal

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO12 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Em 1982, participei do Clube da Velha Guarda cursando flauta doce com a professora Ruth, com os coordenadores Waldomiro e Elisa. Retornei em 1992 e participei das oficinas de teatro, coral, literatura, dança, pintura, com Carmem Cagno, Evandro Jorda, dentre outros professores.

Nesses decorridos tempos da vida trago recordações do SESC Gerações, como das coreografias em dança e música. Como a do Pena Branca “Cio da terra” e a ciranda de roda com o figurino de espantalho. E também das melindrosas, dos anjos, arco-íris e bumba meu boi, e a oficina de máscaras para carnaval.

As peças de teatro “Ney está?”, “Juiz de paz na roça”, “Quem casa quer casa”, “Os retirantes”, dirigidas por José Mauricio

Cagno. E a iniciação ao teatro com professora Tina de Oliveira. A peça “O testamento do Cangaceiro”, com o personagem Cearim, dirigida por Miriam Fontana e Tânia Alonso, e “Festa na roça” com João Paulo.

Viajamos ao Paraguai e Foz de Iguaçu. Visitamos também o Parque Nacional, a abertura da Eco 92, São Luis Paraitinga (SP) e Taubaté, no Sítio do Pica-Pau Amarelo. O museu do Mazzaropi, a Pinacoteca do Estado, o MAM (Museu de Arte Moderna - SP) e o SESC São Paulo. Vou a Bertioga todos os anos, com oficinas até de pipas com professor Carlinhos, mais caminhadas, hidroginástica e brincadeiras.

Todos os meses do ano temos a grande festa dos aniversariantes do mês, com direito a bolo, guaraná, flores e orquestra. Aquele baile gostoso com fotos e muita alegria.

A oficina de fotografia com Fanca Cortez, Leonardo Rodrigues e Antonio. Professor Neiva da USP, com fotografia preto e branco e mais, laboratório com direito a certificado. E a oficina de Redação com a Professora Eliete Furtado.

O tempo foi buscar o jornal memória, que detonou a memória das mocinhas e do jovem Marco Antônio. Mas conhecemos o ponto do saber, o desafio deixou de existir, assim como me vejo nesse grande armazém de memória, há coisas agradáveis, bem como fatos que nos machucam ao serem lembrados.

Em janeiro de 2008 fiz minha inscrição no SESC. Em janeiro de 2009 comecei a participar da terceira idade do SESC, atendendo convite da minha amiga Dolores Olivo. Ela participou de várias oficinas e também José Olivo, seu esposo, jogava vôlei, parte do SESC Gerações. Havia também os passeios.

Na programação do SESC e no trabalho com idosos as oficinas são muito importantes, para todos e para mim. Participo de várias oficinas. Estou aqui há um ano e seis meses, mas estou muito

feliz. Gostei muito de Bertioga, videodocumentário com o professor Cid Machado; a oficina

de Literatura com a professora Eliete foi ótima. E a de Coral também gosto muito. Afinal de contas eu participo de quase tudo, gosto de dançar e do teatro. Fiz novas amizades também.

O SESC tem muita coisa boa, também para as crianças, jovens e adultos. Afinal de contas estão de parabéns o SESC e todos os professores.

Ingressei no SESC há doze anos. Resolvi tomar esta decisão para me ocupar com outras atividades e não ficar em casa sozinha. Foi a melhor escolha que fiz em minha vida. Ainda não tinha sessenta anos, faltavam alguns meses. Neste ambiente familiar fiz muitas amizades, participei de inúmeras oficinas de artesanato e literatura.

Tenho ainda meu caderno guardado das primeiras aulas.Neste período era uma verdadeira “Escola da Terceira Idade”. Eu tinha escolhido a turma da noite porque das 18h30 em diante a saudade da minha família vinha me visitar. A casa tinha-se esvaziado.

Muitos trabalhos foram realizados no SESC na companhia das amigas. A minha preferência sempre foi pelas letras e me aprimorei bastante na língua portuguesa. Comecei a freqüentar a biblioteca e ler mais livros. Sempre gostei de escrever, mas sendo italiana e não tendo estudado aqui, tinha dificuldade na gramática.

Assim vieram ao meu encontro as oportunidades de me expressar melhor, escrever poesias, contos e crônicas. Participei de vários concursos. Conheci a Casa do Poeta quando a turma do SESC foi cantar lá, e daquele dia ingressei neste maravilhoso ambiente literário que preencheu todas as minhas expectativas.

Hoje me sinto realizada e feliz por ter tomado esta decisão de freqüentar as oficinas do SESC, na turma da terceira idade, que me deu tantas oportunidades e abriu muitas portas para me tornar a Elisa extrovertida e feliz que sou agora.

Belas lembranças guardo das atividades desenvolvidas no SESC, desde que aqui ingressei, em 1994, após a aposentadoria. Fizemos passeios, excursões, viagens, caminhadas e muita ginástica. Participamos do ¨Dia do Desafio¨ e inúmeras oficinas como as de artesanato, pintura, cultivo de plantas e iniciação ao teatro. E o Coral, o Grupo de seresta ¨Cantores e Cantigas¨ que fazem bem à alma, além de trazer alegria, companheirismo e aprendizado.

Foi marcante o Álbum de Figurinhas, idealizado por Marcelo Hirono em 1998, no qual as figurinhas eram nossos retratos, com datas e preferências.

Mas sempre gostei muito das Oficinas Literárias, pois apesar de apreciar a leitura, só comecei a escrever com quase 70 anos, após a aposentadoria. Fiz a primeira oficina no ano de 1998, ¨Vamos lembrar em Versos¨, ainda na Escola Aberta da Terceira Idade. Na comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil, escrevemos poemas que foram expostos em painéis enormes, nas paredes do SESC Bertioga. No mesmo ano, 1999, foi lançado o projeto: “Minha memória não falha, ela inventa”. Fizemos “A memória construindo a história¨ e a oficina de xilogravura e poemas de cordel. Em 2001, produzimos o “Álbum de Família”, e em 2007, “Oficina de Contos”, com Cissa e Adriano, professores da USP. Em 2009, “Da Leitura à Criação”, com a professora Carolina Bernardes.

Estes anos todos passados no SESC me fizeram compreender a preocupação de seus dirigentes conosco, da Terceira Idade, dando-nos oportunidade de colocar no papel nossas experiências de vida, valorizando-as e colaborando no desenvolvimento de nossa capacidade criadora.

Depoimentos

Edina Prado

Glorinha Guimarães

Maria Dolores Masson Elisa Alderani

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 13AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Estava eu, em 1999, matriculada na Escola Aberta da Terceira Idade do SESC e na agenda constava que as atividades já haviam iniciado. Mas me chamou a atenção a oficina de cordel “Memórias de muitas vidas, lembranças esquecidas pelo cordel devolvidas”. Naquele momento despertou-me a curiosidade de participar de uma aula. Cheguei ao local, sendo encaminhada à sala onde acontecia a oficina. As colegas já bem intencionadas se dispunham ao aprendizado. Shila, a orientadora sentou-se ao meu lado e explicou-me a métrica. Edina, aluna também, já tinha textos produzidos e me permitiu

lê-los, os quais me proporcionaram o entendimento que se fazia necessário. Ao chegar em casa prostada, pensava: Que vou fazer agora, se fugir do compromisso seria uma covardia?

Sentei-me e realizei versos e estrofes. Na aula seguinte os entreguei à mestra solicitando que os corrigisse. O César e a Shila que ministraram em parceria disseram: Tudo está correto. Nada a corrigir. Daí, cada vez mais eu queria escrever poemetos.

A oficina de cordel foi a que deu abertura no caminho e o interesse pela literatura em geral. Após essa vieram outras oficinas: “Vamos lembrar em versos”; “Universo do Esporte”, “A memória construindo a História”; “Oficina de contos: da leitura a criação”. Dessas oficinas, o resultado é o enriquecimento pessoal valorizando a memória, levando-nos a ascensão da auto-estima. Agradeço ao Espírito do Senhor, ao SESC, aos orientadores, colegas, amigos e a todos que me incentivam.

Alice Broquetto

Com satisfação, entusiasmo, com grande júbilo em março passado transpusemos os umbrais desta auspiciosa Casa, que em suas instalações aconchegantes e adequadas a quaisquer manifestações e atividades artísticas esportivas e interlectuais.

A professora Eliete com naturalidade mostrou seu preparo e traquejo com a disciplina e na transmissão desta e sobretudo, calor humano que, consequentemente, fez dissipar nossa apreensão acerca de nosso desempenho, o caminhar no aprendizado e a permanência do grupo. Todos nos empenhamos com afinco no estudo, cremos que se

não tenha alcançado totalmente os objetivos da instituição, foi profícua e deva ter apresentado algum resultado positivo.

No transcorrer deste período em que estivemos juntos, aumentamos nosso saber e nos conscientizamos de que nos encontramos no acaso, no desabrochar da vida e que com a nossa singela produção podemos contribuir um tiquinho que seja para a promoção da leitura edificante e saudável.

Em contrapartida, aos nossos esforços e dedicação, recebemos um rico e imensurável legado: AMIGOS.

Restrito e exíguo é o espaço e o tempo para eu inserir aqui seus retratos e biografias e, assim, apenas os nomeio: Wanda, Elisa Alderani, escritora e poetisa; Célia; Glória, escritora e poetisa, Divina, auxiliar de enfermagem, Alice, Maria Dolores, minha irmã de história de vida e Carmem Lúcia, minha grata incentivadora nesta, a quem afetuosa e respeitosamente abraço e agradeço.

Depoimentos

Célia Silli

Marco Antônio

Quando me matriculei na escola Aberta da Terceira Idade do SESC de Ribeirão Preto, havia dois períodos para os cursos, um vespertino e outro noturno. Era tão sério este trabalho que nos dava o direito de pagar meia passagem no ônibu coletivo como qualquer outro estudante.

Após alguns anos tivemos mudanças e o projeto foi todo remodelado e passou a se chamar Trabalho Social com Idosos. Algumas pessoas não gostaram, o grupo foi se perdendo... Às vezes encontramos dificuldades para adequarmos ao novo sistema. Hoje cada qual faz sua opção

para cursar as oficinas que mais interessar, totalmente democrático.Entre tantas oficinas que participei e ainda participo, destaco as Danças Circulares

sagradas. Uma dança sublime, sem palavras, apenas gestos, olhares e movimentos leves. Forma-se um grande círculo, todos de mãos dadas e o coração sereno. Nos eleva para outro plano, quando a ciranda da criança revive e nos revigora atravéz do eixo imaginário do infinito até a Terra.

O professor que coordena a atividade é o educador físico Evandro Jorda, exigente na concentração e na disciplina, com repeito e afeto.

Apparecida Gasparini

O SESC! Onde pessoas da Terceira Idade convivem. Já há muito tempo conhecia o SESC, frequentando reuniões culturais, passeios, consultas com médicos pediatras para meus filhos e serviços odontológicos.

Vejo agora que o SESC sempre fez parte da minha vida, que grandes emoções eu vivi, ao ver meu primeiro filho ganhar medalhas no judô. Uma vitória ao me ver recuparada da minha auto- estima.

Ainda vejo neste álbum quantas amizades consegui de pessoas especiais. Ao participar de aulas de teatro, me apresentei como artista em várias cidades com peças de Pedro Bandeira e Martim Pena. Frequentando oficinas culturais, logo aflorou a minha inspiração poética nas aulas de cordéis, crônicas e redações com impressões pessoais.

Um trabalho muito compensador para meu ego. Preeenchendo meu mundo, ampliando formas mais livres de narrativas. Ao ser influenciadas por todos esses estímulos hoje digo: Como este SESC é maravilhoso, fundamental para o nosso viver. Muito importante a todos nós desta cidade. Ribeirão Preto sempre foi prestigiada com promoções culturais, e muitas delas caem no esquecimento.

Vale a pena recordar com as enormes quantidades de fotos e arquivos guardados. Ao relembrar tantas alegrias aqui passadas nós, idosos estamos sempre à prestigiar seus trabalhos.

Parabéns Serviço Social do SESC.

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO14 AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Eu e o meu marido Terra, futebolista, entramos no Clube da Velha Guarda em 1981, por intermédio de amigos. Nesta época para entrar no clube, os dirigentes visitavam a casa dos sócios para conhecer como viviam. O clube oferecia atividades culturais e sociais voltadas à terceira idade.

A minha primeira viagem foi a Bertioga, em 1982. Lá participei de uma encenação trajada de “japonesa” com o grupo de Ribeirão Preto. Como eu sabia falar algumas palavras em japonês, participei da peça, vestida a caráter, atuando com dois senhores japoneses.

A atividade que mais gosto é o teatro. Escrevi duas peças que foram encenadas: “O circo” e “Ney está?”. Para escrever “O circo” visitei um casal de ex-artistas de que me ensinou truques, como a mulher que engole a espada, feita com uma antena de carro.

A outra peça conta a história de retirantes do Nordeste que deixam suas famílias e vêm a São Paulo para trabalhar. Mas neste meio tempo as mulheres chegam à procura de seus maridos e perguntam por eles, ligando de um celular: “Ney está?”

Venho ao SESC quase todos os dias. É a minha segunda casa. Tive um grande apoio quando perdi meu marido há sete anos, as amigas me ligavam para voltar às atividades. Eu voltei, a assim se passaram quase trinta anos.

Nas atividades do grupo de Teatro do SESC os alunos participam de jogos dramáticos, criação de textos e montagem de peças. Atualmente o grupo é orientado pelo professor João Paulo Fernandes, quem prepara os alunos para a peça “A sina de Juvenal ou A história do homem que perdeu tudo por não ouvir o que o pai dizia”, a ser apresentada em dezembro. João Paulo está trabalhando no roteiro, baseado nos depoimentos dos alunos sobre suas recordações e histórias de vida, num trabalho anterior com a professora Fabiana Fonseca. Outras peças já foram encenadas, dentre elas “O santo milagroso”, com texto de Lauro César Muniz, “A família e a festa na roça”, de Martins Pena e “O testamento do cangaceiro” de Chico de Assis.

Peça “Quem casa quer casa”, sob direção de José Maurício Cagno. Apresentações no SESC São Carlos e no Teatro Auxiliadora, em Ribeirão Preto, em 2001.

Diante da expectativa de vida cada vez maior da população, graças aos avanços da medicina, projetos como o do SESC para a terceira idade são de fundamental importância para a melhoria da qualidade de vida destas pessoas.

Além do caráter educativo embutido em todos os cursos oferecidos, se dá também grande importância ao lado social, promovendo a integração, a troca de experiências e novas amizades. A mim particularmente, veio preencher as horas de ócio, além de estimular os sentidos embotados pelo tempo.

É o terceiro curso relacionando a literatura, escrita e língua portuguesa que participo. O primeiro foi com a professora Carolina, carismática, grande conhecedora de literatura, além da didática impecável.

O segundo foi com a professora Eliete, cujo conteúdo reportou às escolas literárias, assunto este já bastante esquecido pela maioria dos colegas. O curso foi muito rico e bastante esclarecedor, sua didática foi aplicada de maneira leve, de acordo com o grau de conhecimento da maioria. A simpatia, a delizadeza, o grande conhecimento sobre o assunto além da paciência foram muito importantes para o aprendizado de todos.

Depoimentos

Carmem Lúcia de Oliveira Souza

Apresentação da peça “O testamento do cangaceiro”, no Teatro do SESC Ribeirão Preto, com direção de João Paulo.

Apresentação do coral no SESC em Ribeirão Preto

Acervo pessoal

Acervo SESC

O grupo de Coral do SESC, dirigido pela musicista Maria Angélica Cabral, realiza apresentações dentro e fora do SESC, com repertório de música popular brasileira de compositores como Noel Rosa, Adoniran Barbosa, Milton Nascimento, Tom Jobim e Roberto Carlos. As atividades do coral envolvem o trabalho de alongamento corporal, respiração, aquecimento vocal e cuidados com a voz. No momento o grupo se prepara para a participação no Encontro de Corais da Vila Tibério e apresentações no final do ano.

Acervo pessoal

Divina TerraTeatro

Coral

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO 15AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO

Grupo da Terceira Idade

O álbum de figurinhas foi uma divertida atividade da Escola Aberta da Terceira Idade, organizada por Marcelo Hirono, em 1998. Em comemoração aos 20 anos de trabalho social com idosos realizado pelo SESC. Cada aluno trocava suas fotos 3x4 até completarem o álbum.

Este álbum resgata uma brincadeira de criança conhecida por todos nós e que agora ficará guardada na lembrança, junto com nossas melhores recordações de infância.

Álbumde

Figurinhas

Memórias e acontecimentos

Passeata sobre o Estatuto do Idoso em Campos do Jordão, no final da década de 90.

VAMOS LEMbRAR EM VERSOS

Projeto realizado em 1998.

UnIVERSO DO ESPORTE

A oficina reuniu crônicas do Universo do Esporte

Encontro Brasil 500 anos, na colônia de férias em Bertioga, em 1999.

Coreografia de espantalhos, com a música “Cio da Terra” apresentada na Cava do Bosque e na Esplanada do Theatro Pedro II em Ribeirão Preto, e em Bertioga. Abaixo a Dança Circular, em atividade desde 2004, ambas coordenadas pelo professor Evandro Jorda.

Baile de Máscaras no carnaval em 2002

Imagens e fotos: acervo pessoal dos alunos

Escola Aberta da Terceira Idade

Dança folclórica em Festa Junina em 2006

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AGOSTO 2010 JORNAL DE MEMÓRIAS SESC RIBEIRÃO PRETO16

O projeto, ocorrido em 1999, “Minha memória não falha, ela inventa” deu vários frutos.

O livro A memória construindo a história, editado pela jornalista Carmem Cagno, reuniu crônicas da Terceira Idade, e foi lançado juntamente com uma exposição fotográfica e apresentação do coral do SESC.

As crônicas reunidas nesse volume não são apenas o resultado de uma curta experiência de sala de aula. São sobretudo, uma lição de vida para que as novas gerações aprendam o caminho do equilíbrio e da felicidade. O projeto pretendeu exercitar o relato escrito por conta da nossa deliciosa convivência com o grupo da terceira idade do SESC. (texto editado extraído do livro)

A coletânea de cordéis fez parte do projeto de criação com a oficina de literatura de cordel “Versando sobre memórias”, coordenada por Shila e Cesar Dominicano. Juntamente com a oficina de “Xilogravura” com os professores Nilton Campos e Gabriel Figueiredo.

Minha memória não falha, ela inventa

Memórias de muitas vidas: lembranças esquecidas pelo cordel devolvidas

A oficina Diário de Viagem ocorreu em 2007. Foi uma oportunidade de contar histórias de viagens acompanhado por fotos, com a orientação de Carmem Cagno.

Diário de Viagem

Grupo da Terceira Idade

No detalhe, Célia Silli com sua foto de criança, segurando uma boneca- emprestada para a foto -e a sua neta, Alinne, com então 15 anos.

A oficina Álbum de Família foi realizada em 2002 por Carmem Cagno. O trabalho partiu de fotos familiares dos avós e seus netos que juntamente com textos contaram histórias que uniram gerações de avós, pais, filhos e sobrinhos.

Escolhemos entre elas, as que tivessem coincidentes: o brinquedo, o carnaval, a formatura, o casal, o trabalho doméstico. E ai, o mais instigante, os netos escreveram sobre a foto do avô ou da avó, e os avós tentaram descrever igualmente a foto do neto, captar seu instante, mergulhar na sua realidade, desvendar outros código senão os seus.

(texto editado extraído do livro)

Álbum de família

Coletânea de contos organizada pela professora Carolina Bernardes, em 2009.

Oficina de contos:da leitura à criação

Imagens: acervo pessoal dos alunos